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Nesta sessão, Ismail expõe a hipótese de que a relação entre eventos proposta pela narração

de Barravento são expressão de uma necessidade e não de pura sucessão no tempo. Para
exemplificar esta hipótese o autor nos mostras planos do filme que mostram Aruã pós ato sexual e
logo em seguida o barravento. Xavier estabelece um enunciado linguístico do tipo: “A profanação
de Aruã é a causa do barravento”. Ou seja, a sequência de planos no filme não esta posta para
mostrar uma passagem temporal, mas sim uma relação de causa e efeito.

Para esclarecer essa oposição Ismail mostra como em O Pagador de Promessas as personagens
são expostas transparentes para o espectador, já em um primeiro momento sabe-se todos os
seus interesses e aflições, o encadeamento das falas e ações demonstra sempre uma
preocupação com a clareza, para alcançar tal feito é necessário fazê-las psicologicamente
inteligíveis, e bem localizadas. O mesmo acontece com a forma como o diretor trata o espaço, o
filme é uma adaptação do

Como já foi exemplificado ao longo de todo o livro, longe de buscar reproduzir os fatos, o
filme de Glauber coloca o movimento de reflexão em primeiro plano. Há uma expressiva
recusa a reconstituição precisa da aparência típica à retórica do cinema industrial que
exige recursos milionários, com essa recusa se afirma os princípios da estética da fome,
em uma oposição estética-ideológica ao cinema dominante, onde a precariedade técnica
passa de obstáculo para fonte da sua riqueza de significações.
Em seguida, Ismail discute sobre a presença do popular e do erudito no filme. Em
uma primeira análise a figura do cantador parece estar na raiz da orientação global da
narrativa, porém, a cena final prova o oposto porque a aparição do mar significa uma
intervenção de outra ordem. Nesse momento final do filme, a peça erudita de Villa-Lobos
substitui o cantador, assim como no começo do filme havia sido substituída pelo cordel, o
autor repara então como a peça erudita detém a primeira e a última palavra no filme.

Por fim, é importante sublinhar a importante discussão que Xavier traça em desacordo com a
hipótese formulada por Carlos Estevam Martins. Ismail se põe contrário a ideia de que Deus e o
Diabo mostra uma “linguagem que se comunica com o povo”, onde o cantador seria essa figura
que facilita a comunicação com as massas. O autor ressalta que Deus e o Diabo não é um filme
simples, mas sim um filme que dá trabalho ao espectador. O cordel é apenas uma das várias
perspectivas presentes na obra de Glauber.

O curto circuito de Antônio das Mortes: infalibilidade, alienação, lucidez, melancolia


Aqui Ismail sintetiza as discussões das sessões anteriores, refazendo o trajeto. Primeiro,
todo o movimento do filme, com seus elogios e desmascaramentos, não legitima o messianismo e
o cangaço como práticas revolucionárias. Ficou claro que o trabalho da câmera e a interação com
as personagens aponta critérios diferentes na composição do discurso de Sebastião e de Corisco,
o elogio feito à violência de Corisco o coloca como mais próximo da força que movimenta a
história do que a alienação do santo. Porém, neste tópico Ismail agrega a figura de Antônio das
Mortes na análise, a fim de situar melhor as diferenças entre Corisco e Sebastião.
Ismail descreve essa figura enigmática e lacônica de prática contraditória que é Antônio
das Mortes, a câmera sempre o observa de longe e apenas aqui a voz do cantador assume um
papel introdutório. Em seu discurso, Antônio carrega a mensagem da necessidade de uma grande
guerra, Antônio reafirma a certeza na transformação pela violência e traz novamente dúvidas
iniciais, pois essa grande guerra é a passagem sertão/mar que se apresenta de diferentes formas
durante o filme.
Em cima disso, Ismail retoma as seguintes questões já feitas a partir da montagem da
sequência final: qual a relação entre a infalibilidade da violência e a certeza que Antônio carrega
no discurso? Eliminada a “cegueira de Deus e o Diabo”, o que resta da disponibilidade de
Manuel? Como passar dessa disponibilidade para a “grande guerra”?
Essas questões são reiteradas quando se mostra necessário uma demarcação mais
precisa a cerca das forças que movimentam o real, afinal, tudo no filme sugere uma justiça que
movimenta as consciências e leva os oprimidos a ação. Uma análise do estilo nos mostra que a
violência é privilegiada diante da reza, ambos, messianismo e cangaço, são apresentados como
formas de falsas consciências, porém, o cangaço está em maior sintonia com o andamento do
mundo.
Neste sentido Ismail levanta a seguinte tese: o movimento do filme do começo ao fim não é
apenas cronológico, mas define uma aproximação cada vez maior à lucidez transformadora, onde
a reza e a violência do cangaço são passos necessários em sua direção.
Por fim, Ismail levanta mais alguns questionamentos: qual o papel do salto final (aparição
do mar) na lição final do filme? Como as coisas se organizam para que a noção de processo não
seja apenas outro nome para a noção de destino?

A teleologia de Deus e o Diabo: duplo movimento


Ismail defende a tese de que em todo o desenvolvimento de Deus e o Diabo, e em
especial no percurso de Antônio das Mortes, fica nítido que o andamento das coisas não é
determinado pelos homens, estes tem consciência de suas missões imediatas, mas não tem
condição de compreender, nem explicar a ordem maior dos acontecimentos.
A primeira ruptura do filme, aparição de Sebastião na vida de Manuel, é vista na
perspectiva do narrador como um fato que não é resultado das ações de Manuel. Porém a
evolução dos acontecimentos mostra que é a revolta do vaqueiro que condiciona essa adesão.
Manuel mostra uma indignação por conta da terra, mas não compreende toda a estrutura de
dominação e justamente por isso apela às forças místicas. Porém, para o cantador tudo se trata
de destino. A segunda ruptura se dá análoga a primeira, a aparição de Antônio ganha uma
conotação de resposta ao chamado de Rosa, mas assim como a revolta de Manuel, a explosão de
Rosa tem seus motivos perfeitamente explicáveis pelo desenvolvimento interno da situação.
Em relação a toda a transformação que acontece no filme, Xavier diz que certamente esta
é sempre fruto da sintonia entre a exasperação das personagens e a disposição global dos
eventos.
E então, Ismail se concentra em Antônio das Mortes, que para ele é quem melhor confessa
e comenta a teleologia de Deus e o Diabo enquanto a cumpre, é esta personagem que configura
uma passagem da teleologia implícita à teleologia explícita. Vemos isso, por exemplo, na sua
conversa com Cego Júlio, onde Antônio diz ter deixado Manuel e Rosa vivos para que contem a
história, transformando-os em instrumentos de continuidade na própria organização do filme. O
autor sublinha que Antônio das Mortes é apresentado como uma força maior que tem a iniciativa
absoluta, mas a custo de anular qualquer perspectiva de si próprio e se colocando como um
agente do destino. Com isso, Ismail nota que não há no desenvolvimento da trama uma
representação de um mundo centrado na figura humana, onde este faz história, o trajeto da
narração propõe o oposto: há uma definição explícita de uma teleologia onde os homens
(inconscientemente) consumam projetos que não são seus.

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