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AVALIAÇÃO DA RESISTÊNCIA NA INTERFACE MADEIRA E ADESIVO EM

CORPOS DE PROVA PADRONIZADOS DE CISALHAMENTO

Resumo: O uso de sistemas compósitos em laminas vem sendo incrementado na


engenharia de estruturas decorrente da necessidade cada vez maior de se obter materiais
com melhores propriedades de rigidez e de resistência em direções definidas. Nesse
contexto, torna-se necessário o estudo destes materiais compósitos e suas propriedades
mecânicas para se estabelecer critérios de segurança para o correto dimensionamento.
Portanto, esse trabalho tem como objetivo avaliar a tensão de cisalhamento na linha da cola
em relação à da madeira maciça utilizando-se a madeira Spruce (Picea abies) e dois
diferentes tipos de adesivos, um epóxi e um poliuretano, através de ensaios padronizados.
Ao final, conclui-se que ambos os adesivos apresentaram bons resultados na colagem da
madeira Spruce segundo parâmetros internacionais e que é recomendado sua utilização
para as aplicações de compósitos de madeira, como na madeira laminada colada.

Palavras-chave: Epóxi; Poliuretano; Qualidade da Colagem; Spruce (Picea abies);

STRENGTH ASSESSMENT IN THE INTERFACE OF WOOD AND ADHESIVE OF


SHEAR STANDARD TEST SPECIMENS

Abstract: The composite systems’ use has been incremented in structural


engineering through the increasing need of materials with greater rigidity and resistance
properties in defined directions. In this context, it is necessary to study these composite
materials and their mechanical characteristics for the development of safety criteria and
consequently the correct design. Therefore, this work aims to assess the shear stress on the
glue line to the shear stress on the solid wood using the wood specie Spruce (Picea abies)
and two different types of adhesives, an epoxy and a polyurethane, through standard tests.
At the end, it is concluded that both adhesives have good performance in the bonding of the
wood and their use are recommended for applications in wood composites, such as
laminated wood.

Keywords: Epoxy; Polyurethane; Bond Quality; Spruce (Picea abies);

1. INTRODUÇÃO

O uso de sistemas compósitos em laminas, por exemplo, viga laminada colada vem
sendo incrementado na engenharia de estruturas. Em geral um material compósito é
constituído por um conjunto de materiais heterogêneos associados para realizarem uma
função que os materiais constituintes isoladamente não poderiam exercer.
Pesquisas na área de materiais compósitos têm sido bastante intensas nas últimas
décadas, fato esse decorrente da necessidade cada vez maior de se obter materiais com
melhores propriedades de rigidez e de resistência em direções definidas, bem como, com
redução de custos de fabricação desses sistemas.
Na engenharia civil, particularmente na área de estruturas de madeira, as vigas de
madeira laminada colada (MLC) constituem-se num exemplo importante. Pois em sua forma
natural, a madeira pode apresentar defeitos, como nós, que diminuem sua capacidade
resistente. A laminação, para formação de um conjunto estrutural mais eficaz, é uma das
soluções para um melhor aproveitamento da madeira (BODIG e JAYNE, 1982).
Por tratar-se de um material compósito, a madeira laminada colada possui diferentes
propriedades do seu material componente fazendo-se necessário um melhor conhecimento
sobre seu desempenho mecânico.
Sobre a resistência ao cisalhamento da junta colada a norma brasileira NBR 7190
(ABNT, 1997) prescreve que deve ser no mínimo igual à resistência ao cisalhamento
longitudinal da madeira, porém isso não ocorre na maioria das colagens.
Por outro lado, Pizzo e Smedley (2015) consideram que se o produto das relações
entre a tensão cisalhante na linha de cola e a tensão cisalhante na madeira maciça seca e
úmida deverá ser pelo menos 0,8 para ser considerada uma colagem de boa qualidade.
Nesse contexto, torna-se necessário um melhor conhecimento para se estabelecer melhores
critérios de dimensionamento.
Tendo isso em vista, esse trabalho tem como objetivo avaliar a tensão de
cisalhamento na linha da cola em relação à da madeira maciça utilizando-se a madeira
Spruce (Picea abies) e dois diferentes tipos de adesivos, um epóxi e um poliuretano, através
de ensaios destrutivos.

2. MATERIAIS

2.1. Madeira

A madeira utilizada foi Spruce (Picea abies) uma espécie italiana de grande
utilização em madeira laminada colada e em CLT (Cross laminated timber). Pode ser
comparada em termos de propriedades físicas e mecânicas à espécie Pinus do Brasil.
Ela é classificada como C24 na EN 338:2009 (Tabela 1). No Brasil (ABNT–NBR
7190/97) se enquadraria em relação às classes de resistência entre C20 e C25, e para
propriedade de elasticidade entre C25 e C30.

Tabela 1. Propriedades físico-mecânicas C24


Propriedades
Resistência Tração Paralela Característica (Mpa) 14
Resistência Tração Perpendicular Característica (Mpa) 0,4
Resistência Compressão Paralela Característica (Mpa) 21
Resistência Compressão Perpendicular Característica (Mpa) 2,5
Resistência ao Cisalhamento Característica (Mpa) 4
Módulo de Resistência à Flexão Característica (Mpa) 24
Módulo de Elasticidade Longitudinal Média (GPa) 11
Módulo de Elasticidade Transversal Média (GPa) 0,69
Densidade Característica (kg/m3) 350
Densidade Média (kg/m3) 420
Madeira em situação de equilíbrio com temperatura de 20°C e 65% de umidade do ar.
Fonte. Adaptado de EN 338:2009

Segundo Pizzo at al. (2003), a resistência média ao cisalhamento calculada a partir


de ensaios em mais de 150 corpos de prova cortados de diferentes pranchas é de 8,2 MPa
com coeficiente de variação (CV) de 17%. Sendo que os valores variaram de um mínimo de
4 MPa à um máximo de 14 MPa (95% destes valores estando entre 5 e 10,5 MPa).

2.2 Adesivos

2.2.1 Epóxi

O primeiro adesivo utilizado foi o Mapei Mapewood Gel 120, um adesivo epoxídico
isento de solvente com consistência de gelatina composta de dois componentes que devem
ser misturadas antes da utilização (Parte A = resina e Parte B = endurecedor), a Tabela 2
trás suas principais propriedades mecânicas (MAPEI, 2010).

Tabela 2. Informações Técnicas Mapei Mapewood Gel 120


Propriedades (valores típicos)
Densidade (kg/m3) 1010
Cisalhamento à compressão (MPa) 9
Resistência à tração (MPa) 30
Resistência à compressão (MPa) 65
Módulo de resistência à flexão (MPa) 60
Módulo de elasticidade na flexão (GPa) 2
Módulo de elasticidade na compressão (GPa) 5
Fonte. Mapei (2010)

2.2.2 Poliuretano

O segundo adesivo utilizado foi o PURBOND® HB S609, um adesivo poliuretano


monocomponente. Os adesivos de poliuretano monocomponente (1C PUR) são
classificados como adesivos reativos. A cura destes produtos - a formação de uma ligação
forte capaz de suportar as cargas requeridas - envolve uma reação química. A vantagem de
utilizar-se um adesivo monocomponente é que o segundo componente é a umidade e a
umidade está normalmente presente em quantidade adequada na atmosfera e
particularmente na madeira.
A tecnologia de poliuretano para a construção de painéis termo-portantes foi pioneira
na década de 1980 por Purbond, na Suíça. A primeira cola PUR para a produção de
elementos estruturais em painéis laminados foi aprovada pela Purbond em 1994 na
Alemanha. É um adesivo novo para aplicação estrutural se comparado com as resinas
epóxi, mas está ganhando mercado na Europa e propõe maior sustentabilidade (HENKEL
AG & CO, 2017).
Obucina e Gondzic (2014) realizaram ensaios com esta cola e chegaram à valores
médios para a resistência ao cisalhamento de 2,51 MPa, 4,92 MPa e 3,7MPa em peças
confeccionadas nas pressões de 12MPa, 14MPa e 16MPa, respectivamente.

3. MÉTODOS

O desenvolvimento experimental foi realizado por Mascia (2016-Relatório de


pesquisa do CNPq), no centro de pesquisa CNR (Consiglio Nazionale dele Ricerche)-
Ivalsa, Sesto Fiorentino, Itália.

3.1 Corpos de prova

Para a realização dos ensaios de cisalhamento na madeira e na linha da cola foram


utilizadas peças de madeira de Spruce, as quais foram aparelhadas, e condicionadas para
as condições de teor de umidade ao redor de 12%, em câmera de condicionamento.
Após esta etapa, foram coladas as duas peças lado a lado, utilizando os dois
diferentes tipos de adesivos Epóxi e Poliuretano e colocadas em equipamento de pressão
para a completa adesão do adesivo nas peças de madeira. A pressão adotada foi de cerca
de 0,8 Mpa por cerca de 24 horas. Após a completa cura dos adesivos os corpos de prova
foram mantidos em câmera de condicionamento até serem ensaiados.
As dimensões dos corpos de prova foram as propostas por Pizzo e Smedley (2015).
Este tipo de arranjo foi escolhido, pois se pode fazer a comparação direta entre a resistência
ao cisalhamento da madeira maciça com a madeira colada, pois se tratando de um mesmo
corpo de prova as variabilidades típicas da madeira que influenciam diretamente em sua
resistência como espessura dos anéis de crescimento, variação dos anéis, orientação das
fibras, entre outros são minimizadas (Figura 1).

Figura 1. Esquema dos corpos de prova (dimensões em mm)


Fonte. Adaptado de Pizzo e Smedley (2015)

Foram elaborados 8 corpos de prova para cada uma das situações tanto para os
ensaios de cisalhamento no compósito e na madeira. Após a preparação dos corpos de
prova houve a necessidade do descarte de alguns corpos de prova devido a defeitos como
nós e fissuras totalizando um número menor de corpos de prova para a realização efetiva
dos ensaios. Na Tabela 3 está listado o total dos corpos de prova ensaiados.

Tabela 3. Total de corpos de prova ensaiados


Adesivo Cisalhamento do Compósito Cisalhamento da Madeira
Epóxi 8 8
PU 6 6

3.2 Ensaio

Para o ensaio foi utilizado a máquina universal de ensaios Shimadzo de capacidade


50kN, localizada no Laboratório de Ensaios Mecânicos, do Ivalsa (Istituto per la
Valorizzazione del Legno e delle Specie Arboree, Sesto Fiorentino, Florença, Itália). Os
ensaios foram realizados com temperatura ambiente de 25° C, umidade relativa do ar 50%.
A velocidade de ensaio adotada foi de 20mm/min. A Figura 2 mostra o equipamento para
ensaio de cisalhamento em corpo de prova de cisalhamento e o aparato de ensaio com um
corpo de prova alocado na posição para ensaio.
Figura 2. (a) Equipamento de ensaio (b) aparato de ensaio para corpo de prova de
cisalhamento à compressão.
Fonte. Mascia (2016)

Para o cálculo das tensões de cisalhamento máximas fez-se a razão entre a força
ultima de ruptura aplicada e a área cisalhante, para tanto, foram consideradas as dimensões
reais ( ) dos corpos de prova aferidas em laboratório.

(
(1)

Onde:
é a tensão de cisalhamento de ruptura;
é a força máxima aplicada;
é a largura conforme Figura 1;
é a espessura conforme Figura 1.

Para avaliar a influência da colagem na resistência ao cisalhamento utilizou-se o


parâmetro “ ” que se trata da relação entre as resistências na linha de cola e na madeira
maciça (PIZZO e SMEDLEY, 2015).

(
(2)

Onde:
é a relação entre as tensões resistentes (linha de cola/ madeira);
é a tensão cisalhante resistente na linha de cola;
é a tensão cisalhante resistente da madeira.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

As tensões máximas para cada corpo de prova nos ensaios da linha de cola e da
madeira maciça são apresentadas no gráfico da Figura 3.
Através deste, pode-se observar que os corpos de prova (CP) melhor comportados
foram o P_6 com uma relação entre resistências de 0,99 e o E_3 com relação de 0,98.
No geral, observa-se uma dispersão nos valores de resistências. Sendo que, 35,7%
dos corpos de prova apresentam valores superiores de resistência na linha de cola em
relação à resistência madeira maciça enquanto 64,3% apresentam o comportamento
contrário.
16
15
14
13
12
11
Tensão τ (MPa)

10
9
8
7 Linha de Cola
6
5 Madeira Maciça
4
3
2
1
0
E_1 E_2 E_3 E_4 E_5 E_6 E_7 E_8 P_1 P_2 P_3 P_4 P_5 P_6
Corpo de Prova

Figura 3. Tensão cisalhante máxima para cada corpo de prova ensaiado

A seguir, apresentam-se as relações de resistência ao cisalhamento para os oito


corpos de prova com o adesivo epóxi (Tabela 4).

Tabela 4. Tensão Cisalhante Resistentes nos corpos de prova de madeira colada com Epóxi
e da madeira maciça e a relação estre elas
CP (MPa) (MPa)
E_1 9,61 11,38 0,84
E_2 13,78 9,74 1,41
E_3 8,86 9,08 0,98
E_4 9,66 10,50 0,92
E_5 12,42 13,71 0,91
E_6 12,51 12,32 1,02
E_7 13,36 13,04 1,02
E_8 8,38 13,58 0,62
Média 11,07 11,67 0,95

O menor valor de resistência observado foi o obtido para o corpo de prova E_8 (8,38
MPa) no ensaio de cisalhamento da cola, para esse mesmo corpo de prova tem-se umas
das melhores performances da madeira (13,58 MPa) o que indica uma falha na colagem
deste corpo de prova ou um defeito na madeira localizado próxima a região da linha de cola.
O efeito oposto ocorreu no corpo de prova E_2 que obteve um dos piores
desempenhos da madeira (9,74 MPa) e a maior resistência na região da cola (13,78 MPa),
indicando uma colagem eficaz que pode ter contribuído com a resistência da madeira em
seu estado natural.
Na Tabela 5 são apresentados os resultados dos seis corpos de prova com o
adesivo poliuretano.
Tabela 5. Tensão Cisalhante Resistentes nos corpos de prova de madeira colada com PU e
da madeira maciça e a relação estre elas
CP (MPa) (MPa)
P_1 9,24 8,43 1,10
P_2 8,45 10,26 0,82
P_3 9,82 10,59 0,93
P_4 13,04 12,24 1,07
P_5 12,32 15,31 0,81
P_6 10,59 10,74 0,99
Média 10,58 11,26 0,94

Já o adesivo poliuretano a menor relação observada foi a do CP P_5 o que pode ser
explicado pela alta resistência alcançada pela madeira neste CP.
A resistência da linha de cola nos corpos de prova colados com resina epóxi foram
0,49 MPa superiores do que aos colados com poliuretano.
Na Figura 4 podem-se observar dois dos corpos de prova depois de ensaiados, um
na lamina de cola quanto e um do ensaio na madeira maciça.

Figura 4. Corpo de prova após ensaio de cisalhamento (a) linha da cola (b) madeira

A falha observada no corpo de prova de madeira maciça (próxima à aplicação da


pressão) indica uma ruptura prematura da madeira devido a uma falha localizada em uma
região de concentração de tensões, que pode ser o motivo da menor resistência em alguns
corpos de prova em relação à resistência na linha de cola.

5. CONCLUSÕES

Segundo a normativa brasileira, somente os corpos de prova com resistência relativa


acima de 1, que significa que a resistência da linha de cola é superior à da madeira maciça,
estariam conformes, isso representaria somente 35,7% dos corpos de prova e reprovaria a
média de ambas as colas.
O critério de Pizzo e Smedley (2015), que considera o produto das relações seca e
úmida, a relação entre resistências deve ser no mínimo 0,8 para ser considerada uma
colagem de boa qualidade. Adaptando-se para este trabalho, onde foram ensaiadas
somente amostras secas, sugere-se o uso de adesivos com pelo menos > 0,9.
Em vista que a resistência relativa foram em média 0,95 e 0,94 para a cola epóxi e
poliuretano, respectivamente, conclui-se que ambas as colas apresentaram bons resultados
na colagem da madeira Spruce e que é recomendado sua utilização para as aplicações de
compósitos de madeira, como na madeira laminada colada.
A resistência da linha de cola nos corpos de prova colados com resina PU foram
4,42% inferiores do que aos colados com epóxi não havendo uma diferença expressiva
entre o desempenho das duas colas. Inclusive, essa diferença pode ser relacionada com a
variabilidade da própria madeira em vista que as resistências das madeiras maciças nos
corpos de prova colados com madeira PU foram 3,51% inferiores aos colados com resina
epóxi.

6. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq, ao CNR-Ivalsa, Itália e à Capes pelo apoio


prestado ao desenvolvimento deste trabalho.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, Rio de Janeiro. NBR7190: Projeto


de estruturas de madeira. Rio de Janeiro, 1997.

BODIG, J.; JAYNE, B. A. Mechanics of Wood and Wood Composites. Van Nostrand, New
York, N.Y. 430 p. 1982.

EUROPEAN STANDARD (EN 338). Structural Timber. Strength Classes. Brussles. 14p.
2009.

Henkel AG & Co. Purbond. Switzerland, 2017.

MAPEI®. Mapewood Gel 120. Milano, Italia, 2010.

MASCIA, N. T. Estudo de propriedades de fibras e seus compósitos para análise de vigas


laminadas coladas de madeira reforçadas por fibras. Relatório de atividades sobre pesquisa
de bolsa de pós-doutorado do cnpq no exterior. Florença, Itália, 2016.

OBUCINA, M; GONDZIC, E. The influence of pressure by thickness bonding on the shear


strength of glulam. 18th International Research/Expert Conference, Budapest, Hungary,
2014.

PIZZO, B.; LAVISCI, P.; MISANI, C.; TRIBOULOT, P.; MACCHIONI, N. Measuring the shear
strength ratio of glued joints within the same specimen. HOLZ ALS ROH- UND
WERKSTOFF, 61 (4), 273-280. 2003.

PIZZO, B.; SMEDLEY, D. Adhesives for on-site bonding: Characteristics, testing and
prospects. CONSTRUCTION AND BUILDING MATERIALS. 97:67-77. 2015.

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