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A doença inflamatória pélvica (DIP) é um quadro infeccioso do trato genital feminino.

Considerando os fatores de risco do desenvolvimento de DIP, é fundamental que o


médico esteja familiarizado com seu manejo.

O que é a doença inflamatória pélvica?


A doença inflamatória pélvica (DIP) é uma inflamação da região pélvica, mais
especificamente, acima do orifício interno do colo do útero. Assim, é considerada uma
inflamação de trato genital superior.

Pensando nisso, a DIP pode envolver não apenas o útero em si, mas também as tubas
uterinas e ovários. Em casos mais graves, ainda, pode acometer a cavidade pélvica.

Figura 1:

A doença inflamatória pélvica pode se apresentar de duas maneiras:

 Aguda: sintomas súbitos, porém severos.


 Crônica: sintomas mais leves, porém graduais. Ao longo do tempo, pode
agudizar.

Com base nisso, entendemos que a DIP aguda representa uma grande preocupação para
a saúde pública brasileira. Ainda, é considerada a complicação mais importante das
IST’s entre as mulheres jovens.

Etiologia da DIP: quais são suas causas?


Segundo a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia
(FEBRASGO), a DIP é o resultado de um processo polimicrobiano. Ou seja, muitos
podem ser os microrganismos envolvidos no processo infeccioso, muitos deles também
provindos de IST’s (60% dos casos).
Em vista disso, os agentes sabidamente mais importantes são Neisseria gonorrhoeae e
Chlamydia trachomatis. No entanto, muitos são outros patógenos capazes de
causarem a DIP. Eles podem ser bactérias Gram (+) e Gram (-) aeróbias e anaeróbias.

Dentre os agentes anaeróbios, destacamos a Gardnerella vaginalis, que representou um


aumento relevante em casos de DIP nos últimos anos. Além dela, também observa-
se:

 Haemophilus influenzae;
 Streptococcus agalactiae;
 Mycoplasma hominis;
 Escherichia coli;
 Ureaplasma urealyticum.

Já nas pacientes que fazem uso do Dispositivo Intrauterino (DIU), a Actinomyces


israelii possui relevância nos casos.

Com base nisso, os agentes infecciosos causadores do quadro podem ser agrupados em:

 Organismos exógenos: levando à salpingite, como a Chlamydia trachomatis


(mais comum) e Neisseria gonorrhoeae.
 Infecções endógenas: em que os agentes tem relações comensais no trato
genital. No entanto, ao sofrer manipulação como um trauma, ou mesmo o uso do
DIU, leva à interrupção da barreira cervical. Como consequência, instala-se o
quadro infeccioso.
 Actinomicose: causada pelo uso prolongado de DIU.

Fisiopatologia da doença inflamatória pélvica:


A DIP é geralmente um quadro de ascensão dos micro-organismos pelo trato genital.
Pensando nessa dinâmica, os microrganismos ascendem pela endocérvice
(endocervicite), endométrio (endometrite), tubas (salpingite).

Esse processo é facilitado no período perimenstrual e pós menstrual imediato. Isso é


explicado pela maior abertura do colo, fluidez do muco e contratilidade uterina e
mudança do pH da região. Todos esses fatores favorecem a dinâmica ascendente dos
microrganismos.

Ao alçarem as tubas, a infecção pode seguir dois cursos:

1. Restrita àquela região, caso as fímbrias estejam ocluídas como mecanismo


protetor. Sendo esse o caso, tem-se a PIOSSALPINGE no quadro agudo e
HIDROSSALPINGE como consequência futura por destruição do epitélio
endotubário.
2. Atingir a cavidade pélvica, quando as fímbrias não tiveram tempo para
ocluírem. Assim, as possibilidades são a PELVEPERITONITE, com abcesso
no fundo de saco de Douglas ou no tubo ovariano.

Fatores de risco da doença inflamatória pélvica


A maioria das pacientes são nulíparas, entre 15 e 25 anos e com vida sexual ativa. A
DIP tem baixa taxa de mortalidade e alta taxa de morbidade (infertilidade, gravidez
ectópica, dispareunia, dor pélvica crônica).

Os fatores de risco mais importantes são:

 Idade < 25 anos;


 Início precoce da atividade sexual;
 Situação socioeconômica de fragilidade;
 Tabagismo, alcoolismo e uso de drogas ilícitas;
 Múltiplos parceiros;
 Parceiro portador de uretrite;
 História prévia de IST ou DIP;
 Uso de DIU.

Outro fator de risco de grande importância é o não uso de preservativos nas relações
sexuais.

Manifestações Clínicas da Doença Inflamatória Pélvica


Algumas pacientes podem não apresentar sintomas, enquanto outras podem variar de
sintomas leves a muito graves. Como comentamos, isso ocorre devido ao estágio e
alcance da infecção.

O diagnóstico clínico da DIP permanece sendo um desafio médico. Isso se justifica


pelos sinais e sintomas serem, muitas vezes, inespecíficos e correlacionarem-se com a
extensão da inflamação.

A avaliação no exame físico deve ser detalhada, em busca de sinais que sugiram
infecção. Com isso, o médico deve se atentar para:

 A temperatura corpórea para avaliar presença de febre.


 Abdômen: dor à pressão, dor na descompressão súbita, defesa muscular e
localização das dores.
 Exame especular: secreção purulenta do colo do útero.
 Toque vaginal: dor à palpação/mobilização do colo do útero, região anexial
dolorosa ou abaulada.

Critérios avaliação da Doença Inflamatória Pélvica


Alguns estudos recentes defendem, ainda, a subdivisão dos critérios de DIP em
maiores, menores e elaborados. Com base nisso, são necessários

3 CRITÉRIOS MAIORES + 1 CRITÉRIO MENOR / 1 CRITÉRIO


ELABORADO.

Critérios maiores
Os critérios maiores preconizam que a paciente apresente dor em uma das seguintes
situações:

 Palpação anexial;
 Mobilização do colo uterino;
 Dor pélvica infrapúbica.

Critérios menores

Febre: temperatura oral acima de 38,3 °C ou temperatura


axilar maior que 37,5 °C;

 Secreção vaginal e/ou endocervical purulenta;


 Massa pélvica;
 Leucocitose ao hemograma;
 Proteína C reativa elevada;
 Mais de cinco leucócitos por campo de aumento em secreção
de endocérvice avaliada à microscopia;
 Comprovação laboratorial de infecção cervical por gonococo,
Chlamydia ou Mycoplasma.

Critérios elaborados

 Evidência histopatológica de endometrite;


 Presença de abscesso túbulo-ovariano ou no fundo de saco de
Douglas aos exames de imagem;
 Laparoscopia evidenciando doença inflamatória pélvica.

Diagnóstico da doença inflamatória pélvica


Um diagnóstico definitivo é difícil, pois a coleta de amostras de rotina por meio de
cotonete cervical tem limitações na avaliação dos organismos.

O diagnóstico é incorreto em até 1/3 das mulheres que o recebem. 

 Cotonete cervical para coloração de Gram e cultura, 


 PCR (N. gonorrhoeae);
  Cotonete cervical e técnicas especiais (por exemplo, PCR para C. trachomatis).

A avaliação laparoscópica é considerada padrão-ouro. Embora não recomendada de


rotina, devido ao alto custo e morbidade associados. 

Outro fato a ser considerado é que, nos estádios iniciais, quando o processo inflamatório
restringe-se à luz tubária, a visão laparoscópica poderá resultar em diagnóstico falso-
negativo.

Tratamento para Doença Inflamatória Pélvica


Para definir o tratamento da mulher com DIP, usaremos a Classificação de Monif e do
estágio em que o paciente se encontra. 

Estágio 1

Endometrite e salpingite sem peritonite. Tratamento ambulatorial: 

 Ceftriaxone 500 mg IM + Doxiciclina 100 mg 12/12h por 14 dias +


Metronidazol 500 mg VO, por 14 dias

Estágio 2

Salpingite aguda com peritonite. Tratamento hospitalar:

 Clindamicina IV + Gentamicina IV

Estágio 3 

Presença de oclusão da tromba e abcesso tubo-ovariano

Estágio 4

Abcesso grande (> 10 cm) ou roto

*Estágios 2, 3 e 4 + gestantes, imunocomprometidos e ausência de melhora do quadro


após 72h de tratamento (para o estágio 1) recebem tratamento hospitalar.

Todos os parceiros recentes, incluindo os dos últimos dois meses, devem ser
convocados para avaliação clínica e propedêutica do esfregaço uretral,
independentemente da sintomatologia. Parceiros dos últimos seis meses também devem
ser investigados de acordo com a história clínica.

Deve ser considerado tratamento empírico para C. trachomatis e N. gonorrhoeae,


independentemente da etiologia aparente da DIP. Recomenda-se azitromicina 1 g, VO
associado à ceftriaxone 250 mg, IM, ambas em dose única (ou ciprofloxacina 500 mg,
VO, dose única).

Possíveis complicações da DIP


O processo de infecção e inflamação são considerados respostas orgânicas à eventos
ameaçadores. No caso da doença inflamatória pélvica, por ser capaz de acometer
grandes extensões do trato genital feminino, algumas complicações precisam ser
consideradas e investigadas. Dentre elas, temos:

1. Abcessos;
2. Adesões, formando faixas de tecido cicatricial;
3. Bloqueio das trompas, devido ao edema;
4. Peritonite;
5. Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis.
A peritonite se torna uma preocupação considerável caso haja a disseminação da
infecção para a cavidade pélvica, inflamando o peritônio. Nesse caso, a paciente seguirá
com dor intensa súbita e difusa.

A síndrome de Fitz-Hugh-Curtis trata-se de uma peri-hepatite, sendo uma inflamação


da cápsula hepática, geralmente causada por Neisseria gonorrhoese ou Chlamydia
trachomatis. Considerando isso, a dor da paciente é semelhante à referida na colecistite.

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Perguntas frequentes
1. O que é a DIP?
A doença inflamatória pélvica (DIP) é um quadro infeccioso causado pela
ascensão de microrganismos pelo trato genital feminino, geralmente advinda de
uma IST.
2. Quais são principais fatores de risco para a DIP?
Os dois principais fatores de risco para a doença é o não uso de preservativos e
mulheres em idade fértil.
3. Quais são os sintomas da DIP?
Como um sinal de infecção, muitas pacientes apresentam dor à manipulação
genital e febre.

Referências  
1. Murtagh J. Murtagh J Ed. John Murtagh.eds. Murtagh’s General Practice, 6e
New York, NY: McGraw-Hill.
2. Romanelli, R. M. de C., Lima, S. S. S., Viotti, L. V., Clemente, W. T., Aguiar,
R. A. L. P. de, & Silva Filho, A. L. (2013). Abordagem atual da doença
inflamatória pélvica. Revista Médica de Minas Gerais, 23(3), 347–355.
https://doi.org/10.5935/2238-3182.20130055
3. O’Connor V, Kovacs G. Obstetrics, Gynaecology and Women’s Health.
Cambridge: Cambridge University Press, 2003: 476–97.
4. Dekker JH, Veehof LJG, Hinloopen RJ, Van Kessel T, B. F. traduzido. (2014).
Doença inflamatória pélvica. Programa de Diretrizes Da Associação Holandesa
de Clínica Geral (NHG), 50.

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