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19 de maio de 2022
Este artigo é apenas sobre a parte ocultista de Dugin. Uma análise de suas fontes
filosóficas e geopolíticas invariavelmente também levam a relações com o radicalismo de
terceira posição, isto é, o fascismo e o nazismo como matriz de uma construção
ideológica ao mesmo tempo criativa e perigosa.
Certamente este artigo será alvo dos duguinistas, que me acusarão de ser “politicamente
correto”, isto é, ver conotação negativa tanto em ocultismo quanto em nazismo. Ou
ainda, como já me acusaram, de estar baseado na dicotomia popperiana que distingue
entre sociedades abertas e fechadas, suposta base de demonização dos fascismos e
comunismos. Mas foi Dugin e não Popper, que reuniu justamente tudo o que há de
totalitário contra o a liberdade humana, vista como “degradação moral ocidental
moderna”.
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Dugin está desde os anos 80 enfiado em círculos de intelectuais e grupos literários,
poéticos, ocultistas responsáveis pela integração entre esoteristas russos e europeus. E
nos bastaria ler False Dawn, de Lee Penn, para entendermos a força que esses
movimentos orientalistas têm na condução da política mundial, principalmente entre
globalistas, o que já relativiza a suposta oposição de Dugin em relação ao globalismo,
direcionando o seu ódio, na verdade, para o Ocidente físico, geográfico.
Mas, para alguns, é claro que a Rússia foi maravilhosamente protegida dessa terrível
força ocultista. Este erro trivial de análise poderá custar caro a conservadores e à direita
brasileira que se entregam facilmente à narrativa de “renascimento espiritual” e cristão
da Rússia contra os neonazistas ucranianos. Por trás de toda essa retórica, está uma
verdadeira ameaça de retorno de ideologias embasadas em crenças ocultistas e
neopagãs. Retirando as narrativas pseudo-científicas do nazismo, com as quais se
justificou o racismo, sobra toda a base mística que no fundo orientou toda a doutrina de
supremacia alemã. Na versão duguinista do tradicionalismo, os russos são “virtualmente
iniciados” e a Igreja Ortodoxa Russa é essencialmente “iniciática”. Veremos neste texto
alguns elementos que explicam com Dugin chegou a essa conclusão de supremacia
espiritual russa.
No livro A Quarta Teoria Política, Dugin diz que é preciso afastar-se dos preconceitos
anticomunistas e antifascistas, o que ele considera como uma espécie de submissão ao
“politicamente correto”. Uma análise aprofundada das fontes formadoras da sua
ideologia atual revela o motivo desse singelo apelo feito por ele.
Nos anos 90, Dugin ajudou a criar o Partido Nacional Bolchevique, que unia o
simbolismo comunista com o nazista em uma aproximação política que ele considera,
hoje, como um primeiro “experimento” antes da formação do atual neoeurasianismo e da
sua quarta teoria. No entanto, o que guiou essa perigosa mistura ideológica permanece
vivo e cada vez mais relevante.
Em 1997, Eduard Limonov deu uma palestra na qual mencionou algo do que estivera
aprendendo com seu ideólogo Dugin. A palestra era intitulada “O russo filosófico” e foi
dada aos membros do então Partido Nacional Bolchevique. Dugin teria dito que seria
preciso criar um “novo tipo de homem” por meio de um trabalhoso autoaperfeiçoamento.
Tratava-se do “russo filósofo”, pelo qual, só então seria possível iniciar uma revolução.
Essa tese do “novo homem” de Dugin não tem a conotação cristã que possa ser
imaginada, mas é parte de uma doutrina depois muito bem elaborada no livro
Fundamentos da Geopolítica, o livro mais importante de Dugin até hoje, com quatro
edições de 1997 a 2000.
De fato, a obra tornou-se tão influente que sua segunda edição incluiu um posfácio do
tenente-general Nikolai Klokotov, ex-chefe da Academia do Estado-Maior das Forças
Armadas da Rússia. Com base no legado de tais teóricos geopolíticos imperialistas e
nazistas como Alfred Mahan, Friedrich Ratzel, Halford Mackinder, Karl Haushofer e
Nicholas Spykman, Dugin explora a questão da geopolítica. Mas, se Limonov destacou o
aspecto de “autoperfeição” de transição para o “novo tipo de humanidade”, o livro de
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Dugin delineava uma visão política e ideológica mais pragmática e estratégica que
afetaria o mundo inteiro. Essa visão parte da ideia paligenética, isto é, do estudo do
resgate da essência de um povo, algo que só havia sido feito antes pelos ocultistas que
influenciaram a doutrina nazista. Esse estudo de Dugin se deve a toda a sua formação
ao lado de mentes bastante influenciadas por essas ideias, além do ambiente russo da
época, marcado pelo final da repressão soviética e a consequente ebulição de
movimentos ocultistas.
Antes que digam que Dugin não apita mais nada na condução da política externa do
Kremlin, é preciso lembrar de Ivan Ilyn, citado e recomendado pelo próprio Putin ao
comando militar como leitura obrigatória. Como expliquei recentemente no podcast
Observadores, Ilyn era anticomunista e antibolchevique e foi exilado pelos comunistas na
Alemanha, onde ficou fascinado e convicto da superioridade do nacional socialismo
alemão como alternativa para a Rússia. Portanto, as fontes nazistas recuperadas por
Dugin possuem um propósito bem mais associado a Putin do que os seus admiradores
gostariam de admitir. Vejamos.
No final da década de 1970 e início dos anos 80, a União Soviética vivia um ambiente de
popularização do ocultismo por meios oficiais, resumido por Christopher Partridge no
termo “ocultura soviética”. A proliferação de círculos esotéricos por meio do ocultismo na
literatura, combinado com a crescente institucionalização da parapsicologia nos
departamentos científicos da inteligência soviética foram ingredientes para a ebulição
desse fenômeno. Esse clima se definiu pela combinação de grupos que buscavam raízes
do antigo esoterismo russo com tendências novas e pós-modernas de subversão.
Segundo Pavel Nosachev, os movimentos que viram emergir figuras como Yuri Mamleev
e depois Dugin estavam marcados por três características em comum:
1) a opção por esoterismos de “caminho da mão esquerda” como forma de revolta contra
o sistema soviético oficial;
2) a busca por relacionar práticas esotéricas com as religiões tradicionais, especialmente
a Igreja Ortodoxa Russa; e
Esse clima trouxe o apelo a uma rebeldia boêmia e clandestina, diagnosticada como
esquizofrênica pelo regime. Frequentemente, essa loucura radical foi marcada por
experimentos de estados alterados de consciência no que era visto como “metafísica
radical”, representados principalmente pelo Círculo Yuzhinsky.
Não há como entender o pensamento de Dugin sem conhecer algo do que produziu e
estudou o Círculo Yuzhinsky, do qual fez parte nos anos de 1980 nos subterrâneos
intelectuais de Moscou. Ainda hoje, ele considera o círculo como o local em que
conheceu e aprendeu com seus “grandes mestres”.
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Em uma entrevista dada em 2006, Dugin diz que sua formação ideológica, metafísica e
política já estava plenamente definida por volta de 1981, o que nos poupará de eventuais
considerações de que o ideólogo tenha mudado em suas referências e fontes esotéricas
e ideológicas, sobre as quais falaremos aqui.
“Em 1981-82 eu já era um filósofo completo com minha própria agenda intelectual, com
minha própria metafísica e ideologia”, escreveu em uma curta autobiografia que só pode
ser encontrada pelo web archive. “Percebi-me como um rebelde da Tradição no deserto
da modernidade, um homem do submundo metafísico, preparando uma vingança
apocalíptica – sem esperança e, ao mesmo tempo, inevitável”, escreveu Dugin.
Tradicionalismo
O primeiro ramo, centrado na pessoa e obra do sufi muçulmano esotérico René Guénon
(1886-1951), delimitou os conceitos de doutrinas tradicionais centrada na ideia de
“Tradição Primordial”. De acordo com Arnold, a doutrina tradicionalista pode ser exposta
em três hipóteses fundamentais:
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2. A modernidade ocidental é a “idade das trevas” final (chamada “Kali Yuga”), dentro
do atual “ciclo cósmico” em virtude do caráter de oposição e inversão da Traição.
Para Guenón “nunca a humanidade esteve tão seriamente alienada quanto hoje”; e
3. A Tradição pode e deve ser recuperada por uma “elite intelectual” por meio da
“iniciação” e “foco nos denominadores comuns das várias tradições religiosas e
metafísicas”.
Este último ponto Guénon considera a sua própria definição de “esoterismo”, que ele
considerava como sendo o nível mais profundo, oculto e superior de uma doutrina ou
organização. Esse lado oculto coexiste e interage de forma dialética com o lado
“exotérico”, externo e aberto dessa religião em suas formas rituais. Na visão de Guénon,
a dimensão “esotérica”, que tem caráter iniciático, corresponde aos reais “princípios
tradicionais” derivados da Tradição Primordial e, portanto, está relacionado à “iniciação”
e à perene metafísica subjacente a todas as tradições. É neste sentido que Dugin se
refere à palavra Tradição, isto é, apenas àquilo que liga as religiões ao mito da Tradição
Primordial.
Ocultismo Völkish
No final do século XIX, o ocultista e romancista austríaco Guido von List criou um
movimento neopagão que considerou como um resgate da religião da antiga raça
germânica na defesa de um renascimento cultural em nome dela. Guido é considerado
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um dos principais influenciadores do nazismo.
A partir dessa perspectiva, List criou, na década de 1890, uma visão sobre o antigo culto
Wotan como uma proposta de “religião nacional” ou “patrimônio nacional oculto e
secreto” dos povos germânicos. Nessa época, List foi profundamente influenciado pela
teosofia de Helena Petrovna Blavatsky, de quem trouxe a noção de evolução racial e
técnicas de visões místicas que interpretava como vindas de um passado remoto. Em
um período em que ficou temporariamente cego, List diz ter tido revelações sobre “o
segredo das runas” nórdicas pelas quais teria aprendido a decifrar uma língua ancestral,
a partir da qual teria então compreendido toda uma liturgia ritual dos antigos povos
germânicos e sua ligação com o folclore remanescente, etimologia popular e a
combinação com outras correntes ocultistas como a cabala, astrologia e maçonaria.
Dizendo-se inspirado nessas revelações, List propôs a existência de uma teocracia
ariana que incluiria elementos de uma doutrina exotérica além da esotérica, isto é, uma
nova religião popular que ele chamou de Armanismo.
De acordo com Arnold, esses termos e modelos, assim como a busca espiritual pela
revelação de uma missão espiritual ligada a um povo estiveram especialmente presentes
no final do Círculo Yuzhinsky, motivo pelo qual aparecem nos primeiros trabalhos de
Dugin.
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Até aqui não parece haver nada de cristão, exceto o apelo tradicionalista segundo o qual
uma religião exotérica tradicional, como o cristianismo, representaria, no fundo, uma
expressão imperfeita, porém necessária, da Tradição Primordial. Sob o ponto de vista do
wotanismo, no entanto, a inspiração é claramente neopagã e professamente anticristã.
Todavia, foi com um dos discípulos de List que elementos cristãos se uniram a toda essa
miscelânea.
Para Liebenfels, Eva envolveu-se sexualmente com o próprio demónio dando à luz
“raças inferiores”, o que ele acredita ser a explicação para a atração de mulheres alemãs
pobres por homens ricos de pele escura como “judeus de aspecto submediterrâneo e
não-nórdicos” que ele considerava como “quase símios transitórios”, em uma perspectiva
claramente evolucionista e racista. Essa atração, para ele, representava a decadência
que iria na direção do “parasitismo” dessas mulheres, característica que associava ao
setor terciário da economia, como o financeiro dos banqueiros etc, visto como típico das
raças inferiores. Liebenfels acreditava que esse “problema” deveria ser resolvido pela
“desmistura racial”, ideal de purificação que ele relacionava profundamente ao
cristianismo, uma maneira dos povos inferiores se aproximarem da divindade.
Foi a partir da leitura e influência de List e Liebenfels, que um terceiro nome aparece: o
ocultista Rudolf von Sebottendorff, estudioso de sufi, rosacruz, maçonaria, cabala e
astrologia, além de alquimia, foi após ser apresentado à obra de List e Liebenfels que
decidiu incorporá-las, em 1918, à Sociedade Thule, movimento que se tornou o principal
difusor da nova proposta de religião ariana. Tudo isso tornou possível a adoção ampla do
simbolismo ariano por canais oficiais da Alemanha, especificamente a suástica e a águia,
referências ao Urheimat do Norte, a terra sagrada nórdica, e à Thule, significando o
resgate da antiguidade alemã.
Dessa forma, conclui Jafe Arnold que embora a corrente ocultista völkisch tenha
apresentado mudanças ao longo do tempo, seus autores têm em comum a busca pela
unificação e resgate de uma “tradição ariana primordial”. “Todos esses autores
aparecerão na gramatologia esotérica inicial de Dugin e, assim, parecem ter
representado precedentes prototípicos do que veremos ser a própria formulação de
Dugin de uma identidade e missão espiritual escatológica para a Rússia”, escreve
Arnold.
Ao menos nesta última corrente, vimos a influência clara da mística nazista como
formadora intelectual de Dugin. Mas a outra, a linha tradicionalista que acredita na
Tradição Primordial, também não deixa a desejar neste quesito, ao menos na acepção
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que Dugin faz dela.
A “espantosa clareza” vista por Dugin na obra de Herman Wirth de fato nos revela algo
mais sobre suas fontes. Dugin elogia bastante o trabalho de Wirth. Mas quem foi ele?
Como estudioso de símbolos e história oculta, Wirth publicou um livro sobre a “pré-
história da raça nórdica atlântica” que se tornou o livro principal do Círculo Völkish,
movimento do século XIX que originou o nazismo e é frequentemente relacionado com a
“Revolution Konservadora”. Wirth é considerado por alguns o fundador e inspirador da
Ahnenerbe, espécie de think tank de difusão das ideias nazistas na Alemanha, criado em
1935, chegando a ser presidido por Fredrich Himmler. Os nazistas ficaram
profundamente interessados nos estudos de Wirth sobre a origem dos continentes e das
terras sagradas de Hiperbórea e Aktogaa, evidências da proximidade dos nórdicos com
as raças originárias (que muitos ocultistas nazistas acreditavam serem extraterrestres).
Wirth embasou e inspirou expedições até o ártico em busca das terras sagradas que ele
não acreditava ser míticas, mas reais e concretas. Foi sempre patrocinado por Himmler
até ser afastado. Em 1979, ainda vivo, foi entrevistado pelo neonazista chileno Miguel
Serrano, também estudioso de mitologia e que acreditava em uma “segunda vinda” de
Hitler. Serrano conta que Wirth falou de uma importante obra antissemita sua teria sido
roubada, o que veio sendo, mais tarde referido também por Dugin.
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tradicionalistas de hoje ignoram completamente esse grande autor. É tão estranho que
levanta suspeitas. Estão mesmo os escolhidos nas sombras e cobertos pelo manto da
meia-noite? Sua imprudência e desejo de manter uma ortodoxia fantasiosa não expõe
sua própria paródia e fraude?
“Mas as obras de Herman Wirth não foram perdidas. A Luz do Norte queima em nossos
corações. A Rainha do Inverno arrebata nossas almas e as encanta com a magia do
sono polar. Lá, na noite ártica, em Arctogaia, nós, sob o nome iniciático de Kai – o
ressuscitado, aquele que ascende, aquele que pertence à primavera do Ano Divino –
juntamos os pingentes da palavra mágica, EWIGKEIT, a palavra favorita do professor
alemão Herman Wirth”.
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Atuante na política, Yuzhin-Sumbatov foi promovido a diretor do Teatro de Moscou no
mesmo ano de sua iniciação na loja Renascença. Sua fama internacional e contatos
maçônicos lhe rendeu uma aproximação com o comissário do Povo Soviético para a
Educação, espécie de ministro, Anatoly Lunacharsky, que também era um praticante da
teosofia e ocultista com ideias de inserção do ocultismo para o teatro da URSS, para
simplesmente recrutar ocultistas em uma colaboração com o estado soviético. O lado
ocultista e místico de Yuzhin contrasta com a sua postura pública. Em sua biografia
oficial, Yuzhin era um homem realista, amante do progresso e inimigo do misticismo. Mas
por trás das cortinas do teatro comunista, ele defendia um teatro-ritual por meio da
adoção de esoterismos. Na verdade, ele foi um dos mais importantes canais de
transmissão de fontes e conteúdo esotérico entre a União Soviética e a França, já que
vivia entre os dois países. Essa integração de ocultismos foi, segundo Arnold, decisiva
para o desenvolvimento de todos os que participaram do círculo nas décadas seguintes,
o que podemos incluir aí a obra de Renê Guenón, apenas para citar a fonte mais óbvia.
Um dos mais influentes membros do círculo e um dos mestres de Dugin foi o novelista e
comancista Yuri Mamleev, que acreditava na exótica tese de que o cristianismo ortodoxo
russo possuía uma identidade espiritual em comum com o hinduísmo, tendo dedicado
parte da vida para aproximação das tradições religiosas russa e indiana como parte de
um projeto de construir um “esoterismo eslavo”. Ele acreditava em uma perspectiva
gnóstica do mundo no qual o aspecto físico do mundo é ilusório e maligno. Suas
principais influências foram os teosofistas Rudolf Steiner e Helena Blavatsky. Em seu
último trabalho, Eternal Russia, Mamleev enfatizava Steiner como um visionário da
missão espiritual única da Rússia.
Dugin deve a Mamleev grande parte de sua formação, assim como a todo o período que
esteve no Círculo. A união entre guenonismo e ocultismo völkisch, como veremos,
aparece claramente na sua fisionomia ideológica atual. A partir de uma base
profundamente guenoniana, Dugin começou seus trabalhos difundindo a tese de que o
cristianismo ortodoxo russo é autenticamente iniciático e o povo russo possui essa
tendência iniciática. Para ele, o povo russo já possui uma “iniciação virtual”, motivo pelo
qual será a partir de uma elite russa que virá a salvação da humanidade. “Se ainda
existe a possibilidade de salvação para nossa civilização ‘contra-iniciática’, então a
Rússia ‘iniciática’ ortodoxa não será o melhor lugar para essa ascensão?”, diz Dugin em
Russian Orthodoxy and Initiation. Ele afirma que de posse dessa “iniciação virtual”, como
comprovação da missão espiritual russa, essa elite russa iluminada irá “lançar a ‘nação
da besta vermelha’ nos céus espirituais da Santíssima Trindade como o próprio Cristo,
libertando o Velho Adão das armadilhas do inferno”. Com base no que vimos até agora
sobre a mescla nada ortodoxa entre tradicionalismo e wotanismo, podemos imaginar que
a ideia de Dugin sobre Cristo, Santíssima Trindade e Céus pode ser bastante diversa
daquela encontrada nos catecismos. Não é preciso pensar muito para compreender que
ele adapta o sentido de “iniciação” guenoniano sob uma perspectiva idêntica aos
discursos messiânicos do ocultismo völkisch. Ou seja, o que é a iniciação senão uma
superioridade diante dos não iniciados? Não seria a superioridade ariana, dos wotanistas
germânicos, o mesmo que uma “iniciação virtual” dada pelo Eterno a um povo
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simplesmente por sua descendência germânica? No lugar da raça, Dugin insere o solo
russo, a “russidade” que concede “iniciação” desde que assumida na adesão à
verdadeira Tradição.
Outra figura importantíssima para a formação de Dugin, tendo sido seu iniciador principal
no Círculo, foi o muçulmano Geydar Dzhahidovich Dzhemal, principal responsável pelo
contato do círculo com a obra de Guenón. Seu foco no tradicionalismo islâmico, porém, o
conduziu para um caminho muito semelhante ao dos ocultistas völkisch, dos quais tinha
também muita influência. Em seu trabalho intitulado Orientation: North, Dzhemal conclui
sua busca pelo “pólo do impossível”, em analogia à busca do eu, como o que considera
o “pivô” que “transcenderia todas as equações metafísicas” como o “polo eterno” para o
norte. “Aquele que vai para o Norte não teme a noite. Porque no céu do Norte não há
luz”, escreveu. A sua conclusão não estava de todo distante das polêmicas que
circulavam entre os ocultistas da época que se baseavam em Guenón, afinal, o sufi
francês frequentemente insistiu que a Tradição Primordial só poderia ser nórdica, o que
significaria ser polar. Eles diziam isso baseados nos textos védicos e outros livros
sagrados.
Essa tradição nórdica era chamada de Hiperbórea, que significava “além do bóreas
(vento do norte)”, representando o “início do ciclo cósmico”, o que, segundo Guenón, não
poderia ser confundido com a Atlântica ou a “tradição atlante”, esta considerada uma
degradação da tradição hiperbórea. Pior do que isso: a tradição atlante é associada a
terríveis e perigosas doutrinas “contra-iniciáticas”. A Atlântica é vista como a
representação das terras marítimas e, portanto, da tradição de domínio marítimo,
predominantemente comercial e viajante. Essas ideias foram profundamente influentes
para outros ocultistas e polemistas como Julius Évola, também de grande apreço pelos
membros do Yuzhinski, que embasavam o seu racialismo espiritual que concluía na
superioridade da região centro europeia em relação aos povos do Mediterrâneo, judeus e
outros. Além de Guenón, umas das fontes principais para essas crenças em Évola foi
Herman Wirth.
É a partir dessa metafísica, fonte em comum com o nazismo, que Dugin irá formatar a
sua geopolítica, centrada no norte, nas potências terrestres como representação da
tradição hiperbórea, contra as terríveis e contra-iniciáticas doutrinas do atlantismo,
encarnado hoje ideologicamente sob o nome de globalismo, mas que, no fundo,
representam lugares no espaço, terras, mares e povos contra os quais a guerra parece
ser um evento escatológico e portanto inevitável, uma profecia auto-realizável.
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