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Economia Monetária – Henrique de Freitas Cópio 19/0014253

A Grande Aposta
O filme A Grande Aposta de 2015 retrata de forma relativamente didática os fatores
principais que levaram o setor imobiliário americano a entrar em crise em 2008. O filme começa
explicando como a área de títulos dos bancos sofreu uma grande alteração no final dos anos
1970, quando Lewis Ranieri deu origem à negociação dos títulos hipotecários conhecidos como
MBS (Morgage Backed Securities). Esses ativos eram formados por milhares de hipotecas com
diferentes riscos, mas, pela quantidade de diversificação e pelo setor ser muito estável, ainda
eram consideradas extremamente seguras e possuíam uma avalição de crédito Triple-A, a melhor
possível. Dessa forma, o título conseguiu combinar alta rentabilidade e baixo risco, se tornando
o produto mais atrativo e mais vendido do momento. Para se ter uma ideia, já em 1984, o setor
de negociações hipotecárias liderado por Ranieri, estava fazendo mais dinheiro do que todo o
resto de Wall Street combinado.

Inicialmente, apenas pessoas com um baixo risco de inadimplência podiam adquirir


casas por meio de hipotecas, mas com o passar do tempo, as análises foram se tornando cada
vez menos criteriosas para poder manter a máquina de títulos girando e dando dinheiro para os
bancos. Ou seja, os MBS que eram considerados 65% Triple-A na verdade passaram a ter
hipotecas muito mais arriscadas em sua composição sem que a maioria das pessoas percebesse.

No filme, o gestor Michael Burry é o primeiro a pensar que poderia existir um problema
no setor imobiliário, e por isso, em 2005, decide investigar a fundo como estava a situação de
cada uma das hipotecas dentro dos títulos mais negociados do mercado. Após a investigação ele
descobre que esses títulos MBS estão lotados de hipotecas de alto risco, chamadas de subprime,
cuja taxa variável provavelmente iria fazer com que muitas pessoas se tornassem inadimplentes
a partir de 2007 e, caso o patamar de inadimplência chegasse a 15%, o título perderia seu valor
por completo. Entretanto, não existia uma forma de apostar contra o setor imobiliário, então
Burry teve que negociar com os bancos a criação de um seguro chamado de CDS (Credit Default
Swap), que garantiria um alto retorno a ele caso os títulos perdessem valor. Mesmo estando
certo, caso o mercado imobiliário demorasse demais para entrar em colapso, Burry levaria seu
fundo de investimentos à falência, pois, assim como um seguro de carro, seriam exigidos altos
pagamentos mensais que somariam cerca de 80 milhões por ano para manter sua posição de 1,3
bilhões em CDSs e isso esgotaria os recursos de seu fundo de apenas 555 milhões.

Após a criação dos CDSs, outras pessoas puderam negociar esses títulos e apostar contra
o mercado imobiliário. E uma dessas pessoas foi Mark Baum, gestor de um fundo na Morgan
Stanley, mas cuja equipe era pessimista em relação ao mercado e suas sujeiras, e por isso, ao
ficar sabendo sobre as negociações no setor imobiliário por uma ligação errada da Deutsche
Bank, decidiram investigar sobre o setor. Nesse momento do filme somos introduzidos aos CDOs
(Colaterized Debt Obligation), esses títulos eram compostos majoritariamente pelas hipotecas
ruins chamadas de subprimes que não entraram nos MBSs, mas possuíam avaliações de risco de
crédito de 92% Triple-A, teoricamente quase tão seguro quanto um título público. Os CDOs foram
o primeiro passo para que uma crise apenas imobiliária se transformasse em uma crise
econômica severa.
Para entender melhor se o cenário imobiliário estava realmente com graves problemas,
a equipe de Baum resolve ir atrás de corretores hipotecários. Nessa busca, eles percebem que
existe uma quantidade enorme de casas colocadas à venda, muitas delas abandonadas e com
hipotecas atrasadas. Além disso, descobrem que os corretores, pensando em suas comissões,
concedem hipotecas a basicamente qualquer pessoa, sem nenhum tipo de análise de renda.
Sendo assim, uma única pessoa mesmo sem renda poderia financiar vários imóveis por meio de
hipotecas, e ainda poderia fazer outras hipotecas em cima desses imóveis. Durante anos esse
movimento de demanda por casas fez com que os preços dos imóveis inflacionassem muito, mas
com a elevação dos juros a partir de 2005, o mercado parou de subir e as pessoas passaram a
ter dívidas hipotecárias mais elevadas que o valor dos próprios imóveis, dando início à recessão
no setor. Essa recessão já se manifestava na economia real, mais ainda demorou alguns anos
para atingir o mercado financeiro e a negociação dos títulos na prática, o que prolongou e
aumentou ainda mais a bolha.

Essa demora para que a crise imobiliária atingisse o mercado financeiro ocorreu pelo
fato de que o sistema de regulamentação e investigação da época era completamente falho,
abrindo margem para um enorme conflito de interesses no serviço das agências de rating. Estas
estavam basicamente vendendo as boas notas de rating dos títulos imobiliários para não perder
seus clientes, os bancos. Desse modo, o mercado continuou acreditando que o setor estava
sólido como sempre, mesmo com diversas evidências apontando o contrário na economia real.

Entendendo tudo o que estava acontecendo, três participantes principais do filme


(Michael Burry, Mark Baum e a Brownfield Capital) estavam posicionados na queda do mercado
por meio da compra dos CDSs de MBSs com ratings mais baixos, como os Triple-B, que dariam
um retorno de 10x a 20x o valor nominal protegido. No início de 2007 a inadimplência
hipotecária atingia 1 milhão de imóveis e estava na máxima histórica, mas como o valor dos CDSs
não estavam subindo, eles decidem ir para Las Vegas, onde aconteceria o Fórum Americano de
Securitização, para encontrar os emissores e negociadores dos títulos hipotecários e entender
melhor o que estava acontecendo.

Nesse Fórum, Mark Baum descobre que também são negociados CDOs paralelos, como
se fossem derivativos dos títulos hipotecários originais, esses CDOs são chamados CDOs
Sintéticos. Sendo assim, ele percebe que o mercado hipotecário movimenta cerca de 20 vezes
mais dinheiro do que o seu valor real, ou seja, uma inadimplência imobiliária de US$ 500 milhões
na verdade afetaria cerca de US$ 10 bilhões na economia. Esse foi o fator que permitiu uma crise
imobiliária americana se transformar em uma crise global de larga escala.

Tanto para os gestores da Brownfield Capital quanto para Mark Baum, ficou claro que o
mercado imobiliário estava completamente fora dos trilhos, guiado por pessoas corrompidas e
gananciosas, e por isso decidiram até aumentar suas posições de CDSs, reforçando suas apostas
na queda hipotecária. A Brownfield Capital, um pequeno fundo de garagem composto por Jamie
Shipley e Charlie Geller, foi a única a apostar contra títulos hipotecários relativamente mais
sólidos, com ratings altos Triple-A. Esses títulos acabavam sendo quase tão ruins quanto os
outros, já que as agências de rating não estavam realizando avaliações fidedignas, todavia seu
retorno seria muito maior, de cerca de 200x o valor nominal protegido.

Enquanto isso Michael Burry estava com problemas de liquidez no seu fundo devido à
alta quantidade de resgates. Para garantir o valor dos prêmios dos CDSs e não perder tudo, ele
decide bloquear novos saques, alegando que o mercado não está funcionando corretamente, o
que gera grande indignação de seus clientes e até processos na justiça.
Em abril de 2007, com a falência da New Century Financial, fundo de investimento
imobiliário que originou empréstimos hipotecários nos Estados Unidos, não foi possível mais
esconder a crise imobiliária e os grandes bancos, que possuíam um balanço lotado de MBSs e
CDOs começaram a se movimentar para evitar os altos prejuízos. Sendo assim, antes de precificar
justamente os ativos, os bancos fizeram o possível para despejar seus títulos hipotecários em
clientes desavisados e adquirir CDSs para também se protegerem.

Mark que trabalhava em um fundo da Morgan Stanley, descobre que seu banco operou
vendido US$2 bilhões em títulos MBS Triple-B, mas como os prêmios estavam muito altos e
destruindo o patrimônio do banco, resolveram operar vendido os CDSs com rating A e Double-
A, ou seja, caso o mercado entrasse em colapso, o banco seria o pagador de um retorno de 200x
para quem comprou os CDSs. Dessa forma, a exposição do banco nesses ativos chegou a 15
bilhões e agora eles estavam caminhando para a falência, levando junto o fundo de Mark Baum.

Já no início de 2008, vários bancos estavam em risco de falência e por isso, Michael Burry
e Brownfield Capital decidiram liquidar suas posições e garantir parte do lucro. Apenas Mark
Baum continuou com o CDSs, pois não queria vender seguros para os bancos e acabar os
ajudando financeiramente. Só após a quebra de diversos bancos, incluindo o Lehman Brothers
em 15 de setembro de 2008, Mark Baum decidiu se desfazer da sua posição, garantindo um
enorme lucro. No final de tudo, muitos agentes financeiros acabaram falindo ou tendo que ser
resgatados pelo governo, mas todos os participantes principais do filme que resolveram apostar
contra o mercado financeiro ganharam muito dinheiro.

Depois de um tempo, quando o mercado se acalmou, cerca de US$ 5 trilhões em


previdências, imóveis, poupança e títulos haviam desaparecido, 8 milhões de pessoas perderam
seus empregos e 6 milhões de pessoas perderam suas casas, isso tudo apenas nos Estados
Unidos. A crise também teve efeitos negativos em diversos outros países ao longo dos anos
seguintes, principalmente países europeus que dependiam bastante do turismo, como Portugal,
Grécia e Espanha.

Para ajudar a conter os efeitos da crise, o FED (Banco Central Americano) abaixou as
taxas de juros de 5,5% a.a para 0,25% a.a e manteve essa taxa baixa por muitos anos para
estimular a economia. Além disso, praticou o Quantitative Easing, estratégia monetária em que
o FED comprou os títulos dos bancos para poder resgatá-los e aumentar a oferta de dinheiro no
mercado. Essa é uma medida extrema que utilizada para fugir da armadilha da liquidez, uma vez
que os juros americanos já estavam em um patamar muito baixo e mesmo assim não era
suficiente para estimular a economia. No total, o FED injetou cerca de US$ 3 trilhões na economia
por meio de QEs para conter a crise de 2008, triplicou a base monetária do país e elevou seu
Balanço de US$4 trilhões para US$7 trilhões.

A meu ver, tanto a crise de 2008, quanto outras crises como a do Covid-19, foram
extremamente suavizadas por meio de políticas monetárias de redução de juros e Quantitative
Easing em diversos países ao longo dos últimos anos e, hoje, a dívida global é de mais de US$300
trilhões, cerca de 350% do PIB mundial. Não sei até que ponto esse tipo de medida vai se manter
sustentável e nem como esse problema pode ser resolvido, talvez ainda exista uma crise maior
pela frente...

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