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Consenso sobre Infecções Sexualmente

Transmissíveis: Endocervicites e DIPs

Endocervicite

Definição
Entende-se por Endocervicite a infecção do epitélio cilíndrico do
endocolo.
O endocolo é desprovido de flora, pelo que todo o microorganismo
isolado no tracto genital superior é considerado patogénico.

Etiologia
Múltiplos são os germens que podem ser isolados, sendo os mais
frequentes:
- Chlamydia Trachomatis
- Neisseria Gonorrhoeae

Endocervicite por Chlamydia Trachomatis

A endocervicite por Chlamydia Trachomatis é a primeira causa mundial


de Infecção Sexualmente Transmissível ( I.S.T.) bacteriana.
A Chlamydia Trachomatis é uma bactéria intra-celular obrigatória, que se
pode transmitir por via sexual ou perinatal e é muito contagiosa. Tem um
período de incubação variável, podendo apresentar recidivas.

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1. CLÍNICA

A sua apresentação clínica é muito variável, insidiosa e inespecífica: 40-


60% das mulheres infectadas são assintomáticas. É frequente a presença de
um corrimento inespecífico ou, mais raramente, muco-purulento. O colo uterino
apresenta-se habitualmente friável e congestivo, podendo então ocorrer
coitorragias. Associa-se por vezes a uretrite sub-aguda

2. DIAGNÓSTICO

O seu diagnóstico pode realizar-se através de um teste de Amplificação


Génica (PCR, LCR, …). Este tipo de exame tem vantagens relativamente às
técnicas convencionais, pois tem uma elevada sensibilidade (≥ à da cultura),
necessita de uma amostra escassa, o DNA é pouco lábil e conserva-se vários
dias. Consequentemente, é considerado de primeira escolha e deve utilizar-se
sempre que possível em mulheres sintomáticas (colheita endocervical).
Em rastreios/determinações seriadas, é também indicado, mas no 1º jacto
da 1ª urina da manhã (possibilidade de auto-colheita)

A utilização dos Métodos Serológicos têm indicação apenas no estudo


de:
 Linfogranuloma venéreo
 Doença Inflamatória Pélvica (DIP)
 Recém-nascido

A Imunoglobulina G é insuficiente para diagnóstico de Clamidiose


evolutiva; a Imunoglobulina M é muito lábil, testemunha infecção activa e
eleva-se em cada reinfecção

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3. TERAPÊUTICA

Podem usar-se vários esquemas terapêuticos, sendo sempre preconizada


a terapêutica sistemática do(s) parceiro(s) sexuais e a abstinência sexual
durante 7 dias.

Os esquemas terapêuticos de 1ª linha são:


 Azitromicina – 1 gr em dose única
 Doxiciclina – 100 mg, po, 2 id, 7 dias
Alternativas:
 Minociclina – 100 mg, po, id, 7 dias
 Ofloxacina – 200 mg, po, 2id, 7 dias
 Eritromicina – 500 mg, po, 4id, 7 dias

É fundamental o controle > 3 semanas após final do tratamento, excepto


se fármacos de 1ª linha (CDC 2002).

TERAPÊUTICA NA MULHER GRÁVIDA

 Azitromicina – 1 gr em dose única


Alternativas:
 Eritromicina – 500 mg, po, 4id, 7 dias
 Amoxicilina - 500 mg, po, 4id, 7 dias

A Doxiciclina, Minociclina e Ofloxacina estão contra-indicadas na gravidez.

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Endocervicite por Neisseria Gonorrhoeae

A Endocervicite por Neisseria Gonorrhoeae apresenta uma incidência


baixa e decrescente na Europa.
A Neisseria Gonorrhoeae é um Diplococo Gram negativo, de transmissão
sexual ou perinatal e com período de incubação médio é de 2 a 4 dias.

1. CLÍNICA

O sintoma mais frequente é a presença de um corrimento amarelo-


esverdeado.
Por vezes pode existir Bartholinite associada ou, mais raramente, a
mulher ser assintomática.

2. DIAGNÓSTICO

O diagnóstico pode realizar-se através de colheita de exsudato do


endocolo por zaragatoa, para exame directo e/ou cultura.
Ao Exame directo, é possível identificar a presença de Diplococos Gram
negativos no interior de polimorfonucleares.
A Cultura permite identificação específica do gérmen, assim como a
realização de um teste de sensibilidade aos antibióticos (TSA), de particular
interesse na actualidade devido às crescentes resistências do gonococo às
quinolonas.

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3. TERAPÊUTICA

Podem usar-se os seguintes protocolos terapêuticos:

 Ceftriaxone – 250 mg, IM, dose única


 Cefixima – 400 mg, po, dose única
 Amoxicilina+ Ácido Clavulânico – 3 gr, po, dose
única
Ou, em alternativa
 Ofloxacina – 400 mg, po, dose única
 Ciprofloxacina – 500 mg, po, dose única.

Também aqui é preconizada a terapêutica sistemática do(s) parceiro(s)


sexuais e a abstinência sexual durante 7 dias.

Deve realizar-se sempre o tratamento empírico, concomitante, anti-


Chlamydia, se não for possível excluir esta co-infecção, visto ser elevada
prevalência de chlamydia nos infectados com gonococo e os respectivos
testes específicos nem sempre serem suficientemente rápidos, sensíveis e/ou
disponíveis para este diagnóstico.

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Doença Inflamatória Pélvica

Definição
A Doença Inflamatória Pélvica ( DIP ) é uma infecção do tracto genital
superior feminino, podendo envolver endométrio, trompas, ovários e estruturas
adjacentes.

As suas Incidência e Prevalência são desconhecidas em Portugal.

Etiopatogenia
A DIP resulta habitualmente de contaminação via ascendente a partir de
Endocervicites. Raramente podem também ocorrer após intervenção cirúrgica,
parto ou aborto.

São geralmente polimicrobianas e os germens presentes com maior


frequência são:
- Chlamydia Trachomatis, Neisseria Gonorrhoeae
- Gérmens comensais da flora vaginal, que em condições favoráveis (lesão
epitelial prévia, ¯ da imunidade local, manobra endo-uterina) também podem
ascender ao tracto genital superior - Mycoplasma hominis, bactérias
anaeróbias, …

São habitualmente referidos como factores de risco para DIP:


- Idade < 25 anos
- Múltiplos parceiros sexuais
- Novo parceiro sexual
- Antecedentes de IST ou DIP
- Álcool, tabaco, drogas

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- Instrumentação pélvica/uterina prévias: DIU, HSG, …

1. CLÍNICA

A sua apresentação clínica é polimorfa e variável, não se lhe atribuindo


qualquer sinal ou sintoma patognomónico.
Pode apresentar um ou mais dos seguintes sinais e sintomas:
 Algias pélvicas, uni ou bilaterais, de agravamento com o coito,
com os esforços, ao fim do dia ou pós-menstrual
 Corrimentos ou, mais raramente, metrorragias
 Febre
 Náuseas e vómitos nas formas graves.

O Exame Físico pode revelar:


 à observação ao espéculo - corrimento cervical purulento; colo
friável; metrorragia
 ao toque, dor à mobilização do colo uterino e/ou Dor na região
anexial, uni ou bilateral, associada ou não a um empastamento
de uma ou ambas as regiões anexiais
 Febre

2. DIAGNÓSTICO

O diagnóstico deve sempre basear-se nos achados clínicos. Preconiza-


se a realização dos seguintes exames complementares:

1. Exames Laboratoriais
 Colheitas no endocolo, para pesquisa de
 gérmens banais e gonococo – zaragatoa

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 Chlamydia – técnica de amplificação génica
 Micoplasmas – colheita abrasiva e meio de
transporte especial
Remoção de DIU, e colocação em cultura (obrigatório
nas formas graves)
 Teste de gravidez – para excluir GEU
 Hemograma – Leucocitose
 VS e PCR – elevação não constante
 Serologias : Chlamydia, outras IST
 Urocultura – para diagnóstico de infecções
do tracto urinário superior

2. Ecografia
 Nem sempre confirma a presença de salpingite
 Útil para excluir outra patologia
 Permite o diagnóstico de complicações (ex. abcesso)

3. Celioscopia – a realizar quando os exames anteriores são


inconclusivos. Pode ter interesse:
 Diagnóstico - confirma ou exclui SA
 Bacteriológico - colheitas na trompa e FSD
 Prognóstico - precisa a gravidade das lesões
 Terapêutico - lavagem peritoneal, adesiólisis

3. TERAPÊUTICA

A terapêutica deve ser iniciada empíricamente na mulher jovem


sexualmente activa ou com factor de risco de IST, se os seguintes critérios
mínimos estiverem presentes:
- Dor à palpação uterina/anexial

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- Dor à mobilização do colo uterino

Pode ser iniciada e/ou totalmente realizada em ambulatório.


Constituem critérios de hospitalização:
- Gravidez
- Incapacidade de excluir emergência cirúrgica
- Falta de resposta à terapêutica oral em ambulatório (>72 horas)
- Incapacidade de tolerar terapêutica oral (náuseas, vómitos)
- Doença grave (febre alta, peritonite)
- Presença de abcesso tubo-ovárico
- Imunossupressão
- Não garantia de cumprimento da terapêutica em ambulatório

O tratamento em ambulatório deve ser iniciado logo que se suspeite


do diagnóstico.
Se não existir agravamento do quadro clínico que motive observação
clínica mais precoce, a doente deve ser reavaliada 72 horas e 4 semanas após
início do tratamento.

Existem vários protocolos terapêuticos, sempre prevendo a etiologia


polimicrobiana desta afecção clínica, o que obriga á associação de
antibióticos.
Tendo em conta os fenómenos inflamatórios e imunoalérgicos que
ocorrem neste processo, é lógico associar um AINE desde a fase inicial do
tratamento.
Também aqui se preconiza o tratamento sistemático do(s) parceiro(s)
sexuais (cobertura para chlamydia e gonococo)
Deve recomendar-se a realização de relações sexuais protegidas até
final da vigilância pós terapêutica.

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Propõem-se vários protocolos terapêuticos, por ordem preferencial, tendo
sempre em conta o espectro de acção, a eficácia, a tolerância, a adesão à
terapêutica e o custo.

Terapêutica antibiótica de ambulatório

 Cefoxitina, 2 gr, IM, dose única


+
Doxiciclina, 100 mg, 2 id, 14 dias

Ou

 Ceftriaxone, 250 mg, IM, dose única


+
Doxiciclina, 100 mg, 2 id, 14 dias
+
Metronidazol, 500 mg, 2id, 14 dias

Ou

 Ofloxacina, 400 mg, po, 2id, 14 dias


+
Metronidazol, 500 mg, po, 2 id, 14 dias

Ou

 Amoxicilina + Ácido Clavulânico, 1gr, po, 3id, 14 dias


+
Doxiciclina, 100 mg, po, 2id, 14 dias

Terapêutica antibiótica parental

A terapêutica antibiótica parenteral deve manter-se até 24 horas após


melhoria clínica, e prosseguir com Doxiciclina oral 14 dias, associada ou não a
outros AB.
 Cefoxitina, 2 gr, ev, 4 id
+
Doxiciclina, 100 mg, po / ev, 2 id ???

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Ou

 Ofloxacina, 400 mg, ev, 2 id


+
Metronidazol, 500 mg, ev, 3id

Ou

 Clindamicina, 900mg ev 8/8h


+
Gentamicina, 2 mg/Kg (dose inicial) ®1,5 mg/kg, IM ou ev, 3 id

Terapêutica Cirúrgica

A terapêutica cirúrgica deve efectuar-se quando, 24 a 48 horas após


instituição de terapêutica antibiótica parenteral, não ocorre melhoria clínica.
Preconiza-se a realização dos seguintes procedimentos durante a
Laparotomia / Laparoscopia :
- Adesiólisis
- Drenagem de abcesso(s) pélvico(s)
- Limpeza cirúrgica de material necrótico
- Lavagem peritoneal com soro fisiológico

A punção-aspiração ecoguiada de abcessos pélvicos é já utilizada em


alguns centros, sendo menos invasiva e relatada como igualmente eficaz.

PROGNÓSTICO

A evolução de uma DIP é sempre imprevisível, mesmo nos doentes que


iniciam terapêutica logo que se estabelece / suspeita do diagnóstico:
 Podem ocorrer complicações agudas como abcessos pélvicos e/ou
pelvi-peritonite.

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 A evolução para a cronicidade é possível, nomeadamente após
terapêutica inadequada ou insuficiente
 Nas doentes em que se obtem remissão clínica, podem ocorrer
recidivas a médio e a longo prazo.
 As sequelas são frequentes e graves
o 20% esterilidade de causa tubo-peritoneal
o 20% algias pélvicas crónicas
o 10% das mulheres que engravidam têm GEU
Estas complicações têm um grande impacto em Saúde Pública
quer pelo absentismo quer pelos custos económicos que originam.

RASTREIO

A gravidade que estas doenças podem atingir, mesmo quando atempada


e adequadamente tratadas, poderão justificar que se preconize em Portugal, à
semelhança do que já acontece em outros países, a realização de um
programa de rastreio endocervicite por Chlamydia Trachomatis.

Propõe-se como população alvo:


 Mulheres com idade <25 anos
 Mulheres com idade ≥ 25 anos que apresentem:
- Novo companheiro
- Vários companheiros
- Antecedentes de infecção por Chlamydia
 Gravidez

Periodicidade do rastreio:
 Anual
 Semestral se antecedentes desta infecção

Teste a utilizar:

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 teste de amplificação genica; após auto-colheita do 1º jacto da 1ª
urina da manhã
Conduta perante teste positivo:
 Tratamento específico
 Tratamento do (s) parceiro (s) sexuais
 Pesquisa de outras IST’s
 Controle após terapêutica

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