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A IMPERATIVIDADE DA REGRA DO "DESEMPATE" DE PROPOSTAS PREVISTA NOS ARTIGOS 44 E 45


DA LEI COMPLEMENTAR nº 123/2006

Flavia Santos Monteiro


Advogada, pesquisadora de BAC Eventos

1. Introdução
A Lei Complementar nº 123 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), de 14 de
dezembro de 2006, trouxe mudanças significativas em relação à participação de microempresas e empresas de
pequeno porte nas licitações públicas.
Partindo do pressuposto constitucional que assegura tratamento jurídico diferenciado às microempresas[1], as
modificações previstas na LC nº 123 visam justamente a fomentar a atuação de empresas de menor porte
econômico nas contratações administrativas. De acordo com a lei, essa seria uma forma de promover
desenvolvimento econômico e social e de ampliar a eficiência das políticas públicas.
Uma das principais inovações diz respeito à regra de preferência nas hipóteses em que ocorrer empate na
licitação. Entretanto, não se trata de um empate propriamente dito, mas sim de uma espécie de ficção de
empate.
No presente artigo será feita uma breve exposição desse instituto, bem como das decisões proferidas até agora
sobre o tema.
2. Ressalva Prévia
Primeiramente, vale destacar que as expressões microempresa e empresa de pequeno porte serão usadas
indistintamente neste estudo, uma vez que não há distinção entre elas no diz respeito ao procedimento
licitatório.
3. O Empate Ficto
O art. 44 do Estatuto da Microempresa assegura às microempresas e empresas de pequeno porte o direito de
preferência de contratação nos casos em que houver empate na licitação. O parágrafo 1º do referido dispositivo
estabelece que se entende por empate "aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas
microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta
mais bem classificada." Nos casos de pregão, esse intervalo percentual será reduzido para 5%.
Assim, quando ocorrer empate conforme o art. 44 da LC nº 123/06, a microempresa mais bem classificada terá
a oportunidade de oferecer proposta de valor inferior àquela até então considerada vencedora (art. 45, inc. I).
Destaque-se que o benefício da preferência consiste em facultar à microempresa a possibilidade de alterar sua
proposta. Portanto, não se trata de aceitar a proposta originalmente formulada pela microempresa. Também não
basta que a microempresa reduza seu preço de modo a torná-lo igual ao da proposta vencedora. Lembre-se de
que um dos princípios basilares da licitação é o da vantajosidade[2]. Como a Administração tem o dever de
selecionar a proposta que lhe for mais vantajosa, não há que se falar em obrigatoriedade de contratação com a
empresa de pequeno porte se a sua proposta for mais onerosa que a da licitante comum.
Portanto, pode-se dizer que o órgão licitante tem o dever de oferecer à microempresa a chance de reduzir o
valor de sua proposta e ela terá a faculdade de fazê-lo ou não.
Caso a pequena empresa opte por não modificar o valor de sua proposta, o inciso II do art. 45 determina que
deverão ser convocadas, na ordem de classificação, as microempresas remanescentes que tenham formulado
propostas dentro do intervalo de 10% (ou de 5%, quando se tratar de pregão).
Se, eventualmente, houver empate entre os valores apresentados por essas microempresas, haverá sorteio
para determinar a ordem de classificação e, conseqüentemente, qual delas exercerá o direito de preferência

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(art. 45, inc. III).


4. A Imperatividade da Regra Prevista nos Arts. 44 e 45 da LC nº 123
O benefício previsto nos arts. 44 e 45 da LC nº 123 é de observância obrigatória pela Administração Pública.
Isso significa que ele deve ser reconhecido independentemente de requerimento da pequena empresa ou de
previsão editalícia, pois se trata de uma determinação legal imperativa decorrente do art. 22, inc. XXVII[3] da
CF/88.
Nesse sentido, MARÇAL JUSTEN FILHO afirma que "não caberá negar a uma ME ou a uma EPP a
possibilidade de beneficiar-se das regras previstas nos arts. 42 a 45 da LC nº 123, nem mesmo sob o
argumento de ausência de regulamentação. Também não caberá afirmar que o ato convocatório não forneceu a
solução cabível para o exercício e para o deferimento dos benefícios. Ainda que não haja regulamentação e
não obstante o silêncio do edital, os benefícios previstos na LC nº 123 deverão ser reconhecidos, deferidos e
aplicados - sob pena de configuração de nulidade da decisão denegatória." (O Estatuto da Microempresa e as
Licitações Públicas, 2ª ed., São Paulo: Dialética, 2007. p. 21).
Em 05 de setembro de 2007, foi editado o Decreto nº 6.204, o qual regulamenta o tratamento diferenciado
conferido às microempresas no âmbito das licitações públicas. No que se refere à imperatividade da regra
prevista nos arts. 44 e 45 da LC nº 123, o Regulamento Federal gerou ainda mais dúvidas, pois estabeleceu em
seu art. 10 que "Os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de
pequeno porte deverão estar expressamente previstos no instrumento convocatório."
Apesar de não haver manifestação doutrinária ou jurisprudencial expressa sobre essa aparente contradição
entre os arts. 44 e 45 da LC nº 123 e o art. 10 do Dec. nº 6.204, a exigência do Regulamento só faz sentido se
for interpretada em relação aos arts. 47 e 48 da LC nº 123. Caso contrário, o art. 10 padeceria de vício de
ilegalidade[4].
Explica-se: os arts 47 e 48 da LC nº 123 referem-se às chamadas licitações diferenciadas[5]. Juntamente com a
regra do desempate, as licitações sob regime diferenciado constituem uma das principais inovações do Estatuto
da Microempresa. Mas há uma distinção significativa entre essas duas espécies de benefícios: enquanto a
regra do desempate não precisa de previsão editalícia ou de regulamentação específica para ser observada, as
licitações diferenciadas dependem da edição de normas legislativas para serem aplicadas. Isso ocorre porque o
art. 47 determina que será concedido tratamento diferenciado para as microempresas "desde que previsto e
regulamentado na legislação do respectivo ente".
Ademais, o inc. I do art. 49 da LC nº 123 estabelece que o edital deverá prever expressamente os critérios de
tratamento diferenciado para as microempresas nos casos de licitações sob regime diferenciado.
Portanto, a regra do art. 10 do Regulamento Federal não se mostra incompatível com os arts. 44 e 45 da LC nº
123, na medida em que se aplica somente aos arts. 47 e 48 da referida lei. Logo, tem-se que a regra do
desempate em prol da pequena empresa é imperativa, mas o mesmo não se pode dizer do benefício das
licitações diferenciadas.
5. O Posicionamento do TCU
Esse também parece ser o entendimento do Tribunal de Contas da União. No relatório do Acórdão nº 702/2007-
Plenário, o Ministro Benjamin Zymler já sinalizara o posicionamento do TCU sobre o tema ao afirmar que
"Apesar da ausência de previsão editalícia de cláusulas que concedam a estas categorias de empresas os
benefícios previstos nos arts. 45 e 46 da lei supradita, não há impedimentos para a aplicação dos dispositivos
nela insculpidos. Tais disposições, ainda que não previstas no instrumento convocatório, devem ser seguidas,
vez que previstas em lei. Cometerá ilegalidade o Sr. Pregoeiro caso, no decorrer do certame, recuse-se a
aplicá-las, se cabíveis."
Nessa mesma linha seguiu o Acórdão nº 2.144/2007-Plenário. Trata-se da primeira decisão de mérito do TCU
sobre a LC nº 123, em que o Ministro Aroldo Cedraz determinou a auto-aplicabilidade do disposto nos arts. 44 e
45, ao contrário do que ocorre com as disposições previstas nos arts. 47 e 48. Para o Ministro, "a existência da
regra restringindo a aplicação dos arts. 47 e 48 e ausência de restrição no mesmo sentido em relação aos arts.
44 e 45 conduzem à conclusão inequívoca de que esses últimos são aplicáveis em qualquer situação,
independentemente de se encontrarem previstos nos editais de convocação. (...) Observo, aliás, que os
comandos contidos nos arts. 44 e 45 são impositivos ("proceder-se-á da seguinte forma..."), ao passo que a
redação conferida aos arts. 47 e 48 deixam claro seu caráter autorizativo ("a administração pública poderá...").
As regras insculpidas nos arts. 44 e 45 não são, portanto, facultativas, mas auto-aplicáveis desde o dia
15.12.2006, data de publicação da Lei Complementar 123."
Vale mencionar que o Acórdão nº 2.144, ainda que timidamente, faz referência ao art. 10 do Dec. nº 6.204. De
acordo com o Ministro, o dispositivo conflita com a lei que se propôs a regulamentar. Todavia, como o decreto

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foi editado posteriormente ao início do processo, a recomendação dada foi apenas a de que o Tribunal analise
oportunamente a questão com maior profundidade.
6. Considerações Finais
A experiência brasileira em licitações nas quais se aplicam as inovações trazidas pela LC nº 123 ainda é muito
recente para saber quais serão as conseqüências que esse regime diferenciado acarretará nas contratações
públicas.
A intenção de promover o desenvolvimento econômico é válida, no entanto, o meio escolhido para isso
(vantagens às microempresas e empresas de pequeno porte) é questionável. É preciso descomplicar o sistema
existente, e não criar métodos que possam dificultar ainda mais as licitações públicas.
Outra dificuldade decorre da própria redação dos dispositivos da LC nº 123 e do Dec. nº 6.204, que muitas
vezes carece de clareza e objetividade, o que pode gerar dificuldades práticas incalculáveis.
Vale destacar que, em se tratando do Estatuto da Microempresa, mais importante do que a correta aplicação
dos benefícios assegurados nos arts. 42 a 49, é a comprovação de que a microempresa cumpre os requisitos
do art. 3º. Para isso, é necessário que a Administração Pública exija em seus editais documentos que
efetivamente comprovem o enquadramento da licitante como empresa de pequeno porte. Essa é uma maneira
de evitar fraudes decorrentes do surgimento de falsas microempresas. Além disso, é preciso criar mecanismos
contundentes de controle para verificar a veracidade das informações contidas em tais documentos.
Se agir dessa forma, talvez a Administração Pública possa cumprir os objetivos para os quais se propôs com a
LC nº 123: promoção do desenvolvimento econômico e social, ampliação da eficiência das políticas públicas e
incentivo à inovação tecnológica.

Informação bibliográfica do texto:


MONTEIRO, Flavia Santos. A imperatividade da regra do "desempate" de propostas prevista nos artigos 44 e
45 da Lei Complementar nº 123/2006. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 9, nov./2007,
disponível em http://www.justen.com.br//informativo.php?l=pt&informativo=9&artigo=765, acesso em
07/04/2015.

[1] O art. 179 da CF/88 estabelece que "A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às
microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a
incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela
eliminação ou redução destas por meio de lei."
[2] Sobre o princípio da vantajosidade nas licitações, confira-se, por todos, MARÇAL JUSTEN FILHO, Comentários à Lei de Licitações

e Contratos Administrativos, 11ª ed., São Paulo: Dialética, 2005, p. 42.

[3] "Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: ... XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as

modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios,

obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III"

[4] Nesse caso, poderia se falar inclusive em inconstitucionalidade do art. 10, uma vez que a auto-aplicabilidade das normas da LC nº

123 decorre de previsão constitucional.

[5] O regime jurídico e as especificidades das licitações diferenciadas fogem do objetivo deste estudo. Para uma abordagem

aprofundada da questão, confira-se MARÇAL JUSTEN FILHO, O Estatuto da Microempresa e as Licitações Públicas, 2ª ed., São

Paulo: Dialética, 2007. p. 105-144.

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