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NOTASSOBRE Alex Viany

O SOM E A MÚSICA
NO CINEMA BRASilEIRO

No início do cinemasempre houvevárias Paulino Sacramento.


tentativas de unir o som à imagem e as maneiras AlgtU{sfilmes tinham cenas complicadas.
eram várias: em geral um cantor famoso era Paze Amor\durava mais de 30 minutos e tratav,
filmado apresentando uma ária e de~.s_tBDJava" de todos os assuntos da atualidade, inclusive
durante a projeção, sincronizar seu canto com a' pol (tico. Os atores reproduziam atrás ou ao ladc
imagem na tela. Em muitos filmes importados da tela suas falas e seus cantos, através de
usavãm-se discos e, à falta de algum deles, megafones. E, dependendo do sucesso, a troupe
contava-se com a apresentação de um cantor viajava para outras cidades. Na minha opinião,
brasileiro. A música chegou, portanto, ao nosso e segundo o que se conhece sobre o cinema
cinema muito antes do que se imaginava. . mundial, tais procedimentos eram inéditos. No
Vicente de Paula Araújo e Adhemar Gonzaga exterior, os filmes ficavam mais nõ campo da
também se interessaram por esse fenômeno em ópera e do canto lírico, mas, aqui no Brasil, as
suas pesqu isas. Os filmes "falantes" e/ou experiências foram muito além.
"cantantes" por um certo tempo viraram uma Esse surto durou, mais ou menos, de 1908
mania entre nós. Partiram os produtores para a 1911.
di
vários gêneros, basicamente o da opereta: A idéia do filme carnavalesco, por incrível
lI' A Viúva Alegre parece que teve até mais de uma que possa parecer, vem dessa experiência pionei
versão. Outro título de sucesso foi Paz dos filmes "cantantes", misturada talvez com c
e Amor (1910), escrito por José do Patrodnio já conhecidos "naturais" (documentários). Este
Filho, dirigido e fotografado por Alberto produto híbridô'também teve seu apogeu entre
Botelho. A música era do maesti-oCosta nós. Os produtores filmavam os folguedos de
Júnior, que foi muito importante nessa carnaval e lançavam seus filmes imediatamente
fase. Outro nome, também merecedor de após (alguns deles tinham os filmes prontos já n
destaque, é o de quarta-feira de cinzas, o que prova, inclusive, a
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.. NOTAS SOBRE O SOM E A MÚSICA NO CINEMA BRASilEIRO

competência de nossos làboratórios) e as projeções


eram "acompanhadas" pelos principais cêntores da
época, com sucesso absoluto. Raul Roulien, mais
tarde, vai fazer sucesso em Hollywood. Voltando
ao Brasil torna-se diretor e, acompanhado de seu
irmão, segue uma dessas reportagens carnavalescas,
cantando, durante a exibição, as canções
principais do carnaval focalizado. A mistura cinema
e carnaval era sucesso garantido, principalmente de
biIheteria. E isso resuItou, quase que
automaticamente, no filme carnavalesco (nossos
musicais tinham, portanto, uma raiz que foi
adubada pelo advento do som). O filme
carnavalesco sonoro é, antes de mais nada, a antiga
reportagem do carnaval somada à inclusão do som e
ao ingresso, num cinema ainda perplexo, de elementos
de uma atividade em evolução: o rádio.
Antes do advento do som no cinema, vale a pena
o ressaltar dois aspectos. Primeiro, que ainda durante
o o o cinema mudo houve a contribuição de alguns
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o o compositores populares e clássicos para filmes
o o brasileiros. Eles compuseram canções, não partituras
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completas, como no caso de certos filmes americanos
o o o e europeus, mas posso contar mais de um exemplo
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de compositores colaborando com músicas especiais,
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o o o o digamos canções temáticas, para acompanhamento
o o o o dos filmes.
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o o o o Dois outros nomes devem ser mencionados ainda
o o o o nesse período: Paulo Benedetti e Francisco de
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o o o o Almeida Fleming. Benedetti é um italiano que chegou
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ao Brasil no princípio do século. Fotógrafo, que viria
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o o o o a ter a maior importância no cinema brasileiro, por
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volta de 1915, na cidade mineira de Barbacena, realiza
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o o o o uns dois ou três filr:nesexperimentais em que procura
o o o o sincronizar imagem e som.
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o o o o Francisco de Almeida Fleming, em 1920, mais ou
o o o o menos, faz o que ele chama de America Cin8-
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o o o o Phonema, realizando alguns pequenos filmes baseados
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em canções populares da época. Sai por várias cidades'
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o o o o de Minas Gerais exibindo seu invento. (Os dois
C o o n processos parecem baseados no velho sistema do
disco.)
Benedetti, na nova fase do cinema falado, faz
uma série de filmes também calcados em canções
populares. Foi ele, inclusive, quem deu ensejo à única
aparição de Noel Rosa, em cinema, dentro dessa série..
O advento do som gravado na própria película é
o marco definitivo do cinema falado no Brasil. A
corrida pela inovação se dá em 1933, e Adhemar
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Gonzaga adquire equipamento especializado nos EUA. Cidade Mulher era um filme-revista com música
reunindo-se com Humberto Mauro para realizar uma de Noel Rosa.
reportagem um pouco mais sofisticada sobre o A partir de 1936, quando Humberto Mauro foi
carnaval.
convidado por Roquette Pinto para trabalhar no
Não era somente uma reportagem como as que recém-criado Instituto Nacional do Cinema Educativo
se faziam antes, mas gravava-se o "som direto" em (INCE). começou a preparar as "brasilianas",
vários locais (clubes, bailes, ruas, etc.) com um pequenos filmes feitos em sua região natal, a Zona da
pequeno fio de estória para reunir as cenas. Parece Mata em Minas Gerais, versando sobre a vida rural
também que foi aí a primeira filmagem feita numa brasileira, usando temas musicais populares (Casinha II
favela, onde já havia uma escola de samba. Pequenina, Chuá Chuá),com a colaboração de seu
Outro grupo, encabeçado por Faust<?Muniz, irmão caçula José Mauro, diretor musical das rádios
nome esquecido, mas muito importànte em nosso Tupi e Tamoio do Rio de Janeiro. Ao lado das
cinema, conseguiu fazer, com equipamento brasileiro "brasilianas" (que são as "Bachianas" do cinema) faz
e quase ao mesmo tempo que Gónzaga e Mauro, uma uma série de documentá rios sobre compositores
experiência idêntica que ficou pronta antes. O nome brasileiros, como Nepomuceno, Lorenzo Fernandes,
era Carnavalde 1933. etc.
Deixei de mencionar Luís de Barros, que foi, Uma nota à parte sobre o relacionamento de
realmente, o primeiro a fazer um filme sonorizado no Humberto Mauro com Vila-Lobos, que foi muito
Brasil. Acabaram-se os Otários (1929/30), comédia íntimo, tanto de criação quanto de amizade: fizeram
caipira com Genésio Arruda. juntos O Descobrimento do Brasil (1936/37).
Outro caso especial foi o de Ganga Bruta, a obra- O filme pós-carnavalesco (reportagens das
prima de Humberto Mauro, filmada em 1932, quando décadas de 10 e 20), com a inovação introduzida,
a Cinédia, a Companhia de Adhemar Gonzaga, ainda foi-se transformando em pré-carnavalesco. A Cinédia,
não estava equipada para o "som direto"-. Foi então a partir de 1935, com Alô, Alô, Brasil (Adhemar
concebido um acompanhamento musical com discos, Gonzaga e Wailace Downey), dá início ao novo
feito com muito rigor, de músicas compostas gênero. Eles adivinhavam (não era tarefa difícil)
especialmente para o filme; até o próprio Humberto ,,,
'
quais seriam as músicas mais populares do próximo
Mauro tem uma composição sua incluída nesse carnaval e as incluíam no filme em produção. O
repertório. Usou também Vila-Lobos, canções sucesso de Alô, Alô, Brasil provocou, em 1937, o
populares, inclusive aquele grande sucesso de Carmen Alô, Alô, Carnaval, que é.um filme absolutamente
Miranda: Tal. tropicalista. Eram filmes meio improvisados a
Há uns três anos houve um trabalho muito partir da idéia da música.
caprichoso de pesquisadores de São Paulo que Há uma série de compositores de cinema no
conseguiram reaver os discos, limpá-Ios e colocá-Ios Brasil, ao mesmo tempo populares e eruditos, como
numa trilha sonora, fazendo de Ganga Bruta, que já Radamés Gnatalli, que trabalharam intensamente no
era um grande momento do cinema mudo brasileiro, rádi'O(logo depois na televisão). A Atlândida era
um novo grande momento do nosso cinema sonoro. dom(rtio de Lírio Panicalli; em São Pa-ulo,surge
Algum tempo depois, Humberto MaUlo começa Enrico Simonetti, que mais tarde volta à Itália, onde
a trabalhar com Carmen Santos e faz dois filmes
se torna popularíssimo. Há outros, como esses já
muito importantes do ponto de vista musical: Cidade citados: Leo Perachi, Remo Usai, Gabriel Migliori,
Mulher e Favela de Meus Amores; ambos perdidos, Francisco Mignone, Camargo Guarnieri, Cláudio
pois até hoje não foi possível recuperar uma cópia Santoro, que com maior ou menor assiduidade
sequer. Este último, apesar de ser estória débil e falsa, trabalham no cinema. Desses todos, o mais ativo e
foi feito em uma favela e isso lhe deu uma grande o que encarou essa tarefa mais a sério foi Remo
força. Teve a colaboração de alguns dos principais Usai, que chegou a ir para os Estados Unidos
compositores da época, como, por exemplo, ~ri para um'curso de aperfeiçoamento. Durante
Barroso,e ainda Sílvio Caldas como cantor. O tema da algum tempo foi ele o "pau-para-toda-obra" do
morte do compositor popular nunca reconhecido cinema brasileiro. Gostaria de mencionar outros
voltaria em outros filmes brasileiros. nomes, como os de Guerra Peixe, Edino Krieger e
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~OTAS SOBRE O SOM E A MUSICA NO CINEMA BRASilEIRO

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Luiz Cosme. E, comparada à ligação Humberto


Mauro/Vila-Lobos, há também, nos dias de hoje,
a parceria de Paulo César Saraceni e Antônio
Carlos Jobim, inclusive mais constante que a
primeira. Uma das melhores músicas do cinema ,
brasileiro é, sem dúvida, a que Jobim fez para o
primeiro longa-metragem de Saraceni: Porto das
Caixas.
No meu caso particular, que.sempre desejei
fazer um musical brasileiro - tenho, inclusive, um
roteiro antigo feito com Alinor Azevedo, chamado
Estouro na Praça (Ari Barroso chegou a fazer quatro
músicas para o filme,que ainda hoje estão inéditas) .-
só agora pude enfrentar o problema com A Noiva
da Cidade, em fase de finalização. A partitura é de
Chico Buarque de Holanda e Francis Hime.
O relacionamento que tenho com a música
no cinema vem de longe. No caso de Agulha no
Palheiro, meu primeiro filme, feito em 1953, o
autor da música foi Cláudio Santoro. Na minha
opinião, é uma das melhores coisas já feitas no Brasil
nesta faixa da produção.
Depois, tive uma experiência muito curiosa.
Pixinguinha nunca tinha escrito música para cinema e,
em 1962, quando fu i fazer Sol Sobre a Lama,
chamei-o para compor a trilha musical e ele
surpreendeu todo mundo, mesmo os que já
acreditavam em sua capacidade. A música brasileira
estava tão desprestigiada na época que eu, com
aquela obra-prima do Pixinguinha gravada, ofereci-a
a todas as gravadoras para a tiragem de um disco
e ninguém se interessou. Dei finalmente a gravação
para o Museu da Imagem e do Som.
Quando ele compôs a partitura, ela passou a
merecer um outro filme. Sou muito crítico com as
coisas que faço e posso assegurar que a música estava
muito acima de Sol Sobre a Lama.
Não poderia terminar essas notas sem citar
Caetano Veloso (música de São Bernardo, filma
de Leon Hirszman) e Gilberto Gil (música de Brasil
Ano 2000, filme de Walter Lima Jr.).
Filme e música estão indissoluvelmente ligados
e, para corroborar a afirmativa, cito o exemplo de
Glauber Rocha e Vila-Lobos: dà ligação do primeiro
com Humberto Mauro e deste com Vila-Lobos
deu-se a ligação Glauber/Vila-Lobos, no filme Deus
e o Diabo na Terra do Sol. Atualmente, Glauber
tem projeto de um filme sobre Vila-Lobos.
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