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Cepal, sob a direção de Raúl Prebisch, não se contentou em apenas coletar dados econômicos
sobre os países latino-americanos e do Caribe; com sede em Santiago do Chile, ela logo virou
uma verdadeira escola de pensamento econômico, com cursos e programas de estudo sobre
os problemas estruturais do continente.
Da mesma forma, a primeira organização de coordenação econômica europeia, a Oece,
predecessora, em 1948, da Ocde (1960), foi constituída para administrar o funcionamento do
Plano Marshall, e deveria, em princípio, estender-se igualmente aos países da Europa central
e oriental ainda ocupados pelo Exército Vermelho. O Secretário de Estado americano
proponente da ideia, o próprio George Marshall, respirou aliviado quando Stalin vetou a
participação de sua esfera de influência no esquema, pois que não haveria, provavelmente,
recursos a serem distribuídos entre todos eles; o programa, coordenado a partir de Paris, ficou
então restrito à Europa ocidental.
Nos anos 1950 e no início da década seguinte, os países em desenvolvimento, em
grande medida impulsionados pelo Brasil e demais latino-americanos, constataram que os
arranjos econômicos feitos no âmbito de Bretton Woods e das reuniões preparatórias em
Genebra à conferência da ONU sobre comércio e emprego de Havana, das quais resultaram,
preliminarmente, o Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas Aduaneiras (Gatt, 1947), não
tinham resolvido o problema básico das diferenças estruturais entre as economias avançadas
e as “subdesenvolvidas”, como então eram chamados os países pobres, logo em seguida
batizados conjuntamente de “Terceiro Mundo”. Levantou-se, então, um imenso clamor em
torno dessa distinção julgada indesejável entre o Norte e o Sul do planeta, do qual resultou a
convocação, pelo Ecosoc, da primeira conferência das Nações Unidas sobre comércio e
desenvolvimento (Unctad, 1964), da qual resultou não só a criação do G77, o grupo dos
países em desenvolvimento, mas um secretariado em Genebra, que passou a organizar
reuniões quadrienais, das quais alguns dos resultados foram acordos sobre produtos de base e
a criação de um Sistema Geral de Preferências, abolindo, na prática, o princípio da
reciprocidade inscrito nos primeiros acordos comerciais, uma das cláusulas básicas do
sistema do Gatt.
Quando, no seguimento da denúncia americana da primeira versão de Bretton Woods,
feita pelo presidente Nixon em agosto de 1971, se instalou um “não-sistema financeiro
mundial”, as principais economias de mercado avançadas estabeleceram um esquema
informal de consultas entre elas para tentar conter a volatilidade dos mercados cambiais, o
que deu origem ao G5 e, mais adiante, ao G7. Esse agrupamento perdura até hoje, com uma
fase de G8 – não exatamente econômica, mas bem mais política –, com a inclusão da Rússia
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pós-soviética no esquema, situação que perdurou até a invasão da península da Crimeia,
amputando-a da Ucrânia, em 2014.
Paralelamente às reuniões anuais do G7, foi criada uma entidade privada, o Fórum
Econômico Mundial, com encontros em Davos, na Suíça, com esse mesmo objetivo primário,
de oferecer um espaço de discussões sobre a economia global, mais reunindo líderes de
países e empreendedores privados; daquelas tertúlias nos Alpes suíços resultaram algumas
boas iniciativas depois incorporadas às agendas de trabalho das principais organizações do
multilateralismo econômico, primeiro o Gatt, depois a OMC, mas também as entidades de
Bretton Woods, assim como as de várias agências especializadas da ONU; delas também
participavam muitas ONGs de todo o mundo, a passo que, num sentido manifestamente
oposto aos objetivos de Davos, começou a reunir-se, por breve tempo, o Fórum Social
Mundial, um convescote anual das tribos confusas de antiglobalizadores – ou
altermundialistas, como proferiam os franceses –, já com clara orientação anticapitalista.
De forma algo similar, no contexto das crises financeiras das economias emergentes, no
final dos anos 1990, foi criado, no âmbito do FMI, um Fórum de Estabilidade Global, que,
impulsionado por nova crise financeira, desta vez dos países avançados, em 2008, resultou na
institucionalização do G20, reunindo as maiores economias do planeta. As reuniões anuais do
G20 ingressaram numa repetitiva rotina de trabalho dos dirigentes desses países (incluindo a
União Europeia e organizações pertinentes), relativamente satisfatórias no plano das
proposições, mas que eram bem menos exitosas no terreno das realizações concretas, dada a
diversidade natural de orientações de política econômica (e de postura política) entre seus
membros, o que parece natural, uma vez que o G20 carece da unidade de propósitos que
caracteriza, por exemplo, a Ocde. Alguns grupos informais, para meio ambiente, por
exemplo, ou para outros temas globais, foram sendo instituídos, ao sabor das urgências de
cada momento, sem exibir, contudo, o formalismo institucional de grupos estruturados em
torno de um tema específico, com objetivos bem determinados. Estes são, grosso modo, os
exemplos mais conspícuos – descurando a multiplicidade e a diversidade dos acordos e
arranjos regionais ou plurilaterais que congregam interesses setoriais ou regionais,
geralmente sob a forma de arranjos de liberalização do comércio ou organizações de escopo
político, ou militar, como a Otan, no caso –, de agrupamentos surgidos a partir de um
entendimento comum sobre objetivos compartilhados, que podem, ou não, evoluir para
formatos institucionais, ou mais refinados, de agregação de valores e dotados de metas
claramente definidas.
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Este não parece ser o caso do Bric-Brics, entidade híbrida, no universo dos
agrupamentos conhecidos, sem um formato preciso quanto à sua institucionalidade e
desprovido de metas objetivamente fixadas de acordo a um entendimento comum sobre seus
objetivos básicos, ou seja, os elementos capazes de definir esse agrupamento em sua essência
fundamental. Ele parece ter sido mais formado em oposição ao suposto “hegemonismo” do
G7 do que em torno de propostas próprias sobre a ordem econômica e política mundial, com
base em uma agenda de trabalho formalizada. Mas atenção, e aqui reside uma diferença
relevante com respeito a todas as entidades mencionadas acima, ele não resultou de uma
necessidade detectada internamente aos integrantes de seu primeiro formato, o Bric, mas se
constitui a partir de uma sugestão totalmente alheia ao trabalho diplomático, ou de
coordenação econômica entre países postulando objetivos comuns, com uma “inspiração”
externa e estranha ao grupo, apenas para “aproveitar” a aproximação feita por um funcionário
de uma entidade dedicada a finanças e investimentos, o economista Jim O’Neill, do Goldman
Sachs. Por essa razão precisa, sempre o considerei um personagem anômalo, no universo de
nossas tradições diplomáticas, mas basicamente em função de uma composição heterogênea,
sem um foco preciso no leque dos interesses nacionais do Brasil no plano externo.
Este livro foi composto a partir de uma seleção de uma dezena, tão somente, de
trabalhos, dentre uma lista de mais de duas dúzias de ensaios e artigos que escrevi
explicitamente sobre o Brics – à exclusão, portanto, de diversos outros textos que pudessem
igualmente abordar secundariamente esse grupo de países reunidos por uma ambição
diplomática –, a partir de uma simples proposta econômica, e que se manteve navegando,
entre ventos e marés, desde meados da primeira década do século, e que segue existindo mais
como ideia do que como realidade. Os primeiros trabalhos nessa categoria foram escritos
antes mesmo da constituição formal do grupo e se estenderam por mais de uma década,
sobretudo durante a vigência do lulopetismo diplomático. A despeito de algo defasados no
tempo, o que se reflete em alguns dados conjunturais, eles revelam uma preocupação
fundamental do autor com a coerência da diplomacia brasileira – nem sempre respeitada em
todos os governos – e com uma noção muito bem refletida sobre os chamados interesses
nacionais – nem sempre bem interpretados por todos os governos –, o que fiz invariavelmente
desde minha formação superior, nos campos da sociologia histórica e da economia política. A
partir do momento em que passei a exercer-me na carreira de diplomata, nunca deixei de
aplicar minhas leituras, minhas pesquisas, as experiências adquiridas em prolongadas estadas
no exterior, em todos os regimes políticos e sistemas econômicos imagináveis, com exceção
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talvez de uma pura tirania ao velho estilo do despotismo oriental, ou o stalinismo do seu
período mais sombrio. Percorri muitos países, ao longo de uma vida de estudos e de missões
diplomáticas, sempre recolhendo impressões sobre suas formas de organização política e suas
modalidades de organização econômica, o que me permitiu escrever centenas de artigos, duas
dúzias de livros e incontáveis notas em cadernos, que se transformavam em trabalhos uma
vez definido um objeto preciso de análise.
O Bric-Brics foi um desses animais estranhos na paisagem diplomática, ao qual
apliquei o meu bisturi analítico, de forma bastante crítica como se poderá constatar pela
leitura dos trabalhos selecionados e aqui compilados, o que obviamente se situava
contrariamente à postura do Brasil em política externa nos anos do lulopetismo diplomático.
Nunca fui de aderir a modismos de ocasião, nem me intimidei com os olhares estranhos que
me eram dirigidos cada vez que eu me pronunciava com o meu olhar crítico sobre esse novo
animal na paisagem de nossas relações exteriores. Sempre considerei que a atividade
diplomática não pode ser dominada por esses princípios que só podem vigorar nas casernas,
ou melhor, em situações de combate: a hierarquia e a disciplina. Acredito que um soldado
não pode interromper as operações no terreno para ir discutir os fundamentos da paz kantiana
com o seu comandante de pelotão, mas um diplomata tem, sim, o dever, de questionar, e de
argumentar, sobre cada “novidade” que se apresenta na agenda das relações exteriores do
Brasil.
Como nunca me dobrei ao argumento da autoridade, sempre busquei invocar a
autoridade do argumento ao discutir a rationale desse animal bizarro no cenário de nossas
atividades, o que não foi bem recebido pelo grupo no poder. Não obstante estar privado de
cargos na Secretaria de Estado, durante mais de uma década, continuei analisando
criticamente as principais opções de nossas relações exteriores, aliás em todos os governos,
desde a era militar até o arremedo de autoritarismo castrense a partir de 2019, o que se
refletiu, precisamente, em todos os livros que publiquei desde 1993 (sendo os dois primeiros
sobre o Mercosul) e em dezenas de artigos de corte acadêmico redigidos desde o período da
ditadura militar. O último artigo desta coletânea, não tem a ver diretamente com a questão do
Brics, mas se refere precisamente a essa postura de “minoria” contra certas posições
dominantes, que nunca hesitei em proclamar, com base num estudo aprofundado de nossas
relações internacionais.
Esta compilação de artigos e ensaios tem por objetivo, assim, demonstrar na prática
como se pode fazer diplomacia – ou, no caso, história diplomática – sem necessariamente
rezar a missa pelo credo oficial. Ela demonstra, pelo menos para mim, que o dever do
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diplomata não é o de se curvar disciplinadamente às inovações que vêm de cima, mas o de
questionar, com base num exame detido de cada questão, sua adequação a uma certa
concepção do interesse nacional. A radiografia que aqui se faz do Brics tem por objetivo
apresentar os dados da questão, examinar o interesse da ideia para o interesse nacional – com
o objetivo do desenvolvimento econômico e social sempre em pauta – e de questionar o que
deve ser questionado a partir de certos equívocos de posicionamento externo que podem
discrepar daquele objetivo. Manterei minha opção de oferecer relatórios de minoria cada vez
que a ocasião se apresentar. No momento, a intenção foi a de coletar trabalhos resultando
uma década e meia de reflexões sobre o que eu chamei de “grande ilusão” de uma diplomacia
paralela, que ainda exerce influência sobre nossas opções externas.
Índice
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Consequências geoestratégicas 50
O Brasil e os Brics 53
Alguma conclusão preventiva? 57
8
11. Contra as parcerias estratégicas: um relatório de minoria 164
Introdução: o que é um relatório de minoria? 164
O que é estratégico numa parceria? 165
Quando o estratégico vira simplesmente tático 167
Parcerias são sempre assimétricas, estrategicamente desiguais 168
A experiência brasileira de parcerias: formuladas ex-ante 171
A proliferação e o abuso de uma relação não assumida 177
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2) O primeiro trabalho relativo ao BRIC: “Os BRICs e a economia mundial” (2006)
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3) Lista geral de trabalhos sobre o BRIC, o BRICS e os membros, de 2006 a 2022
(...)
Começando pelo trabalho listado em 2) e terminando por esta lista que justamente precedeu à
elaboração do livro sobre o Brics:
11
4) Novos trabalhos sobre o BRICS e seus membros de 2022 a junho de 2023
4151. “Brics: o asset que virou uma liability”, Brasília, 9 maio 2022, 1 p. Confirmação de
minha opinião que considera o Brics uma péssima ideia da dupla Amorim-Lavrov.
Postado no blog Diplomatizzando (link:
https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/05/brics-o-asset-que-virou-uma-
liability.html).
4166. “Brics: uma ideia em busca de algum conteúdo”, Brasília, 6 junho 2022, 5 p.
Prefácio ao livro A grande ilusão do Brics e o universo paralelo da diplomacia
brasileira. (disponível neste dossiê)
4170. “Sumário do livro A Grande Ilusão do Brics”, Brasília, 12 junho 2022, 1 p. Breve
resumo, em inglês e português, para preencher demanda do KDP, a partir da publicação
do livro A grande ilusão do Brics e o universo paralelo da diplomacia brasileira
(Brasília: Diplomatizzando, 2022; ISBN: 978-65-00-46587-7; ASIN: B0B3WC59F4;
Preço: R$ 25,00; disponível no link da Amazon.com: https://www.amazon.com/grande-
ilus%C3%A3o-Brics-diplomacia-brasileira-
ebook/dp/B0B3WC59F4/ref=sr11?keywords=A+grande+ilus%C3%A3o+do+Brics+e+o
+universo+paralelo+da+diplomacia+brasileira&qid=1656513882&sr=8-1). Relação de
Publicados n. 1455.
4171. “O Brasil está perdendo o rumo em sua postura enquanto nação civilizada?”,
Brasília, 12 junho 2022, 5 p. Nota sobre a postura diplomática do Brasil em relação à
guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, aproveitando para apresentar o livro sobre
o Brics, incluindo os dois sumários e o índice não numerado. Postado no blog
Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/06/o-brasil-esta-
perdendo-o-rumo-em-sua.html).
4188. “O Brics e o Brasil: quem comanda?”, Brasília, 28 junho 2022, 3 p. Artigo para a
revista Crusoé. Editado pelo jornalista Duda Teixeira, sob o título de “A ampliação do
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Brics e o interesse nacional”, com pequenas edições em pontos específicos; salvo como
“4188aBricsInterNacional”. Publicado na revista Crusoé (1/07/2022; link:
https://crusoe.uol.com.br/secao/reportagem/a-ampliacao-do-brics-e-o-interesse-
nacional/); transcrito no blog Diplomatizzando (1/07/2022; link:
https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/07/a-ampliacao-do-brics-e-o-interesse.html).
Relação de publicados n. 1461.
4189. “O futuro do grupo BRICS”, Brasília, 30 junho 2022, 9 p. Texto conceitual sobre os
caminhos enviesados do BRICS pós-guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, e
reflexivo sobre as ordens alternativas no campo econômico e político. Elaborado a
propósito de webinar promovido pelo IRICE (embaixador Rubens Barbosa) sobre “O
futuro do grupo Brics” (30/06/2022), na companhia do presidente do NDB, Marcos
Troyjo, e da representante da Secretaria de Comércio Exterior do Itamaraty, Ana Maria
Bierrenbach. Postado no Diplomatizzando (link:
https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/06/o-futuro-do-grupo-brics-ensaio-por.html).
Vídeo do evento disponível no canal do IRICE no YouTube (link:
https://www.youtube.com/watch?v=9Q9l8i4gyX4 ). Relação de Publicados n. 1464.
4344. “O que Putin quer de Lula? O que ele vai conseguir?”, Brasília, 25 março 2023, 6 p.
Artigo para a revista Crusoé, sobre a próxima visita do chanceler Lavrov ao Brasil,
tratando do Brics e da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. Publicado na
Crusoé (31/03/2023; link: https://crusoe.uol.com.br/edicoes/257/o-que-putin-quer-de-
lula-o-que-ele-vai-conseguir/?fbclid=IwAR0HUZLik-L-mAziepagvbW2FtPFh-
mtymnqIQHUhNSGKuu2dxVGndG0dKk?utm_source=crs-site&utm_medium=crs-
login&utm_campaign=redir); divulgado no blog Diplomatizzando (18/04/2023; link:
https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/04/o-que-putin-quer-de-lula-o-que-ele-
vai.html). Relação de Publicados n. 1499.
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4420. “O que impede os diplomatas de pensarem com suas próprias cabeças?”, Brasília,
19 junho 2022, 2 p. Nota sobre um equívoco monumental da diplomacia presidencial, a
criação do BRIC. Postado no blog Diplomatizzando (link:
https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/06/o-que-impede-os-diplomatas-de-
pensarem.html).
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