Você está na página 1de 3

Cintia Santos de Jesus

Marcelo Sampaio Costa Filho


1

Ao longo de séculos, a História da África tem sido negligenciada em virtude das


correntes de pensamentos eurocêntricos. O continente africano foi ocultado em
detrimento de teorias racistas que acabam por legitimar todo o preconceito visto e
vivido em nossa sociedade, e romper com essas teorias, envolve principalmente um
processo de (re)significação, sobretudo por parte daqueles que representam um dos
alicerces na construção da consciência social, que é a escola. E de que maneira
isso é possível? Como a escola pode atuar nesse processo?

A Base Nacional Comum Curricular, a BNCC 2, estabelece que a “História deve se


transformar em ferramenta a serviço de um discernimento maior sobre as
experiências humanas e as sociedades em que a vive”. Para o documento, o estudo
de História da África enriquece o ensino de História, contribuindo também para
superar os desafios, promovendo o exercício da cidadania no país, integrando a
todos socialmente. No entanto, se feita uma análise detalhada pelas entrelinhas, é
possível perceber que a História da África aparece numa perspectiva reducionista,
apresentada em recortes. Os estudos acerca de África não contempla todas as
modalidades de Ensino, o que pode ser um agravante. Uma vez que todos os ciclos
escolares devem ser abordados aspectos culturais sobre a nossa história, África
deve compor as pautas pedagógicas, o contrário disso, é considerado negligenciar a
formação da nossa sociedade, é negar o que somos.

As Leis 10.6393 e 11.6454, ambas criadas com o objetivo de garantir os estudos


acerca das Africanidades nos currículos escolares, surgem para garantir reparação
e valorização cultural, de modo que a África deixe de ser pensada a partir das
lógicas pejorativas, lembrada apenas nas pautas do 13 de maio, como tema de
escravidão. Todavia, por mais que tais leis garantam a valorização cultural africana,
1
Alunos do 5º semestre em Licenciatura em História pela UNEB-Campus V

2
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

3
D.O.U. de 10 de janeiro de 2003. __. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico- Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília:
MEC, 2004.

4
Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília. BRASIL. Lei 11.645/08 de 10 de Março de 2008.
Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília.
sabemos que, ao se tratar das práticas em sala de aula, são os professores que
assumirem o papel de agentes transformadores na luta contra o preconceito e a
discriminação, ou seja, incluir temáticas que levem o alunado a refletirem sobre
democracia racial ou abordagens acerca da importância da cultura africana para a
formação do povo brasileiro, podem ser algumas das estratégias valiosas no
processo de resgate da consciência histórica.

Estudos feitos em diversas escolas do país, retratam as dificuldades para se fazer


cumprir as leis que contemplam os estudos de África em sala de aula. A não
aplicação dessas normativas se deve ao despreparo de professores, até o
desconhecimento do tema, sem falar de outro agravante que é o “preconceito” por
parte de muitos deles. O que é deveras preocupante. A não aplicabilidade da lei fere
o conceito de integração social e exercício da cidadania, citadas pela BNCC. Tal
fato reforça o contexto pejorativo de “África” nas abordagens pedagógicas,
corroborando com a ideia de que, falar de Africanidades é mexer numa ferida.

A Educação deve tratar de Estudos Africanos considerando a quebra de estigmas,


como por exemplo, a ideia que o negro é A-histórico, sem capacidade de se
firmarem enquanto sujeitos. Através da obra, História Geral da África 5, no segundo
capítulo Boubou Hama (2010) defende que, os seres humanos nascidos em
território africano, não são diferentes dos que nascem em qualquer outro lugar do
mundo: são “animais históricos”. Constroem tempo, guardam memória… À sua
maneira. Ou seja, europeu, ocidental, africano, todos tem a capacidade de construir
suas histórias.

O autor traz que:


“No plano dos fatos, as obras e as provas de sua capacidade criativa estão
aí sob nossos olhos, em forma de práticas agrárias, receitas de cozinha,
medicamentos de farmacopeia, direitos consuetudinários, organizações
políticas, produções artísticas, celebrações religiosas e refinados códigos
de ética.” (HAMA, 2010, p.23)

Ou seja, todas as questões existem em todas as sociedades humanas, o que varia


é a forma, o conteúdo e a compreensão. Isso porque as sociedades não são iguais.
E o que as torna interessante é justamente essa diferença. Ao desenvolverem suas
próprias noções e conceitos de história de modo singular, a África firma-se como
agente de sua própria história, contrariando o olhar ocidental e europeu, que
insistem em afirmar o contrário.
Em conclusão, a História da África foi negligenciada ao longo dos séculos devido a
correntes de pensamento eurocêntricas que perpetuaram o preconceito em nossa
sociedade. Para romper com essas teorias e promover uma abordagem mais
inclusiva, é necessário um processo de (re)significação, principalmente por parte da
escola, como um dos alicerces na construção da consciência social. A Base
Nacional Comum Curricular reconhece a importância do estudo da História da África
como ferramenta para um discernimento mais amplo das experiências humanas e
5
Lugar da história na sociedade africana. In: História geral da África, I: Metodologia e pré-história da
África. 2. ed – Brasília: UNESCO, 2010.
das sociedades. As Leis 10.639 e 11.645 foram estabelecidas para garantir a
valorização cultural africana nos currículos escolares, buscando superar estigmas e
promover a inclusão. No entanto, a efetiva implementação dessas leis depende não
apenas dos professores, mas também de um sistema de apoio e capacitação
adequados. É necessário fornecer recursos, materiais didáticos e formação contínua
aos professores, para que se sintam preparados e empoderados para abordar os
estudos africanos em sala de aula.

Além disso, é fundamental promover a conscientização e a sensibilização de toda a


comunidade escolar, incluindo diretores, coordenadores pedagógicos, pais e alunos,
sobre a importância da diversidade cultural e do combate ao preconceito. O
engajamento de todos os atores envolvidos no processo educativo é essencial para
criar um ambiente inclusivo, no qual os estudos africanos sejam valorizados e
integrados de forma natural ao currículo.

Investir em parcerias com instituições acadêmicas, especialistas e organizações que


trabalham com a temática africana também pode enriquecer o ensino,
proporcionando recursos, materiais de apoio e oportunidades de aprendizagem
complementares. Reduzir o problema da negligência histórica em relação à África
requer uma abordagem coletiva, comprometida e contínua. Ao reconhecer a
importância da História da África e promover a inclusão de seus estudos no
currículo escolar, estaremos contribuindo para uma sociedade mais justa, igualitária
e consciente de sua diversidade cultural, e sobretudo, estaremos redigindo e
recontando a história como deve ser contada, de forma honesta e imparcial.

Você também pode gostar