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Instituto de Física “Gleb Wataghin” – Unicamp

F229 – Física Experimental 2 1

Tempos de reação, efeitos sistemáticos e flutuações aleatórias


nas medições de intervalos de tempo

Quando realizamos uma medição do intervalo de tempo entre dois instantes, que em geral para o
Laboratório de Física correspondem a dois eventos em um experimento, utilizamos além do
cronômetro algum outro dispositivo para iniciar e parar a medição realizada com o cronômetro.
Em alguns casos, o processo é feito automaticamente, utilizando um sensor como o photogate,
ou uma placa de impacto como a usada em F129. Contudo, em alguns experimentos o
acionamento e parada do cronômetro são realizados por um operador humano.

Tanto no caso de um sensor quanto no caso do operador há um tempo de reação para que seja
detectado o evento que marca o início ou o fim do intervalo de tempo que desejamos medir. No
caso do sensor, esse tempo é muito pequeno comparado à resolução do cronômetro inteligente
do IFGW, de forma a não ser perceptível. Já no caso humano, o tempo de reação passa a ser
significativo em relação ao intervalo de tempo que desejamos medir e maior que a resolução do
cronômetro inteligente e do cronômetro manual. Dessa forma, podemos montar um
experimento para caracterizar os efeitos desse tempo de reação em um experimento que envolva
a medição de intervalos de tempo, como é o caso da Máquina de Atwood.

Para caracterizar o efeito da reação, montamos uma Máquina de Atwood na qual adicionamos
um photogate alinhado logo abaixo do peso quando está prestes a cair, para medir o começo da
queda do peso, e uma placa de impacto, com a qual detectamos o momento em que a queda do
peso se encerra. Realizamos a medição de tempo de queda de forma automática (Ta) usando o
modo “Two Gates” do cronômetro inteligente do IFGW. Ao mesmo tempo, um operador era
responsável por soltar o peso e medir o seu tempo de queda (Tm) usando um cronômetro de
acionamento manual. Os dois tempos foram anotados e analisamos a diferença de tempo Tm - Ta,
mostrada nas Figuras 1 e 2 para dois operadores diferentes.

0.3

0.2

0.1
Tm-Ta (s)

-0.1

-0.2

-0.3

0 5 10 15 20 25 30
Número da medição


Figura 1: Diferença de tempos medidos para diferentes realizações
de quedas na Máquina de Atwood pelo Operador 1. A média é indicada
pela linha vermelha contínua e os desvios padrão pelas linhas
vermelhas tracejadas. N = 25 medições.

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0.4 0.4

0.2 0.2
Tm - Ta (s)

0 0

-0.2 -0.2

-0.4 -0.4

0 2 4 6 8 10 12
Número da medição


Figura 2: Diferença de tempos medidos para diferentes realizações
de quedas na Máquina de Atwood pelo Operador 2. A média é
indicada pela linha vermelha contínua e os desvios padrão pelas linhas
vermelhas tracejadas. N = 10 medições.

Ao analisar os resultados, podemos notar nas Figuras 1 e 2 há dois tipos de comportamento


diferentes. No primeiro caso, onde foram feitas 25 medições, o valor médio foi de 0,15s e o
desvio padrão do conjunto de dados é de 0,07s. Assim, a diferença do tempo medido pelo
Observador 1 e o tempo medido pelo cronômetro automático é de (0,15±0,01)s. Já no segundo
caso, com 10 medições realizadas, esse valor é de (0,00±0,06)s para o Observador 2, sendo o
valor médio do conjunto de dados -0,0123s e o desvio padrão do conjunto de dados 0,2s.

Podemos agora dizer que ao realizar o experimento, o Observador 1 tende a medir tempos de
queda (0,15±0,01)s mais longos que o tempo de queda real, se assumirmos que os tempos de
reação para o sistema automático são muito pequenos e que o sistema foi bem ajustado
inicialmente. Nessa situação, quando o valor médio do tempo de reação é diferente de zero,
podemos afirmar que há um efeito sistemático nos tempos medidos, que são todos
aumentados, em média, de 0,15s. Como realizamos um experimento para caracterizar o efeito
sistemático, ele pode ser corrigido nos dados de um experimento de Máquina de Atwood
fazendo T’ = T – TR, onde TR é o valor médio do efeito sistemático que chamaremos de tempo
de reação.

É importante notar que ao medirmos o tempo de reação também obtivemos uma incerteza! Essa
nova fonte de incerteza deverá ser adicionada à incerteza instrumental da medição do tempo,
utilizando a propagação de incertezas que neste caso será uma combinação de incertezas.

Analisando agora o Observador 2, vemos que não há efeito sistemático, já que o valor médio das
diferenças de tempo medido é menor que seu desvio padrão. Contudo, não podemos ignorar o
grande desvio padrão introduzido pelo tempo de reação deste observador! Nesse caso, embora
TR = 0 e T’ = T, ainda devemos realizar um cálculo de incertezas combinadas. A incerteza
introduzida pelo Observador 2 é seis vezes maior que a introduzida pelo Observador 1 e vinte
vezes maior que a incerteza instrumental. A incerteza introduzida pelo Observador 1 é apenas
três vezes maior. Mesmo assim, podemos dizer que o tempo de reação é a principal fonte de
incertezas para a medição do tempo.

Podemos agora nos perguntar: Qual a origem do efeito sistemático em uma medição desse tipo?

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Para começar a entender como surge o efeito sistemático, é conveniente decompor a queda em
dois eventos: o momento em que o peso é solto para começar a cair (Ti) e o momento em que ele
atinge o chão (Tf). O processo de medição também é decomposto em dois eventos: o momento
em que o Observador aciona o cronômetro (T’i) e o momento em que o cronômetro é parado
pelo Observador (T’f). As diferenças surgirão quando os pares de eventos (Ti,T’i) e (Tf,T’f) não
acontecerem simultaneamente.

Exercício:

• Monte uma linha do tempo para cada combinação de eventos, mostrando as quatro
situações possíveis.

Por fim, devemos ver que cada ponto nas Figuras 1 e 2 corresponde a uma realização do
experimento, ou seja, a um dos quatro possíveis casos, com valores de T’i e T’f diferentes.
Podemos considerar que o tempo de reação é aproximadamente aleatório e associar a T’i e T’f
funções densidade de probabilidade gaussianas, que serão caracterizadas por um valor médio e
um desvio padrão.

Quando o Observador mede valores de T’ maiores ou menores que os seus correspondentes T


com igual probabilidade, o valor médio da f.d.p. associada se aproximará de 0. Caso contrário,
haverá uma tendência aos tempos variarem aleatoriamente em torno de outro valor médio. Se o
Observador tende a acionar o cronômetro um pouco antes de soltar o peso, por exemplo,
teremos um T’i médio maior que zero. É desse tipo de tendência que surge o efeito sistemático.
Já o desvio padrão da f.d.p. associada dará origem à incerteza associada ao tempo de reação.

Sugestão:

Pense em como foi realizado o experimento da Máquina de Atwood no seu grupo. Pode haver
motivos para ocorrer um efeito sistemático? O procedimento pode ter aumentado o desvio
padrão do tempo de reação do Observador?

Para realizar uma boa análise desse experimento é necessário caracterizar o tempo de reação do
Observador. Uma forma de fazê-lo é filmar algumas realizações do experimento e, ao mesmo
tempo, um segundo cronômetro manual, acionado um pouco antes do peso começar a cair e
parado um pouco depois dele atingir o chão. Assistindo ao filme quadro a quadro, será possível
obter uma boa medição para o tempo de queda, que poderá ser comparado ao tempo medido
pelo Observador.

v. 2019-1

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