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Crítica | Quando o Carnaval


Chegar - Plano Crítico
César Barzine

7–9 minutos

Nara Leão, Chico Buarque e Maria Bethânia; esses três


nomes impõem respeito ao se encontrarem juntos nos
mesmos créditos. Pena que não trata-se, aqui, de uma
obra musical. Os créditos são referentes a Quando o
Carnaval Chegar — o filme, não a música do Chico. A
obra cinematográfica, infelizmente, é apenas
subproduto desses artistas musicais. Em seguida, ainda
nesses créditos, aparecem outros três nomes de peso:
Cacá Diegues, Dib Lufti e Eduardo Escorel. Agora, sim,
estamos falando de puro cinema. O problema é que toda
essa pureza, apesar da rica conjunção de artistas, resulta
apenas em um trabalho destrambelhado incapaz de
fazer jus tanto com a equipe vinda da música quanto a
vinda do cinema.

A primeira impressão (ou pré-julgamento) que podemos


ter é que trata-se apenas de um daqueles caça-níqueis
que colocam alguma estrela musical no auge para
protagonizar uma história qualquer e, assim, fabricar
um filme comercial até a veia em que os produtores
tomam proveito do sucesso daquele artista e o mesmo
tira proveito disto como autopromoção — o caso dos
filmes do Roberto Carlos dirigidos por Roberto Farias
naquela época. Mas os músicos-protagonistas desta obra
não precisam disso, e Cacá Diegues era um cineasta
autoral recém-saído do Cinema Novo. De fato, Quando o
Carnaval Chegar reflete a postura autoral de seu
diretor, e isso se dá por um curioso paradoxo: se
distanciando do já finado movimento de Glauber Rocha
e se aproximando do cinema comercial brasileiro dos
anos 50 — aquele mesmo que os membros do Cinema
Novo buscavam superar.

Quando o Carnaval Chegar acaba sendo autoral por ser


uma chanchada fora do escopo das chanchadas —
segundo o crítico Alberto Silva, em um texto do jornal
Correio da Manhã durante o seu lançamento, é uma
“neochanchada“. Por se enquadrar fora dos eixos, o que
é primitivo torna-se conceitual, e o comercial soa como
algo alternativo. O argumento do longa escancara a
grande pretensão de não se levar a sério: um empresário
de um grupo musical precisa levá-los a uma
apresentação para um rei. Até lá, é claro, muitas
confusões. A chanchada não está aqui de modo genuíno,
a diferença para as autênticas obras deste gênero é bem
clara. O inocente vem acompanhado de inúmeras
complicações, e a anarquia da obra vai muito além do
simples e ligeiro dinamismo das produções da Atlântida.
A chanchada acaba sendo algo meio gourmet, ponte
para o experimentalismo e que, talvez, acabe sendo mais
uma referência relativamente distante do que um
espírito plenamente encarnado.

As interpretações dos medalhões da MPB exprimem que


eles não são da área, mas também não fazem feio. A
inexperiência está perfeitamente condizente com o tom
tosco do filme. Nara mantém-se mais contida na
expressão e na presença, não aparece tanto quanto os
outros e demonstra estar um pouco tímida. Do outro
lado, Bethânia está espirituosa e com uma performance
mais enfática. Por fim, Chico Buarque trabalha como um
meio-termo, nem tão expressivo e nem tão tímido. Em
relação a eles, o que importa mesmo é a música. Há
canções já existentes e inéditas, marchinhas e mais
refinadas, agitadas e suaves. Há também algumas
cantadas pelos próprios atores como números musicais
e outras não-diegéticas. Apesar de serem boas
acompanhantes, são poucas as que realmente dão alma
às cenas e tiram o filme do marasmo. A principal delas,
sem dúvida, é a belíssima canção-título na voz de Chico
Buarque. Merece menção também a faixa Partido Alto,
composta por Chico, porém, aqui apresentada pelo
grupo MPB4.

Dib Lutfi e Eduardo Escorel (apontados no início do


texto) são, respectivamente, um dos maiores diretores
de fotografia e de montagem do cinema brasileiro. A
fotografia de nada atrai; pelo contrário, é até um tanto
rudimentar. Um tratamento lúdico das cores, que num
filme carnavalesco como este seria bastante convidativo,
é simplesmente ignorado em prol de uma estética
apática. Enquanto isso, Escorel cumpre o seu papel em
um trabalho cujo domínio do ritmo é fundamental; a
agitação deve se fazer presente não apenas pela
velocidade, como também pela energia transmitida em
momentos diversos e na sintaxe entre eles. Quanto à
decupagem, há duas cenas em que ela causa brilho nos
olhos e merecem destaque. A primeira é a exposição
urbana (ao som da já citada Partido Alto) em vários
travellings fragmentados do Rio de Janeiro. A segunda
é a parte da Maria Bethânia cantando Baioque,
especialmente quando ela se junta a outros três homens
e a câmera na mão captura aquilo com muita
desenvoltura ao som do baixo e da guitarra eletrizante.

Cacá Diegues demonstra mais uma vez a sua


versatilidade, assim como a capacidade de criar uma
conexão com o grande público — caraterística notável de
seu conjunto da obra ao salientarmos o histórico
vanguardista do cineasta alagoano. Este filme é um
exemplar de certo ponto do cinema nacional em que ele
já não tinha mais medo de flertar com o popularesco,
partindo de um processo autoconsciente de anarquia.
Um panorama inaugurado pelo Cinema Marginal e por
Macunaíma e que se estendeu por um tempo
considerável. Este fator, junto com a presença de fortes
nomes de nossa música, faz lembrar outro filme
esquecido: Uma Nega Chamada Tereza, com Jorge Ben
Jor, lançado no ano seguinte. Ainda mais enérgico,
atingindo o experimentalismo de fato, o longa
compartilha mais uma característica com o de Cacá: a
inexpressividade como cinema por trás da atração pela
música.

Quando o Carnaval Chegar (Brasil, 1972)


Direção: Cacá Diegues
Roteiro: Cacá Diegues, Hugo Carvana, Chico Buarque
Elenco: Chico Buarque, Nara Leão, Maria Bethânia,
Hugo Carvana, Antonio Pitanga, Ana Maria Magalhães,
José Lewgoy, Elke Maravilha, Wilson Grey, Luiz Alves,
Odete Lara, Vera Manhães, Scarlet Moon, Joaquim
Mota, Zeni Pereira
Duração: 100 minutos.

César Barzine

Redescobri o cinema aos 13 anos, e passei a (tentar)


escrever sobre ele aos 14. Percebi que a escrita era um
complemento da experiência fílmica, um modo de
concretizar e externalizar minhas ideias e sentimentos.
Venho encarando o cinema como um instrumento de
espiritualização, sendo ele uma forma de viver as vidas
que não vivi. Sou entusiasta da década de 1950, mas
também abro o meu coração para a Hollywood Clássica
por completa - sem dispensar as demais nacionalidades.
Tenho Luis Buñuel em primeiro lugar, e mais uns seis
diretores em segundo.

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