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A afetação de neutralidade superior, especialmente quando se quer impingir à platéia opiniões

arriscadas e mentiras cínicas, é a essência mesma do “estilo jornalístico”. Os “grandes jornais” deste país
praticam-no com destreza tal que a maior parte de seus leitores, tomando a forma pelo conteúdo,
acredita seguir a razão e o equilíbrio no instante mesmo em que vai se acomodando, pouco a pouco,
anestesicamente, às propostas mais dementes, às modas mais escandalosas, às idéias mais
estapafúrdias.

Quando a Folha, quase vinte anos atrás, começou a promover discretamente o gayzismo sob a inócua
desculpa mercadológica de que os gays eram também parte do público consumidor, quem, entre os
leitores, poderia imaginar que com o decurso do tempo essa gentil atenção concedida a uma faixa do
mercado se converteria numa estratégia global de imposição do homossexualismo como conduta
superior, inatacável, sacrossanta, só rejeitada por fanáticos e criminosos? Quem, aliás, tem a paciência e
os meios intelectuais de examinar as mudanças progressivas e sutis da linguagem de um jornal ao longo
de vinte anos? No começo, o processo é invisível porque seus primeiros passos são discretos e
aparentemente inofensivos. No fim, é invisível porque sua história se apagou da memória popular. A
lentidão perseverante é a fórmula mágica das revoluções culturais.

É verdade que o grosso do público não tem a mais mínima idéia das técnicas de engenharia social que,
de uns trinta anos para cá, se substituíram maciçamente às normas do bom jornalismo. Não há uma só
faculdade de jornalismo no Brasil que tenha escapado à influência das doutrinas “desconstrucionistas”,
segundo as quais não existe verdade objetiva, nem fato, nem relato fidedigno – há apenas a “vontade de
poder” e, conseqüentemente, a “imposição de narrativas”. Notem bem: não se trata de impor
“opiniões”, julgamentos de valor. Trata-se de modelar a seqüência, a ordem e o sentido dos episódios
narrados, de tal modo que sua simples leitura já imponha uma conclusão valorativa sem que esta precise
ser defendida explicitamente. É a arte de fazer a vítima aceitar passivamente, de maneira mais ou menos
inconsciente, opiniões com as quais, numa discussão aberta, jamais concordaria. Antigamente os jornais
buscavam ser neutros e objetivos nas páginas noticiosas, despejando nas seções editoriais as opiniões
candentes, a retórica exaltada, as campanhas empolgantes. Hoje os editoriais são todos escritos num
mesmo estilo insosso, diplomático, sem cor nem sabor, porque as opiniões que se deseja impingir ao
público já vêm embutidas no noticiário, onde gozam do privilégio – e da eficácia – dos ataques
camuflados. No Brasil, todo estudante de jornalismo, mesmo quando incapaz de conjugar um verbo ou
atinar com uma regência pronominal, sai da faculdade afiadíssimo nessa arte. Não porque a tenha
“estudado” – o que suporia uma discussão crítica incompatível com a natureza mesma dessa prática –,
mas justamente porque teve de exercê-la para passar de ano, sem discuti-la, de tal modo que seu
sucesso escolar depende de sua docilidade em consentir com o embuste até o ponto em que deixe de
percebê-lo como embuste. Então ele está pronto para usá-lo contra os leitores sem ter qualquer suspeita
de estar lhes fazendo algum mal.
É por isso que a “grande mídia”, hoje em dia, já não vale absolutamente nada como fonte de informação,
e continuar a consumi-la como tal é apenas um vício consagrado, fundado no prestígio residual de um
jornalismo extinto.

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