O documento analisa o filme Rashomon de Akira Kurosawa, focando-se na apresentação de perspectivas subjetivas sobre um crime e na importância da sonoridade para transmitir significado. Discute como a diversidade de pontos de vista reflete o conceito de "efeito Rashomon" e a dificuldade da objetividade. Também traça paralelos entre o filme e o jornalismo em lidar com múltiplas versões sobre um evento.
O documento analisa o filme Rashomon de Akira Kurosawa, focando-se na apresentação de perspectivas subjetivas sobre um crime e na importância da sonoridade para transmitir significado. Discute como a diversidade de pontos de vista reflete o conceito de "efeito Rashomon" e a dificuldade da objetividade. Também traça paralelos entre o filme e o jornalismo em lidar com múltiplas versões sobre um evento.
O documento analisa o filme Rashomon de Akira Kurosawa, focando-se na apresentação de perspectivas subjetivas sobre um crime e na importância da sonoridade para transmitir significado. Discute como a diversidade de pontos de vista reflete o conceito de "efeito Rashomon" e a dificuldade da objetividade. Também traça paralelos entre o filme e o jornalismo em lidar com múltiplas versões sobre um evento.
Rashomon, datado de 1950 e da diretoria de Akira Kurosawa, é um
filme atemporal e tipicamente caracterizado pela constante incógnita, presente no pensamento de todos aqueles que o visualizam, interpretam e lhe atribuem significados diversos. Primeiramente, o próprio título desta longa-metragem possui em si uma carga simbólica elevada, uma vez que faz referência a uma famosa temática: o efeito rashomon. Este consiste numa expressão utilizada para descrever uma situação que não pode ser julgada pela objetividade, uma vez que cada qual interpretará o ocorrido de forma subjetiva e pessoal. Assim sendo, demos, então, início a uma análise mais profunda deste filme. Num plano geral, Rashomon retrata um episódio ocorrido no Japão onde três personagens masculinos, nomeadamente um padre, um camponês e um lenhador, debatem entre si um crime específico, relativo ao assédio de uma mulher e ao suposto assassinato do seu marido. Embora este pareça, de início, um caso simples e de fácil tratamento, o mesmo apresenta-se a cada momento mais complexo, uma vez que são expostos variados testemunhos e pontos de vista divergentes, responsáveis pelo adensamento do mistério envolvente ao filme. Ao focarmos a nossa atenção sobre uma das primeiras falas apresentadas na longa-metragem, nomeadamente: “I, for one, have seen hundreds of men dying like animals, but even I've never before heard anything as terrible as this.”, podemos inferir que até mesmo na simples apresentação do delito em debate é realizado um juízo de valor e comparação, o que, por si só, comprova a tese expressa no título do filme. Além do mais, segundo as palavras de Anatole France, escritor francês do século XIX e inícios do século XX, “Uma coisa chamada crítica objetiva não existe, (…) A verdade é que ninguém consegue sair de si mesmo”. À luz da minha interpretação, acredito que esta citação seja crucial para o bom entendimento da temática anteriormente apresentada, pois, através da mesma, é possível comprovar que é extremamente complexo realizar qualquer tipo de crítica, sem tornar a mesma num mero juízo de valor, gosto ou preferência, algo da qual a totalidade da argumentação entre o padre, o camponês e o lenhador sobre o crime, é exemplo. Algo que me fascinou, desde o início do filme e ao longo de toda a sua duração, foi a vasta importância e simbologia relacionada ao leque de efeitos sonoros presentes na longa-metragem. Creio que numa abordagem à clareza de maior minuciosidade e rigor, Rashomon apresenta-se de forma singular relativamente à sua sonoridade, uma vez 2
que, durante toda a sua durabilidade, músicas, ruídos e sons específicos
são utilizados para complementar os variados momentos do enredo. Acredito que existem dois exemplos fulcrais para um melhor entendimento deste tópico: primeiramente, algo bastante comum ao longo de todo o filme é a transição da musicalidade, consoante, não só os diferentes momentos e episódios, mas também consoante as personagens que se encontram presentes em cada cena específica. A título de exemplo, comparemos dois momentos distintos: quando a personagem feminina Masako, segundo o testemunho de Tajômaru, surge sozinha em cena, toda a sonoridade cinematográfica envolve-se numa ampla harmonia, tranquilidade e delicadeza, como ocorre na cena retratada no minuto vinte e dois do filme, intensificando a noção de fragilidade e amabilidade que caracteriza esta figura, segundo o olhar obsessivo de Tajômaru. Enquanto o foco da presença feminina é a sua debilidade e afabilidade humana, sentimentos demonstrados através de melodias harmoniosas, o mesmo não ocorre quando a cena tem como personagem central uma figura masculina, como é o caso do infame Tajômaru ou do falecido Takehiro. Por exemplo, logo após o final da cena solitária e delicada de Masako, algo que confirma este contraste sonoro é o momento em que o criminoso persegue a sua futura vítima antes de a deixar completamente imobilizada, algo que decorre entre os minutos vinte e quatro e vinte e cinco da obra cinematográfica. Neste episódio específico do filme, a música utilizada contribui para o adensamento do dramatismo e da intensidade momentânea. Ainda sobre a temática da sonoridade cinematográfica desta obra, um tópico que considero importante para análise é a permanência do riso e a forma como o mesmo complementa o cariz perturbador desta longa- metragem. Este elemento, utilizado por várias personagens, como Tajômaru e Masako por exemplo, possui em si o mesmo carácter essencial que a restante musicalidade de todo o filme. Consoante a mudança de testemunha e consequentemente a transição de ponto de vista, o elemento em estudo ganha novas características, objetivos e simbologias. Por exemplo, na maioria das vezes que o riso foi posto em prática por Tajômaru, esta expressão tinha por objetivo exprimir a loucura e a insanidade presentes no pensamento e nas ações da personagem. No entanto, quando o mesmo elemento era utilizado pelo lenhador ou pelo camponês, o riso passava a possuir em si um cariz de possível divertimento e descrença face à história contada pelo terceiro elemento do debate: o padre. “These elements – sounds, words, notes, gestures, expressions, clothes – are part of our natural and material world. (…) They construct meaning and transmit it.” (Hall, 1997). Creio que é exatamente sobre esta premissa que a sonoridade cinematográfica de Rashomon se baseia, uma 3
vez que, ao trazer um carácter ousado, perspicaz e, de certa forma,
perturbante, esta desenvolve uma ligação intensa face ao seu público. Isto é, através da inteligente utilização da música, dos sons e dos ruídos, acredito que este filme providencia à sua audiência a capacidade de interpretar cada cena apresentada com maior brio e proximidade ao episódio visualizado, pois visto que a sonoridade significa algo, a adição da mesma ao filme terá por objetivo transmitir essa simbologia e permitir ao público pensar e debater, não só sobre a sonância da obra, mas simultaneamente sobre o impacto e a nova significação que esta fornece à cinematografia em análise. Ao interpretar este filme com um olhar mais pessoal e honesto ao meu percurso académico, acredito que pode ser criado e desenvolvido um paralelismo entre a simbologia presente em Rashomon e o jornalismo, enquanto profissão nobre da sociedade global atual. Como já foi referido previamente, o título desta obra cinematográfica faz referência a um conceito específico: o efeito rashomon. Este, caracterizado pela apologia face à divergência de opinião, consequente das perspetivas subjetivas de cada indivíduo, é, então, uma ideologia complementar ao trabalho e ao estudo jornalístico. Quando analisado com maior rigor, é possível inferir que Rashomon possui em si uma característica comum à comunicação social e a tudo a que esta última se relaciona. A meu ver, o facto de serem apresentadas várias perspetivas distintas relativas a um único episódio, nomeadamente o crime ocorrido e debatido, é responsável pela similaridade relativamente ao jornalismo, pois, como é de conhecimento geral, muitas vezes os jornalistas são expostos a grandes quantidades de informação variada e divergente entre si sobre um único evento ou notícia, acabando assim por ser da própria responsabilidade dos noticiaristas analisar, estudar, debater e, por vezes, através dos seus próprios juízos de valor, decidir qual é a informação mais assertiva, assim como mais próxima da realidade. A este fenómeno dá-se o nome de Jornalismo Rashomon, termo criado por Leão Serva, no seu artigo para a revista e organização Quatro Cinco Um. Concluindo, Rashomon é um filme fortemente caracterizado pela sua vasta simbologia, assim como pela sua unicidade relativamente à sonoridade cinematográfica utilizada. À luz da minha perspetiva, a longa- metragem em estudo fornece à sua audiência o espaço necessário para pensar, debater e significar cada momento visualizado. Creio que é ainda crucial reforçar o cariz atemporal de Rashomon. Cariz este, que possibilita cada um de nós a relacionar, interligar e verdadeiramente sentir cada cena do filme, uma vez que encontramos correspondências com as nossas vivências pessoais, assim como académicas e, consequentemente, profissionais.