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Organizadores
Marcos Moura
Mariana Gino

PERSPECTIVAS PEDAGÓGICAS
AFRO-INDÍGENAS

Esta obra é uma publicação do Instituto Cultural Ajuri (INCA) em parceria com o Centro de
Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) que integra o projeto Escola Afro-Amazônica.

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Organização:
Manoel Marcos de Moura Clementino (Marcos Moura)
Autores: e Mariana Gino.
Ele Semog, Helena Theodoro,
Josias Ferreira de Souza e Djuena Textos:
Tikuna. Elé Semog, Helena Theodoro,
Josias Ferreira de Souza e Djuena Tikuna.

Coordenação Editorial
Jucifram Canto e Eldiney Alcântara

Capa
Leonardo Canto

Diagramação
Leonardo Canto

Revisão
Manoel Marcos de Moura Clementino (Marcos Moura) e Mariana
Gino.

Impressão
Gráfica e Editora João XXIII
Rua Governador Leopoldo Neves, 582 – Centro
CEP: 69.152-065 - Parintins – Amazonas – Brasil
Telefones: (92) 99115-1742
E-mail: graficajoao23@gmail.com

P467 Perspectivas Pedagógicas Afro-Indígenas/ Organizado por: Manoel Marcos de Moura


Clementino; Mariana Gino. – Parintins: Gráfica e Editora João XXIII, 2021.

48p.: il. color, 21 cm.

ISBN: 978-85-67959-64-1

Projeto Escola Afro-Amazônica: tem por objetivo viabilizar materiais didáticos-


pedagógicos para o auxílio de uma educação voltada para promoção da Lei 11.645
de 10 de março de 2008 nas escolas, que torna obrigatório o ensino das culturas e
histórias africanas, afro-brasileiras e indígenas em todos os níveis de ensino no
país.

1. Política Pública 2. Educação Étnico-Racial I. Clementino, Manoel Marcos


de Moura II. Gino, Mariana III. Instituto Cultural Ajuri (INCA) IV. Centro de
Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) V. Título

CDU 37.014.1

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Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária/Documentalista Daniele Canto Hagra

CRB11/726
SUMÁRIO

Perspectivas Pedagógicas Afro-Brasileiras. .............................................................................. 7


Pedagógicos Afro- Brasileiras .................................................................................................. 21
Perspectivas Pedagógicas Indígenas ........................................................................................ 31
A voz dos encantados: A música Indígena .............................................................................. 38
Bibliografia Utilizada pelos Autores e Referências. ............................................................... 45

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APRESENTAÇÃO

É com grande alegria que o lançamos o primeiro Caderno “Perspectivas Pedagógicas


Afro-Indígenas”. O projeto elaborado expressa o nosso mais puro desejo de viabilizar matérias
pedagógico para o auxílio de uma educação voltada para promoção da Lei 11.645 nas escolas.
Promulgada em 10 de março de 2008, a Lei 11.645, que torna obrigatório o ensino das
culturas e histórias africanas, afro-brasileiras e indígenas em todos os níveis de ensino no país, é frutos
das reivindicações e ações sociais das comunidades negras e indígenas contra o silenciamento histórico.
Como bem nos conta os livros de História, desde a gênese da formação social do Brasil as comunidades
negras e indígenas tiveram suas histórias e experiências sociais invisibilizadas pela dita “história oficial”
que relegou a estes grupos um lugar marginal.
Assim, o advento da Lei tornou-se um divisor de águas para o fortalecimento da
diversidade e das identidades no Brasil. Pensando em construir e promover ações possíveis para o
conhecimento e fortalecimento dessas identidades, o Instituto Cultural Ajuri (INCA) e o Centro de
Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) se uniram para juntos construírem o primeiro Caderno
Perspectivas Pedagógicas Afro-indígenas, que no estado do Amazonas integra o conjunto de materiais
pedagógicos do Projeto Escola Afro-Amazônica. O objetivo central da publicação, que tem como público
alvo alunos e professores das comunidades amazonenses, é ser um suporte pedagógico para o corpo
discente e docente das instituições de ensino público.
Boa leitura!

Coordenadores,
Esp. Marcos Moura (INCA).
Profª. Msa. Mariana Gino (CEAP).

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Foto: João Siqueira

Perspectivas Pedagógicas Afro-Brasileiras.

Negros e o difícil caminho das letras no Brasil'1

Profº. Ms. Ele Semog – Secretário Executivo do Centro de Articulação de Populações


Marginalizadas (CEAP)
Pensar e tratar das origens da educação escolar brasileira, exige considerar que ela teve início no
século XVI com a chegada, em 1549, dos padres da Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola
em 1534. A instalação dos “colégios”, que em Portugal proliferaram cumprindo sua ação doutrinária e
evangelizadora à fé católica, bem como a sua ação pedagógica no ensino “do ler, do escrever e do contar”,
se repetiu também no Brasil colonial, perdurando até 17592 com a reforma geral do ensino promovida
pelo Marques de Pombal (José de Carvalho e Melo), que extinguiu e expulsou a Companhia de Jesus e
todos os jesuítas não só de Portugal, como também de todas as colônias, sendo que no Brasil a expulsão
ocorreu em 1760.

Na medida em que a colonização portuguesa foi se expandindo e se consolidando no Brasil, os


jesuítas se dedicaram a educação inicial dos filhos de portugueses (os mais abastados eram enviados para
concluir a formação na Europa). Suas diretrizes de ensino e de administração se baseavam no que
estabelecia o “Ratio Studiorum”, uma espécie de bula, que era aplicado em todos os colégios da
Companhia de Jesus instalados pelo mundo. Esse conjunto de procedimentos que orientava a vida
acadêmica e administrativa dos colégios buscava, dentre outras finalidades, a aplicação de um mesmo

1
O presente texto é fruto das pesquisas que desenvolvi durante o mestrado em História Comparada, pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro, defendido em 2018.
2
Ver Breve Evolução Histórica do Sistema Educativo - Portugal - OEI. Disponível em:
www.oei.es/historico/quipu/portugal/historia.pd (Acessado em 21/03/2017)

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currículo em todas as unidades educacionais e religiosas. Em menos de um ano após ter chegado ao
Brasil, o irmão jesuíta Vicente Rodrigues, fundou a primeira escola brasileira destinada a catequese e
letramento do gentio local (indígenas). A forma como a coroa portuguesa e os jesuítas lidavam com os
povos indígenas e os negros no Brasil era bastante distinta, tanto na preocupação com a evangelização e
escolarização, quanto no próprio trato do escravagismo. Não se tem notícia de que aquelas instancias, em
algum momento, tenham manifestado explicitamente interesse pela efetiva evangelização e pela educação
escolarizada dos africanos e seus descendentes.

Os conflitos, e os embates de natureza moral e econômica, entre a coroa portuguesa, os colonos,


os jesuítas (e os bandeirantes) em torno da apropriação do trabalho escravizado dos indígenas visava
atender a demanda dos colonos pobres que não podiam pagar pelos escravizados africanos, de valor muito
elevado (Junior, 1995, p.36). Esse enfrentamento foi contínuo, desde a chegada desses padres em 1549,
só sendo superado com a Reforma Pombalina, que determinou em 1755 a abolição do trabalho escravizado
dos indígenas atingindo os interesses de colonos e jesuítas, além de decretar uma lei que estimulava o
casamento entre indígenas e portugueses

Em relação aos negros, no período da reforma pombalina, não há nada que diga respeito a
educação dessa população e as fontes são, a luz desse estudo, praticamente inexistentes, embora tenhamos
encontrado um fio da meada na informação proclamada por Reis e Silva (1989, p. 16, Apud R.
Conrad,1975) que na segunda metade do século XIX, em 1872, portanto um século depois da reforma
pombalina, apenas 1 (um) em cada 1.000 (um mil) indivíduos da população de escravizados era
alfabetizada. O levantamento em questão não pode ser considerado plenamente consistente em termos do
real contingente de população escravizada. Nesse sentido Ganga Zumba (Zumbi dos Palmares, sem
comprovação) e Henrique Dias são, no mundo dos letrados a sua época e mesmo dois séculos depois,
estrelas solitárias que vagam na história do Brasil sem pares que mereçam equidades, ou equivalência.

De certa maneira a reforma pombalina foi um fracasso no Brasil, quase tudo deu errado, mas isso
não significa que modificação no processo educativo se dê de maneira imediata. Pela análise de Saviani
(2004), o Brasil não tinha professores para as aulas régias (uma espécie de cursinho de especialização
para se tentar o acesso aos cursos das universidades europeias); falta de recursos financeiros para os tais
subsídios literários, imposto que deveria pagar professores e material didático, e o temor que se a educação
se expandisse na colônia e com ela também as ideias liberais e iluministas, poderiam se constituir como
instrumento do povo (elite) educado para a disseminação das vontades políticas pela emancipação da
colônia.

No ano de 1777 morre D. José I e sobe ao trono Dona Maria I, que além de promover o desmanche
das iniciativas do Marques de Pombal, traz de volta ao poder seus inimigos (acusados de conspirarem
contra o rei), favorecendo inclusive o retorno da Igreja ao Estado. Defenestrado e, certamente humilhado,

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o Marques de Pombal, pede demissão “de todos os lugares”. Dona Maria I, morre no Brasil em março de
1816. Somente 13 anos depois da chegada da família real portuguesa ao Brasil, um dos legados do
Marques de Pombal para a educação se constitui de fato, com a indicação em 1821 do baiano José da
Silva Lisboa (Visconde de Cairu), que ministrava aulas régias de filosofia e moral, para o cargo de Diretor
Geral dos Estudos.Em 1822 o Brasil se torna um Estado independente de Portugal e se constitui como
Império do Brasil. A Constituição21 outorgada em 1824 pelo imperador D. Pedro I, estabelecia que o
ensino primário fosse gratuito nas escolas públicas, mas não ocorreu de imediato o “cumpra-se”, como
veremos nas próximas argumentações.
Vale destacar que a Constituição, no seu Artigo 179 estabelecia “A inviolabilidade dos Direitos
Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a
propriedade, (...)”. No Artigo 6, a mesma Constituição define em 5 itens quem é considerado cidadão
brasileiro, e destacamos no item I: “Os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenuos, ou libertos,
ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação”. Nessa
Constituição, não por acaso inspirada em princípios positivista, mas paradoxalmente absolutista, não
consta a palavra “escravo”, e não o considera como cidadão. Também não consta a palavra negro,
utilizando seus equivalentes correntes nos usos de então, como ingênuos e libertos. O governo do Império
não conseguiu implementar a Constituição no que dizia respeito às escolas primárias. Segundo Siss
(2003) não havia nenhum interesse do gestor público em educar, por iniciativa do Estado, os africanos e
seus descendentes, bem como os brancos pobres, uma vez que “(...) a educação, principalmente a primária,
não se constituiu como um valor em si mesma para a elite política da época”.

Em 12 de agosto de 1834, “a Regência faz saber aos súditos (...) que a Câmara dos Deputados
decretou as seguintes mudanças com o Ato Adicional à Constituição de 1824. Nos 32 artigos do Ato as
províncias têm definidas uma série de atribuições e uma significativa autonomia para implementar suas
decisões. No artigo 10, parágrafo 2º, trata das competências de legislar sobre “instrução pública e
estabelecimentos próprios a promove-la” e exclui da competência das províncias os cursos superiores
(medicina e jurídico) e as academias (música, artes) que existissem na província, ou que viessem a ser
criados pelo governo central.

O parágrafo 2º transcrito acima, na verdade tirava a responsabilidade do governo imperial de


prover o ensino primário, (Siss, 2003; Saviani ;2004) coincidem em que o governo central não tinha o
menor interesse em promover esse tipo de educação, uma vez que a maioria das províncias não tinha
condições mínimas para arcar com recursos técnicos e financeiros para cumprir a missão. Ainda assim,
como que ratificando o desinteresse do governo imperial em assumir a responsabilidade pela educação
primária, em 1827 foi sancionada uma lei que indicava que fossem implantadas escolas de primeiras letras

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em todas as cidades, vilas e localidades mais populosas do Império. A consequência foi o Brasil atravessar
o século XIX sem educação pública.

Com os africanos, seus descendentes, e os brancos pobres deliberadamente sem acesso à


educação praticamente em todo o país, três anos depois do Ato Constitucional, o presidente da província
do Rio de Janeiro, Paulino José Soares de Sousa, sanciona a Lei nº 1, de 2 de janeiro de 1837, que
regulamenta a instrução primária na província do Rio de Janeiro. Os artigos 1 e 2, da lei determinam três
classes de ensino e estabelecem a grade curricular e a ordem sequencial de acesso a cada uma das classes.
A lei vai se desenrolando muito bem, mas no artigo 3 surge mais uma aberração, dentre os disparates que
temos tratado nessas linhas. E assim diz o artigo3: “Artigo 3º - São prohibidos de frequentar as Escolas
Publicas: 1º- Todas as pessoas que padecerem molestias contagiosas. 2º- Os escravos, e os pretos
Africanos, ainda que sejão livres ou libertos”. Como vimos anteriormente a Constituição do Império
definia como cidadãos “os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos ou libertos”. Portanto na
nossa análise, salvo grasso equivoco, consideramos que o item 2, do artigo 3º da regulamentação da
instrução primária foi ostensivamente inconstitucional.

Ainda que se considere esse impedimento de acesso do negro a escolarização como um princípio
hegemônico da sociedade escravocrata, que naquele momento via ameaçada a sua principal fonte de
produção de trabalho sendo inclusive obrigada, pela Inglaterra a produzir ato legal impedindo o tráfico de
africanos (Lei Regente Feijó, de 1831), a letra fria das leis de então não traduzem os jogos intensos que
se estabeleciam para se manter ou alterar lugares e situações socialmente definidos em determinado
sistema social. A comunidade escravizada da província do Rio de Janeiro, e alhures, construía seus
próprios códigos, seu ordenamento social, sua linguagem sobre a sociedade branca e sobre os
escravocratas, observavam a chegada de estrangeiros e de novos africanos, que embora tivessem
dificuldades de se enquadrarem, traziam novas formas de recodificar as suas condições de escravizados.
Sempre houve entre os escravizados uma capacidade de conceber formas de acesso a determinados
escaninhos daquela sociedade, produziam pulsão e energia às possibilidades de liberdade e de mobilidade,
inclusive por meio de fugas, alistamento em unidades militares e mesmo a auto declaração quando
inquirido, de pessoa livre.

Uma das questões importantes é buscar entender como essa mobilidade se constituía dentro do
aparato social e político. Os africanos e seus descendentes faziam muitos arranjos, como negros de ganho,
por exemplo, e prestavam muitos favores: magias e feitiços, fitoterapia e curas espirituais, assassinatos e
até mesmo o compromisso de voto no eleitor branco que poderia votar para eleger os membros do
legislativo. A situação era bastante ambígua, quase uma esquizofrenia, onde a tonalidade da cor da pele

3
Disponível em: http://seer.ufrgs.br/asphe/article/viewFile/29135/pdf
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era um critério importante, além da família a qual estava submetido, inclusive nos relata KARASCH
(2000: p.122,123):

“[...] os escravos podiam observar gente livre de cor ocupando


posições de autoridade sobre seus senhores ou servindo à igreja. Embora os traços
da sua ancestralidade africana ou indígena aparecessem no rosto, na pele ou nos
cabelos, esses indivíduos poderosos não eram escravos nem considerados pessoas
de cor ao contrário, eram vistos como membro de famílias brancas proeminentes.
Até 1831, enquanto os nobres portugueses dominaram as mais altas posições
políticas, havia poucos desses brasileiros proeminentes de ancestralidade escrava;
mas durante e depois da Regência (1831 -1840), à medida em que os brasileiros
tomavam o governo, os escravos podiam ver gente de cor semelhante à deles
ocupar altos cargos políticos” ... “(...)...era praticamente proibido aos negros
assumir um posto de responsabilidade, porque os senhores queriam evitar
situações em que filhos de escravos exercessem autoridade sobre brancos[...]”.

É evidente que mesmo sob essas circunstâncias as impossibilidades de galgar posições de valor
social, e o aparato de impedimentos objetivos, alimentavam nos negros toda sorte de inventividade, dentre
elas a de construir um tipo de organização social, com valores e princípios próprios, sem que os grupos
dominantes da sociedade percebessem a real dimensão dessa vida paralela. Os negros viviam sob tensão
constante. Tinham noção de que estavam sujeitos a uma legislação de controle físico e social produzida
pelos escravocratas que tentavam burlar ou ignorar, mas na verdade nunca se sentiam em paz. “Por isso
os escravos tiveram que enfrentá-los com inteligência e criatividade. Eles desenvolveram uma fina malícia
pessoal, uma desconcertante ousadia cultural, uma visão de mundo aberta ao novo. (REIS, SILVA, 1989,
p. 33).

As elites e as sociedades colonial e imperial produziram, em relação às possibilidades de


mobilidade social dos negros, uma espécie de currículo oculto onde todos contribuíam na medida exata
das forças necessárias para manter o sistema de “apartação”. O que excedia a essa força, o que vazava dos
limites – e que ratifica a ideia de que todos sistemas contem falhas -, era tolerado e exibido como forma
de demonstrar ‘tolerância’, permitindo alguma ascensão e por outro, que era possível, desde que sozinho
e comprometido com cega e inabalável fidelidade aos escravocratas, fluir por aquela permeabilidade e
situar-se num lugar de respeitosa solidão.

De certa forma foi com esse espírito e com esse legado que o Brasil adentrou, no ano de 1889,
no universo dos Estados republicanos. Com um positivismo patológico, um nacionalismo sem povo e
uma elite em conflitos pela intenção de se apropriar do espólio do Império e de ocupar as melhores
posições como mandatárias da República. Aqui levemos em conta as nuances de ideias republicanas nas
muitas revoltas e insurreições ocorridas até então no Brasil; inclusive aquela que hoje temos como

11
referência nacional, a Conjuração Mineira (1789). Essa insurreição, inspirada nas ideias iluministas e na
revolução estadunidense (1776), foi de cunho escravocrata, orquestrada pela elite inconformada com os
elevados impostos devidos à Coroa, de cunho local e contando com apenas um sujeito do povo na sua
articulação. A primeira Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891, documento que
trata das macro funções do Estado, inclusive no seu caráter marcadamente positivista e liberal, inclui na
Seção II, Declaração de Direitos, Artigo 72, 6º parágrafo o texto: “Será leigo o ensino ministrado nos
estabelecimentos públicos”4, e o governo provisório, num decreto de 20 de novembro de 1889, atribui aos
governadores dos Estados: “Providenciar sobre a instrução pública e estabelecimentos próprios e
promovê-la em todos os seus graus”, ou seja repetia a proposta do Império de delegar o ensino primário
às províncias, e agora atribuía aos estados a responsabilidade de organizar todos os níveis de ensino, sem
que fosse apresentado um plano nacional de diretrizes mínimas que orientasse, ao menos a educação
primária.

Em termos constitucionais, já que a abolição da escravatura fora decretada um ano antes, em


1888, a população negra brasileira (escravizados, crioulos, ingênuos, boçais, forros, pretos e mulatos)
agora se constituía como uma população cidadã, com todos os direitos consagrados, inclusive o de votar,
salvo aqueles que fossem analfabetos, numa sociedade pré-industrial, predominante e precariamente
agrária, mas tinha que avançar e demonstrar todo o seu potencial no cenário das nações. Então,
independente da realidade econômica (e histórica) de cada sujeito, o que o liberalismo oferecia era o
desafio de que cada indivíduo podia responder pelo seu sucesso segundo sua competência, ao mesmo
tempo em que buscava construir um processo de invisibilização do negro na sociedade brasileira, uma
vez que o pensamento dominante era, ainda, de que com a chegada de imigrantes europeus os negros
progressivamente desapareceriam e então se poderia organizar a sociedade de forma plenamente
eugênica.

De outra parte, no âmbito geral da sociedade, se vivia um processo intenso de urbanização e


industrialização, as demandas pela organização de uma educação pública se tornavam mais constantes.
Conforme Saviani (2004) “(...) difundindo-se o entendimento do analfabetismo como uma doença, uma
vergonha nacional, que devia ser erradicada”. De forma geral as Constituições que se seguiram, todas de
cunho liberal, desde a do ano de 1891 (assinada em 24 de fevereiro), até a de 1969, na verdade uma
Emenda Constitucional (assinada em 17 de outubro) que edita a Constituição de 24 de fevereiro de 1967,
ambas impostas pelos militares que ocupavam o poder, o negro está incluído na dimensão de cidadão. O
problema são as leis de regulamentação, os decretos, as normas, as portarias e, sobretudo os usos e
costumes policialescos que embora não explicitem a cor da pele, ou a raça, se constituem em instrumento

4
Presidência da República, disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm
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que punem e penalizam os negros nas suas expressões mais valiosas; sua cultura, sua religião, sua música,
seu modo de existir e a sua sociabilidade comunitária.

Ressalva-se, entretanto, que na Constituinte de 1946, durante a realização da Convenção


Nacional do Negro, em São Paulo, promovida pelo Teatro Experimental do Negro, dirigido por Abdias
do Nascimento (pela primeira vez, de acordo com as fontes consultadas), foi encaminhada uma questão
objetiva e direta reivindicando uma lei brasileira contra a discriminação racial. A proposta foi apresentada
pelo senador Hamilton Nogueira e de imediato rejeitada pelos constituintes que alegaram ser
desnecessária pela inexistência do racismo no Brasil. Mas, reflexo da demanda, ou atenção ao desastre do
nazismo contra os judeus durante a II Guerra Mundial, os legisladores incluem no Artigo 141, parágrafo
5º. que não será tolerada propaganda de preconceito de raça, ou de classe...
É óbvio que o legislador não se referia à “raça” negra.

No ano de 1951 foi assinada a Lei 1390, de autoria do senador Afonso Arinos, que estabelece a
discriminação e o preconceito de cor como crime de contravenção, consequência de um escândalo de
racismo contra a bailarina negra estadunidense Katherine Dunham, praticado por empregados de um hotel
paulista. Em um precioso e paradigmático trabalho de análise das leis brasileiras (tendo como marco a
Constituição Brasileira de 1988), que tratam de questões raciais relativas a população negra nos níveis
federal, estadual e municipal, o jurista Hédio Silva Jr (1998), além de apontar que empiricamente o direito
a igualdade revela, por causas sistêmicas e diversas, flagrante violação de seus conteúdos jurídicos,
esclarece que:

“[...]Ao analisar a intersecção entre direito e relações raciais no


Brasil, invariavelmente agregando à disciplina jurídica as contribuições de
ciências como a sociologia, a economia, a psicologia e outras, os raros e
emergentes estudiosos que se ocupam do tema, entre eles Oliveira da Silva,
Bertúlio, Prudente, Silva, Vassouras e Lima, concordam quanto ao fato de que a
inscrição do princípio da não-discriminação e as reiteradas declarações de
igualdade têm sido insuficientes para estancar a reprodução de práticas
discriminatórias na sociedade brasileira. Referimo-nos a uma ampla variedade de
condutas, via de regra silenciadas e dissimuladas, capturadas em estatísticas
produzidas por institutos insuspeitos como o IBGE, Núcleo de Estudos da
Violência/USP, DIEESE e mais uma gama de estudos e trabalhos acadêmicos
abrigados nas principais universidades do país5[...]”. (SILVA Jr, 1998, p. VII).

As afirmativas de Silva Jr. constituem elementos históricos que vêm sendo produzidos desde os
primórdios do Brasil colônia; reflete em parte, senão no todo, as conclusões de E.P. Thompson (1997, p.
330, 331) ao analisar a origem da Lei Negra na Inglaterra do século XVIII: “(...). É assombrosa a riqueza
que se pode extrair de territórios dos pobres, durante o estágio de acumulação do capital, quando a elite

5
Nomes em bibliografia dos citados: OLIVEIRA DA SILVA, Kátia Elenise. BERTÚLIO, Dora
Lucia Lima. PRUDENTE, Eunice Aparecida de Jesus. SILVA, Jorge da. VASSOURAS, Vera
Lúcia C. LIMA, Francisco Gérson Marques de.
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predatória é numericamente reduzida e o Estado e o direito ampliam os caminhos da exploração”. Neste
ponto é necessário recorrer a uma cruel metáfora: aquilo que na Inglaterra era chamado de “territórios dos
pobres”, aqui corresponde e pode ser definido com “os corpos dos negros”, território humano onde,
igualmente como lá, o Estado e as elites exacerbaram a exploração, mas não o suficiente para lhes
liquidarem o espírito e a disposição de existir com dignidade...

Para que a população negra brasileira conseguisse alcançar as garantias contidas na Constituição
de 1988, bem como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, foi necessário um elevado
dispêndio de energia para resultados tão demorados. Neste sentido, duas questões convergem e confirmam
a diretriz desta pesquisa, conforme aponta CRUZ (2005: p. 26, 27):

“[...]. A necessidade de ser liberto ou de usufruir a cidadania quando


livre, tanto durante os períodos do Império, quanto nos primeiros anos da
República, aproximou camadas negras da apropriação do saber escolar, nos
moldes das exigências oficiais. Sendo assim, embora não de forma massiva,
camadas populacionais negras atingiram níveis de instrução quando criavam suas
próprias escolas; recebiam instrução de pessoas escolarizadas; ou adentravam a
rede pública, os asilos de órfãos e escolas particulares. (...). “(...) não foi fácil a
introdução da temática Negro e Educação no campo científico. Foi necessário que
os próprios afro-brasileiros abrissem caminho, culminando no ano de 1998 com o
reconhecimento oficial, no campo científico, da necessidade do desenvolvimento
de pesquisas na temática Negro e Educação. Tal fato foi delineado pelo primeiro
concurso de dotação de pesquisa sobre a temática […]”.

Como podemos observar o emaranhado jurídico constitui um forte recurso difuso para negação
de direitos específicos para os negros. Contudo a história da busca de oportunidade por educação para a
comunidade negra, sempre esteve presente na consciência coletiva, mas somente a partir do ano de 1961,
o Estado brasileiro passa a incorporar circunstâncias especificas coibindo preconceitos de raça e de cor
na política de educação.

Marcos Conceituais da Lei 10.639/03: bastidores, becos e saídas.

Quando da eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em fins de 2002, o movimento negro
já acumulara um capital político para sustentar suas demandas e uma capacidade de diálogo e de
negociação com o governo, só comparável ao que os abolicionistas produziram a partir da ilegalidade do
tráfico de pessoas para o Brasil em 1850, quando a pauta sobre escravização permaneceu no parlamento
do Império até 1888. No governo anterior, do presidente Fernando Henrique Cardoso (de 1995 a 2002),
o movimento negro, que viveu constrangimento quando o então candidato dissera durante a campanha
eleitoral que “era mulatinho e tinha um pé na cozinha”, obteve duas importantes conquistas junto ao
governo. A primeira foi a instalação do Grupo Interministerial de Trabalho de Políticas para a Valorização
da População Negra (Decreto de 20/11/1995) e a segunda diz respeito a participação recorde de militantes

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do movimento negro na delegação brasileira que foi à III Conferência Mundial contra o Racismo,
Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, convocada pela ONU e realizada em Durban,
África do Sul, em 2001.
Dos muitos compromissos assumidos pelo governo brasileiro depois de consolidada a
redemocratização, foi na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o país alcançou um dos mais
impactantes atos governamentais para a comunidade negra: a assinatura da Lei 10.639/03.
Contudo, a Lei já vinha sendo urdida desde o VIII Encontro de Negros do Norte e Nordeste,
realizado na cidade de Recife em julho de 1978, cujo tema foi “O negro e a educação”. O Encontro,
organizado na forma de seminários, discutiu temas que abrangiam desde o perfil da educação oficial e
seus projetos, passando pelo papel do professor na descolonização do ensino, racismo no livro didático,
relatos de experiências e vivências de aplicação da história da África e cultura negra nas escolas, além de
painéis e grupos de trabalho onde:
“[...] o VIII Encontro teve como preocupação central questionar a
negação da importância do negro na formação social brasileira, através dos meios
oficiais de educação do País. Ao mesmo tempo, procurou evidenciar estratégias
de atuação dos movimentos negros, que possibilitem resgatar o papel histórico,
econômico e cultural da raça negra no Brasil, norteadas pelo fortalecimento de
sua identidade étnico-cultural. A partir dessa consciência, espera-se que o VIII
Encontro seja o início da luta pela reformulação do ensino no Brasil, que passa
principalmente pela construção de um currículum que contemple, também, a
cultura negra, que reverencie seus heróis, que seja instrumento de transformação
do negro num cidadão deste País, também negro [...].” (Relatório do VIII
Encontro de negros do Norte e Nordeste, p.6, s/d.).

No mesmo diapasão, em junho/agosto de 1991, realizou-se no Rio de Janeiro o 1º Fórum Estadual


sobre o Ensino da História das Civilizações Africanas na Escola Pública, cujo relatório aponta:
“[...] um resumo dos temas abordados no fórum e suas conclusões,
na forma de sugestões concretas de ações para a introdução da matéria no ensino
básico. Na primeira parte, “Fundamentos da Proposta”, fazemos algumas
observações sobre os seus antecedentes e a sua inserção no contexto de uma
orientação pedagógica atual. Na segunda parte, “Conteúdos Teóricos”,
esboçamos algumas considerações de natureza histórica e teórica que orientam as
discussões e as propostas articuladas no âmbito do fórum. Na terceira parte
relatamos as propostas concretas de ações pedagógicas emergentes no desenrolar
das discussões. Finalmente, nos “Apêndices” reproduzimos alguns documentos
que o fórum examinou ou discutiu: transcrições de artigos e ensaios, exemplos de
textos e ilustrações de livros didáticos que manifestam o preconceito antiafricano
e outros subsídios [...]” (Sankofa, p.25; 1994).

Nas discussões realizadas durante o 1º Fórum, no Rio de Janeiro, fica evidente a coerência e
pertinência de temas equivalentes aos discutidos no VIII Encontro de Negros do Norte e Nordeste, no

15
Recife, bem como a luta decenária em busca de um currículo que contemplasse a História da África e dos
afro-brasileiros:
“[...] Não constituem novidade as iniciativas afro-brasileiras de
implantar no ensino básico uma revisão dos assuntos africanos e afro-brasileiros.
As propostas têm sido múltiplas ao longo dos anos. Desde a década de quarenta,
com o início da trajetória do Teatro Experimental do Negro no Rio de Janeiro, os
movimentos afro-brasileiros vêm manifestando sua preocupação com o tema. Nas
décadas de sessenta e setenta, além da literatura crítica sobre os efeitos negativos
das distorções euro centristas, surgiram em diversos estados brasileiros propostas
de ações pedagógicas. Apenas um exemplo é a Pedagogia Interétnica, lançada
naquela época pelo Núcleo Cultural Afro-brasileiro de Salvador. A professora
Maria José Lopes da Silva apresentou ao fórum (...) texto recentemente elaborado
por um grupo de educadores cariocas, intitulado Fundamentos Teóricos da
Pedagogia Multirracial (...). Na década de 80, em vários Estados, como São Paulo,
Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul, já se desenvolveram iniciativas
concretas de implementação da proposta [...]”. (Sankofa, p.27, 28; 1994).

Já destacamos a renitente postura do parlamento brasileiro em relação as questões legislativas


destinadas ao benefício da população negra no que diz respeito a educação e outros direitos. No que se
refere a uma lei que incluísse a História da África e dos afro-brasileiros não vinha sendo diferente no
Congresso pós-ditadura. Em 1988 o deputado Paulo Paim (PT/RS) apresentou um Projeto de Lei para a
inclusão de "matérias da História Geral da África e História do Negro no Brasil como integrantes do
currículo escolar obrigatório", que foi aprovado pelo plenário da Câmara em 15 de setembro de 1988; em
1995, a senadora Benedita da Silva (PT/RJ), submeteu projeto de teor semelhante para "incluir a disciplina
História e Cultura da África nos currículos escolares”. Ambos os projetos foram integralmente aprovados
e encaminhados pela Comissão de Constituição e Justiça, mas passaram a repousar na Comissão de
Educação do Senado Federal.

Em agosto de 1995, o deputado Humberto Costa, apresentou o Projeto de Lei nº 859/9570,


basicamente com o mesmo teor dos projetos anteriores, ressalvando que o parlamentar inclui, no Artigo
2º a seguinte redação: “A elaboração dos cursos de capacitação para professores deverá ter a participação
de entidades do movimento afro-brasileiro”. Tal artigo demonstra a influência do movimento negro de
Pernambuco (e do Norte, Nordeste) na redação do Projeto de Lei.

Como podemos observar os três parlamentares são do Partido dos Trabalhadores, de estados
diferentes, o que nos leva a ponderar que os mesmos atenderam demandas do movimento negro de seus
estados. Por outro lado, fica também evidente que não houve uma articulação entre esses movimentos
negros estaduais, causando uma ausência de sinergia, e uma das prováveis causas pode ser o de
pertencimento a correntes ideológicas, contrárias entre si, dentro do próprio partido.

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O projeto apresentado pelo deputado Humberto Costa recebeu texto substitutivo elaborado pela
deputada Esther Grossi (PT/RS), que afirma concordar com o teor do projeto, mas corrige alguns
conceitos e altera substancialmente o Artigo 2º do projeto original, incluindo as instituições acadêmicas
e de pesquisa na competência de ministrar os cursos de formação de professores em História da África:

“[...] Pelo exposto, proponho a aprovação do Projeto de Lei do


ilustre Deputado Humberto Costa, na forma do Substitutivo anexo, que preserva
in totum a proposição inicial e faz pequenos ajustes conceituais e na forma de
implementação. Os ajustes propostos, consoantes às modernas estratégias
educacionais, referem-se aos seguintes aspectos fundamentais: - tratamos de
"conteúdos curriculares" - ao invés de referir-nos exclusivamente a disciplinas --
garantindo, assim, a necessária flexibilidade de organização dos conteúdos a
serem ensinados; - explicitamos, também, que os conteúdos propostos devem ser
inclusos no âmbito das atividades curriculares da escola como um todo e, de modo
especial, nas disciplinas de História Brasileira e Educação Artística, como sugeriu
o Deputado Humberto Costa e, também, nos estudos de Literatura Brasileira pelo
papel fundamental que esta representa na construção dos valores de uma
sociedade; - incluímos as universidades e os institutos de pesquisas como
participantes da formação de professores em função da contribuição técnica e
científica que poderão aportar. [...]”.

Entretanto, a luta pela Lei tem outros meandros. Foi o que me revelou Edson Cardoso, ex-assessor
parlamentar do deputado Humberto Costa, e depois do senador Paulo Paim, durante entrevista que me foi
concedida em 31 de agosto de 2017, na cidade do Rio de Janeiro:

“[...] E tem um gancho que você tem, documental. O movimento


negro fez um encontro Norte Nordeste em 1988 todo dedicado à educação. O
projeto sai desses esforços. Onde foi esse encontro? Em Pernambuco. As coisas
estão relacionadas, se leva um Norte e Nordeste inteiro só discutindo educação. E
claro! De Pernambuco que vai sair o projeto que o Humberto Costa leva, claro e
muito natural. Ele leva o projeto, quando chega na Comissão de Educação... A
Comissão diz que não aceita mais projeto que crie disciplina, que a Comissão de
Educação não vai mais criar disciplinas. Aí Esther Grossi chega e apresenta uma
emenda trocando a palavra disciplina por conteúdo, esse é o detalhe. Um detalhe
que ela entra! Ela trocou disciplina por conteúdo que a Comissão estava
recomendando... que aqui não é lugar de aprovar disciplina, o papel da Comissão
de Educação não é aprovar disciplina para impor às escolas etc. etc. Anos depois
eles voltam para impor... Os neopentecostais estão impondo uma série de coisas.
Na época não era para tratar do assunto (dos negros). Bom, o que acontece?
Humberto Costa é chamado pelo PT para ser puxador de voto e ser candidato ao
senado, então, ele não é candidato para a Câmara de novo. O projeto dele foi
arquivado, porque não tinha aprovação nenhuma aí foi arquivado. Quando eu
cheguei, aí que eu entro, eu disse para o Ben Hur (deputado do PT/MS) que minha
experiência de Câmara orientava no seguinte: ele dá uma olhada nos projetos que
já foram arquivados que tinha muita coisa boa lá, que poderia reapresentar. Aí eu

17
encontro o de Humberto Costa arquivado! Liguei para Humberto Costa e
expliquei tudo para ele e ele falou: “...Não, pode desarquivar!”. Para não deixar
essa coisa de ética de não falar, eu coloquei duas coisas. Primeiro, na justificativa
deixei claro isso, autorização dele para desarquivar. E quando nós vimos que tinha
uma emenda da Esther Grossi eu falei ‘Edson’ o ético, vai e fala pra Ben Hur:
‘Ben Hur tem uma emenda de Esther Grossi, ai a gente procurou Esther
Grossi’[...]”. (Entrevista em 21/08/2017).

Consciente da importância da Lei para a comunidade afro-brasileira, Edson Cardoso6 traz para si
a responsabilidade de levar a concretização do ensino da História Africana e Cultura afro-brasileira nas
escolas de todo o país. Ele se empenha na continuidade do projeto. A ética a que Edson se impõe, de não
reapresentar o Projeto de Lei sem falar com a deputada Esther Grossi, leva a uma situação constrangedora,
mas de certa forma vulgar, quando se trata de interesse dos afro-brasileiros: nós corremos atrás do que
nos é vital, e o que é vital para eles é tudo, menos os nossos direitos. Quando você defende uma causa
popular, buscar o apoio e a atenção de um parlamentar no Congresso Nacional, exige que você se humilhe
à grandeza do Estado democrático que aquele parlamentar que você fez campanha e votou, usufrui de
forma nababesca como um ente de vaidade celestial. Entre as centenas de providências que caracterizam
o início de um mandato de presidente da República, para surpresa de muitos setores educacionais,
inclusive do movimento negro, dos lobistas da área de educação, das editoras de livros didáticos e das
instituições de ensino particular, a Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, assinada, por Luiz Inácio Lula da
Silva e Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque, então ministro da Educação, tinha problemas:

“[...] Semog: Agora como você avalia o veto, exatamente, você


falou um pouco, do veto do artigo que permitiria as entidades do movimento negro
ministrarem os cursos, já que a gente já vinha fazendo isso. Você vê isso como
uma despolitização, já é uma tentativa de despolitizar a luta?
Edson Cardoso: Com certeza, mas é uma tentativa de afastar o
movimento social, que é quem gerou a política, mas ele fica de fora não é? ... Ele
não vai participar da implementação da política, ele serve para formular, mas na
hora... o que a gente queria era acompanhar e monitorar, ai o Lula tira... eu acho
que é afastar o movimento social da implementação da política. Você não quer o
movimento social nessa hora, você não quer controle do movimento social....[...]”.
(Idem, 2017).

A obrigatoriedade do ensino da História da África e da História e Cultura afro-brasileira nas


escolas públicas e privadas causou um considerável impacto em todos os níveis da cadeia produtiva da
educação brasileira. A ampliação do número de NEABs nas universidades e posteriormente nas escolas
de ensino fundamental e básico, o investimento das editoras em livros didáticos sobre o tema, a resistência

6
Edson Lopes Cardoso, foi assessor parlamentar do senador Paulo Paim (PT/RS), editor do Jornal
Irohín, de circulação nacional, é poeta e Dr. em Educação pela USP com a tese de doutorado
“Memória de movimento negro: um testemunho sobre a formação do homem e do ativista contra o
racismo”, de 2014.
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em todos os níveis da educação por ter que incluir na estrutura curricular a história de um povo que passa
a ser sujeito da história depois de viver por quase quatro séculos escravizado. Mas o que realmente deixou
as elites e os racistas brasileiros estupefatos, é que o movimento negro brasileiro, no exercício político,
não tergiversou quanto a sua responsabilidade de levar a Lei a pleno termo. Ainda assim, na visão de
alguns setores é preciso mais agressividade para a consolidação da Lei, e segundo Ivanir dos Santos
durante entrevista a mim concedida em janeiro de 2018:
“[...] O movimento negro tem que entender que tem uma luta que é
estratégica para ele, ela é contra hegemônica! Nada mais contra hegemônico de
que a Lei 10.639. Estamos falando de uma outra perspectiva de sociedade, de uma
outra leitura, é por isso que tem uma reação forte contra ela. Ela vai mexer no
campo das relações do trabalho, ela vai mexer nas relações religiosas que é o
maior centro hoje. A pressão está justamente por conta disso. Você está mexendo
no século XVIII, você está vendo que tudo aquilo que o rei, e que o Kant falou, é
mentira... Uma sociedade baseada nesses valores... esses valores de civilização
iluminista são extremamente racistas, e aí como você vai fazer? Todo mundo na
mesma humanidade no sentido da filosofia é ótimo, mas, na realidade não. São
grupos que tem uma identidade diferente e como você vai lidar com isso? Então,
a reação e a má vontade para a aplicação da Lei vêm daí. Eu digo o seguinte, o
movimento na verdade é que não conseguiu construir ainda uma unidade de
entender que essa é uma grande Lei que vai interferir toda a questão do genocídio
da população negra, que é essa visão que a polícia tem que é isso: um vai achar
que é bandido e o outro vai achar que é do demônio. O pensamento é o mesmo,
ocidental, e nos veem como diferentes e ameaça. Acho que o movimento (negro)
tinha que pegar essa Lei como uma questão estratégica, porque nela se faz o
debate da cota, do genocídio da população negra... A visão que a sociedade tem à
esta população[...]”. (Entrevista concedida em janeiro de 2018, IH/UFRJ).

A escola brasileira, pública e privada, de perfil liberal, é reconhecida como reprodutora de um


conjunto de valores de interesse dos grupos que detém o poder. Uma hipótese considerável é que a
modificação do currículo numa perspectiva onde ela possa oferecer um processo de ensino aprendizagem,
com a História e a cultura africana e afro-brasileira passando a constituir parte do saber do estudante em
formação, certamente trará implicações na capacidade crítica desse estudante, na forma de ver e se
relacionar com seus colegas negros, no afeto, cooperação e respeito possíveis na sociabilidade escolar, e
na própria compreensão do processo histórico do pais. Pelo que temos observado - tanto in loco, quanto
por pesquisas publicadas -, junto a algumas instituições de ensino público que trabalham regularmente
com a Lei 10.639/03, os resultados são aparentemente evidentes, o que nos leva a crer que a médio e longo
prazo, com a consolidação da Lei, poderemos chegar próximos de um multiculturalismo real e,
eventualmente, trilharmos caminhos que nos levem à superação do racismo. Mas não é tarefa fácil e as
resistências pululam dos mais diversos setores e, em alguns, de certa forma inesperados.

19
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Pedagógicos Afro- Brasileiras
Por Profª. Pós- Doutora Helena Theodoro (Coordenadora do LUPA/LHER/UFRJ)

Helena Theodoro - Foto: TV Globo

Introdução
Pensar uma educação que permita respeito mútuo e tolerância, que possibilite a afirmação e
aceitação de cada um como é, em sua peculiaridade e especificidade é caminhar na direção de uma
cidadania efetiva e participante para toda a população brasileira. Este é um sonho que não se pode
deixar de acalentar, que se tornou realidade com a lei 10639 de 2003. A pedagogia dos terreiros,
que parte de vivências e de histórias para a construção do comportamento é uma maneira muito
própria de ser, e que pode ser traduzida como uma forma brasileira de f azer educação e construir
um novo país, sendo uma educação transformadora.

Só se entende a vivência da comunidade preta, suas elaborações e estratégias culturais, míticas


e simbólicas, tanto de individuação como de reciclagem de poderes coletivos e cósmic os, através
do conceito de AXÉ, energia de vida, que propicia a compreensão dos conceitos de sacrifício e
morte. Destaco o axé por ser o fator fundamental desta cultura, sem o qual os seres não poderiam
ter existência, realização ou transformação e por sua capacidade de criar representações, imagens e
conceitos, estruturando e organizando as comunidades, caracterizando o imaginário social,
mediante o qual o grupo se identifica, estabelece suas trocas e distribui seus papéis sociais, sendo
a ideologia do axé, que pode ser utilizada por qualquer pessoa.

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Pensar em usar a ideologia do axé nas escolas, no trabalho e na comunidade, é sonhar um sonho
possível, que parte do que já se tem em direção ao que se poderá ter. Lidar com a pluralidade
cultural brasileira é assumir os diferentes caminhos existentes para a realização de sonhos sonhados,
surgidos de um país feito a muitas mãos, todos juntos, vindos de tradições diversas, que conseguem
criar uma comunidade plena da consciência e da importância de cada um na construção do bem
comum.

Linguagem e vida

As etnias trazidas para o Brasil são provenientes de diferentes regiões do continente africano,
com diversas culturas e línguas, tais como:

.os nagôs – oriundos da Nigéria, do Togo etc , de língua iorubá

.os fons ou minas – vindos do antigo Daomé, atual Benin, de língua jêje

.os bantos – provenientes de Angola, Congo, Moçambique etc, de língua banta

O português falado no Brasil conta com a contribuição das culturas indígenas, bantas,
principalmente de suas línguas Quicongo, Umbundo e Quimbundo. Os termos de origem Nagô estão
mais restritos às práticas e utensílios ligados à tradição dos orixás, bem como a música, a descrição
dos trajes e culinária afro-baiana.

Encontramos no Novo Dicionário Banto do Brasil de Nei Lopes (2006) da Editora Pallas,
características de palavras bantas com as iniciais Ba,Ca,Cu,Fu,Mo,Um,Qui etc tais como caçula,
cachimbo, curinga, fubá, mafuá, quitanda, quitute e muitas outras. Verificamos, também, no
interior dos vocábulos dos grupos consonantais Mb,Nd,Ng tais como banda, samba, umbanda,
camundongo, ginga, tanga, sunga etc; Contamos ainda com terminações como Aça,Ila, Ita,Ute,Uca
etc trazendo como exemplos macaca, quizila, maxixe, bazuca, muvuca. Visitar o mapa da África
para localizar de onde vieram as línguas bantas e onde viveram os jejes e os nagôs, bem como
buscar no dicionário as palavras que tenham indicação de Bras. - abreviatura de brasileirismo, que
são normalmente de origem banta, é uma boa atividade.

Na maioria dos países africanos Arte e Vida são inseparáveis por sua associação com o
sagrado. Seus mitos de criação do mundo contam que o criador fêz as pessoas e depois colocou
alma nelas, o que se revela através da palavra. Assim sendo, a palavra do povo preto tem um sentido
abrangente, pois faz história, sendo elemento fundamental da identidade profunda da comunidade,
sendo entendida como uma arte.

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A literatura oral

Para Muniz Sodré os mitos, as lendas e os contos populares são vias de acesso ao
inconsciente de um povo. A lenda do Boi Bumbá, tão presente na Amazônia aponta diretamente
para o universo mítico da cultura afro-brasileira. Nele temos como personagens centrais Pai
Francisco e Mãe Catirina, um casal de negros trabalhadores de uma fazenda. Quando Mãe Catirina
fica grávida ela tem desejo de comer a língua de um boi. Para saciar o desejo de sua esposa grávida
Pai Francisco mata o boi de estimação do senhor da fazenda. Percebendo a morte do boi, o senhor
procura Pai Francisco, que chega com o pajé de uma tribo amiga e ress uscita o boi para a alegria
de todos.

O Boi representa a resistência de descendentes de africanos e de povos originários para a


preservação de sua identidade e de seus sonhos. Temos no livro Contos Crioulos da Bahia, de
Mestre Didi ,histórias que situam bem as regras de coesão social da comunidade preta e a
preocupação com a estrutura da personalidade de seus integrantes. O conto “A fuga de Tio Ajayi”
conta como um escravizado foge da fazenda com outros para poder fazer suas obrigações religiosas.
Perseguido pelos soldados, sobe morros e anda em becos com o seu grupo, sempre cantando,
dançando e fazendo de cada acontecimento do cotidiano uma forma de contar a vida do grupo e de
criar arte. No final, após muita perseguição, consegue chegar com o seu pessoa l num espaço de
liberdade, onde os soldados não poderiam mais alcançá-los, criando ali a sua comunidade,
conhecida como QUILOMBO, segundo as normas e as tradições de seu povo.

Nesse espaço chamado quilombo eram acolhidos todos aqueles que buscassem a liberdade:
pretos, indígenas e brancos. Este conto mostra bem a solidariedade no grupo, a divisão morro -
asfalto e trata da resistência dos descendentes de africanos ao processo escravagista. Procure contos
africanos e indígenas, lendas e mitos que demonstrem a luta social e a consciência cultural da
problemática brasileira, já que temos a ordem cultural branca de um lado e as ordens culturais
negras e indígenas de outro. Alguns quilombos foram criados em sua região e nela encontramos
o Quilombo Barranco de São Benedito da Praça 14, em Manaus, bem como o Quilombo Tambor,
em Nova Airão. Pesquise outros quilombos da região e sua forma de vida , já que tivemos aqui uma
importante ação para a abolição da escravatura. Liderado pela Maçonaria, este movimento atuou
fundando entidades libertárias e junto à Assembleia Provincial. Saiba mais sobre o tema
consultando alguns textos de BAZE, Abrahim,. No livro Escravidão – O Amazonas e a Maçonaria
Edificaram a História, publicado em 2001 pela Editora Travessia em Manaus.

23
Literatura e linguagem musical

A literatura atua em nossas vidas para unir os mitos fundamentais da comunidade, de seu
imaginário ou de sua ideologia. Na literatura brasileira, no entanto, o descendente de africanos é a
palavra excluída, ocultada com frequência ou uma representação inventada pelo outro, sendo
sempre o elemento marginal. A representação do povo brasileiro preto vai ser encontrada na obra
dos compositores populares, que fazem uma literatura plena de ETHOS, de identidade, criando
poesia, provando que a reflexão sobre a realidade não é privativa dos letrados ilustres, mas também
daqueles capazes de transformar a natureza a partir da prática adquirida por seu trabalho. Esta
capacidade de criar e falar do país, de sua gente, de seus costumes, de sua fé e do cotidiano, é a
invenção da arte negra que flui tal e qual magia ritual, transformando o que não se consegue por
meio de formas técnicas. Podemos observar tal fato nas escolas de samba, nos sambas e toadas
cantadas pelo povo.

Sambistas e poesia

Noel Rosa nasceu a 11 de agosto de 1910 em Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Aprendeu a
ler e escrever com sua mãe, estudou em bons colégios, mas, muito boêmio, juntamente com
Almirante e João de Barro, colegas de bairro, cria o Bando dos Tangarás em 1929, começando,
assim, a compor e viver no meio do samba. Noel Rosa retrata em sua poesia, a vida carioca, com
seus hábitos, suas histórias e seu ritmo negro, da mesma forma que as toadas do Boi Bumbá contam
as histórias e ritmos dos povos originários. Em Conversa de Botequim, feita por Noel e Vadico,
temos retratada de forma musical e poética a malandragem carioca. Em João Ninguém já situa o
desprezo da classe média pelo povão, expressando os privilégios da comunidade branca nesta
sociedade, caracterizando o cidadão de segunda categoria, que é a representação do povo preto.
Onde está a honestidade revela seu espírito crítico em relação à sociedade desigual e repressora
de sua época. Finalmente em Com que roupa critica todo o processo econômico do governo que
pode tranquilamente ser usado nos dias de hoje.

A poesia e a música de Noel fizeram de Vila Isabel um lugar mágico, onde músicos, poetas,
seresteiros, intérpretes e artistas em geral se encontram. Um dos mais famosos poetas da Vila é,
sem dúvida, Martinho Jose Ferreira que, apesar de ter nascido em Duas Barras no Estado do Rio e
ter crescido no morro da Serra dos Pretos Forros no bairro Boca do Mato, fincou suas raízes na
Escola azul e branco de Vila Isabel, tornando-se o Martinho da Vila. Viver de festa é seu lema, já
que considera que a melhor maneira de não se estressar com o trabalho é se divertir com ele. Situa
que nem sempre as diversões têm que ser descontraídas, podendo ser uma coisa forte, com lágrimas,
com EMOÇÃO , como ocorre no Bumbódromo durante as apresentações dos Bois Garantido e
Caprichoso.

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Martinho é do signo de Aquário, sendo filho de Xapanã e Oxum. Nasceu num chuvoso
carnaval a 12 de fevereiro, sob a benção dos Orixás, que lavaram nas águas da chuva suas
dificuldades, traçando seu destino iluminado, tocha capaz de liderar sua gente no encontro de seus
valores e ideais, através do canto, da dança, do ritual, da música e da poesia. Seus ideais de liberdade
e em defesa dos direitos de todas as pessoas pretas, amarelas ou branca s o fazem um Zumbi do
Terceiro Milênio. Sua poesia é como ele: firme, simples, sincera, pregando igualdade, incutindo
confiança, abrindo caminhos, discutindo ideias, descortinando horizontes, situando regras de uma
nova forma de viver, de amar, de ser. juntamente com Paulinho da Viola, Elton Medeiros e Candeia
fundou o Grêmio Recreativo de Arte Negra Quilombo, uma escola de samba para preservar as
tradições deste universo. Organizou, durante anos, em novembro, mês da consciência negra, a
Kizomba, festa de integração entre os afrodescendentes e africanos, utilizando grupos musicais
negros tradicionais do Brasil, de Angola, da África do Sul, do Senegal, do Congo e dos Estados
Unidos Com Rosinha de Valença fez uma bela parceria, mostrando uma expressiva e singela
homenagem às mães através do orixá Nanã, grande mãe-terra, intitulada Benzedeiras Guardiãs:

As rezadeiras usam Nanãs buruqueis


Águas da chuva e do rio Afastam a inveja
E o mal olhado
Curam as dores do corpo
Com suas forças
Cisco no olho, espinhela caída
Com suas crenças
As benzedeiras vão
Com suas mentes sãs
Com fé na oração
As rezadeiras são
Curando nossas feridas
As nossas guardiãs
Como Obaluaiê
Por dias, noites, manhãs
As rezadeiras quebram
Nanãs
Quebranto, mal olhado
Esta canção é uma oração
Males que vem dos ares
Para as benzedeiras
Nervos torcidos, ventres virados
Do coração mando este som
As benzedeiras são
Para as rezadeiras
As estrelas das manhãs
As nossas anciãs

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Verifique se existem benzedeiras em sua cidade e constate a ligação poética de Martinho
com Noel, que se revela no Alô,Noel feita em parceria com Claúdio Jorge. Busque a letra deste
samba e constate a relação. Nos sambas de enredo Martinho pontifica, tendo vários incluídos dentre
os melhores de todos os tempos como o antológico Sonho de um sonho, além do Para tudo se
acabar na quarta-feira.

No ano de 1974 surgiu o disco Canta, canta minha gente , trabalho voltado para a temática
CANTAR, porque cantar é bom. Faz bem à alma, além de caracterizar todas as atividades do
universo do samba. Era um período difícil na vida brasileira, como o que estamos vivendo agora e
cantar era, como continua sendo, o melhor remédio. Neste cantar, no entanto, havia um recado do
povo para o sistema dominante, que fica muito claro neste Tribo dos carajás:

Tribo dos carajás E com medo do mar


Noite de lua cheia Estranhamente o homem branco chegou
Aruanã! Pra construir, pra progredir, pra desbravar
Menina moça é que manda na aldeia E o índio cantou
A tribo dança e o grande chefe pensa O seu canto de guerra
Em sua gente Não se escravizou
Que era dona deste imenso continente Mas está sumindo da face da Terra
Onde sonhou sempre viver da natureza Aruanã! Aruanã Açu
Respeitando o céu É a grande festa
Respeitando o ar De um povo do alto Xingu
Pescando nos rios

Tribo dos carajás foi feita para a Unidos de Vila Isabel e foi retirada da disputa do samba -
enredo por imposição da censura da ditadura militar. Cante e alegre o seu dia. Lembre que a arte
se sobrepõe aos fatos e que a poesia negra se manifesta com pujança nos sambas de enredo. A Vila
Isabel tem no samba de Luís Carlos da Vila, Rodolfo e Jonas um dos mais belos poemas épicos que
já tivemos: Kizomba, festa da Raça. Procure a letra e cante bastante.

O GRES Em cima da Hora tem no samba de Edeor de Paula “Os Sertões de Euclides da
Cunha”um dos mais perfeitos poemas de todos os tempos, bem como a Imperatriz Leopoldinense
com “Liberdade, liberdade, Abra as Asas sobre nós” de Niltinho Tristeza, Preto Joia ,Vicentinho
e Jurandir. Ao analisar as letras desses sambas de enredo passamos a conhecer um pouco mais da
vida e da cultura de nosso país

26
Mulheres e poesia

Ao falar da poesia negra dos sambistas, não podemos deixar de falar da poesia de Elisa
Lucinda, mulher negra plena, atriz, cantora, poetisa. Seus poemas e textos nos mostram um universo
da mulher preta que acredita em sua força ancestral e que luta por sua identidade cultural .

Os textos de Elisa mostram a luta da mulher negra para participar , ter voz e vez, enfim, exercer
em toda a plenitude o seu direito à cidadania, sem deixar de falar sobre o papel mulher nutridora da
comunidade, mãe de todas as crianças - cabaça que contem e é contida- , consciente dos problemas e
dificuldades do meio em que o povo preto vive, se revelando de forma muito forte no poema :

APETITE SEM ESPERANÇA


Mãe, eu tô morrendo de fome, há só a cola de se cheirar a dor doída de um
eu dizia eu gritava eu mugia monstro estômago a roncar
minha vó zangada respondia um animal doido dentro do corpo a uivar
você não está morrendo e nem tem fome todo dia, sem véspera sem quarta, na esquina
você tem é apetite um animal sem boa vista sem quinta zoológica
Você sabe que vai comer, aonde comer, o quê onde morar
vai comer; Com a fome das crianças brasileiras
fome não! A fome, minha neta, forra-se a mesa, arma-se o banquete
a fome, meu irmão, dos que sempre tiveram apenas apetite
a fome, minha criança, a faminta criança foi apenas o álibi, o cardápio,
é um apetite sem esperança. o convite.
Quando há certeza de cereais, toalhas Desmamada ela cresce procurando peito da
americanas, guardanapos e alegrias pátria amada
da coca-colândia, uma banana, uma manga, uma feijoada
não há fome de verdade. e a mãe pátria diz nada
Minha vó já dizia pra mim um futuro de Brasil. tem ela apenas o horror, o descalor, a calçada
Minha vó nem viu nascer edifício no lugar do um ódio a todos os tênis de todos os meninos
pão nutridos,
no lugar do trigo um ódio à mochilas, à saudáveis barrigas
nem viu criança com infância de semáforo um contínuo furor de assaltar os relógios
vendendo mariola barata, criança que mata um deter o tempo que é o seu verdadeiro balão
porque seu quintal tá sempre no vermelho um cai-cai balão que só cai à mão armada
criança cujo ralado de joelho A fome gera a cilada de uma pátria de não
dói menos do que o não morar, não existir, não irmãos.
contar A gente podia ter gripe, asma, catapora,
com a fome tenaz bronquite
não há tenaz na escola A gente podia ter apetite mas fome não.
há só a cola de descolar uma vida, uma Minha vó bem que me disse sem errança:
efemeridade, uma saída fome é um apetite sem esperança.

27
Falar de Conceição Evaristo também se faz necessário. Nome reconhecido internacionalmente,
mineira de Belo Horizonte, nascida em 1946, vive atualmente no Rio de janeiro. Formou-se em Letras, é
mestre em Literatura Brasileira pela PUC do RJ e doutora em Literatura Comparada. A força de sua obra
é sentida nas mais diversas formas, tanto na poesia, quanto na ficção. Eis como Conceição Evaristo se
define:

Eu-.Mulher Violento os tímpanos do mundo.


Uma gota de leite Antevejo
Que escorre entre os seios. Antecipo
Uma mancha de sangue Antes – vivo
Me enfeita entre as pernas Antes – agora o que há de vir
Meia palavra mordida Eu fêmea matriz.
Me foge da boca. Eu força- motriz,
Vagos desejos insinuam esperanças, Eu – mulher
Eu – mulher em rios vermelhos Abrigo da semente
Inauguro a vida Moto-contínuo
Em baixa voz Do mundo.

Conceição Evaristo é autora do romance Ponciá Vicêncio, que nos narra os pequenos
acontecimentos do cotidiano, com uma linguagem poética, mas marcada pela etnicidade. A história de
Ponciá Vicêncio destaca o universo feminino marcado pela exclusão. Descreve os caminhos, as andanças,
os sonhos e desencantos da protagonista. Conceição Evaristo mostra a trajetória da personagem na
infância até a idade adulta, analisando seus afetos e desafetos, bem como seu envolvimento com a família
e os amigos. Procure leituras e dramatizações de textos de compositores e escritores para lidar com o
mundo. Elas estimulam a criação de textos e canções. Não deixe de cantar forte e alto que a vida vai
melhorar!!!

A linguagem do corpo
O corpo , na tradição africana, é um pedaço de barro modelado, retirado da matéria-prima LAMA,
que, de acordo com os mitos, serviu para a criação das pessoas, após um acordo com o orixá IKU- morte
-responsável pela restituição, que possibilita a criação de novos corpos, estabelecendo assim uma relação
direta entre nascimento e morte. Devolvido à terra após a morte, o corpo permite que sua matéria-prima
volte à massa de onde foi separada ao ser modelada, segundo o mito de Ikú e sua participação na criação
dos seres humanos:

“Quando Olorum procurava a matéria mais adequada para fazer o


homem, todos partiram em busca de tal material. Muitos materiais apareceram,
mas nenhum era o adequado. Foram, então, buscar a lama, mas ela chorou e
nenhum ébora tirou a menor parcela. No entanto, Iku apareceu e não se apiedou
com o choro e levou um pouco para Olodumare, que determinou a Iku que, por
ter sido ele a apanhar a porção de lama, deveria recolocá-la em seu lugar a
qualquer momento. Por isso, Ikú nos leva de volta para a lama.”(Santos,1977)

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Para que o corpo adquira EXISTÊNCIA precisa receber e conter o ar-massa, chamado EMI -
princípio da existência genérica, que se materializa pela respiração. Os indivíduos respiram, contendo o
EMI(ar) em seus corpos, que foi o elemento soprado por Olorum ou Olodumare (Deus). Ressalte o
significado das palavras apresentadas em iorubá, a língua dos nagôs: Olorum,Iku, ébora, emi, ori ,bori
etc. Um dos mitos mais antigos da tradição africana fala do papel do Ori (cabeça) e sua relação com o
resto do corpo. Para o mundo europeu somente a cabeça pensa, mas para a cultura africana o corpo todo
pensa, existindo pensamento fora do corpo – cartas, búzios, além da aprendizagem olhando o corpo do
outro. Luz (1992) conta a história de Ori, dizendo que é o orixá que proporcionou a entrega das oferendas
dos orixás a Olorum, a partir do momento em que conseguiu partir o fruto OBI ao cair com força sobre
ele. Todos já tinham tentado e fracassado e, somente quando o fruto foi aberto é que Olorum aceitou as
oferendas. Por isso as cerimônias de Bori (culto à cabeça) usam o obi e, a partir de então, Ori precede a
todos, sendo quem permite a adoração do orixá de cada pessoa.
É importante frisar que a cabeça não é auto-suficiente, precisando, para estar bem, do
funcionamento de todos os outros componentes do corpo, conforme a história de Mestre Didi : Certa vez
a cabeça, muito ciosa de sua importância,começou a falar mal do ânus para todo mundo. Ao tomar
conhecimento do que a cabeça andava dizendo, o ânus resolveu fechar-se, paralizando suas funções.
Após três dias, todos os órgãos começaram a reclamar para a cabeça, dizendo ser impossível trabalhar
em tais condições. Logo depois foi a própria cabeça que passou a sentir terrívesi dores. Então, saiu de
sua posição para implorar ao ânus que funcionasse, situando sua importância,dizendo-lhe logios pelo
que fazia e se desculpando pelo que dissera.
EXU também está ligado ao corpo, é o responsável por seu interior, sendo o Exu Bara, o rei do
corpo.
Exu se relaciona ainda às funções da boca, respondendo pela fala, que torna singular, bem como
com a comunicação, estando relacionado à mobilização do destino individual. Se a palavra modifica o
corpo, o corpo também modifica a palavra, já que o ser humano transcende a realidade objetiva e busca
energias cósmicas que lhe permitem modificar a realidade, transformar, transmutar. Apesar do corpo do
trabalhador ser maltratado por inúmeras horas fora de casa, por trabalho pesado, por alimentação
inadequada e pouco descanso, a cultura negra utiliza o corpo como meio de contato com a transcendência,
com os ancestrais e orixás: o negro reza dançando.
Para Muniz Sodré (1983) o negro desde o século dezesseis, através das estratégias da Rainha
Nzinga, que gerou a palavra ginga, balanço incessante e maneiroso do corpo, que faz com que o corpo
se esquive e dance ao mesmo tempo, busca seduzir o outro, envolvê-lo, enlaçá-lo, vencendo pela astúcia
e malícia a força bruta. Segundo Sodré, o corpo negro vai ter com a dança um envolvimento emocional,
um sentimento de raiz e tradição, inexistente no esporte puro e simples. A capoeira, por exemplo, é
situada como a afirmação de um corpo orgulhoso de sua vitalidade e ciente dos seus segredos, de sua
mandinga. Foi também o caminho da formação de uma maneira própria de usar o corpo, com uma
plasticidade necessária aos representantes de uma cultura de resistência, sendo movimentos de
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autopreservação e continuidade cultural. O corpo negro “abriga” o orixá, estabelece comunicação direta
entre o sagrado e o profano, sendo entendido como uma estrutura em aberto que incorpora elementos de
alegria (axé) e de ritmo. O que este corpo aberto/fechado, estável/instável, firme/escorregadio, cria de
júbilo, de energia, estabelece uma profunda diferença cultural. O corpo culturalmente negro vive a
plenitude do existir, no rito, num aqui e agora, que possibilita integração de corpo e alma.
Os ritmos e danças dos orixás vão caracterizar vários passos do samba, já que o BRAVUN, ritmo
de origem keto, percutido com varetas é a dança dos Exus, mas vem sendo usado pela comissão de frente
das escolas de samba, desde 1960. Da mesma maneira a nação ijexá empresta seu nome ao ritmo usado
nos blocos afro e afoxés de todo o país, que utilizam movimentos da Oxum e de Ossaim em suas danças.
Conclui-se, então, que a cultura negra propicia uma relação profunda entre corpo e dança, sendo
produtos de um mesmo sentido de vida pautado na relação do ser humano e a natureza. Relação esta em
que o homem encontra sustentação com os seus antepassados, como valores a serem resgatados. Assim,
a dança é a representação da própria existência de cada pessoa, se fazendo presente em todos os momentos
da vida, desde o nascimento de uma criança, como por ocasião da morte de um alto signatário da
comunidade, além das ocasiões de ludicidade do cotidiano. Em todos esses momentos dançantes se faz
presente o tambor, cujo som é utilizado de diferentes maneiras, em diversas tonalidade e intensidades. A
dança faz a comunicação entre os orixás e os homens, além de afirmar a identidade do grupo por
estabelecer comunicação com os antepassados, com toda uma herança cultural do grupo.
A dança afro no Brasil adquiriu várias formas, variando segundo as nações africanas que
contribuíram para a formação do povo negro, de acordo com o ritmo e características dos orixás e segundo
as recriações feitas no interior de uma sociedade pluricultural e pluriétnica como a brasileira.
Uma mulher, porém, foi responsável pela valorização da dança negra,criando o que se chama no
Brasil “dança afro”, que conjuga o samba de roda, o maculelê, o jongo, o caxambu, o frevo, a capoeira,
etc, com a estilização da dança dos orixás. Seu nome é Mercedes Baptista. Mercedes foi a primeira
bailarina negra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. A importância da dança afro como construtora e
mantenedora de uma identidade cultural no Brasil foi tema da tese de mestrado do Prof. Edilson
Fernandes de Souza(1995) onde após várias pesquisas e análise de histórias de vida, situam a importância
da dança afro-brasileira na educação, analisando o corpo como um conjunto de práticas pautadas na visão
de mundo da cultura negra, que se contrapõe à sociedade européia, estabelecendo assim, outras formas
do homem se relacionar com o meio ambiente, de lidar com a realidade, segundo suas crenças, ritos ,
fantasias e emoções.
Importante, no entanto, é situar como Mercedes Baptista abriu um espaço para , através da dança,
afirmar uma realidade negada, mostrar as possibilidades do corpo negro como um território livre e
consciente de suas chances de sobrevida e de participação efetiva na sociedade que o rejeita, bem como
a criatividade de um grupo que acredita no que faz , não aceitando mais ser objeto da história, mas sim
SUJEITO , consciente de sua historicidade e de sua necessidade de participar no contexto coletivo.

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A dança afro de Mercedes Baptista tem seu auge nos blocos afro como o Olodum , o Ilê Aiyê e
muitos outros presentes em todo o território brasileiro. Ao falar da dança do samba como um exercício
do prazer, Rego(1994) situa como mais de quinhentas danças que semeiam o Brasil de norte a sul, são
originárias das três fontes que formaram o nosso povo:
.a indígena - com a coreografia dos caboclinhos e dos cacumbis

.a européia - através do pezinho, tiranas ou schottish

.a africana - que não dá para enumerar, dada a variação e criatividade de seus usuários.
Muitos são os destaques femininos no campo da dança, aspecto bastante explorado pela mídia,
em função da liberdade e sexualidade no uso do corpo, algo absolutamente inédito no mundo ocidental,
que permitiu a divulgação de grandes passistas e bailarinas, mas nunca as situaram como guerreiras
lutando pela afirmação de uma cultura, de uma identidade e de uma maneira mais feliz e humana de
conviver com os outros e consigo mesmas! Consultar as danças e músicas da região e verificar a que
tradições pertencem é básico e fundamental para a valorização de nossa história e de nossa ancestralidade
africana e indígena.

Perspectivas Pedagógicas Indígenas

Sateré-Mawé: Valorização da história e cultura indígena nos currículos das escolas públicas
e privadas
Josias Ferreira de Souza7

Foto: Marcos Moura

1
Membro do clã Sateré (Sateré/ut), a mais alta marcação hierárquica para funções de parentesco do povo Sateré-
Mawé. Mora na Aldeia de Ponta Alegre, dentro da Terra Indígena Andirá-Marau, localizado no extremo leste do
Estado doIntrodução
Amazonas. Graduado em Biologia e Pedagogia pela Universidade do Estado do Amazonas. Mestre em
Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas. Doutorando em Educação na
Universidade Federal do Amazonas UFAM. E-mail: 1.bftmnoph@gmail.com

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O presente texto tem por objetivo fazer uma brevíssima contextualização e análise sobre às
culturas indígenas no Brasil tendo como ponto de observação evidenciar o impacto positivo da Lei 11.645
nos trabalhos pedagógicos dos povos da floresta que sempre lutaram pelo fortalecimento de suas histórias.
Para tal finalidade, iremos abordar experiência a “Valorização da história e cultura Sateré-Mawé”, como
uma das resistências indígenas.
O povo Sateré-Mawé, com uma população de proximamente 12 mil pessoas, vivendo na terra
indígena Andirá-Marau no Estado do Amazonas nos motiva a fazer uma profunda reflexão sobre os
modos próprios que os povos indígenas têm de ensinar e a aprender afim de fazer com que os alunos e
professores tenham contato com essa história de luta que é própria dos povos indígenas.
Com uma intensa e perene cultura os Sateré-Mawé têm nas políticas de educação para os povos
tradicionais referência que os colocar como protagonista de sua história educacional. Desta maneira, a
educação escolar indígena é a concretização de tudo o que o povo precisa, nele consta a valorização da
história da origem do povo indígena, guerra, gêneros literários, meios e fins, constituindo assim a
realidade indígena no cenário nacional. Portanto, destacar a história e a cultura indígena no currículo das
escolas públicas e privadas ainda é um caminho de suma importância para os povos da floresta.

Forjamento das resistências indígenas na construção da sociedade brasileira

A história de luta do povo Sateré-Mawé está conectada aos processos de redemocratização do


país, na década de 1980. Período em que o Brasil testemunhou a participação da minoria na luta pelo
exercício de sua cidadania e nas decisões políticas da sociedade nacional. Mudanças provocadas no
clamor das reivindicações populares criaram amplos debates ora omitidos pelo Estado. A minoria unida
se multiplicou em vozes de cidadãos na defesa de sua cor, gênero, raça, religião e, nessa luta, destaca-se
a dos povos indígenas.
Justamente nesse período o tema da educação escolar indígena se fortaleceu e foi ganhando cada
vez mais espaços nos círculos de discussões. Segundo Estácio (2014, p. 103) “o final da década de 80 do
século XX, em especial, foi marcado pela aceleração das discussões e propostas legais de regulamentação
de educação escolar indígena a partir da promulgação da Constituição Federal em 1988”. Entretanto,
Magalhães (2005, p. 539) relembra que nem sempre foi assim, pois antes “no Brasil, desde o século XVI,
a oferta de programas de educação escolar às comunidades indígenas esteve pautada pela catequização,
civilização, e integração forçada dos índios à sociedade nacional”. A presença indígena na intervenção
dos projetos destinados a população étnica marca a década de 1980, já que partir dela começam a eleger
suas prioridades, demandas locais e proposta diferenciadas.
A redemocratização do Brasil exigia apreender a realidade de seus sujeitos sociais e as suas
especificidades étnicas. Magalhães (2005, p. 539) confirma uma conquista histórica para as populações
indígenas, que foi o art. 231, que expressa serem “reconhecidos aos índios suas organizações sociais,
costumes, língua, crenças, e tradições, bem como os direitos originários sobre suas terras que
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tradicionalmente ocupam competindo à União demarcá-las. Ressalta-se que “o direito a diferença fica
assegurado e garantido, e as especificidades étnicos-culturais valorizadas, cabendo à união protegê-las”
(SILVA, 1999, p. 65). Informações desta magnitude contribuíram de forma significativa para construção
de políticas públicas de forma contextualizada, com a participação popular e a participação indígena,
assegurando a presença das coletividades em todas as etapas do processo, assim como incentivou um
novo modelo de se fazer política em respeito à diferença e a diversidade étnica.
Destarte, a Constituição Federal de 1988 reuniu as demandas dessa nova sociedade que se
formava. Assim, os povos indígenas tiveram seus direitos assegurados nos artigos 231 e 232, nos itens de
referência para a conquista de um espaço de fortalecimento da identidade e da cultura bem como o
reconhecimento da participação das culturas indígenas na formação na sociedade brasileira. Deste modo,
tentou minimizar séculos de opressão e exploração que sofremos. Porém, colocá-las em prática e
fortalecer o direito garantido foi um desafio, porque a trajetória histórica que esses povos vivenciaram
ainda estava presente em suas vidas, em réplicas semelhantes à colônia opressora, onde o tratamento
continuava da ordem de dominador/dominado e ausência de diálogo.
Em boa parte da história da formação da sociedade brasileira, foram os povos indígenas, enquanto
povos originários das terras brasileiras, foram considerados incapazes e sua sorte foi aceitar determinações
externas e serem levados a executar o plano alheio para viver. Por essa razão, nem sempre foram
chamados para o diálogo que forjaram a nossa sociedade e suas práticas educacionais.
Ao que tange a questão educacional, Luciano (2006, p. 130) contextualiza o pensamento nacional
da seguinte forma: “ainda existe no Brasil a ideia generalizada e errônea de que os povos indígenas não
possuem nenhum tipo de educação”. Por isso, se justificou por si mesma a educação imposta aos povos
indígenas, que “[...] prevê que será orientada para integração gradativa na comunhão nacional, respeitando
o patrimônio cultural e seus valores de expressão artística (PAIVA et al., 2019, p. 43).
As investidas do Estado brasileiro por meio de políticas educacionais sem observar a realidade
indígena trouxeram resultados catastróficos. Exigiram dos indígenas o abandono de suas culturas em troca
de outra estranha, defenderam a ideia de que os indígenas estavam em processo de transição e a sua cultura
deveria se acabar e dar lugar à cultura nacional. Tal cultura opressora foi considerada a única de um
Estado soberano, de tal modo entendia para que o indígena fosse integrado definitivamente à sociedade
brasileira.
O Estado Brasileiro apostava que em pouco tempo os povos indígenas seriam extintos, acabariam
sufocados via expansão das cidades e a partir do crescimento urbano-industrial financiado pelo
capitalismo, como podemos observar tal previsão não se concretizou e aconteceu o contrário. Os povos
indígenas cresceram de forma significativa, uniram-se à massa popular brasileira, que cobravam seus
direitos, até a conquista de um espaço de discussão e reivindicação. Assim, os protagonismos dos povos
indígenas na política nacional brasileira surgem, neste cenário, como alavanca que reforça suas lutas,
evidenciando o respeito étnico e a valorização de suas culturais.

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Porém, embora os indígenas estejam usufruindo de um espaço conquistado, ainda existe forte
resistência da sociedade nacional. Ângelo (2008, p. 56) enfatiza que “[...] a respeito dos avanços, os
indígenas têm enfrentado grandes desafios, uma vez que o Estado não só resiste em realizar reformas
efetivas destinadas a atender as legislações pertinentes, como também se distância cada vez mais da
realidade que o compõe”. Já Marra (2018) esclarece “o discurso da diferença apesar de ser presente, não
se realiza efetivamente, a diferença, além de não estar equacionada, também não é reconhecida nos
meandros institucionais, ou seja, a instituição é maior”. Tal, desafio precisa ser superado, por intermédio
de políticas públicas em respeito à garantia do direito à diferença étnica.
Por fim, garantir políticas públicas que fortalecem a educação escolar indígena iniciadas durante
a redemocratização do Brasil valorizou a luta dos povos indígenas, profissionais indígenas enquanto
autores de suas próprias histórias. Por conseguinte, pensar a presença do indígena nos espaços que
discutem assuntos de seus interesses ajuda a destacar o protagonismo indígena contra o trabalho unilateral
do Estado, valorizando o saber indígena, suas práticas culturais e fortalecendo a presença nativa em
projetos de educação.

Discussão dos resultados: Da experiência à resistência

Sou Josias Sateré, da etnia Sateré-Mawé, professor indígena da aldeia de Ponta Alegre, no
Município de Barreirinha/AM. Tenho 10 anos de experiência na docência e comecei a lecionar na função
de professor de ciências biológicas em 2011. Na época, era o único graduado pela Universidade Estadual
do Amazonas (UEA) em uma área específica do conhecimento. Apesar das dificuldades e dos inúmeros
desafios, não parei de estudar. Consegui o título de Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia em 2019,
pela UFAM. Em 2021, ingressei no curso de Doutorado em Educação na Universidade Federal do
Amazonas.
Figura 01. Aldeia de Ponta Alegre

Fonte: Arquivo pessoal, 2021


Moro na aldeia de Ponta Alegre, que tem uma população de duzentas e cinquentas famílias,
situada a margem esquerda do Rio Andirá, localizada na Terra Indígena Andirá-Marau, que tem
aproximadamente 12 mil pessoas. Minha aldeia fica a 60 km de Barreirinha/AM e 100 km de
Parintins/AM, municípios que ficam na rota dos Sateré do Rio Andirá. Considerada Pólo-Base, Ponta
Alegre é referência para aldeias adjacentes, porque abriga um posto de saúde e uma equipe

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multidisciplinar de saúde, que se alterna de quinze em quinze dias. Tem uma escola de grande porte, água
encanada e energia elétrica fornecida pelo programa Luz Para Todos.
Pelo município de Barreirinha/AM, Ponta Alegre é reconhecida pela lei orgânica como Distrito,
que significa que a aldeia é um bairro do referido município, e por isso tem a figura de uma presidente,
que é escolhido pela comunidade para cuidar dos patrimônios da cidade, em uma votação a cada dois
anos. O presidente não substitui a figura do tuxaua, o chefe da aldeia.

Figura 02. Escola de Ponta Alegre

Fonte: Arquivo pessoal, 2021

A escola indígena de Ponta Alegre, onde trabalho, é bilíngue. Os professores indígenas


frequentam uma escola modelo do município, feita de alvenaria, coberta de telhas de barro, que tem cinco
salas de aulas climatizadas, uma secretaria, uma cozinha, dois banheiros, uma grande área externa e é
murada. A escola atende a duzentos alunos, oferece o ensino infantil, as séries iniciais e finais do ensino
fundamental e o ensino médio. Além de atender a alunos do município, recebe também alunos do Estado,
por meio de uma parceria entre a aldeia e os entes públicos.
O que diferencia a escola de Ponta Alegre de escolas urbanas é o saber tradicional que cultivamos,
que repasso aos meus alunos. A educação indígena é incluída nos planejamentos dos professores
indígenas, por meio de diálogo intercultural. Ensino e aprendo a negociar uma educação escolar indígena,
que valoriza os interesses do coletivo. A partir do conhecimento de origem, das histórias contadas pelos
mais velhos, do pensar e refletir sobre o passado, organizo meus planos de aula de acordo com as
experiências adquiridas ao longo da trajetória educacional.
Desta forma, compreendo a importância do papel dos nag (anciões do povo) quando são
insistentes em falar sobre a história de origem do povo, em um ato de resistência não deixam a história se
acabar. Assim, ouvir os velhos da aldeia contarem que viemos de Nosokén, que significa cidade de pedra,
que naquele tempo não existia diferença entre homens e animais, que éramos todos iguais, que inclusive
os animais falavam, é muito importante. Em Nosokén, lugar de morada dos deuses, paraíso para nós,
morou nossa mãe, Onimuasabê, que teve um filho homem, menino, que de uma tragédia deu origem ao
waraná (guaraná), que fundamenta o mito de origem do povo Sateré-Mawé.

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A escola de Ponta Alegre Sateré-Mawé que é comunitária, segue com a missão de fortalecer os
objetivos do povo étnico. O nosso povo, os filhos do guaraná, compreendem que nossa escola bilíngue é
um espaço de afirmação étnica e identitária. Desta forma, trabalho em parceria com as lideranças, os
professores (colegas de profissão) e a aldeia, com o objetivo de fortalecer a educação escolar indígena
sob o viés do diálogo intercultural para garantir autonomia a nossa escola.
Desta forma, funciona a educação escolar indígena na aldeia, os Sateré organizam o que os seus
alunos e filhos precisam aprender. Fora da aldeia, trazemos a letra da música do cantor e compositor Jafé
Sateré, que exemplifica o sentimento de pertencimento ao povo Sateré-Mawé. Independentemente de
onde o indígena estiver precisa receber uma educação especifica e diferenciada, a esta questão reafirma a
importância de valorização da história e cultura indígena pelas escolas da rede pública de nosso pais.

“Sou índio na cidade e no interior, levo minha cultura por onde for, não quero saber o que
pensam de mim, bebo tarubá e fumo tawari” (Jafé Sateré, 28 anos, Aldeia de Ponta Alegre – Rio Andirá,
2019).

Jafé Sateré a exemplo de muitos jovens da aldeia de Ponta Alegre no Rio Andirá, que nasceu com
o talento de cantar e recitar suas poesias por meio da música. Encontro em suas músicas, respostas que a
ratifica a importância do Ensino de História e Cultura Indígena, vejo autoafirmação, de um Sateré que se
coloca enquanto povo e está disposto a defender a cultura e às tradições de nossa população. A letra da
música que canta, apesar de usar um termo considerado pejorativo “índio” para os povos originários,
nesse contexto, ressignificar a presença indígena independente do lugar que mora e vive, descontrói a
ideia de que para ser indígena precisa obrigatoriamente viver dentro de uma aldeia.
A cidade veio até nós, fixou residência em cima de nossas aldeias, nos fez vestir roupas e
calçados. Tentou mudar nossa maneira de viver, pensar, costumes, modos tradicionais, pelo processo de
uma civilização forçada. Porém, a cultura permanece em nosso interior, existe uma pedagogia intrínseca
em cada povo indígena que mantém as experiências de nossa ancestralidade viva de geração a geração
em nosso ser.
No passado muitas vozes indígenas, diferente da realidade do jovem Jafé Sateré foram
silenciadas, a história dos povos indígenas foi contada pelos próprios invasores. Os relatos anulavam a
trajetória de luta dos povos indígenas e enalteciam o encontro do homem branco com a descoberta de uma
sociedade primitiva. O enredo de forma proposital não saía da superficialidade, escondeu a verdadeira
história dos nativos, desvalorizados construíram estratégias próprias para continuar repassando seus
conhecimentos.
Já se passou mais de 520 anos depois da chegada dos colonizadores europeus no continente sul
americano e os povos indígenas superaram muitos desafios, lutaram e continuam a defender sua cultura,
contra a violação de seus direitos. Os direitos ameríndios foram conquistados e a população indígena

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pagou o preço com sangue, lideranças indígenas ao longo da história tiveram a vida ceifada, por acreditar
que sua gente também tinha direitos.
Portanto, podemos considera que a promulgação da constituição brasileira de 1988 foi um passo
para que a população indígena avançasse na conquista de seus direitos. Os artigos 231 e 232 por meio da
lei reconhecia a presença nativa além do discurso, contudo o novo desafio posto a partir desse momento
foi efetivá-lo na prática, porque a realidade é uma e a lei é outra.
Abriu-se espaços para enfatizar a presença da função do professor Indígena, profissional
habilitado que pertence a etnia. Trabalhar na escola indígena, espaço construído pelos próprios indígenas
para trabalhar seus contextos sociais e conteúdos ocidentais. Não podemos deixar de pontuar que existiu
uma forte mobilização dos professores para dialogar por meio da educação indígena na construção da
educação escolar indígena que atendesse aos interesses do coletivo dos povos indígenas.
Escola que por muito tempo foi de imposição, mas que agora em seus currículos começa a
lembrar da história e cultura dos povos indígenas que são diversos, fala-se no plural, para formar novas
pensamentos sobre os nativos, diferente daqueles termos pejorativos que estavam a costumado a ouvir. A
lei 11.645, sancionada em 2008, que referência o Ensino de História e Cultura Indígena é um dos grandes
marcos das conquistas das populações marginalizadas8 no Brasil que há séculos vem resistindo contra
todas as formas de tentativas de silenciamentos e apagamento de suas participações na construção da
sociedade e identidade nacional. De tal modo, a lei representa um grande e significativo avanço, além da
escola da aldeia, as escolas do Brasil, seja ela pública ou privada, também por lei incorporam a temática
indígena em seu cotidiano escolar.
Com sua “pedagogia oral” o indígena Jafé Sateré continua a cantar e sua música, a cantar sua
cultura e a sua tradição, ele não está só, vozes indígenas começam a ganha corpo, visibilidade, a enfatizar
demandas de populações indígenas que lutam pela valorização de seus modos próprios de viver. E a escola
acolheu essa reivindicação, hoje, o professor indígena ou não, por lei a partir dos currículos tem a
possibilidade de trabalhar a história e a cultura indígena em suas aulas.
Na cidade, quando escuto o programa de rádio “Aprendendo em casa nas ondas da rádio”,
explicando aos alunos do município de Parintins AM, sobre o ritual da tucandeira, festa ritual própria do
meu povo Sateré-Mawé. Nos mostra que a Lei 11.645 tem sua importância para a sociedade indígena e
não indígena. Diante de diversas realidades indígenas do Brasil, ouvir um professor da ilha do folclore
que que canta e exalta a cultura indígena no festival folclórico de Parintins, por intermédio de seus artistas,
foi importante, saber que o meu povo também pode contribuir com a formação de alunos e cidadão da
cidade.
Nas aldeias Sateré-Mawé a missão de ensinar à cultura e a tradição é dos professores. Porém,
existe um professor específico que denominamos de professor bilíngue na aldeia. Falar a língua materna

8
Povos indígenas e populações negra.
37
na aldeia é normal, os estudantes aprendem e socializam experiências que aprendem na escola e na aldeia,
com a presença do professor bilíngue que se torna o intermediador durante as aulas.
Portanto, levar esse professor bilíngue para a escola urbana, foi um desafio que uma determinada
escola do município de Parintins conseguiu. Atendendo alunos indígenas na sua maioria bilíngues e
Sateré-Mawé, avanço, que ajudou a escola e os professores nos processos avaliativos externos promovido
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB. A escola ganhou, os alunos indígenas tiveram a
oportunidade de aprender com mais naturalidade, a partir das explicações dos conteúdos na presença de
um professor bilíngue.

Considerações Finais
Valorizar a história e a cultura indígena reforça a luta do movimento indígena pela garantia de
direitos e visibilidade dos povos indígenas. Na contramão da política do Estado, de assimilação e de
integração forçada do indígena à comunhão nacional, os nativos construíram espaços de afirmação étnica
em contexto escolar e acadêmico. Em seguida, mostra a sociedade brasileira, contribuições que estão
incorporados no cotidiano, que foram silenciadas e que a escola oportuniza aos professores, alunos e
pesquisadores, a se aprofundar, pesquisar para produzir suas aulas.
A pesquisa sobre os povos indígenas inicia uma nova etapa de descobertas de um saber milenar
pluriétnico. Os próprios indígenas, professores, alunos e pesquisadores, são incentivados a buscar
informações sobre suas práticas culturais e desta maneira descontruir os preconceitos, termos pejorativos,
a ideia romantizada que o indígena só é aquele que vive na mata e na aldeia. Mais uma vez, a previsão do
Estado que em pouco tempo os povos indígenas desapareceriam, não vingou, pois, o incentivo de estudo
sobre as etnias, favoreceu a luta indígena e assegurou o compartilhamento de sua história e cultura com a
sociedade não indígena.
O conhecimento que a sociedade brasileira tem sobre a população indígena é ainda superficial.
A lei 11.645 sancionada em 2008, que referencia o Ensino de História e Cultura Indígena, vem com a
finalidade de reforçar essa ampla discussão a partir da temática indígena. A escola enquanto espaço de
formação e ensino, da luz ao debate, quebra paradigmas e valoriza a diversidade dos povos indígenas, em
contextos particulares, vai incentivar pesquisas e estudos na linha mais profunda que aborda questões
específicas e diferenciadas das etnias.
Enfim, a população indígena tem demandas e necessidades que precisam ser incorporados nas
discussões que o Estado apresenta em relação a educação. A escola também é um espaço de afirmação
étnica e identitária, e assim, é mais uma tentativa de observar a realidade indígena, que há séculos são
excluídos, marginalizados, de forma proposital, para acabar com a cultura e tradições ameríndias.
Portanto, os povos originários, por meio da lei 11.645, alcançaram visibilidade, ganharam espaços e
direitos, além da oportunidade de desconstruir ideias estereotipadas, deixada pelo velho colonizador e
reproduzida com/ou sem intenção pela sociedade não indígena.

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A VOZ DOS ENCANTADOS: A música Indígena
Por: Djuena Tikuna (cantora indígena e jornalista)

Foto: Diego Janatã

Ao longo dos tempos o canto dos nossos ancestrais tem ecoado e se feito ouvir. A cada nova
geração vem sendo ouvido e reinterpretado. Para hoje chegarmos nas playlists e streamings, foi
percorrido um caminho de muita resistência e consciência coletiva para manter viva a essência de
nossas culturas através das expressões de nossas identidades enquanto povos originários. Para nós,
povos indígenas, a música é nativa tanto quanto o mais velho ancião. É nativa porque nasce conosco,
tem cheiro de fumaça, gosto de mapati, e é pintada de urucum e jenipapo.

Há música no canto da parteira que acalma a mãe que vai dar à luz e, do lado de fora da maloca,
o pajé, ao som do maracá entoa seus cânticos sagrados para afastar o mal e acalentar os espíritos. O canto
faz parte do nosso cotidiano. Cantamos quando nascemos e quando morremos, nos rituais de paz e de
guerra.

Há cantoria para botar roça, para pescar e caçar, quando chove ou faz sol. Celebramos a vida
através do canto. Através dele mostramos as nossas lutas, para que sejamos exemplos para as nossas
crianças. A música é um ensinamento, é uma forma que podermos usar para manter e resgatar a nossa
cultura. Faço do meu canto um protesto para ajudar o meu povo, para que nossa cultura seja respeitada.
A cantoria é nossa identidade. E, de certa forma, une todos os povos indígenas em uma só canção. Ao
ouvirem o chamado dos maracás os parentes se aproximam, é quando começa o ritual de nossa resistência.

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YUE’ENA E SEU ANCESTRAL CANTO FUTURISTA CONTEMPORÂNEO

Eu sou do povo Magüta, também conhecido como Tikuna. Meu nome é Djuena, cuja grafia na
minha língua materna é Yue’ena, e significa "a onça que pula no rio". Para nós, povos indígenas, a música
é encantada, pois fazemos o som que acalenta os imortais. Os encantados têm suas cantorias, também
fazem os seus rituais, e são elas que eu quero aprender quando estou sonhando. O povo Magüta é muito
musical - canta na casa de ritual, canta na igreja, canta na escola, canta para botar roça, para chamar caça,
na pescaria, para tecer tucum, canta para o filho que vai nascer, canta para quem se foi. Cantamos para
fazer o mundo girar e para o sol, no alto do céu, não cair. Nós cantamos para não morrer no silêncio, para
que os espíritos do mal não nos levem embora. Toda arte indígena, de certa maneira, é uma forma de
resistência. Para mim, não tem outro sentido que não seja esse. Há 500 anos nós resistimos e vamos
continuar resistindo. A música que fazemos, por si só, já traz essa mensagem e precisa ser assim, pois,
todas as conquistas que tivemos foram porque aprendemos a resistir. Eu espero que minha música
continue fazendo parte da trilha sonora dos que lutam.
Em 2017, após mais de uma década de trabalho, lancei o meu primeiro álbum, Tchautchiüãne
(Minha aldeia) no Teatro Amazonas, foi um momento histórico de resistência indígena. O “majestoso”
Teatro, patrimônio cultural do país, construído no apogeu da borracha, período de maior destruição física
e cultural do povo Tikuna que foi escravizado nos seringais, teve que receber, pela primeira vez, em mais
de 121 anos de história, um show construído e protagonizado por uma artista indígena. Lotamos o Teatro
Amazonas com a participação de artistas e lideranças indígenas que mostraram para o mundo a nossa
resistência.
Tchautchiüãne foi indicado ao Indigenous Music Awards, a maior premiação da música indígena
mundial que acontece em Winnipeg, no Canadá. Em minha primeira visita à América do Norte tive a
oportunidade de dividir cantos com os parentes dos povos Cree e Anishinabe que vivem um processo de
intenso fortalecimento cultural. Há uma antiga profecia indígena que fala da união da Águia e Condor,
simbolizando a irmandade entre os povos indígenas do Norte e do Sul. A repercussão positiva desse
primeiro trabalho nos incentivou a construir, ao lado de outros artistas indígenas e, com o apoio da
Fundação Estadual do Índio, a primeira Mostra de Música Indígena do Amazonas - Wiyae, com a
participação de mais de 20 grupos indígenas em duas noites de espetáculo no Teatro Amazonas.
Em 2018 também tive a oportunidade de mostrar o meu canto para os parentes Yurok, em San
Francisco, nos Estados Unidos, durante o encontro de lideranças indígenas participantes do Guardiões
das Florestas, uma iniciativa promovida e integrada por comunidade indígenas e locais, da Bacia
Amazônica, da Mesoamérica, do arquipélago da Indonésia e do Brasil. Nesse mesmo ano lancei um portal
de notícias indígenas, djuenatikuna.com, que tem o principal objetivo de dar visibilidade aos artistas
indígenas. Sou a primeira jornalista indígena formada no Amazonas por isso utilizo essa ferramenta de
comunicação para fortalecer a luta do nosso povo.

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Em 2019 o SESC – Serviço Social do Comércio realizou o circuito Sonora Brasil. Trata-se do
maior projeto de circulação musical do país. Tivemos a oportunidade de viajar nas capitais e principais
cidades de todos os estados da região Norte e Nordeste, divulgando a música dos povos originários através
de apresentações musicais, palestras e oficinas culturais. Esse mesmo ano lancei o livro CD Wiyaegü,
com a participação especial de anciães e crianças do meu povo. Essa obra traz a cosmogonia do povo
Tikuna, através das canções narramos os mitos de criação entre outros elementos de importância da nossa
cultura. Esse trabalho foi lançado internacionalmente em uma breve turnê na Europa, que contemplou
apresentações na França, Bélgica, Áustria e Países Baixos.

A chegada da pandemia no início de 2020 não impediu que continuássemos a nossa trajetória de
militância para divulgar a música indígena. Nós nos fortificamos enquanto movimento coletivo e
ocupamos as telas. Através das lives usamos a nossa música para contribuir com as campanhas da APIB
– Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, de apoio aos parentes no enfrentamento ao COVID 19. No
final de 2020 fomos contemplados com o prestigiado prêmio Natura Musical através do projeto Torü
Wiyaegü. O intuito desse trabalho é produzir um registro da música dos meus ancestrais, com apoio do
movimento indígena Tikuna do Alto Solimões. Sou aprendiz do meu povo, faço parte de um caminho que
outros seguirão para manter vivo o nosso canto.

Por isso e por tudo, especialmente pelo que é a nossa essência, é importante registrar os cantos
para a cultura continuar sendo vivida e preservada. Torü Wiyaegü são os nossos cantos no ritual Worecü
que está vivo e precisamos garantir que não morra, valorizando a nossa cultura, apoiando as iniciativas
que entendam que a cultura, assim como a floresta, é uma grande riqueza que herdamos e vamos deixar
para os que virão.

WORECÜ: UM RITUAL DE CANTOS E METAMORFOSE

Como se fosse a borboleta, a moça nasce para o mundo. O ritual Worecü, regionalmente
conhecido como a Festa da Moça Nova, é uma das maiores expressões da cultura Magüta, pois carrega
em si diversos elementos próprios da nossa identidade, como os cantos e a musicalidade. Foi Yo’i quem
ensinou os meus ancestrais a fazerem a festa.

Ela acontece quando a menina vai virar moça e tem a sua primeira menstruação. Ela é guardada
dentro do mosquiteiro em casa, passando a ter contato somente com as mulheres, especialmente com sua
mãe e avó. Os homens não podem vê-la e não é aconselhável falar com ela. A jovem fica reclusa tecendo
a fibra do tucum e algumas aprendem a fazer bolsas e rede com esse fio.

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Enquanto isso, a sua família vai fazer os preparativos para a cerimônia, isso pode durar até um
ano, dependendo de quantos convidados os donos da festa estão esperando. Os pais da moça são os
responsáveis pela produção dos alimentos oferecidos durante o ritual: a bebida pajauaru feita de
mandioca, além dos moqueados de caça e peixe em geral. Tudo é oferecido aos convidados que trocam
por máscaras e tururi, uma espécie de pano confeccionado com a entrecasca de certas árvores. O pai da
moça também precisa ajudar na construção da casa aonde acontece a cerimônia. Quando o ritual acontece
e tudo está em perfeita sintonia, os imortais se sentem agraciados, então a casa se levanta do chão e todos
que estão nela voam no alto do céu, encantados.

A festa é muito alegre, durante três dias cantamos e dançamos juntos. Os movimentos são feitos
para espalhar a terra, para fazer o mundo crescer. Durante a festa a moça fica dentro do turi, construído
com os talos de buriti e pintados de acordo com o clã da jovem. Ela deve ficar acordada a noite toda,
ouvindo os conselhos dos instrumentos sagrados. Ela ouve os pedidos do To’cü (trompete maior
confeccionado com o tronco de palmeira paxiubinha) e do Iburi (trompete menor, feito com casca de
árvore).

O grande momento do ritual é quando as anciãs cantam para a moça nova, lhe dando conselhos,
vão arrancando aos poucos todo o seu cabelo. Em seguida, ela vai acompanhada pelas anciãs até o rio,
para se limpar e ser benzida pelo pajé. Assim finaliza o ritual Worecü. A festa acontece para acalentar os
imortais e para que os bichos ngo’o não nos façam nenhum mal e não nos levem embora. O nosso ritual
celebra a saída da moça nova, como se fosse uma borboleta saindo do seu casulo para viver uma nova
vida.

MÚSICA TIKUNA: ENTRE O RITUAL E A RAVE

A música produzida pelos Tikuna serve de ferramenta de comunicação e expressão de valores e


símbolos únicos que nos identificam enquanto povo. Wiya’egü é como os Tikuna chamam a cantoria, seja
ela a “tradicional” ou a moderna. Mas nosso vasto acervo cultural não se limita a música. Somos
reconhecidos por nossas pinturas orgânicas no tururi, tecido natural processado da entrecasca de certas
árvores, bem como a tecelagem e um artesanato de fino acabamento. Entretanto é realmente no que diz
respeito à música que os Tikuna se destacam. Além das canções ligadas ao ritual há também canções
voltadas para o dia a dia, como as canções de ninar, além de uma rica organologia que contempla uma
diversifica coleção instrumental.
Após a instalação da Zona Franca de Manaus, houve um grande boom de eletroeletrônicos e
instrumentos musicais na região, em especial, o teclado. Os Tikuna souberam se apropriar desse e de
outros instrumentos e, com a influência da cultura de fronteira, inauguraram uma nova forma de fazer a
sua música. Os mais jovens descobriram a Cumbia e, mais atualmente, o Reggaeton, estilos musicais
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muito populares na Colômbia, bem como em toda região fronteiriça, que liga os municípios de Tabatinga
no Brasil, Letícia na Colômbia e Santa Rosa no Peru. Esse é um território de influência cultural que os
Tikuna dividem com outros povos.
Uma outra grande influência musical que está inserida entre os Tikuna são os hinários
evangélicos e da Santa Cruz, o movimento messiânico que tem base na região também tem
influenciado.Dentro desse universo musical, que está inserida a música Tikuna, podemos perceber que já
há uma certa valorização de determinados atores regionais, como a Rádio Nacional do Alto Solimões e a
Paróquia de Tabatinga, que promovem um grande festival cultural entre os Tikuna.

Mas o protagonismo indígena é notório no que diz respeito a preservação da nossa arte. É
importante destacar ainda um grande local que está concentrado documentos de áudio bem como
elementos que representam essa música Tikuna. Localizado na cidade de Benjamim Constant, o primeiro
museu indígena do país, o Museu Magüta e socializa com o público em geral uma grande variedade de
obras referentes aos Tikuna. A nossa música vem dos ancestrais para se fazer ouvir com as novas gerações.
Assim também é importante o registro de outras expressões do movimento musical, como o eletro
orgânico que acontece com a juventude Tikuna com a cumbia e do reggaeton, misturados aos forrós,
hinários e experimentais.

Acredito nas parcerias para fortalecer a luta. Agora estou remixando alguns cantos que foram
gravados ao longo desses 15 anos de carreira, com DJ’s do Brasil e da América Latina, fazendo para desse
dinamismo cultural, e contribuindo para criar elos de conexão entre expressões diversas. É preciso
garantir também o registro dos artistas indígenas que moram na cidade, em Manaus e outros centros, em
contexto urbano. Muitos de nós vivem da arte do canto, bem como dos seus artesanatos e de outras
profissões. Mas a cultura tem esse poder de nos garantir viver a plenitude de nossa existência enquanto
ser consciente e orgulhoso dessa tradição, manifestada em nossas práticas diárias desse Tikunismo.

De qualquer forma, para enfrentarmos esses tristes tempos em que estamos vivendo, é preciso
entender que a música indígena nos entrelaça com o ontem e o amanhã. Assim é possível ouvir a nossa
música pela voz das novas gerações e pelo canto dos antigos. Mas se hoje somos reconhecidos, é mais
por conta do protagonismo e insistência dos artistas indígenas, do que pelo querer da indústria cultural.
As prateleiras do mercado showbusiness não aguentam o peso dos cantos que acalantam os imortais.

A internet tem um papel fundamental na divulgação da música indígena. Coletivos de


comunicação, a exemplo da pioneira Rádio Yandê, além da carreira engajada dos nossos artistas, fazem
uma ponte para que a música indígena reverbere para ser ouvida em outros espaços, além dos limites das
florestas que guardam os rios que alimentam nossas aldeias e ideias; ultrapassando os muros que cercam
as universidades e chegando ao coração de quem nos ouve.
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Para tanto é preciso fortalecer iniciativas como a Lei 11.645, que ela possa atuar como um
instrumento para a divulgação desse legado que são os povos indígenas, além de debater a temática
indígena na sala de aula, ela garante um conhecimento da sociedade não indígena. Ao facilitar o acesso à
informação com relação aos povos indígenas e suas demandas, o Estado brasileiro garante que sejamos
respeitados enquanto povos distintos. Assim é possibilitado conexões culturais e todos aprendem.

O indígena desempenha um papel de grande relevância na formação de uma identidade nacional.


Mas não haverá reconhecimento enquanto o brasileiro não aprender a valorizar o que nossos ancestrais
preservaram para o bem da humanidade e, da mesma forma, não aprender que é preciso respeitar os povos
indígenas que sobrevivem há séculos esse genocídio sociocultural.

O canto tem um papel de grande importância na minha vida. Meus pais cantaram para mim o
canto dos meus ancestrais e eu preciso continuar cantando para que meus filhos cantem para os meus
netos e esses para os que virão depois. O meu canto é minha forma de luta, é minha maneira de fazer
política. Através dele espalho, como semente, a mensagem de que o meu povo resiste.
A cultura tem pautado minha trajetória enquanto indígena. Com ela trago os ensinamentos dos
meus ancestrais que são a voz de nossa identidade, nossa forma de ver o mundo e compreender que a
natureza vive em nós a sua plenitude. Com a força da cultura carregamos vivo em nosso espírito o canto
de quem veio antes de nós. Ela está em nossa luta diária para afirmar que não somos um fantasma do
passado, mas estamos presentes, exigindo a garantia de nossos direitos, entre eles o mais elementar de
todos que é o direito à vida.
A música nos torna imortal, pois viramos encantados sem precisar partir. Ela nos liga aos nossos
antepassados para nos conectar com o futuro, e isso nos enche de sabedoria e força para manter vivo o
canto e a luta. Precisamos cantar, pois o silêncio do mundo seria ensurdecedor sem a voz dos pássaros
no nascer do sol. Agora eu estou cantando para o mundo entender que todos nós, juntos, fazemos parte
da cura da terra. Somos todos da mesma Aldeia.

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