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12.

º ano: síntese dos conteúdos de Educação Literária


Fernando Pessoa: Contextualização histórico-literária
1. Qual é a contextualização histórica da poesia pessoana?
Fernando Pessoa vive no início do século XX, uma época conturbada sob o ponto de vista político e social. A
sua poesia integra-se no designado Primeiro Modernismo português.

2. Quais foram os acontecimentos sociais e políticos mais marcantes do início do século XX?
O início do século XX é um tempo marcado pela Primeira Guerra Mundial e pela crise geral dos sistemas
liberais e democráticos, pela industrialização e pelo êxodo do campo para a cidade.

3. Quais são os traços fundamentais do Modernismo?


O Modernismo é um período artístico que abrange os anos 10 aos anos 40 do século XX e que constitui um
movimento de rutura contra a massificação burguesa. É um movimento marcado pela polémica, pela rutura
com a tradição, pela entrega às sensações e pela tendência para a dispersão e multiplicidade do eu.

4. Qual é o marco do Primeiro Modernismo português?


O Primeiro Modernismo Português está periodologicamente marcado pela publicação do primeiro número da
revista Orpheu, em 1915.

5. Quais são os principais traços da literatura no Modernismo?


Nesta época, fruto das várias transformações políticas e sociais, o sujeito encontra-se desenraizado numa
sociedade em que a cultura do material impera. Neste mundo empobrecido, o eu literário desmultiplica-se em
outros eus, assume máscaras, interroga-se, duvida e recorre a formas de provocação e rutura, valorizando o
fragmento e a dispersão.
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A questão da heteronímia

1. Fernando Pessoa inventou a heteronímia?


Não foi Fernando Pessoa quem inventou o termo “heteronímia”, mas foi ele quem lhe conferiu o significado
atual.

2. Em que consiste a heteronímia pessoana?


A heteronímia constitui um espaço ficcional que se desdobra na obra dos diversos heterónimos e que resulta
do fingimento poético. Todas as obras de Fernando Pessoa, independentemente de quem as assina, são
formas artísticas da heteronímia.

3. Podemos considerar a existência individual e isolada de cada heterónimo?


Não podemos considerar cada um dos heterónimos como poetas autónomos. São criações fictícias que
Fernando Pessoa designou como “drama em gente”. Existem como consequência do fingimento artístico e
são formas através das quais se procura a atingir a perfeição.

Poesia do ortónimo

O fingimento artístico

1. Em que consiste o fingimento artístico?


O fingimento artístico é a forma como Fernando Pessoa concebe a sua arte poética. O sujeito concebe a sua
poesia como a intelectualização de uma emoção. O poema é, assim, o resultado da racionalização de um
sentimento. O fingimento poético é a transfiguração da emoção pela razão. Os poemas “Autopsicografia” e
“Isto” são considerados poemas de teorização poética ou de doutrinação estética, em que se apresenta a
teoria do fingimento poético.
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2. O que significa intelectualizar ou racionalizar uma emoção, no contexto da poesia de Fernando
Pessoa?
Intelectualizar uma emoção ou sentimento significa pensar a partir daquilo que se sentiu.

3. Qual é o fundamento da teoria do fingimento poético explicitado no poema “Autopsicografia”?


No processo de criação poética, o sujeito intelectualiza a “dor sentida”, registando, no poema, a “dor
fingida”. Por sua vez, os leitores não têm acesso nem à “dor sentida” nem à “dor fingida”, apenas à “dor
lida”. Esta tese é o fundamento da teoria do fingimento poético.

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A dor de pensar

1. Em que consiste a dor de pensar presente em poemas ortónimos?


O sujeito tem a consciência de que existe um enorme fosso entre aquilo que sente e o que pensa que sente.
Dito de outro modo, o eu, no fazer poético, está consciente do facto de não conseguir exprimir o que
efetivamente sente. Tal situação é concebida como uma incapacidade que origina angústia. Esta constatação
leva o sujeito a desejar não pensar.

2. O que origina a dor de pensar?


A dor de pensar resulta da obsessão do sujeito pela racionalização, pela análise, pela abstração.

3. Como tenta o sujeito ultrapassar a dor de pensar?


O sujeito tenta ultrapassar a dor de pensar desejando ser inconsciente e apenas sentir.

4. Que características do sujeito podemos inferir perante a aspiração expressa em alguns poemas de
desejar ser inconsciente?
A partir da manifestação do desejo do sujeito de ser inconsciente podemos inferir que o eu se debate entre a
inconsciência e a consciência, entre o sentir e o pensar, numa tentativa de ultrapassar a infelicidade e
angústia originadas pelo pensar.

5. Quais são os poemas que constituem uma reflexão sobre a dor de pensar?
Os poemas “Ela canta, pobre ceifeira” e “Gato que brincas na rua” são textos que apresentam o desejo do
sujeito de ser inconsciente para poder atingir a felicidade.

Sonho e realidade

1. Como se concretiza a oposição sonho / realidade na poesia ortónima?


Para o sujeito a presentificação da realidade através do sonho torna-a possível de alcançar e permite ao eu
aspirar a atingir a felicidade.

2. Viver uma experiência sonhada é sempre um momento de felicidade para o sujeito?


As imagens sonhadas são uma forma de experienciar a ilusão de felicidade muito diferente da amargura da
realidade. Esta consciência da oposição entre sonho e realidade torna, no entanto, esse momento de
felicidade numa ocasião de insatisfação. O sonho é sempre uma ilusão e a felicidade procurada é quase
sempre desilusão.

3. Qual é o poema que constitui uma reflexão sobre a oposição entre o sonho e a realidade?
O poema “Não sei se é sonho se realidade” constitui um momento de reflexão sobre a oposição entre a ilusão
do sonho e a amargura da realidade.

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A nostalgia da infância

1. Em que consiste a nostalgia da infância na poesia ortónima?


O sujeito refugia-se inúmeras vezes numa infância mítica, símbolo da inocência, de uma idade em que ainda
não pensa e que lhe permite experienciar a felicidade inicial.

2. Por que razão o sujeito se refugia na infância?


O sujeito refugia-se na infância para experimentar a felicidade da inocência que a inconsciência possibilita.
A infância surge como um paraíso perdido que contrasta com a infelicidade vivida no presente pelo sujeito.

3. Os poemas em que surge uma reflexão sobre a nostalgia da infância são realidade ou ficção?
Quando lemos um poema ou qualquer outra obra, entramos sempre num universo mais ou menos ficcionado.
Não se pode esquecer que, aquando da apresentação do seu fazer poético, o sujeito referiu que o “poeta é um
fingidor”.

4. A infância evocada pelo poeta apresenta traços autobiográficos?


A infância evocada pelo poeta nos seus poemas é ficcionada, não apresentando traços de caráter biográfico.
A infância na poesia pessoana é um símbolo fruto, mais uma vez, da intelectualização do poeta. Assim, a
infância é um símbolo de inocência, de pureza, de sonho, de uma felicidade longínqua.

5. Em que poemas encontramos uma reflexão sobre a infância perdida?


Nos poemas “Quando as crianças brincam” e “Olha-me rindo uma criança” encontramos uma reflexão que
denota a nostalgia da infância.
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Linguagem, estilo e estrutura: recursos expressivos – a anáfora, a antítese, a apóstrofe, a enumeração,


a gradação, a metáfora e a personificação

1. Por que razão se considera que a poesia ortónima está próxima da poesia tradicional?
A poesia ortónima versa temas complexos em poemas formalmente muito simples, recorrendo a estruturas
rítmicas tradicionais como a quadra ou a quintilha e o verso de redondilha.

2. Qual é recurso expressivo presente quando dois versos são iniciados pela mesma expressão?
O recurso expressivo presente quando dois versos são iniciados pela mesma expressão designa-se anáfora.

3. Qual é o recurso expressivo utilizado quando está presente uma oposição semântica?
O recurso expressivo utilizado quando está presente uma oposição semântica designa-se antítese.

4. Quando o sujeito interpela um destinatário real ou fictício, a que recurso expressivo recorre?
O sujeito recorre a uma apóstrofe quando interpela um destinatário real ou fictício.

5. Em que consiste uma enumeração?


A enumeração é um recurso expressivo que consiste na designação sucessiva de elementos que mantêm uma
correlação lógica ou semântica.

6. Em que consiste uma gradação?


A gradação é um recurso expressivo em que um grupo de palavras, pela sua intensidade semântica, amplifica
ou diminui o significado de um elemento textual, assumindo uma direção ascendente (progressiva) ou
descendente (regressiva).

7. Qual é o recurso expressivo que consiste na fusão de duas realidades diferentes que são
assemelhadas, atribuindo-se à primeira uma qualidade pertencente à segunda?

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O recurso expressivo que consiste na fusão de duas realidades diferentes que são assemelhadas, atribuindo-se
à primeira uma qualidade pertencente à segunda designa-se metáfora.

8. Em que consiste uma personificação?


A personificação é um recurso expressivo que se caracteriza pela atribuição de propriedades humanas a uma
coisa, a um ser vivo ou a uma entidade abstrata.

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Bernardo Soares, Livro do Desassossego

1. Quem é Bernardo Soares?


Bernardo Soares é considerado por Fernando Pessoa um semi-heterónimo e o autor do Livro do
Desassossego. Assume a personalidade de um ajudante de guarda-livros, que vive modestamente em Lisboa.

2. Como se pode definir o Livro do Desassossego?


Há alguma dificuldade em definir esta obra. Trata-se, paradoxalmente, de um livro que não é um livro. É um
conjunto de projetos de livro iniciados em diferentes momentos da vida de Pessoa que pode ser
constantemente reinterpretado. Alguns autores consideram-no um diário íntimo e lírico escrito em prosa de
forma fragmentada.

3. Por que razão Bernardo Soares é considerado um semi-heterónimo?


Bernardo Soares é considerado um semi-heterónimo, uma vez que é uma representação, ou uma versão
dramatizada, um semi-eu-outro. Pela similitude do nome e do apelido, com o mesmo número de letras,
apresenta uma relação íntima com Fernando Pessoa.
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O imaginário urbano e o quotidiano

1. Quem assume a pessoa da escrita no Livro do Desassossego?


No Livro do Desassossego, surge um eu-narrador-transeunte que escreve, que embarca na imaginação, e que
se aproxima muito mais do sujeito lírico de um poema do que de um narrador de 1.ª pessoa.

2. Em que medida se pode considerar que o imaginário urbano e o quotidiano estão presentes no Livro
do Desassossego?
O Livro do Desassossego constitui um retrato vivo da cidade de Lisboa, onde a evocação do real banal e
quotidiano é feita através de imagens e não tanto de factos. Os aspetos mencionados nestes textos
fragmentários sugerem mais do que descrevem.
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Deambulação e sonho: o observador acidental

1. Em que medida é que o eu-narrador adota uma postura de observador acidental?


Ao caminhar pelas ruas da cidade de Lisboa, o narrador-transeunte observa o real, mas apresenta-o moldado
pelo sonho, sobrepondo paisagens interiores à paisagem exterior.

2. Que autor que estudaste no 11.º ano assumia uma postura idêntica?
Cesário Verde, nos seus poemas, no final do século XIX, assumia também uma atitude de deambulação,
descrevendo múltiplos aspetos da cidade de Lisboa, mas transmitindo sempre a sua impressão de real. O
sujeito poético adotava a postura de observador acidental, ora descrevendo o real ora transfigurando-o.
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Perceção e transfiguração poética do real

1. Que cidade irrompe no Livro do Desassossego?

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No Livro do Desassossego transparece um fascínio pela cidade de Lisboa, mas a cidade adquire as
características do observador e confunde-se com ele.

2. Que característica assume o observador acidental que deambula pela cidade de Lisboa e regista em
prosa o que vê e o que sonha?
O observador que deambula pela cidade, embora partindo de um fragmento de realidade que lhe prende a
atenção, foge constantemente à realidade e transfigura-a.
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Linguagem, estilo e estrutura: a natureza fragmentária da obra

1. Como podemos caracterizar a linguagem do Livro do Desassossego?


As frases do Livro do Desassossego transmitem múltiplas sensações numa prosa ritmada e com cadência
muito próxima da poesia.

2. Que característica formal apresenta o Livro do Desassossego que revela a sua natureza fragmentária?
Formalmente, o Livro do Desassossego está dividido em textos datados que o aproximam do texto diarístico.
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Poesia dos heterónimos: o fingimento artístico e a reflexão existencial

1. Em que medida os heterónimos de Fernando Pessoa estão relacionados com o fingimento artístico?
A heteronímia é uma forma de fingimento artístico. Cada heterónimo constitui uma forma de fingimento.
Assim, Alberto Caeiro encarna o poeta “bucólico”, Ricardo Reis, o poeta “clássico”, e Álvaro de Campos, o
poeta da modernidade.

2. De que modo cada heterónimo constitui uma forma de reflexão existencial?


Os heterónimos existem como consequência do fingimento artístico e são formas através das quais se
procura a atingir a perfeição, refletindo. Assim, a reflexão existencial em Alberto Caeiro concretiza-se dando
o primado às sensações, Ricardo Reis privilegia a consciência e a encenação da mortalidade e Álvaro de
Campos valoriza o sujeito, a consciência e o tempo, assim como a nostalgia da infância.
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Alberto Caeiro: O poeta bucólico

1. O significa a expressão “poeta bucólico”?


Alberto Caeiro é considerado um poeta bucólico, na medida em que, nos seus poemas, valoriza a natureza e a
pureza e inocência da vida campestre. A espontaneidade da sua poesia é, no entanto, aparente.

2. Por que razão Alberto Caeiro é considerado o Mestre de todos os heterónimos?


Alberto Caeiro é considerado o Mestre de todos os heterónimos, uma vez que é considerado a “semente” de
onde tudo nasce. Ao exaltar o contacto imediato com a realidade e a captação da Natureza através das
sensações, a sua poesia constitui uma espécie de “grau zero”, sintetizando a origem de tudo. Deste modo,
Alberto Caeiro é considerado a chave da encenação heteronímica, reduzindo ao mínimo a subjetividade na
poesia.

3. Alberto Caeiro é efetivamente um “guardador de rebanhos”?


A expressão “guardador de rebanhos” é uma metáfora. Na realidade, o sujeito assume a posição de um
“pastor”, na medida em que guarda as suas ideias, à semelhança do pastor que guarda as suas ovelhas.
Assim, podemos considerá-lo um pastor ficcional.
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O primado das sensações

1. Qual é o valor da sensação na poesia de Alberto Caeiro?


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Para Alberto Caeiro a sensação é tudo e o pensamento é uma “doença”. Na poesia de Alberto Caeiro, a
sensação é entendida como a sensação das coisas tais como são, sem acrescentar a intervenção do
pensamento ou do sentimento.

2. Em que consiste o objetivismo da poesia de Alberto Caeiro?


O objetivismo da poesia de Alberto Caeiro manifesta-se sempre que se recusa um envolvimento emocional
ou subjetivo.

3. Como podemos definir a poesia de Alberto Caeiro?


A poesia de Alberto Caeiro define-se pela primazia da totalidade das sensações, mas também pelo olhar que
lhe permite captar a essência da realidade, recusando a intervenção do pensamento.

4. Que características específicas apresenta a linguagem dos poemas de Alberto Caeiro?


A linguagem dos poemas de Alberto Caeiro é simples e concreta, refletindo a primazia das sensações
espontâneas e rejeitando a reflexão, a análise e a emoção do sentimento.

5. Em que medida a poesia de Alberto Caeiro concretiza um exemplo de que “o poeta é um fingidor”?
A poesia de Alberto Caeiro resulta de um ato de fingimento artístico: o sujeito finge ser o mais sensacionista
dos poetas, no entanto, sob a capa da espontaneidade, os seus textos refletem uma profunda reflexão e
intelectualização.
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Ricardo Reis: O poeta clássico

1. Por que razão Ricardo Reis é considerado um poeta clássico?


Ricardo Reis é considerado um poeta clássico porque colhe nos poetas greco-latinos, nomeadamente em
Horário, a ideia de disciplina que organiza a sua poética nas odes que escreve.

2. Que características apresenta a ode?


A ode é uma composição poética de exaltação com um esquema rígido. Tem origem na poesia clássica
grega, mas é divulgada à modernidade através do poeta romano Horácio.

3. Até que ponto a poesia de Ricardo Reis é influenciada pelos clássicos gregos?
A poesia de Ricardo Reis é efetivamente influenciada pelos clássicos gregos. A nível temático, Ricardo Reis
recupera dos gregos a consciência da instabilidade e efemeridade da vida, aceitando com elevação o Destino
inflexível. As suas odes seguem o modelo horaciano, mas são ainda mais complexas.

4. Quais são os princípios filosóficos clássicos por que se rege Ricardo Reis?
Ricardo Reis, na sua poesia, apresenta características do estoicismo, nomeadamente na recusa de afetos e
emoções e valoriza a tranquilidade da alma, à maneira epicurista. O carpe diem surge também nas suas odes,
através da valorização da fruição moderada do momento presente.
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A consciência e a encenação da mortalidade

1. A consciência da efemeridade da vida é para Ricardo Reis um fator de desistência?


Apesar de ser efémera, a vida é o único bem e, por isso, deve-se compensar esta imperfeição através da
criação literária.

2. Como se atinge a felicidade seguindo os ideais estoicos e epicuristas presentes na poesia de Ricardo
Reis?
A felicidade é atingida pela procura dos prazeres simples da vida e pelo domínio das paixões que oprimem a
alma. A vida deve ser vivida de forma equilibrada, aceitando a ordem universal.

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3. Por que razão podemos considerar que Ricardo Reis é o poeta da autodisciplina?
Ricardo Reis, atormentado pela passagem do tempo, consciente da morte iminente, escolhe viver de forma
tranquila, sem afetos nem emoções, para evitar o sofrimento.

4. Que características específicas apresenta a linguagem dos poemas de Ricardo Reis?


A poesia de Ricardo Reis apresenta uma linguagem erudita, com recurso a latinismos. A sintaxe é complexa
com predomínio da subordinação. O estilo é denso, recorrendo frequentemente a anáforas, hipérbatos e
perífrases.
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Álvaro de Campos: O poeta da modernidade

1. Que características apresenta a poesia de Álvaro de Campos que permitem designá-lo como poeta da
modernidade?
A poesia de Álvaro de Campos apresenta um sujeito angustiado, atónito, abatido e descontente. O eu poético
debate-se frequentemente entre a dualidade inconciliável do sentir e do pensar, revela-se consciente do
fingimento poético e do abismo que afasta o eu dos outros.
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Sujeito, consciência e tempo

1. Qual é o heterónimo mais próximo de Fernando Pessoa?


Álvaro de Campos é o heterónimo mais próximo de Fernando Pessoa.
2. Qual é a principal diferença entre Álvaro de Campos e Alberto Caeiro?
Álvaro de Campos opõe-se a Alberto Caeiro, na medida em que a sua emotividade e a sua subjetividade não
o deixam ver de forma simples, sem intelectualizar o que perceciona pelos sentidos.
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Nostalgia da infância

1. Que características apresenta Álvaro de Campos na sua poesia que o levam a evidenciar, como
Fernando Pessoa, nostalgia da infância?
Álvaro de Campos evidencia, muitas vezes na sua poesia, tristeza, melancolia, solidão e cansaço. Esta
angústia existencial leva-o a sentir saudades da infância e aproxima-o de Pessoa ortónimo pela dor de pensar.

2. Que características específicas apresenta a linguagem dos poemas de Campos?


Os poemas de Álvaro de Campos apresentam um estilo impetuoso, com desvios sintáticos, frases nominais e
poetização frequente do prosaico, do comum ou vulgar.
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O imaginário épico: matéria épica e exaltação do Moderno e o arrebatamento do canto

1. Como se intitulam os longos poemas de Álvaro de Campos designados como futuristas?


Os poemas futuristas de Álvaro de Campos são a Ode Triunfal e a Ode Marítima.

2. Quais são as características principais das “odes futuristas” de Álvaro de Campos?


As “odes futuristas” de Álvaro de Campos são constituídas por versos longos alternados com versos curtos,
sem rima, num estilo esfuziante, exuberante. A exaltação da força, da energia assenta em recursos
expressivos diversos e repetidos.

3. Em que consiste o futurismo em Álvaro de Campos?


O Futurismo em Álvaro de Campos manifesta-se na defesa de uma estética não aristotélica (conceção de
beleza oposta à ideia de grandeza, ordem, harmonia, proporção), baseada na ideia de força. Álvaro de
Campos canta a velocidade, faz a apologia da beleza desconhecida da máquina e da civilização moderna e
adota um estilo excessivo, recorrendo a exclamações, interjeições, aliterações e onomatopeias.
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4. Em que medida a Ode Triunfal retoma o imaginário épico, embora o subverta?
Este poema é um hino de glorificação, constitui um canto de exaltação à modernidade. Os heróis são agora a
cidade e a movimentação urbana, as novas descobertas científicas, a sociedade industrial, a luz elétrica, as
fábricas, as máquinas, as engrenagens que transformaram o mundo no início do seculo XX. O desejo de total
identificação com as máquinas, símbolos da modernidade ou, de “ao menos”, poder estabelecer com elas
uma relação eufórica apodera-se do eu, agente deste novo canto.

5. Que correntes artísticas se cruzam no poema Ode Triunfal?


A “Ode Triunfal”, expoente máximo da fase Futurista, apresenta aspetos modernistas, futuristas e
sensacionistas. Assim, o Modernismo está presente, por exemplo, nas referências às “lâmpadas elétricas” e
aos meios de transporte. e a procura da totalização de todas as possibilidades dadas pelas sensações ou
perceções de toda a humanidade são características sensacionistas.
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Linguagem, estilo e estrutura: formas poéticas e formas estróficas, métricas e rima

1. Quais são as formas poéticas mais utilizadas por Álvaro de Campos?


Os poemas de Campos apresentam geralmente estrofes longas e irregulares. Os versos longos surgem
frequentemente intercalados por versos curtos. O verso é predominantemente livre.

2. Quais são os recursos expressivos mais utilizados na poesia de Álvaro de Campos?


Os recursos expressivos mais frequentes na poesia de Campos são a repetição, sinestesia, metáforas,
personificações, anáforas, hipérboles, onomatopeias.

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Recursos expressivos: a aliteração, a anáfora, a anástrofe, a apóstrofe, a enumeração, a gradação, a


metáfora, a personificação e a onomatopeia

1. Qual é o recurso expressivo que consiste na repetição de um som consonântico?


O recurso expressivo que se consiste pela repetição de um som consonântico é a aliteração.

2. Qual é o recurso expressivo presente quando dois versos são iniciados pela mesma expressão?
O recurso expressivo presente quando dois versos são iniciados pela mesma expressão designa-se anáfora.

3. Em que consiste uma anástrofe?


A anástrofe é um recurso expressivo que consiste na anteposição do determinante em relação ao
determinado.

4. Quando o sujeito interpela um destinatário real ou fictício, a que recurso expressivo recorre?
O sujeito recorre a uma apóstrofe quando interpela um destinatário real ou fictício.

5. Em que consiste uma enumeração?


A enumeração é um recurso expressivo que consiste na designação sucessiva de elementos que mantêm uma
correlação lógica ou semântica.

6. Em que consiste uma gradação?


A gradação é um recurso expressivo em que um grupo de palavras, pela sua intensidade semântica, amplifica
ou diminui o significado de um elemento textual, assumindo uma direção ascendente (progressiva) ou
descendente (regressiva).

7. Em que consiste uma personificação?

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A personificação é um recurso expressivo que se caracteriza pela atribuição de propriedades humanas a uma
coisa, a um ser vivo ou a uma entidade abstrata.

8. Qual é o recurso expressivo que consiste na fusão de duas realidades diferentes que são
assemelhadas, atribuindo-se à primeira uma qualidade pertencente à segunda?
O recurso expressivo que consiste na fusão de duas realidades diferentes que são assemelhadas, atribuindo-se
à primeira uma qualidade pertencente à segunda, designa-se metáfora.

9. Em que consiste uma onomatopeia?


Onomatopeia é um processo que consiste na repetição de sons que imitam ou descrevem os próprios ruídos,
como surge no poema “Ode Triunfal”.
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Mensagem, de Fernando Pessoa


1. Que obras completas publicou Fernando Pessoa em vida?
A única obra de poesia publicada por Fernando Pessoa foi a Mensagem. Esta obra foi lançada no mercado
em 1 de dezembro de 1934, embora alguns exemplares já tivessem sido impressos em outubro.

2. Qual foi o objetivo de Fernando Pessoa ao organizar o livro Mensagem?


Fernando Pessoa, com esta obra, tem como objetivo marcar o destino imperial de Portugal desde o passado
até ao futuro.

3. Qual foi o título inicial da obra?


Originalmente, a obra tinha como título Portugal, no entanto, Fernando Pessoa resolveu alterar o título a
conselho de um amigo, devido à utilização publicitária da palavra. Optou por Mensagem, um título sugestivo
e simbólico. O número de letras do título, oito, à semelhança da palavra Portugal, é o símbolo da
ressurreição, da transfiguração e do anúncio da futura era.

4. Que relação existe entre o “Prémio Antero de Quental” e a obra Mensagem?


Fernando Pessoa concorreu com a obra Mensagem ao concurso literário do Secretariado de Propaganda
Nacional do regime salazarista que exigia, no seu regulamento, o nacionalismo da obra. A Mensagem não
pôde integrar a categoria “Livro de versos com mais de cem páginas” por não ter o número de páginas
exigido. No entanto, integrando outra categoria, recebeu também o prémio de cinco mil escudos.
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O Sebastianismo

1. O que simboliza na Mensagem o rei D. Sebastião?


A obra distingue a figura do rei morto em Alcácer-Quibir e torna-o uma figura mítica, fruto do seu sonho e
da sua “loucura” enquanto energia criativa e motor da construção de um novo império português.

2. Que aspetos da vida de D. Sebastião são valorizados na Mensagem?


A Mensagem valoriza o rei morto não pelos atos que cometeu, mas pelo sonho que perseguiu. A “loucura”
de D. Sebastião torna-o um mito nacional cuja energia criativa é canalizada para a reconstrução nacional.

3. Por que razão o mito sebastianista ou sebástico ganha protagonismo na Mensagem?


Consciente da situação decadente de Portugal no início do século (as feridas do liberalismo oitocentista, a
invasão napoleónica e a cobardia da dinastia de Bragança, a humilhação infligida por Inglaterra na
negociação do mapa cor-de-rosa, a crise da República) Fernando Pessoa adivinhou-lhe um passado dorido e
pressentiu um futuro perturbante. Para contrariar esta fatalidade o autor da Mensagem fez despertar um
nacionalismo de impulso messiânico: o Sebastianismo. Deste modo, Fernando Pessoa viu nesse rei
desaparecido misteriosamente o Messias que um dia viria para que finalmente Portugal cumprisse a missão
que lhe fora superiormente predestinada. Pessoa fez erguer das cinzas D. Sebastião, cujo regresso era há
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muito esperado, porque o mito faz mais facilmente mover um povo do que a força da razão; confirmou a
missão de Portugal como instauradora do Quinto Império; e enalteceu o homem português.

4. O mito do Quinto Império foi inventado por Fernando Pessoa?


O mito do Quinto Império vem da Bíblia e é retomado por Bandarra, pelo Padre António Vieira e por
Fernando Pessoa na Mensagem.
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O imaginário épico: natureza épico-lírica da obra, estrutura da obra, dimensão simbólica do herói,
exaltação patriótica

1. Em que medida esta obra retoma o imaginário épico?


A Mensagem retoma o imaginário épico e a glorificação da pátria que atravessam a literatura portuguesa,
desde Fernão Lopes, com especial ênfase na epopeia camoniana e reinventados por Cesário. A Mensagem
não apresenta, no entanto, uma versão tradicional da História de Portugal. Pessoa apresenta uma
interpretação da História de Portugal. Os feitos históricos valorizados são aqueles que, pela sua configuração
onírica, ultrapassam os limites do presente e perspetivam o futuro de Portugal.

2. Por que razão dizemos que a Mensagem apresenta uma natureza épico-lírica?
Não é fácil classificar a Mensagem, pois nesta obra confluem características épicas e líricas. A retoma dos
feitos históricos portugueses e a glorificação do herói português constituem marcas épicas, mesmo no sentido
etimológico da palavra, uma vez que se narram eventos históricos. O lirismo da obra surge configurado no
discurso analítico e crítico, na presença de inúmeros símbolos e na subjetividade dos poemas. De um modo
geral, a obra reflete sobre a matéria épica, introduzindo imagens simbólicas sobre as quais o sujeito se
exprime liricamente.

3. Como está estruturada a Mensagem?


A Mensagem está estruturada em três partes distintas: “Brasão”, “Mar Português” e “O Encoberto”. O
número três simboliza a perfeição, a totalidade e sugere também uma evolução mística que culminará no
“Quinto Império”. A obra está, assim, estruturada em três partes que simbolicamente significam o
nascimento, a vida e a morte da nação, anunciando ainda a terceira parte a ressurreição da pátria. A primeira
parte da Mensagem designa-se “Brasão”. Pessoa inspirou-se no brasão das armas nacionais: os sete Castelos,
as cinco Quinas, a par de outros elementos ligados à heráldica, mas apresenta um brasão novo, reconstruído.
Na Mensagem, o “Brasão” mais do que a imagem do passado, cristaliza o lugar da memória coletiva e das
qualidades de ser português. A segunda parte da Mensagem, constituída por doze poemas, canta o português
que desvendou mundos, “cumpriu o mar” e criou um império material que deixa adivinhar o seu fim. A
terceira parte, o “Encoberto” está consagrada à figura de D. Sebastião e ao mito do Quinto Império,
anunciando um novo ciclo.

4. Que característica diferenciadora apresentam os heróis da Mensagem?


A conceção de herói, na Mensagem e n’ Os Lusíadas é diferente, embora o caminho que conduz ao heroísmo
seja o mesmo: a superação e a dor. A insatisfação é a característica distintiva dos heróis da Mensagem. Os
heróis pessoanos vivem pelo que representam enquanto exemplo, ainda que possam não ter sido vitoriosos.

5. Os heróis históricos na Mensagem são importantes?


A Mensagem é uma obra com fundo histórico que coloca lado a lado herói histórico e herói mítico. Os heróis
da Mensagem são insatisfeitos e norteiam as suas ações pela “febre de Além”.

6. Qual é a missão que o poeta encarna enquanto Supra-Camões?


Ao poeta cabe a responsabilidade de ser emissor na transmissão dos sinais, que deverá fazer chegar aos
Portugueses, aos leitores, que se avizinha uma nova era para Portugal.

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Linguagem, estilo e estrutura: estrutura estrófica, métrica e rima, recursos expressivos – a apóstrofe,
a enumeração, a gradação, a interrogação retórica e a metáfora

1. Que características específicas apresenta a linguagem da Mensagem?


Nesta obra, a linguagem é cuidada, expressiva e rítmica. Recorre-se frequentemente a expressões latinas e a
frases com sentido proverbial.

2. Como se pode caracterizar a estrutura estrófica, rimática e rítmica dos poemas da Mensagem?
Os poemas da Mensagem apresentam uma estrutura estrófica e rimática regular. Os versos apresentam
geralmente um ritmo cadenciado e musical.

3. Quando o sujeito interpela um destinatário real ou fictício, a que recurso expressivo recorre?
O sujeito recorre a uma apóstrofe quando interpela um destinatário real ou fictício.

4. Em que consiste uma enumeração?


A enumeração é um recurso expressivo que consiste na designação sucessiva de elementos que mantêm uma
correlação lógica ou semântica.

5. Em que consiste uma gradação?


A gradação é um recurso expressivo em que um grupo de palavras, pela sua intensidade semântica, amplifica
ou diminui o significado de um elemento textual, assumindo uma direção ascendente (progressiva) ou
descendente (regressiva).

6. Em que consiste uma interrogação retórica?


Uma interrogação retórica é um recurso expressivo que confere ênfase à questão.
Vale, frequentemente, por uma afirmação de polaridade contrária.

7. Qual é o recurso expressivo que consiste na fusão de duas realidades diferentes que são
assemelhadas, atribuindo-se à primeira uma qualidade pertencente à segunda?
O recurso expressivo que consiste na fusão de duas realidades diferentes que são assemelhadas, atribuindo-se
à primeira uma qualidade pertencente à segunda designa-se metáfora.
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Contos – Linguagem, estilo e estrutura

O conto: unidade de ação, brevidade narrativa, concentração de tempo e espaço, número limitado de
personagens

A estrutura

O discurso direto e indireto

1. Como definirias conto?


O conto é um género literário. O conto é sempre uma narrativa breve que apresenta uma ação única e linear
com eventos concentrados. Tem um número reduzido de personagens balizadas pelo espaço e pelo tempo. É
geralmente associado ao texto fragmentário. Apresenta pontos de contacto com a poesia e o texto diarístico,
pela economia de meios e poder de sugestão.

2. Que características diferenciadoras apresenta o conto em relação a outros géneros literários?


O conto, pela sua brevidade e grande concentração, caracteriza-se por ser um género híbrido, conjugando
marcas de texto narrativo com o texto poético.

3. Que géneros são geralmente comparados com o conto?


O romance e a novela são os géneros literários narrativos que geralmente são confrontados com o conto.

4. Como se estrutura o conto?

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O conto regista geralmente um momento, apresentando um caráter episódico, em que a descrição é muitas
vezes substituída pela narração e pela introdução de pequenos momentos de diálogo em discurso direto ou
indireto. Apresenta uma estrutura tripartida (introdução, desenvolvimento e conclusão) característica do texto
narrativo, com um momento inicial que nem sempre dialoga com a conclusão. Após a leitura de um conto,
geralmente, conseguimos extrair uma mensagem por vezes de caráter moralizador.
5. Todos os contos apresentam momentos de discurso direto?
Cada conto utiliza o relato de discurso de uma forma particular. Na contística do século XX, são quebradas
muitas das regras que associávamos ao conto tradicional. Assim, podemos encontrar contos que são um
monólogo na íntegra, outros que recorrem ao discurso direto ou indireto de forma intercalada com a
narração.

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Maria Judite de Carvalho, “George”

1. Que características apresenta este texto para integrar o género: conto?


Este texto apresenta unidade de ação, brevidade narrativa, concentração de tempo e espaço e um número
limitado de personagens.

2. Como se estrutura o conto?


O texto apresenta uma estrutura tripartida marcada por tempos diferentes: o regresso ao passado e o
confronto com o presente, e o diálogo com o futuro.

3. Que formas de discurso relatado encontramos no texto?


Neste conto, encontramos o discurso direto e indireto. O discurso direto surge grafado no texto de forma
tradicional e em itálico sempre que a protagonista dialoga consigo mesma, misturando tempos diferentes.

4. Que temáticas se cruzam nesta narrativa breve?


Neste conto cruzam-se várias temáticas: a condição feminina, a passagem do tempo, a mundividência
artística, entre outras.
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As três idades da vida

1. De que modo é que percecionamos a passagem do tempo no conto?


George, a protagonista do conto, no início, viaja até à infância e cruza-se com Gi e, no final, empreende
outra viagem e encontra-se com Georgina. As três figuras são a mesma personagem em três momentos
diferentes da vida.

2. De que forma o conto se estrutura a partir do tema: as três idades da vida?


As três idades da vida estão presentes no conto através de dois encontros: George com Gi e George com
Georgina.

3. Que relação se pode estabelecer entre o conto e a obra do pintor Edvard Munch?
Edvard Munch é um pintor referido no conto e autor de um quadro intitulado As Quatro Idades da Vida.
Nesta pintura surgem as figuras de quatro mulheres em fases diferentes da vida. Estas figuras pintadas
equivalem à visão da protagonista apresentada no conto em três momentos distintos da vida: Gi, George e
Georgina.

4. Por que razão podemos considerar que no conto se faz um balanço do percurso de uma vida?
Podemos considerar que no conto se faz o balanço de uma vida, uma vez que Gi e Georgina são duplos de
George e os seus diálogos configuram o cruzamento de diferentes tempos: a juventude, a idade adulta e a
velhice.
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O diálogo entre realidade, memória e imaginação

1. Em que medida é que no conto se enceta um diálogo entre realidade, memória e imaginação?
O diálogo entre realidade, memória e imaginação surge no conto configurado de duas formas: na aparição de
Gi e no respetivo confronto com a juventude e no diálogo com Georgina e no confronto com a velhice. A
marcha do tempo é, assim, sintetizada no afastamento progressivo da infância e na aproximação à velhice da
protagonista, George, uma pintora reconhecida e conceituada.

2. De que forma se cruza no conto memória e imaginação?


Quando a protagonista dialoga com Gi recorre às memórias da sua juventude, quando interage com
Georgina, a mulher idosa de 70 anos perspetiva a sua vida futura.
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Metamorfoses da figura feminina

1. De que forma se configura no texto o percurso de uma figura feminina?


No conto assistimos ao percurso de uma jovem frágil e sonhadora, Gi, que consegue afirmar-se num
universo dominado pelo masculino, adotando um nome inusitado, George, e que constitui o protótipo de
mulher independente, profissionalmente realizada, mas que acabará só como Georgina.

2. De que modo as metamorfoses da protagonista estruturam o conto?


O conto traça o percurso de uma jovem anónima que parte da aldeia onde nasceu e que consegue afirmar-se
no mundo artístico. A realização profissional, a sua imortalização através da arte e a não consolidação de
relacionamentos afetivos terá como consequência a solidão na velhice.
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A complexidade da natureza humana

1. De que modo este conto constitui uma reflexão sobre a complexidade da natureza humana?
Este conto constitui uma profunda reflexão sobre a complexidade da natureza humana: sobre o fracasso do
amor, sobre a separação, sobre a dificuldade de atingir a realização profissional, sobre a condição feminina,
sobre a efemeridade da vida, sobre a solidão e a morte. Reflete ainda sobre a intemporalidade da arte e a
imortalização do artista.

2. Por que razão podemos considerar esta narrativa breve um momento de reflexão sobre a natureza
humana?
Este conto, através do desdobramento da protagonista e também pela duplicidade do seu nome (entre
feminino e masculino) permite uma reflexão sobre as diferentes fases da vida e sobre os caminhos que o ser
humano trilha, umas vezes por opção outras por imposição das circunstâncias que o rodeiam.

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Manuel da Fonseca, “Sempre é uma companhia”

1. Que aspetos marcam a contística de Manuel da Fonseca?


A obra de Manuel da Fonseca caracteriza-se pela observação do real, pela valorização das circunstâncias
socioeconómicas da população do Alentejo.

2. Em que antologia de contos podemos encontrar “Sempre é uma companhia”?


Este conto integra a antologia O Fogo e as Cinzas.

3. Qual é a temática que aproxima os vários contos que integram a antologia?


Estes contos fixam e denunciam situações de enorme precariedade social do Portugal do Estado Novo.

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Solidão e convivialidade

1. Qual é o tempo histórico que é retratado neste conto?


Este conto retrata social e economicamente o Alentejo dos anos 40 do século XX português.

2. Como podemos explicar o título do conto e a relação que estabelece com o texto?
O título do conto anuncia um novo meio de comunicação que vai mudar a vida de uma população deprimida,
no contexto da Segunda Guerra Mundial. O título apresenta uma relação de contraste com o texto, uma vez
que a chegada do rádio que a ação relata vai permitir a quebra da solidão de uma população esquecida.

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Caracterização das personagens. Relações entre elas

1. Como podemos caracterizar globalmente as personagens do conto?


As personagens deste conto representam um grupo socialmente desfavorecido.

2. Como são caracterizadas as personagens do conto?


Os homens perdem características humanas e o mundo inanimado adquire-as.

3. Quem é o protagonista do conto?


António Barrasquinho, o Batola, é preguiçoso, improdutivo, sonolento, bêbado, bate na mulher. Tem nome e
alcunha. Usa uma indumentária própria do homem alentejano. A morte de Rata agudiza a sua solidão.

4. Como se chama a mulher do Batola?


A mulher do Batola não tem nome no conto. É expedita, dominadora e trabalhadora.
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Caracterização do espaço físico, psicológico e sociopolítico

1. Que relação se pode estabelecer entre as personagens e o espaço exterior?


O espaço exterior degradado e isolado representa os sentimentos negativos do protagonista.

2. Como podemos caracterizar o espaço do conto?


“Sempre é uma companhia” apresenta um retrato económico e sociocultural do Alentejo na primeira metade
do século XX. Por sua vez, oferece-nos retratos humanos que atravessarão outros tempos e outros espaços. O
refúgio em comportamentos antissociais e a desistência da vida, as relações afetivas conturbadas e a
necessidade de correr mundo em busca de um rumo são algumas linhas de reflexão que o conto perspetiva.

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Importância das peripécias inicial e final

1. Qual é o elemento desencadeador da ação do conto?


O elemento desencadeador da ação do conto é a chegada do rádio a uma população esquecida do Alentejo.

2. Como podemos caracterizar a estrutura da intriga?


A intriga é simples e é contada de forma linear.

3. A partir da leitura do conto que reflexão podemos realizar?


O conto permite uma reflexão sobre a condição humana que excede os limites temporais da ação.

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Mário de Carvalho, “Famílias desavindas”

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1. Que aspetos marcam a contística de Mário de Carvalho?
As duas características mais marcantes da obra de Mário de Carvalho prendem-se com a reescrita da
História, a atenção ao real quotidiano e o recurso à ironia e à paródia.

2. Em que antologia de contos podemos encontrar “Famílias desavindas”?


Este conto integra a antologia Contos Vagabundos.

3. Que aspetos fundamentais caracterizam a contística de Mário de Carvalho?


O conto em Mário de Carvalho surge como uma confluência de modos de ver, de satirizar, de pensar, um
cruzamento de olhares, uma interseção dos planos do quotidiano e do fantástico, uma fusão da memória do
passado e projeção para o futuro, que parodia, mas perspetiva a reflexão crítica. Numa realidade
contemporânea tão acelerada e mutável, o conto acaba por traduzir a crise das ideologias, das grandes
narrativas e da cultura.

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História pessoal e história social: as duas famílias

1. De que modo se recupera a História neste conto?


A ficção de Mário de Carvalho e este conto em particular recupera o discurso histórico como
contextualização ou reescreve-o, parodiando.

2. Como se estrutura a intriga, neste conto?


A intriga estabelece um paralelo entre dois grupos sociais que se opõem em cada um dos marcos históricos.
Os diversos “semaforeiros” constituem uma personagem coletiva que se caracteriza pelo amor incondicional
aos semáforos. O texto fixa breves episódios que marcam o confronto entre médicos e “semaforeiros”.

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Valor simbólico dos marcos históricos referidos

1. Em que medida os marcos históricos presentes no conto apresentam um valor simbólico?


Em “Famílias desavindas”, o tempo das diferentes gerações está intencionalmente assinalado a partir de
marcos simbólicos da História portuguesa do século XX: os dois conflitos mundiais e a revolução do 25 de
Abril de 1974. O conto apresenta marcos históricos temporais que constituem eventos marcantes da nossa
cultura.

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A dimensão irónica do conto

1. Em que medida o conto apresenta uma dimensão irónica?


Há vários fatores que contribuem para a dimensão irónica do conto. O narrador recorre frequentemente à
paródia, apostando na inversão irónica de códigos e de convenções, com distanciamento crítico. O inusitado
início transfigura-se na conclusão do conto: o acidente propicia a reconciliação das duas famílias.

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A importância dos episódios e da peripécia final

1. Por que razão neste conto não se pode estabelecer uma ligação entre o início e a conclusão?
O caráter inesperado da conclusão contribui para o facto de aparentemente o início e a conclusão do conto
não estarem articulados.

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Poetas contemporâneos
1. Quais foram os acontecimentos mais marcantes do século XX que condicionaram a forma de o
Homem ver o mundo?
As duas guerras mundiais transformaram de forma determinante a visão do Homem e do mundo. Em
Portugal, a implantação da República, a Ditadura e o 25 de Abril foram acontecimentos muito importantes.

2. Quais são os acontecimentos mais importantes do contexto literário do século XX?


Há vários acontecimentos que marcam o percurso literário português no século XX: o Primeiro Modernismo,
a Revista Orpheu, órgão do Modernismo; o Segundo Modernismo, a Revista Presença, órgão do Segundo
Modernismo; o Neorrealismo; a Revista Cadernos de Poesia e várias tendências posteriores.

3. Quais são as características mais marcantes da poesia do século XX?


As principais características da poesia do século XX são a despoetização, a dramaticidade agressiva, a
desintegração de palavras, a busca pela inovação formal, a fuga da realidade, o distanciamento da
experiência comum e da língua usual, a discursividade e a intertextualidade.

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Representações do contemporâneo

1. Que formas assumem na poesia do século XX as representações do contemporâneo?


Na poesia do século XX, as representações do contemporâneo assumem variadas formas, nomeadamente, a
valorização do urbano e a degradação, a denúncia das oposições sociais, a denúncia social ou política e a
desumanização do homem.

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Tradição literária

1. Que temas tradicionais retoma a poesia do século XX?


A poesia do século XX retoma o tema do amor, da natureza, da oposição entre o sonho e a imaginação, da
evocação do passado.

2. Que formas tradicionais retoma a poesia do século XX?


A poesia do século XX retoma o verso de redondilha, a quadra e a quintilha e o soneto.

Figurações do poeta

1. Como surge caracterizado o sujeito poético na poesia do século XX?


Na poesia do século XX, o sujeito valoriza a simbologia do corpo, a ironia, o cómico e a provocação mesmo
quando se refere a si próprio. São muitas vezes convocados para o poema de forma metafórica as figuras de
animais.

2. Como se apresenta no poema a reflexão sobre o papel do poeta?


O sujeito reflete frequentemente, no poema, sobre o papel do poeta no mundo, na vida e no próprio poema.

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Arte poética

1. O que significa o facto de comummente se afirmar que a poesia do século XX valoriza a reflexão
sobre a Arte poética?
A reflexão sobre a Arte poética é uma constante na poesia do século XX. Quando o sujeito analisa a sua Arte
poética significa que analisa o seu fazer poético, exibe a forma como constrói o poema.

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2. São apenas os poetas do século XX que apresentam nos seus poemas uma reflexão sobre a Arte
poética?
Desde a lírica trovadoresca que os poetas apresentam reflexões sobre a Arte poética. Podemos relembrar, a
título de exemplo, o poema de D. Dinis “Proençaes soem mui bem trobar”.

3. O que significa a expressão: Metapoesia?


A expressão Metapoesia remete para uma poesia que analisa e reflete sobre a própria poesia.

4. Quais são as temáticas em que se desdobra a Metapoesia no século XX?


Na poesia do século XX, surgem reflexões sobre o fazer poético, sobre a criação artística, sobre o lugar da
poesia no mundo e na vida do ser humano e sobre o próprio poema ou ainda sobre o poeta.

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Linguagem, estilo e estrutura: formas poéticas e formas estróficas, a métrica

1. Quais são as principais características da linguagem poética no século XX?


A transgressão é a principal característica da linguagem poética no século XX, assumindo formas diversas.
Assim, encontramos várias formas de subversão da língua nas palavras utilizadas, nas regras sintáticas, nas
regras de pontuação, nomeadamente na utilização da maiúscula.

2. Que formas poéticas encontramos na poesia do século XX?


A poesia do século XX retoma formas tradicionais, reinventa-as e recria-as de uma forma transgressora e
criativa. Coexistem, assim, formas rígidas e poemas em que a liberdade estrófica, métrica imperam e a
ausência de rima se funde com versos rimados.
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José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis


1. Quais são os acontecimentos sociopolíticos que marcam o final do milénio?
O século XX caracterizou-se, nas primeiras décadas, como um tempo de conflito, de horror e de pessimismo.
Nos últimos anos do milénio, dominou a abstração da realidade, o consumismo e a afirmação da internet.

2. De que forma o contexto social e político do final do milénio influenciou o contexto literário?
O século XX foi um momento de rutura a vários níveis. A partir das duas Grandes Guerras, o mundo mudou
e a relação entre História e verdade foi abalada e passou a entender-se o relato histórico como uma versão
dos acontecimentos geralmente ligada ao poder. A História deixou de ser considerada um “armazém de
verdade” e o texto histórico é encarado como uma maneira parcial e pessoal de abordagem. O romance da
segunda metade do século XX recorre ao discurso histórico, reescrevendo-o e apresenta, muitas vezes, factos
que reconhecemos, sob um ponto de vista novo.

3. Que aspetos caracterizam o romance histórico da segunda metade do século XX?


No romance histórico do século XX, os acontecimentos passam a ser perspetivados de uma forma múltipla,
expondo o ponto de vista do homem comum, dando voz a quem nunca a teve e apresentando versões
diferentes de factos reconhecíveis. O discurso histórico é hoje considerado parcial e parcelar, pois regista
apenas uma parte daquilo que aconteceu. As minorias são pobres em documentos, por isso se tornam pobres
em História.

4. Por que razão se refere que a obra de Saramago revela um grande fascínio pela História?
A ficção do século XX, em geral, revela um grande fascínio pela História. Nos romances de José Saramago,
o discurso da ficção e da História entrelaçam-se. O passado torna-se presente ao ser reescrito, num outro
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momento, e a História deixa de ser considerada um repositório da verdade. Assim, a conceção de História
como um todo acabado cai e passa a valorizar-se o discurso histórico com marcas do “eu” e do momento da
sua escrita, como um tecido rendado onde os vazios também têm significação.

Representações do século XX: o espaço da cidade, o tempo histórico e os acontecimentos políticos

1. Por que razão se pode considerar que neste romance se cruzam várias viagens?
Neste romance, há várias viagens que se entrecruzam, apresentando uma perspetiva invertida da heroicidade
das viagens marítimas portuguesas. Assim, a viagem pela cidade labiríntica, pelos acontecimentos políticos
do início do século XX, a própria viagem de Ricardo Reis do Brasil para Portugal apresentam mais traços
dececionantes do que gloriosos.

2. Por que razão se pode denominar esta obra como um romance de luz e sombra?
Esta obra pode ser considerada como um romance de luz e sombra, na medida em que se entrelaçam no texto
momentos do passado glorioso de Portugal com o presente decadente.

3. Que diferentes tempos se cruzam neste romance pela voz do narrador ou das personagens?
Este romance localiza a ação no ano de 1936 (Ricardo Reis regressa a Lisboa a 30 de dezembro de 1935) e,
partindo de factos históricos, mistura acontecimentos presentes, passados e futuros pela voz das personagens
ou do narrador.

4. Em que medida a primeira e a última frase do romance condensam uma mensagem histórica para
Portugal?
Ao lermos a primeira e última frase deste romance, somos confrontados com uma reflexão sobre a aventura
marinheira de Portugal de que Camões é eco e com a forma de desconstruir /reconstruir o novo projeto
cultural português. As duas frases, colocadas estrategicamente no início e no fim do romance, desdobram o
verso da estrofe 20 do Canto III de Os Lusíadas: “Onde a terra se acaba e o mar começa”. O novo texto
responde: “Aqui o mar acaba e a terra principia” e “ Aqui onde o mar se acabou e a terra espera”, invertendo
o movimento da cultura, pois já não se crê no mar como saída para a pequenez e a subalternidade, pois é na
terra, na pátria que existe o verdadeiro tesouro escondido que constituirá o alicerce da história portuguesa.

5. Em que medida estão presentes neste romance várias representações do século XX?
Saramago recupera um tempo − 1936 − , um poeta – Ricardo Reis − , uma poesia – Fernando Pessoa −, um
contexto de amizade e de especulação intelectual entre Ricardo Reis e Fernando Pessoa, sem deixar de lado a
ficção e as profecias para o futuro de Portugal.

6. Qual é o tempo histórico do romance?


O romance retoma os acontecimentos mundiais marcantes do início do século XX: 1910 e a proclamação da
República; 1914 e a Primeira Guerra Mundial; a ocupação da Líbia pelos italianos; 1916 e o momento em
que Alemanha declara guerra a Portugal, que entra formalmente no conflito; 1917-1918 e a Revolução
Russa; 1926 e a Revolução de 28 de Maio e instauração da Ditadura militar que dará lugar ao Estado Novo e
que substituirá a I República; 1928, quando Salazar é nomeado Ministro das Finanças e Óscar Carmona é
eleito Presidente da República sem oposição; 1931 e a proclamação da República em Espanha; 1934 quando
Adolf Hitler sobe ao poder na Alemanha; 1936 e o momento em que Mussolini invade a Etiópia com

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sucesso, a sua conquista unificaria as colónias italianas no chamado “chifre da África”; 1936-1939 e a
Guerra civil espanhola; 1939 e a Segunda Guerra Mundial.

7. Qual é o retrato político de Portugal desenhado no romance?


O retrato de Portugal no romance é a de um país em crise, é o Portugal da primeira República à Ditadura (45
governos, 8 eleições, 8 presidentes em 15 anos); é o Portugal de Salazar, desde 1928, no cargo de Ministro
das Finanças e verdadeiro líder da nação. Salazar é visto como “Salvador da Pátria”, dentro do espírito
messiânico e sebastianista de quem acredita num futuro glorioso garantido por um passado grandioso. Os
jornais portugueses apresentam-se, na obra, comprometidos com o discurso do poder; há repressão à
contestação; a Mocidade portuguesa condiciona e orienta a educação dos jovens; e são reprimidos os vários
movimentos contra o regime.

8. Qual é a importância de Lisboa na obra?


Lisboa simboliza Portugal no romance. É a cidade de todas as partidas e de todas as chegadas. É também a o
labirinto que possibilita a reflexão e o reencontro com a História.

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Deambulação geográfica e viagem literária

1. Por que razão podemos associar, neste romance, deambulação geográfica com viagem literária?
Neste romance, a deambulação de Ricardo Reis pela cidade de Lisboa cruza-se simbolicamente com uma
viagem literária pelos escritores emblemáticos da literatura portuguesa.

2. Por que razão a deambulação da personagem por Lisboa pode ser considerada um percurso
labiríntico?
A deambulação por Lisboa é labiríntica assim como a poesia pessoana. A figura de Camões constitui-se
como o guia orientador dos poetas em geral e de Ricardo Reis em particular, na sua deambulação através da
cidade.

3. Qual é o valor simbólico da estátua de Camões dentro do romance?


Camões, dentro do romance, representa a própria poesia portuguesa. As veredas da cidade e as da criação
poética no romance têm sempre a esclarecê-las os versos camonianos, pois é impossível imaginar Portugal
sem Camões e sem Os Lusíadas. Ricardo Reis está em Lisboa, Pessoa também, o primeiro habitando
próximo do Adamastor, o segundo o Cemitério dos Prazeres.

4. Qual é a simbologia do número oito na obra?


Enquanto o número sete está associado ao Antigo Testamento, o número oito corresponde ao Novo,
anunciando o futuro. Oito anos depois da partida de Ricardo Reis para o Brasil é que o monumento foi
erigido, e após oito anos de ele ali estar, no Alto de Santa Catarina, é que Ricardo Reis regressa à pátria. A
estátua do Adamastor é um dos locais preferidos por Ricardo Reis: símbolo dos obstáculos do passado que se
opunha à marcha dos portugueses, representa agora a aurora de uma sociedade nova.

5. Como é a Lisboa de Saramago, neste romance?


A Lisboa de Saramago, neste romance, desperta no leitor o desejo de percorrê-la ou habitá-la. Durante a
leitura partilhamos caminhos ao lado do protagonista, que surge como uma espécie de guia, que nos dá a
conhecer o que observa no Rossio, na Baixa ou na Praça do Comércio. Percorremos, assim, a zona que vai
do Cais do Sodré e, pela Rua do Alecrim, ao Largo do Barão de Quintela, chega ao Largo de Camões, ao
Alto de Santa Catarina, ao Chiado: com os seus heróis, residências, consultórios, monumentos.

6. Em que medida é que a estátua do Adamastor constitui uma encruzilhada simbólica no romance?
No romance, a estátua do Adamastor é, assim como a estátua de Camões, um marco norteador dentro do
labirinto da cidade de Lisboa. Geograficamente, o Adamastor encontra-se num ponto de cruzamento de
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caminhos. O Adamastor, símbolo de todos os obstáculos, no passado, torna-se, no presente, a rosa-dos-
ventos que anuncia o novo roteiro do povo. Assim, nas coordenadas do texto, sendo a confluência das oito
direções cardeais, ilumina duplamente o horizonte de expectativas humanas e anuncia um mundo novo.

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Representações do amor

1. Que personagens do romance configuram as representações do amor?


Lídia e Marcenda são as duas figuras femininas que estabelecem uma relação amorosa com o protagonista.

2. Como podemos caracterizar o papel simbólico de Marcenda na obra?


No nome desta personagem feminina está condensada a sua simbologia na obra. Etimologicamente,
Marcenda significa “aquela que deve murchar”, aquela a quem falta a eternidade e que está, portanto,
condenada a ser mortal. Ela é a musa de Ricardo Reis sem ter sido, é a ave cujo voo é abortado pela mão
inerte que a faz prisioneira do labirinto familiar e afetivo. O romance com Ricardo Reis finda porque o poeta
recusa assumir-se outro e prefere “desenlaçar as mãos”.

3. Em que medida neste romance se apresenta um “novo” retrato de Lídia?


A personagem Lídia, neste romance, excede a imagem que o livro de odes de Ricardo Reis lhe confere e
assume uma vida de compromisso político. Ficando de lado o modelo pessoano de musa pálida, de
descompromisso com a vida para escapar à dor, esta mulher-a-dias, camareira de hotel, morena, assume
sozinha a sua condição e o filho de pai incógnito. Lídia simboliza a esperança numa nova revolução que não
aborte antes de nascer e representa a imagem da terra portuguesa definida no romance: “Aqui, onde o mar se
acabou e a terra espera”.

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Intertextualidade: José Saramago, leitor de Luís de Camões, Cesário Verde e Fernando Pessoa

1. O que significa intertextualidade?


A intertextualidade resulta do facto de a produção e compreensão de um texto estarem dependentes do
conhecimento de outros textos por parte dos interlocutores. A intertextualidade pode manifestar-se
através de alusões diretas ou indiretas a outro texto, desde a alusão e a citação até à imitação criativa, à
paráfrase, à paródia e ao plágio. Saramago convoca, frequentemente, para o seu romance, outros textos. A
citação, no romance saramaguiano, tem muitas vezes uma natureza irónica ou paródica, pode constituir uma
das manifestações gerais da intertextualidade e não apresenta qualquer marca gráfica.

2. Como se concretiza a intertextualidade neste romance?


Neste romance há inúmeras referências a autores e obras facilmente reconhecíveis: versos da epopeia ou de
poemas de Camões, expressões de Eça de Queirós, versos de Fernando Pessoa ou dos heterónimos, versos de
Bernardim Ribeiro, Cervantes, Jorge Luís Borges, etc.
Neste romance está presente uma manifestação de intertextualidade extremamente curiosa e original, uma
vez que o narrador alude a um escritor e obra que só existem ficcionalmente (conto de Jorge Luís Borges).
Os nomes femininos elencados no texto recuperam figuras clássicas e subvertem-nas, numa aproximação
entre a poesia de Ricardo Reis e Camões.

3. Qual é o diálogo intertextual mais importante, neste romance?


O diálogo intertextual mais importante, neste romance, é entre Saramago e Fernando Pessoa. As palavras da
ficção e os versos pessoanos espelham-se, reciprocamente e ressurgem transfigurados dos versos de Pessoa
para o texto de Saramago – a testemunhar a intimidade deste convívio.

4. Que relação podemos estabelecer entre “texto polifónico” e intertextualidade?

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Saramago elabora um texto polifónico composto por vários textos que percorrem a literatura de Camões, a
Pessoa, a Garrett, a Cesário e a tantos outros.

5. De que forma o romance apresenta o diálogo intertextual com Camões?


O texto camoniano é retomado com frequência e colocado na voz do narrador, de Ricardo Reis, de Fernando
Pessoa.

6. De que forma o romance apresenta o diálogo intertextual com Fernando Pessoa?


O diálogo intertextual com a obra de Fernando Pessoa é recorrente: citam-se e reescrevem-se versos dos
vários poetas; o romance assume-se como uma biografia complementar de Ricardo Reis, iniciada por Pessoa
e concluída por Saramago; morto Pessoa e incapaz de compor, o trabalho poético de criação de Ricardo Reis
continua, no romance de Saramago.

7. De que forma o romance apresenta o diálogo intertextual com Cesário?


Ricardo Reis retoma face à cidade de Lisboa um posicionamento semelhante ao de Cesário Verde no caráter
deambulatório de observador acidental; no desconforto da revisitação de um local “desconhecido”; no
recurso à memória;
na tentativa de evasão.

Linguagem, estilo e estrutura: estrutura da obra

1. Como se estrutura o romance?


O texto resulta de um efeito de alquimia poética. O romance apresenta múltiplas vozes: a voz do narrador
atravessa o texto e cruza-se com a da gente do povo e a dos altos poetas. As vozes que se intersecionam são
facilmente reconhecíveis e reconhecidas, mas renascem no texto saramaguiano.
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O tom oralizante e a pontuação

1. Como é introduzido o tom oralizante no romance?


O romancista mistura vozes de Ricardo Reis e Pessoa, documentadas em textos em prosa e verso já
publicados. Saramago atribui palavras às personagens em perfeita consonância com o seu perfil e forma de
pensar. O leitor fica por vezes indeciso, sem saber a quem remeter a autoria de certas frases e palavras.
Saramago revela uma capacidade inigualável de assumir a personalidade do Outro, integrando-se totalmente
nele, inclusive falando com a sua voz e dicção.

2. Como é subvertida a pontuação?


A pontuação tradicional é subvertida no “estilo saramaguiano” numa aproximação à linguagem oral. Assim,
as palavras proferidas por uma personagem surgem, muitas vezes, no meio do discurso do narrador, sem
recurso a qualquer marca formal. O discurso ficcional é cerrado e denso e o diálogo e o discurso do narrador
misturam-se. As falas das personagens não aparecem delimitadas graficamente de forma tradicional, pois a
maior parte dos sinais emotivos de pontuação (exclamação, interrogação, reticências, travessões) foi
excluída.
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A reprodução do discurso no discurso

1. Que características específicas assume o relato de discurso em Saramago?


O relato de discurso adquire especial subtileza no romance saramaguiano e determina a interseção de
múltiplas vozes, ao inserir citações, ao reproduzir fielmente o discurso relatado, conservando a sua
enunciação e a sua sequencialização de uma forma absolutamente subversiva e criativa. O discurso relatado é
utilizado por Saramago de uma forma peculiar e criativa. O facto de não incluir verbos introdutores nem
apresentar qualquer elo subordinativo entre discurso relatado e discurso narrado torna, por vezes, difícil a
distinção das diferentes vozes discursivas que irrompem no texto.

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