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PARTE I

O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO
CAPÍTULO I
O Procedimento Tributário

1. O procedimento tributário

O procedimento tributário aparece definido no art.° 54.°, n.° 1, da


LGT como “toda a sucessão de atos dirigida à declaração dos direi­
tos tributários”1.
Os procedimentos (as formas procedimentais) que aqui relevam
são apenas aqueles que culminam com a emissão de um ato adminis­
trativo produtor de efeitos jurídicos externos, ou seja, estão excluídos
os que apenas se projetam no seio da administração fiscal, os que têm
eficácia meramente interna.
É difícil sistematizar os diferentes tipos de atos conclusivos de
um procedimento tributário. Dificuldade que resulta, desde logo, da
incoerência terminológica do legislador.
Podemos distinguir2, de entre os atos tributários em sentido
amplo3, os atos tributários em sentido estrito (que são os de liquidação

1 “O ato administrativo surge agora não já como meio de juridicizar um poder


preexistente relativamente à lei e apenas por esta limitado, mas como concretização
;• de uma posição jurídica conferida pela própria lei à administração de, num caso
concreto, fixar unilateralmente o direito aplicável (.. .)• Daí a perspetivaçao do ato
administrativo como forma do exercício de posições jurídicas subjetivas no quadro
de uma relação jurídica administrativa” - Pedro M achete , Estado de Direito
p. 41 ss.
Sobre a noção de procedimento (administrativo), desenvolvidamente, João
Carlos L oureiro , O Procedimento Administrativo p. 79 ss.
2 Com Casalta N a bais , Direito Fiscal, p. 376 ss.
3 S aldanha S anches , A Quantificação ..., p. 30 ss.
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de tributos) dos atos em matéria tributária. Estes últimos podem ser em procedimento de liquidação de impostos (e não em procedimento
subdivididos em atos em matéria tributária em sentido estrito (atos contraordenacional). Situação possível de ocorrer, pois permanecem
preparatórios do ato de liquidação impugnáveis quando a lei lhes em vigor diplomas que o preveem.
reconheça autonomia) e atos administrativos em matéria tributária A preterição de uma ou mais formalidades legais essenciais é fun­
(outros atos administrativos relativos a questões tributárias). damento de anulação do ato final do procedimento por vício deforma1.
O procedimento tributário é, assim, um conjunto de atos e for­ Podemos admitir a existência de situações em que deva haver
malidades, relativamente autónomos, organizados sequencialmente, lugar à produção de um ato administrativo, gerador de efeitos jurídi­
dirigidos à produção de um determinado resultado (do qual são ins­ cos externos, sem estar previsto, tipificado, o procedimento que a ele
trumentais), praticados por órgãos de uma administração tributária4. deva conduzir. Valerão então os princípios a que obedece o procedi­
Estamos, pois, perante o que tradicionalmente se designava por mento tributário, os quais conduzirão à observância de um due process
processo administrativo gracioso5. oflaw, capaz de garantir, por um lado, a racionalidade e a eficácia da
A regulamentação legal das principais formas procedimentais é, decisão e, por outro, os direitos e interesses legítimos dos particulares8.
em primeiro lugar, exigência de racionalidade e eficiência na tomada
de decisões. A lei crê que só seguindo os “passos” (a sucessão de for­
malidades, de atos) por ela previstos será possível chegar a uma boa 1.1. A “privatização” do procedimento
decisão (a uma decisão conforme com a lei substantiva).
Por isso, a exigência do cumprimento das formalidades legais é, Tradicionalmente, as tarefas de lançamento (identificação dos
também, uma garantia dos destinatários dos atos conclusivos de tais sujeitos passivos e quantificação da matéria coletável) e liquidação
procedimentos. (aplicação da(s) taxa(s) à matéria coletável e, sendo o caso, deduções à
Assim, uma decisão que não foi precedida de qualquer uma das coleta) incumbiam, em exclusivo, à administração fiscal. A uma admi­
formalidades que a lei prevê que aconteçam no iter que a ela deve con­ nistração fiscal “ativa” contrapunha-se um contribuinte “passivo”. A
duzir será um ato carecido em absoluto de forma legal, um ato nulo6. este cabia apresentar as declarações previstas na lei; à administração
Será, também, o caso de uma decisão proferida em resultado de fiscal incumbia quantificar o rendimento coletável e liquidar o imposto
uma outra forma procedimental que não a que a lei prevê para o efeito, devido, aplicando as pertinentes normas legais.
Hoje a situação é outra: nos principais impostos (como, p. ex.,
quando a forma utilizada não possibilite as mesmas garantias que a que
o IRC e o IVA) acontecem o autolançamento e a autoliquidação, ou
deveria ter sido usada. Exemplo, a aplicação de sanções pecuniárias
seja, não existe um procedimento administrativo anterior à cobrança.
(antes designadas por “multas”, hoje revestindo a natureza de coimas)
Neste sentido, podemos falar de uma privatização da administração
dos impostos9. O mesmo se diga quanto a figuras que conduzem a
4 Diogo Freitas de A m a r a l , Curso ..., p. 2 8 8 ss. pagamentos parcelares de um imposto, cujo exato montante da dívida
3 “Este deve a sua designação ao tipo de tutela que o Estado realizava frente só será apurado posteriormente, como é o caso dos pagamentos por
aos interesses que lhe eram confiados; através dele, o órgão do Estado prestava
um favor, uma «graça» à solicitação do particular peticionante: havia aquilo que
conta e das retenções na fonte sem carácter liberatório.
os jurisconsultos medievais chamavam a «impioratio officii iudicis», a solicitação-
de uma medida ou providência, que não envolvia no entanto uma pretensão contra 7 Diogo Freitas do A m a r a l , Curso..., p. 389 ss.
sujeito determinado” - Alberto X avier , Processo Administrativo Gracioso, p. 142. 8 Lima G uerreiro , Lei Geral Tributária . . p. 249.
6 Jorge de S ousa , C ó d i g o II, p. 337. 9 Casalta N a bais , Direito Fiscal, p. 335.
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A tarefa principal da administração fiscal é, hoje, a de verificar Desdobra-se em dois subprincípios12: precedência de lei e preva­
o cumprimento dos deveres de cooperação e suprir, quando e sempre lência de lei. O princípio da prevalência de lei proíbe à administração
que necessário, uma qualquer prestação insuficiente desses deveres10. pública a prática de atos contrários à lei e implica a invalidade (anula-
Em razão desta evolução, a lei tende a equiparar os atos pratica­ bilidade ou nulidade) dos atos que a contrariem. O princípio da pre­
dos pelos sujeitos passivos a atos da (praticados pela) administração. cedência de lei assegura que a atuação da administração pública seja
Assim, os sujeitos passivos (e outros legítimos interessados) podem lan­ fundada numa lei prévia, significando isto que sem uma norma legal
çar mão dos mesmos meios de garantia (graciosos e contenciosos) que que previamente defina as atribuições públicas e as competências dos
a lei lhes faculta para reagirem contra idênticos atos quando praticados respetivos órgãos, bem como os termos da atuação, a administração
pela administração fiscal. É o que afirma o n.° 2 do art.° 54.° da LGT. pública não tem poderes para agir13.
Como veremos, a “equiparação” entre estas tarefas, quer quando Este princípio aparece, também, concretizado no art.° 3.° do
levadas a cabo pela administração fiscal, quer pelos sujeitos passivos, Código de Procedimento Administrativo: os órgãos da administra­
projeta-se em importantes consequências. Assim, p. ex., o erro come­ ção pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos
tido pelo sujeito passivo na autoliquidação é havido como erro come­ limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade
tido pelos próprios serviços (art.° 78.°, n.° 2 da LGT), o que permite com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos.
a sua revisão oficiosa nas mesmas condições em que esta é possível A questão da obediência à lei pela administração assume con­
relativamente a atos praticados pela administração fiscal. tornos particulares em direito fiscal. No entendimento tradicional do
princípio da tipicidade fiscal, existe uma intensa vinculação da admi­
nistração à lei, pois, em matéria de elementos essenciais do imposto,
2. Princípios do procedimento tributário quem deve decidir é (apenas) o legislador. O princípio da tipicidade
teria por função retirar à administração (e ao juiz) qualquer papel ativo
Os art.° 55.° a 60.° da LGT enumeram princípios a que se submete no respeitante aos elementos essenciais dos impostos, o que teria por
o procedimento tributário. Princípios que são, no geral, comuns a todos consequência que “o direito fiscal viva do dictum do legislador”14.
os procedimentos administrativos. Essa listagem não é exaustiva e inte­ Não cabendo aqui a crítica a este entendimento tradicional do
gra princípios quer de natureza substantiva, quer de natureza adjetiva. princípio da legalidade15, há que colocar a questão seguinte: qual deve
Apenas iremos, agora, referir alguns deles. ser a atitude da administração em casos, naturalmente excecionais, em
que a obediência estrita ao tipo legal de imposto conduza a situações
de manifesta iniquidade?
2.1. Princípio da legalidade
12 Analisaremos oportunamente outras dimensões do princípio da legalidade
O princípio da legalidade, no sentido aqui em causa11, tem con­ da atuação administrativa, como sejam o princípio da verdade material (princípio
sagração constitucional no art° 266.°? n.° 2, da CRP. da investigação) e o princípio da decisão.
13 Jorge M iranda / Rui Medeiros, Constituição.. p. 561. Marcelo Rebelo de
S ousa /André Salgado de Matos. Direito Administrati vo.. p. 157 ss.
10 S alda n ha S anches , A Quantificação p. 3 8 2 . 14 Casalta N a b a is , O Dever F u n d a m e n ta lp. 355.
11 Outro é o do princípio da legalidade na criação dos impostos, consagrado 15 Entre nós, tal análise crítica foi feita por Ana Paula D ourado , na sua obra
no art ° 103 n.° 2 da CRP. —fundamental —O Princípio da Legalidade Fiscal.
14 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 15

Poderá a administração, em nome dos princípios que regem a sua das à contabilidade para documentar custos, “factos que a um espírito
atuação, como sejam os da justiça material e da proporcionalidade, menos avisado e experiente poderiam fazer relevar algum preconceito
desrespeitar a previsão legal, o tipo legal de imposto? social, determinante da não atendibilidade da pretensão do recorrente”16.
A admissibilidade de a administração fiscal adotar medidas de
O STA já entendeu que sim (Ac. de 05-02-2003, rec. n.° equidade (a existência de “válvulas de segurança” do sistema, como
01648/02, de que foi relator Lúcio B arbosa ): Feita a autoliquidação, é, p. ex., o instituto do abuso de direito, no ordenamento civil) está
em sede de IRC, na qual se incluíram indevidamente os encargos com expressamente prevista em outros ordenamentos fiscais, como o ale­
férias e subsídios de férias, referentes a ano não abrangido, pode a AF mão17. A nossa melhor doutrina aponta no mesmo sentido18.
proceder à correção oficiosa, retirando tais custos, de acordo com o prin­ A questão assume cada vez mais relevância prática pela crescente
cípio da especialização dos exercícios. (...) Porém, se já não for possível complexidade das relações económicas, a originar, frequentemente,
ao contribuinte, proceder ele próprio a essa correção (através da respetiva “situações cujo potencial de diferenciação e de individualização não é
revisão do ato), por já ter decorrido o prazo para o fazer, mas dessa corre­ sucetível de ser acompanhado pelo legislador, em termos praticáveis”19
ção [não] resultar benefício para a FP e prejuízo para o contribuinte, não e, também, pela falta de qualidade da nossa legislação fiscal (e outras),
é de proceder, em situações excecionais, a tal correção. que muitas vezes não prevê aquilo que devia e prevê aquilo que não
Na verdade, não havendo qualquer prejuízo para a FP (por todos os devia. Tudo a suscitar a necessidade crescente de interpretações abla-
custos terem sido contabilizados, embora com erro no tocante aos exercí­ tivas e corretivas da lei.
cios respetivos), e tal não resultar de omissões voluntárias ou intencionais,
com vista a operar transferências de resultados entre exercícios, o princí­ 16 Isabel Marques da S ilva, «Da Rua de S. Pedro de Alcântara», p. 176.
pio da especialização de exercícios deve tendencialmente conformar-se e 17 Sirvam de exemplo as seguintes disposições àzAbgabenordnung (tradução
ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com previsão no nossa);
art. 55.° da LGT. § 163 —Liquidação excecional por razões de equidade —O imposto pode ser
liquidado por montante inferior, não sendo considerada matéria coletável de que
resultaria o seu aumento, quando o valor pelo qual deveria ser liquidado resulte,
Idêntica orientação foi perfilhada, no Ac. do STA de 19-05- no caso concreto, em injustiça fiscal. No imposto sobre o rendimento das pessoas
2010, rec. n.° 0214/07, relatado por B randão de P in h o : Ainda que físicas, poderá ser autorizado, com o acordo do sujeito passivo, que factos que
o princípio da justiça tenha o seu campo de aplicação predominante no levem a aumento do imposto sejam considerados em períodos posteriores e que
exercício de poderes discricionários, não é de descartar, ictu oculi, a sua os que levem à redução do imposto sejam tidas em consideração em períodos
aplicação no exercício de poderes vinculados. É o que sucede quando a anteriores. (...)
§ 1 8 4 (2 ) —Os poderes para fixar a matéria coletável dos impostos reais
AF, desconsiderando custos de determinado exercício - faturas falsas incluem a possibilidade de recurso às medidas previstas na primeira parte do § 163,
desconsidera igualmente o concomitante acréscimo de proveitos efetua- sempre que, para tal, existam diretivas fixadas por regulamento administrativo
dos pelo contribuinte no exercício seguinte. Em tal circunstancialismo, geral do governo federal ou da mais alta entidade da administração fiscal de um
deve dar-se proeminência ao princípio da justiça, em dèsvalor do princí­ Estado (...).
pio da legalidade. § 2 2 7 —A administração fiscal pode perdoar parte ou a totalidade de créditos
fiscais, se a sua cobrança, no caso concreto, resultar em injustiça fiscal; nas mesmas
condições, poderão ser devolvidos ou creditados montantes já pagos.
Note-se que neste caso, diferentemente do anterior, não estava em 18 Casalta N abais , O Dever Fundamental..., p. 373 ss.
causa um erro do sujeito passivo, mas a utilização de faturas falsas, leva­ 19 Ibidem, p. 377.
16 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 17

Se os Tribunais, porque órgãos de soberania independentes, tempos que correm, é, as mais das vezes, entendido como significando
“ousam” seguir tal caminho, compreende-se que existam maiores reti­ a maximização das receitas), têm, também, que ser garante da legali­
cências por parte da administração fiscal. Daí a necessidade da consa­ dade da sua própria atuação.
gração de uma cláusula geral que expressamente legitime tais “medidas Neste conflito de deveres, compreende-se que, ao nível dos fac­
de equidade” por parte da administração, até para se evitar que situa­ tos, a regra normalmente seguida seja in dubio profiscum e, ao nível
ções em que a tributação, feita por aplicação mecanicista da lei, resulte da interpretação da lei, sejam “criadas” (por orientações administra­
manifestamente injusta, e, que por falta de “remédio” administrativo, tivas) ou acolhidas as “leituras” mais conformes com os interesses da
tenham, sistematicamente, que dar origem a litígios judiciais. Fazenda. O que origina sistematicamente litígios, doutra forma evitá­
veis. Porque as Administrações Fiscais são constituídas por pessoas,
com legítimas ambições de progresso profissional, entendemos que só
2.2. Princípio da imparcialidade existirão condições objetivas de imparcialidade se, a todos os níveis,
houver uma rígida separação orgânica entre a administração “opera­
São fundamentalmente duas as dimensões do princípio da impar­ tiva” e a da “justiça tributária”22.
cialidade20: garantias de imparcialidade no procedimento —o que é
logrado através da previsão legal de incompatibilidades, impedimen­
tos e suspeições - e garantias de imparcialidade da própria decisão, 2.3. Princípio da proporcionalidade
ou seja, a obrigação de ponderação de todos os interesses envolvidos
e da utilização de critérios objetivamente válidos, expressos na fun­ Este princípio, quando referido à atividade administrativa, surge-
damentação das decisões21. -nos afirmado no art.° 266.°, n.° 2, da CRP. Encontramos numerosos
A administração intervém no procedimento não como parte inte­ afloramentos na legislação ordinária, como sejam o n.° 2 do art° 5.°
ressada (na cobrança), mas como defensora do interesse público no do CPA (as decisões da administração que colidam com direitos sub-
integral cumprimento da legalidade, o que a obriga a um especial dever jetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem
de isenção, nomeadamente a ter em conta todos os factos provados, afetar essas posições em termos adequados e proporcionais aos obje-
mesmo quando contrários aos interesses fazendários. tivos a realizar).
Apenas queremos salientar o “drama” das administrações fiscais No âmbito tributário, temos, p. ex., o art.° 55.° da LGT, o art.° 63.°,
que, tendo por missão principal a cobrança dos tributos (o que, nos n.° 4, do mesmo diploma (relativo ao procedimento de inspeção), o art.°
46.° do CPPT e o art.° 7.° do RCPIT. Existe, ainda, um conjunto de nor­
mas que se mostram como traduções concretas do controlo da propor­
20 Paia maiores desenvolvimentos, José Carlos Vieira de A n d r a d e , A Impar­
cialidade da administração como Princípio Constitucional; Maria Teresa de Melo
cionalidade, de que são exemplos o art.° 51.°, n.° 2, da LGT (providências
R ebeiro, O princípio da Imparcialidade da administração pública; D a v id D uarte , cautelares), o art.° 78.°, n.° 5, do mesmo diploma (tributação exagerada
Procedimentalização, Participação e Fundamentação: para uma concretização e desproporcionada como fundamento para a revisão dos atos tributá­
do princípio da imparcialidade administrativa como parâmetro decisório. rios) e o art.° 199.°, n.° 10, do CPPT (diminuição da garantia prestada
21 Jorge M ira n d a / Rui Medeiros, C o n s titu iç ã o p. 565 ss. No contexto em caso de desproporção entre a mesma e o montante ainda em dívida).
do direito administrativo (em que a problemática é substancialmente diferente da
que ocorre em direito fiscal), Marcelo Rebelo de S ousa /André Salgado de Matos,
Direito Administrativo..., cit., p. 213 ss. 22 P o r t u g a l, Relatório..., p. 594.
18 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 19

A proporcionalidade não é uma mera diretriz genérica a que se ter) maior visibilidade ao nível legislativo. Não podemos ignorar que
encontra submetida a atividade administrativa, é um verdadeiro crité­ a feitura da legislação tributária (talvez melhor, de certos tipos de
rio de escrutínio, de controlo, de tal atividade. A relação entre o Fisco normas) é, muitas vezes, claramente influenciada pela administração
e os contribuintes mais conforme aos valores constitucionais não se fiscal. Daí, também, a existência de normas que tendemos a conside­
logra apenas através da legalidade, é necessária, também, a propor­ rar como violadoras deste princípio, normas que, a pretexto do com­
cionalidade; não basta uma atuação conforme com a lei, exige-se uma bate à evasão fiscal, consagram presunções de prova de que resultam
atuação adequada (proporcional) aos interesses em jogo. para os sujeitos passivos ónus de contraprova de cumprimento pra-
No controlo da proporcionalidade há, segundo a construção clás­ tieamente impossível, normas que estipulem deveres de cooperação
sica do conceito, que recorrer a três elementos: adequação, necessidade especialmente gravosos para os sujeitos passivos considerados como
e proporcionalidade em sentido estrito). integrando “sectores de risco”, etc.
Segundo elemento adequação, uma medida não é aceitável se A efetiva aplicação do controlo da proporcionalidade no plano
não for idónea para atingir o fim a que se propõe. interno (quer quando referido ao plano legislativo, quer ao da ativi­
Assim, p. ex., estando em causa uma ação inspetiva relativa a dade administrativa), apenas apresenta vantagens dado que permite a
determinados exercícios, não pode haver lugar a um pedido de infor­ eliminação de medidas que não se possam sustentar efetivamente no
mações relativas a outros exercícios, salvo se os factos que assim se fim que visam prosseguir (porque não são adequadas, necessárias ou
pretende apurar puderem ter algum reflexo nos exercícios fiscalizados. proporcionais em sentido estrito para essa prossecução), possibilitando
Segundo o critério da necessidade, uma medida não será aceitá­ uma maior racionalização do sistema e a consagração de modelos mais
vel se não for imprescindível para atingir o fim em vista. Se existirem justos de justiça tributária, bem como de normas tributárias mais ade­
várias medidas alternativas para atingir o fim, deve-se fazer um exame quadas às necessidades da sociedade contemporânea23.
comparativo e optar por aquela que seja menos lesiva para o particular.
P. ex., estando em causa o controlo da veracidade de determinada
transação, haverá que solicitar ao sujeito passivo a respetiva documen­ 2.4. Princípio da celeridade
tação comprovativa e só depois, se necessário, se procederá ao controlo
cruzado junto do outro interveniente em tal operação. Este princípio é, normalmente, associado à existência de prazos
A desnecessidade de determinadas exigências, feitas por invoca­ para decisão dos procedimentos, maxime os originados por reclama­
ção do dever de colaboração dos sujeitos passivos, é evidente quando, ções dos contribuintes, cuja inobservância tem como principal con­
p. ex., esteja em causa um pedido de fornecimento de documentos que sequência a formação da presunção de indeferimento tácito, geradora
já estão na posse da administração fiscal ou a que esta poderia facil­ da possibilidade de recurso judicial24.
mente aceder por outras vias.
Finalmente, temos o critério da proporcionalidade em sentido
estrito, segundo o qual a medida não será aceitável quando os incon­ 23 João Félix N ogueira , Direito Fiscal Europeu, O Paradigma da Propor-
venientes introduzidos pela medida superam os benefícios alcança­ cíOTialidade, p. 553.
dos pela mesma. 24 Os prazos que a lei fixa para a conclusão dos procedimentos (tomada de de­
cisão) e/ou para a prática de determinados atos têm, por regra, a natureza de prazos
No domínio do direito tributário, pela sua particular vinculação
ordenadores, pelo que a sua inobservância não gerará um vício procedimental capaz
à lei, a aplicação e o controlo judicial deste último critério terá (deveria de inquinar o decidido. Para além da eventual responsabilização disciplinar dos
20 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 21

Mas não se pode reduzir a tal: são suas dimensões essenciais a 2.5. Princípio da colaboração
desburocratização e a eficiência, princípios de todo o procedimento
administrativo, consagrados no art.° 267.°, n.° 1, da CRP e no art.° 10.° Este princípio, vertido no art.° 59.° da LGT, é, também, um prin­
do Código de Procedimento Administrativo25. cípio geral do procedimento administrativo (cf. art.° 7.° do CPA).
Para além da presunção de indeferimento tácito, existem outras Começa por ser a afirmação de uma determinada visão das rela­
garantias dos contribuintes que decorrem da exigência de celeridade ções jurídico-tributárias: a de uma administração aberta, que atua
da atividade administrativa, como sejam o direito ã caducidade da em diálogo com os cidadãos/contribuintes, e não uma administração
liquidação dos tributos. E é, também, a inação do credor tributário que autoritária, todo-poderosa, que impõe as suas decisões a súbditos. O
justifica o instituto da prescrição. que, para além da tradução de uma (diferente) postura, é condição de
A caducidade do direito à liquidação, regulada no art.° 45.° da eficácia da atuação administrativa, pois que o diálogo é a via mais
LGT, prende-se com uma exigência de segurança jurídica (radica na eficiente para a descoberta da verdade material e, consequentemente,
proteção da “paz pública”26): tem que existir um prazo máximo para para se conseguir a justiça na tributação.
a administração fiscal exprimir a sua pretensão de imposto (para noti­
ficar o contribuinte de uma liquidação).
Este prazo tem vindo a ser progressivamente reduzido, o que 2.5.1. O dever de esclarecimento e informação por parte
bem se compreende, pois que o ritmo da vida dos dias de hoje exige, da administração fiscal
também, maior celeridade à administração fiscal. Porém, tais prazos,
que aceitamos serem razoáveis, deveriam ser, na prática, os “prazos Da parte da administração, o dever de colaboração começa por
máximos” e não os prazos “normais”. Ora, sistematicamente, as ações se traduzir no dever de esclarecimento e informação da generalidade
de inspeção tributária acontecem no limite do prazo de caducidade. dos contribuintes (p. ex., alíneas a), b), m) e n) do n.° 3 do art.° 59.° da
A falta de celeridade da administração na realização da sua atividade LGT), dever que, aliás, decorre diretamente do preceituado no art.°
inspetiva resulta em prejuízo para os cidadãos. Para além da insegu­ 268 ° da CRP
Dever de esclarecimento que é cada vez mais importante: sendo
rança decorrente da possibilidade de vir a ser exigido imposto (ou mais
a lei fiscal progressivamente mais complexa, difícil de interpretar, a
imposto) relativamente a factos há muito passados, há que lembrar
segurança jurídica exige que se conheça antecipadamente qual o enten­
que a uma liquidação adicional acrescerá, normalmente, a exigência
dimento que a administração dela faz; a lei fiscal é, também, cada
de juros compensatórios21.
vez menos típica, recorre cada vez mais a cláusulas gerais e concei­
tos indeterminados, cujo “preenchimento” é feito pela administração,
funcionários que deram azo ao atraso, a ultrapassagem injustificada desses prazos pelo menos num primeiro momento28.
pode constituir o Estado na obrigação de indemnizar os contribuintes afetados. A menor segurança que uma lei fiscal menos densa implica (e,
25 João L oureiro , O Procedimento Administrativo..., p. 123 ss; Júlio Dá recorde-se, hoje são os sujeitos passivos os seus primeiros aplicado-
Mesquita G onçalves, «Desburocratização: em busca de uma administração para
o século XXI».
26 Maria Celeste C ard on a , «Prescrição da obrigação tributária e caducidade
do direito de liquidar o imposto», p. 477. a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da
27 São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito substituição tributária, (art ° 35.°, n.° 1, da LGT).
passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou 28 Ana Paula D o u r a d o , O Princípio da Legalidade.. p. 716 e passim.
22 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 23

res) deve encontrar contrapartida numa maior concretização do dever que o requeira o teor e autoria de denúncias dolosas não confirma­
de esclarecimento por parte da administração fiscal. das (art.° 67.°, n.° 1, al. b) e art.° 70.°, n.° 3, da LGT)32; a de permitir o
acesso a decisões tomadas em outros procedimentos, sempre que em
As alterações legislativas deveriam ser acompanhadas da publicação tal tenham interesse direto, pessoal e legítimo33 34.
de trabalhos preparatórios ou notas justificativas e, sempre que necessá­
rio, da emissão de “instruções” pormenorizadas quanto ao modo como os
sujeitos passivos lhes deverão dar cumprimento. É patente a diferença em 2.5.L1. Orientações genéricas
que nos encontramos relativamente a alguns dos países que, normalmente,
nos servem de referência, onde as administrações fiscais, sistematicamente, As orientações genéricas, emitidas nos termos do art.° 55.° do
elaboram instruções detalhadas sobre aplicação da lei, contendo, muitas CPPT, visam “a uniformização da interpretação e aplicação das nor­
delas, a título ilustrativo, “casos práticos” de aplicação. mas tributárias pelos serviços” 35.
Há, pois, que dar cabal tradução ao dever de esclarecimento que, Tais orientações, além de pretenderem uma maior eficiência admi­
nos termos do art.° 59.°, n.° 3, da LGT, recai sobre a administração fiscal29. nistrativa pela uniformização de procedimentos, visam o tratamento
igualitário dos contribuintes, evitando diferenças resultantes de diver­
Para além do cumprimento do dever de informar, de “forma regu­ gências interpretativas entre diversos órgãos da administração fiscal36.
lar e sistemática”, a generalidade dos contribuintes, a administração
fiscal tem a obrigação legal de assistir os interessados em esclarecer iguais?» (sobre o “interesse legítimo” enquanto pressuposto do direito à informação
procedimental); Raquel C arvalho , «Restrição ilegítima do direito à informação
quaisquer aspetos da sua situação tributária (art.° 59.°, n.° 3, al. c) da procedimental» (sobre a obrigação do pagamento de taxas de valor elevado como
LGT). Concretizações deste dever de esclarecimento e informação condição do exercício do direito à informação procedimental).
individuais são, ainda, a obrigação que impende sobre a administração 32 Comunicação que, obviamente, só poderá ter lugar findos os procedimentos
fiscal de, em 10 dias, informar, por escrito, o interessado que o haja (de liquidação e de contraordenação) originados pela denúncia, pois só então se poderá
requerido sobre a fase em que se encontra determinado procedimento concluir pela seu carácter infundado. O interesse em conhecer a identidade do autor
e a data da sua previsível conclusão (art° 67.°, n.° 1, al. a) da LGT30- da denúncia resultará, p. ex., da intenção de o processar, criminal ou civilmente.
33 O cumprimento deste dever tem que ser conciliado com as exigências do
dever de informação procedimental31); a de comunicar ao interessado sigilo tributário.
Assim, p. ex., o n.° 4 do art.° 56.° do CPPT determina que os legitimamente
29 P o r t u g a l, Relatório..., p. 191. interessados em conhecer despachos, contendo orientações genéricas, proferidos em
30 Um dever que, como sabemos de experiência, é sistematicamente incum- outros procedimentos, os receberão “expurgados dos elementos de carácter pessoal”.
prido, sendo que a reação judicial é relativamente ineficaz (em razão da demora 34 Algumas sugestões concretas para melhoria do cumprimento do dever de
processual), como o é também, normalmente, a possível sanção disciplinar. esclarecimento por parte da AT são avançadas em P ortugal, Relatório..., p. 605 ss.
31 Desenvolvidamente, Raquel C arvalho, O Direito à Informação Adminis­ 35 Orientações genéricas são atos do poder de direção típico da relação de
trativa Procedimental. Em comentário a decisões judiciais, José Manuel Sérvulo hierarquia administrativa, os quais dão a faculdade de emanar circulares interpreta-
C orreia , «O direito dos interessados à informação: ubi ius, ibi remedium» (con­ tivas, ou seja, instruções gerais, vinculativas, dirigidas aos órgãos da administração
cluindo pela afirmativa relativamente à questão de saber se a ação de intimação para tributária, funcionários e agentes subalternos, acerca do sentido em que devem -
a consulta de documentos ou passagem de certidões pode ser utilizada para efetivar mediante interpretação ou integração - entender-se as normas e princípios jurídicos
o direito dos particulares a serem informados sobre o andamento dos procedimentos que, no âmbito do exercício das suas funções, lhes caiba aplicar (Ac. do STA de
em que sejam diretamente interessados); Catarina Sarmento e C astro , «Direito à 31-05-2006, rec. n.° 026622, relator A lmeida L opes).
informação procedimental: os interesses e os interessados: todos diferentes, todos ; 36 Sobre a situação atual, cf. P ortugal , Relatório. . p. 593 ss.
24 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 25

Na perspetiva dos sujeitos passivos, são uma forma de esclareci­ Daí o disposto no art.° 56.° do CPPT: as administrações fiscais
mento (pois permitem conhecer a interpretação que a administração (pelo menos, a DGCI)42 têm que organizar uma base de dados con­
faz da lei) e uma garantia, porquanto, nos termos do art° 68.°-A, n.° 1, tendo as suas instruções genéricas, permanentemente atualizada (o
da LGT, a administração fiscal está vinculada às orientações genéri­ atraso será, no máximo, de 30 dias, por força do disposto no art.° 59.°,
cas que emitiu37. n.° 3, al. b) da LGT), acessível aos contribuintes. Em ordem a vencer
Significa isto que mesmo que a administração fiscal tenha revisto a resistência da administração fiscal em ficar vinculada à sua própria
a sua interpretação da lei, revogando uma orientação genérica e subs- “doutrina”, a lei veio obrigar à conversão em orientações genéricas
tituindo-a por outra, não pode fazer valer retroativamente a sua nova dos entendimentos sobre questões de direito relevantes que hajam sido
posição, quando desfavorável ao sujeito passivo38. Este mantém o direito sufragados em três casos concretos ou que previsivelmente o venham
de ser tributado de acordo com o que era o entendimento administrativo a ser (art.° 68.°-A, n.° 3, da LGT). Pretendeu-se assim pôr fim à prá­
ao tempo da ocorrência do facto gerador39. A proteção da confiança, a tica de fazer constar tais “entendimentos” de outro tipo de documen­
crença na boa-fé da administração, prevalece sobre o princípio da lega­ tos (ofícios-circulados, despachos, etc.), não sujeitos a publicitação
lidade (que implicaria que, também nesse caso concreto, fosse feita a obrigatória e, no entender da administração, sem eficácia vinculativa.
melhor interpretação da lei) e, até, sobre o princípio da igualdade (do O dever de informação obriga, ainda, a administração a facul­
tratamento igual de todos os contribuintes, perante uma mesma lei). tar aos legitimamente interessados, a requerimento destes, quaisquer
Não vinculando tais orientações genéricas os contribuintes, mas despachos contendo “orientações” de interesse para o caso concreto
apenas os serviços40, podem aqueles atacá-las judicialmente, quando (especialmente, as que não se encontrem publicadas - art.° 56.°, n.° 3
da sua invocação em casos concretos41. a 5, do CPPT)43.
O conhecimento das orientações genéricas, é, porém, essencial
para os contribuintes: embora não lhes devam obediência, são um ins­ 42 Muito recentemente, o Decreto-Lei n.° 118/2011, de 15 de Dezembro, proce­
trumento garantístico e permitem prevenir litígios. deu à fusão da DGCI e da DGAIEC (Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos
: Especiais sobre o Consumo) e, ainda, da DGITA (Direção-Geral de Informática e
37 Cada administração fiscal, como explicita o art.° 55.°, n.° 3 do CPPT. Na Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros) numa única entidade, a Administração
verdade, uma determinada administração fiscal não tem competência para impor Tributária e Aduaneira (AT).
diretivas a outras administrações fiscais (não existe uma relação de hierarquia que Apesar de tal diploma expressamente prever que “as referências feitas em
o legitime - cf. o n.° 1 do art.° 55.®do CPPT), mesmo estando em causa a interpre­ quaisquer leis ou documentos à DGCI, à DGAIEC e à DGITA consideram-se como
tação de uma mesma norma. feitas à AT”, entendemos ser de manter, para já, as anteriores denominações, não
38 Resultando a nova interpretação administrativa da lei mais favorável ao só porque não são (continuam a não ser) coincidentes muitas das questões anali­
contribuinte, há que a aplicar, porque, supostamente, esta será a interpretação mais sadas consoante estejam em causa tributos cuja administração antes pertencia a
correta, não havendo, então, quaisquer expectativas daquele a serem protegidas. cada uma das primeiras direções gerais referidas, mas especialmente porque não
39 Sob pena de violação de lei e consequente anulabilidade do ato. serão imediatos os reflexos de uma tal fusão, ao nível procedimental e processual.
40 Desenvolvem a sua eficácia apenas na ordem interna da administração 43 O n.° 5 do art.° 56.° do CPPT, que estende esta obrigação a “quaisquer in­
de onde provêm. Não são fontes de direito, quando muito revestirão a natureza de formações ou pareceres que a administração fiscal invoque no procedimento (...)
regulamentos internos. Cf. Alberto X avier , M a n u a l p. 141 ss. para fundamentar sua posição”, pode resultar em fator de insegurança, quando
41 Assim, p. ex. Ac. do STA de 05-01.2012, rec. n.° 1011/11, relator António compaginado com o que dispõe o art.° 37.°, n.° 1, do mesmo Código.
Calhau. Se a administração invocou, para fundamentar a sua posição, uma deter­
Diferentemente entende João Taborda da G a m a em «Tendo surgido dúvidas minada informação ou parecer que não consta da notificação, estaremos perante
sobre o valor das circulares e outras orientações genéricas». iima notificação insuficiente, o que faculta ao interessado, nos termos da última
26 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 27

2.5,12. Outras informações nistração tem determinado entendimento de uma norma tributária, o
qual, de forma reiterada, sempre comunicou a todos os interessados; e
No tocante a outras “informações”, parece ter sido intuito do que esse entendimento (as consequências fiscais dele decorrentes) foi
legislador afastar o seu carácter vinculativo. determinante da atuação dos sujeitos passivos (foi por o terem como
Não será necessariamente assim: tudo dependerá do grau de con­ seguro que eles decidiram incorrer no facto gerador do tributo). Podem
fiança presente em cada caso, da forma como a atuação do particular os sujeitos passivos ser chamados a pagar mais tributo por, posterior­
foi determinada pelo teor de uma informação, ainda que não formal­ mente, esse entendimento administrativo ter sido considerado erró­
mente vinculativa. neo? Entendemos que não, aplicando analogicamente o disposto no
Assim, entendemos que o princípio da proteção da confiança'44 n.° 2 do art.° 68.°-A da LGT.
vale, com as consequências referidas, também naquelas situações em
que a atuação do contribuinte foi determinada pelo conhecimento de
uma “jurisprudência administrativa” firme, pela existência de decisões 2.5.1.3. Dever de esclarecimento
uniformes, tomadas a propósito de casos concretos (relativos a outros
sujeitos passivos), ainda que nunca vazadas numa orientação genérica45. Existe, também, o dever de esclarecimento a propósito de casos
concretos: para além da informação vinculativa, que analisaremos
posteriormente, temos a assistência necessária no cumprimento dos
É, pois, correta a doutrina46 do Ac. d o STA de 28-01-2009,
deveres acessórios, prevista no art.° 59.°, n.° 3, al. c), da LGT, a qual nos
rec. n.° 0699/08, de que fo i relator M ir a n d a P a c h e c o : no con­
aparece referida, com maior desenvolvimento, no art.° 48.° do CPPT.
fronto entre os princípios da legalidade e da boa-fé deve ser ponderada
O cumprimento deste dever de assistência acontecerá de formas
cada situação em concreto por form a a poder concluir-se se d a prevalên­
diferentes: a resposta a consultas formuladas oralmente nos próprios
cia do prim eiro, em sentido estrito, resulta um a flagrante injustiça para o
serviços, a existência de funcionários incumbidos do acompanhamento
contribuinte, acarretando-lhe um desproporcionado e intolerável prejuízo.
règular de certos contribuintes (p. ex., os de maior dimensão), o site
da DGCI, a prestação de informações por correio electrónico, etc.
Este tipo de situações pode, aliás, colocar-se a propósito de infor­ Quanto à vinculação da administração às respostas a consultas
mações orais : imaginemos (o exemplo é real) que uma dada admi­ individuais, remetemos para o que dissemos no ponto anterior, ape­
nas acrescentando que o contribuinte deve estar consciente do facto
das normas indicadas, a possibilidade de requerer a notificação dos elementos em de o funcionário que lhe presta informações não ter competência para
falta, suspendendo-se a contagem dos prazos para acionar os meios de garantia.
vincular os serviços. De todo o modo, a boa-fé aconselha que o inte-
Ora, tal efeito suspensivo não está previsto no art.° 56.°, n.° 5, pelo que a sua
aplicação deverá circunscrever-se aos casos em que o conhecimento da informação
ressado seja expressamente alertado para o carácter não vinculativo
ou parecer em causa não possa ser reputado de essencial para a organização da dás informações que lhe são prestadas.
defesa do interessado.
44 Infra, n.° 2.6, Princípio daboa-fé (proteção da confiança).
45 Acresce que a obrigação de vazar os seus entendimentos uniformes em 2.5.2. O dever de colaboração dos sujeitos passivos
orientações genéricas só existe para a administração fiscal estadual e não para as
demais administrações fiscais.
46 Louvamos a doutrina afirmada, sem qualquer apreciação da decisão do
O dever de colaboração dos sujeitos passivos (e não dos contri-
caso concreto. bpintes, como diz o art.° 59.°, n.° 4, da LGT) compreende, em primeiro
28 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 29

lugar, o cumprimento das obrigações acessórias, hoje chamadas deveres As consequências do não cumprimento deste “dever” de esclare­
de cooperação, entendidas como um conjunto de deveres de compor­ cimento dependerão do caso concreto.
tamento resultantes de obrigações que têm por objeto prestações de Exemplos: se o contribuinte não esclarecer determinados custos
facto de conteúdo não diretamente pecuniário, com o objetivo de per­ ou gastos que figuram na sua contabilidade, havendo dúvidas sobre a
mitir à administração a investigação e determinação dos factos fiscal­ sua razão de ser, o provável será não serem considerados como indis­
mente relevantes47. Tais obrigações são da mais variada índole, desde pensáveis e, portanto, não aceite a sua dedutibilidade fiscal49; se o con­
logo declarativas48. tribuinte não esclarecer a origem das suas manifestações de fortuna,
A importância de tais obrigações é tal (a sua omissão ou cumpri­ será tributado pelo rendimento padrão (por um rendimento presumido),
mento defeituoso traduzem-se, muitas vezes, na ocultação ou dissimu­ nos termos do art.° 89.°-A da LGT; o retardamento na prestação de
lação dos factos geradores de imposto, ou seja, em evasão fiscal) que informações necessárias a uma correta liquidação poderá originar a
o incumprimento é punido a título de contraordenação ou, mesmo, de exigibilidade de juros compensatórios.
crime, consequências muito mais severas que as resultantes do não O dever de “esclarecer as suas relações económicas” com tercei­
cumprimento da obrigação principal (pagamento do tributo). ros visa permitir um controlo cruzado das declarações deste.
Para além dos deveres de cooperação/obrigações acessórias tipi­ Há limites ao dever de colaboração por parte dos sujeitos passi­
ficados na lei, o dever de colaboração dos sujeitos passivos abrange, vos: em primeiro lugar, os decorrentes do princípio da proporcionali­
também, a prestação dos esclarecimentos que esta [a administração fiscal] lhes dade : o esforço, o custo, exigido ao sujeito passivo deve ser adequado
solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económi­ à relevância da informação que se pretende obter, e em qualquer caso,
cas que mantenham com terceiros (art.° 59.°, n.° 4, da LGT). não deve ser excessivamente oneroso. Não devem ser solicitados docu­
O dever de esclarecimento da sua própria situação tributária mentos ou outras informações de que a administração fiscal já dispõe
assume, a maioria das vezes, a natureza mais de um ónus do que a de ou está em condições de obter mais facilmente por outras vias, etc.
cumprimento de uma obrigação. O sujeito passivo terá, em princípio,
interesse em colaborar no esclarecimento da sua situação. Daí que
exista o dever, por parte da administração, de o notificar para escla­ 2.5.21. Recusa legitima de colaboração
recimento de dúvidas. Ou seja, podemos mesmo falar de um direito
a prestar esclarecimentos. ; Existem circunstâncias em que é lícito ao contribuinte recusar
colaborar com a administração fiscal, por tal implicar a violação de
Assim, por exemplo, sofrerá do vício de violação de lei, o ato que direitos legalmente protegidos. Será o caso das situações previstas no
indefere o pedido do requerente, com o fundamento em “deficiente ins­ n.° 5 do art.° 63.° da LGT.
trução do processo” antes daquele ser notificado para juntar os elemen­ ' Indo para além da obrigação geral de respeito pelos direitos fun­
tos necessários à completa instrução do procedimento. (Ac. do STA de damentais, temos, p. ex., que o dever de colaboração não pode obrigar
17-03-94, rec. n.° 031659). à^revelação de factos relativos à vida íntima dos cidadãos50 nem per-

• • 49 Rui Duarte M orais , Apontamentos ao IRC, p. 88 ss.


47 Saldanha S anches , A Quantificação..., p. 71 { .tó,- : O que nos parece ser limitativo, p. ex., de ações inspetivas dirigidas à compro­
48 Casalta N a bais , Direito Fiscal, p. 240 ss. vação de situações de união ou de separação de facto declaradas para efeitos de IRS.
30 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 31

mitir o acesso à habitação51, salvo em caso de consentimento expresso (fiscal ou outro). Na realidade, o dever de colaboração com a admi­
dos interessados. nistração fiscal não pode resultar em violação do direito ao silêncio,
Temos, ainda, os limites impostos pelo respeito pelo segredo pro­ o direito à não autoincriminação. Na síntese de G e rm a n o M arques
fissional52 e outros semelhantes, pelo sigilo bancário53, os quais são, da S ilva 57, a obrigação de colaboração cinge-se aos documentos cuja
por princípio54, disponíveis, ou seja, renunciáveis pelo interessado, existência constitui dever acessório do contribuinte, valendo a garan­
e passíveis de derrogação por decisão judicial ou, em certos casos, tia de não autoincriminação tanto para os documentos não obrigató­
administrativa. rios como para as declarações pessoais.
Estando em causa uma troca de informação a nível internacio­
nal, haverá que atentar na eventual existência de “limites” adicionais,
previstos na convenção ou outro instrumento de direito internacional 2.6. Princípio da boa-fé (proteção da confiança)
ao abrigo do qual tal assistência mútua aconteça55.
Por último, uma breve referência a uma questão a que só agora a O princípio da boa-fé, porque é estruturante de todo o sistema
nossa doutrina passou a dar a devida importância56: a legitimidade da jurídico, conhece inúmeros afloramentos, podendo afirmar-se que con­
recusa de colaboração com a administração fiscal quando esteja em teúdo de uma decisão administrativa deve ser sempre moldado pela
causa a revelação de factos que possam integrar a hipótese de um crime boa-fé58.
Este princípio reveste natureza constitucional na sua dimensão
de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem
51 Infra, n.° 29, Procedimento de inspeção.
52 Colocam-se hoje questões complexas sobre a compatibilização do tradicio­
jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza
nal entendimento do segredo profissional com novas realidades e exigências, como e segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a estas são
a prevenção e o combate ao branqueamento de capitais (os quais podem assumir, juridicamente criadas. Por isso, a normação que, por sua natureza,
também, uma dimensão tributária, na medida em que as informações assim obtidas obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva aque­
possam ser utilizadas para fins tributários) e a prevenção e o combate a formas de les mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e
planeamento fiscal abusivo. Vd., Augusto Lopes C ardoso , «A delicadeza do segre­
do profissional na advocacia e a luta contra o branqueamento de capitais da EU».
o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do estado de
53 Infra, n.° 32, Procedimento de acesso a informações bancárias. direito democrático, terá que ser entendida como não consentida pela
54 Como segredo absoluto (não renunciável nem passível de derrogação) temos lei básica.
o segredo de confissão ou segredo religioso. Assim, p. ex., foi à luz deste princípio que, em vários acórdãos
55 Sobre estes limites à troca de informações, desenvolvidamente, Maria do Tribunal Constitucional, foram analisadas leis fiscais retroativas,
Odete O liveira , O Intercâmbio Comunitário..., p. 320 ss. sendo que as respostas foram diferentes consoante a concreta situação,
56 Liliana da Silva Sá, «O dever de cooperação do contribuinte versus o direito
à não auto-incriminação» e ; Augusto Silva DiAs/Vânia Costa Ramos, O Direito
pois a linha de orientação acolhida foi que a proteção da confiança dos
à não auto-inculpação (nemo tenetur se ipsum accusare) no processo penal e cidadãos, ainda que sendo elemento básico do princípio do Estado de
contraordenacionalportuguês-, Catarina A nastácio , «O dever de colaboração nos «direito, não constitui um dever que deva ser garantido de forma abso-
processos de contra-ordenação por infração às regras de defesa da concorrência
e o princípio nemo tenetur se ipsum accusare»', Joaquim Brigas G onçalves, «O
conflito entre o dever de cooperação do obrigado fiscal e o direito à não inculpação -7 Germano Marques da S ilva, Direito Penal Tributário, p. 178.
do arguido»; Lúcia R. H enriques, «O uso das provas recolhidas na fase de inspeção 58 Desenvolvidamente, Pedro Moniz L opes , Princípio da Boa-fé e Decisão
tributária no processo penal». Administrativa.
32 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 33

luta, antes deve ceder face a outras exigências que se sobreponham inscritos na sua contabilidade, regularmente organizada (art.° 75.°,n.°
aos da proteção dos direitos e expectativas dos cidadãos59. 1, da LGT), salvo havendo norma (presunção legal) em contrário64.
A invocação do princípio da tutela da confiança permite, ainda,
decidir contra lei expressa: p. ex., como decidiu também o STA, há
que desconsiderar os prazos legais de caducidade de direito à ação se 2.7. Princípio da participação
o recorrente agiu confiado na indicação constante de uma notificação,
na qual era indicado um prazo mais dilatado60. Intimamente ligado à ideia de colaboração entre a administração
No estrito âmbito procedimental, o princípio constitucional da e os administrados, temos o principio da participação.
proteção da confiança “impõe aos órgãos da administração a obser­ A participação dos cidadãos na formação das decisões adminis­
vância do princípio da legalidade, mas não confere aos cidadãos qual­ trativas que lhes dizem respeito é uma exigência constitucional (art.°
quer direito à manutenção de uma prática da administração que esta 267°, n.° 5, da CRP).
reputa como ilegal”61, salvo se se tiver a ela vinculado através de uma No dizer de Vasco P er eir a da S ilva65, a participação dos privados
orientação genérica ou uma informação vinculativa62. no procedimento surge, cada vez mais, como o contraponto da maior
A boa-fé surge-nos afirmada, no n.° 2 do art.° 59 da LGT, como liberdade decisória da administração, decorrente do crescimento e da
uma regra de conduta que obriga e, supostamente, é seguida por ambas coraplexificação das tarefas administrativas. Perante uma administra­
as partes, administração e contribuintes. ção que não cessa de crescer em termos de intervenção e de autono­
A presunção de que os contribuintes atuam de boa-fé tem impor­ mia, o incremento da participação dos privados na tomada de decisões
tantes consequências, pois dela resulta a vigência do princípio in dubio administrativas representa uma importante forma de controlo e de
contra fiscum, ou seja, existindo dúvida sobre os factos63 (sobre a exis­ limitação do poder administrativo. Tal participação, ao permitir uma
tência e quantificação do facto tributário), essa dúvida deve ser valorada melhor ponderação dos seus interesses, permite a melhoria da quali­
a favor do contribuinte, conduzindo à anulação do ato impugnado. O dade das decisões administrativas e a sua mais fácil aceitação pelos
mesmo é dizer que cabe à administração o ónus da prova da falsidade destinatários. Pelo que a participação no procedimento constitui um
das declarações dos contribuintes, bem como dos dados e apuramentos importante fator de legitimação e de democraticidade da atuação da
administração pública.
• V '. \

59 Ver, por todos, o Ac. n.° 11/83. " 2.7.1. Audição prévia
60 Ac. do STA de 17-05-2000, rec. n.° 024382, comentado por Isabel Marques
í S Ã í ' -- -
da S ilva em «Dever de correta notificação dos meios de defesa ao dispor dos
À audição prévia, expressão maior da participação dos contri-
contribuintes, boa-fé e proteção da confiança».
61 Ac. do STA de 03-02-1999, rec. n.° 023137. uintes na formação das decisões administrativas, assume, em direito
62 Nestes casos, a tutela da confiança (nas informações prestadas pela , essencialmente uma função garantística.
administração) prevalece mesmo sobre a legalidade (sobre a mais correta aplicação
da lei). ; 64 Para mais desenvolvimentos, Amelia G onzález M é n dez , Buena Fe y
63 Salientando ser o verdadeiro sentido e alcance deste brocardo não o de uma Jerecho Tributário.
regra de interpretação —como abusivamente se pôde pensar —mas o de uma regra stJÉ*65 Vasco Pereira da S ilva , Em Busca do Acto Administrativo Perdido,
de decisão sobre facto incerto, Alberto X avier, M anual... p. 172. ' '"1 ss.
34 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 35

Mais do que uma colaboração constitutiva na determinação do a) Audição antes da liquidação


interesse público concreto, visando garantir a objetividade do proce­
Temos, em primeiro lugar, os casos de autoliquidação. Nestas situ­
dimento, está em causa a descoberta da verdade material e a defesa
ações, não havendo qualquer intervenção administrativa (pois que o
antecipada dos direitos (o que corresponde mais à ideia de um con­
imposto é apurado pelo próprio sujeito passivo), nem sequer se coloca
traditório do que à de uma participação funcional)66.
a questão da audição.
O que se compreende: os procedimentos em questão (aqueles Outra situação, no essencial semelhante, é a da liquidação admi­
em que é obrigatória a audiência prévia dos interessados) são, ape­ nistrativa feita com base, exclusivamente, na declaração do sujeito
nas, os que, presumivelmente, irão desembocar em atos desfavoráveis passivo. A intervenção administrativa reduz-se, na maior parte destes
aos sujeitos passivos67. E não se trata de concretizar qual o interesse casos, ao processamento informático dos dados declarados. Também
público relevante no caso, uma vez que, diferentemente do que sucede aqui não se justifica a audição prévia.
em relação à atividade administrativa em geral, ele resulta diretamente Temos, por outro lado, a liquidação administrativa propriamente
da lei, por força da tipicidade da norma fiscal e da estrita vinculação dita (aquela em que há lugar a uma quantificação administrativa da
da atividade da administração ao que ela prevê. matéria coletável), a qual é, hoje, excecional, podendo resultar de dois
A participação do destinatário é condição essencial para o apura­ tipos de situações:
mento da verdade material, para, se possível, prevenir o litígio resul­ - O sujeito passivo não entregou a declaração a que estava obri­
tante de uma errónea determinação dos factos ou aplicação da lei68. O gado. Então, os serviços procederão a uma liquidação oficiosa,
que, diga-se, é frequente, dado o fenómeno da tributação em massa: tendo por base os elementos conhecidos relativos a esse sujeito
a lei está pensada para os casos “normais”, a sua aplicação tende a passivo, nomeadamente os dados relativos a anos anteriores ou,
ser feita de forma estandardizada, pelo que mais se justifica que seja ;V mesmo, valores mínimos fixados por lei (cf., p. ex., art.° 90.°,
facultada ao interessado a oportunidade de dar a conhecer eventuais n.° 1, al. b) e c) do CIRC, art.° 76.°, n.° 1, al. b) e c) do CIRS e
elementos diferenciadores que ocorram na situação concreta. v art.° 88.° do Cl VA).
K,v Estas liquidações têm, necessariamente, uma fundamentação
extremamente frágil, parecendo-nos que o seu objetivo prin-
2.7.L1. Quando tem lugar i :; cipal é o de colocar o sujeito passivo na situação de devedor,
impedindo a ocorrência da caducidade do direito à liquidação.
A primeira questão é saber quando deve ter lugar a audição pré­ : y Normalmente, haverá, no decurso de tal prazo de caducidade,
via. O art.° 60.° da LGT enumera os casos em que deve acontecer69: p^-x:\ lugar a uma ação inspetiva, da qual resultará a reforma da liqui-
í dação administrativa inicialmente efetuada, que será substitu­
ída por outra, baseada nos factos apurados em tal inspeção.
66 Pedro M achete , «A audição prévia do contribuinte», p. 310. i —Noutros casos, o sujeito passivo apresentou a declaração a que
67 Saldanha S a n c h e s , / João Taborda da Gama, «Audição, participação, estava obrigado, tendo o imposto sido liquidado (pelo próprio
fundamentação: a co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária», ou pela administração, consoante os casos) com base nos valo­
p. 275 ss. res declarados. Mais tarde, em sede de fiscalização, conclui-se
68 Ibidem, p. 276 ss. que a declaração não pode ser aceite, por - no entendimento
69 Desenvolvidamente, Daniel Geraldo T abo r da , «O direito de audição no da administração - enfermar de vícios factuais ou erros de
procedimento tributário».
36 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 37

direito, de onde resulta ser o imposto liquidado inferior ao pelo recorrente. [A preterição de tal formalidade] conduz à anulação da
devido. Haverá então, lugar, por iniciativa da administração, a respetiva decisão de indeferimento do recurso hierárquico (Ac. do STA
uma liquidação adicional, complementar da anterior. de 15-10-2008, rec. n.° 0542/08, relator M ira n d a de P acheco ).
O direito de audição, consideradas as razões subjacentes à sua
consagração legal, assume, pois, plenajustificação relativamente Aceitemos estas razões. Mas, mais uma vez, a distinção deverá ser
à generalidade das liquidações de iniciativa administrativa. feita entre decisões confirmatórias (que nada acrescentam à anterior,
que se limitam a reafirmar a sua validade jurídica) e decisões que, em
b) Audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, alguma medida (não só quanto ao conteúdo da decisão mas, também,
reclamações, recursos ou petições quanto à razão de decidir) sejam inovatórias. Sempre que haja uma
A lei apenas prevê que a audição prévia aconteça quando se pro- “nova decisão”, em alguma medida desfavorável ao interessado, terá
jete tomar uma decisão desfavorável ao sujeito passivo, ou seja, quando que haver lugar ao convite para o exercício do direito à audição prévia.
não se entenda pelo acolhimento total da sua pretensão, o que bem se
compreende, pois só então existirá divergência. c) Audição antes da revogação de qualquer benefício ou ato
A audição prévia deve ter lugar sempre que haja o dever legal de administrativo em matéria fiscal
decidir, independentemente de qual a concreta pretensão. : Nenhuma dúvida parece existir quanto à necessidade de o inte­
Questão debatida é saber se a audição prévia é obrigatória nos ressado ser ouvido antes da revogação de um benefício fiscal, pois que
chamados procedimentos de segundo grau, como sejam os recursos tal decisão lhe é desfavorável e, ainda, porque implica um juízo, fac-
hierárquicos, quando a decisão que se pretende tomar seja meramente tual e legal, sobre a ilegalidade da sua concessão ou sobre o incumpri­
confirmativa da anterior, quer quanto aos factos, quer quanto à sua mento, pelo beneficiário, das condições que foram seu pressuposto70
fundamentação jurídica. Quanto aos (demais) atos administrativos em matéria tributária,
Dir-se-á que tal audição é inútil, uma vez que o interessado já teve estão em causa atos conclusivos de outros procedimentos administra­
oportunidade de se pronunciar sobre os elementos relevantes para a tivos, que não o de liquidação, que possam culminar numa decisão
decisão (a própria petição de reclamação ou recurso constituiu opor­ desfavorável ao interessado. Caberão aqui, desde logo, os atos que não
tunidade para ele expressar as razões da sua discordância com a deci­ reconheçam um benefício fiscal, os que indefiram requerimento nesse
são anterior). sentido, apresentado nos termos do art.° 65.° do CPPT.
A jurisprudência do STA parece ter subjacente a ideia de que a : A decisão de reversão (um ato administrativo em matéria tribu-
audição do interessado antes da confirmação do anteriormente deci­ í;|ária) é, necessariamente, precedida de audição prévia do responsável
dido só se impõe quando a decisão projetada não seja integralmente ^subsidiário (art,° 23.® n.° 4, da LGT), a qual assume particular relevân-
confirmativa da decisão anterior.

A audição do contribuinte antes da decisão de reclamação graciosa


(...) não afasta o direito de ser ouvido no sequente procedimento de 2° grau 70 Art.° 4.°, n.° 4, do Estatuto dos Benefícios Fiscais {extinção dos benefícios
: fbçais): o ato administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável (...)
despoletado pela interposição de recurso hierárquico, nomeadamente, no
:'salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas,
caso de na decisão de indeferimento desse recurso ter sido utilizado pela ,ouseo beneficio tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele ato pode
administração tributária argumento jurídico novo até então desconhecido ::ser revogado.
38 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 39

cia por ser a primeira oportunidade que ele tem de questionar a verifi­ que o declarado não corresponde à realidade e que não é possível a
cação dos pressupostos da sua responsabilidade tributária73. sua correção direta (por contraprova).
A lei prevê, ainda, algumas hipóteses especiais de exercício do Ora, no regime simplificado, os rendimentos ou proveitos são
direito de audição prévia, como, p. ex., quando esteja em causa a apli­ determinados com base na declaração do sujeito passivo e os custos
cação de normas antiabuso72, em que o respetivo prazo é mais lato ou gastos por aplicação de coeficientes, legalmente estabelecidos. Até
(art.° 63.°, n.° 5, do CPPT). porque este regime é opcional (os sujeitos passivos podem optar por
ser tributados com base no rendimento apurado com base em contabi­
d) Audição antes da decisão de aplicação de métodos indiretos lidade organizada, caso em que serão considerados todos os custos ou
gastos, fiscalmente dedutíveis, em que hajam efetivamente incorrido),
A temática da avaliação indireta e dos meios de garantia ao
podemos dizer que, também nestas situações, a liquidação é efetuada
dispor dos sujeitos passivos quando ela tenha lugar será abordada com base na declaração do contribuinte, pelo que não se justifica que
posteriormente73.
este seja previamente ouvido. Seria uma formalidade inútil e pouco
Apenas notaremos que, entre os casos de avaliação indireta que coerente com um regime que se quer verdadeiramente simplificado.
a lei enumera (art.° 87.° da LGT), se encontra o regime simplificado Nos demais casos de avaliação indireta, a audição prévia tem
de tributação (que, atualmente, passou a ser aplicável apenas a sujei­
toda a justificação. Estamos perante situações potencialmente litigio­
tos passivos de IRS que aufiram rendimentos empresariais). O que é sas, em que os contribuintes, sistematicamente, pretendem discutir se
substancialmente correto, dado que este regime, tal como acontece nas se verificam os pressupostos que permitem que a administração lhes
demais formas de avaliação indireta, se caracteriza por uma determi­ fixe uma matéria coletável mais elevada que a que declararam; e/ou,
nação presuntiva do rendimento74. quando o valor do rendimento presumido não decorre diretamente da
Só que existe uma diferença essencial entre o regime simplifi­ lei, discutirem o valor fixado pela administração fiscal. Importa pois
cado e os demais casos de tributação indireta. O regime simplificado que, antes de decidir por uma medida que, as mais das vezes, é espe­
de tributação é um regime regra, uma forma de avaliação objetiva do cialmente gravosa, a administração esteja ciente da versão dos factos
rendimento a que poderão ficar sujeitos, ab initio, determinados sujei­ e dos demais argumentos do contribuinte.
tos passivos. Diferentemente, as demais formas de tributação indireta A decisão de fixação do rendimento por métodos indiretos pode
têm natureza corretiva e supletiva, só podem ter lugar quando seja feita •resultar de um “cruzamento” de informação de que a administração
a prova (direta, ou de um indício, se existir uma presunção legal) de fiscal dispõe (de um “controlo interno”). Assim, p. ex., será pelo con­
fronto entre os dados constantes de uma escritura de aquisição de
71 São numerosíssimos os casos de projetos de decisão de reversão manifesta­ lím imóvel (fornecidos, oficiosamente, pelo notário) e a declaração
mente infundados, p. ex., por a qualidade de gerente/administrador que é imputada sujeito passivo para efeitos de imposto sobre o rendimento que se
a alguém resultar de informações (v.g., de inscrições no registo comercial) desatu-
alizadas. A consideração atenta das razões invocadas em sede de audição prévia
:concluirá pela necessidade de fixar um rendimento padrão, mais ele-
(se necessário, com a realização de novas diligências instrutórias) evitaria muitas láado que o rendimento declarado (art.° 89.°~A, n.° 1, da LGT). Nestes
situações de (flagrante) injustiça e, também, muitos litígios judiciais. casos, porque o sujeito passivo não terá, antes, sido ouvido, impõe-se,
72 Rui Duarte M orais , «Sobre a noção de cláusulas antiabuso». ; támbém, a sua audição antes da liquidação.
73 Infra, n.° 21, Procedimento de revisão da matéria coletável fixada por ^ Porém, muitas vezes, a decisão de avaliação indireta é resultado
avaliação indireta.
74 João Sérgio R ibeiro , Tributação Presuntiva p. 370 ss.
^e uma ação inspetiva externa, na qual se concluiu pela não corres­
40 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 41

pondência à realidade dos valores declarados. Nestes casos, o sujeito no fundo, de uma aplicação do princípio geral constante do n.° 3 do
passivo terá já sido convidado a pronunciar-se, antes da conclusão do art.° 60.° da LGT, ditado por razões de compreensível economia pro­
relatório da inspeção tributária, por força do disposto na al. e) do n.° cessual: não é necessário notificar o contribuinte para se pronunciar
1 do art.° 60.° da LGT. sobre um projeto de decisão quando, anteriormente, no decurso desse
A pergunta que se colocava é se ele deveria ser ouvido de novo, mesmo procedimento, ele já tinha sido chamado para, querendo, se
antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, agora nos termos pronunciar sobre algo que era, substancialmente, igual.
da al. d) de tal norma.
A jurisprudência assumiu posições divergentes, a que a lei (atual e) Audição antes da conclusão do relatório da inspeção tributária
redação da al. d) do art.° 60.° da LGT) veio pôr termo, excluindo a
O procedimento inspetivo, quando dele possa decorrer a prática
obrigação de ao interessado ser facultada uma dupla audição. Porém,
de atos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade
a redação do texto legal não é feliz: a dispensa de audição antes da
inspecionada (mesmo quando tal não implique recurso a avaliação
decisão de aplicação de métodos indiretos, por o exercício de tal direito
indireta), levará à elaboração de um projeto de relatório, com iden­
já ter sido facultado ao interessado antes da conclusão do relatório de
tificação desses atos e sua fundamentação, o qual será notificado ao
inspeção tributária, só acontece quando aquela decisão se louvar inte­ sujeito passivo para este, querendo, sobre ele se pronunciar, num prazo
gralmente no constante do relatório de inspeção, quer quanto aos fun­ de entre 10 e 15 dias (art.° 60.° do Regime Complementar do Proce­
damentos, quer quanto à fixação indiciária do rendimento75. Trata-se, dimento de Inspeção Tributária), seguindo-se, após o exercício do
direito de audição ou o decurso do prazo para tal fixado, a elaboração
75 O facto de o ato tributário, por regra, se louvar inteiramente no constante do relatório final e sua notificação ao interessado76.
do relatório de fiscalização é, a nosso ver, expressão de um funcionamento menos
eficiente dos serviços.
O procedimento de inspeção tributária (a fiscalização) é, essencialmente,
uma tarefa de recolha de dados, de averiguação (como - e bem - decorre do art.° Se existisse um “projeto de decisão” autónomo relativamente ao relatório de
2? do RCPIT). inspeção, seria, ainda, possível expurgar as contradições que, muitas vezes, estão
Feita a inspeção, deveria caber a outros órgãos da administração fiscal, para presentes nestes, colmatar as deficiências encontradas quanto ao apuramento dos
tal melhor vocacionados, extrair as devidas consequências dos factos apurados, factos (se necessário, com recurso a ações inspetivas complementares) e, especial­
formulando o “projeto de decisão”. Tome-se, como exemplo, o que acontece no mente, dar maior solidez jurídica à decisão que se pretende tomar (a maioria dos
processo penal: existe uma fase de inquérito, levada a cabo, essencialmente, por inspetores tributários não são juristas, o que bem se compreende porque o exercício
entidades de natureza policial; sendo o caso, os factos apurados levam à elaboração desta tarefa exige, normalmente, outro tipo de competências). Esta “transformação”
de uma acusação (de uma “proposta de decisão”) feita por outra entidade, o MP, dos relatórios de inspeção em proposta de decisão é, certamente, uma das causas
especialmente competente para tal. para que muitas “decisões finais” da administração acabem por ser anuladas pelos
Terá sido este o paradigma que o legislador da LGT teve presente. Daí o ter Tribunais, por falta de fundamentação suficiente ou por outros vícios de natureza
consagrado dois momentos distintos para a audição prévia (audição sobre o projeto formal.
de relatório da inspeção tributária e audição sobre o projeto de decisão), certamente 76 Tem, pois, que haver lugar à notificação de que o “projeto de decisão”
por não supor que o relatório de inspeção fosse, sistematicamente, transformado foi convertido em “decisão definitiva”. Não basta que da notificação do “projeto
em “projeto de decisão”. Ou seja, previa-se a audição dos interessados sobre dois de decisão” conste - como habitualmente acontece - que a decisão projetada se
“documentos” com diferentes conteúdos: a audição sobre o projeto de inspeção converterá em definitiva após o prazo para o direito de audição prévia sem que
versaria a factualidade apurada; a audição sobre o “projeto de decisão”, as conse­ este se mostre exercido. É a partir da data de receção da notificação da decisão
quências jurídicas que a administração pretendesse extrair de tais factos. definitiva (a qual, sendo o caso, pode, quanto ao seu conteúdo, ser feita por simples
42 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 43

Porém, o vício de falta de audição prévia antes da conclusão do mental. P. ex., deve haver lugar a audição prévia mesmo quando foi a
procedimento inspetivo resultará sanado se, em momento posterior, simples análise da declaração do sujeito passivo que levou a concluir
antes da decisão final, o sujeito passivo for chamado a pronunciar-se não ser correto o valor de imposto por ele apurado.
sobre o concreto projeto de decisão que se pretende tomar na sequên­ O interessado é chamado a pronunciar-se sobre um projeto de
cia de tal ação inspetiva77. decisão (n.° 5 do art.° 60.° da LGT). Esse projeto tem que ser suficien­
temente fundamentado, indicando com precisão os factos apurados,
os atos que há intenção de praticar (sendo o caso, com quantificação
27.1.2. Regime das alterações que se pretende fazer, relativas à situação tributária de
cada um dos destinatários) e as normas legais em que se baseiam.
Analisados os “momentos” em que deve acontecer a audição pré­ Essencial é ~ como vimos - que haja uma coincidência entre o
via, debrucemo-nos sobre o seu regime. projeto de decisão e a decisão final, quer quanto ao conteúdo, quer
O direito de ser ouvido previamente à prática de um ato desfa­ quanto aos seus fundamentos. Porém, não é exigível uma coincidência
vorável assiste àqueles que serão os seus destinatários imediatos. Ou literal, aliás impossível uma vez que, como veremos, na fundamen­
seja, não são convidados a exercer tal direito todos os interessados, tação da decisão final acrescerá o necessário para responder à argu­
todos aqueles a quem a lei confere legitimidade para recorrer do ato mentação desenvolvida pelos interessados em sede de audição prévia
que vier a ser praticado. (neste sentido, o Ac. do TCA/SUL de 30-05-2006, rec. n.° 01188/06).
Alguns exemplos: os responsáveis solidários78apenas serão ouvi­ O que importa é evitar que haja decisões surpresa, que o sujeito
dos se (e quando) se pretender liquidar o tributo em seu nome (e não passivo tenha tido real oportunidade de se pronunciar sobre o conte­
quando esteja em causa a liquidação em nome do sujeito passivo ori­ údo e o mérito da decisão final.
ginário). Os (potenciais) responsáveis subsidiários também não serão Dito de outra forma: se o órgão decisor fundar a sua decisão, des­
ouvidos antes da liquidação do imposto em nome do devedor origi­ favorável ao interessado, em factos ou argumentos que não constam do
nário, sem prejuízo de poderem impugnar tal liquidação se e quando projeto (ou que nele assumam relevância marginal, não constituindo,
forem citados, em processo de execução, em ordem à efetivação de por si, justificação suficiente para a decisão que se pretende tomar),
tal responsabilidade. haverá que dar, novamente, oportunidade ao contribuinte para se pro­
A audição prévia deve ter lugar, nas situações que deixámos refe­ nunciar sobre a decisão que, realmente, se pretende tomar.
ridas, mesmo que o ato que se pretende praticar seja motivado apenas A audição prévia é uma garantia dos contribuintes, que são livres
por razões de direito. Não é seu pressuposto necessário a invocação de de a exercer ou não. Não está em causa um dever de cooperação, a
“factos novos”, a existência de uma fase prévia de instrução procedi­ obrigação de esclarecimento da sua situação tributária79.
O interessado decidirá se quer ou não ser ouvido. Nenhuma con­
sequência pode ser retirada do facto de não o fazer: o seu silêncio não
remissão para o projeto de decisão) que se contam os prazos para o exercício dos
meios de garantia. pode, p. ex., ser entendido como significando a aquiescência com o
77 Um resumo da principal jurisprudência relativa ao exercício do direito projeto de decisão. Até porque, muitas vezes, tal silêncio apenas sig-
de audição prévia no contexto dos procedimentos inspetivos encontra-se em José
Costa A lves / Jesuíno Alcântara Martins, Manual de Procedimento e Processo
Tributário, p. 140 ss.
78 Cf. Casalta N a bais , Direito Fiscal, p. 274. 79 Saldanha S anches , João Taborda da Gama, «Audição, . . p. 279 ss.
44 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 45

nificará que o contribuinte preferiu guardar a sua defesa para um Questão recorrente na jurisprudência é saber se essa formalidade
momento posterior. se degrada em não essencial quando se venha a constatar, a p o ste rio ri,
O direito de audição prévia é exercitável no prazo fixado na res- que a falta de audição em nada influiu na decisão final, por esta não
petiva notificação (art° 60.°, n.° 6, da LGT). ~ poder ser outra.
A fim de garantir que o contraditório efetivamente aconteça, o A maioria da jurisprudência inclina-se nesse sentido.
n.° 7 do art.° 60.° dispõe que os elementos novos suscitados na audi­
ção dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na funda­ Numa síntese desta posição, diz o Ac. do TCA/SUL de 25-11-
mentação da decisão. 2008, rec. n.° 02573/08, relator J osé C o rreia : o direito do interessado
Elementos novos serão as questões (factuais e de direito80) que, na participação da formação do ato de que é destinatário só será verdadei­
a procederem, conduziriam a uma decisão diferente daquela que se ramente violado se através dessa participação houver a possibilidade, ainda
projeta81. que ténue, de o interessado vir a exercer influência, quer pelos esclarecimen­
A lei não obriga a administração fiscal a pronunciar-se sobre tos prestados, quer pelo chamamento da atenção de certos aspetos de facto
todos e cada um dos argumentos expendidos pelos interessados, mas e de direito, na decisão a proferir, no termo da instrução.
apenas sobre aqueles que, objetivamente, possam ser relevantes para A formalidade da audição degrada-se em não essencial, não sendo,
a tomada de uma boa decisão. O que não significa que seja aceitável por isso, invalidante da decisão, nos casos em que não tem a mínima pro­
a atitude de a administração fiscal não se pronunciar sobre a argu­ babilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento
mentação expendida pelos interessados a pretexto de que, em sede de do ato —utile p er inutile non viciatur —visto que a audiência dos interes­
audição prévia, não foram carreados elementos novos. sados não é um mero rito procedimental.
Porém, o não cumprimento deste dever de pronúncia não pode
ser sindicado autonomamente pelos Tribunais. É antes, fundamento Diferente - e, a nosso ver, mais correta - é a posição sus­
de impugnação ou recurso da decisão que, a final do procedimento, tentada no AC. do T C A /N orte de 06-11-2008, rec. n.° 00152/07,
vier a ser tomada. de que foi relator F onseca C arvalho : Prescrevendo o CPPT expres­
A falta de notificação dos interessados para, querendo, exerce­ samente sobre este direito de participação, chegando ao ponto de indicar
rem o direito de audição prévia, nos casos em que tal deva acontecer, as situações em que esse direito é dispensado não é legítimo ao julgador
constitui preterição de uma formalidade legal essencial, geradora da qualificar a omissão desta preterição como formalidade não essencial por
anulabilidade do ato decisório do procedimento em que tal preteri­ motivo da sua degradação ao abrigo do artigo 103.° do CPA pois tal só seria
ção aconteceu82. permitido numa situação de lacuna o que não é o caso. A regulamentação
expressa do exercício deste direito em sede do CPPT afasta, reitera-se, a
possibilidade do recurso à analogia às normas do CPA que versam sobre
80 Àc. do TCA de 13-12-2002, rec. n.° 6284/02. Serena Cabrita N e t o ,
Introdução. . p. 31. o exercício deste mesmo direito. A omissão desta formalidade constitui
81 Entendendo que o despacho que ordena a reversão da execução fiscal sem assim preterição de formalidade legal que inquina a decisão.
analisar os documentos apresentados e sem proceder à inquirição das testemunhas
indicadas, em sede de audição prévia, viola o princípio da participação na decisão,
o Ac. do TCA/Norte de 16- 09-2004, rec. n.° 286/04, relator F onseca de C arvalho . sobre o ato tributário de liquidação que o antecede, antes conduzindo à anulação
82 A ocorrência de um vício de forma no procedimento de reclamação da respetiva decisão de indeferimento da reclamação graciosa (Ac. do STA de 25-
graciosa, como é o caso da falta de audição prévia, não projeta efeitos anulatórios 06-2009, rec. n.° 0345/09).
46 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 47

Na realidade, há que ter a maior cautela na aplicação "subsidiária” objetivamente possível a revenda (será o caso, p. ex., de ter sido decre­
de normas do CPA (e do CPTA) no domínio tributário, pois, muitas tada uma providência cautelar que a impeça) a isenção deverá subsistir.
vezes, são diferentes os interesses em presença. No direito adminis­
trativo, a audição tem uma dimensão que é, essencialmente, de par­ A anulação do ato praticado, por preterição do direito de audição,
ticipação na formação da decisão, pois que, dentro do quadro legal, não exclui que a administração, estando em tempo, o renove, cum­
serão, normalmente, várias as soluções possíveis. É por tal razão que prindo, previamente, com a formalidade omitida.
a lei (art.° 103.° do CPA) admiteque quando só haja uma solução pos­
O ato renovatório, proferido após a administração fiscal haver cum­
sível, a formalidade da audição prévia possa redundar em não essen­
cial, porque, então, não se verificaria a razão de ser da norma. Ora, prido o (violado) dever de audição do contribuinte, dá cabal cumprimento
como já assinalámos, a audição prévia reveste, no procedimento tribu­ à execução do julgado de anulação de ato tributário apenas por violação
tário, uma dimensão essencialmente garantística, uma vez que a deci­ do direito de audiência do contribuinte (Ac. do STA de 25-03-2009,
são é, por natureza, vinculada (princípio da tipicidade da lei fiscal). rec. n.° 0902/08, relator J orge L ino ).
Estará em causa, pois, não a possibilidade de o interessado colaborar
no encontrar da melhor decisão (o que não faria grande sentido pois,
2.8. Princípio da confidencialidade
supostamente, a lei apenas permite uma), mas permitir-lhe que apre­
cie da legalidade da decisão projetada, minorando-se, assim, o risco
O dever de confidencialidade da administração tributária85 está
de decisões ilegais.
previsto no art.° 64.° da LGT: os membros das administrações tri­
A aplicação do entendimento de que a formalidade de audição pré­
butárias estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados relativos à
via se pode degradar em não essencial é, sistematicamente, feita pelo STA situação tributária dos contribuintes e outros dados de natureza con­
nos casos previstos no art.° 1.°, n.° 5, do CIMT83 (p. ex., Ac. do STA de 6 fidencial ou reservada a que tenham tido acesso em razão do exercí­
de Julho de 2011, rec. n.° 05/11; Ac. do STA de 16.11.2011, rec. n.° 539/11). cio das suas funções.
Não podemos concordar com estas decisões, que, a nosso ver, afrontam A importância que a lei atribui à preservação do sigilo tributário
a lei. Está em causa a declaração da caducidade de uma isenção (como, resulta evidente pela previsão da punição correspondente à sua viola­
desde logo, resulta explícito do texto legal) e a consequente liquidação do
ção: para além da responsabilidade disciplinar, sanção criminal em
imposto devido84. Ora, o n.° 2 do art.° 14.° do Estatuto dos Benefícios Fis­
cais dispõe que “os benefícios fiscais (...) caducam (...), quando condi­ caso de dolo (art.° 91.° do RGIT) e sanção contraordenacional em caso
cionados, (...) pela inobservância das condições impostas, imputável ao de mera negligência (art.° 115.° do RGIT).
beneficiário. Ou seja, para ser possível a declaração da caducidade de uma São vários os fundamentos que concorrem para a afirmação da
isenção, é necessário apreciar da culpa do sujeito passivo, no caso, pela não regra do sigilo tributário: a reserva da intimidade da vida privada, a
revenda do prédio. A audição prévia não é, assim, uma formalidade mani­
festamente inútil. Mais, não existe uma só solução legal, pois não sendo,
85 Sobre o tema, Maria Eduarda A zevedo , «O segredo bancário e a fiscalidade
83 Prédios adquiridos, com isenção de IMT, para revenda mas que, na ordem jurídica portuguesa»; Sofia Tomé d’ A lte , «O sigilo fiscal: um direito da
efetivamente, não foram revendidos dentro do prazo que a lei prevê. administração tributária e uma garantia dos administrados»; Abílio M orgado , «O
84 Liquidação que, só por si, não parece impor a audição prévia, sempre que sigilo fiscal»; Maria Margarida M esquita , « A proteção da confidencialidade em
se baseie exclusivamente em elementos declarados pelo sujeito passivo (o valor da matéria fiscal»; Carlos Pamplona C orte -R eal / Jorge Bacelar Gouveia /Joaquim
transação constante da respetiva escritura). Pedro Cardoso da Costa, «Breves reflexões em matéria de confidencialidade fiscal».
48 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 49

proteção de dados pessoais e a garantia do correto uso dos meios infor­ tes em causa pendente, não obsta a que o juiz da causa, oficiosamente
máticos no seu tratamento86, a proteção da confiança na administração ou a requerimento de alguma das partes, possa, em despacho funda­
fiscal por parte dos contribuintes e de terceiros com eles relacionados mentado, determinar a prestação de informações ao tribunal, quando
para efeitos tributários. as considere essenciais ao regular andamento do processo ou à justa
Em geral, aceita-se que os dados fiscais podem ter diferente natu­ composição do litígio.
reza: pública, quando possam ser livremente acedíveis por outras vias, Particular relevância, em termos práticos, assume o disposto no
P- ex., através do registo predial ou comercial; neutra, p. ex., os relati­ art.° 833.°-A do CPC, que permite que ao agente de execução, no
vos ao início ou cessação de uma atividade; sigilosa, quando revelado­ âmbito das diligências prévias à penhora, a consulta de declarações
res da situação económica e/ou tributária de determinado contribuinte e outros elementos protegidos pelo sigilo fiscal, sem necessidade de
(o que acontecerá relativamente à grande maioria dos dados fiscais). autorização judicial.
Assim, p. ex., está vedado à administração fiscal fornecer a ter­ Tal possibilidade de consulta está restringida89à identificação do
ceiros dados sobre os rendimentos declarados por determinado sujeito executado, à identificação e localização dos seus bens, nomeadamente
passivo, sobre todos os prédios por ele detidos, etc. prédios e veículos, à data de início e cessação da sua última atividade,
O art.° 64.°,n.° 2, da LGT prevê as circunstâncias em que cessa ao ano a que se reporta a última declaração de rendimentos por ele
este dever de sigilo: para além da divulgação autorizada pelo interes­ entregue e a natureza dos rendimentos declarados e, ainda, aos crédi­
sado, a administração fiscal é obrigada a comunicar dados em seu tos do executado sobre a administração tributária, nomeadamente os
poder a outras entidades públicas87 (no âmbito dos poderes que a lei decorrentes de reembolsos.
confere a estas), a outras administrações fiscais (no âmbito daquilo A obtenção de outras informações continua dependente de pré­
a que obrigam os instrumentos internacionais relativos à assistência via autorização judicial90.
mútua) e aos Tribunais. Não podemos deixar de saudar esta linha de evolução, pois enten­
Mesmo relativamente à cooperação com os Tribunais civis, a demos que as razões que levam à consagração do sigilo fiscal (em espe­
posição tradicional era extremamente restritiva88. Hoje, este entendi­ cial, a “reserva” da vida privada) têm que ceder perante o interesse,
mento deixou de ter suporte legal, pois o art.° 519.°-A do CPC passou a superior, da realização da justiça. Assim, consideraríamos incompre­
determinar que a simples confidencialidade de dados que se encontrem ensível que a administração fiscal estivesse, legalmente, impedida de
na disponibilidade de serviços administrativos (...) que se refiram à fornecer dados sobre a situação patrimonial de um contribuinte no
identificação, à residência, à profissão e entidade empregadora ou que âmbito de um processo judicial de execução, o qual, num primeiro
permitam o apuramento da situação patrimonial de alguma das par- momento, visa, precisamente, a deteção dos seus bens ou rendimen­
tos, em ordem à respetiva penhora.
Outra importante exceção legal ao princípio da confidenciali­
86 Desenvolvidamente, Amelia G onzález M éndez , La Protección de Datos
Tributários y su Marco Constitucional. dade dos dados relativos à situação tributária dos contribuintes é a
87 Casos, p. ex., da Comissão Nacional da Proteção de Dados, do Provedor que resulta da obrigação de fazer constar de listas de devedores91, cujo
de Justiça, do Instituto de Seguros de Portugal, do Instituto Nacional de Estatística.
88 “No tocante ao primeiro [processo civil] a confidencialidade fiscal não cede
perante o dever de cooperação para com os tribunais (...). No tocante ao processo 89 Portaria n.°. 331-A/2009, de 30 de Março.
penal, pode já excecionalmente haver quebra do sigilo profissional/fiscal (.. 90 Ver Ofício —circulado n.° 60.073, de 22-04-2010 da DSJT.
escreviam, em 1992, Pamplona C orte-R eal e Outros, «Breves reflexões ...», p. 47. 91 N.° 5 e 6 do art.° 64° da Lei Geral Tributária.
50 Manual de Procedimento e Processo Tributário O Procedimento Tributário 51

acesso é público, a identificação dos sujeitos passivos que não tenham utilização, para fins tributários, de informação a que a administração
a sua situação tributária regularizada, com indicação dos montantes fiscal tenha tido acesso na sua condição de polícia criminal, enquanto
em dívida. a revelação de tais dados esteja vedada por força do segredo de jus­
Apoiamos a existência de tais listas, aliás comum a outros paí­ tiça penal; a questão da possibilidade de uso, para fins tributários, de
ses92, embora com discordâncias pontuais relativamente à concreta informação sobre a sua realidade empresarial que um sujeito passivo
regulamentação vigente93, não só porque elas se têm revelado um efi­ haja, voluntariamente, revelado, p. ex., no quadro de um acordo prévio
caz instrumento de persuasão no cumprimento voluntário das obri­ sobre preços de transferência94 (informação essa que, normalmente,
gações fiscais por parte de muitos contribuintes, mas, especialmente, não seria acessível à administração fiscal); o uso, ainda que indireto
pelo facto de, no sector empresarial, a mora no cumprimento das obri­ (p. ex., como ponto de partida para obtenção de outra informação) de
gações tributárias ser, normalmente, o primeiro sinal de uma situação dados obtidos por uma forma que, a posteriori, foi considerada ilí­
económica difícil, o que é importante que seja conhecido imediata­ cita95, etc.
mente pelo mercado (desde Jogo, por aqueles que concedem crédito
a essa empresa) de forma a prevenir o “risco de contágio” inerente a
tais situações.
Julgamos poder detetar uma curiosa linha de evolução quanto à
temática da confidencialidade dos dados em poder da administração
fiscal: enquanto, por um lado, surgem cada vez mais exceções à proi­
bição de comunicação de dados, por princípio sigilosos, a terceiros,
coloca-se, cada vez mais, a questão dos limites ao seu uso pela pró­
pria administração fiscal. Como meros exemplos, temos a questão da

92 Sérgio A lbuquerque , «A publicação de listas de devedores tributários:


elementos para uma comparação jurídica: Portugal - Chile».
93 Nomeadamente, o facto de a não inclusão nesta lista depender de o sujeito
passivo, em caso de reclamação ou recurso, ter prestado garantia ou ter sido de tal
dispensado. A prestação de garantia é um sucedâneo da penhora, pois é esta a forma
normal de assegurar a futura efetivação dos créditos tributários (caso improceda a
reclamação ou recurso que determinaram a suspensão do processo executivo) - cf.
, Rui Duarte M orais , A Execução Fiscal, p. 74 ss. Ora, a lei (parte final da al. a)
do n.° 5 do art.° 64.° da LGT) parece transformar o ónus de prestação de garantia
numa obrigação, o que não é aceitável. Daí o nosso aplauso ao decidido pelo STA
no seu Ac. de 18-04-2007, rec. n.° 0242/07, relatado por B aeta de Q ueiroz, segundo
o qual a pendência de oposição à execução fiscal em que se discute a verificação
dos pressupostos da reversão contra o responsável subsidiário obsta a que a Admi­
nistração insira o seu nome na lista de contribuintes cuja situação tributária não se 94 Infra, n.° 12, Acordos prévios (preços de transferência).
encontra regularizada, mesmo não tendo o revertido prestado garantia em ordem 95 Em geral, Helena M orão , «O efeito-à-distância das proibições de prova
à suspensão da execução. no direito processual penal português».
CAPÍTULO II
Os Sujeitos

3. Os sujeitos

3.1. As administrações tributárias

A noção de sujeito ativo de uma relação jurídico-tributária pode


ser entendida em vários sentidos96.
Interessa-nos aqui a dimensão competência, relativa à adminis­
tração ou gestão de determinado tributo97. É neste sentido que o art.°
18.° da LGT define sujeito ativo da relação tributária como a entidade
de direito público titular do direito de exigir o cumprimento das obri­
gações tributárias.
O procedimento tributário decorre da existência de uma relação
jurídica qualificável como tributária. É pois indiferente quem seja a

96 Casalta N a bais , Direito Fiscal, p. 251.


97 Ou seja, o sujeito ativo da relação jurídico-tributária não é, necessariamente,
o titular do imposto em causa. Assim acontece com os impostos municipais,
pois,, sendo os municípios os titulares da respetiva receita, a sua administração (a
competência tributária a eles relativa) pertence ao Estado, através da DGCI (hoje, AT).
A necessidade de proceder a esta distinção tem-se colocado em sede dé
arbitragem tributária, uma vez que os municípios não se vincularam à jurisdição
do CAAD. Os tribunais arbitrais têm entendido - bem, a nosso ver - que a AT é a
parte legítima nos processos cujo objeto é a anulação de impostos municipais (p.
ex., derrama) uma vez que a ela cabe a administração de tais tributos. Cf. p. ex.,
os acórdãos proferidos nos processos 10/2011-T, 18/2011-T, 19/2011-T, 24/2011-T,
01/2012-T, 02/2011-T e 05/2012-T, disponíveis em www.caad.org.pt.
54 Manual de Procedimento e Processo Tributário 55
Os Sujeitos

entidade a que, no caso concreto, cabe o poder de exigir o cumpri­ pensações urbanísticas, a favor dos municípios100. As contribuições
mento da obrigação tributária. para as Ordens Profissionais (e Câmaras) foram qualificadas pelo TC
O n.° 3 do art° 1.° da LGT diz-nos quem integra a administração como “tributos especiais”101.
tributária. Para além das entidades aí expressamente referidas (como
sejam, entre outras, a DGCI e a Direção Geral das Alfândegas - hoje
AT - e as autarquias locais), há que lembrar que são numerosas as 3.2. Os sujeitos passivos
“demais entidades públicas incumbidas da liquidação e cobrança dos
tributos”. Existem muitos institutos públicos e entidades de natureza Não interessará desenvolver aqui a noção de sujeito passivo de
similar a quem compete liquidar tributos (essencialmente, taxas e con­ uma relação jurídico-tributária102.
tribuições financeiras, devidas pelos beneficiários dos serviços que Apenas deixaremos algumas notas: existem entes sem persona­
prestam), cuja atividade, nesta medida, se submete aos princípios do lidade jurídica a quem a lei reconhece personalidade tributária103 e,
procedimento tributário, sendo aplicáveis as normas da LGT e, ao nível consequentemente, têm capacidade para agir na defesa dos seus direi­
adjetivo, as do CPPT (a maioria das vezes, não existem ou são mani­ tos e no cumprimento dos seus deveres, em procedimentos e proces­
festamente insuficientes as normas adjetivas especiais visando a regu­ sos tributários (cf. art.° 8.° do CPPT); a prática de atos procedimentais
lamentação procedimental de tal atividade de cobrança de tributos)98. não tem natureza pessoal, pelo que podem ser praticados por manda­
As contribuições para a Segurança Social são hoje havidas, pela tários, os quais, por princípio, terão que ser advogados ou solicitado­
maioria da doutrina, como tendo a natureza de impostos. Existem res104 105 e, ainda, por gestores de negócios (art.° 17.° da LGT). A lei
numerosas contribuições financeiras a favor de outras entidades públi­
cas, como sejam as que exercem funções de regulação e supervisão, Porém, reconhecida que é a natureza de tributo de todas estas figuras, as distinções
sendo que algumas continuam a ser havidas como tendo a natureza a fazer são relativamente inconsequentes do ponto de vista do direito adjetivo.
de taxas". A mesma natureza é apontada, p. ex., às chamadas com- 100 Casalta N a b a is , «Tributação do Urbanismo», p. 320. A sua natureza
tributária aparece expressamente reconhecida no art.° 95.°, n.° 2, al. g) da LGT.
101 Ac. do T C n.° 497/89, de 13 de Julho, relatado por C ardoso da C osta .
102 p or f0 íjo s, Casalta N a b a is, Direito Fiscal, p. 2 5 4 ss.
98 Uma exceção é constituída pelas taxas de ju stiça. Apesar de, 103 Os “patrimónios ou organizações de facto ou de direito” referidos no n.°
inquestionavelmente, estarmos perante tributos, as questões relativas à sua 3 do art.° 18.° da LGT. É o caso, p. ex., das sociedades irregulares, das associações
liquidação e cobrança são da competência dos próprios tribunais onde correm os sem personalidade jurídica, das heranças jacentes, dos condomínios (Ac. do STA
processos que deram origem ao respetivo pagamento. de 02-06-2004, rec. n.° 1865/03), etc.
99 Casalta N abais , Direito Fiscal, p. 30. Mas, p. ex., o Tribunal Constitucional, ; 104 O n.° 2 do art.° 5.° do CPPT, segundo o qual “o mandato judicial só pode ser
no seu Acórdão n.° 365/2008, de 2 de Julho (rec. n.° 22/2008), qualificou as exercido, nos termos da lei, por advogados, advogados estagiários ou solicitadores
importâncias devidas à Entidade Reguladora para a Comunicação Social como quando se suscitem ou discutam questões de direito perante a administração
sendo contribuições jinanceiras a favor de uma entidade pública. A questão que tributária em quaisquer petições, reclamações ou recursos”, é uma norma que não
hoje se coloca é, assim, a da superação da tradicional divisão dicotómica dos é ditada pelo interesse procedimental (estes atos podem ser praticados pelo próprio,
tributos em impostos e taxas, reconhecendo-se a existência de uma terceira figura, mesmo que ele não possua as referidas habilitações profissionais), sendo expressão
as contribuiçõesjinanceiras, agora (após a revisão de 1997) expressamente referidas do combate à chamada procuradoria ilícita.
na parte final da alínea i) do n.° 1 do art.° 165.° da CRP. O tema tem grande relevo >v íos Nos termos da al. b) do n.° 2 do art.° 6.° do Estatuto da Ordemdos
prático, desde logo no tocante à concretização do regime jurídico que preside à Técnicos Oficiais de Contas, estes profissionais podem intervir, em representação
criação de cada uma destas figuras (cf. Sérgio VASQUES, Manual..., p. 238 ss). dos sujeitos passivos por cujas contabilidades sejam responsáveis, na fase graciosa
56 Manual de Procedimento e Processo Tributário Os Sujeitos 57

presume a concessão de mandato por cada um dos cônjuges ao outro Primeiro, competência em razão da matéria : tem que estar em
(art.° 16.°, n.° 5 da LGT)106. causa uma relação jurídica relativa a um tributo cuja administração
lhe incumba109.
Segundo, competência territorial: as respetivas regras de fixação
4. Legitimidade constam dos n.° 2 a 5 do art.° 10.° do CPPT. Sucintamente, diremos que,
existindo órgãos periféricos locais e/ou órgãos periféricos regionais
A legitimidade é requisito da intervenção de alguém num con­ (que, no caso da DGCI são, respetivamente, os Serviços de Finanças
creto procedimento ou processo como “parte”107. e as Direções de Finanças), a competência em razão do território é,
Com a exigência deste requisito pretende-se que estejam presentes normalmente, aferida em função do domicílio do sujeito passivo [e
(ou, pelo menos, que tenham sido chamados a intervir) os diretamente não do contribuinte, como diz a lei], ou da situação dos bens (caso dos
interessados na causa, aqueles que ficarão vinculados à decisão fin a l impostos sobre o património imobiliário).
A legitimidade não é portanto uma qualidade pessoal (como acontece Terceiro, competência em razão da hierarquia: a lei estipula que
com a capacidade), mas uma certa posição em face da relação material determinados atos sejam praticados por órgãos de nível mais elevado da
litigada. É o poder de dispor do processo - de o conduzir ou gestionar (de uma) administração fiscal. Assim, como meros exemplos, a com­
(Prozessfiihrungsbefiignis) - no papel de parte108. petência para a apreciação das reclamações graciosas cabe ao órgão
A legitimidade aparece regulada no art° 9.° do CPPT de forma periférico local (Chefe do Serviço de Finanças) ou ao órgão periférico
tendencialmente unitária, i. e., em termos que são, no geral, comuns regional (Diretor Distrital) consoante o valor em causa (art.° 73.°, n.° 4
aos procedimentos e processos tributários. e 5, do CPPT); os recursos hierárquicos são decididos pelo “mais ele­
vado superior hierárquico do autor” (art.° 66.°, n.° 2, do CPPT); a deci­
são de avaliação da matéria coletável com base em “manifestações de
4.1. Legitimidade da administração tributária fortuna” cabe ao Diretor de Finanças (art.° 89.°-A, n.° 6, da LGT), etc.
Tal não excluiu a possibilidade de delegação e, eventualmente,
A legitimidade de uma determinada administração fiscal para de subdelegação de poderes (ou de competências), possibilidade que
intervir (ser “parte”) num concreto procedimento depende da sua é regra (art.° 62.° da LGT)110, o que bem se compreende no domínio
competência. tributário, dado o número de atos a serem praticados.

do procedimento tributário, no âmbito de questões relacionadas com as suas 109 Está aqui em causa, essencialmente, a competência de cada administra­
competências específicas. ção fiscal e, no seu seio, de cada um dos vários órgãos. Questão diferente é a da
106 O que é uma medida simplificadora, na medida em que, desde logo, evita a competência material de uma determinada administração tributária, os poderes
necessidade de intervenção de ambos os cônjuges nas questões tributárias “comuns” que lhe estão legalmente afetos para o exercício das suas funções.
(p. ex., as relativas ao IRS). A colaboração das nossas administrações fiscais na cobrança de impostos de
107 Acolhendo a figura de ator procedimental, a pessoa ou entidade que in­ outros Estados, por força de instrumentos de direito internacional (especialmente
tervém legitimamente no procedimento (um conceito mais amplo que o de “parte”, no seio da UE), começa a colocar problemas de competência material, a nível in­
aplicável apenas aos titulares da relação procedimental), Joaquim Freitas da R ocha , ternacional. R ex., a competência para intentar um processo de execução fiscal (e
Lições..., p. 136. para conhecer da oposição nele deduzida) para cobrança de um imposto estrangeiro.
108 Manuel de A n d r a d e , Noções Elementares ..., p. 84. 1,0 Ac. do TCA/Norte de 08-06-201, rec. n.° 00003/07.
58 Manual de Procedimento e Processo Tributário Os Sujeitos 59

O vício da incompetência é gerador de anulabilidade do ato, Acompanhamos assim o STA, no seu acórdão de 09-09-
podendo, porém, ser sanado através de ratificação feita pelo órgão 2009, rec. n.° 0362/09, de que foi relatora I sa b el M a rques da
competente para a sua prática. S ilva : para além do caso previsto no n.° 1 do artigo 132.° do Código de
Procedimento e de Processo Tributário, o “substituto tributário” tem legi­
timidade procedimental e processual para reclamar e depois impugnar as
4.2. Legitimidade dos sujeitos passivos e de outros interessados retenções na fonte que repute ilegais pois que, sendo sujeito passivo da
relação jurídica de imposto (artigo 18.°, n.° 3 da LGT), os artigos 9.°, n.° 1
A legitimidade para intervir num determinado procedimentos e 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 26.°
tributário cabe, como é regra geral, a todos aqueles que demonstrem do Código de Processo Civil lhe conferem essa legitimidade e tem nisso
ter em tal interesse justificado. interesse digno de tutela jurídica, pois pode ser responsabilizado, perante
A lei expressamente reconhece a legitimidade dos contribuintes, o Fisco e o substituído, pelas consequências da ilegalidade que cometeu
substitutos, responsáveis, outros obrigados tributários, das partes nos na liquidação das retenções114.
contratos fiscais e de quaisquer outras pessoas que provem ter inte­
resse legalmente protegido (art.° 9.° do CPPT). Diferentemente, quanto aos outros obrigados ao pagamento que
Assim, p. ex., são partes legítimas os contribuintes, mesmo quando não os sujeitos passivos originários, a legitimidade só existe a partir do
não sejam, também, sujeitos passivos - é o caso da substituição tri­ momento em que sejam chamados ao cumprimento de uma obrigação
butária total111 pois têm um interesse económico a defender, uma tributária. Assim acontece relativamente aos responsáveis tributários,
vez que são eles quem sofre as consequências económicas do paga­ sejam eles a título solidário ou, como é regra, a título subsidiário (art.°
mento do tributo. 9.°, n.° 2 e 3 do CPPT).
Também se reconhece legitimidade ao repercutido112(art.° 18.°, n ° Deve, ainda, ser reconhecida a legitimidade a “intervenientes aci­
4, da LGT), uma vez que a liquidação (pelo sujeito passivo) de imposto dentais” numa relação jurídico-tributária, quando sejam titulares de
superior ao devido terá para ele consequências económicas negativas113 interesses juridicamente protegidos que devam ser assegurados atra­
(daí o serem, muitas vezes, designados por contribuintes de facto). vés de procedimentos tributários.
A legitimidade tem que ser reconhecida, em primeiro lugar, àque­
les que são titulares da relação material controvertida, pois à existência Se um gestor de negócios tiver pago a sisa na pressuposição de pos­
de direitos e deveres tributários tem, necessariamente, que correspon­ terior ato translativo, mas este não tiver tido lugar pelo facto de o dono
der a possibilidade de desencadear os meios de garantia que a lei prevê. do negócio não ter ratificado a gestão, assiste ao gestor de negócios que
pagou a sisa, legitimidade para requerer a restituição da sisa, pois é ele
que fica prejudicado se a restituição não tiver lugar (...) —Ac. do STA
111 Que acontece quando o imposto é cobrado na fonte por aplicação de taxas de 22-10-1997, rec. n.° 020111, relator A lm eida L opes .
liberatórias. Não existem então quaisquer deveres tributários a cargo do substituído,
que (salvo por via do instituto da responsabilidade tributária) não é sujeito passivo
de qualquer obrigação tributária. 154 Em comentário a este acórdão, Bruno Botelho ANTUNES, «Impugnação
112 Sobre esta figura, Bruno Botelho A n tun es , Da Repercussão Fiscal no IVA. judicial em situações de retenção na fonte - uma nova perspetiva sobre o interesse
113 Cf. Saldanha S anches , «A legitimidade processual no IVA», comentário processual”.
ao Ac. do STA de 4 de Julho de 1990 (rec. n.° 12102).
CAPÍTULO III
Estrutura do Procedimento Tributário

5. A dinâmica procedimental

Tal como na generalidade dos procedimentos e processos, encon­


tramos no procedimento tributário três fases distintas: a da iniciativa,
a da instrução e a da decisão. Os concretos contornos de cada uma
destas fases dependerão, como é óbvio, do procedimento em causa.

5.1. O impulso procedimental

O impulso procedimental inicial cabe, hoje, a maioria das vezes,


aos particulares.
Tal é manifesto relativamente aos procedimentos que têm origem
em petições, reclamações ou recursos. Também o procedimento de
liquidação (nos casos em que a lei não prevê a obrigação de autoliqui-
dação) é instaurado com base nas declarações dos sujeitos passivos -
art.° 59.°, n.° 1, do CPPT Assim acontece relativamente aos impostos
periódicos, (como o IRS, em que o sujeito passivo é obrigado à apre­
sentação da declaração - em princípio, anual - de rendimentos) e aos
impostos de obrigação única (sendo que, em certos casos, o procedi­
mento de liquidação e pagamento de imposto acontece antes da ocor­
rência do facto gerador115).

115 P. ex., a liquidação do IMT precede o ato ou facto translativo dos bens,
devendo ser pago no próprio dia da liquidação ou no 1.° dia útil seguinte (art ° 22.°
e 36.° do CIMT).
62 Manual de Procedimento e Processo Tributário Estrutura do Procedimento Tributário 63

O impulso inicial de um procedimento conducente à liquidação cabe tomar a iniciativa de promover a sua realização. Tal é patente
só cabe à administração em situações patológicas: ocorre quando os no tocante às ações de fiscalização, dado que na administração fiscal
sujeitos passivos omitiram os seus deveres declarativos ou quando, (pensamos na DGCI) há uma separação orgânica entre os órgãos com
posteriormente, se vem a verificar que os cumpriram de forma defei­ competência decisória e os com competência inspetiva.
tuosa, devendo, então, haver lugar a uma liquidação oficiosa.
Outros procedimentos da iniciativa da administração fiscal são,
por exemplo, o de avaliação indireta e o de aplicação de normas antia­ 6. O princípio do inquisitório
buso. O procedimento de inspeção tributária, nas diferentes formas
que pode revestir é, por natureza, de iniciativa da administração tri­ O princípio essencial que norteia qualquer procedimento tribu­
butária. Mas a lei prevê, também, que ele possa acontecer por inicia­ tário é o da legalidade da tributação. Dizer que não há imposto sem
tiva do sujeito passivo ou de outros interessados, com consentimento lei significa, também, dizer que só pode haver lugar a tributação na
daquele116. medida em que seja feita a prova da verificação dos factos previstos
Existem ainda procedimentos que são da iniciativa da adminis­ na hipótese da norma. Importa, pois, que a verdade apurada no pro­
tração fiscal mas que podem ser provocados pelos sujeitos passivos, cedimento corresponda, o mais possível, à verdade material.
por constituírem uma sua garantia. É o caso da revisão oficiosa111. Vigorando no nosso sistema fiscal o princípio da declaração , o
conhecimento dos factos geradores de imposto advém à administra­
ção, por regra, em resultado da iniciativa dos sujeitos passivos ou de
5.2. A instrução terceiros. Aceitamos que às declarações dos sujeitos passivos possa
ser atribuída a natureza de (prova por) confissão119. Mas nunca a natu­
Normalmente, chama-se instrução à fase da produção da prova. reza de prova plena, pois não só os sujeitos passivos podem, posterior­
Porém, no procedimento administrativo, podemos incluir no seu âmbito mente, pôr em causa o que declararam, como a administração fiscal
as tarefas de saneamento, ou seja, a fixação das questões a resolver, tem o dever de, verificando que o declarado não corresponde à reali­
dos interesses a valorar em ordem a uma adequada decisão118. Assim, dade, corrigir as declarações (reformar as liquidações nelas baseadas),
mesmo quando não deva haver lugar a produção da prova (por esta ser ainda que de tal resulte a cobrança de menos imposto.
apenas documental e constar já dos autos ou a questão a resolver ser Relativamente a outras formas de aquisição procedimental da
apenas de direito), há, normalmente, uma fase intermédia, que se con­ prova, vale o princípio da investigação (que a lei designa pela expres­
substancia num projeto de decisão, sobre o qual o interessado poderá são tradicional de princípio do inquisitório).
ter que ser ouvido previamente à tomada da decisão. No dizer do art.° 58.° da LGT, a administração tributária deve rea­
A direção da fase instrutória cabe à entidade com competên­ lizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público
cia para a decisão (art.° 71.° da LGT). Tal não significa que seja ela e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à inicia­
quem, necessariamente, pratica os atos de instrução, mas sim que lhe tiva do autor do pedido.
Não poderia ser de outro modo: a legalidade dos impostos implica
116 Infra, n.° 11, Procedimento de inspeção por iniciativa do sujeito passivo - como já referido —a busca da verdade material, objetivo que supõe
e procedimento de avaliação prévia.
117 Infra, n.° 28.5, O direito à revisão oficiosa.
118 Joaquim Freitas da R ocha , Lições. . p. 95. 119 Rui Duarte M orais , A Execução Fiscal, p. 23.
64 Manual de Procedimento e Processo Tributário Estrutura do Procedimento Tributário 65

uma atitude pró-ativa da administração, não podendo ficar dependente rente a determinado ano, a administração constata que liquidações
da inércia do interessado. do mesmo imposto, relativas a outros anos, sofrem do mesmo vício.
O princípio do inquisitório aparece sistematicamente inserido no Além de dar provimento à reclamação, deve anular, oficiosamente,
capítulo da LGT relativo aos princípios gerais do procedimento tri­ essas outras liquidações, na medida em que esteja em tempo de o
butário e não na secção relativa à “instrução”. Parece, assim, ter um fazer, assim decidindo (em termos substanciais) para além do que lhe
âmbito de aplicação mais vasto que a atividade probatória. foi expressamente pedido.
Há Autores120que interpretam o art.° 58.° da LGT de forma limi­
tativa, comparativamente ao que, para o procedimento administrativo Como disse o TCA/SUL no seu acórdão de 26-06-2007, rec.
em geral, dispõe o art.° 56.° do CPA12!, entendendo que a administra­ n.° 1824/07, de que foi relator J osé C o r r eia , o princípio do inquisi­
ção tributária, na sua decisão, está limitada pelo princípio do pedido, tório perm itia, por isso, que a adm inistração recorresse a todos os meios
não podendo decidir coisa diferente da que foi pedida nem podendo de prova em direito perm itidos, procedesse a diligências não requeridas,
decidir para além do requerido. invéstigasse sobre m atérias conexas que não hajam sido m encionadas no
Não perfilhamos tal visão: as diferenças de redação de tais normas requerim ento inicial e, até, resolvesse coisa diferente ou mais ampla do
são explicáveis pela diferente representação do interesse público que que a pedida, se tal for a consequência im posta por lei ou pelo interesse
está em causa no procedimento tributário e no procedimento adminis­ público, pois a razão deste direito está no facto de, mesmo quando dinam i­
trativo. No procedimento tributário, o interesse público confunde-se zada por um interesse particular, a atividade adm inistrativa ter sempre de
com a efetivação do princípio da legalidade da tributação, a decisão visar o interesse público e n a instrução predom inar o sistema inquisitório
a tomar é, por regra, estritamente vinculada. Portanto, só haverá uma (que é um a m anifestação do princípio da legalidade da adm inistração).
decisão (legalmente) possível.
A administração tem, dentro dos prazos que a lei fixa, a obriga­ O princípio da investigação não exclui o dever de colaboração por
ção de, oficiosamente, corrigir todas as situações de ilegalidade que parte do sujeito passivo e outros obrigados. Aliás, uma das concreti­
venha a verificar existirem. Limitar a decisão ao pedido equivaleria, zações deste princípio será, precisamente, suscitar a colaboração dos
muitas vezes, a ignorar (outras) ilegalidades. interessados, em ordem a um melhor apuramento da verdade.
Um exemplo: o contribuinte peticionou a ilegalidade parcial de Mas, mesmo nos casos em que a lei valora negativamente a falta
uma liquidação, mas a administração conclui que ela é totalmente ile­ de colaboração dos contribuintes122, daí não resulta que tal “silên­
gal. Parece-nos óbvio que a administração tem que decidir pela anula­ cio” possa ser entendido como “confissão tácita”. A administração
ção total da liquidação em causa. Outro exemplo: ao dar provimento tributária tem que prosseguir, no razoável, a sua atividade de recolha
a uma reclamação graciosa relativa à liquidação de um imposto refe­ probatória, até para lograr a suficiente fundamentação factual da sua
decisão, sendo que quaisquer factos favoráveis ao contribuinte que
120 Leite de C ampos / Silva Rodrigues / Jorge de Sousa, Lei Geral Tributária venha a apurar (incluindo aqueles sobre os quais ele foi convidado a
p. 487. prestar “esclarecimentos”, mas não o fez) terão que ser tomados em
121 O qual dispõe que os órgãos administrativos, mesmo que o procedimento conta na decisão final.
seja instaurado por iniciativa dos particulares, podem proceder às diligências que
considerem convenientes para a instrução, ainda que sobre matérias não mencionadas
nos requerimentos ou nas respostas dos interessados, e decidir coisa diferente ou 122 P. ex., a não resposta à notificação para justificar a origem dos meios
mais ampla do que a pedida, quando o interesse público assim o exigir. empregues na aquisição de bens que a lei considera serem manifestações defortuna.
66 Manual de Procedimento e Processo Tributário Estrutura do Procedimento Tributário 67

A iniciativa de produção da prova por parte do contribuinte e A questão coloca-se, nomeadamente, quando o contribuinte não
outros interessados é, assim, mais um ónus que um dever. Eles estarão, dispõe de documento comprovativo de determinado facto do seu inte­
melhor que ninguém, interessados em alegar os factos que considerem resse e não o consegue obter, mas a administração fiscal dispõe de
importantes para uma decisão favorável às suas pretensões e em indi­ meios para, com relativa facilidade, verificar qual a realidade e não os
car quais os meios pelos quais se pode lograr a prova de tais factos. utiliza. Estas situações são vulgares no plano das relações tributárias
internacionais. Os nossos tribunais entendem —e bem ~ que compete
à administração fiscal, no caso de lhe subsistirem dúvidas, proceder
6.1. A suficiência da instrução à troca internacional de informações124.
Também no “plano interno” pode acontecer o mesmo tipo de situ­
Porque a efetivação do princípio da investigação é um direito dos ações. O dever de esclarecimento da verdade da situação tributária de
contribuintes, são anuláveis os atos tributários e outros, conclusivos determinado sujeito passivo - no “interesse deste” - pode, até, obri­
de procedimentos, em que se mostre que a administração não cum­ gar a administração fiscal a fazer um “controlo cruzado”, realizando,
priu, nos limites do razoável, com as obrigações que para ela decor­ para tal, uma inspeção a outro contribuinte, ao outro interveniente na
rem de tal princípio. transação em causa125.
Estamos a falar, apenas, das ações puramente impugnatórias, A questão assume particular relevo na avaliação indireta. É ine­
modelo em que se insere a ação de impugnação regulada no CPPT, rente a este método de quantificação da matéria coletável um risco de
cujo objeto é o controlo pela negativa da legalidade do ato (saber se incerteza, que o sujeito passivo suporta, até porque o recurso a estes
ele deve ser declarado inválido), em que cabe à administração fazer a métodos surge como consequência de um comprovado incumprimento
prova dos respetivos pressupostos de validade. dos seus deveres de cooperação.
Nas situações em que se constate não ter existido procedimento Mas tal não dispensa a administração fiscal de levar a cabo as
instrutório ou, mais frequentemente, se constate que este foi deficiente tarefas de investigação razoavelmente exigíveis para conseguir a apro­
ou incompleto, a questão de direito ficará resolvida pela relevância do ximação possível da matéria coletável presumida à que terá, na reali­
vício procedimental, devendo o ato ser anulado por vício de forma. dade, acontecido.
Assim, não poderá haver lugar a uma atividade instrutória por parte
do tribunal, sub-rogatória ou complementar da que (não) foi realizada Neste sentido, o Ac. do TCA Norte de 25-09-2008, rec. n.°
pela administração123. 00105/00, de que foi relatora D u lc e N e t o : (...) porque a AT tinha
Ou seja, antes de valorar a prova produzida há que aferir - como a possibilidade, sem quaisquer inconvenientes ou encargos adicionais, de
questão autónoma —da suficiência da investigação feita, se era razo­ ter procedido a uma amostragem relativamente a cada um dos exercícios
avelmente possível e exigível que a administração fiscal, por sua ini­ inspecionados -1995,1996 e 1997- utilizando a mesma metodologia usada
ciativa ou no seguimento de pedido do interessado, levasse mais longe para a amostragem realizada ao ano de 1998 (isto é, fazendo a amostra­
a atividade investigatória. gem com os correspondentes dados contabilísticos desses exercícios, cuja

124 P. ex., Acórdãos do TCA/Norte de 28-04-2005, rec. n.° 00190/02, e 14-


123 Alexandra Coelho M a r t in s , «A instrução entre o procedimento e o 07-2005 jec. n.° 00089/03.
processo judicial administrativo», p. 96 ss. 125 P. ex., Ac. do STA de 21-10-2009, rec. n.° 0583/09.
68 Manual de Procedimento e Processo Tributário Estrutura do Procedimento Tributário 69

veracidade se presume por não lhe terem sido imputadas anomalias ou


podia, logicamente, inferir a “gerência de facto”126. Assim, à adminis­
irregularidades), conclui-se pela arbitrariedade e desadequação do método
tração fiscal, para efeitos de reversão de uma execução fiscal, bastaria
utilizado para medir o lucro tributável desses exercícios, já que ele con­
provar a qualidade registrai de gerente ou administrador do revertido,
sistiu, simplesmente, em determinar indiciariamente o volume de vendas
cabendo a este a prova do não exercício efetivo de tais funções. Deci­
para um ano e transpor a correção para os exercícios anteriores sem jus­
sões mais recentes127vêm concluir pela inadmissibilidade de tal racio­
tificação para o efeito.
cínio presuntivo, o que nos parece correto, pois a experiência mostra
ser relativamente frequente a nomeação de administradores e geren­
tes que nunca exerceram (até, que nunca foram supostos exercer) tais
6.2. Os meios de prova funções. Tal diferença de entendimento tem consequências práticas
relevantes: para fundamentar a decisão de reversão, a administração
No procedimento tributário são utilizáveis todos os meios de prova tem, agora, que alegar factos de onde se possa extrair a conclusão de
admissíveis em direito (art.° 12? da LGT). Nem poderia ser de outra que o revertido era, de facto, no período em causa, gerente ou admi­
forma, sob pena de se comprometer o objetivo de encontrar a verdade nistrador da sociedade originária devedora.
material. As presunções legais são frequentes no ordenamento tributário,
o que bem se compreende dada a dificuldade que, em muitos casos,
existe em fazer prova direta da existência do facto tributário não decla­
6.2.1. Aspresunções rado. A lei facilita a tarefa probatória da administração fiscal, à qual
passa a cumprir, apenas, estabelecer (por prova direta) a existência de
Merecem especial referência as presunções enquanto meio de outro facto, mais fácil de provar. Provado o facto indiciário, a lei con­
prova em direito tributário. sidera provado o facto indiciado, cabendo ao sujeito passivo o ónus da
Temos, em primeiro lugar, as presunções naturais oujudiciais, as contraprova. Assim acontece, p. ex., quando está em causa o recurso
conclusões que as regras de experiência comum permitem retirar da à avaliação indireta da matéria coletável.
existência de um facto a partir de outro facto (diretamente) provado. O art.° 73.° da LGT admite a existência de presunções legais em
Não está excluída a sua utilização no procedimento tributário, feita matéria de incidência tributária128, mas afirma, expressamente, o seu
nos termos gerais de direito, até porque, de outra forma, se poderia carácter juris tantum, ou seja, que existe sempre a possibilidade de
estar a excluir o recurso a elementares regras de bom senso. Mas há ser feita prova do contrário.
que ser particularmente criterioso na invocação de presunções natu­
rais, especialmente quando estão em causa elementos essenciais dos
impostos, sob pena de se poder frustrar a dimensão garantística do 126 P. ex., Ac. do TCA/Sul de 25-10-2005, rec. n° 00583/05: “a presunção
de gerência, resultante do registo da nomeação para esse cargo, é a da gerência de
princípio da legalidade.
direito e não a da gerência de facto, presumindo-se esta, se provada aquela”.
Um exemplo: tradicionalmente, a jurisprudência entendia que as 127 P. ex., Ac. do TCA/Norte de 27-04-2008, rec. n.° 00090/03: “não existe
regras de experiência impunham a conclusão de que aquele que no qualquer presunção legal que imponha que, provada que esteja a gerência de direito,
registo figura como gerente ou administrador de uma sociedade exerce se deva dar como provado o efetivo exercício de funções como gerente”.
as funções de gerente, ou seja, que da prova da “gerência de direito” se 128 Sendo que a função principal de tais presunções não é processual mas
substantiva, ao contribuir para a constituição do facto tributário, mais propriamente
do seu elemento subjetivo (João Sérgio R ibeiro , Tributação Presuntiva..., p. 55 ss.).
70 Manual de Procedimento e Processo Tributário Estrutura do Procedimento Tributário 71

O que nos suscita algumas interrogações. Dois exemplos: praticados, nas mesmas circunstâncias, entre empresas independen­
No regime simplificado, que, como vimos, é uma forma presun­ tes, conduz, em maior ou menor medida, à tributação de um lucro fic-
tiva de determinação do rendimento, coloca-se a questão de saber se cionado (mais que presunções, estaremos perante verdadeiras ficções
o sujeito passivo pode ser admitido a fazer prova de que o seu rendi­ jurídicas em matéria de incidência do imposto)131.
mento tributável foi inferior ao resultante da aplicação aos seus provei­
tos (reais) dos coeficientes legalmente previstos, os quais dão expressão
aos custos supostamente suportados no exercício da sua atividade. 6.2.2. Informações oficiais
O STA concluiu que esta possibilidade existe (Ac. do STA de
04-11-2009, rec. n.° 0553/09, relatora I sabel M arques da S ilva). Não Há quem considere que em direito tributário existe um outro meio
discordamos da decisão - que, aliás, está em consonância com a melhor de prova, autónomo, as informações oficiais.
doutrina129-, a qual não poderia ser outra, atento o atual quadro legal. Haverá, em primeiro lugar, que considerar a questão da genuini­
O que questionamos é se, de lege ferenda, tal possibilidade não devia dade dos documentos em que se corporizam tais informações, a qual
ser excluída (admitindo que o regime simplificado seja verdadeira­ deve ser impugnada no prazo de 10 dias contados da data em que o
mente simples), uma vez que, de outra forma (i.e., como atualmente interessado se deva considerar notificado da sua junção (art.° 115.°, n.°
sucede), o regime simplificado só terá aplicação prática nos casos em 3e 4, do CPPT). Estará, então, em causa o incidente de falsidade132.
que resulte mais favorável para o sujeito passivo que a tributação pelo No tocante ao conteúdo de tais informações, há que começar por
rendimento real, o que redunda numa incompreensível benesse fiscal. distinguir entre os factos aí narrados e outras afirmações delas cons­
Afastada que fosse a possibilidade de ilisão da presunção legal tantes, como sejam juízos valorativos ou a fundamentação legal, por­
de quantificação do rendimento em que assenta este regime130, a sua quanto a questão da prova se coloca apenas relativamente a factos.
constitucionalidade não seria, a nosso ver, posta em causa dado o Tais informações têm a natureza de prova testemunhal, prestada
seu carácter optativo (a possibilidade de os sujeitos passivos por ele por escrito, salvo, como é óbvio, quando se louvem em documen­
potencialmente abrangidos poderem escolher ser o rendimento apu­ tos. Daí a necessidade da sua fundamentação, entendida aqui como a
rado segundo as regras gerais, a partir dos registos constantes de uma indicação do modo como se chegou ao conhecimento de tais factos,
contabilidade organizada). a “razão de ciência” da administração. Nesta medida, na medida da
No domínio dos preços de transferência, entendemos que a não sua objetividade, devem ser valoradas como sendo um testemunho
aceitação do valor de custos e proveitos declarados pelo contribuinte particularmente idóneo. É o que resulta do n.° 1 do art.° 76.° da LGT
(mesmo quando correspondentes aos efetivamente suportados ou obti­ e do art.° 115.°, n.° 2, do CPPT. Ou seja, as informações oficiais não
dos) e a sua “correção” para os valores que, supostamente, seriam
131 Rui Duarte M orais , «Preços de transferência: o sistema fiscal no fio da
129 João Sérgio R ibeiro, «Manifestações de fortuna e afastamento parcial da navalha». Em sentido diferente, João Sérgio R ibeiro , Tributação Presuntiva ...,
presunção de rendimento», em comentário ao acórdão referido. p. 399 ss.
130 Diferentes serão as situações em que o sujeito passivo omitiu o seu dever de 132 Este incidente deixou de estar previsto no CPC em consequência da
declarar a cessação de atividade e viu ser-lhe liquidado o valor mínimo de imposto revogação dos seus art° 360.° a 370.°. Embora sem autonomia intra-processual
que, anteriormente, estava previsto no regime simplificado. Rigorosamente, não (sem constituir um incidente típico), a impugnação da genuinidade de um
estará aqui em causa a questão da quantificação da obrigação tributária, mas sim documento encontra-se regulada nos art.° 544.° a 552.° deste diploma, normas que
a da sua existência. são subsidiariamente aplicáveis em processo tributário.
72 Manual de Procedimento e Processo Tributário Estrutura do Procedimento Tributário 73

são, substancialmente, um outro meio de prova, nem lhes é reconhe­ sariamente o normalmente idóneo, salvo nos casos em que a lei prevê
cida força probatória plena133. Também aqui continua a valer a regra especiais obrigações de registo), sem prejuízo de as suas insuficiên­
geral de que a dúvida factual deve ser valorada a favor do contribuinte. cias ou o esclarecimento da sua razão de ser poderem ser obtidos com
Tal significa que, para ilidir a força probatória das informações recurso a outros meios de prova, como testemunhas; pelas particula­
oficiais, o interessado não precisa de lograr a prova do contrário, pro­ res características deste imposto, o direito à dedução de IVA só pode
var que os factos nelas apurados não correspondem à realidade. Bastar- ter lugar com base em fatura ou documento equivalente que preencha
-lhe-á lograr a prova de factos de onde resulte a dúvida razoável sobre todos os requisitos formais exigidos pela lei135; a prova do pagamento
a correspondência à realidade dos factos documentados em informa­ dos impostos só poderá ser feita por um dos documentos referidos no
ções oficiais para, nessa medida, a decisão lhe ser favorável. art.° 94.° do CPPT136.

6.2.3. Limitações ao uso de meios de prova 6.2.4. Valoração da prova (o “ónus da prova”)137

A possibilidade de utilização, no procedimento tributário, de todos Já vimos que não se pode, com rigor, falar da existência de um
os meios de prova admitidos em direito conhece limitações. ónus no carrear de elementos probatórios para o procedimento, uma
Temos, p. ex., que no procedimento de reclamação graciosa a vez que vale o princípio da investigação ou do inquisitório138.
prova se limita, por regra, a documentos e informações oficiais, sem A questão da valoração da prova situa-se, necessariamente, em
prejuízo do poder-dever do instrutor, sempre que necessário, ordenar momento posterior ao da sua recolha. Sequência que é importante tor­
diligências complementares, ou seja, a produção de outros meios de nar a frisar. Num primeiro momento, coloca-se a questão de saber se a
prova (nomeadamente a testemunhal) —art.° 69.°, al. e), do CPPT. administração fiscal cumpriu com o dever de efetuar todas as diligên­
Consideramos justificável esta limitação —coerente com a “sim­ cias razoavelmente necessárias ao esclarecimento da situação factual,
plicidade de termos e brevidade de resoluções” que deve caracterizar ao estabelecimento da verdade material. Se assim não tiver acontecido,
este procedimento —por não colocar em causa, decisivamente, os direi­ a decisão enferma de um défice instrutório, não se encontra suficien­
tos dos contribuintes. Na realidade, a reclamação graciosa, enquanto temente fundamentada.
meio do recurso, é uma opção aberta aos interessados, que a podem Apenas quando se conclua que foram reunidos os elementos fac­
utilizar ou não134, sempre sem prejuízo do acesso aos tribunais. tuais que, razoavelmente, seria possível obter é que se poderá passar
Existem outras limitações quanto ao modo como pode ser feita à valoração da prova.
a prova de determinados factos: assim, p. ex., o apuramento do lucro
a partir de uma contabilidade organizada implica que cada um dos
“lançamentos” tenha por base um documento (ainda que não neces- 135 Clotilde Celorico Pa l m a , Introdução ao Imposto sobre o Valor
Acrescentado, p. 176 e ss. Tal é jurisprudência pacífica: p. ex, Ac. do STA de
133 jqa vigência do Código do Processo das Contribuições e Impostos, as 12-01-2011, rec. n.° 0533/10; Ac. do TCA/Sul de 19-5-2009, rec. n.° 03026.
informações oficiais, quando fundamentadas, faziam fé e constituíam prova até 136 Acórdãos do TCA/Norte de 14-07-2005, rec. n.° 00019/03, e de 07-07-
outra bastante em contrário (art.° 97.°). 2005, rec. n.° 00 023/03.
134 Salvo a exceção das reclamações necessárias. Infra, n.° 24.2.1, As 137 Em geral, Elisabete Louro M artins , O Ónus da Prova no Direito Fiscal.
reclamações necessárias. 138 Saldanha S anches , O Ónus da Prova em Processo Fiscal, p. 130.
74 Manual de Procedimento e Processo Tributário Estrutura do Procedimento Tributário 75

Quanto a esta questão, o art.° 74.°, n.° 1, da LGT limita-se a trans­ em causa correções diretas dos registos contabilísticos, normalmente
por para o procedimento tributário as regras gerais constantes do art.° designadas por “correções técnicas ou aritméticas”141.
342.° do Código Civil. Demonstrada que seja a realidade dos factos Outras vezes, porém, a administração concluirá pela não corres­
constitutivos da pretensão tributária (na maioria dos casos, comprovada pondência à realidade de dados declarados mas não está em condições,
a ocorrência de determinado facto gerador de imposto), devem ser daí por impossibilidade de obtenção de prova do contrário, de proceder a
extraídas, na decisão, as consequências legais. Mas se, não obstante a correções diretas. Então, a lei permite que o apuramento da matéria
pretensão da administração estar factualmente fundada, foi feita prova coletável142 seja feito através de uma avaliação indireta, que os dados
de um facto que é obstáculo à tributação (de uma exceção139) há, tam­ constantes da contabilidade sejam “afastados” e substituídos pelo resul­
bém, que retirar daí as consequências legais. tado de um raciocínio presuntivo.
A questão do ónus da prova, assim entendido, coloca-se com Importa, aqui, apenas acentuar que cabe à administração o ónus
particular importância nos casos de dúvida razoável. Valem, quer no da prova de factos dos quais se deva concluir por uma tal impossi­
procedimento, quer no processo tributário, as regras gerais, traduzidas bilidade (a impossibilidade é uma conclusão de direito, que deve ou
aqui no brocado in dubio contra fiscum , ou seja, não deve, estando em não ser extraída dos factos provados, ou seja, não pode ser, ela pró­
causa a prova da existência do facto gerador de imposto, ser proferida pria, objeto de prova).
decisão desfavorável ao sujeito passivo (estando em causa a revisão de Verificados que sejam os pressupostos factuais para uma ava­
uma decisão anterior, deve a mesma ser anulada). liação indireta corretiva, cabe também à administração, através de
O tema da repartição do ónus da prova assume contornos parti­ raciocínios que têm uma natureza presuntiva, fixar matéria coletável.
culares relativamente aos contribuintes cuja matéria coletável deva ser Quanto a esta fixação, a esta quantificação, há porém, uma alte­
apurada com base em contabilidade organizada. ração das regras normais de repartição do ónus da prova. Sempre que
Como já refçrimos, ao especial dever de documentação (e de a quantificação do rendimento presumido não decorra diretamente
organização dessa documentação) corresponde a presunção legal da da lei143, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso (art.° 74.°,
verdade dos “dados e apuramentos” constantes da contabilidade (art.° n.° 3 da LGT).
75.° n.° 1, da LGT). Ou seja, a regularidade formal cria uma presun­ Porém, esta regra excecional de distribuição do ónus da prova
ção de verdade material, de que os factos documentados correspon­ tem que ser temperada, sob pena de se ter que admitir exigências tri­
dem à realidade140. butárias sem qualquer (presumível) correspondência com a realidade.
Cabe, pois, à administração ilidir tal presunção legal. Umas vezes, Para além dos casos em que o excesso na quantificação resulte
disporá da prova do contrário, estará em condições de demonstrar que das regras da experiência comum ou que seja manifesto, notório ou
determinado dado constante da contabilidade não corresponde à rea­
lidade, ou que foi omitido o registo de determinada operação. Estarão 141 Aqui, apenas correções factuais e não correções resultantes da aplicação
(interpretação) da lei.
142 Correção que poderá relevar não só para efeitos de impostos sobre o
139 As exceções (perentórias) consistem na invocação de factos ou causas rendimento mas, também, p. ex., para efeitos de IVA.
impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do Autor. De entre os factos 143 É, p. ex., o caso da avaliação indireta baseada na existência (na prova)
extintivos teremos, p. ex., a caducidade, a prescrição e o pagamento. Por todos, de manifestações de fortuna “não justificadas”, em que a fixação do rendimento
Manuel de A n d r a d e , Noções..., p. 128 ss. coletável (rendimento padrão) decorrerá diretamente da aplicação das percentagens
140 S a ld a n h a S a n c h e s , A Quantificação...., p. 341 fixadas na tabela constante do n.° 4 do art.° 89.°-A da LGT.
76 Manual de Procedimento e Processo Tributário Estrutura do Procedimento Tributário 77

ostensivo144, há que não esquecer que a quantificação lograda pela 7. A decisão


administração tributária tem, mesmo nos casos de avaliação indireta,
que ser suficientemente fundamentada. Colocada a questão na pers- A administração tem o dever de se pronunciar, de decidir, sobre
petiva do ónus da prova, diremos que a administração tem, também, os assuntos que sejam da sua competência - é o chamado princípio
que alegar e provar os elementos utilizados na determinação presun­ da decisão 147.
tiva da matéria coletável (cf. art.° 90.° da LGT), tem que estabelecer a O que não significa que todos os requerimentos, exposições, etc.,
base factual de que partiu nessa reconstituição indiciária, a realidade devam dar origem a um procedimento administrativo. Tal só aconte­
dos indícios de que se serviu145. cerá quando exista um dever legal de a administração proferir uma
decisão procedimental.
Não está fundamentado um ato de liquidação, com uso de métodos Ou seja, há que distinguir entre o direito à resposta e o direito
indiretos, em que foi aplicada uma margem de comercialização de 25% à decisão . O direito de petição , que assiste a todos os cidadãos, nos
sobre o presumido volume de vendas, sem nada se dizer sobre as razões termos do art° 52.°, n.° 1, da CRP, implica, apenas, o direito a uma
da escolha dessa margem, em detrimento de qualquer outra - Ac. do resposta, à obrigação de a administração informar o requerente, num
STA de 19-03-2009, rec. n.° 0890/08, relator P imenta do V ale. prazo razoável, sobre o resultado da apreciação do exposto.
O dever de decisão só existe quando o assunto a resolver implique
Mais, na fundamentação do ato de fixação da matéria coletável, a produção de um ato administrativo, o qual será, necessariamente,
a administração tem que lograr estabelecer a suficiente congruência precedido de um procedimento dirigido à sua formação.
do raciocínio presuntivo utilizado e a sua razoável adequação ao caso Como vimos, para que o procedimento administrativo cul­
concreto. A fixação indireta da matéria coletável deve ser recusada mine numa decisão sobre o mérito do requerido, é necessário que,
(deve ser anulada a liquidação consequente) não apenas quando seja no momento da apresentação do requerimento, estejam reunidos os
manifesto, ostensivo, existir um excesso de quantificação mas, tam­ respetivos pressupostos procedimentais, quer de natureza subjetiva
bém, quando seja manifesto, ostensivo, relativamente ao caso concreto, (como sejam a legitimidade do requerente e a competência da enti­
a inadequação da metodologia, dos elementos utilizados ou da forma dade requerida), quer de natureza objetiva (como seja a inteligibilidade
como tal utilização aconteceu146. do pedido). A falta de um desses pressupostos procedimentais, bem
como a existência de qualquer questão que prejudique o desenvolvi­
mento normal do procedimento ou impeça a tomada de decisão sobre
o seu objeto (art ° 83.° do CPA), conduzirá a uma decisão de extinção
do procedimento por impossibilidade legal de conhecer do seu objeto.
Mas, ainda que com este conteúdo, o dever de decidir existe.
A lei estabelece duas exceções ao dever de decidir148: primeira,
144 Cf., p. ex., o Ac. do STA de 17-03-2010, rec. n.° 01211/09. estar ultrapassado, à data de apresentação do respetivo requerimento,
145 Ver João Pedro Silva R odrigues, «Breves considerações sobre a natureza do
acto de determinação indirecta da matéria tributável e o dever da sua fundamentação 147 Sobre este princípio, José M. Sérvulo C o r r eia , «O incumprimento do
expressa». dever de decidir», em especial p. 6 a 10.
146 Mais desenvolvidamente, Rui Duarte M o r a is , «Avaliação indireta, 548 Exceções de natureza substantiva, assim se diferenciando das de natureza
arbitragem e controlo judicial». processual antes referidas.
78 Manual de Procedimento e Processo Tributário Estrutura do Procedimento Tributário 79

o prazo dentro do qual é possível à administração fiscal praticar o ato O cumprimento do dever de fundamentação é essencial, pelos
que a satisfação do requerido implicaria (no dizer da al. b) do n.° 2 do objetivos que através dela se logram:
art.° 56.° da LGT, ter sido ultrapassado o prazo legal de revisão do ato - obrigar à necessária reflexão e ponderação, que são pressupos­
tributário149). O que bem se compreende: a necessária estabilidade das tos de uma boa decisão;
relações jurídico-tributárias impõe que a possibilidade de apreciação - assegurar a transparência das decisões administrativas, a possi­
ou reapreciação de uma determinada situação (com a consequente pro­ bilidade do seu escrutínio, não só pelos seus destinatários mas
dução de um novo ato administrativo, mesmo que meramente confir- também por outros interessados;
matório) conheça limites temporais. Esgotado que seja o tempo em que - efeito persuasivo sobre os seus destinatários, no sentido de
a administração poderia decidir, cessará, naturalmente, o seu dever de os lograr convencer a aceitarem o decidido, atentas as razões
decidir. Mas, no plano formal, continuará a haver um dever de deci­ invocadas;
são (de, com tal fundamento, emitir uma decisão recusando conhecer - permitir a reapreciação do decidido (um controlo eficaz), quer
do mérito do requerido), decisão essa que terá que ser notificada ao por um órgão superior da administração, quer por um tribu­
interessado, que poderá, querendo, dela recorrer. nal. Só sabendo o “porquê” do decidido se poderá aferir da sua
A segunda exceção é ditada por razões de economia procedi­ conformidade com a lei.
mental: visa-se obstar à prática de requerimentos repetitivos, pedidos
formulados pelo mesmo autor com idênticos objeto e fundamentos, a A fundamentação do ato deverá, ainda, ser acessível150, o que
obrigarem a uma “constante” reapreciação da mesma situação. Assim, implica, desde logo, a utilização de uma linguagem entendível pelo
nos termos da al. a) do n.° 2 do art.° 56.° da LGT, em tais situações respetivo destinatário, exigência cujo cumprimento é posto em causa
não existe dever de decisão quando a administração tributária se tiver pela crescente complexidade da lei fiscal, pois que a sua compreen­
pronunciado há menos de dois anos. Mas, também aqui se mantém o são exige conhecimentos que a esmagadora maioria dos contribuin­
dever de emissão de uma decisão expressa de recusa. tes não possuirá.
A fundamentação tem, ainda, que ser exaustiva, ou seja, tem
que ser alegada a verificação de todos os pressupostos de que a lei faz
7.1. A fundamentação da decisão depender a legalidade do ato em causa. Tal impede não só que a fun­
damentação seja completada a posteriori mas, também, que o tribu­
A decisão tem que ser, sempre, fundamentada. Tal é uma impo­ nal possa validar o ato suprindo as deficiências da sua fundamentação.
sição constitucional (art.° 268.°, n.° 3, da CRP), concretizada, entre
outros, no art.° 11? da LGT. Através da fundamentação, a adminis­ No domínio do contencioso de mera legalidade, que é o da impugna­
tração exterioriza o modo como formou a sua decisão, indica qual a ção prevista no processo tributário, o tribunal só pode formular o seu juízo
factualidade relevante que deu por assente e quais as razões em que sobre a validade do ato à luz da fundamentação contextuai integrante do
fundou a sua convicção, quais as normas jurídicas que considerou apli­ próprio ato, sendo totalmente irrelevantes para esse efeito outros funda­
cáveis ao caso e a interpretação que delas fez. mentos que não os que foram oportunamente externados (Ac. do TCA/
Norte de 25-06-2010, relator F ra n cisco R o th es).

149 Entendido aqui ato tributário em sentido lato. 150 Requisito adicionado pela revisão constitucional de 1997.
80 Manual de Procedimento e Processo Tributário Estrutura, do Procedimento Tributário 81

7.1.1. Extensão do dever de fundamentar Nos atos de liquidação de IRS, atenta sua natureza de “processo de
massa”, o dever de fundamentação é cumprido pela administração fiscal
Pelas razões que o motivam, o dever de fundamentar acontece de forma “padronizada” e “informatizada”, mas sem que possa deixar de
relativamente a todo o ato conclusivo de um procedimento tributário, observar o disposto no n.° 2 do artigo 11? da LGT ou de pôr em causa as
mesmo quando favorável ao interessado (a decisão do procedimento é finalidades do direito à fundamentação (Ac. do STA de 17-06-2009,
sempre fundamentada, diz o n.° 1 do art.° 11? da LGT). O que se com­ rec. n.° 0 2 4 6 /0 9 , relatora I sabel M arques da Silva)
preende, pois, como vimos, o conhecimento da fundamentação não
é só do interesse do destinatário mas também de toda a comunidade, Na síntese feliz de S a ld a n h a S a n c h es 153, “a existência de uma
na medida em que exprime a legalidade, igualdade, imparcialidade e situação de controvérsia, corporizada num litígio entre o contribuinte
transparência da atividade administrativa. e a administração sobre a existência ou a qualificação de um deter­
O conteúdo, a profundidade, exigível à fundamentação depen­ minado facto é pois a nota distintiva, no terreno da administração
derá, necessariamente, do caso concreto. Normalmente, afirma-se que fiscal, para a separação entre atos administrativos que exigem uma
a fundamentação tem que ser expressa, clara, congruente e suficiente. fundamentação especialmente desenvolvida e aqueles que a não
O exigível é - utilizando um dizer habitual da nossa jurisprudência exigem”.
- que a fundamentação permita a um destinatário normal entender o Para determinadas situações, a lei consagra a obrigação de uma
itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato, de modo a que fundamentação com especial densidade, especificando “questões”
fique a saber a razão pela qual se decidiu assim e não de outro modo. sobre as quais há que tomar posição expressa. Vejam-se, p. ex., os
O facto de os atos tributários serem estritamente vinculados, de a n.° 3 a 5 do art.° 11? da LGT e o art.° 60.°, n.° 7, do mesmo diploma
decisão decorrer diretamente da lei, não exclui a obrigação de serem (relativo aos elementos novos suscitados em sede de audição prévia)
fundamentados. Esta é uma querela definitivamente ultrapassada151. A e, ainda, o n.° 7 do art.° 92.° da LGT.
vinculação estrita não se reflete na existência do dever de fundamentar,
mas sim no conteúdo da fundamentação. Esta consistirá, essencial-
7.1.2. Falta de notificação da fundamentação
mente, na demonstração da verificação, no caso concreto, da hipótese
da norma legal152, não havendo lugar à motivação do conteúdo concreto
A jurisprudência é pacífica no entendimento de que há que
da decisão (à explanação das razões pelas quais se decidiu nesse sen­
distinguir entre falta de fundamentação (incluindo quer a inexis­
tido e não noutro), pois que, por regra, a decisão (a única possível) a
tência - o que será raro -, quer a insuficiência) e falta de notifi­
ser tomada resulta diretamente da lei. Daí a expressa previsão, no n.°
cação (existiu notificação do ato, mas não incluiu toda a respetiva
2 do art.° 11? da LGT, de uma fundamentação simplificada.
fundamentação). Apenas a primeira situação é configurada como
originando um vício determinante da anulabilidade do ato154.

151 Veja-se Sérgio V asq ues , «O dever de fundamentação na jurisprudência 153 Saldanha S anches , A Quantificação..., p. 430.
tributária». 154 Vício que o art.° 99.°, al. c) do CPPT autonomiza e distingue dos vícios
152 Num dever de justificação (ou seja, a referência ordenada aos pressupostos formais, pois que afeta intrinsecamente a validade do ato tributário. Porém, anulado
de facto e de direito que suportam essa decisão), como o designa Joaquim Freitas um ato por insuficiente fundamentação, pode - deve - a administração fiscal, se
da R ocha , Lições..., p.127. para tal estiver ainda em tempo, renová-lo, expurgado desse vício.
82 Manual de Procedimento e Processo Tributário Estrutura do Procedimento Tributário 83

A segunda situação é tida como afetando, apenas, a eficácia da prazos para desencadear os meios de recurso até que ocorra a
notificação155. “notificação complementar”.

Esta posição é, também, sufragada pela melhor doutrina156. Assim, a falta de notificação da fundamentação legalmente exi­
Com S érvulo C orreia157, se, quando exigível, a notificação não dá gível constituiria o interessado no ónus de, atempadamente, requerer
a conhecer o sentido da decisão, o ato administrativo não é oponível ao a notificação dos elementos em falta. Não o fazendo, o vício da noti­
interessado. Uma comunicação feita em termos de tal maneira lacunosos, ficação ficaria sanado158.
sibilinos ou desconexos, que não permitem a um declaratário normal colo­ Só que, ao sufragar o pensamento dominante159, somos confronta­
cado na situação do real declaratário, deduzir que foi emitida uma deci­ dos com uma contradição entre, por um lado, o art.° 36.°, n.° 1 do CPPT,
são que provoca na sua esfera jurídica determinados efeitos não preenche que dispõe que os atos em matéria tributária que afetem os direitos e
minimamente o tipo de notificação: esta inexiste enquanto tal. Em con­ os interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos quando
trapartida, quando forem inteligíveis o facto da pronúncia de uma decisão lhes sejam validamente notificados (o que está em sintonia com o n.°
e o respetivo sentido, mas faltem elementos como (...) os fundamentos 6 do art.°. 11? da LGT, segundo o qual a eficácia da decisão depende
da decisão, assiste ao particular a faculdade de requerer a notificação das da notificação), e, por outro, o n.° 1 do art.° 37.° do mesmo Código,
indicações em falta ou a passagem de certidão que as contenha. entendido como configurando a obrigação de o destinatário requerer
a notificação da fundamentação omitida.
Em termos práticos, diremos que a pretensão dos contribuintes em
lograrem a anulação de um ato tributário pelo facto de não terem sido 158 Porém, a irregularidade ou a nulidade da citação terá de ser arguida no
notificadas de toda a sua fundamentação é, sistematicamente, rejeitada. próprio processo de execução fiscal (artigo 198.° do CPC e 103.°, n.° 1 LGT), sendo
A defesa da razoabilidade (da constitucionalidade) deste enten­ que do indeferimento dessa arguição cabe reclamação para os tribunais tributários,
dimento assenta, essencialmente, em dois argumentos: nos termos dos artigos 216° do CPPT e 103.° n.° 2 da LGT - Ac. do STA de 03-11-
2010, rec. n.° 0586/10, relator M ira n d a de Pacheco .
- a notificação é tida como sendo externa ao ato notificado (não Temos dúvidas em acompanhar esta orientação sempre que dela resulte
podendo, portanto, os vícios daquela afetar a validade deste); uma diminuição das garantias do citado comparativamente à situação em que se
- o deficiente cumprimento pela administração do seu dever de encontraria estando em causa uma notificação. Brevitas causa, há que não esquecer
notificação não põe em causa as garantias dos contribuintes, que, apesar de a lei afirmar a natureza judicial de todo o processo de execução
fiscal, há que reconhecer que nele existem fases substancialmente administrativas
uma vez que o art.° 37.°, n.° 2, do CPPT dispõe que se a notifi­
(Rui Duarte M orais , A Execução..., p. 38 ss.), nas quais se insere a citação em
cação não contiver a fundamentação legalmente exigida, o inte­ processo de execução fiscal. A distinção entre citação e notificação é, em alguns
ressado pode requerer a notificação dos requisitos que tenham casos, meramente formal: p. ex., uma liquidação é levada ao conhecimento do
sido omitidos ou certidão que os contenha, suspendendo-se os originário devedor através de uma notificação e ao conhecimento do devedor a
título subsidiário (responsável fiscal) através de uma citação.
159 Entendendo, com o apoio de alguma jurisprudência e doutrina, que a
155 Cf. , p. ex., Ac. do STA de 11-03-2008, rec. n.° 22004. sanação da insuficiência das notificações a requerimento do interessado é uma
156 Veja-se, Maria Fernanda M açãs , «Há notificar e notificar, há conhecer e merafaculdade, pelo que o seu destinatário, não tendo lançado mão de tal meio,
impugnar» e bibliografia aí citada. poderá, em momento posterior (por ex., em sede de impugnação da liquidação
557 J. M. Sérvulo C orreia , «Inexistência e insuficiência de notificação do ato notificada) invocar a ineficácia da comunicação, Paulo M arques, Responsabilidade
administrativo», p. 596. Tributária..., p. 123 ss.
84 Manual de Procedimento e Processo Tributário Estrutura do Procedimento Tributário 85

Mais, pode-se questionar a constitucionalidade do n.° 1 do art.° no n.° 2 do art.° 37.° do CPPT não pode ser entendido como abrindo a
37.° do CPPT, uma vez que o art.° 268, n.° 3, da CRP estabelece a obri­ possibilidade de a administração elaborar ou, por alguma forma, com­
gatoriedade de os atos que afetem direitos ou interesses legalmente pletar, a fundamentação do ato162.
protegidos dos cidadãos seremfundamentados e notificados (ou seja, Em segundo lugar, parece-nos que só será exigível que o inte­
sendo obrigatória a notificação do ato e sendo a fundamentação sua ressado utilize o “mecanismo” previsto no n.° 2 do art° 37.° do CPPT
parte essencial, esta teria que ser notificada para o ato poder produzir quando resulte patente da notificação que recebeu existir incumpri­
quaisquer efeitos). mento do dever de comunicação da (de toda a) fundamentação163.
O Tribunal Constitucional, nos seus Acórdãos n.° 245/99, de Assim acontecerá, p. ex., quando seja manifesto que não foram envia­
29-04-99, relatado por M essias B en to , e n.° 72/2009, de 11-02-2009, das todas as páginas do texto; quando a fundamentação enviada se
relatado por M .a L úcia A m a r a l , analisou preceitos de conteúdo equiva­ louva ou remete para informações, pareceres ou outros documentos
lente ao do n.° 2 do art.° 37.° do CPPT, tendo concluído pela não incons- que não foram, também, juntos, etc.
titucionalidade. A principal razão desta decisão terá sido a constatação Se, confrontado com a fundamentação que lhe foi notificada (a
de que o entendimento de que a notificação de um ato desacompanhada qual, razoavelmente, pensou ser toda a fundamentação), o interessado
da respetiva fundamentação não produz quaisquer efeitos conduziria se conformou com a decisão, não recorrendo, parece que não haverá
a tal ato ficar «“dependurado”, ou seja, indefinidamente sujeito a ser quaisquer interesses legítimos merecedores de proteção (o conheci­
impugnado», o que não seria conforme com os princípios de certeza mento de toda a notificação apenas poderia “reforçar” a sua decisão).
e segurança jurídicas. Se recorreu e, em momento posterior do processo, é confrontado
S ó que, como argutamente observa J orge de S ousa 160, além de com “mais” fundamentação (com a parte da fundamentação cuja existên­
assim (pela mação do notificado) resultar validado um ato desconforme cia, razoavelmente, desconhecia), terá que ter oportunidade de sobre ela
com o que exige a Constituição, “se faz recair as consequências do não se pronunciar, v.g. decidir se quer ou não manter o recurso interposto164,
cumprimento da lei sobre aqueles cujos direitos ela visa salvaguardar e, em caso afirmativo, para alterar ou completar a sua petição, podendo
e não sobre quem a viola”. alegar a existência de novos vícios. Ou seja, quando o contribuinte foi
Ora, o intérprete tem que se conformar com o dizer da lei, mesmo induzido em erro, pela administração, quanto aos fundamentos da deci­
que o repute de “exagerado”161. E nenhuma dúvida parece existir de são, temo que lhe ser asseguradas, no quadro do procedimento ou pro­
que a norma, para mais lei constitucional, exige, como condição para cesso em curso, as mesmas garantias de defesa que teria caso tivesse
um ato administrativo poder produzir efeitos, não apenas a suficiência sido integralmente cumprido o dever de correta notificação.
da sua fundamentação mas, também, a respetiva notificação.
Por seguro temos, em primeiro lugar, que a fundamentação 562 Ac. do STA de 30-11-2011, rec. n.° 0619/11, relator F rancisco R o th es :
(aquela à luz da qual deverá ser reapreciada a legalidade do ato admi­ o art. 37.° do CPPT) concede ao contribuinte uma faculdade para os casos em
nistrativo em causa) tem que existir à data da notificação. O disposto que a comunicação do ato enferme de algumas deficiências; não lhe impõe um
comportamento com vista a permitir à AT fundamentar a posteriori um ato que
160 Jorge de S ousa , Código ..., I, p. 354; no mesmo sentido, Serena Cabrita não esteja devidamente fundamentado.
N eto ,Introdução p. 34. 163 “Inversamente”, a utilização do disposto no art.° 37.°, n.° 2 do CPPT não
161 Lembrando o ensinamento de Manuel de A n d r a d e em Ensaio sobre a pode ser aceite quando, manifestamente, surja como um expediente procedimental
Teoria da Interpretação das Leis, p. 64, “só até onde chegue a tolerância do texto visando dilatar o prazo em que é possível a reclamação ou o recurso.
e a elasticidade do sistema é que o intérprete se pode resolver pela interpretação 164 Sendo que, em caso de desistência, se deverá considerar ter sido a
que dê à lei um sentido mais justo e mais apropriado às exigências da vida”. administração fiscal quem deu causa à lide, nomeadamente para efeito de custas.
86 Manual de Procedimento e Processo Tributário

1.2. O incumprimento do dever de decidir

Como vimos, o dever de decidir existe quando, em face das nor­


mas legais aplicáveis, haja vinculação de conduzir o procedimento
até à prática de um ato com determinado conteúdo, quando a admi­
nistração tem o dever de se pronunciar sobre determinada pretensão. CAPÍTULO IV
Este dever mantém-se enquanto a decisão não for proferida, sem
prejuízo do que adiante se dirá sobre as consequências da pendência
Os Atos Procedimentais
de uma ação judicial.
A questão que obviamente se coloca é a dos meios de reação do
8. Prazos
interessado face à passividade da administração, a uma situação de
não decisão, de silêncio.
A lei fixa prazos para a conclusão dos procedimentos e para a prá­
A solução tradicional é a da presunção do indeferimento tácito,
tica dos atos neles inseridos. Tais prazos, quando referidos à atividade
a qual continua a ser acolhida no art.° 106.° do CPPT. Mantendo uma
dos órgãos da administração fiscal, têm carácter de prazos ordenado-
linha de pensamento centrada no ato administrativo, a lei configura o
res, ou seja, o seu não cumprimento poderá, quando muito, envolver
silêncio da administração, decorrido que seja o prazo legal para deci­
a prática de um ilícito disciplinar (cf. art.° 25.° do CPPT) e, eventual­
dir, como ficcionando um ato tácito de indeferimento (art.° 57° n.° 5
mente, gerar uma obrigação indemnizatória.
da LGT). Importa, porém, frisar que o decurso do prazo em que a
Haverá que atentar na hipótese de ter ocorrido uma causa de sus­
administração deveria ter decidido não a desobriga do dever de deci­
pensão da contagem do prazo, p. ex., em razão de uma notificação do
dir. O instituto do indeferimento tácito tem que ser encarado como
contribuinte para prestação de esclarecimentos sobre a sua situação
uma garantia dos cidadãos165, permitindo-lhes, se assim o entende­
tributária (cf. art.° 57.°, n.° 4, da LGT). Ao prazo que a lei prevê para
rem conveniente, o acesso à via judicial166, e não como uma forma de
a conclusão do procedimento (ou para a prática de determinado ato
desobrigar a administração de decidir (muito embora, na prática, seja,
procedimental) acrescerá, então, o tempo até a resposta ter acontecido,
muitas vezes, o que acontece). O interessado pode, portanto, optar por
no limite máximo do prazo que para tal foi fixado.
aguardar pelo pronunciamento expresso da administração, mesmo para
Os prazos procedimentais contam-se nos termos do art.° 279.°
além da data em que a lei considera ter existido indeferimento tácito,
do Código Civil, ou seja, são contínuos167. A lei aplicável à fixação
mantendo o seu direito a que uma tal decisão aconteça.
de determinado prazo é a em vigor ao tempo em que foi ou deva ser
praticado o ato em questão. Assim, p. ex., o prazo para o interessado

167 Regra que é diferente da que vigora no procedimento administrativo em


165 Numa visão crítica, Saldanha S anches, «O indeferimento tácito em matéria geral, onde a contagem dos prazos procedimentais (que não a dos prazos que sejam
fiscal: uma garantia do contribuinte?». condição do exercício do direito), em regra, se suspende nos sábados, domingos e
166 O que bem se compreendia quando a regra era a de a definitividade vertical feriados (cf. art.° 12? do CPA).
do ato administrativo ser pressuposto para a sua impugnação contenciosa (ou seja, Haverá, ainda, que atentar nas regras, constantes do art.° 279.° do Código
quando, antes de se poder sujeitar o ato a apreciação judicial, havia, primeiro, que Civil, relativas aos prazos fixados em meses ou anos, pois esta forma de estipulação
esgotar os meios graciosos de recurso). é vulgar na legislação tributária.
88 Manual de Procedimento e Processo Tributário Os Atos Procedimentais 89

reagir contra uma liquidação é o em vigor no momento da respetiva seu dispor contam-se a partir da data em que lhe seja prestada a infor­
notificação e não o prazo que vigorava no momento da ocorrência do mação em falta173.
facto gerador do imposto liquidado168.
Relativamente à contagem dos prazos no processo de execução
fiscal, a questão é, ao menos em teoria, mais complexa, dada a exis­ 9. Notificações
tência de fases administrativas e fases judiciais169. Rigorosamente, tal
implicaria diferentes formas de contagem de prazos, consoante a fase Nos procedimentos, a comunicação dos atos faz-se através de
em causa. A jurisprudência do STA, partindo da afirmação da natureza notificação.
judicial de todo este processo feita pelo art.° 103, n.° 1, da LGT ~ e não
obstante a existência de fases administrativas —,considera que a conta­
gem de prazos se deve aí fazer nos termos do CPC. Assim, por exem­ 9.1. A notificação como causa impeditiva da caducidade
plo, relativamente ao prazo para a dedução de oposição à execução170, do direito à liquidação
.i'/V
ao prazo para a reclamação das decisões do órgão de execução fiscal
(art.° 277.° do CPPT)171, ao prazo para requerer a anulação da venda172. O art.° 45.°, n.° 1, da LGT estabelece que o direito de liquidar os
Não temos dúvidas em sufragar esta orientação. Nestas questões tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao con-
“menores”, o importante é a segurança jurídica, mais que a bondade | : tribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
intrínseca da solução encontrada. Segurança que resulta de um cri­ ■|í: Esta norma surgiu para pôr fim a um debate sobre se era a prá-
tério uniforme para a contagem dos prazos no (em todo o) processo ipc: tica do ato de liquidação pelos serviços que obstava à caducidade ou
de execução. Para mais, a orientação perfilhada pelo STA resulta na se tal efeito apenas acontecia com a notificação do sujeito passivo (na
concessão de prazos maiores que os que resultariam da aplicação das •ir' data em que esta acontecesse)174.
regras do art.° 279.° do Código Civil. A nosso ver, a tese da relevância da data da prática do ato pela
Restará referir as consequências da não indicação do prazo para p administração nunca poderia ser sufragada pois, tratando-se de um
reagir na notificação de determinado ato. Tal omissão não torna ine­ ato interno, havia o risco de ocorrerem liquidações em que era aposta
ficaz a notificação. Apenas será relevante se o notificado, no uso do ■% uma data anterior à da sua efetivação, o que não podia ser controlado
mecanismo previsto pelo n.° 1 do art.° 37.° do CPPT, requerer tal indi­ pelos contribuintes.
cação, pois que, então, o prazo para acionar os meios de garantia ao Só que esta norma, ao fazer depender a interrupção da caduci­
dade da receção da notificação, levou à prática de contribuintes se
168 Ac. do STA de 14 de Outubro de 2009 (rec. n.° 0698/09), que analisou a furtarem a receber notificações quando se aproximava o termo de um
redução do prazo em que ocorre o indeferimento tácito (e, consequentemente, se prazo de caducidade175.
inicia o prazo para a interposição da impugnação) operada pela Lei n.° 53-E/2006,
de 29/12, relativamente a uma reclamação apresentada a uma Câmara Municipal.
169 Rui Duarte MORAIS, A Execução Fiscal, p. 38 ss. 173 Ac. do STA de 07-10-2009, rec. n.° 0128/09 e Ac. do STA de 25-11-2009,
170 Cf. Ac. do STA de 26-04-95, rec. n.° 19089, Ac. do STA de 14-11-1997, rec. j. rec. n.° 0552/09.
n.° 19102, Ac. do STA de 1-06-2005, rec. n.° 450/05, exemplos de uma jurisprudência 174 Jorge Magalhães C orreia , «Caducidade do direito de proceder à liquidação
firme, já anterior à entrada em vigor da LGT. da contribuição industrial» (comentário a Ac. do STA de 11 de Março de 1987).
171 Ac. do STA de 4-02-1998, rec. n.° 22193. í 175 Nos principais impostos, a contagem do prazo de caducidade inicia-se no
172 Ac. do STA de 23-11-2004, rec. n° 713/04. ; primeiro dia do ano seguinte àquele em que aconteceu o facto gerador (art.° 45.°,
90 Manual de Procedimento e Processo Tributário Os Atos Procedimentais 91

Para obstar ao sucesso desta prática, foi acrescentado ao art.° 45.° 9.2. Conteúdo das notificações
da LGT um novo número 6, segundo o qual para efeitos de contagem
do prazo referido no n.° 1, as notificações sob registo consideram-se As notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e
validamente efetuadas no 3.° dia posterior ao do registo ou no 1.° dia meios de defesa e prazo para reagir contra o ato notificado, bem como
útil seguinte a esse, quando não seja dia útil. a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação
Só que, então, surgiu uma nova questão: saber se esta norma con­ ou subdelegação de competências (art.° 36.°, n.° 2 do CPPT).
tinha - também para este efeito - uma presunção legal quanto à data Começaremos por notar que o objetivo de uma notificação não
de receção da notificação, sucetível de ser ilidida. Para a resolver foi é, necessariamente, comunicar uma decisão (pense-se, p. ex., numa
aditado ao art.° 39.° do CPPT (relativo à perfeição das notificações) notificação para o destinatário prestar esclarecimentos sobre a sua
um novo número 12, segundo o qual o presente artigo (i. e., as presun­ situação tributária).
ções do recebimento de notificações dele constantes176) não prejudica a Entendemos que a indicação dos meios de defesa e prazos para
aplicação do disposto no n° 6 do art.° 45.° da Lei Geral Tributária. os acionar deveria ser feita explicitamente e não, como é prática cor­
Temos, assim, que obsta à caducidade do direito à liquidação o rente, por remissão para os normativos legais aplicáveis. Na realidade,
decurso de determinado número de dias desde a data do registo pos­ o objetivo da lei é que o destinatário da notificação fique imediata­
tal da respetiva notificação, independentemente de esta ter ou não sido mente ciente de como e em que prazos pode agir em defesa dos seus
recebida pelo destinatário. direitos. Ora, não se pode supor que o contribuinte médio conheça os
Nada temos a opor a uma tal solução, pois a lei pode perfeitamente textos legais. A questão é tanto mais importante quanto mais curtos
dispor que obste à caducidade a prática de um determinado ato, inde­ sejam os prazos de reação178. Há, assim, uma efetiva diminuição das
pendentemente do seu conhecimento por aquele que aproveitaria de garantias do contribuinte se este não se puder aperceber, de imediato,
tal exceção177. O essencial é, como vimos, que o momento da prática do “tempo de que dispõe”.
do ato em causa seja controlável, o que, no caso, é assegurado pelo Este é apenas um exemplo do fenómeno da “obscuridade” dos
registo postal da notificação da liquidação» atos e documentos da autoria da administração fiscal. Ao ponto de ser
expressamente recomendado179 que deverá ser previsto normativo, mor­
mente no âmbito do disposto no artigo 54.° da LGT, que obrigue a que os docu­
mentos e os atos do procedimento tributário sejam redigidos de forma objetiva,
n.° 4 da LGT). Como as ações inspetivas acontecem, por regra, quase no limite do simples e clara (...) e que tais deficiências devem também merecer por parte
prazo de caducidade, compreende-se que haja uma “concentração” de notificações da administração tributária uma muito especial atenção, nomeadamente, através
na parte final de cada ano. da divulgação pelos diversos serviços de regras de “boas práticas”.
376 As normas constantes dos números 1 e 2 do artigo 39.° do CPPT e do n.°
6 do artigo 45.° da Lei Geral Tributária devem, numa interpretação conforme à
Constituição, ser interpretadas como estabelecendo presunções iuris tantum de
(válida) notificação, que cedem perante demonstração de que esta ocorreu noutra
data, mesmo que posterior (Ac. do STA de 02-03-2011, rec. n.° 0967/10 relatora 178 Lembremos que há meios de recurso que devem ser acionados no prazo de
I sabel M arques da S ilva). , 10 dias (p. ex., as reclamações das decisões do órgão da execução fiscal, o recurso
177 Assim, p. ex., em processo civil, o facto que obsta à caducidade do direito -(judicial) da decisão da fixação da matéria coletável feita com base na existência
à ação é a sua propositura, ou seja, o recebimento da petição inicial pela secretaria ;dé manifestações de fortuna (art.° 89.°-A, n.° 8, da LGT e 146.°-B, n.° 2, do CPPT).
do tribunal. 179 P o r t u g a l, Relatório..., p. 611
92 Manual de Procedimento e Processo Tributário Os Atos Procedimentais 93

9.2.1. Imperfeição da notificação a razoabilidade de a lei ferir com a sanção de nulidade do ato a falta
dos demais requisitos indicados182.
A imperfeição de uma notificação, quanto ao seu conteúdo, ori­ —irregularidade, quando faltem os demais elementos que a noti­
gina dois tipos de vícios: ficação deve conter. Tal vício considera-se sanado se o desti­
- nulidade, caso falte a indicação do autor do ato (no caso de natário da notificação não lançar mão do disposto no n.° 1 do
este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de art.° 37.° do CPTT, requerendo a notificação do omitido183.
competências, da qualidade em que decidiu), do seu sentido e
da sua data; Questão mais complexa é a da falta de notificação da fundamen­
tação do ato, a qual já foi objeto de análise184.
Compreende-se que assim seja quanto ao “sentido” da notifica­
ção: se este não for inteligível pelo destinatário180não se pode, verda­
deiramente, falar de uma qualquer comunicação181. Já é algo duvidosa 9.2.2. Notificação irregular e prazo para pagamento voluntário

As notificações das liquidações indicarão, ainda, o prazo para


pagamento voluntário, normalmente 30 dias (art.° 85.°, n.° 1 e 2, do
CPPT).
180 Veja-se o caso analisado no Ac. do TCA/Norte de 29-05-2008, rec. n.°
00599/07, de que foi relator A n íba l F er raz (ainda que estando em causa uma
Entende-se que, no caso de notificações irregulares, o uso da
citação): a citação em apreço não forneceu ao citando qualquer indicação sobre a faculdade prevista no n.° 1 do art.° 37.° do CPPT apenas tem como con­
natureza - adicionais, oficiosas, ou emitidas com base nos elementos declarados sequência a prorrogação dos prazos para acionar os meios de garan­
pela sociedade originária devedora - das liquidações dos impostos integrantes da tia185. Neste entendimento, a notificação permanece, no mais, válida
dívida cujo pagamento coercivo lhe foi exigido, nem lhe deu a conhecer os respetivos
fundamentos, ou seja, não o informou sobre se, grosso modo, foram emitidas com
base em elementos declarados pelo sujeito passivo ou se, pelo contrário, despoletadas 182 Assim, p. ex., terá pouco interesse para o destinatário saber a data em
por correções técnicas efetuadas pela administração tributária/AT ou por efeito da que foi praticado o ato, pois, hoje, a sua eficácia afere-se relativamente à data em
aplicação de métodos indiciários/indiretos... que se considera feita a respetiva notificação e não à data em que foi praticado.
Uma irregularidade do tipo da detetada neste processo (não observância do Pouco interesse haverá, também, em saber se existiu uma delegação ou subdele­
comando ínsito no art. 22.° n.° 4 da LGT) é suscetível de, por princípio, determinar gação de competências (salvo, p. ex., quanto à questão da possibilidade de recurso
a nulidade da citação, em harmonia com o regime previsto no art. 198.° do Código hierárquico). Este dado era importante no passado, quando o acesso aos tribunais
de Processo Civil (aplicável ex vi do art. 2.° al. e) do CPPT). dependia do prévio esgotamento dos meios administrativos de recurso (se exigia a
Não permitir alcançar a nulidade da citação por inobservância de tão bem definitividade vertical do ato). Então, era essencial conhecer a qualidade em que o
identificadas formalidades, seria retirar eficácia à tutela dos interesses que as mes­ decisor tinha atuado para se saber se o ato notificado era ou não passível de recurso
mas visam salvaguardar. judicial ou se se devia prosseguir a senda administrativa.
181 O Tribunal Constitucional, em Acórdão de 11*02-2009, rec. n.° 916/2007, 183 O prazo para tal é de 30 dias, ou o prazo para a reclamação, o recurso,
de foi relatora M a ria L úcia A m a r al , considerou que o dever de notificação, que a impugnação ou outro tipo de ação judicial que couber da decisão notificada, se
impende sobre a administração tributária, tem um conteúdo obrigatório, devendo menor.
reunir determinados requisitos essenciais, a saber: a pessoalidade, a efetiva cog- 184 Supra, 7.1.2., Falta de notificação da fundamentação.
noscibilidade do ato notificando e a não excessiva onerosidade do acesso à justiça 185 Vd. Nuno de Oliveira G a rcia , «Notificação incompleta - o recurso ao
administrativa. disposto no art.° 37.° do CPPT e o princípio da não antecipação do prazo de reacção».
94 Manual de Procedimento e Processo Tributário Os Atos Procedimentais 95

pelo que haveria que respeitar o prazo para pagamento voluntário nela o meio de reação contra o ato indicado na notificação, poderá o meio
indicado (p. ex., Ac. do STA de 07-10-2009, rec. n° 0128/09, de 16-09- adequado ser ainda exercido no prazo de 30 dias a contar do trânsito
2009, rec. n.° 0611/09, e de 8-04-2011, rec. n.° 62/06). em julgado da decisão judicial.
Temos dúvidas em subscrever esta orientação. Não tendo sido vali­ Solução que bem se compreende, na medida em que é tradução
damente notificado, e tendo sido tempestivamente arguido tal vício, o do princípio da boa-fé, da confiança, que, legitimamente, os contri­
ato não produz efeitos [quaisquer efeitos! (art.° 36.°, n.° 1, do CPPT), buintes devem ter nas informações que lhes são prestadas pela admi­
até à sanação da irregularidade186. nistração fiscal.
Porém, entendemos que esta disposição legal deve ser conciliada
com outros princípios como os da economia processual e o do favo-
9.2.3. Erro na indicação dos meios de defesa recimento do processo (pro actione).
Dois exemplos:
Como vimos, as notificações têm que conter a indicação dos meios - o contribuinte foi notificado de que poderia recorrer contencio­
de reação utilizáveis contra o ato notificado187. E se tal indicação esti­ samente quando, no caso, o ato notificado tinha que ser objeto
ver errada? de uma reclamação necessária. Neste caso, há que aplicar o
Começamos por notar que este tipo de situações é algo vulgar. Há disposto no n.° 4 do art.° 37.° do CPPT, pois “falta” a decisão
casos em que é (ou foi) discutível o mecanismo de reação a utilizar. administrativa, sendo que ela pode é condição da sindicância
Exemplos, a contestação da verificação dos pressupostos da reversão judicial;
(se o meio próprio era a impugnação da liquidação ou - como agora se - o contribuinte foi notificado de uma compensação, sendo indi­
entende - a oposição à execução) e da compensação feita na pendência cado que pode reclamar graciosamente ou impugnar tal decisão.
de uma execução (se tal ato podia ser objeto de reclamação graciosa Opta pela impugnação. A AF contesta, sustentando a legalidade
ou impugnação judicial ou - como hoje se entende ~ de reclamação de tal compensação. O tribunal entende que o meio próprio de
para o juiz, feita nos termos do art.° 276.° do CPPT). A administração, reação seria a reclamação prevista no art.° 276.° do CPPT. Jus­
em função das orientações jurisprudenciais dominantes, vai alterando, tifica-se que o tribunal se abstenha de conhecer da questão e o
nas notificações, a indicação dos meios de defesa utilizáveis. contribuinte obrigado a apresentar uma tal reclamação? Pen­
A questão aparece resolvida pelo n.° 4 do art.° 37.° do CPPT, samos que não. A reclamação em causa é, no essencial, uma
segundo o qual no caso de o tribunal vir a reconhecer como errado forma de recurso judicial. Ou seja, se o litígio implica uma
decisão judicial e o “processo” já subiu ao Tribunal (ainda que
186 A decisão de pagar voluntariamente o imposto liquidado só pode, por uma via imprópria, por erro da administração), não se vis­
razoavelmente, ser tomada depois de conhecida e apreciada a fundamentação do ato. lumbra qualquer interesse em recomeçar toda a tramitação a
Ora, nos casos em que esta tenha sido omitida ou comunicada de forma incompleta, partir do “zero”188.
é difícil entender que, antes de tal vício ter sido sanado, o contribuinte possa entrar
em mora ou que veja reduzido, por este facto, o prazo que a lei lhe faculta para
(conscientemente) efetuar o pagamento voluntário.
187 Já deixámos expresso o nosso juízo negativo relativamente à prática, que 188 Haveria, sim, que proceder à “correção” da forma processual utilizada,
é corrente, de tal indicação ser feita por mera remissão para os correspondentes até porque as reclamações feitas ao abrigo do art.° 276.° do CPTT seguem as regras
preceitos legais. dos processos urgentes.
96 Manual de Procedimento e Processo Tributário Os Atos Procedimentais 97

9.3. Formalismo das notificações por via postal o valor a pagar. Daí que, mais que notificações de liquidações
(no essencial, repetitivas), estas comunicações são “avisos”
As notificações revestem diferentes formas, consoante a “impor­ para pagamento.
tância” do ato notificado: A inobservância da forma prevista para a notificação consti­
—notificação por carta registada com aviso de receção —reves­ tui uma irregularidade processual, que se considerará sanada
tem esta forma as que tenham por objeto atos ou decisões suce- se não tiver afetado os direitos de defesa do notificado, nome­
tíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou adamente quando se demonstre que a notificação foi, por ele,
a sua convocação para assistirem ou participarem em atos ou efetiva e atempadamente recebida189.
diligências (art.° 38.°, n.° 1, do CPPT); - notificação por telelefax - o n.° 8 do art° 38.° do CPTT prevê
—notificação por carta registada —revestem esta forma, entre a possibilidade de que as notificações que a lei obriga a que
outras, as relativas às liquidações de tributos que resultem de aconteçam por carta registada possam ser efetuadas por telefax.
declarações dos contribuintes (p. ex., a liquidação do IRS) e as Desde logo por ausência da necessária regulamentação, esta
liquidações resultantes de correções à matéria tributável que forma de comunicação não oferece garantias mínimas de que a
notificação seja efetivamente recebida pelo respetivo destinatá­
já tenham sido objeto de notificação para efeitos do direito
rio e que, portanto, possa ser, juridicamente, havida como uma
de audição (art.° 38.°, n.° 3, do CPPT) [esta última notificação
notificação eficaz. Na prática, tem sido utilizada apenas para
deverá ter sido feita por carta registada com aviso de receção];
—notificação pessoal, entendida como envolvendo um contato comunicações urgentes como, p. ex., o adiamento de determi­
nada diligência.
direto entre um funcionário e o notificando. É hoje uma forma
“residual” de proceder a uma notificação, que apenas acon­
tece quando entendido conveniente pelos Serviços (art.° 38
9.3.1. Notificações a mandatários
n.° 5, do CPPT) ou quando feita num ato a que o destinatário
assista, devendo, então, ser-lhe entregue cópia da respetiva ata
Nos procedimentos pendentes em que haja sido constituído man­
(art.° 36.°, n.° 3, do CPPT).
datário, as notificações deverão ser dirigidas a este (art.° 40.°, n.° 1
—notificação por via postal simples —a lei prevê que as notifica­
do CPPT), como, de resto, é regra190. Serão, também, notificados
ções relativas a liquidações de impostos periódicos, quando fei­
os interessados quando esteja em causa a prática, por estes, de atos
tas nos prazos previstos na lei, sejam efetuadas por esta forma
pessoais.
(art.° 38.°, n.° 4, do CPPT). Portanto, uma forma de notificação
que não oferece segurança quanto à sua efetiva receção. Rela­
tivamente aos principais impostos, esta norma só terá aplica­
ção quanto ao IMI (art.° 119.°): por se tratar de um imposto de
grande estabilidade, liquidado anualmente com base em valores
patrimoniais pré-estabelecidos por avaliação, alei entende que 189 Jorge de S ousa , Código ..., I, p. 375.
os sujeitos passivos sabem, antecipadamente, qual o momento 190 Cf. Ac. do STA de 4-05-2011, rec. n.° 0927/10, que considerou haverfalta
em que serão chamados ao pagamento do imposto, bem como de notificação num caso em que o indeferimento de uma reclamação graciosa apenas
foi notificado ao reclamante e não ao mandatário por ele constituído.
98 Manual de Procedimento e Processo Tributário Os Atos Procedimentais 99

93.2. Presunções de recebimento das notificações por via postal natário, parece que se deve considerar ter sido validamente efe-
tuada, uma vez que a lei não prevê mais diligências em ordem
9.3.2.I. Notificações por carta registada à sua concretização (art.° 43.°, n.° 2, do CPPT).

Está em causa, como vimos, entre outros casos, a notificação da Pensamos que este regime legal tem que ser cuidadosamente
generalidade das liquidações feitas pela administração fiscal. aplicado, pois, de outro modo, facilmente acontecerão situações into­
A lei presume que a notificação foi rececionada no 3.° dia útil leráveis193. Se, por um lado, se compreende que estando em causas
posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, quando esse notificações em massa se tenha que limitar, no razoável, o esforço da
dia não seja útil (art.° 39.°, n.°.l do CPPT). AF para contactar os contribuintes, não podemos esquecer que estas
Há que começar por distinguir entre o ónus da prova da efetivação notificações têm um efeito semelhante ao de uma verdadeira citação,
da notificação, que cabe à AF (a qual deverá juntar ao procedimento pois determinam o início de contagem dos prazos para a “contesta­
ou processo o comprovativo do envio da notificação, sendo tal facto ção” do ato notificado.
questionado191), e o ónus da prova do momento em que aconteceu a Assim, há que esperar dos tribunais e da própria administração
receção. Aqui, cabe ao interessado ilidir a presunção legal. a necessária compreensão das situações de justo impedimento, que
Existirão, então, diferentes situações a considerar: poderão resultar de factos tão vulgares quanto a ausência temporária
- a notificação foi recebida, estando em causa a data da sua rece­ do notificando do seu domicílio habitual, p. ex,, em período de férias;
ção (p. ex. nos casos em que o destinatário, não tendo sido - a notificação considera-se, também, validamente efetuada nas
encontrado no seu domicilio, procedeu, posteriormente, ao seu situações de recusa de recebimento. Porém, é preciso ser rigo­
levantamento na estação dos correios). A presunção legal é ili- roso no entendimento do que constitui uma recusa: terá que
dível através de informação dos serviços postais (art.° 39.°, n.° estar em causa um ato do próprio notificando e não, p. ex.,
2 do CPPT192), valendo (p. ex., para início da contagem dos situações em que alguém que seja encontrado pelo carteiro no
prazos para interposição de reclamação ou recurso) a data em domicílio deste declare que não aceita assinar o registo por
que o destinatário efetivamente a rececionou; entender não ter “poderes” para tal.
- a carta foi devolvida, por não ter sido rececionada. Neste caso,
tendo a notificação sido feita para o domicílio fiscal do desti­
193 Como referiu o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.° 130/02, proc. n.°
195 Incumbe à autoridade recorrida fazer a prova da notificação da recorrente 607/01, relatado por T avares da C osta (o qual não conclui pela inconstitucionalidade
para efeitos de apreciação da tempestividade do recurso (Ac. do STA de 21-02-1990, da norma): a questão da suficiência das citações ou notificações postais não se
relator Júuo Tormenta ). esgota na existência e acessibilidade a um domicílio pelos serviços, tornando-se
192 Esta norma estipula que a administração fiscal ou o tribunal, a requeri­ indispensável que as formalidades da notificação postal ofereçam garantias mínimas
mento do interessado, requererão aos correios informação sobre a data da efetiva e razoáveis de segurança e de fiabilidade que, de modo particular, não tornem
receção. A expressão “requerimento do interessado” tem que ser devidamente en­ praticamente impossível ao notificado a ilisão da presunção do efetivo recebimento
tendida: invocando o interessado ter rececionado a notificação em data posterior, da notificação, defendendo-o contra a eventualidade de ausências ocasionais, sem
cabe à administração fiscal ou ao tribunal, independentemente da existência de um lhe criar o pesado ónus da prova de um facto negativo como o de demonstrar
requerimento formal nesse sentido, averiguar oficiosamente qual foi tal data, por que certa carta não foi recebida nem depositada, em determinado momento, no
tal lhes ser imposto pelo princípio do inquisitório. recetáculo postal.
100 Manual de Procedimento e Processo Tributário Os Atos Procedimentais 101

9 3 2 2 . Notificações por carta registada com aviso de receção comunicou a alteração daquela ou demonstre ter sido impossível essa
comunicação.
Valem, no essencial, as mesmas regras, quanto às presunções de E com grande preocupação que vemos o facilitismo com que se
recebimento. legisla em matéria que contende tão diretamente com as garantias dos
Para além das diferenças de formalismo de entrega, caso a carta contribuintes.
e o respetivo aviso de receção sejam devolvidos por ninguém ter pro­ Não negamos a evidência que é o facto de se ter generalizado
cedido ao seu levantamento ou o aviso seja devolvido sem estar assi­ o uso da internet, nomeadamente por parte das sociedades e (algu­
nado pelo destinatário, será enviada nova notificação, também por mas das) demais pessoas coletivas, bem como pelas pessoas singula­
carta registada com aviso de receção, e só após esta ter sido recebida res que exercem, de forma independente, uma atividade empresarial
ou se poder, legalmente, presumir o seu recebimento, se considerará ou profissional194. Como não negamos a maior rapidez e economia de
a notificação como tendo sido efetuada (art.° 39.°, n.° 5, do CPPT), meios e, até, as vantagens ambientais que as comunicações eletróni­
cas permitem.
Só que não podemos esquecer, mais uma vez, que poderão estar
9.4. Notificações eletrónicas em causa notificações de extrema importância, cuja receção marca o
início da contagem dos prazos de que os destinatários dispõem para
O n.° 9 do art.° 38.° do CPPT veio consagrar a possibilidade de acionar os meios de defesa que a lei lhes faculta para fazerem valer a
quaisquer notificações poderem, em alternativa à via postal, ser feitas legalidade da tributação195.
pelo recurso a meios eletrónicos. Como concluiu o Tribunal Constitucional, em Acórdão já refe­
Depois de várias “hesitações” legislativas, de que não cumpre rido196, o dever de notificação, que impende sobre a administração
aqui dar notícia, temos que, nos termos da nova redação do n.° 2 do tributária, tem um conteúdo obrigatório, devendo estarem reunidos
art.° 19.° da LGT (dada pela LOE/2012), o domicílio fiscal passou a alguns requisitos essenciais, nomeadamente, a pessoalidade e a efe­
integrar, para além da morada (que corresponde à residência habitual, tiva cognoscibilidade do ato notificando.
no caso de particulares, ou à sede ou direção efetiva, no caso de pes­ Ora, as notificações eletrónicas, tal como a lei agora prevê que
soas coletivas), a “caixa postal eletrónica”. aconteçam, não garantem o preenchimento destes requisitos: não
São obrigados a possuir “caixa postal eletrónica”: (i) sujeitos pas­ há possibilidade de saber quem acedeu à caixa eletrónica do sujeito
sivos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas com sede ou
direção efetiva em território português; (ii) os estabelecimentos está­ 194 Na realidade, são os TOCs quem assegura o cumprimento, via internet, das
veis de sociedades e outras entidades não residentes; (iii) os sujeitos obrigações declarativas das sociedades e empresas individuais com contabilidade
organizada.
passivos residentes enquadrados no regime normal do imposto sobre Porém, consciente dos riscos envolvidos pelas notificações eletrónicas, a
o valor acrescentado (n.° 9 do art.° 19.° da LGT). Ordem dos TOC já veio recomendar aos seus membros que não aceitem indicar
As notificações eletrónicas consideram-se efetuadas no momento os seus endereços de email como caixa postal eletrónica dos respetivos clientes.
em que o destinatário acedeu à sua caixa postal eletrónica (n.° 9 do 195 O problema suscitado pelas notificações eletrónicas ficaria ultrapassado,
art.° 39.° do CPPT). Em caso de ausência de acesso, a notificação ao menos em larga medida, se, como há muito vimos propugnando - ainda que por
diferentes razões - os prazos para reclamação e recurso das liquidações apenas
considera-se efetuada no 25.° dia posterior ao envio da mensagem expirassem após a citação em processo de execução fiscal.
(n.° 10), salvo nos casos em que se comprove que o contribuinte 196 A c . d o TC de 11-02-2009, rec. n.° 916/2007, relatora M a r ia L ú c ia A m a r a l.
102 Manual de Procedimento e Processo Tributário

passivo, se foi ele próprio ou se um determinado terceiro197; não há


efetiva garantia de que, ao menos em circunstâncias normais, o desti­
natário teve, realmente, conhecimento da notificação.
Aliás, a lei parece prescindir deliberadamente da exigência do
conhecimento efetivo, uma vez que considera que a notificação acon­
teceu se ninguém tiver acedido à caixa postal eletrónica nos 25 dias CAPÍTULO V
seguintes ao envio da mensagem (!). Dos Procedimentos em Especial
Certamente que se irá multiplicar a invocação de situações de
“justo impedimento”, relativamente ao exercício dos direitos de defesa,
especialmente quando estejam em causa prazos muito curtos ... SECÇÃO I
Em resumo, o sistema de notificações eletrónicas parece garantir
a certeza do envio da notificação198, mas não, ao menos com razoável Procedimentos da Iniciativa dos Sujeitos Passivos
certeza, a sua receção199.
É uma situação que, por certo, irá, em breve, conhecer significa­ Iremos, de seguida, analisar as principais formas procedimentais
tivos desenvolvimentos. tipificadas na lei. Numa tentativa de sistematização, distinguiremos
entre os procedimentos que são da iniciativa da administração fiscal
e os que são da iniciativa dos contribuintes. Porém, há procedimentos
que podem ser da iniciativa de qualquer uma das partes. Para evitar
desnecessárias repetições, em alguns casos tais procedimentos serão
analisados por uma única vez.

10. Procedimento de informação vinculativa

Ao direito fiscal é inerente o valor segurança, o qual tem uma


dimensão essencial de previsibilidade. Muitas vezes, a antevisão das
consequências fiscais será determinante na decisão de realizar ou não
197 Veja-se, relativamente às notificações postais por carta registada recebidas determinada operação. Uma tal prognose é, em muitos casos, difícil,
por terceiros, o que dispõe o n.° 4 do art.° 39.° do CPPT. O conhecimento pelo pela crescente complexidade da vida económica, pela dificuldade em
destinatário de quem recebeu a notificação é, obviamente, essencial para a ilisão diferenciar entre as diversas formas jurídicas possíveis e, no que aqui
da presunção de recebimento da notificação.
198 Nem sequer é garantida a genuinidade da mensagem, salvo tratando-se
interessa considerar, pela crescente complexidade da lei (a que se soma
de notificações relativas a atos praticados pelo dirigente máximo dos serviços (cf. uma crescente, falta de clareza e rigor), com o consequente aumento
o n.° 11 do art.° 38.° do CPPT). do risco de não ser feita a sua interpretação “correta”.
199 Para não nos alongarmos, remetemos para as considerações que deixámos Tal risco de erro recai diretamente sobre os sujeitos passivos,
feitas, em texto, no ponto anterior (9.3.2), as quais, com as necessárias adaptações, uma vez que, em resultado do já referido fenómeno da privatização das
valerão aqui por maioria de razão.
104 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 105

tarefas de administração fiscal, a eles cabe, em primeira Imha, inter­ As informações vinculativas são requeridas ao dirigente máximo
pretar e aplicar a lei fiscal200. do serviço em causa203, pelos interessados ou seus mandatários204, por
O sujeito passivo tem, como vimos, direito a que a administra­ via eletrónica205, devendo a resposta acontecer, pela mesma via, num
ção fiscal, no cumprimento do seu dever de colaboração, o esclareça prazo de 150 dias.
quanto à sua concreta situação tributária. Mas a concretização de tal Este prazo é meramente ordenador, sendo que o seu incumpri­
dever nem sempre é fácil, dado o número de solicitações e as dificul­ mento não implica a ficção de um ato tácito de indeferimento, até
dades que, muitas vezes, a resposta implica. porque não está em causa a apreciação de um pedido, mas sim uma
Mais ainda, a segurança só será alcançada se a resposta vincular “consulta”.
a administração, efeito este que, naturalmente, não pode ficar asso­ Porém, a lei (n.° 18 do art.° 68.° da LGT) estabelece que, após
ciado a todo o “esclarecimento” prestado por um qualquer funcionário. ultrapassado o prazo de resposta e até ela acontecer, se o contribuinte
É neste contexto que surge o mecanismo da informação vincu­ tiver atuado de boa-fé com base numa interpretação plausível da lei,
lativa (no essencial, um procedimento já previsto na lei desde, pelo não poderá ser penalizado, não poderá ser obrigado ao pagamento de
menos, o CPCI de 1963, sob a designação de consulta prévia), regu­ mais que o imposto devido.
lado pelo art° 68.° da LGT201, o qual, num reconhecimento da sua cres­ Esta disposição legal deve ser corretamente entendida: o contri­
cente importância, foi, recentemente, objeto de profunda reformulação. buinte que, em questões duvidosas, atue de boa-fé e com base numa
interpretação plausível da lei nunca pode ser penalizado, nomea­
damente pela obrigação de pagamento de juros compensatórios206.
10.1. Informações vinculativas “normais”
posteriormente, até ser prestada a informação. Parece-nos ser esta a solução que
Podem ser objeto de pedido de informação vinculativa quais­ se impõe.
quer questões relativas à situação tributária do interessado. Porém, 203 No caso da DGCI, o seu Diretor-Geral. É necessário recordar que o
as informações vinculativas não podem compreender factos abrangi­ disposto na LGT se aplica, também, às demais administrações tributárias. Exceção
acontece no domínio aduaneiro, pois o Código Aduaneiro Comunitário prevê e
dos por procedimento de inspeção tributária cujo início tenha sido já
regula a figura da informação vinculativa em termos que, por serem de direito
notificado ao contribuinte antes do pedido (n.° 3 do art.° 68.° da LGT), comunitário, prevalecem sobre as disposições da lei interna.
o que bem se entende, por razões de economia e, até, para prevenir 204 Sempre foi controvertida a questão de saber se os advogados e outros
decisões contraditórias202. profissionais podem pedir esclarecimentos ou informações à administração fiscal
no interesse dos seus clientes. A preocupação é evitar a exigência de honorários
por consultas cuja resposta haja sido obtida, gratuitamente, junto dos serviços. A
solução é, hoje, a de obrigar a que o cliente (o destinatário final da informação) seja
200 Estabelecendo a ligação entre este procedimento e a obrigação de identificado no pedido, sendo que a resposta será, também, comunicada diretamente
autoliquidação dos impostos, Sérgio V a sq u e s , « 0 mecanismo da informação a este (n.° 5 do art ° 68.° da LGT).
vinculativa», p. 108. 205 Portaria n.° 97/2009, de 31 de Agosto. Como resulta do respetivo texto, o aí
201 Sobre este instituto (ainda que anteriormente à sua reformulação), Maria disposto refere-se, apenas, a pedidos de informação vinculativa dirigidos à DGCI.
Odete O liveira , «Algumas notas sobre o procedimento de consulta tributária». 206 A compreensível dúvida, dificuldade, ou divergência razoável de critério
202 O que coloca a interrogação de se saber se, estando pendente um pedido de quanto à qualificação e enquadramento de determinada situação tributária não
informação vinculativa, deve ser suspensa a decisão a ser tomada (relativamente às concorre para a integração do dito conceito de culpa - pelo que, por tal via, não se
questões naquele suscitadas) na sequência de um procedimento inspetivo iniciado dá azo à cominação de juros compensatórios. (...) (Ac. do TCA Sul de 30-06-09,
106 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 107

O facto de ter colocado a questão à AF apenas faz, passado que seja O pedido de consulta, além de conter uma descrição suficiente
o prazo de resposta, presumir legalmente a sua boa-fé. dos factos, deve ser acompanhado de uma proposta de enquadramento
legal.
Recebido o pedido, a administração, em 30 dias, notificará o con­
10.2. Informações vinculativas urgentes tribuinte, comunicando-lhe se “aceita” proceder a tal informação vin­
culativa urgente e qual o montante da taxa devida, a ser paga no prazo
O mecanismo atrás descrito nunca se revelou satisfatório pela de 5 dias (n.° 6 do art.° 68.° da LGT).
incapacidade da administração em dar resposta em tempo útil. Do texto da lei parece resultar que a administração fiscal apre­
Daí a criação, pela LQE/2009, da figura da informação vincula­ ciará, em primeiro lugar, a verificação do pressuposto ”urgência” Ora,
tiva com carácter de urgência. a urgência da informação solicitada é algo que só o requerente pode
O seu regime legal suscita algumas observações. avaliar. A recusa, com falta de fundamento da existência deste pressu­
Em primeiro lugar, temos a questão do objeto. Tradicionalmente, posto, parece só poder acontecer quando a situação for clara, nomeada­
distinguia-se entre informação e consulta101: no pedido de informa­ mente quando já haja um entendimento firme sobre o enquadramento
ção, o interessado submetia à administração uma situação tributária do tipo de situações em causa210, o que deverá ser comunicado ao inte­
atual; na consulta (prévia), submetia uma situação tributária hipotética, ressado, dispensando-o assim, até em nome da boa-fé, do pagamento
pretendendo conhecer antecipadamente o ponto de vista da adminis­ das taxas que a análise individualizada do seu caso implicaria.
tração no caso de ela se verificar208. A lei prevê, ainda, a possibilidade de “recusa” da consulta urgente
Apesar de esta diferenciação terminológica ter desaparecido do por incapacidade dos serviços em dar resposta no prazo legal, atenta
texto legal, a jurisprudência continuou a entender que o “pedido de a complexidade do assunto (n.° 10 do art.° 68.° da LGT). Esta solução
informação” podia abranger situações hipotéticas: a lei atual apenas fala pode, facilmente, resultar na frustração do objetivo deste instituto (a
de informações vinculativas mas não reduz o âmbito de utilização do instituto lei não assegura aos interessados a efetivação desta garantia).
a situações atuais (Ac. do STA de 7-12-2004, rec. n.° 0908/04, relator Este cuidado legislativo decorrerá do facto de, relativamente
B aeta de Q ueiróz). aos pedidos de informação vinculativa com carácter de urgência que
Ora é, naturalmente, em relação às situações hipotéticas que a hajam sido aceites, a lei consagrar o deferimento tácito da pretensão
questão da urgência mais se coloca. O contribuinte quererá, antes de do interessado. Decorridos que sejam 120 dias da apresentação do
praticar determinado ato, estar seguro das suas consequências fiscais e, pedido (tendo este sido aceite e tendo sido paga a taxa devida), não
normalmente, terá um prazo curto para decidir se o pratica ou não209. havendo resposta, considera-se como tendo sido tacitamente confir­
mado o enquadramento da situação proposto pelo sujeito passivo (n.°
8 do art.° 68.° da LGT), ainda que com efeitos limitados ao caso con­
rec. n.° 02475/08, relatado por José C orreia ). No mesmo sentido, p. ex., Ac. do
TCA Norte, de 16-04-2009, rec. n.° 00280/06, Ac. do TCA Sul, de 11-10-2011, rec.
creto (n.° 9 do art.° 68.° da LGT).
n.° 04163/10 e Ac. do STA de 23-10-2002, rec. n.° 01145/02.
207 Consulta prévia, a figura que antecedeu a atual informação vinculativa.
208 A lb e r to X a v ie r , Manual..., 1974,142 ss. tributário se pretende têm que ser prévios ao pedido”. Tal incoerência legislativa foi
209 Assim sendo, nunca entendemos a razão de ser da parte final do n.° 3 do ultrapassada com a nova redação do preceito, dada pela LOE/2012, que eliminou
art.° 68° da LGT, na sua anterior redação, quando estipulava que, relativamente tal segmento da norma.
à informação vinculativa urgente, “os atos ou factos cujo enquadramento jurídico 210 Tomadas, p. ex., a propósito de outras consultas, ainda não publicitadas.
108 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 109

Assim, é de temer que seja pequeno o sucesso deste (novo) ins­ mento da lei que, em concreto, resulte mais desfavorável para o sujeito
tituto: em primeiro lugar, porque o montante das taxas a pagar resul­ passivo), mesmo quando considerem ser errónea a interpretação que
tará fortemente dissuasor211; depois, porque a conhecida resistência a administração fez da lei.
dos serviços em se vincularem levará à recusa das consultas urgentes A informação vinculativa —que é, essencialmente, um meio de
mais complexas. garantia dos contribuintes - não obriga quem a haja solicitado. Se a
Os pedidos de informação vinculativa urgente que hajam sido resposta não for considerada “aceitável” pelo destinatário, este, a pro­
recusados ou aqueles cuja respetiva taxa não seja paga “transformam- pósito dos casos concretos de aplicação desse entendimento214, poderá
-se” em pedidos de informação vinculativa normal, com os efeitos recorrer para os Tribunais e se estes sufragarem uma opinião diferente
já assinalados no caso de não serem apreciados no prazo que a lei da administração esta fica, naturalmente, constituída no dever de obe­
fixa (150 dias), ou seja, com a exclusão de outras responsabilidades diência ao sentenciado (art.° 68.°, n.° 14, da LGT).
do sujeito passivo que não o pagamento do imposto que se mostre As informações vinculativas caducam em caso de alteração super­
devido212. veniente dos pressupostos factuais ou legais em que assentaram215 e
podem ser revogadas no prazo de um ano após a sua prestação216, sem­
pre com salvaguarda dos direitos e interesses legítimos constituídos
10.3. A vinculação da administração fiscal ao seu abrigo217. Tais informações devem ainda ser publicadas, muito

A administração fiscal que prestou a informação vinculativa é


214 Entende-se, em geral, que não envolvendo a resposta a um pedido de
obrigada a agir, relativamente a esse sujeito, em conformidade com a informação vinculativa a prática de um qualquer ato que afete os direitos do desti­
informação prestada, enquanto esta permanecer “em vigor”. Ou seja, natário, não pode ser objeto de recurso contencioso, pois, de outro modo, estar-se-
mesmo que posteriormente se constate não ser o mais correto o enten­ -ia a confrontar o tribunal com questões meramente “teóricas”, que não lhe cabe
dimento comunicado ao interessado, a proteção da confiança deve dirimir. O litígio surgirá a propósito da concretização, feita pela administração,
prevalecer sobre o estrito (o “melhor”) cumprimento da lei213. Cabe, do entendimento sustentado na “resposta”, quando o destinatário não se tenha
conformado com ela (p. ex.* a propósito de uma liquidação adicional que resulte
em último lugar, aos tribunais assegurar a efetividade da “proteção dessa divergência de entendimento).
de confiança”, garantindo que a administração atue de acordo com 215 Escapa-se-nos o sentido da referência legal à “alteração superveniente dos
aquilo a que se vinculou (melhor, que não atue fazendo um entendi- pressupostos de facto”. Ou a informação assentou num erro de facto, induzido pelo
respetivo requerente, e então está em causa a sua anulação; ou a situação real não
tem os contornos factuais que foram pressuposto da informação, caso em que não
2,1 Existem exemplos de mecanismos legais que caíram no “esquecimento” é aplicável o entendimento constante desta.
(deixaram de ser utilizados pelos contribuintes) em razão dos montantes de taxas ;: 216 Não nos parece que a mudança de interpretação da lei possa ser confi­
envolvidos, ou seja, que, apesar do seu interesse objetivo, não se mostraram gurada como um ato administrativo que produza, diretamente, efeitos na esfera
justificados numa análise custo-benefício. É o caso do recurso ao pento independente do interessado, pelo que tal decisão de “revogação” não será passível de recurso
nos procedimentos de revisão da matéria coletável fixada por avaliação indireta. contencioso. A sindicância judicial poderá ter lugar a propósito de liquidações
212 Questão é saber se se pode presumir ser "interpretação plausível da lei” o futuras, consequências da (nova) interpretação da lei que a AF passou a perfilhar.
entendimento sustentado pelo interessado no seu pedido de informação vinculativa 0que está em causa parece ser, apenas, a consagração de um período m ínim o de
urgente, quando a sua apreciação haja sido recusada pela administração fiscal. •‘‘vigência” de uma informação vinculativa.
233 Mônica Leite de CAMPOS, «Decisão administrativa - boa-fé e informação 217 A concretização dos direitos constituídos por força de uma informação
vinculativa: art.° 14.° do CPCI, 72.°, n.° 2 do CPT e 68.° da LGT». vinculativa pode só acontecer depois do momento em que é possível a revogação.
110 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 111

embora só adquiram, diretamente, força vinculativa geral quando se lização de uma ação inspetiva220. Do pedido constarão as razões que
verifiquem os pressupostos para a sua conversão em orientações gené­ o motivam, o âmbito e extensão pretendidos, nomeadamente tributos
ricas,, nos termos do n.° 3 do art ° 68.°-A da LGT. em causa e períodos temporais.
A decisão sobre a realização da inspeção deverá ser tomada em
30 dias e, sendo aceite o pedido, a ação inspetiva deverá, por regra,
11. Procedimento de inspeção por iniciativa do sujeito passivo ser iniciada nos 60 dias seguintes.
e procedimento de avaliação prévia A sua realização fica condicionada ao pagamento de uma taxa
pelo requerente221. Os termos em que a inspeção se realizará são os
A necessidade de segurança veio, também, ditar a criação des­ que resultam das normas gerais que regulam o procedimento inspe-
tes dois procedimentos, que têm em comum o serem referidos, essen­ tivo222, com algumas especificidades relevantes como, p. ex., exigên­
cialmente, a questões relativas à quantificação da matéria coletável. cia de efetiva colaboração da entidade inspecionada223e a autorização
É vulgar, p. ex. no quadro de negociações visando a alteração da
titularidade de participações sociais ou operações jurídicas de rees-
truturação empresarial, colocar-se a questão das “contingências fis­ 220 Mais uma vez, não é aqui claro o que o legislador entende por “adminis­
cais”. Dito em termos simples, existe o temor que, no futuro, venham tração tributária” (se a expressão deve ser entendida com o significado estabelecido
a acontecer ações inspetivas, relativas a exercícios passados (a factos pelo n.° 3 do art.° 1.®da LGT ou se abrange apenas a DGCI). Coerentemente, a
questão nem se deveria colocar, pois o significado de uma expressão legal não pa­
anteriores à projetada alteração), das quais possam resultar dívidas tri­
rece poder ser outro se não aquele que a própria lei estabelece. Porém, o facto de
butárias (liquidação de impostos, juros compensatórios) ou outras (p. pedido de realização da inspeção dever ser dirigido ao Diretor Geral dos Impostos
ex., obrigação do pagamento de coimas) que se traduziriam na “des­ e ser o órgão competente desta Direcção-Geral quem irá homologar as conclusões
valorização” do património da sociedade e que, por isso, devem ser do relatório inspetivo aponta, claramente, no sentido de apenas poderem ser objeto
tidas em conta na fixação do “preço” do negócio projetado. destas inspeções as situações tributárias relativas a impostos administrados por esta
Para obviar a este risco, a lei218passou a prever a possibilidade de entidade. Só que, para além da incoerência legislativa, tal resulta na frustração dos
fins que ditaram a criação deste procedimento, pois a realização da inspeção não
o sujeito passivo, ou um terceiro por este autorizado239(p. ex., o outro permitirá alcançar a almejada segurança quanto à situação tributária da entidade
interessado no negócio), requerer ao Diretor-Geral dos Impostos a rea- em causa, uma vez que permanecerão dúvidas quanto a outros tributos, como sejam,
p. ex., as contribuições para a segurança social e os impostos administrados pela
DGAIEC, sendo que estes, em certos sectores, assumem relevância bem maior que
Assim, p. ex., se a informação vinculativa concluiu pela possibilidade de reporte os administrados pela DGCI.
de prejuízos, apesar da ocorrência de determinada operação de reestruturação 221 Portaria n.° 923/99, de 20 de Outubro.
empresarial, o direito (talvez melhor, a expectativa jurídica) do interessado em 222 Infra, n.° 2 9 , 0 procedimento de inspeção.
dispor do prazo normal para efetívar tal reporte tem que ser respeitado, não obstante & 223 Dispõe o n.° 3 do art.° 3.”do DL n.° 6/99 que “o deferimento do requerimen­
a revogação da informação. to poderá ser revogado até à sua conclusão em caso de obstrução ilegítima do sujeito
218 Decreto-Lei n.° 6/99, de 8 de Janeiro. passivo ou se, por motivo imputável a este, se revelar impossível o apuramento da
219 O facto de a inspeção ter sido requerida por um terceiro assumirá relevância, matéria tributável real”. Cessarão, então, os efeitos decorrentes do requerimento que
desde logo, no tocante à responsabilidade pelo pagamento da taxa devida pela sua ditou a realização da inspeção (como sejam a delimitação do seu objeto, quer quanto
realização. Acrescerá ~ a nosso ver - que esse terceiro passará a ser “legítimo aos impostos em causa, quer quanto ao âmbito temporal). Porém, pode haver (nor­
interessado” no resultado de tal procedimento, o que lhe conferirá legitimidade malmente, haverá) lugar a nova inspeção (ou - entendemos nós - à continuação da
para recorrer dos atos tributários que dele decorram. em curso, nomeadamente quando tal se imponha para aproveitamento do seu efeito
112 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 113

desta, quando solicitada, para a AF ter acesso a informação protegida Será, p. ex., o caso de alguém que, pretendendo adquirir deter­
pelo segredo bancário. minado prédio, quer ter a certeza do valor de IMT que irá pagar226.
O efeito vinculativo destas inspeções consiste no facto de a AF Referindo apenas os casos com maior relevo prático, nos quais
não poder realizar novas inspeções com o mesmo objeto, ou seja, fica estará em causa a fixação do valor patrimonial tributário de um pré­
limitada à prática dos atos (p. ex., liquidações adicionais) que consti­ dio, diremos, em primeiro lugar, que, hoje, tal valor não releva apenas
tuam a normal decorrência dos factos apurados, tal como estes ficaram para os impostos sobre transmissões patrimoniais (IMT e Imposto do
expressos no respetivo relatório, salvo em caso de posterior condena­ Selo) e impostos sobre a detenção do património (IMI), mas também
ção do inspecionado por factos que integrem o crime de fraude fis­ para os impostos sobre o rendimento. Nestes impostos, o valor patri­
cal, quando tais factos tenham viciado, por erro, as conclusões da monial tributário, quando superior ao valor efetivo da transação, será
inspeção224. considerado como valor de aquisição e de realização, ou seja, será o
O sujeito passivo não fica, obviamente, vinculado às conclusões valor com base no qual deve ser contabilizado o gasto resultante da
de tal inspeção, podendo reagir, nos termos gerais (p. ex.}reclamando aquisição de um imóvel e o rendimento (proveito) obtido com a sua
ou impugnando as liquidações subsequentes)225. alienação227 ou, no caso de transações realizadas por pessoas singu­
O procedimento de avaliação prévia, regulado pelo art.° 58.° do lares fora de um contexto empresarial, os valores a considerar no cál­
CPPT, visa, no essencial, as mesmas finalidades do procedimento culo da mais-valia tributável228.
analisado no ponto anterior. A diferença essencial é que não está em Assim, a utilização deste procedimento assumiria hoje maior
causa a confirmação da autoavaliação da situação tributária feita por relevo.
um determinado sujeito passivo (grosso modo, se as suas declarações Porém, relativamente à generalidade dos prédios urbanos, a fixa­
correspondem à realidade), mas sim obter a quantificação do valor de ção pela lei de critérios estritos de avaliação (a qual, na maioria dos
determinados bens (quantificação essa que incumbe sempre à admi­ casos, se reconduz ao ‘‘preenchimento” de uma fórmula229) torna, em
nistração fiscal), porque relevante para a previsão das consequências larga medida, desnecessário o recurso a este procedimento, pois a
fiscais de determinada operação. existência de tais critérios objetivos de avaliação permite a qualquer
um, com razoável grau de segurança, estimar o valor patrimonial atu-
alizado de determinado prédio.

suspensivo quanto à caducidade do direito à liquidação), mas agora sem os limites


referidos, ou seja, sem observância das normas especiais constantes deste diploma.
224 O que mais não é que um afloramento da regra geral da irrepetibilidade 226 O IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre
das ações inspetivas externas (infra, n.° 29). o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior - art.° 1 2 .°,
225 O n.° 2 do art.° 6 .° do DL n.° 6/99, ao dispor que, em caso de reclamação, # 1 , do CIMT.
impugnação ou recurso, a vinculação da administração só acontece após decisão 227 Art ° 64.°, n.° 2, do CIRC (correções ao valor de transmissão de direitos re­
definitiva do litígio, parece introduzir um desnecessário fator de insegurança e pode ais sobre bens imóveis): sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número
funcionar, até, como um dissuasor da utilização dos meios de garantia por parte ^anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário
dos interessados. Não percebemos as razões pelas quais a administração não deve 'definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para
ficar vinculada (no sentido de ficar impedida de tomar medidas mais gravosas para ^determinação do lucro tributável. Idêntica disposição consta do art.° 31.°-A do CIRS.
o contribuinte) ao apurado na ação inspetiva, independentemente de o interessado ■; 228 Art.” 44° n.° 2 e art.° 46.° do CIRS.
tentar obter a revisão de “conclusões” que lhe são desfavoráveis. 229 Art.° 45.° do CIML
114 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 115

12. Acordos prévios (preços de transferência) seja, devem relevar os valores que, supostamente, seriam praticados por
empresas independentes em idênticas transações232.
A possibilidade de celebração de acordos prévios de preços de
transferência consta do art.° 138.° do CIRC, regulamentado pela Por­ Note-se, porque essencial à compreensão da razão de ser do pro­
taria n.° 620-A/2008, de 16 de Julho. cedimento que estamos a analisar, que não está em causa corrigir a
“falsidade” dos preços declarados (estes corresponderão à realidade
Não cabe aqui o desenvolvim ento da tem ática dos preços de e, muitas vezes, não terá havido lugar a considerações de índole fiscal
transferência230. na respetiva fixação), mas fazer substituir o preço real por um “preço
Existindo relações especiais entre os contratantes231, os preços pelos ideal” (ficcionado), em afastamento do princípio da tributação das
quais eles valoram as suas transações (de bens ou serviços) não resul­ empresas pelo seu rendimento real233.
tam das regras do mercado, pela razão simples de que não são empresas Porque está em causa determinar um “preço ideal” (aquele que,
independentes. A fixação do preço é, assim, necessariamente artificial, supostamente, resultaria do acordo entre empresas independentes, nas
sendo esta, muitas vezes, uma questão relativamente irrelevante na ótica mesmas circunstâncias), é compreensível a insegurança associada, pois
do grupo (numa perspetiva de consolidação de contas, pois que as ope­ os sujeitos passivos, mesmo atuando de boa-fé e com o zelo esperá­
rações intragrupo não concorrem para a quantificação do lucro do grupo, vel, podem não ter elementos que lhes permitam determinar com rigor
considerado como um todo). qual é, no caso, o arm’s length price. O mesmo se diga relativamente
A artificialidade da fixação de tais preços não significa, necessaria­ à administração fiscal.
mente, que o critério utilizado seja, sempre ou a maioria das vezes, ditado Como forma de ajudar a minorar tal insegurança surgiram os
por razões fiscais, por um planeamento que tenha como objetivo concen­ acordos prévios sobre preços de transferência, que visam a fixação
trar a maior fatia dos lucros do grupo nos países ou territórios onde esta­ de um conjunto de critérios adequados (respeitantes, por exemplo, ao
rão sujeitos a menor tributação. Indo além da “indiferença” que a questão método de cálculo, aos elementos de comparação, aos ajustamentos a
pode revestir numa ótica de grupo, existem uma multiplicidade de razões introduzir e às hipóteses de base relativas à evolução futura) à deter­
empresariais que podem estar subjacentes à fixação de tais preços. minação dos preços de transferência relativos a determinadas opera­
Só que, no plano internacional, a perspetiva dos Estados é, necessa­ ções, durante um determinado período de tempo234.
riamente diferente: cada um pretenderá tributar a sua justa quota-parte no
lucro global resultante de tais transações, independentemente das razões
que levaram os intervenientes a fixar o respetivo “preço”. 232 O princípio está incorporado nos modelos de convenção destinados a
Assim, existe um consenso internacional no sentido de que, para efei­ ^eliminar-a dupla tributação nos impostos sobre o rendimento, quer da OCDE, quer
das Nações Unidas; as regras sobre a sua aplicação têm vindo a ser desenvolvidas
tos fiscais, as transações entre empresas associadas devem ser valoradas
?em sucessivos relatórios produzidos e divulgados pelo Comité dos Assuntos Fiscais
segundo o princípio do preço de plena concorrência iat arrrís length), ou da OCDE, nomeadamente em Transfer Pricing Guidelines for Multinational
Enterprises and Tax Administrations.
233 Rui Duarte M orais , «Preços de transferência: o sistema fiscal no fio da
230 Por todos, Fernando Rocha A ndrade , «Preços de transferência e tributação navalha».
de multinacionais: as evoluções recentes e o novo enquadramento jurídico 234 Ana Clara Azevedo de A morim , «Acordos prévios em matéria de preços
português». de transferência: ponderando a sua regulamentação em Portugal»; Paula Rosado
231 Ver art.° 63.°, n.° 4, do CIRC. P ereira , «Acordos prévios sobre preços de transferência: alguns comentários
116 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 117

Esses acordos podem ser unilaterais (quando nele apenas seja fiscais estrangeiras em causa. Se estas não mostrarem interesse em
parte uma administração fiscal) ou bilateraisZmultilaterais (quando participar no acordo que se perspetiva, o procedimento será encer­
nele sejam parte administrações fiscais de mais de um Estado). rado, salvo se o requerente mostrar desejo que ele prossiga ainda que
Numa breve súmula da tramitação deste procedimento, diremos só no âmbito unilateral. Esta fase não deverá ultrapassar os 360 dias.
que começa com uma/cwe preliminar, iniciada por requerimento do Finalmente, proceder-se-á à celebração do acordo, caso este tenha
interessado. Esta fase tem por objetivo analisar a política .de preços sido logrado.
de transferência do requerente, em ordem a avaliar a possibilidade de O acordo é confidencial e o seu conteúdo irrecorrível235. Entra
um acordo e se tal é a solução mais adequada. Destina-se, também, a em vigor na data nele estabelecida, podendo ter efeitos retroativos236.
definir o âmbito das informações e documentação que devem acompa­ A sua duração é a que for fixada, não podendo exceder três anos.
nhar a proposta de acordo, estabelecer o calendário previsível e iden­ O acordo pode ser objeto de resolução pela DGCI, a qualquer
tificar as especificidades inerentes à negociação com as autoridades tempo, no caso de estar viciado por erro essencial imputável ao reque­
competentes de outros Estados, sendo o caso. rente (fornecimento de dados erróneos, omissão, dissimulação ou vicia­
Aceite a negociação (o que se presume decorrido que seja o prazo ção de informação relevante e declarações falsas imputáveis ao sujeito
de resposta que é de 60 dias, acrescido do tempo que o requerente passivo) ou em caso de incumprimento por parte deste. Pode, também,
tenha demorado a fornecer os esclarecimentos complementares que, ser revisto, através de novo processo negociai, em caso de alteração
eventualmente, lhe hajam sido solicitados), o requerente apresentará superveniente de circunstâncias. Pode, ainda, ser renovado por soli­
a sua proposta de acordo, a qual deverá conter os dados previstos no citação escrita do sujeito passivo, seis meses antes do termo do prazo
n.° 3 do art.° 138.° do CIRC e no anexo I da Portaria n.° 620-A/2008 de vigência, com observância do mesmo procedimento.
e ser acompanhada dos documentos referidos no anexo II da mesma, Pensamos ser indiscutível o interesse dos acordos prévios em
com as adaptações resultantes do que, eventualmente, haja sido defi­ matéria de preços de transferência, possibilidade que era há muito
nidas na fase preliminar. reclamada pela nossa doutrina e é recomendada pelos organismos
A AF tem 60 dias para se pronunciar sobre a aceitação ou recusa internacionais. Questão é saber se este procedimento será um êxito, se
(liminar) da proposta. A recusa deve ser fundamentada, designada­ haverá uma adesão massiva por parte dos sujeitos passivos. Não exis­
mente, pela insuficiência dos elementos apresentados, falta de colabora­ tem ainda disponíveis dados estatísticos esclarecedores.
ção do sujeito passivo para prestação de informações e documentação A análise do texto da lei mostra estarmos perante um procedi­
solicitadas ou falta de pagamento da taxa devida. mento muito burocratizado, excessivamente lento (mais de seis meses
Havendo aceitação liminar, segue-se a fase de negociação (que o para a conclusão de um procedimento unilateral, mais de um ano para
legislador designa de avaliação da proposta, não obstante o carácter a conclusão de um procedimento bilateral ou multilateral), que importa
dialogante que deve revestir e a possibilidade de serem introduzidas custos muito significativos para quem o requeira. Acresce que o modelo
alterações ao inicialmente proposto), fase que deverá ter uma duração adotado não é verdadeiramente negociai, dadas as amplas possibilidades
máxima de 180 dias.
Estando em causa propostas de acordos bilaterais ou multilaterais,
será, então, iniciado o processo de consulta amigável das administrações 235 N.° 8 do art.° 138.° do CIRC. O que bem se compreende, uma vez que
a celebração do acordo implica o assentimento escrito do sujeito passivo (n.° 4).
ao projeto de portaria» e «Acordos prévios sobre preços de transferência: breve 236 O acordo entra em vigor na data nele estabelecida, produzindo efeitos
contributo para uma análise relativa à sua introdução em Portugal». ; meramente declarativos (art.° 15.° da Portaria n.c 620-A/2008, de 16 de Julho).
118 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 119

(a ampla discricionariedade) que a administração tem de recusar as 13.1. Contratos fiscais


propostas de acordo que lhe sejam formuladas.
Numa avaliação custo-benefício, haverá que ter, também, em A natureza ex lege das obrigações fiscais justificava o enten­
conta o curto espaço de vigência destes acordos, o que conduz à situ­ dimento tradicional da não admissibilidade dos contratos enquanto
ação de que, pretendendo-se que operem retroativamente (p. ex., à data fonte de direito fiscal237. Porém, progressivamente, vão surgindo aflo­
da apresentação da proposta), se tenha, pouco tempo depois da sua ramentos contratuais neste domínio238. A LGT, no seu art.° 37.°, admite
conclusão, que se encetar novo procedimento tendente à sua renovação, expressamente a existência de contratos fiscais relativos a benefícios
o qual não será, necessariamente, muito mais simples que o inicial. fiscais239. Assume expressão maior a concessão de benefícios fiscais
Perante uma administração fiscal que não tem a tradição de nego­ no quadro dos chamados grandes projetos de investimento, a que se
ciar, acostumada a impor as suas decisões aos contribuintes através de refere o art.° 41.° do EBF. No respeito pelo princípio da legalidade,
atos unilaterais, há que ponderar o risco que um procedimento deste cabe à Lei definir quais os pressupostos da concessão de tais bene­
tipo implica: o requerente fica obrigado a desvendar à AF realida­ fícios e, ao que entendemos, os seus limites máximos. A concretiza­
des íntimas da sua atividade empresarial, mesmo algumas que não se ção de quais os benefícios de que aproveitará determinado projeto de
referem diretamente à sua política de preços de transferência. Surge investimento acontecerá num quadro negociai240. Dado o seu carácter
inevitavelmente a questão do uso que a AF pode fazer da informação conjuntural, compreende-se que a sua concessão tenha limites tempo­
a que, por esta forma, teve acesso, informação essa que, em muitos rais e os tipos de benefícios que a lei vai prevendo conheçam acentua­
casos, lhe seria muito difícil obter por outras vias. das variações, podendo consistir, p. ex., quer em reduções do imposto
O legislador não terá, porventura, tido a consciência (ou não terá a pagar, quer na concessão de um crédito fiscal (um montante fixado
tido condições para dar forma de lei a essa consciência) de que é tão em função do valor e interesse do investimento, a ser utilizado pelo
do interesse da administração fiscal quanto dos sujeitos passivos a sujeito passivo no pagamento dos seus impostos). A publicidade (e,
celebração do maior número possível deste tipo de acordos. consequentemente, a transparência) de tais contratos é assegurada pela
sua publicação em D.R.

13. Procedimento para o reconhecimento de benefícios fiscais

Diz-nos o art.° 5.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais que estes se 237 Os elementos essenciais da relação tributária não podem ser alterados por
podem subdividir em automáticos ou dependentes de reconhecimento. yontade das partes, diz o art." 36.°, n.° 2, da LGT.
Os primeiros resultam direta e imediatamente da lei, os segundos pres­ 238 Continua a ser referência obrigatória a obra de Casalta N a b a is , Contratos
Fiscais. Ver, ainda, Carlos Pamplona C orte-R ea l , « O contrato de investimento
supõem um procedimento dirigido à comprovação da existência dos estrangeiro e a problemática decorrente da pretensa contratualização de
respetivos pressupostos. Acrescenta o n.° 2 de tal norma que o reconhe­ benefícios fiscais»; Jorge Bacelar G o u v eia , « O s incentivos fiscais contratuais de
cimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por ato administrativo ou investimento estrangeiro no direito íiscal português -regim e jurídico e implicações
por acordo entre a administração e os interessados, tendo, em ambos constitucionais»; Casalta N a bais , «Investimento estrangeiro e contratos fiscais».
os casos, efeito meramente declarativo (ou seja, o direito ao benefício 239 Embora existam outros contratos fiscais, relativos, nomeadamente, à
liquidação e cobrança de impostos.
nasce com a ocorrência dos factos que são seu pressuposto, analisados
240 Esta matéria, incluindo a disciplina do processo negociai, encontra-se
à luz da lei vigente ao tempo), salvo quando a lei dispuser em contrário. regulada pelo DL n.° 249/2009, de 23 de Setembro (Código Fiscal do Investimento).
120 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 121

13.2. Reconhecimento de benefícios fiscais nir tais datas (a data de início do benefício será, em princípio, aquela
em que já aconteceram todos os pressupostos que a lei fixa para a sua
Este procedimento vem regulado no art.° 65.° do CPPT. As suas existência e o seu termo acontecerá decorrido o prazo fixado na lei).
linhas gerais são simples: apresentação do requerimento pelo interes­ A declaração da data de início do benefício poderá implicar a anu­
sado, nos prazos que a lei fixa, acompanhado dos elementos comprova­ lação oficiosa de liquidações de imposto que, eventualmente, hajam
tivos do direito ao benefício; instrução do processo (que, no essencial, sido feitas, relativas a períodos tributários posteriores ao nascimento
consistirá na confirmação da existência dos pressupostos invocados e do direito ao benefício, na pendência do procedimento dirigido ao res-
que os mesmos preenchem todos os requisitos legais) e decisão. petivo reconhecimento.
Há, porém, algumas questões que entendemos merecedoras de O procedimento de reconhecimento de benefícios fiscais é autó­
destaque. nomo relativamente ao da liquidação do imposto em causa. Significa
Este procedimento aplica-se apenas quando estão em causa bene­ isto que o direito ao benefício (quando ainda não reconhecido) não
fícios fiscais, os quais, tal como nos diz o art.° 2? do EBF, são medi­ pode ser invocado em impugnação da liquidação, diferentemente do
das (normas) excecionais impeditivas do normal funcionamento das que acontece relativamente aos benefícios automáticos. A apreciação
regras de tributação, instituídas por razões extrafiscais que se entende judicial da legalidade da decisão que indeferiu, total ou parcialmente,
serem de interesse superior ao da tributação. um pedido de reconhecimento de um benefício fiscal revestirá, assim,
Assim, p. ex., não são benefícios fiscais a inexistência ou redução a forma de ação administrativa especial (cf., p. ex., Ac. do STA de
de retenção na fonte (as taxas aplicáveis) sobre rendimentos auferidos 25-06-2009, rec. n.° 0151/09).
por não residentes, por força de convenções sobre dupla tributação ou A decisão sobre o reconhecimento de benefícios fiscais envolve,
de normas de origem comunitária. Nestes casos está em causa outra por vezes, a concessão à administração fiscal de uma margem de dis-
problemática, a repartição internacional do direito à tributação. Tais cricionariedade técnica, uma “folga” no preenchimento dos conceitos
não sujeição ou tributação reduzida no país da fonte acontecem, dire­ indeterminados utilizados pela lei. Os Tribunais entendem que o modo
tamente, por força da lei, pelo que se mostrarão corretamente efetua­ como a administração exerce tais poderes discricionários não é judi­
das mesmo que só em momento posterior ao da liquidação se venha a cialmente sindicável, salvo em casos de manifesto desvio de poder241.
lograr a prova da verificação dos respetivos pressupostos (p. ex., Ac.
do STA [Pleno] de 24-02-2010, rec. n.° 0732/09). Isto sem prejuízo da No preenchimento dos conceitos indeterminados pode existir, ou
responsabilidade contraordenacional que no caso ocorra por o subs­ não, a chamada margem de livre apreciação ou discricionariedade técnica.
tituto não se ter munido, antes da liquidação - como a lei exige -, da Tanto a questão de saber se houve “razões económicas válidas” ou se a
documentação comprovativa da verificação dos pressupostos da não fusão “se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento
sujeição ou redução de taxa. empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura
Muito embora à decisão deste procedimento deva ser atribuída efi­ produtiva” é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa mar­
cácia declarativa, o benefício só é eficaz, só pode ser invocado, depois gem de livre apreciação da administração. Nestes casos, o juízo discri­
de reconhecido. É neste contexto que se deverá entender o disposto cionário da administração não pode ser fiscalizado, no ponto específico,
no n.° 4 do art.° 65.° do CPPT, segundo o qual o despacho de deferi­ pelos tribunais, salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim
mento fixará as datas do início e do termo do benefício fiscal. Não
está em causa a atribuição à administração fiscal do poder de defi­ 241 Cf., p. ex., o Ac. do STA de 03-02-2010, rec. n.° 0844/09.
122 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 123

legal, o que não reveste uma dimensão violadora do direito consagrado 2, do CPPT), a ser interposta no prazo de 3 meses contados do ato de
no n.° 4 do artigo 268.° da CRP - Ac. do STA de 03-02-2010, rec. n.° indeferimento expresso (art.° 58.°, n.° 1, al. b) do CPTA).
0844/09, de que foi relator M iran d a P acheco. Haverá que atentar nas especificidades de tais meios processuais,
desde logo na questão da competência em razão da hierarquia, uma
Temos as maiores dúvidas em sufragar este entendimento242, que, vez que, em muitos casos, a competência para a decisão de reconheci­
aliás, se mostra desconforme com o entendimento do TJUE243. mento dos benefícios fiscais cabe a um membro do Governo, o Minis­
A parte final do n.° 4 do art.° 65.° do CPPT estabelece que em tro das Finanças, cujos atos são recorríveis para os Tribunais Centrais
caso de indeferimento há lugar a recurso hierárquico nos termos do Administrativos (art.° 38.°, al. b), do ETAF).
presente Código. Esta disposição parece-nos sucetível de provocar
equívocos. A existência da possibilidade de recurso hierárquico é a
regra no ordenamento procedimental tributário (art.° 80.° da LGT e 13.3. Revogação e caducidade dos benefícios fiscais
art.° 66.°, n.° 1 do CPPT).
Disposições legais especiais só se justificam quando estejam A lei não prevê, especificamente, um procedimento dirigido à
em causa recursos hierárquicos necessários, quando a possibilidade revogação ou anulação de benefícios fiscais245. Valerão aqui as regras
de acesso aos tribunais esteja condicionada pelo esgotamento da via do due process oflaw, a imporem, nomeadamente, a audição prévia
administrativa. O que é hoje verdadeira exceção. Ora, a norma em do interessado antes da decisão definitiva (cf. art.° 60.°, n.° 1, al. c) da
causa não parece configurar um caso de recurso hierárquico necessá­ LGT).
rio, mais não parece ser que uma reafirmação pontual da regra geral. O n.° 5 do art.° 65.° do CPPT estabelece aquilo que entendemos
Ou seja, entendemos que o interessado é livre de optar por utilizar ser uma presunção legal de incumprimento: a não colaboração [cul­
este meio de garantia ou, de imediato, recorrer da decisão judicial de posa! do interessado no necessário ao controlo da manutenção dos
indeferimento244. pressupostos da concessão do benefício. Tal, porém, só poderá acon­
Como já adiantámos, o recurso de uma decisão que indefira um tecer na sequência de uma notificação que explicite quais os elemen­
pedido de reconhecimento de um benefício fiscal não cabe no âmbito tos a serem fornecidos e conceda ao interessado um prazo razoável
do processo de impugnação. O recurso contencioso revestirá a forma para a sua apresentação.
de ação administrativa especial, regulada no CPTA (cf. art.° 97.°, n.°

242 Rui Duarte M orais, «Convenções para Evitar a Dupla Tributação e Direito
Comunitário na jurisprudência recente do STA».
243 y er GAcórdão Foggia (Tribunal de Justiça, 10 de Novembro de 2011,
processo C-126/10). 245 A anulação acontecerá no caso de se verificar, posteriormente, terem sido
244 Optando-se pela via do recurso hierárquico, apenas ocorre uma suspensão indevidamente, concedidos. A revogação terá lugar quando houver inobservância,
do prazo para a interposição da ação judicial. A suspensão do prazo apenas imputável ao beneficiário, das obrigações impostas. O art.° 14.°, n.° 4, do EBF
inutiliza o período que tenha decorrido entre o momento de interposição do meio não distingue claramente estas duas situações apesar de, normalmente, delas
de impugnação administrativa e o da notificação da decisão expressa que sobre decorrerem diferentes consequências: a anulação, porque projeta os seus efeitos
ela tenha sido proferida ou o termo do prazo para decidir (esse prazo é, em geral, desde o momento da concessão, implica a reposição, na totalidade, da tributação
de 30 dias úteis —art.° 165.° e 175.° do CPTA) —Mário Aroso de A lmeida /Carlos regra; a revogação apenas terá efeitos desde o momento em que deixaram de se
Fernandes Cadilha, Comentário..., p. 401. verificar as condições a que está sujeita a manutenção do benefício.
124 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 125

13.4. Perda do direito a benefícios fiscais Haverá, ainda, que considerar a questão da proporcionalidade de
uma tal sanção, de aplicação “automática”, sem qualquer consideração
Um pequeno excurso para referir a causa de caducidade (bene­ da culpa do agente e do equilíbrio entre a relevância do ilícito (v.g., o
fícios fiscais dependentes de reconhecimento) ou perda do respetivo montante do imposto não pago) e a medida da pena (o valor dos bene­
direito (benefícios fiscais automáticos) prevista nos n.° 5 e 6 do art.° fícios fiscais de que o interessado é privado). Tal leva-nos a questionar
14.° do EFB: incumprimento do pagamento de impostos,- incluindo novamente a constitucionalidade deste tipo de normas.
contribuições para a segurança social. Tal causa de caducidade - diz As decisões de revogação de benefícios fiscais podem ser objeto
a lei - não acontece quando a dívida tributária não paga tenha sido de pedido de reapreciação judicial através de ação administrativa espe­
objeto de reclamação, impugnação, oposição, com prestação de garan­ cial, tal como acontece relativamente ao indeferimento do pedido do
tia idónea, quando exigível. seu reconhecimento. Em caso de anulação/revogação definitiva, o inte­
A solução legal suscita algumas reflexões: esta consequência (à ressado fica obrigado a repor o imposto que tenha pago a menos, acres­
qual deve ser reconhecida a natureza de sanção acessória pelo incum­ cido de juros compensatórios246.
primento do pagamento de impostos) apenas pode operar quando não
estejam pendentes quaisquer meios normais de recurso (e tenham, já,
decorrido os prazos para a sua interposição). Assim, a norma deve 14. Procedimento para a ilisão de presunções legais
ser interpretada extensivamente de forma a abranger outros meios de
garantia nela não expressamente previstos, Será o caso, p. ex., de estar A ilisão das presunções legais acontecerá, por regra, no quadro
pendente um procedimento para eliminação da dupla tributação em da utilização dos meios normais de garantia, como sejam a reclama­
caso de correção de lucros entre empresas associadas, instaurado ao ção ou impugnação judiciai.
abrigo da Convenção 90/436/CEE (vulgarmente designada por Con­ Porém, o art.° 64.° do CPPT prevê um procedimento especial para
venção de Arbitragem). a ilisão de presunções legais.
Entendemos que, estando pendente um procedimento ou processo Este procedimento poderá ser útil, p. ex., nos casos em que um
dirigido à reapreciação da liquidação do tributo, a não aplicação desta contribuinte é, sistematicamente, confrontado com liquidações porque
sanção não pode ficar dependente da prestação de garantia (cf. parte a administração fiscal presume que ele é o proprietário de determi­
final da al. b) do n.° 5 do art.° 14.° do EBF). Diferentemente do que nado prédio por o mesmo figurar em seu nome na matriz (art.° 8.°, n.°
parece resultar do texto da norma, a prestação de uma garantia nunca 4, do CIMI). Para obstar à necessidade de ter que deduzir oposição a
é “exigível”. Tal prestação é sempre um ónus do interessado (com cujo cada uma de tais liquidações, o interessado poderá lançar mão deste
cumprimento este visa obstar à penhora, esta sim a forma “normal” procedimento, de forma a ficar estabelecido, para futuro, que ele não
de acautelar os interesses fazendários enquanto não estiver estabele­
é o sujeito passivo de tal imposto.
cida, em definitivo, a legalidade da dívida tributária).
Mais, entendemos ser inconstitucional a aplicação (definitiva?) de
uma sanção estando pendente um pedido de reapreciação (i. e., estando, 246 A obrigação em causa tem a natureza de repetição do indevido, ou seja,
ainda, a decorrer o “julgamento” da existência do facto que é seu pres­ não é uma obrigação tributária, pelo que o respetivo prazo de prescrição é de 20
suposto, ou seja, não se sabendo ainda, em definitivo, se existe incum­ anos (art.° 309.° do Código Civil), contados da notificação do despacho que decidiu
primento do dever de pagar um imposto). Tal é, de resto, a regra geral da cessação do benefício (cf., entre outros, o Ac. do STA de 19-12-2007, rec. n.°
do nosso procedimento contraordenacional (ver art.° 64.° do RGIT). 617/2007).
126 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 127

Outra hipótese será a de alguém, confrontado com sucessivas em processo de recuperação de créditos do Estado (art.° 87.°, n.° 1,
reversões de execuções fiscais, pretender ilidir, com efeito geral para do CPPT)249.
o futuro, a presunção de culpa resultante do previsto no art.° 24.°, n.°
1, al. b) da LGT247.
O aspeto mais interessante deste procedimento é a consagração 16. Procedimento de compensação
da regra do deferimento tácito da pretensão (ou seja, que a presunção
se tem por definitivamente ilidida) no caso de persistir o silêncio da A lei era muito restritiva quanto à possibilidade de extinção dos
administração decorridos que sejam seis meses da apresentação da créditos tributários por esta forma, a iniciativa dos sujeitos passi­
petição inicial (n.° 3 do art.° 64.° do CPPT). vos250, só a admitindo nos impostos periódicos quando o crédito do
contribuinte era resultado da anulação de uma liquidação do mesmo
imposto251.
15. Procedimento de dação em cumprimento Como se compreende, é do interesse dos sujeitos passivos pode­
rem, sistematicamente, extinguir as suas obrigações tributárias por
O cumprimento através da entrega de outra coisa que não dinheiro compensação. E, mais importante, é justo que tal possa acontecer,
está legalmente previsto como uma das formas possíveis de extinção pois não se compreende que o Estado exija o pontual pagamento dos
das obrigações tributárias, ainda que, pela sua própria natureza, seja seus créditos tributários e, simultaneamente, permaneça na condição
de utilização excecional. de devedor em mora desse sujeito passivo. Daí que, em resultado de
Pressupõe sempre a aceitação do credor (o que cremos correspon­ sucessivas alterações legislativas, hoje, a lei preveja a compensação
der a uma faculdade discricionária, uma vez que implica um juízo de em termos generosos, os quais, sendo substancialmente corretos, não
conveniência) e implica um procedimento próprio dirigido à obten- | deixarão de causar algumas dificuldades de aplicação prática.
ção de tal autorização. Tal procedimento é, necessariamente, demo- f Temos, em primeiro lugar, a compensação com créditos tribu­
rado pois, não havendo recusa liminar, há que proceder à avaliação { tários. Pensando, apenas, nos impostos administrados pela DGCI, os
casos de existência de créditos recíprocos entre o Estado e um deter­
f
dos bens oferecidos. ?
Daí que o recurso a esta figura aconteça, normalmente, no quadro minado sujeito passivo são frequentes, são normais. As situações em
de um processo de execução fiscal248, sem prejuízo de poder, antes, que um sujeito passivo é credor da devolução de impostos não resultam,
ser oferecida (n.° 2 do art.° 87.° do CPPT). hoje, apenas de anulação de liquidações cujo valor foi pago, decor­
A aceitação de uma dação como forma de extinção de impos­ rem também das regras que determinam o normal funcionamento do
tos ainda em fase de cobrança voluntária será absolutamente exce- : sistema tributário. Pense-se, p. ex., nas situações em que há lugar a
cional, pois só pode acontecer quando resultado de decisão tomada | reembolso de IVA ou de IRS.

247 Coincidimos com a posição de Jorge de SOUSA, Código ..., I, pp. 592- | 249 Seria o caso de acordo de credores em processo de insolvência. Mas,
593, no sentido de ser feita uma interpretação extensiva deste preceito, de forma a pela inevitável demora processual, é pouco realista imaginar a celebração de um
abranger estas situações. Interpretação extensiva porquanto a presunção legal de í tal acordo envolvendo dívidas tributárias que ainda não se encontrem em mora.
culpa dos administradores e gerentes não é, rigorosamente, uma norma de incidência | 250 Sobre a compensação feita por iniciativa da administração fiscal, infra,
tributária. n.° 27.
248 Ver o nosso A Execução Fiscal, p. 54 ss. 251 Cardoso da C osta , Curso..., p. 331.
128 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 129

São várias as hipóteses possíveis: Tal norma é, antes de tudo o mais, moralizadora das relações cre-
a) Os sujeitos passivos podem requerer, quer no prazo de pagamento ditícias entre o Estado e os cidadãos. Não se compreende, p. ex., que
voluntário, quer no decurso do processo de execução fiscal, que um fornecedor de bens ou serviços ao Estado seja ~ sistematicamente,
seja efetuada a extinção de uma sua obrigação tributária por com­ pois é o que acontece —confrontado com a mora deste no pagamento
pensação com créditos de que sejam titulares, relativos a tributos das suas dívidas e o mesmo Estado exija o pagamento pontual das dívi­
administrados pela mesma entidade (art.° 90.°, n.° 1, do CPPT). das tributárias desse sujeito passivo. Acresce a desigualdade de armas
Porque a invocação da compensação é da iniciativa do sujeito dos dois credores em confronto, pois o privado terá que demandar o
passivo, não existe impedimento a que seja feita mesmo quando credor público para obter o necessário título executivo (muitas vezes
este tenha apresentado reclamação ou impugnação da liquida­ não o fará por temer eventuais “represálias”), enquanto o Estado credor
ção do imposto cuja dívida se quer extinguir por compensação. tributário pode instaurar ele próprio a execução e proceder à penhora
Assim como pode pagar o imposto e reclamar ou impugnar a logo que o devedor entre em mora.
respetiva liquidação, o sujeito passivo pode promover a extinção A possibilidade de compensação com créditos de natureza não
da dívida por compensação. O interesse será interromper a con­ tributária só existe na fase de cobrança coerciva do imposto (na pen­
tagem dos juros de mora devidos em caso de decaimento na sua dência do processo de execução fiscal)254.0 interessado fará um reque-
pretensão de obter a anulação da liquidação em causa.
b) Nas mesmas condições, a lei admite que a compensação se norma (do seu n.° 1) expressamente prevê que a compensação em causa possa ser
feita com créditos de qualquer natureza.
opere com créditos de terceiros, desde que estes expressamente Assim, entendemos que o contribuinte pode oferecer, para compensação,
o consintam (art.° 90.°, n.° 2, do CPPT). créditos tributários que detenha sobre outras administrações fiscais. Esta parece-nos
Trata-se de uma possibilidade extremamente interessante, ser a solução mais acertada (a que o intérprete deve presumir ter sido consagrada
que deveria ser mais utilizada pelos contribuintes. Isto por­ pelo legislador), pois não faz qualquer sentido que, p. ex., um contribuinte possa
que é conhecida a demora da administração fiscal em proce­ oferecer para compensação um crédito sobre uma determinada entidade pública, que
der à devolução de quantias pagas em excesso, nomeadamente integre a administração direta do Estado, resultante de fornecimentos e não possa
oferecer o crédito resultante do direito ao reembolso de uma taxa indevidamente
quando tal devolução resulta da anulação da liquidação de um paga a essa entidade.
imposto já pago. A cessão de tais créditos a um terceiro, que 234 O que, inevitavelmente, colocava a questão de saber se a apresentação
os usará para extinção de uma sua dívida de imposto, poderá de tal requerimento tinha efeito suspensivo relativamente ao prosseguimento da
ser uma forma expedita de o sujeito passivo credor ser rapida­ execução (ainda que a questão não suscite problemas de maior se forem cumpridos
mente reembolsado do seu crédito. os prazos que a lei prevê para a administração fiscal interpelar a entidade pública
c) O art.° 90.°-A, acrescentado ao CPPT em 2010, pode vir a con­ apresentada como devedora e para a resposta desta). Sempre pensámos que a
•resposta teria que ser afirmativa, sob pena de se frustrar o objetivo da lei, que é o
cretizar um passo gigantesco nesta matéria, pois permite a de evitar que o contribuinte seja obrigado (coagido) ao pagamento do imposto na
compensação com créditos sobre o Estado252 de natureza não medida do contracrédito que detém sobre o Estado.
tributária253 de que o contribuinte seja titular. O legislador sentiu necessidade de responder expressamente a esta questão,
o que fez, no sentido por nós preconizado, através de nova redação do n.° 5 do art.°
252 Créditos sobre entidades que integram a administração direta do Estado. Sobre :.169.° do CPPT: a execução fica suspensa até à decisão que venha a ser proferida no
esta noção Freitas do A m aral , Curso de Direito Administrativo, vol. I, p. 228 e ss. âmbito dos procedimentos a que se referem os art.° 90.° e 90.°-A (respetivamente,
253 Apesar de, segundo a sua epígrafe, o art.° 90.°-A do CPPT visar disciplinar ícompensação, por iniciativa do contribuinte, com créditos tributários e créditos
(apenas) a compensação com créditos não tributários, o certo é que o corpo da |não tributários).
130 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 131

rimento nesse sentido ao dirigente máximo da administração tributária Também existe outro desvio à regra geral do art.° 855.° do Código
em causa, o qual fará acompanhar pela prova (documental) da exis­ Civil, no tocante à determinação dos créditos que se devem considerar
tência e da origem do crédito, do seu valor e do prazo de vencimento. extintos por efeito da compensação. Existindo vários créditos tributá­
A administração fiscal contactará a entidade devedora, que se rios em execução, relativos ao mesmo sujeito passivo, a imputação do
deverá pronunciar, no prazo de dez dias, sobre a existência, montante valor compensado será feita não à dívida de imposto escolhida peio
e vencimento do crédito, de forma a permitir o processamento da contribuinte, mas com obediência às regras constantes dos art.° 261."
compensação255. e 262.° do CPPT.
Efetuada a compensação, extingue-se, na sua medida, a dívida
do sujeito passivo.
Porém, em desvio às regras gerais constantes do art.° 845.° do 17. Procedimento de subrogação
Código Civil, a compensação não retroage os seus efeitos à data em que
os créditos se tomaram compensáveis, ao momento em que o Estado A lei fiscal (art.° 41.°, n.° 1, da LGT) admite, genericamente, que
e o sujeito passivo se tornaram devedores e credores recíprocos. Nos o pagamento de dívidas fiscais seja realizado por terceiros, em sinto­
termos do n.° 6 do art.° 90.°-A do CPPT, os acréscimos legais são devi­ nia, aliás, com o que prescreve a lei civil. Os direitos daí resultantes
dos até ao mês seguinte ao da data de apresentação do requerimento256. para aquele que procedeu ao pagamento são regulados pela lei civil,
sendo, portanto, uma questão cuja apreciação não compete aos tribu­
nais tributários.
255 O que suscita a interrogação de saber o que deve acontecer no silêncio da
Diferentemente acontece com a sub-rogação, instituto que já foi
entidade pública em questão, ultrapassado que seja o prazo legal de resposta. A lei
civil, para as situações em que é nomeado à penhora um crédito, faz equivaler o
objeto do nosso estudo257, pelo que o referiremos de forma sumária.
silêncio daquele que foi indicado como credor à aceitação da existência e montante A sub-rogação nos direitos da Fazenda Pública, em regra, só é
do crédito indicado pelo executado (art.° 856.°, n.° 3, do Código de Processo Civil). possível havendo mora do sujeito passivo258 e depende de autorização
Esta disciplina é aplicável quando, em processo de execução cível, aquele que foi
nomeado como credor é uma entidade pública.
Apesar disto, temos dúvidas que quanto à aplicação subsidiária de tal norma pressupostos da compensação (a sua declaração não ter eficácia retroativa) resultará
ao procedimento de compensação que estamos a analisar, dada a natureza especial contrabalançado pela inclusão no montante do crédito do contribuinte sobre o Estado
das normas que o regem. Mas, por outro lado, entendemos que aquele que ofereceu do valor dos respetivos juios de mora vencidos.
para compensação um crédito de existência provável sobre uma entidade pública não Embora este seja um pormenor, não parece fazer sentido que o contribuinte
deve ser penalizado pela inércia desta, vendo os seus bens penhorados no processo seja obrigado a pagar as custas decorrentes da instauração do processo executivo
de execução fiscal. A função moralizadora do comportamento das entidades quando antes (no período de pagamento voluntário) já era titular de um crédito
públicas, relativamente ao cumprimento pontual das suas obrigações pecuniárias compensável que a lei impede que seja invocável antes de haver processo executivo,
(que pensamos ser um dos escopos da norma em causa) só será conseguida se a v 257 No curso de licenciatura. Ver, por todos, Casalta N a b a is , Direito Fiscal,
lei não permitir que o silêncio destas seja um meio fácil de frustrar o objetivo da p. 281 e ss.
norma. E a obrigação da entidade em questão indemnizar o lesado não nos parece 258 É o que determina o n.° 2 do art.° 41.° da LGT. Algo diferente parece
ser paliativo bastante. É um ponto que, a nosso ver, exigiria disciplina legal expressa. resultar do n.° 1 do art.° 91.° do CPPT, que admite o pedido de sub-rogação “antes
'de instaurada a execução”. Temos, pois, duas normas cujos textos deveriam ser
256 O acrescido é constituído, essencialmente, pelos juros de mora e as cpmpatibilizados. Pensamos que não existindo mora do devedor (estando ainda
custas do processo de execução. Quanto aos juros, o facto de a sua contagem :a decorrer o prazo para este proceder ao pagamento), a sub-rogação só deve ser
não se considerar interrompida a partir do momento em que se verificaram os possível mediante autorização expressa deste.
132 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 133

(deste ou da administração fiscal, caso em que o requerente terá de qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios
demonstrar interesse legítimo259). Nestas condições, o terceiro que haja ou regras do ordenamento jurídico tributário, das onerações fiscais de um
pago o imposto adquire, na relação jurídico-tributária, o lugar do cre­ determinado sujeito passivo. Traçar a fronteira entre estas duas situações
dor, ou seja, como dispõe o art.° 92 °, n.° 1, do CPPT, a dívida mantém raramente é uma tarefa simples262.
as garantias inerentes à sua condição tributária, continua a vencer os
juros de mora previstos para as obrigações fiscais260e poderá, a reque­ A qualificação de determinada atuação de um contribuinte,
rimento do interessado, ser cobrada em processo de execução fiscal261. visando a redução da carga fiscal que, de outro modo suportaria, como
Porque a sub-rogação nas dívidas tributárias não é automática, sendo uma forma de planeamento fiscal abusivo acontece, normal­
podemos falar de um procedimento, ainda que simples, dirigido ao mente, a posteriori, através de uma decisão administrativa263 e, em
seu reconhecimento. último termo, de uma pronúncia judicial.
Tal implica um elevado grau de insegurança, um risco apreciável
(o contribuinte pode ter agido na convicção da licitude do seu com­
18. Planeamento fiscal abusivo portamento) e um excessivo casuísmo.
Por outro lado, porque o planeamento fiscal assenta, em larga
O planeamento fiscal consiste numa técnica de redução da carga fis­ medida, em omissões legislativas ou na falta de clareza da norma (a
cal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este possibilitar, razoavelmente, diferentes interpretações), existe todo o
estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias solu­ interesse no conhecimento, tão cedo quanto possível, dos esquemas
ções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, de planeamento, de modo a permitir, quando necessário, uma inter­
por ação intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada venção legislativa esclarecedora.
de menos encargos fiscais. O planeamento fiscal ilegítim o consiste em Tais razões motivaram a publicação do DL n.° 29/2008, de 25 de
Fevereiro, que estabeleceu o dever de comunicação prévia à adminis­
259 P. ex., quando a penhora e venda de determinado bem possa afetar um tração de esquemas ou atuações que sejam sucetíveis de configurar
terceiro (casos de compropriedade ou de existência de um contrato promessa
um planeamento fiscal abusivo264.
de compra) ou - admitimos —em razão de relações familiares ou outras entre o
executado e o que pretende efetivar a sub-rogação A obrigação de comunicação recai, em princípio, sobre os pro­
260 Mas o originário devedor mantém a possibilidade de opor ao cessionário motores de tais “sugestões” ou “esquemas”, entidades que prestam
todos os meios de defesa que íhe seria lícito invocar contra o cedente. Pode, portanto, serviços de apoio, assessoria, aconselhamento, consultoria ou análo­
reclamar e/ou impugnar a liquidação, bem como deduzir oposição à execução fiscal gos no domínio tributário, nomeadamente as instituições financeiras,
promovida a requerimento do sub-rogado. Em caso de êxito em tais recursos, terá revisores e técnicos de contas, consultores fiscais, advogados265, etc.
direito a ser reembolsado da quantia indevidamente paga.
Questão interessante é saber se o sub-rogado tem legitimidade para impugnar
a legalidade da dívida tributária. Sob uma perspetiva meramente formal, diríamos 262 Saldanha S a n c h es , O s Limites do Planeamento Fiscal, p. 21, obra de
que não, uma vez que ele é (passa a ser) credor (e não devedor) dessa obrigação. Mas ; referência, na doutrina portuguesa, sobre este tema.
não podemos ignorar que poderá ter interesse legítimo em que seja reconhecido ser 263 Infra, n.° 30, Procedimento para aplicação das normas antiabuso.
indevido o pagamento por ele efetuado, pois que, em muitos casos, serão escassas 264 Carlos L oureiro , / António Beja Neves, «Breve comentário ao recente
as possibilidades de lograr o pagamento (o reembolso) pelo originário devedor. regime de combate ao planeamento fiscal abusivo».
261 Podendo, se tal lhe for mais conveniente, optar por que o cálculo dos juros : . 265 O que toma necessária a distinção entre a atividade de um advogado en-
seja feito de acordo com o disposto na lei civil (art.° 92.°, n.° 1, do CPPT). . quanto consultor fiscal e o patrocínio judiciário, pois, de outra forma, estar-se-ia
134 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 135

Uma vez que o conceito (te “esquema de planeamento fiscal poten­ DGCI, do entendimento de que determinados esquemas ou atuações
cialmente abusivo” seria demasiado lato (obrigaria à comunicação da de planeamento fiscal, descritos em termos gerais e abstratos, foram
generalidade das “opções fiscais” possíveis), a lei procurou delimi­ reputados de abusivos e, portanto, podem ser requalificados, objeto de
tar o âmbito do dever de comunicação, cingindo-o às operações que: correções ou determinar a instauração de procedimento de aplicação
impliquem a participação de entidade sujeita a um regime fiscal privi­ de disposições antiabuso.
legiado ou de entidade total ou parcialmente isenta; envolvam opera­ O conhecimento de tais esquemas relevará essencialmente na
ções financeiras ou sobre seguros que sejam sucetíveis de determinar perspetiva da administração fiscal, a qual impulsionará as medidas
a requalificação do rendimento ou a alteração do beneficiário; impli­ legislativas tidas por necessárias e orientará as suas ações de inspeção
quem a utilização de prejuízos fiscais266. de forma a garantir maior controlo quanto à sua utilização.
A comunicação conterá a descrição pormenorizada do esquema Não iremos analisar aqui as dificuldades que este diploma, pleno
ou da atuação de planeamento fiscal, incluindo designadamente, a de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, suscita268. Ficam, ape­
indicação e caracterização dos tipos negociais, das estruturas societá­ nas, duas notas: a introdução nos ordenamentos jurídico-fiscais nacio­
rias e das operações ou transações propostas ou utilizadas, bem como nais de disclosure rules deste tipo é uma realidade recente, comum a
da espécie e configuração da vantagem fiscal pretendida (incluindo a numerosos países269; entre nós, passada uma fase inicial, parece poder
indicação das normas legais em causa)267. constatar-se ter esta obrigação caído num relativo esquecimento, pois
Recebida a comunicação, não há lugar a uma qualquer decisão (ou é escasso o número de comunicações feitas e só por uma vez, ao que
seja, o interessado não é, individualmente, esclarecido se o esquema cremos, é que a DGCI procedeu à publicitação dos esquemas que con­
em causa é ou não considerado abusivo). Por esta razão, entendemos siderou abusivos.
que este dever de comunicação não dá origem a um procedimento tri­
butário, tratando-se, antes, de um especial dever de cooperação com
a administração fiscal. SUBSECÇÃO I
O esclarecimento dos promotores e contribuintes quanto à liei-
tude dos esquemas por aqueles propostos apenas acontecerá, even­ Procedimentos de natureza litigiosa
tualmente, por via indireta, através da divulgação pública, no site da

a comprometer o sigilo profissional que tem que existir nas relações entre o advo­ 19. O princípio da impugnação unitária
gado e o seu cliente, sob pena de ficar comprometido o direito à defesa deste (cf. o
disposto no art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 29/2008). Um princípio do procedimento e do processo tributário é o da
266 Estão, ainda, sujeitos à obrigação de comunicação quaisquer esquemas
impugnação unitária (art.° 54.° do CPPT), segundo o qual não são
de planeamento fiscal que contenham cláusulas visando a limitação da responsa­
bilidade do respetivo promotor. Trata-se de uma norma que visa os “pacotes” de
sucetíveis de impugnação contenciosa os atos interlocutórios do pro­
planeamento fiscal oferecidos por empresas de consultadoria fiscal à generalidade cedimento (salvo quando exista disposição expressa em contrário ou
dos possíveis interessados (os quais, normalmente, incluem cláusulas com este
teor), ou seja, esquemas que são utilizados por uma multiplicidade de contribuintes. 268 O que motivou a necessidade da imediata publicação de uma pormenorizada
267 Não está, pois, prevista a obrigação de identificar os “beneficiários” (efe- orientação administrativa, o despacho do SEAF n.° 14592/2008, de 14 de Maio.
tivos ou potenciais) de tais esquemas, O objeto da comunicação é, tão só, o seu 269 Fernando Castro SILVA / Tiago Cassiano Neves, «Planeamento fiscal
conteúdo. abusivo: o caso português no contexto internacional», p. 121 ss.
136 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 137

de tratando-se de atos que sejam imediatamente lesivos270) sem pre­ Noutros casos, a fixação da matéria coletável é feita através de
juízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer procedimentos autónomos de avaliação, a qual pode ser direta ou
ilegalidade anteriormente cometida. indireta. Nestas situações, a lei prevê a necessidade de utilização de
Estando em causa a liquidação de um tributo, tal princípio implica, meios administrativos para a revisão das decisões conclusivas de tais
pois, que os atos procedimentais que aconteceram no iter que a ela con­ procedimentos. A sua não utilização tem como consequência que não
duziu não sejam, por princípio, destacáveis para efeitos de recurso, ou se possa discutir em Tribunal o quantum da matéria coletável fixado (a
seja, é no quadro da reclamação da liquidação (ou da sua impugnação) existência do procedimento de revisão é, pois, uma condição de proce-
que serão apreciadas as eventuais legalidades cometidas no decurso dibilidade da ação de impugnação274). Então, a impugnação (adminis­
do procedimento que culminou em tal ato tributário. trativa ou judicial) da liquidação apenas pode ser apreciada na medida
A mesma ideia é afirmada pelo art.° 66.° da LGT, o qual dispõe que, em que o seu fundamento seja outro, nomeadamente a existência de
sem prejuízo do direito à reclamação de quaisquer atos interlocutórios vícios formais no procedimento.
que aconteçam no procedimento (reclamação que não tem efeito suspen­ Os n.° 1 e 2 do art.° 86.°, da LGT são algo difíceis de entender275,
sivo), os interessados poderão recorrer ou impugnar a decisão final com uma vez que parecem supor, em todos os casos de avaliação direta, a
fundamento em qualquer ilegalidade (qualquer ilegalidade cometida em existência de uma notificação da decisão de fixação da matéria cole­
qualquer momento —ato - do procedimento que conduziu a tal decisão). tável (do resultado do cálculo ou da avaliação), da qual o interessado
Sendo a liquidação —entendida em sentido estrito —uma mera poderia recorrer diretamente para o Tribunal, esgotados que sejam os
operação matemática de aplicação da(s) taxa(s) à matéria coletável, meios administrativos previstos para a sua revisão, quando existam276.
assume relevo maior o ato de quantificação da matéria coletável, o Procurando ultrapassar, de forma pragmática, a complexidade
chamado lançamento objetivo271. normativa, diremos que a impugnação (administrativa ou judicial277)
Em certos impostos, como o IRC e o IVA, a quantificação da autónoma da fixação da matéria coletável só acontece quando a lei
matéria coletável é feita pelo próprio sujeito passivo (existe uma obri­ prevê um procedimento específico visando a revisão de tal fixação
gação de autolançamento e autoliquidação), pelo que não existe, ver­ (seja por avaliação direta ou indireta) e, consequentemente, a notifi­
dadeiramente, um ato administrativo de quantificação (fixação) da cação (também autónoma) de tal decisão.
matéria coletável272. Noutros impostos, como o IRS, a liquidação é Assim, p. ex., quando a administração fiscal procede às chamadas
feita com base nos valores constantes da declaração dos contribuintes, correções técnicas da matéria coletável - por não aceitar os critérios
pelo que a questão se coloca, substancialmente, nos mesmos termos.
Temos então não uma avaliação administrativa da matéria coletável,
274 Ac. do STA de 18-05-2011, rec. n.° 262/11.
mas sim um cálculo administrativo da matéria coletável (cálculo este 275 Dando conta desta dificuldade, Joaquim Freitas da R o cha , Lições....,
que, normalmente, é feito de forma totalmente informatizada)273. p. 178 ss.
276 Como salienta Jorge de S ousa , Código..., I, p. 473, a fixação administrativa
270 Ac. do STA de 23-06-2010, rec. n.° 01032/09, relatora D ulce N eto . da matéria coletável é muitas vezes feita em simultâneo ou, mesmo, posteriormente à
Entendendo ser necessária norma expressa, JORGE de SOUSA, Código... ,1, p. 467. da liquidação que origina, (funcionando como “parte integrante” da fundamentação
271 Casalta N aba is , Direito Fiscal, 2010, p. 39. desta - acrescentamos nós).
272 Daí a previsão legal de reclamações necessárias. 277 A lei expressamente estabelece que o recurso judicial visando a contestação
273 Salientando a pouca clareza da lei nesta distinção entre avaliação e cálculo, da fixação da matéria coletável revestirá a forma de processo de impugnação, apesar
Leite de C ampos / Silva Rodrigues/Jorge de Sousa, Lei Geral Tributária, p. 734. de, neste caso, o seu objeto não ser uma liquidação.
138 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 139

utilizados pelo sujeito passivo (p. ex., as taxas de depreciação utiliza­ Interessa-nos aqui, apenas, fazer referência aos meios de revisão
das, o método empregue para a valorimetria dos inventários); por não que a lei coloca ao dispor dos sujeitos passivos para contestarem o
considerar indispensáveis determinados custos ou gastos; por entender resultado da avaliação administrativa (a qual constitui um ato desta­
que o valor declarado de certos bens não corresponde ao seu “valor cável para efeitos de recurso).
de mercado”, etc.) -, tal decisão não reveste autonomia procedimen­ Referindo apenas o caso dos prédios urbanos, pela sua maior rele­
tal, sendo a legalidade de tais atos (a legalidade da alteração ao valor vância, temos que o resultado da avaliação (a decisão de fixação do
da matéria coletável daí decorrente) apreciada em sede de reclamação valor tributário do prédio e respetiva fundamentação) é, autonoma­
ou impugnação da liquidação. mente, notificado ao sujeito passivo e, eventualmente, a outros interes­
sados diretos281, os quais podem, no prazo de 30 dias, requerer uma
segunda avaliação (art.° 76.°, n.° 1, do CIMI), a qual tem efeito suspen­
20. Segunda avaliação de imóveis sivo da liquidação (da baseada no novo valor patrimonial reclamado)282.
A realização da segunda avaliação está condicionada ao prévio
Como vimos, a determinação do valor patrimonial dos imóveis pagamento de uma taxa.
releva diretamente para o IMI, para o IMT e para o Imposto de Selo e O requerente poderá participar na segunda avaliação ou, como
pode, também, ser elemento a ter em conta na quantificação da maté­ será mais frequente, designar alguém (um “perito”) para o representar.
ria coletável do IRC e do IRS. Os dois outros membros da comissão avaliadora são designados pela
Em todos os casos, a avaliação é feita com observância das regras administração fiscal e pelo município da situação do prédio283 (art.°
procedimentais previstas nos art.° 17.° e seguintes (prédios rústicos) e 76.°, n.° 1 e 2, do CIMI).
37.° e seguintes (prédios urbanos) do CIML Não iremos analisar tais Apenas é possível recorrer judicialmente (recurso que é autónomo
procedimentos278, que são da competência da administração fiscal279e do da liquidação) do resultado da segunda avaliação (art.° 77.°, n.° 1
que acontecem sem intervenção dos sujeitos passivos, mesmo quando
a iniciativa da sua realização lhes pertenceu280. 281 Quando uma avaliação de prédio urbano seja efetuada por omissão à matriz
ou na sequência de transmissão onerosa de imóveis e o alienante seja interessado
para efeitos tributários, deverá ser notificado do seu resultado para, querendo,
278 A consagração de regras objetivas para a avaliação dos prédios urbanos requerer segunda avaliação, no prazo e termos dos números anteriores, caso em
foi a grande evolução trazida pelo CIMI que, no mais, quase se limita a reproduzir que poderá integrar a comissão referida no n.° 2 ou nomear o seu representante - n.°
as normas que já constavam do anterior Código da Contribuição Autárquica (para 8 do art.° 76.° do CIMI.
maiores desenvolvimentos, Rui Duarte MORAIS, «Do Código da Contribuição 282 Efeito suspensivo que dura até à notificação da decisão que culmina o
Predial ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis», procedimento de segunda avaliação. A subsequente impugnação desta decisão
As regras de avaliação dos prédios rústicos mantêm-se praticamente não tem efeito suspensivo, como é regra geral e é reafirmado, ainda de forma algo
inalteradas desde os tempos do Código da Contribuição Predial. confusa, na parte final do n.° 1 do art° 118.° do CIMI.
279 Em sentido lato, uma vez que a avaliação é feita por peritos que não são 283 Que tem interesse direto na questão uma vez que o IMI e o IMT são
funcionários, muito embora sejam designados pela DGCI (atualmente, um dos impostos municipais. Porém, apesar de tal interesse, o STA entendeu, atenta a
peritos é nomeado pelo município da situação do imóvel). A coordenação dos natureza subjetivista que ainda continua a ter o nosso contencioso de impugnação,
procedimentos de avaliação também não cabe diretamente à DGCI, mas sim a que as Câmaras Municipais não têm legitimidade para impugnar judicialmente o
comissões presididas por funcionários da administração fiscal (yd. art" 47° e ss. resultado de uma segunda avaliação de imóveis. Cf. Ac. do STA de 17-11-2010, rec.
do CIMI). n.° 0624/10, e o Comentário ao mesmo feito por Nuno Oliveira G arcia / Andreia
280 Cf. art.° 130.°, n.° 3, al. a), e n.° 4 do CIMI. Gabriel Pereira.
140 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 141

do CIMI). Solução que nos parece razoável pelas razões que adiante em muitos casos, à desvalorização da propriedade imobiliária, a acen­
referiremos ao tratar do procedimento de revisão da matéria coletável tuadas diminuições do seu valor de mercado.
fixada por avaliação indireta. Também aqui estão em causa juízos de O legislador teve consciência deste problema e, alterando a reda-
natureza técnica, cuja melhor reapreciação será a feita por peritos, antes ção inicial do CIMI, passou a prever as situações em que o valor patri­
de a questão ser levada ao Tribunal. Esta solução legal não enferma monial tributário apurado resulte distorcido relativamente ao valor de
de inconstitucionalidade, quando apreciada à luz do art.° 268.°, n.° 4 mercado do prédio. Nesses casos, a comissão que efetua a segunda
da CRP, pois a decisão tomada no procedimento da primeira avalia­ avaliação deixa de estar vinculada à fórmula constante do Código,
ção (a fixação da matéria coletável aí lograda) não é um ato lesivo dos devendo adotar critérios mais “elásticos”, que permitam que o valor
sujeitos passivos, uma vez que estes podem obstar à produção dos seus patrimonial por ela fixado não exceda o valor de mercado do prédio
efeitos, requerendo a segunda avaliação. (n.° 4 do art.° 76.° do CIMI).
Porém, a solução legal não satisfaz, porquanto:
- a correção do valor patrimonial distorcido, nos termos atrás
20.1. Valor patrimonial distorcido sumariamente expostos, só releva para efeitos de IRS, IRC e
IMT (art.° 76.°, n.° 4, do CIMI). Ou seja, relativamente a outros
A principal questão que se coloca é a dos critérios a serem utili­ impostos em que o valor patrimonial constitui matéria cole­
zados no procedimento de segunda avaliação. O seu objetivo último tável (IMI e IS), a lei, expressamente, manda que a tributação
é, obviamente, determinar o correto valor patrimonial de um prédio. aconteça com base num valor tributário distorcido, um valor
Porém, tal determinação é, em princípio, feita por aplicação dos mes­ sem correspondência com a realidade;
mos critérios legais (da mosmafórmula) utilizada aquando da primeira - a correção dos valores patrimoniais por esta forma só é possível
avaliação (n.° 2 do art° 76.° do CIMI). Analisando tal fórmula, veri­ quando o valor patrimonial tributário fixado seja superior (ou
ficamos que ela parte do resultado da multiplicação da área (da soma inferior) em mais de 15 % ao valor normal de mercado (parte
dos diferentes tipos de área) do prédio por um valor médio de constru­ final do n.° 5 do art ° 76.° do CIMI). Ou seja, a lei expressamente
ção (valor base). O resultado desta operação é, depois, “afinado” por consente um excesso de tributação (uma tributação sobre uma
aplicação de uma série de coeficientes relativos à realidade do prédio riqueza que o contribuinte não tem) desde que o “excesso não
(afetação, localização, qualidade e conforto, vetustez)284. seja excessivo”.
Como é bom de ver, esta fórmula conduz a resultados “normais”,
sendo que o valor assim obtido pode exceder o valor real, o valor de Será tal constitucional?
mercado, do prédio. Tal é cada vez mais frequente, não só por alguma Entendemos que o contribuinte deve ser admitido a fazer prova,
inadequação da fórmula à realidade285, como pelo facto de se assistir, ao menos em sede de impugnação do resultado da segunda avaliação,
de qual o valor de mercado do prédio, não podendo a tributação, em
qualquer dos impostos em causa, ter por base um valor superior. De
284 Cf. José M aria P ires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo,
outra forma ocorreria uma violação do princípio da tributação segundo
p. 51 ss.
285 Bastará referir que o preço médio de construção, elemento determinante
no cálculo do valor patrimonial do prédio, é fixado a nível nacional, por Portaria. serem significativamente diferentes de zona para zona, nomeadamente entre as
Ora, é notório o facto de os custos de construção (em especial os da mão de obra) grandes cidades e o interior rural.
Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 143
142

a capacidade contributiva, aqui revelada (correspondente) pelo valor 21.2. Manifestações de fortuna
de mercado da propriedade detida ou transmitida286.
Em termos de formalidades procedimentais, estando em causa um Também em breve súmula288, diremos que há lugar a esta forma
valor patrimonial distorcido (pretendendo-se que a segunda avaliação de avaliação indireta da matéria coletável no caso de o sujeito passivo
seja feita com aplicação das regras excecionais que a lei prevê para tais evidenciar uma ou mais das manifestações de fortuna tipificadas na
casos), o requerimento de realização da segunda avaliação.tem que lei (art.° 89.°-A da LGT), o valor das mesmas não ser conforme com
ser especialmente motivado (n° 6 do art.° 76.° do CIMI). O requerente o rendimento declarado e o contribuinte não provar ser outra a fonte
terá, pois, não só que manifestar a sua discordância com o resultado dos recursos utilizados na sua aquisição (nomeadamente, herança ou
da primeira avaliação e indicar, querendo, quem o irá representar na doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, aforro ou,
comissão de avaliação, mas também que alegar factos demonstrativos mesmo, recurso a crédito289).
de que o valor de mercado do prédio é inferior (em mais de 15%) ao A particularidade deste método de avaliação indireta resulta do
valor patrimonial reclamado. facto de a lei estabelecer diretamente o valor do rendimento presu­
mido (rendimento-padrão), o qual corresponderá a determinada per­
centagem do valor de cada uma das manifestações de fortuna. Não há
21. Procedimento de revisão da matéria coletável fixada por ava­ assim, substancialmente, uma fixação administrativa do rendimento
liação indireta coletável, pelo que não há, também, qualquer procedimento dirigido
à sua revisão (n.° 7 do art° 89.°-A da LGT in fine).
21.1. Regime simplificado Algumas notas:
Como é regra existindo uma presunção legal, o ónus da prova
Não prevendo a lei qualquer procedimento especial dirigido à fixa­ distribui-se da forma seguinte: à administração fiscal cabe provar a
ção do quantitativo da matéria coletável dos contribuintes abrangidos existência e valor das manifestações de fortuna (do facto indiciário).
pelo regime simplificado?87, não prevê, também, qualquer mecanismo Ò sujeito passivo tem o ónus de ilidir a presunção de “rendimento-
específico para a revisão de tal valor. Assim o contribuinte que pre­ -padrão” que a lei faz resultar daquelas.
tenda demonstrar que a sua matéria coletável foi outra, poderá optar A ilisão de tal presunção acontecerá no próprio procedimento,
por reclamar da liquidação ou, de imediato, impugná-la. na sequência de notificação feita ao sujeito passivo para tal fim, pres­
suposta no n.° 3 do art.° 89.°-A da LGT.
f. Sendo mantida a decisão administrativa de fixação indiciária da
matéria coletável feita com base na existência de manifestações de
fortuna, o legislador considerou tal um ato suficientemente lesivo para
justificar a existência de um recurso judicial autónomo, com efeito
286 Parece-nos ser neste sentido a doutrina contida no Ac. do STA de 02-05-; JJuspensivo (ou seja, a decisão administrativa só será eficaz depois de
2012, rec. n.° 1131/11, relatora F erna n da M açãs . ,
287 Procedimento desnecessário, pois o montante da matéria coletável
resultará, por regra, da declaração, onde figurarão os rendimentos aos quais será
aplicado o(s) coeficiente(s) que a lei prevê, obtendo-se assim o valor da matéria ■< 288 Exaustivamente, João Sérgio R ibeiro , Tributação Presuntiva..., p. 272 ss.
289 P. ex., Ac. do STA de 27-05-2009, rec. n.° 0403/09.
coletável.
144 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 145

confirmada pelo Tribunal de 1* instância), a ser tramitado como pro­ de cargos sob tutela de entidade pública, as decisões de avaliação indi­
cesso urgente (n.° 7 do art.° 89.°-A da LGT)290. reta feitas por este método serão comunicadas à respetiva tutela e ao
Tal dá origem à interrogação de saber se, em lugar de recorrer, o Ministério Público, para efeitos de averiguação, no âmbito das respe-
interessado poderá reclamar e/ou recorrer hierarquicamente da deci­ tivas competências. Tal norma suscitou objeções quanto à sua cons-
são que fixa o rendimento-padrão segundo este método. O direito à titucionalidade, as quais, porém, não foram acolhidas pelo Tribunal
reclamação e ao recurso hierárquico são meios de garantia que, como Constitucional293.
regra, estão ao dispor dos interessados, pelo que não vemos razões
para considerar vedada a sua utilização nestas situações.
A verdadeira questão será saber se a pendência de tais meios gra­ 21.3. Acréscimos injustificados de património ou de despesa
ciosos de reapreciação da legalidade do ato administrativo suspende
o prazo para o recurso judicial (o acionamento de tais meios não tem Inicialmente, o legislador procedeu à tipificação apenas das mani­
qualquer efeito suspensivo relativamente à eficácia da decisão), ou seja, festações de fortuna de ocorrência mais vulgar e mais facilmente con­
se é aplicável o n.° 4 do art.° 59.° do CPTA. troláveis, as que figuram na tabela constante do n.° 4 do art.° 89.°-A
Pensamos que o recurso judicial previsto no n.° 7 do art.° 89.°-A da LGT.
da LGT tem natureza excecional. A devida ponderação pela adminis­ Cedo se verificou a insuficiência dessa listagem de “manifestações
tração da decisão estará assegurada pelo facto de ela competir a um de fortuna” (e, também, a impossibilidade de proceder à tipificação de
funcionário de elevado grau hierárquico (o Diretor de Finanças), sem todos os possíveis “sinais exteriores de riqueza”), pelo que foi aditada
possibilidade de delegação (n.° 6 do art.° 89.°-A da LGT). uma nova alínea f) ao art.° 87.° da LGT, permitindo a avaliação indi­
Assim, entendemos que a utilização dos meios graciosos de reta da matéria coletável quando (na redação atual) se verifique um
recurso não suspende a contagem do prazo para a interposição do acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades,
recurso judicial, o mesmo é dizer que a decisão que, por esta forma, de valor superior a € 100 000 e a falta de declaração de rendimentos
fixou a matéria coletável (o rendimento-padrão) só é passível de recurso òu a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência
judicial se este for interposto291 no prazo de 10 dias contados da res- não justificada com os rendimentos declarados.
petiva notificação (n.° 2 do art.° 14.°-B do CPPT, aplicável por força Os sucessivos aditamentos e remendos legislativos que foram
do n.° 8 do 89.°-A da LGT)292. acontecendo criaram um quadro legal que origina dificuldades inter-
No quadro de uma política legislativa de prevenção e combate da pretativas. Cingindo-nos apenas aos aspetos procedimentais e proces­
corrupção, a lei (n.° 10 do art.° 89.°-A da LGT) veio determinar que, suais da questão294, há que saber se o disposto nos n.° 6, 7, 8 e 10 do
quando os sujeitos passivos em causa forem funcionários ou titulares
293 Ac. n.° 442/2007, de 14 de Agosto (com numerosos votos de vencido)
290 Vd. Isabel Marques da S ilva, «Tributação da riqueza e sinais exteriores 294 Uma referência crítica ao desequilíbrio que, a nosso ver, acontece na
de riqueza (manifestações de fortuna): o artigo 89.°-A da Lei Geral Tributária na ífprma como a lei regula a tributação presuntiva decorrente, por um lado, das
jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo», “manifestações de fortuna” e, por outro, dos acréscimos patrimoniais e de despesa
291 Pela entrega da petição no tribunal (cf. Ac. do STA de 20-12-2006, rec. injustificados. Em primeiro lugar, temos o grau de divergência exigido, relativamente
n.° 0473/06). mo rendimento declarado. Quanto às primeiras, a lei impõe uma desproporção de,
292 Analisando a suficiência deste prazo, o Ac. do Tribunal Constitucional n.° pelo menos, 50%, como condição para a avaliação indireta poder ter lugar (art°
554/2009, de 27 de Outubro. $9.°-A, n.° 1, da LGT). No segundo caso, a lei não fixa um valor mínimo para a
146 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 147

art.° 89.°-A da LGT tem aplicação também nos casos em que a avalia­ Pensamos que, em resultado de várias adições legislativas, são
ção indireta é resultado da constatação de acréscimos injustificados dois os métodos de avaliação indireta previstos em tal artigo296. Há,
do património ou da despesa (ou se tais normas são aplicáveis apenas pois, que fazer uma interpretação extensiva dos preceitos em análise,
quando o pressuposto da avaliação indireta seja a existência de uma devendo, onde está “método de avaliação constante deste artigo” ler-se
“manifestação de fortuna”). A dúvida pode levantar-se porquanto tais “métodos de avaliação referidos neste artigo”, pois, por certo, não terá
normas, literalmente, referem-se ao “método indireto constante deste sido intenção distinguir, desde logo em termos de possibilidade e efei­
artigo” e tal método é, apenas, o decorrente das manifestações de for­ tos do recurso judicial, entre situações substancialmente idênticas. O
tuna (cf. os seus n.° 1 e 2); isto sem prejuízo da constatação de vários que aconteceu terá sido, apenas, uma desatenção do legislador que, em
números de tal preceito legal, em consequência de sucessivas alterações termos de redação, não terá procedido a todas as atualizações impli­
legislativas, terem passado a dispor também sobre o procedimento de cadas pela adição ao n.° 1 do art.° 87.° da LGT da sua atual alínea f).
avaliação indireta decorrente da al. f) do art.° 87.° da LGT, ou seja, da
existência de (outros) acréscimos patrimoniais ou despesas295.
21.4. Ilisão pardal da presunção

Deram origem a largo debate na jurisprudência os casos de ilisão


divergência ser relevante (não acontecia assim anteriormente a 2009, pois que, então, parcial da presunção: o interessado demonstra a origem (não sujeita a
a avaliação indireta só poderia ter lugar existindo uma divergência de, pelo menos,
um terço entre o rendimento declarado e os acréscimos de património ou despesa).
ERS297) de parte dos recursos utilizados na aquisição da “manifestação
Hoje, os acréscimos injustificados de património ou despesa só relevam de fortuna” em causa (p. ex., contração de um empréstimo bancário),
quando de valor superior a € 100.000. Significa isto que, na maior parte dos casos, mas tal valor, somado ao rendimento líquido declarado, não atinge o
os sinais exteriores de riqueza não expressamente tipificados não terão qualquer montante do rendimento-padrão presumido.
relevância em termos de controlo da veracidade das declarações, o que é difícil de A questão terá ficado resolvida com o Ac. do STA (Pleno) de
compreender, desde logo em termos de justiça na tributação. Assim - num exemplo
19-05-2010, rec. n.° 0734/09, relatado por Isabel M arques da S ilva.
que tem traços caricaturais - um contribuinte que tenha pago propinas ao colégio
que os filhos frequentam disponibilizará, em sede de controlo da sua declaração
Citamos:
de IRS, a documentação comprovativa de tais pagamentos, enquanto justificativos
do direito à dedução à coleta por despesas de educação. A administração verificará
a realidade de tais pagamentos, mas não pode retirar quaisquer consequências
“imediatas” se, p. ex., constatar que só o valor de tais despesas é superior ao do 296 A própria epígrafe do art. 89.°-A da LGT leva a concluir que dele consta
rendimento declarado, ou seja, do facto de tais despesas indiciarem claramente a a disciplina legal de dois diferentes tipos de situações: manifestações de fortuna e
existência de rendimentos muito mais elevados que os declarados. outros acréscimos patrimoniais não justificados.
Por último, os acréscimos patrimoniais e as despesas não justificadas, 297 A avaliação indireta tendo por base a existência de manifestações de
quando superiores ao referido limite de €100.000, fazem presumir, legalmente, a fortuna tipificadas no art.° 89.°-A da LGT só acontece relativamente às pessoas
obtenção de um rendimento de igual valor (n.° 5 do art.0 89.°-A da LGT), enquanto, singulares (art.° 87°, n.° 1, al. d) da LGT).
relativamente às “manifestações de fortuna” tipificadas, o rendimento que é, Mas já não é claro que o disposto na al. f) do art.° 87.° não possa ser aplicado
legalmente, presumido corresponde apenas a uma fração do seu valor (n.° 4 do a pessoas coletivas. Consideremos a hipótese de uma sociedade ter adquirido um
art.° 89.°-A da LGT). prédio por 300.000, sem existir contabilidade e sem lhe ser conhecida qualquer
295 Rigorosamente, não está aqui em causa a constatação de quaisquer atividade. Poderia o seu lucro ser fixado em € 200.000? O elemento literal da norma
acréscimos na despesa mas sim a existência de despesas. não o impede (não há qualquer referência a quem está a ela sujeito).
148 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 149

Para prova da ilegitimidade deste ato de avaliação indireta só deve 21.5. Impossibilidade de determinação direta e exata da maté­
dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “mani­ ria coletável
festação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta
a aplicabilidade da determinação indireta dos rendimentos que permiti­ Embora a lei não o diga expressamente, a hipótese de recurso à
ram tal manifestação de fortuna. Já assim não é, contudo, no que respeita avaliação indireta constante da alínea b) do n.° 1 do art.° 87.° da LGT
à fixação do rendimento sujeito a tributação como “incremento patrimo­ só terá, por regra, aplicação relativamente aos contribuintes que exer­
nial” em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixa­ çam uma atividade empresarial e cujo rendimento tributável (e a maté­
ção presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” ria coletável de outros impostos, como o IVA) deva ser determinado
sujeito a imposto, atenta a natureza das normas em causa - concernentes com base numa contabilidade organizada (cf. art.° 88.° da LGT)299.
à incidência objetiva do imposto a proibição constitucional de presun- Focando o tema apenas sob a perspetiva procedimental300, cabe à
ções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade administração fiscal a prova dos pressupostos do recurso à avaliação
contributiva, o disposto no artigo 73.° da Lei Geral Tributária - que deter­ indireta (da verificação do pressuposto previsto no art.° 87.°, n.° 1, al. b)
mina que «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária da LGT, concretizado pelo disposto no art.° 88.° do mesmo diploma301)
admitem sempre prova em contrário» - , e bem assim a busca de um cânone e ainda, lograr uma fundamentação aceitável da quantificação indi-
interpretativo conforme aos princípios da igualdade, da capacidade contri­ ciária a que procedeu, desde logo a realidade dos factos indiciários
butiva, da tributação dos rendimentos reais, e do estado de direito demo­ que utilizou (vd. art.° 90.° da LGT) e a razoabilidade da sua aplica­
crático, que a solução adotada no acórdão recorrido não permite alcançar. ção no caso concreto (a idoneidade do método indireto utilizado e da
Assim, embora ajustificação parcial não afaste a aplicação do método
de avaliação indireta previsto no artigo 89.°-A da LGT, não pode deixar
de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser 299 Exceção poderá resultar do previsto na al. d) do art.° 88.° da LGT. P. ex.,
determinado por esse método, entendendo-se que a quantificação do ren­ um profissional independente, abrangido pelo regime simplificado, que declare ter
dimento tributável da recorrente deve ser igual a 20% do valor de aqui­
II recebido pelos seus serviços valores muito abaixo do “normal”.
; 300 Em geral, Rui Camacho Pa l m a , « D os métodos indiciários no processo
sição, deduzindo-se a este valor de aquisição o montante do empréstimo
í tributário»; Francisco Sousa da C â m a ra , «Avaliação indireta da matéria coletável
bancário que a recorrente demonstrou ter efetuado para a aquisição do . e os preços de transferência na LGT».
imóvel, já que este montante não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não & 301 Não consideraremos a hipótese prevista na al. c) do n.° 1 do art.° 87.° da
podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendi­ LGT, porquanto os indicadores objetivos de base técnico-científica aí referidos
mento sujeito a tributação. nunca foram aprovados. É duvidoso que o venham a ser (vd. P ortugal , Relatório.
p; 252, onde se conclui que a normal aplicação do regime simplificado não resultou
perturbada com a não publicação de indicadores de base técnico-científica e se
Sufragamos a interpretação da lei feita pelo STA, a qual, aliás, | preconiza a manutenção das linhas gerais estruturantes do atual sistema, ainda
deu acolhimento ao que defendia a melhor doutrina que havia ver­ f ique, apenas, para as pessoas singulares).
sado a questão298. A hipótese da al. e) do mesmo artigo (declaração sistemática de prejuízos)
tem, apenas, uma autonomia relativa: dispensa a administração fiscal de lograr
&prova de necessidade de recurso à avaliação indireta (a lei presume que a
•contabilidade não traduz a realidade). Porém, a quantificação presumida da matéria
298 João Sérgio R ibeiro , «Manifestações de fortuna e afastamento parcial da coletável seguirá as regras gerais, sendo aplicável o procedimento de revisão que
presunção de rendimento», em comentário a tal acórdão. ranalisamos em texto.
150 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 151

adequação da quantificação da matéria tributável fixada, no dizer do própria - r haverá que decidir sobre temas como “margens médias de
Ac. do STA de 7-10-2009, rec. n.° 0422/09)302. lucro líquido”, ““rentabilidade do capital investido”, “coeficientes téc­
nicos de consumo ou utilização de matérias primas”, etc. (cf. n.° 1 do
art.° 90.° da LGT), valores esses a serem fixados tendo em conta não
21.6. O procedimento de revisão303 só o sector em que a empresa se insere mas também, em especial, as
concretas condições em que a sua atividade é exercida, nomeadamente
No tocante aos meios de garantia, assume relevância maior o a localização e a dimensão da empresa.
facto de, nestes casos, o sujeito passivo, quando não concorde com a A discussão deste tipo de questões resultará, em princípio, mais
verificação dos pressupostos que permitem que a avaliação indireta profícua acontecendo entre peritos do que em Tribunal. Mais, porque
tenha lugar e/ou com o valor da matéria coletável fixada indiciaria- sabe que qualquer conclusão envolve sempre um inultrapassável grau
mente, ter que lançar mão do procedimento de revisão regulado pelos de incerteza, a lei configura este procedimento de revisão como um
artigos 91.° e ss da LGT sob pena de, não o fazendo, não poder lograr instrumento visando a obtenção de um consenso, pois considera como
a reapreciação judicial de tais questões (art.° 86.°, n.° 5, da LGT)304. seu fim “o estabelecimento de um acordo” (art.° 92”, n.° 1, da LGT).
Tal procedimento tem efeito suspensivo, ou seja, a liquidação só f A nosso ver, o intuito da lei não é apenas o de criar um filtro no
terá lugar depois de a quantificação ter sido confirmada ou feita nova acesso aos Tribunais, procurando evitar que estes sejam, sistematica­
fixação pela decisão que culmina tal procedimento de revisão. mente, chamados a julgar este tipo de questões (a maioria das vezes de
A solução legal compreende-se: estão em causa, essencialmente, . grande complexidade), para as quais não são particularmente vocacio­
questões não jurídicas, uma apreciação de factos a ser feita com base í nados. O objetivo legal foi criar um mecanismo que permita uma sua
em conhecimentos que são objeto de outras áreas científicas ou técni­ melhor análise por quem tenha qualificações especiais para o fazer.
cas e cuja correta compreensão implicará, muitas vezes, também um A aplicação prática deste procedimento redunda, as mais das
saber de experiência feito. Assim, para além das questões relativas à f vezes, em “fracasso”, numa decisão que, por não ser consensual, não
regularidade da organização e execução da contabilidade - domínio resolve o litígio, o qual acaba por ser remetido para os tribunais. A
complexo, que, hoje, se deve entender como sendo objeto de uma ciência # responsabilidade é, certamente, compartilhada por todos os atores. Por
esta razão, entendemos que este procedimento deveria ser substituído
por uma verdadeira arbitragem.
302 Para mais desenvolvimentos, Rui Duarte M orais , «Avaliação Indireta, |
arbitragem e controlo Judicial». 4
303 António Lima G uerreiro , «Revisão da matéria tributável e injustiça -
na tributação»; António Carvalho M a r t in s , «Revisão da matéria tributável: 21.6.1. Formalidades
procedimento de avaliação e escrutínio judicial». ':f
304 Muito embora possa impugnar a liquidação subsequente com base era É O pedido de revisão deve ser formulado no prazo de 30 dias con­
outras ilegalidades, nomeadamente vícios formais do procedimento (de avaliação , tados da data da notificação da fixação da matéria coletável. Em tal
indireta) a ela subjacente. •requerimento, o sujeito passivo indicará o perito que o irá representar305.
O STA, no seu Acórdão, de 15-09-2010, rec. n.° 406/10, relatado por M iranda
Pacheco , entendeu que a expressão “erro na quantificação” restringe de forma clara ;
esse erro aos casos em que se verifica por parte da comissão de revisão erro material deí 305 Faltando tal indicação, cumpre à administração, em nome do princípio da
cálculo fundado em dados objetivos tecnicamente apreensíveis, aí se não englobando^ ^colaboração, notificar o sujeito passivo para suprir a deficiência do seu requerimento
as situações em que o impugnante alega a inexistência dos factos tributários. inicial.
152 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 153

A administração nomeará, também, o seu perito, que deverá ser funcio­ O objetivo da reunião é que, em resultado do debate entre os
nário que não tenha tido qualquer intervenção anterior no procedimento peritos, se chegue a um acordo sobre o valor da matéria coletável (ou
(n.° 1 e 3 do art.° 91.° da LGT)306. Este marcará a data da reunião, a qual reconheçam não estarem verificados os pressupostos para a avaliação
só pode ser adiada por uma única vez, se a causa for a falta do perito do indireta). O acordo é vinculativo para ambas as partes309, não podendo
contribuinte e na condição de este justificar a falta. A não justificação da ser objeto de recurso judicial310.
não comparência na primeira reunião ou a não comparência na segunda Na falta de acordo (ou na medida em que não haja acordo311), o
valem como desistência (n.° 5 e 6 do art.° 91.° da LGT)307. órgão competente da administração fiscal decidirá, tendo em conta as
A disciplina deste procedimento é marcada pela exigência de uma posições de ambos os peritos312. Esta decisão não é passível de recurso
excecional celeridade, o que se compreende, porquanto a sua pendên­
cia suspende a liquidação do tributo (ou seja, esta só acontecerá se 309 Cf., p. ex., o Ac. do STA de 15-09-2010, rec. n ° 062/10.
e na medida em que a decisão deste procedimento lhe der azo). Ora, 3!0 O n.° 5 do art.° 92.° da LGT exceciona os casos em que, posteriormente, o
sabido que, em muitos casos, as inspeções das quais resulta a fixação sujeito passivo seja condenado, com trânsito em julgado, por crime de fraude fiscal
envolvendo os elementos que serviram de base à quantificação acordada (caso para
indiciária da matéria coletável terminam quando está prestes a expi­ os quais a lei expressamente prevê a suspensão do prazo de caducidade do direito
rar o prazo de liquidação dos tributos, entende-se a preocupação da lei à liquidação durante o tempo que mediar entre a data do acordo e a do trânsito
em obstar a manobras dilatórias dos contribuintes que tenham como em julgado da sentença). Do art.° 62.° do CPPT resulta outra causa de anulação do
resultado a caducidade (daí, também, que seja o perito nomeado pela acordo, a incompetência (entendida em sentido lato) da comissão de revisão. Para
administração fiscal a dirigir os trabalhos). maiores desenvolvimentos, Jorge de SOUSA, Código..., I, p. 494 ss.)
Entendemos que, estando em causa um acordo, não podem ser excluídas limi­
Outra manifestação do carácter expedito deste procedimento é
narmente as outras causas que a lei, em geral, prevê para declaração de invalidade
o facto de serem objeto de um único procedimento as fixações indi- dos negócios jurídicos (pense-se, p. ex., na hipótese de o perito da administração
retas de matéria coletável resultantes de uma mesma ação inspetiva, fiscal ser, posteriormente, condenado por corrupção por ter acedido a celebrar um
ainda que respeitantes a mais de um exercício ou tributo (n.° 15 do determinado acordo: estaremos perante um abuso de representação, sancionado pela
art.° 91.° da LGT)308. ineficácia do negócio relativamente ao representado [a administração fiscal], nos
termos do art.° 269.° do Código Civil). Porém, há que ter em conta que a caducidade
do direito à liquidação é uma garantia dos contribuintes, peio que as normas que
306 Deve entender-se que existe um verdadeiro impedimento legal à nomeação determinam a suspensão da contagem do respetivo prazo não podem ser aplica­
como perito de alguém que tenha tido intervenção anterior no procedimento, por das analogicamente. O mesmo é dizer que quaisquer procedimentos ou processos
força do disposto no art.° 44.°, n.° 1, al. g), do CPA. dirigidos à declaração de invalidade do acordo não suspendem a contagem de tal
307 Uma vez que a segunda reunião deve ser marcada para uma data muito prazo, exceto quando a lei expressamente o preveja (ou seja, na hipótese constante
próxima daquela para que foi agendada a primeira, é de supor que, em muitos casos do n.° 5 do art.° 92.° da LGT).
(p. ex., doença) o impedimento do perito se mantenha. A solução será, então, a 311 Sobre a vinculatividade dos acordos parciais (acordo sobre o montante de
de o sujeito passivo requerer a substituição do perito por si nomeado. Da mesma determinadas verbas ou itens que concorrem para a fixação da matéria coletável
faculdade disporá a administração fiscal. total), João Taborda da Gam a, «Acordo transacional parcial no procedimento
Questionando esta “sanção da desistência” à luz do princípio da tributário» e, ainda, «Contrato de transação no direito administrativo e fiscal».
proporcionalidade, Leite de CAMPOs/Benjamim Rodrigues/Jorge de Sousa, Lei 312 O que implica a existência de uma ata da reunião, onde fiquem expressas
Geral Tributária, p. 806. as posições dos peritos (existindo acordo, este tem que ser suficientemente funda­
308 O que está em contradição com a regra geral de que não podem cumular-se mentado, como decorre das regras gerais e é reafirmado pelo n.° 4 do art.° 92.° da
reclamações relativas a impostos de diferente natureza (art.° 71.°, n.° 1 do CPPT). LGT). A obrigação de o órgão decisor ter em conta “as posições de ambos os peri­
Mas, como teremos oportunidade de salientar, o que não se compreende é tal regra geral. tos” implica que o valor da matéria coletável que venha a fixar, na falta de acordo,
154 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 155

judicial autónomo, sendo a correçao da fixação da matéria coletada medida em que, como atrás deixámos escrito, o procedimento de revi­
apreciada em sede de impugnação da subsequente liquidação. são permitirá, em princípio, uma melhor justiça que a lograda atra­
vés dos tribunais, dada a especialidade da matéria factual em causa.
Porém, tememos que “abra as portas” para novas dificuldades: para
21.6.2. O procedimento de revisão por iniáativa do responsável além da demora na resolução do caso que assim se gera314, há o risco de
“a liquidação inicial efetuada poder ser anulada e, consequentemente,
Como já tivemos oportunidade de referir, o responsável tributário, a aceitar, no limite, que a AF pode já não estar em tempo de poder
quando citado em processo de execução fiscal, além de poder contestar fazer uma nova liquidação, por ter caducado o seu direito a fazê-lo”315.
a verificação dos pressupostos legais da sua responsabilidade (ques­ Tememos, ainda, que, no futuro, os Tribunais venham a considerar que
tionar a legalidade da reversão) - o que deverá ser feito sob a forma o pedido de revisão da matéria coletável pelo responsável subsidiário
de oposição à execução -, pode, também, questionar a legalidade da é condição necessária para a reapreciação judicial da legalidade do
liquidação feita em nome do originário devedor, nomeadamente a cor- quantum fixado para a matéria coletável316(e não uma mera faculdade,
reção da fixação da matéria coletável a ela subjacente. como parece resultar do acórdão citado) e, se tal pedido não tiver sido
A questão que se coloca é saber se, tendo a fixação da matéria formulado, venham a considerar que não podem apreciar esta ques­
coletável sido feita por avaliação indireta, o responsável deve ser admi­ tão, por invocação do disposto no n.° 5 do art.° 86.° da LGT Ou seja,
tido a lançar mão do processo de revisão da matéria coletável previsto tememos que um acórdão motivado por preocupações garantísticas
nos art.° 91.° e ss. da LGT. possa vir a resultar em situações de denegação de tutela judicial efetiva
A orientação da jurisprudência ia no sentido de uma resposta e/ou na impossibilidade de cobrança de imposto devido.
negativa: entendia-se que o responsável poderia reclamar ou impug­
nar a liquidação, questionando aí a avaliação indireta, sem o condi­
cionalismo referido no n.° 5 do art.° 86.° da LGT313. 21.6.3. O perito independente

Esta jurisprudência foi alterada pelo Ac. do STA [Pleno] de Pelas razões que deixámos já sumariadas, há muito que vem sendo
17-03-2011, rec. n.° 0876/09, relatado por A ntónio C alh au : o res­ sugerido o recurso à arbitragem, ou a algo substancialmente análogo317,
ponsável subsidiário pode formular pedido de revisão da matéria coletá­
vel apurada através de métodos indiretos na sequência da sua citação no 314 Objeção menor pois, entendido o pedido de revisão como uma faculdade
processo executivo, data a partir da qual se deve contar o prazo de trinta aberta ao revertido, será este a decidir se quer ou não fazer "‘recuar” a questão até
uma fase anterior à liquidação.
dias previsto para o efeito no n.° 1 do art.° 91 da LGT. 315 Observação (que consideramos pertinente) formulada pelo PGA no seu
parecer. A resposta do Tribunal (“mesmo depois de decorrido o prazo de caducidade,
Não cabendo aqui comentar este acórdão, diremos, muito resu­ continua a AF a poder efetuar nova liquidação —se for o caso —mercê de uma nova
midamente, que, no plano teórico, concordamos com a decisão, na legitimidade que lhe advém da sentença, ainda que só possa fazê-lo no prazo de
execução espontânea desta, ou seja, trinta dias em princípio”) deixa-nos profundas
não pode exceder o valor sustentado pelo perito da administração fiscal, que pode dúvidas, as quais, porém, não cabe aqui aprofundar.
ser (muitas vezes será) inferior ao constante da decisão em revisão. 316 Assim entende Paulo M arques , Responsabilidade Tributária..., p. 131.
313 Ver os arestos em que se louvam os três votos de vencido no acórdão a 3!7 A Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal preconizava, no
seguir referido. seu Relatório (de 1996) que ”devem criar-se condições para que o Presidente da
156 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 157

como forma de resolução de disputas relativas à fixação da matéria fica colocado num dilema: ou aceita o valor de 20 e logra a suspensão
coletável por avaliação indireta. da execução ou mantém a sua posição e tal não acontece320.
Foi neste quadro que surgiu a figura do perito independente. A A dificuldade resulta do facto de se entender que o sujeito pas­
sua intervenção acontece quando solicitada pelo sujeito passivo318, no sivo fica vinculado às posições assumidas pelo seu perito, desde que
seu requerimento inicial. O perito independente tem o direito de estar este atue dentro dos poderes de representação que lhe foram conferi­
presente no debate e nele intervir, devendo emitir um laudo. dos321. Ou seja, no exemplo anterior, se o perito do contribuinte acei­
Porém, não cabe ao perito independente a “última palavra” na tou o valor de 20, o sujeito passivo não poderá, depois, em tribunal,
decisão de fixação da matéria coletável (precisamente por isto não pugnar para que a matéria coletável seja fixada em valor inferior322.
podemos falar de um processo arbitrai). Esta exigência de que os pareceres destes dois peritos sejam coin­
A consequência da intervenção do perito independente é a de, cidentes não parece fazer sentido. A intervenção do perito independente
no caso de o seu parecer ser conforme ao do perito do contribuinte aparece ditada pela ideia fundamental de que, numa decisão (fixação
e a administração tributária (na falta de acordo) resolver em sentido da matéria coletável por avaliação indireta) que comporta um elevado
diferente, a reclamação graciosa ou a impugnação judicial da liquida­ grau de incerteza, quando já existe um juízo independente que con­
ção subsequente terem efeito suspensivo, sem prestação de garantia, cluiu pela incorreção de tal fixação não deve ser exigida a cobrança
quanto à parte da liquidação feita em desacordo com a opinião comum do imposto até a questão estar, em definitivo, resolvida. O perito inde­
desses dois peritos. pendente não intervém neste procedimento em ordem a chegar a um
Não havendo acordo entre os dois peritos, a principal consequên­ acordo com o perito do contribuinte, mas sim para emitir um laudo
cia da intervenção de um perito independente é o facto de a lei obri­ imparcial, do qual a lei deveria retirar a devida consequência, inde­
gar o órgão decisor a ter presente o seu parecer, a, obrigatoriamente, pendentemente da posição assumida por este último.
explicitar as razões pelas quais a ele aderiu ou o rejeitou, total ou par­ Segunda - e porventura principal - razão para o fracasso da
cialmente (art.° 92.°, n.° 7, da LGT)319. experiência da intervenção de um perito independente é o custo da
A experiência do perito independente saldou-se por um fracasso. sua intervenção. Os valores dos honorários devidos323, a serem pagos
São escassíssimos os casos em que é pedida a sua intervenção. Tal adiantadamente por quem requereu a sua presença - o mesmo é dizer,
deve-se, a nosso ver, a duas razões fundamentais: pelo sujeito passivo - terão sido a causa determinante da escassa utili­
Primeira, a exigência de conformidade entre os pareceres do zação desta figura. Em termos intencionalmente simplificados, diremos
perito independente e do perito nomeado pelo sujeito passivo. Pense­
mos numa situação vulgar: o perito nomeado pelo sujeito passivo sus­
320 Diferentes são as situações em que o perito independente e o do contribuinte
tenta que a matéria coletável deve ser fixada em 10; o perito nomeado estão de acordo quanto ao valor de determinadas verbas, ou seja, existe entre eles
pela administração defende que deve ser fixada em 30; o perito inde­ um acordo parcial. Também aqui, para efeitos de atribuição de efeito suspensivo à
pendente entende que deve ser fixada em 20.0 perito do contribuinte execução, os acordos parciais deverão relevar.
321 C f., p. ex., Ac. do TCA Sul de 25-11-2008, rec. n.° 02630/08.
Comissão seja um perito independente a designar pelo governo de entre uma lista 322 Referindo a inexistência de solução legal para as situações em que o perito
de Juizes aposentados ou outros especialistas” (p. 248). independente dê, parcialmente, razão a ambas as partes, Serena Cabrita N eto,
318 A intervenção do perito independente pode, também, ser suscitada pela Introdução..., p. 59.
AF. Só que esta, logicamente, não tem qualquer interesse em o fazer. 323 Portaria n.° 78/2001, de 8 de Fevereiro. Não há lugar a reembolso, mesmo
319 Veja-se o Ac. do STA de 30-11-2010, rec. n.° 512/10. quando a pretensão do contribuinte venha a proceder na totalidade.
158 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 159

que fica mais barato, na generalidade dos casos, suportar os custos de 22.1. O princípio do duplo grau de decisão
uma garantia bancária do que os honorários do perito independente324.
Entendemos que a experiência do perito independente está esgo­ O art.° 47.° do CPPT consagra, no domínio do procedimento tri­
tada. Como dissemos., ela surgiu no quadro de uma proposta de evolução butário, o princípio do duplo grau de decisão. Este princípio implica
gradual para a resolução deste tipo de litígios com recurso à arbitragem, que apenas exista um recurso administrativo da decisão que apreciou
sendo que, hoje, estão reunidas as condições para que tal aconteça325. determinada pretensão328. Sendo a segunda decisão desfavorável, res­
tará a ação judicial.
Este princípio do duplo grau de decisão é um limite ao dever de
22. Procedimento de reclamação decidir por parte da administração e não uma condição necessária para
a impugnação contenciosa. A regra é que as decisões da administração
O dever de proceder à revisão dos atos tributários (entendidos aqui fiscal, mormente as que se consubstanciam em atos de liquidação, são
em sentido lato) decorre dos deveres de imparcialidade e de estrita passíveis de recurso contencioso sem necessidade de reclamação pré­
conformação com a lei que dominam todo o procedimento fiscal. Veri­ via. E, nos casos excecionais em que a lei prevê a existência de recla­
ficando, p. ex., que uma liquidação não foi efetuada em conformidade mações necessárias (ou seja, que o interessado comece por formular
com a lei, a administração encontra-se constituída no dever de a anular. a sua pretensão anulatória perante a administração), o recurso hierár­
Só que não é de esperar - por inércia e, também, por preocupações de quico é facultativo, pelo que a decisão que apreciou tal reclamação
estabilidade - que ela tome a iniciativa de, sistematicamente, proceder pode ser, imediatamente, objeto de sujeição a controlo jurisdicional.
à reapreciação das suas decisões. Daí que a revisão dos atos tributá­ Ou seja, a lei não exige a definitivida.de vertical do ato como condi­
rios aconteça, as mais das vezes, por impulso dos sujeitos passivos326. ção de acesso aos tribunais.
O direito à reclamação ancora na própria Constituição, no direito
de petição, consagrado no seu art.° 52.°, n.° 1, segundo o qual os cida­
dãos têm o direito de apresentar, a quaisquer autoridades, reclama­ 22.2. Atos “não reclamáveis”
ções ou queixas para defesa dos seus direitos e bem assim o direito
de serem informados, em prazo razoável, sobre o resultado da respe­ Como vimos, há atos que, muito embora não sejam conclusivos
tiva apreciação. de um procedimento tributário (são atos interlocutórios), assumem tal
No domínio tributário, este direito dos cidadãos aparece concre­ relevo, pelo modo como condicionam a decisão final e/ou por serem
tizado pela consagração do correspetivo dever de decisão por parte da praticados por entidade diferente da que tem competência para decidir,
administração tributária competente, previsto no art.° 56.° da LGT327. que a lei permite que sejam objeto de imediato recurso contencioso
(são atos destacáveis para este efeito).
324 Os contribuintes reagiram contenciosamente, invocando, nomeadamente, Nestes casos, parece não haver possibilidade de reclamação
que a exigência de tal pagamento ofendia o princípio da gratuidade do procedimento (melhor, a apresentação de uma reclamação não suspenderá a conta­
administrativo. Tal entendimento não foi sufragado pelos Tribunais (p. ex., Ac. do gem do prazo em que é possível a impugnação contenciosa). Sirvam
STA de 14-12-2005, rec. n.° 01467/03).
325 Infra, 48, A consagração legal da arbitragem tributária.
326 S ald an h a S a nches , Princípios Fundamentais.. p. 24. 328 Razão pela qual os recursos hierárquicos são endereçados ao dirigente
327 Supra, 7, A decisão. máximo do serviço.
160 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 161

de exemplo as decisões de fixação da matéria coletável com base em Nesses casos, existe para a administração o dever de proferir uma
manifestações de fortuna (cf. art.° 89.°-A da LGT). Tais decisões são decisão procedimental, a ser tomada após a realização de um conjunto
tomadas ao mais alto nível da administração fiscal, após audição pré­ de atos integrados numa sequência pré-ordenada por lei, perspetivados
via do interessado, delas cabendo recurso judicial329, por vezes com como necessários, como instrumentais, para a boa decisão da causa.
efeito suspensivo. Estamos, pois, no domínio das garantias impugnatórias.
Estes procedimentos deveriam ser a forma normal de resolução
dos conflitos que as relações jurídico-tributárias são sucetíveis de ori­
22.3. Reclamação dos atos interlocutórios ginar. Deveriam permitir a resolução, de uma forma relativamente
expedita, num curto prazo, da maioria dos litígios, até porque muitos
O art.° 66.° da LGT concretiza o direito à reclamação relativa­ deles resultam, apenas, de erros (por vezes, resultado de mera falta
mente a atos ou omissões da administração fiscal no decurso de um de informação) cometidos ao proferir uma decisão. Acresce que, em
procedimento tributário. muitos casos, é a administração quem se encontra melhor posicionada
A reclamação dos atos interlocutórios (os meramente instrumen­ para a reposição da legalidade. E só assim se evitará que os Tribunais
tais do ato de decisão final do procedimento), para a entidade que os tributários fiquem submersos num número infindável de processos, a
praticou, deve ser feita no prazo de dez dias, contados da sua prática maioria dos quais perfeitamente evitáveis, o que os impede de cum­
ou conhecimento, devendo a administração pronunciar-se no mesmo prirem com a sua missão constitucional de fazerem justiça em prazo
prazo (art.° 57.°, n.° 2 da LGT, que estabelece o prazo supletivo para a razoável.
prática de atos no procedimento tributário). Não é esta a realidade. Os procedimentos administrativos impug-
Tais reclamações não têm efeito suspensivo, mas a decisão desfa­ natórios não são, por regra, decididos dentro do prazo que a lei prevê,
vorável (ou a inexistência de decisão) pode ser invocada como funda­ o que motiva os particulares quer a recorrerem diretamente aos tribu­
mento do recurso ou impugnação da decisão final (ou de uma decisão nais, não suscitando previamente a reapreciação administrativa das
anterior, se destacável para tal efeito). Ou seja, não estando em causa decisões, quer, perante a demora da decisão, a interporem recurso
uma formalidade essencial, sucetível de gerar sempre a nulidade ou judicial, apesar da pendência de uma reclamação ou recurso.
anulabilidade do ato conclusivo do procedimento, a não reclamação Tão ou mais grave que a ofensa ao princípio da celeridade, é a
oportuna levará a ter-se por sanada a irregularidade em causa. dúvida instalada sobre a imparcialidade da administração na decisão
destes procedimentos, sobre a observância dos princípios que a eles
devem presidir (cf. art.° 55.° da LGT). Julgando em causa própria, a
22.4. A reclamação como procedimento impugnatório administração fiscal tem que ser capaz de conciliar a sua missão de
arrecadação de receitas com a obrigação de realizar o interesse público
Há, porém, reclamações que dão origem a procedimentos tipifi­ superior da justiça, de estrita observância da legalidade. A adminis­
cados na lei. tração fiscal só cumprirá com o dever de arrecadar receitas na medida
em que tais extrações sejam conformes à lei.
No quadro das garantias administrativas impugnatórias distingue-
329 Cf. art.° 146 °-B do CPPT. A nosso ver algo incoerentemente, o processo -se, normalmente, entre reclamação e recurso. Vários são os critérios
judicial a que se refere este preceito não é aplicável à decisão de aplicação de normas
antiabuso. A reação a esta decisão revestirá a forma de ação administrativa especial.
possíveis de distinção. Uma vez que o princípio de legalidade estrita
162 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 163

que subjaz à tributação exclui, por regra, a existência de decisões de resolvidos de forma expedita, dada a simplicidade das questões que
mérito baseadas em critérios de oportunidade, que traduzam o exer­ neles se levantam. Tais situações ocorrem com frequência, porquanto
cício de faculdades discricionárias, diremos que, seguindo um critério a informação em poder da DGCI está armazenada em computadores,
orgânico, na reclamação pede-se a reapreciação do ato à própria enti­ sendo os dados introduzidos, a maior parte das vezes, a nível central332.
dade que o praticou e no recurso tal pedido é dirigido a uma entidade Ou seja, os serviços locais (vg., os Serviços de Finanças) não dispõem
distinta (como, a maioria das vezes, essa outra entidade é um superior de informação que lhes permita aferir a realidade da situação (apenas
hierárquico de quem proferiu a decisão recorrida, é corrente o uso da têm acesso ao que “consta no computador”); ou, quando conhecem
expressão recurso hierárquico). a situação real, não têm competência para, eles próprios, alterarem a
A matéria das reclamações e recursos administrativos aparece informação que consta do sistema informático).
regulada em diferentes diplomas (LGT, CPPT e, até, nos Códigos dos Mas, em desfasamento com a realidade, as reclamações conti­
vários impostos), em normas que, muitas vezes, se sobrepõem de forma nuam a ser entregues nos serviços locais333 (Serviços de Finanças, no
incoerente, o que origina dificuldades interpretativas, desde logo pelas caso dós impostos administrados pela DGCI) e a ser decididas a nível
“variações” na terminologia utilizada. distrital (ou, mesmo, a nível local) quando, muitas vezes, só os serviços
Iremos, de seguida, analisar alguns desses institutos, numa pers­ centrais estão, objetivamente, em condições de esclarecer as questões
petiva tanto quanto possível coerente e integrada. que as motivam. Ou seja, as reclamações, graciosas e outras, apesar
de serem legalmente configuradas como procedimentos expeditos,
acabam por conhecer grande demora na decisão, pois que a questão
23. Procedimento de correção de erros da administração tributária só pode ser resolvida com a intervenção de vários serviços e órgãos
da administração tributária.
Trata-se de uma inovação legislativa relativamente recente330, a
qual deu origem ao capítulo VH[ do CPPT (art.° 95.°-A a 95.°-C). 332 Não é por acaso que, ao definir o que se deve entender por erro material ou
O seu objetivo foi a criação de uma forma expedita de lograr a manifesto, o n.° 2 do art."95.°-A do CPPT refere, em primeiro lugar, o "funcionamento
anómalo dos sistemas informáticos”. Sendo certo que tais situações acontecem (p.
reparação de erros materiais ou manifestos cometidos pela adminis­ ex., a mesma liquidação ser processada várias vezes, em nome de diferentes sujeitos
tração fiscal, quer no âmbito de um procedimento tributário, quer no passivos), o que estará em causa, a mais das vezes, será a desatualização ou o erro
do processo de execução fiscal331. na introdução dos dados arquivados informaticamente.
O problema que assim se intentou resolver assume dimensão 333 Aquando da Reforma Fiscal dos anos oitenta, houve a preocupação de
relevante: como dissemos, existem numerosos litígios, provavelmente manter os serviços locais como interlocutores normais dos contribuintes, no intuito
de facilitar o cumprimento, por estes, das suas obrigações tributárias. Porém, a
milhares (muitos deles dando origem a processos judiciais), opondo a
centralização da informação conduziu, progressivamente, à objetiva impossibilidade
administração fiscal aos contribuintes, que poderiam e deveriam ser de esses serviços lhes prestarem todos os esclarecimentos necessários. Novas
realidades, como a generalização do uso da internet, com a possibilidade de os
330 Introduzida pela LOE para 2009. interessados acederem diretamente à informações pretendida (tendencialmente, à
331 Para maiores desenvolvim entos, Joaquim Freitas da Rocha, «O mesma informação que os serviços locais lhes poderiam prestar), criaram condições
procedimento de correção de erros da administração tributária». Criticando este para que seja repensado o papel destes serviços. Este procedimento de correção
procedimento, nomeadamente quanto ao facto de incluir no seu âmbito a execução de erros pode, assim, ser entendido como uma das primeiras expressões de regras
fiscal (críticas em que não coincidimos totalmente), Jorge de S ousa , Código.. I, legais para um diálogo estabelecido, ab initio, entre os contribuintes e os serviços
p. 756 ss. centrais da administração fiscal.
164 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 165

O que, na essência, este novo procedimento vem prever é a pos­ garantias dos contribuintes: devendo o pedido de correção de erros ser
sibilidade de os pedidos de correção de erros serem dirigidos direta- formulado no prazo de 10 dias contados do conhecimento do facto (na
mente ao dirigente máximo da administração fiscal (DGCI) e que, a maior parte dos casos, pela receção de uma notificação) e devendo a
nível central, exista uma unidade orgânica (uma task force) que, em decisão ser tomada e comunicada num máximo de 15 dias, o interes­
colaboração com os demais serviços (que deverão dar prioridade na sado que haja utilizado este procedimento disporá, ainda, de prazos
resposta às suas solicitações), possa tomar uma decisão rápida, no razoáveis para acionar os meios normais de garantia. Aliás, o n.° 5 do
prazo de 15 dias. art.° 95.°“C do CPPT estipula que o interessado deve ser expressamente
A informalidade deste procedimento (mais simplificado, ainda, convidado a fazê-lo, nomeadamente nos casos em que o seu pedido
que o de reclamação) manifesta-se, p. ex., no facto de a decisão, ainda seja indeferido liminarmente por a causa de pedir não se enquadrar
que desfavorável, ser tomada sem audição prévia do interessado e as no âmbito deste procedimento especial (p. ex., se o fundamento invo­
tradicionais notificações serem substituídas por formas mais simples cado não for um erro material mas sim a ilegalidade da liquidação ou
de comunicação334. Mais relevante, entendemos que a decisão não é a inexigibilidade do imposto).
passível de qualquer tipo de recurso, administrativo ou judicial335. Em Só que, não sendo enviada atempadamente a comunicação da
caso de indeferimento, o interessado é remetido para o uso dos meios decisão ou se, tendo sido enviada, o contribuinte não a receber, facil­
“normais” de garantia que a lei prevê. mente poderá acontecer que este, iludido pelo facto de já ter “recla­
O êxito deste novo procedimento dependerá, a nosso ver, da mode­ mado”, deixe expirar os prazos em que poderia intentar a reclamação
ração dos sujeitos passivos (que só o devem usar nas situações para graciosa ou a impugnação judicial.
que foi criado, aquelas em que está em causa um erro manifesto) e da
capacidade de triagem da unidade orgânica a quem cabe a instrução de
tais reclamações, a qual deve recusar liminarmente, e em curtíssimo 24, Procedimento de reclamação graciosa
prazo, apreciar aquelas em que não esteja em causa um erro evidente.
De outra forma, em breve tal “serviço” ficará submerso em milhares 24.1. Reclamação graciosa e revisão dos atos tributários por
de reclamações (como acontece com a administração fiscal em geral), iniciativa do sujeito passivo
ou seja, incapaz de cumprir com os prazos de decisão que a lei fixa.
Poderão vir a resultar dificuldades em razão do facto de a utiliza­ Como já referimos, a LGT, no seu art.° 78.°, prevê a revisão dos
ção deste procedimento não interromper a contagem dos prazos para atos tributários pelo órgão que os praticou por iniciativa do sujeito
a utilização dos meios impugnatórios “normais”, quer graciosos, quer passivo.
judiciais (art.° 95 o-A, n.° 4 do CPPT). A pergunta que se coloca é se estamos perante um instituto dife­
A arquitetura do sistema parece não dar azo ao receio que a uti­ rente da reclamação graciosa prevista no art.° 68.° do CPPT.
lização deste procedimento especial possa redundar em prejuízo das Ambas as normas se referem a atos tributários, ou seja, neste
ponto não existe qualquer divergência (sem prejuízo da dificuldade,
334 O n.° 6 do art.° 95.°C do CPPT prevê que tal comunicação, não sendo que já deixámos enunciada, de saber o que se deve entender por esta
presencial, revista a forma de carta não registada. Porém, a tendência é - como expressão em cada uma das normas que a utilizam).
vimos - para que as notificações (mesmo aquelas para as quais hoje a lei prevê A diferença entre as duas normas está na previsão da entidade
carta registada, com sem aviso de receção) passem a ser feitas por via informática.
competente para a decisão, pois enquanto a LGT atribui competência
335 Diferentemente concluiu Jorge de S ousa , Código.. I, p. 762.
166 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 167

para reapreciar o ato à entidade que o proferiu, o CPPT atribui-a, por da reclamação graciosa (melhor, o prazo aplicável, entre os vários que
regra, ao seu superior hierárquico. este Código para tal prevê) explicando, de modo para nós totalmente
Com Jorge de S ousa336, diremos “que não é percetível por que esclarecedor, que a referência a “reclamação administrativa”, cons­
é que idêntico pedido de reapreciação graciosa de um mesmo ato de tante de tal norma da LGT, é uma mera excrescência de versões pre­
liquidação, baseado nos mesmos fundamentos e visando a obtenção liminares do que viria a ser tal lei338.
do mesmo efeito jurídico (anulação total ou parcial do ato tributário) Entendemos que a reclamação graciosa, prevista no CPPT, e a
há-de poder ser decidido por entidades diferentes da administração revisão dos atos tributários por iniciativa do sujeito passivo, prevista
tributária, conforme a denominação que o sujeito passivo dê à peça na LGT, são um só instituto, pese as suas diferentes denominações
processual em que formule a sua pretensão ou a terminologia que use e as discrepâncias existentes entre as duas normas quanto ao órgão
para a expressar”. competente para decidir339, pelo que concluímos que o mecanismo
A nosso ver, o legislador da LGT terá pretendido “unificar” a previsto no art.° 78.°, n.° 1 da LGT obedece à disciplina procedimen­
figura da reapreciação dos atos tributários pela administração, quer tal constante do capítulo VI do CPPT340.
quando por iniciativa do sujeito passivo, quer quando por iniciativa pró­
pria, regulando-a numa mesma norma e denominando-a, para ambos
os casos, revisão. Só que, posteriormente, o legislador do CPPT não 24.2. Carácter facultativo da reclamação graciosa
terá atentado em tal “mudança” e consagrou, nesse Código, preceitos
que, no essencial, mantiveram a redação das equivalentes normas do Os atos tributários que fixem os direitos dos contribuintes são
anterior CPT, ou seja, continuou a apelidar de reclamação graciosa definitivos (art.° 60.° do CPPT). Tal significa que esses atos, mesmo
o pedido de revisão do ato tributário quando formulado pelo sujeito quando praticados por agentes situados em escalões inferiores da hie­
passivo. rarquia da administração fiscal, são sucetíveis de imediata impugna­
Em termos pragmáticos, na perspetiva do sujeito passivo, a ques­ ção contenciosa. Ou seja, no domínio tributário341, não se exige, como
tão de uma eventual diferença entre a “reclamação graciosa” e “a revi­
são do ato tributário” a seu pedido (iniciativa) assumiria relevo decisivo
338 Leite de C am po s / Benjamim Rodrigues / Jorge de Sousa, Lei Geral
caso fossem diferentes os prazos para ele desencadear cada um destes
Tributária, começaram por sufragar este entendimento. Porém, nas edições
procedimentos. O art.° 78.° n.° 1 da LGT determina que o pedido (a seguintes de tal obra, dedicam uma extensa nota à questão (nota (3), p. 707 ss.,
iniciativa) de revisão dos atos tributários pelo sujeito passivo pode ser na edição de 2012). Se bem percebemos, mais que certezas exprimem dúvidas.
feito no prazo de reclamação administrativa. A questão é saber que Como referido, Jorge de S ousa , em outra obra, parece seguir o entendimento por
prazo é esse, qual a reclamação administrativa referida em tal norma, nós perfilhado no texto.
339 Em sentido diferente, Serena Cabrita N eto, Introdução.. p. 60; Marta
se a reclamação graciosa, prevista no CPPT, ou se a reclamação admi­
R ebelo , «Má formação-manifestação da vontade da administração tributária :
nistrativa “geral”, regulada no CPA. a revisão de actos tributários», p. 103, muito embora reconhecendo existir uma
L ima G uerreiro337 é claro em afirmar que o prazo para que remete “similitude quase integral” entre estes dois meios de reação.
o art.° 78.°, n.° 1, da LGT é o prazo previsto no CPPT para apresentação 340 Pelo que na hipótese de alguém ter deduzido um pedido de revisão
oficiosa e uma reclamação graciosa relativamente a uma mesma liquidação, tais
procedimentos deverão ser autuados e decididos como se de uma única reclamação
336 Jorgede S ousa , Código..., I, p. 629. se tratasse.
337 Lima G uerreiro , Lei Geral Tributária, 2000, p. 342. 341 O que hoje também é regra no procedimento administrativo.
168 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 169

condição de impugnação, a definitividade vertical do ato, a utilização Por razões algo simétricas, a lei exclui a possibilidade de reclama­
prévia de mecanismos visando a sua reapreciação pela própria admi­ ção graciosa quando a questão seja apenas de direito e o sujeito pas­
nistração, a nível superior. sivo se tenha limitado a observar o disposto em orientações genéricas
Relativamente à liquidação, esta regra que permite a opção pela emitidas pela administração tributária (art.° 131.°, n.° 3). Na realidade,
imediata impugnação conhece exceções. a reclamação seria inútil, uma vez que o entendimento da administra­
ção fiscal sobre a questão ficou já expresso na “orientação genérica”
em causa344.
24.2.1. As reclamações necessárias

Exceções ao carácter facultativo das reclamações graciosas são 24.3. Âmbito da reclamação graciosa; as reclamações
os casos de autoliquidação (art.° 131.° do CPPT), retenções na fonte administrativas
(art.° 132.°), pagamentos por conta (art.° 133.°) e, ainda (a nosso ver,
incompreensivelmente), as liquidações de taxas das autarquias locais É entendimento corrente que o procedimento de reclamação gra­
(art.° 16.°, n.° 5 da Lei n.° 53-E/2006 - Regime Geral das Taxas das ciosa regulado no CPPT só é utilizável quando esteja em causa a reapre­
Autarquias Locais). ciação de uma liquidação (incluindo a autoliquidação e as liquidações
Compreende-se a razão de ser da generalidade de tais exceções, de retenções na fonte e de pagamentos por conta)345. Exceção relevante
a existência destas reclamações necessárias. Tais liquidações342 ou é o ato de fixação de matéria coletável, por avaliação direta, quando
são efetuadas pelos sujeitos passivos ou resultam de declarações por não haja lugar a liquidação (o qual é, também, passível de reclama­
eles apresentadas. Não são, portanto, precedidas de um qualquer lan­ ção graciosa).
çamento administrativo, não existe um procedimento prévio dirigido Neste entendimento346, os atos administrativos em matéria tri­
ao conhecimento da situação tributária do sujeito passivo que culmine butária (p. ex., as decisões de não reconhecimento de um benefício
numa decisão administrativa fixando o montante do imposto. fiscal, de efetivação de uma compensação por iniciativa da administração
Discordando o sujeito passivo da liquidação, pouco sentido faria
a imediata impugnação contenciosa (de certo modo, estar-se-ia a “vir 344 A lei prevê a situação de o sujeito passivo, por mera cautela, ter autoliquidado
contra facto próprio”). Daí a necessidade de provocar, pela via da recla­ o imposto de acordo com a interpretação da lei constante de uma orientação genérica,
mação, uma decisão administrativa. Se tal decisão não der satisfação mas, por discordar dela, pretender ver a questão reapreciada. Mas também faz pouco
à pretensão do interessado, fica-lhe então (só então) aberto caminho sentido que o sujeito passivo possa optar pela via da reclamação quando esteja em
causa uma liquidação (administrativa) que, diretamente, se louve numa orientação
para a impugnação. genérica, pois o órgão que apreciará a reclamação deve obediência a tal orientação,
Assim, as “reclamações necessárias”, nos casos em que a lei tri­ ou seja, não poderá decidir de forma diferente ao nela plasmado.
butária as prevê, não enfermam de vício de inconstitucionalidade, pois 345 Jorge de S ousa , Código, I, p. 627.
até à decisão da reclamação não se poderia falar, com rigor, da exis­ 346 Que não é o único possível, pois “nada nos indica inequivocamente que esta
tência de um ato administrativo desfavorável343. expressão [atos tributários! tenha sido usada pelo legislador em sentido literal”, como
afirma Serena Cabrita N eto , Introdução..., p. 18. Entendendo que a reclamação (e
o recurso hierárquico) dos atos em matéria tributária em sentido amplo obedece ao
342 Exceto as das taxas autárquicas. disposto no CPPT, José Casalta N a bais , «A impugnação administrativa no direito
343 Ac. do STA de 31-10-2007, rec. n.° 0593/07. fiscal», p. 121 ss.
170 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 171

fiscal, etc.) não podem ser objeto de reclamação graciosa. Então, na - a interposição de reclamação administrativa de ato sucetível de
falta de previsão específica no ordenamento adjetivo tributário, sere­ impugnação contenciosa direta [o que é a regra, relativamente
mos, relativamente a estes atos, remetidos para o CPA, subsidiaria­ aos atos em matéria tributária] apenas suspende o prazo para
mente aplicável. interposição do recurso contencioso até à notificação da deci­
Só que a disciplina da reclamação administrativa “geral” afasta- são ou até ao termo do respetivo prazo legal de decisão (art.°
-se muito da da reclamação graciosa regulada pelo CPPT, o que ori­ 59.°, n.° 4, do CPTA). Ou seja, em termos práticos, acontece a
gina dificuldades relevantes. suspensão do prazo para impugnar (que é de três meses - art.°
Assim, nomeadamente: 58.°, n.° 1, al* b), do CPTA), durante um máximo de 30 dias.
- o prazo para a interposição da reclamação administrativa Diferente é a solução do CPPT, pois, independentemente do
“geral” é de 15 dias (art.° 162.° do CPA), enquanto o prazo tempo que a administração leve a decidir a reclamação, é sem­
para a interposição da reclamação graciosa é de 120 dias (art.° pre possível a dedução de impugnação judicial, existindo para
70.° do CPPT); tal um prazo especial de 15 dias (art.° 102.°, n.° 2, do CPPT).
- a contagem dos prazos regulados pelo CPA suspende-se aos í
sábados, domingos e feriados (quando tais prazos sejam infe- 4 Perante tantas e tão substanciais diferenças de regime, é, pois, da
riores a 6 meses - art.° 12? do CPA), o que não acontece relati- f máior relevância a questão de saber sob que forma podem ser recla­
vãmente aos prazos administrativos regulados pelo CPPT (art.° mados (qual a disciplina procedimental aplicável) os atos tributários
20.°, n.° 1, do CPPT); em sentido lato (que não os de liquidação) e os atos administrativos
- o prazo de decisão das reclamações previsto no CPA é de 30 em matéria tributária.
dias (art.° 165.° do CPA) e o prazo de decisão das reclamações ; Se a dicotomia ação de impugnação/ação administrativa espe­
graciosas é de 4 meses (art.° 57.°, n.° 1, da LGT)347; cial se pode de algum modo compreender, não parece haver qualquer
■'M razão para, em matéria tributária, existirem duas formas de reclama­
ção tão distintas.
347 A previsão de um prazo “curto” (30 dias) para a decisão das recJamações
administrativas “deve-se ao facto de estarmos perante um procedimento de 2.agrau, ^ Entendemos que deveria haver uma intervenção clarificadora do
já muito desenvolvido no aspeto instrutório, pela instrução e produção de prova a legislador, que, a nosso ver, deveria ir no sentido de que a reclama­
que houve lugar em l.a instância” (Mário Esteves de O liveira / Pedro Gonçalves/ | ção graciosa, regulada no CPPT, é de aplicação a quaisquer decisões
J. Pacheco de Amorim, Código..., p. 768). J administrativas versando sobre questões tributárias. Isto porquanto a
Este raciocínio não é diretamente transponível para o domínio tributário, ;J disciplina deste instituto parece ser a mais conforme com as especifi-
salvo, em alguma medida, para as reclamações que tenham tido origem num cidades da realidade tributária348.
procedimento de inspeção externa. tf
O que nos suscita dúvidas sobre o prazo que a administração fiscal terá para ;í
decidir as “reclamações administrativas” (as que - no entendimento maioritário | art.° 165.° do CPA). Esta interpretação sistemática resulta na melhor solução, pois é
obedecerão à disciplina do CPA). Jj abido que 30 dias é um prazo manifestamente insuficiente para ser decidida uma
Referindo-se a previsão do art.° 57.°, n.° 1, da LGT à conclusão do procedimento | | reclamação no domínio tributário.
tributário, e não oferecendo dúvidas que uma reclamação (ainda que, no mais; | | p v ; 348 Como se afirma em P ortugal , Relatório ..., p. 649, não se vislumbra
obedecendo à disciplina prevista no CPA, subsidiariamente aplicável) dá origem a | | íque a LGT deva consagrar dois meios ocorrentes ou similares de reclamação, a
um procedimento tributário, temos que o prazo para decisão seria o estipulado nestajl ^administrativa do CPA e a graciosa do CPPT, pois importa racionalizar meios de
norma (que, enquanto norma especial, preferiria sobre a regra geral constante do;|Í fdeíesa do contribuinte e não multiplicá-los.
172 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 173

Entretanto, e porque a dúvida persiste, pretendendo-se seguir a serão aceites. Porém, tais procedimentos não terão qualquer
via da impugnação administrativa (ou seja, não se pretendendo recor­ evolução, sendo as petições apensas ao processo judicial, para
rer judicialmente, de imediato) há que, por prudência, lançar mão do que o Juiz conheça, também, dos fundamentos aí invocados.
meio de recurso administrativo indicado na notificação do ato (exis­ Ou seja, por esta via, acontecerá como que uma ampliação da
tindo ato expresso) e, sendo a notificação omissa quanto a este ponto, causa de pedir do processo de impugnação ;
pedir o seu complemento, nos termos do art.° 37.°, n.° 1, do CPPT. c) Se antes da interposição do processo de impugnação havia
sido apresentada uma reclamação (ou outro recurso gracioso)
questionando a legalidade do mesmo ato tributário, tal pro­
24.4. Prevalência da impugnação judicial cedimento cessa por efeito da apresentação da impugnação -
independentemente de os fundamentos neles invocados serem
Uma vez que, por regra, o sujeito passivo e outros interessados ou não coincidentes com os que motivam esta - devendo os
legítimos podem optar por lançar mão dos meios graciosos ou impug­ respetivos autos, “no estado em que se encontrarem”, ser apen­
nar judicialmente um ato tributário, poderão estar pendentes, em simul­ sos ao processo de impugnação350.
tâneo, os dois tipos de recurso.
A lei dá prevalência absoluta ao processo judicial (art.° 68.°, n*° Os fundamentos de ilegalidade do ato tributário invocados nas
2, do CPPT), pelo que será no âmbito deste que deve ser apreciada a petições de reclamação, pedido de revisão ou recurso hierárquico que
legalidade do ato tributário em causa. Assim, os procedimentos admi­ não constem da petição de impugnação devem ser considerados para
nistrativos pendentes deixam de poder prosseguir por efeito da exis­ todos os efeitos (art.° 111.°, n.° 3, do CPPT) no processo judicial. O
tência do processo de impugnação349. mesmo é dizer que as questões suscitadas nas petições dos procedi­
Há que entender o que dispõe o art.° 68.°, n.° 2, do CPPT, conju- mentos administrativos, mesmo quandó não reproduzidas na petição
gando-o com os n.° 3 e 4 do art.° 111.®do mesmo Código, os quais, no de impugnação, passam a integrar a causa de pedir deste processo,
seu conjunto, dão tradução à concretização processual deste princípio devendo, também, ser apreciados e decididos pelo Juiz.
da prevalência do processo judicial.
Temos várias situações possíveis:
350 Ou seja, parece que não poderá, na pendência da impugnação (deduzida
а) Depois de o processo de impugnação ter dado entrada, é apre­ com base na invocação do indeferimento tácito), acontecer decisão expressa de
sentada reclamação com idênticosfundamentos. A reclamação indeferimento da reclamação ou recurso hierárquico. Esta hipótese, possível no
deverá ser recusada; domínio da lei anterior, era geradora de uma “armadilha” processual. Havendo ato
б) Se, já na pendência do processo de impugnação, for apresen­ expresso superveniente, o processo de impugnação baseado em indeferimento tácito
tada reclamação ou recurso hierárquico relativos ao mesmo era considerado como ficando sem objeto, pelo que a lide deveria ser extinta por
impossibilidade da sua continuação, salvo se o impugnante tivesse, oportunamente,
ato (o que é possível, dados os prazos para a sua interposi­ ^requerido a substituição do objeto do recurso (que deixaria de ser o indeferimento
ção) invocando outros fundamentos (que não os que baseiam •: tácito para passar a ser o indeferimento expresso). O que não exclui a possibilidade
a impugnação), as respetivas petições, desde que tempestivas, ide, na pendência do processo judicial, a administração fiscal revogar, total ou
parcialmente, o ato impugnado, nos termos e dentro do prazo previstos no art.° 112°
349 A título de exemplo, o Ac. do STA de 17-03-2004, rec. n.° 01651/03, relativo : do CPPT. Sobre esta última questão, Casalta N aba is , «Revogação do ato tributário
na pendência da impugnação judicial».
à apensação de um recurso hierárquico.
174 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 175

A atual redação dos n,° 3 e 4 do art.° 111.° dp CPPT traduz uma os pertinentes elementos de que disponha, procede, sendo o caso, aos
substancial inovação. Não é mais a identidade dos fundamentos invo­ atos de produção de prova e elabora uma proposta fundamentada de
cados (o facto de “terem o mesmo objeto”, como anteriormente previa decisão353, remetendo o processo ao órgão superior para decisão (art.°
a lei) que, na pendência da impugnação, determina o ”não prosse­
guimento” das reclamações ou recursos administrativos já penden­ a tais tributos. Em caso de entrega em serviço territorialmente incompetente, este
deve, oficiosamente, proceder à sua remessa para o Serviço competente (art.° 17.°,
tes ou posteriormente apresentados e a sua apensação ao processo n.° 3, do CPPT).
de impugnação. Tal acontece mesmo não havendo coincidência nos 353 A obrigação de o órgão instrutor, quando não seja ele próprio o decisor,
vícios apontados ao ato tributário em questão nos diferentes meios elaborar um “relatório”, definindo o conteúdo e o objeto do procedimento instrutório
de recurso. O relevante é, apenas, que o ato havido por ilegal seja o e contendo uma “proposta de decisão”, está prevista no art.° 71.°, n.° 2, da LGT.
mesmo. Anteriormente, a reclamação ou o recurso poderiam coexistir A elaboração de tal documento tem relevância meramente interna, na medida
com a impugnação, cabendo à administração e ao tribunal apreciar os em que visa facilitar a tarefa do órgão decisor, que, assim, terá presente uma súmula
da questão. Esta proposta não vincula o órgão decisor, quer na apreciação jurídica
(diferentes) vícios invocados em cada um deles. Agora, é o tribunal da questão quer, mesmo, quanto à suficiência da prova produzida (o órgão decisor
o único a decidir, apreciando todos os vícios invocados, independen­ poderá ordenar atos de instrução complementares).
temente do “lugar” onde foi feita a sua arguição. O que se compre­ Assim, o que relevará para o reclamante é a obrigação do órgão decisor ter
ende, desde logo por razões de evidente economia processual. De de elaborar um projeto de decisão, devidamente fundamentado, que lhe será dado
outra forma teríamos, na maior parte dos casos, o tribunal a apreciar a conhecer para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia (proposta esta
que poderá consistir numa simples adesão ao relatório da entidade instrutora).
a legalidade do mesmo ato tributário por duas vezes: num primeiro
A lei (art.° 71.°, n.° 2 da LGT) parece exigir que, mesmo quando a proposta
processo, apreciando (apenas) os vícios invocados na impugnação; de decisão do órgão instrutor não seja acolhida pelo órgão decisor, as “conclusões”
num segundo processo, apreciando o indeferimento administrativo de tal proposta sejam, obrigatoriamente, notificadas ao reclamante.
da pretensão do sujeito passivo, ou seja, apreciando os vícios por este Para Leite de C ampos / Benjamim Silva Rodrigues / Jorge Lopes de Sousa, Lei
invocados na reclamação ou recurso. Geral Tributária, p. 644, tal exigência corresponde a um afloramento do princípio
da boa-fé que deve presidir à atividade da administração tributária, pois que, assim,
se “dará a conhecer ao interessado a inexistência de uma unicidade de perspetivas
de solução da questão ou questões que são objeto da decisão e poder, com perfeito
24.5. Apresentação, fundamentos e prazos de interposição conhecimento, decidir se deve ou não reagir contra esta”.
Levantam-se aqui várias questões. A primeira será a seguinte: que acontecerá
24.5.1. Apresentação m falta de elaboração de um tal relatório? Para os Autores atrás citados, “tal não
constitui vício suscetível de afetar a validade da decisão do procedimento, pois
^destinando-se ele a facilitar a atividade do órgão com competência para decidir,
As reclamações são dirigidas ao órgão periférico regional dá -f sslsua relevância direta esgota-se no âmbito direto da administração tributária, em
administração tributária351, mas são entregues no competente serviço | Ipada sendo afetada a esfera jurídica dos interessados no procedimento tributário”.
periférico local352. Por regra, este serviço junta à petição de reclamação ; Ou seja, não existindo relatório do órgão instrutor, ele não será, obviamente,
Inotificado ao reclamante, sem que daí resultem consequências (que não, eventual-
351 O Diretor de Finanças, no caso dos impostos administrados pela DGCI- v línente, a nível interno, a nível disciplinar). Porém - continuam os mesmos Autores
352 Em princípio, o Serviço de Finanças da área do domicílio ou sede dof p?no caso de ser proferida decisão não favorável ao interessado e existir proposta em
reclamante. Exceção relevante é a das reclamações relativas a impostos sobre bens¥ pentido diferente, a falta da notificação das conclusões aos interessados, violadora
imóveis (IMI e IMT), uma vez que o serviço competente para a sua liquidação é o da :referido princípio da boa-fé, pode constituir um vício gerador da anulabilidade
área da situação de tais bens, no qual devem ser apresentadas as reclamações relativas!? Indecisão, caso não deva considerar-se sanado”.
176 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 177

73.°, n.° 2 e art.° 75.°, n.° 1 do CPPT). O Chefe do Serviço de Finan­ nada liquidação os atos (as decisões) anteriores para os quais a lei pre­
ças, normalmente354, tem competência para decidir quando o valor em veja mecanismos especiais de reação (atos destacáveis para efeito de
causa355não exceder o quíntuplo do valor da alçada do tribunal de 1* recurso). Exemplo é a fixação da matéria coletável feita por avaliação
instância (n.° 4 do art.° 73,° do CPPT). Ou seja, na generalidade dos indireta, que implica a utilização do respetivo procedimento de revisão
casos, mais que uma reclamação acontece um verdadeiro recurso hie­ quando o sujeito passivo não se conforme com o quantum fixado358.
rárquico, pois que o órgão com competência para decidir é um supe­ O art.° 68.° pode suscitar o equívoco de que na reclamação gra­
rior do que praticou o ato reclamado356. ciosa apenas podem ser invocados fundamentos geradores da anula-
bilidade do ato reclamado. Resulta claro de outras disposições legais
aplicáveis que a reclamação pode ter por fundamento “qualquer ilega­
24.5.2. Fundamentos lidade” (art.° 99.° do CPPTT, aplicável por força do art.° 70.°, n.° 1, do
mesmo Código), ou seja, a invocação de vícios geradores de nulidade
A reclamação pode ter como fundamento qualquer ilegalidade ou, mesmo, de inexistência do ato reclamado.
de que, alegadamente, padeça a liquidação (art.° 70.” n.° 1 do CPPT,
que remete para o art.° 99.° do mesmo Código).
A ilegalidade da liquidação resultará, as mais das vezes, de vícios 24.5.3. Prazos
ocorridos no procedimento que a ela conduziu. Porém —como já acen­
tuámos - para além dos casos em que “não há” lugar a reclamação357, A reclamação deve ser apresentada no prazo de 120 dias359(art.°
não podem ser objeto da reclamação graciosa dirigida contra determi­ 70.°, n.° 1, do CPPT), contados desde (art.° 102.° do CPPT)360:

Confessamos as maiores dúvidas quanto ao interesse de ser notificado ao re­ a) Termo para o pagamento voluntário das prestações tributá­
clamante um “documento interno”, que poderá ou não existir. O projeto de decisão, rias legalmente notificadas ao contribuinte.
sobre o qual este se poderá pronunciar, é o elaborado (ou aceite) pelo órgão decisor,
sendo, a nosso ver, irrelevante a existência de uma versão preliminar de diferente As notificações das liquidações feitas pelas administrações fis­
sentido. Mas o certo é que - bem ou mal - o n.Q2 do art.° 71.° da LGT expressamente cais indicam o prazo para o pagamento do imposto. Uma vez que tal
manda que as conclusões da proposta de decisão elaborada pelo órgão instrutor
sejam notificadas ao interessado em conjunto com a decisão. 358 Supra, 21, Procedimento de revisão da matéria coletável fixada por
354 Porquanto, para além da possibilidade de existir delegação de competência avaliação indireta.
(art.° 75.°, n.° 3, do CPPT), existem normas especiais dispondo diferentemente quanto 359 Este prazo é incoerente com o fixado para a apresentação da impugnação
à competência de órgãos da administração fiscal para decidirem determinadas judicial (ou recurso à arbitragem tributária), que é de 90 dias, contados dos mesmos
reclamações. factos. Tal significa que o sujeito passivo que deixou passar o prazo da impugnação
355 O quantum reclamado, normalmente o valor do imposto liquidado que o pode, em mais 30 dias, “contornar” a caducidade do seu direito à ação pela via da
reclamante entende não ser devido ou, não havendo lugar a liquidação, o montante ^apresentação de uma reclamação, impugnando, depois, o seu indeferimento (tácito
da matéria coletável não aceite. ou expresso).
356 A liquidação é, nos termos do n.° 2 do art.° 10.° do CPPT, por regra, da 360 O facto de o prazo apenas se iniciar em momento subsequente ao da
competência dos órgãos periféricos locais da administração tributária (serviços de notificação da liquidação não assumirá relevância prática, pois deve ser considerada
finanças), ficcionando-se ter sido por eles praticada mesmo quando tal não aconteça ^tempestiva uma reclamação deduzida (após a receção da notificação) antes de se
(p. ex., nos casos de autoliquidação). ■teriniciado o prazo para a sua apresentação. Num dizer comum, os prazos podem
357 Supra, 22.2, Atos “não reclamáveis”. í ser antecipados, não podem ser excedidos.
178 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 179

prazo é, por regra, de 30 dias, os sujeitos passivos dispõem, grosso ter feito o originário devedor), abre-se, para ele, prazo para apresentar
modo, de 150 dias, contados da notificação, para, querendo, reclama­ reclamação (ou impugnar).
rem de uma liquidação361. Este prazo é um prazo especial relativamente ao previsto na al. a)
do n.° 1 do art.° 102.° do CPPT, pelo que não releva o termo do prazo
b) Notificação dos restantes atos tributários, quando não deem para pagamento voluntário pelo revertido363.
origem a qualquer liquidação.
Será, p. ex, o caso da fixação da matéria coletável de IRC num d) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impug­
valor negativo (um prejuízo) inferior ao declarado pelo sujeito pas­ nação autónoma nos termos deste Código.
sivo. Este tem interesse em reclamar pois, embora esteja desobrigado Partindo do entendimento de que a impugnação graciosa, por
de pagar imposto relativamente ao exercício em questão, pode repor­ regra, só pode ter como objeto uma liquidação, esta norma só abran­
tar o prejuízo nos exercícios seguintes, i. e., deduzi-lo, para efeitos de gerá aquelas outras situações em que a lei expressamente dispõe que o
cálculo do lucro tributável, aos resultados positivos apurados nestes. recurso contencioso revestirá a forma de impugnação (tal como regu­
lada no CPPT). Será, por exemplo, o caso da apreensão de bens pela
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execu­ administração tributária (art.° 143.°, n.° 1, do CPPT).
ção fiscal. O “conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente pro­
O revertido (na generalidade dos casos, gerentes ou administra­ tegidos não abrangidos nas alíneas anteriores” parece ser inaplicável
dores de sociedades), quando confrontado com a citação em processo à reclamação graciosa, pois nestes casos o que poderá estar em causa
de execução fiscal362, deve utilizar dois diferentes meios de defesa, é uma reclamação administrativa. A “formação da presunção de inde­
fe rim e n to tácito” pareceria, também, inaplicável, no entendimento que
consoante os fundamentos que invoque: a oposição à execução, caso
questione a verificação dos pressupostos da sua responsabilidade ou o objeto da reclamação é, apenas, um ato tributário 364.
invoque factos posteriores à liquidação de onde decorra a inexigibi- O mesmo prazo de 120 dias é aplicável quando a reclamação se
lidade do pagamento do imposto; ou, querendo questionar a liquida­ funda em facto superveniente (então, a sua contagem inicia-se na data
ção (o que pode fazer nos mesmos termos em que o fez ou poderia do respetivo conhecimento).
Existem causas de suspensão deste prazo (art.° 70.°, n.° 5, do
CPPT)365.
361 Considerando que o prazo para pagamento voluntário que releva para
efeitos do início da contagem do prazo da reclamação/ impugnação é o que decorre
da aplicação das disposições legais (30 dias após a notificação para o pagamento 363 Ac. do STA de 3 -10-2007, rec. n.° 0562/07 (a questão é a mesma, quer
voluntário do tributo, nos termos do art.0 85.°, n.° 2, do CPPT) e não o prazo pelos esteja em causa uma reclamação ou uma impugnação).
serviços na nota de liquidação, (Ac, do TCA/Sul de 11-01-11, rec. n.° 04338/10, de 364 A remissão genérica que o art.° 70.° do CPPT faz para o n.° 1 do art.° 102.°
que foi relator José C orreia ). do mesmo Código parece vir em apoio da tese que defendemos de que a reclamação
362 Com a exigência de pagamento do imposto, em virtude da responsabilidade graciosa (tal como disciplinada neste Código) foi pensada pelo legislador como
subsidiária que a lei faz incidir sobre eles. Tal acontece no processo de execução sendo o meio normal para obter a revisão, por iniciativa dos sujeitos passivos e
fiscal em que é executada a sociedade, pois um dos pressupostos da efetivação de outros interessados, de todos os atos tributários e atos em matéria tributária não
tal responsabilidade é a insuficiência (melhor, a provável insuficiência) de bens do expressamente excecionados.
originário devedor. Este chamamento a um processo de execução já pendente dos ; 365 Uma (outra) importante causa de suspensão do prazo decorre do disposto
responsáveis (que reveste a forma de citação) designa-se reversão. no art.° 37.° do CPPT - notificação insuficiente.
180 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 181

A reclamação graciosa poderá ser deduzida a todo o tempo quando Existem outros prazos especiais, previstos nos Códigos dos dife­
o fundamento invocado for a nulidade da liquidação366. rentes Impostos, nomeadamente, para as reclamações de retenções
na fonte excessivas (cf. art.° 140.°, n.° 4, do CIRS e art.° 137.°, n.° 3, do
CIRC), para liquidações indevidas de IVA (art.° 97.° n.° 5, do CIVA),
24.5.3.1. Prazos especiais de 1MT (art.° 44.° do CIMT).
Por estarem em causa procedimentos administrativos, os prazos
Existem prazos especiais para a apresentação de determinadas contam-se de forma continuada370.
reclamações.
As reclamações necessárias das autoliquidações e das liquida­
ções de imposto retido na fonte podem ser apresentadas no prazo de * 24.6. Convoiação de (nova) declaração em reclamação graciosa
dois anos a contar do fim do ano em que tiver sido feito o pagamento
indevido (art.° 132.°, n.° 3, do CPPT)367; a reclamação do quantitativo O art.° 59.° do CPPT disciplina a instauração do procedimento de
fixado para os pagamentos por conta deve ser apresentada no prazo liquidação, começando por estabelecer que esta será feita com base
de 30 dias (art.° 133.°, n.° 2, do CPPT)368. nas declarações dos contribuintes (mais correto seria dizer dos sujei­
As reclamações das liquidações (de taxas e figuras afins) feitas tos passivos), o que mais não é que uma consequência da presunção
pelas autarquias locais devem ser apresentadas no prazo de 30 dias, de verdade de que gozam tais declarações (art.° 75.°, n.° 1, da LGT).
contados da notificação369. O n.° 3 de tal norma permite a substituição das declarações, nos
diversos prazos aí previstos, quando o interessado constate que a decla­
365 Cf. art.° 102.°, n.° 3, do CPPT, que consideramos ser de aplicar ração já apresentada sofre de erros de facto ou de direito. Tal substitui-
analogicamente às reclamações (não se compreenderia que fosse possível a - ção é “livre” quando feita dentro do prazo legal para a apresentação da
impugnação mas não a reclamação, quando esta deve ser a forma de resolução da ' declaração em causa ou sujeita à aplicação de uma coima se tal substi­
generalidade dos litígios que ocorrem no domínio tributário). tuição ocorrer até ao 30.° dia subsequente ao termo do prazo legal. Nes­
367 Compreende-se a previsão de um prazo maior, desde logo porque não
existe, verdadeiramente, uma decisão administrativa; o que está em causa é a tes casos, a(s)declaração(s) anterior(es) tem-se por não apresentada(s),
correção de um erro praticado pelo sujeito passivo ao atuar como administração sendo a liquidação processada [ou aceite a autoliquidação] conforme-
fiscal. Tendo sido ultrapassado tal prazo, a reclamação poderá, eventualmente, ser mcnte ao constante da declaração de substituição.
convolada em pedido de revisão oficiosa, uma vez que é maior o prazo para a suai \iy Porém, o sujeito passivo pode, ainda, entregar uma declaração de
apresentação. •substituição até ao termo legal dos prazos de reclamação graciosa ou
368 Os pagamentos por conta têm carácter provisório (são “adiantamentos”,
feitos no decurso do período em que ocorre o facto gerador, relativamente ao imposto
/impugnação judicial371, visando a correção de erros por si cometidos,
que, após o termo deste, resultará devido). Daí, e também porque a reclamação; í na declaração primitivamente entregue, dos quais resultou a quantifi-
só surtirá efeito útil se decidida rapidamente, a lei (art.° 133.°, n.° 4, do CPPT) -
considere que o silêncio da administração (decorridos que sejam mais de 90 dias | 370 Assim, p. ex., a sua contagem não se suspende em férias judiciais nem
da apresentação da reclamação) configura o deferimento tácito da pretensão do ; Impossível a apresentação da reclamação nos três dias subsequentes ao termo do
sujeito passivo. Iprazo, mediante pagamento de multa (cf. art.° 145.°, n.° 5 e 6 do CPC).
369 Art.° 16.°, n° 2, da Lei n.° 55-E/2006 (Regime Geral das Taxas das; |p 371 Do prazo de apresentação de reclamação graciosa, uma vez que é mais
Autarquias Locais). Não faz qualquer sentido, porque desnecessária, esta norma^ ilpngo. A referência a estes dois momentos iniciais de contagem do prazo resultará
especial (assim, Sérgio V asques , Regime ..., p. 177). §pò-facto do texto da norma não ter sido “atualizada” como se impunha em razão
182 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 183

cação de imposto superior ao devido372. Nova declaração que, porém, bastante para o sacrifício da profundidade (na produção da prova, na
já não influenciará a liquidação, a qual será processada ou aceite (nos fundamentação da decisão) que a resolução de litígio, em concreto,
casos de autoliquidação) tendo como base os elementos constantes da imponha.
(última) declaração antes entregue. Expressão da simplicidade que a lei quer atribuir a este meio de
Nesta hipótese, temos duas situações possíveis: ou a adminis­ garantia é o facto de a reclamação poder ser subscrita pelo reclamante,
tração, liminarmente, coincide com o sujeito passivo na conclusão independentemente do valor em causa e de serem ou não suscitadas
da existência de um erro na primeira declaração, o que resultará, por questões de direito. A reclamação também pode ser subscrita por um
regra, na anulação parcial da liquidação; ou levantam-se dúvidas à seu representante, o qual, porém, terá que ser alguém habilitado para o
administração quanto às questões, de facto ou de direito, que ditaram exercício do mandato forense, caso se aleguem questões de direito (art.°
a apresentação da nova declaração. 5.°, n.° 2, do CPPT), ou, sem tal limitação, por um gestor de negócios.
Então, porque a decisão administrativa de rever ou não o ato de
liquidação exige maior ponderação, a declaração de substituição é O segundo princípio consagrado no art.° 69.° do CPPT é o da dis­
convolada em reclamação graciosa, facto de que o sujeito passivo será pensa de formalidades essenciais. Este princípio tem, também, que
notificado (n.° 5 do art.° 59° do CPPT), seguindo-se, depois, os termos ser corretamente entendido. Mais não significa que o procedimento
próprios deste procedimento373. de reclamação não está sujeito a um quadro rígido de tramitação, que
esta se deve cingir e adequar ao necessário, no caso concreto a decidir.
Mas existem regras formais inultrapassáveis, p. ex., relativas à
24.7. Regras fundamentais competência do órgão decisor, ao conteúdo da petição (tem, desde
logo, que ser inteligível)374, aos atos instrutórios (p. ex., respeito pelo
Aparecem enunciadas no art.° 69.° do CPPT. princípio do contraditório), à decisão (p. ex., a obrigatoriedade de ser
A primeira de tais regras é a da simplicidade de termos e brevi­ ^suficientemente fundamentada; se desfavorável, o reclamante ter tido
dade das resoluções deste procedimento. oportunidade de nela participar através do exercício do direito à audi­
Este princípio tem que ser corretamente entendido. Simplicidade ção prévia; ser notificada ao interessado).
não pode ser confundida com “ligeireza”. A celeridade não é razão O princípio da dispensa de formalidades essenciais pouco mais
significará que razões de ordem formal não podem ser obstáculo à
de alterações legislativas que aconteceram, relativas aos prazos de apresentação emissão de uma decisão de mérito nem ser razão para anulação do
de cada um destes meios de garantia. decidido, salvo estando em causa a violação de formalidades que a lei
372 O sujeito passivo pode, ainda, posteriormente, apresentar nova declaração, configura como absolutamente essenciais.
visando a correção de erros cometidos na declaração antes apresentada dos quais
tenha resultado a liquidação de imposto inferior ao devido. Trata-se de uma forma
de regularização voluntária da situação contributiva, o que relevará na determinação
do montante da coima aplicável. 374 Há que não esquecer o poder-dever da administração fiscal de,
373 Não sendo manifesto o erro invocado, parece resultar indiferente apresentar, oficiosamente, sanar as deficiências ou irregularidades processuais que detete.
dentro deste prazo, uma declaração de substituição ou uma reclamação graciosa. Assim, p. ex., apresentada uma petição de reclamação sem ser indicado o número
Mas, na prática, será aconselhável a apresentação de uma reclamação, pois, por esta de contribuinte do reclamante, esta não deve ser recusada (ao contrário do que
via, o sujeito passivo poderá expor mais detalhadamente as razões que o levam a possa resultar do art.° 9.° do DL n.° 463/79, de 30 de Novembro), uma vez que a
concluir pela existência de erro na declaração inicialmente apresentada. administração pode, facilmente, suprir tal omissão.
184 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 185

Porém, esta “liberdade” de formulação (i. e., o reclamante apenas A inexistência de custas no procedimento de reclamação é “tem­
teria que expressar, de modo inteligível, as razões da sua discordância perada” pela possibilidade de o reclamante ficar obrigado a um paga­
com o ato reclamado) parece estar em contradição com algumas nor­ mento, que poderá ir até ao montante correspondente a 5% do valor
mas que impõem determinado conteúdo à reclamação. Assim, p. ex., em causa, quando a sua pretensão seja, manifestamente, destituída de
caso o reclamante pretenda a suspensão da execução (da cobrança fundamento, quantia que reveste a natureza de custas (art.° 77.°, n.° 1,
coerciva do imposto resultante da liquidação reclamada) na, pendên­ do CPPT).
cia da reclamação, deve requerer tal na petição375, oferecendo-se para Entendemos estar em causa uma especial forma de ‘‘punição” da
prestar garantia idónea376. litigância de má-fé, entendida, tal como faz a al. a) do n.° 2 do art.°
Porém, o facto de o reclamante não ter feito um tal requerimento 456.° do CPC, pela dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fun­
com a apresentação da petição de reclamação não o inibirá de o poder damento não devia ser ignorada. Só que aqui, por estar em causa não
apresentar posteriormente. uma multa mas o pagamento de uma taxa (tal é a natureza das cus­
tas), não relevará a culpa, o grau de irrazoabilidade dos fundamentos
Terceira regra é a da inexistência de caso decidido ou resolvido. invocados na reclamação377, mas apenas, em homenagem ao princípio
Não se percebe bem a utilidade da consagração expressa de tal da proporcionalidade que deve presidir à fixação do valor das taxas, o
regra, uma vez que é indiscutível que a decisão que põe termo a este acréscimo de trabalho que tal reclamação despropositada representou
procedimento pode ser objeto de recurso hierárquico e/ou impugnação para a administração fiscal.
judicial, ou seja, a pretensão de apreciação da legalidade do ato recla­ Na hipótese de o reclamante, subsequentemente ao indeferimento
mado pode ser prosseguida por outras vias. Talvez possa ser enten­ da reclamação, ter impugnado o ato tributário e o tribunal, por algum
dida no sentido da afirmação de que a administração fiscal pode, ela dos fundamentos já invocados na reclamação, o anular, tal agrava­
própria, rever a sua decisão. mento não será exigível378.

Quarto princípio é o da inexistência (e não isenção, como diz a


lei) de custas.
Esta é efetivamente uma das grandes vantagens da utilização 377 Não existindo a obrigatoriedade de a reclamação ser subscrita por
deste procedimento relativamente à opção pela imediata impugnação. mandatário forense, haverá que ter presente que a maioria dos sujeitos passivos
No processo judicial, o impugnante tem que proceder ao pagamento não tem conhecimentos jurídicos que lhes permitam avaliar da “razoabilidade
antecipado das custas que resultarão por ele devidas a final, em caso legal” dos fundamentos invocados.
378 O n.° 2 do art.° 11? do CPPT só prevê esta solução para os casos das
de decaimento.
reclamações necessárias (parecendo determinar que a decisão de fixação do
agravamento só seja tomada após o trânsito em julgado da decisão judicial). Porém,
375 O art° 69.°, al. f) do CPTT parece supor a existência de um requerimento igual solução (inexigibilidade do agravamento) parece impor-se, também, para as
autónomo, a ser apresentado com a petição de reclamação. Tal não é a prática reclamações facultativas, pois não faz sentido considerar destituída de qualquer
corrente (o pedido de prestação de garantia é, normalmente, feito na própria petição fundamento a reclamação de determinado ato tributário (ainda que formulada
de reclamação), até porque a entidade que, em regra, irá apreciar a reclamação é a deficientemente) quando o tribunal, a final, o considerou ilegal. De outra forma,
mésma que se deve pronunciar sobre o pedido de prestação de garantia. o reclamante será obrigado a impugnar autonomamente (através de uma ação
376 Para maiores desenvolvimentos, Rui Duarte M orais , A Execução Fiscal; administrativa especial) a decisão que fixou tal agravamento, tal como prevê o n.°
p. 73 ss. 3 do preceito.
186 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 187

Quinto princípio é o de que os meios de prova, por regra, se limi­ mantém os seus efeitos, o que significa que, estando em causa uma
tam a documentos, incluídos nesta noção “os elementos oficiais de que liquidação, o processo executivo prosseguirá os seus termos, salvo se
os serviços disponham”. Mas, acrescenta ia al. e) do art.° 69 do CPPT, for requerida a atribuição de efeito suspensivo e prestada a garantia
sem prejuízo do direito do órgão instrutor ordenar outras diligências comple­ exigida (ou tal prestação seja dispensada).
mentares manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material (cf.,
tb., o art ° 50.° do CPPT).
É certo que em muitos casos, pelas características próprias da rela­ 24.8. Cumulação, coligação e apensação
ção jurídico-tributária, o meio de prova possível será, apenas, a apre­
sentação de documentos. Mas existirão situações em que se imporá O art.° 71.° do CPPT prevê a possibilidade de cumulação de recla­
o recurso a outros meios probatórios, como sejam a audição de teste­ mações, ou seja, de na mesma reclamação o sujeito passivo questionar
munhas ou, mesmo, ações inspetivas complementares. a validade de diferentes liquidações.
O órgão instrutor tem o poder e o dever de proceder às diligên­ Trata-se de uma previsão ditada por evidentes razões de econo­
cias probatórias que, no caso, se mostrem razoavelmente necessárias mia procedimental. Sendo as razões de facto e/ou de direito invocadas
para o esclarecimento da factualidade a decidir. comuns, compreende-se que exista a possibilidade de ser apresentada
Vale aqui, também, a ideia, que já deixámos antes expressa, que uma só reclamação, evitando-se uma inútil multiplicação de procedi­
o procedimento de reclamação graciosa deve ser, na prática, o meio mentos, de decisões, e até, o risco de estas resultarem (incompreensi­
normal de resolução de conflitos entre os sujeitos passivos e a adminis­ velmente) contraditórias.
tração fiscal. Intuito esse que, obviamente, resultará frustrado à partida Num exemplo, um sujeito passivo é, simultânea ou sucessiva­
se, sistematicamente, se abdicar de, no razoável, esclarecer totalmente mente, notificado de liquidações do IMI relativas a diferentes anos379.
os contornos fácticos da situação a que se reporta a decisão. Entende dever opor-se. Poderá apresentar uma única reclamação rela­
Este princípio não pode, pois, ser entendido como estabelecendo tiva a todas essas liquidações.
que a decisão da reclamação deva assentar numa base factual apurada Porém, o interesse prático desta possibilidade de cumulação
de forma sumária, perfunctória. O que dele resulta é, apenas, que a resulta muito limitado pela exigência, constante do n.° 2 do art.° 71.°
omissão de diligências probatórias não é invocável como fundamento do CPTT, da identidade dos tributos. Pensamos que tal exigência foi
da anulação do procedimento por vício de forma. O que se aceita, uma ditada, apenas, por razões de “conveniência dos serviços”, uma vez
vez que na impugnação judicial subsequente o que será pedido ao tri­ que poderão ser diferentes os funcionários incumbidos de instruir e
bunal é que aprecie da legalidade do ato tributário sobre o qual versou decidir as reclamações, consoante os impostos em causa380.
a reclamação (e não que aprecie a decisão de indeferimento da recla­
mação). O princípio da absoluta prevalência da impugnação judicial
impõe que, tendo a questão subido ao tribunal, seja este a ordenar a 379 Sirva de exemplo a situação prevista no art.° 113.°, n.° 5, do CIMI: a
efetivação de todas as diligências probatórias necessárias ao esclare­ administração, constatando que não se verificam ou se deixaram de verificar os
pressupostos de uma isenção, deve proceder às liquidações do imposto relativas
cimento da questão. aos vários anos em que se mostre devido.
380 Será esta a razão que ditou, também, a possibilidade de o instrutor decidir
Último princípio é o de ausência de efeito suspensivo, como con­ pela “separação” das reclamações quando a sua cumulação represente prejuízo para
sequência normal da interposição de uma reclamação. O ato reclamado a “celeridade da decisão” (parte final do n.° 1 do art.° 71.° do CPPT).
188 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 189

Ora, na maioria dos casos, o que acontece são liquidações de a administração deveria sanar oficiosamente esta irregularidade pro­
tributos de diferente natureza381 motivadas por uma razão comum, cedimental, pois está em condições de (facilmente) o fazer. Assim não
às quais o sujeito passivo se pretende opor invocando, relativamente se entendendo, cremos que não se devem levantar dúvidas quanto ao
a todas elas, os mesmos fundamentos382. A lei não permite uma tal dever da administração, no quadro do princípio da colaboração, noti­
cumulação de reclamações383. ficar o interessado para “separar” as reclamações relativas a tributos
O que suscita um problema: se, numa mesma reclamação, foram de diferente natureza384.
postos em causa vários atos tributários e a administração entender Também por razões de economia processual, a lei (art.° 72.° do
que a cumulação não é possível, o que deverá suceder? Pensamos que, CPPT) admite a possibilidade de coligação de reclamantes, verifi­
sendo claro que o sujeito passivo reclamou dè diferentes atos tributá­ cados que sejam os mesmos pressupostos (identidade do tributo e do
rios, o facto de, indevidamente, ter apresentado uma só petição não órgão competente para a decisão). Será o caso, p. ex., de vários com-
poderá obstar à apreciação das várias reclamações que, substantiva- proprietários de um prédio apresentarem uma única reclamação rela­
mente, fez. À recusa do conhecimento das reclamações apresentadas tiva às liquidações de IMI que, com os mesmos fundamentos, foram
por motivos de índole meramente adjetiva se opõe o disposto na al. b) feitas em nome de cada um deles385.
do art.° 69.° do CPPT (dispensa de formalidades essenciais) e a con­ Colocam-se aqui o mesmo tipo de questões que deixámos enun­
sideração de que a reclamação pode ser apresentadas pelos próprios ciadas relativamente à cumulação de reclamações, pelo que não nos
interessados, a maioria dos quais desconhecerá este “pormenor” legal. repetiremos.
Entendemos que, num tal caso o serviço deveria extrair cópias A apensação de processos (dos autos relativos a diferentes proce­
da petição de reclamação e, com base em cada uma, organizar dife­ dimentos) visa o mesmo objetivo de economia, conseguido pela reu­
rentes autos, a serem apreciados pelos funcionários a quem, interna­ nião de várias reclamações, permitindo que todas (cada uma delas,
mente, está atribuída competência para apreciarem as reclamações pois que continuarão a ser objeto de decisões individualizadas) sejam
relativas a cada um dos impostos em causa. Ou seja, entendemos que decididas num só procedimento.
A apensação pode acontecer quando se verifiquem os requisitos
381 Não é inequívoco o que se deva entender por “tributos da mesma natureza”
para cumulação dessas reclamações ou para a coligação de reclaman­
(p. ex., um imposto e uma taxa são tributos de diferente natureza; mas também o serao, tes. A diferença é que o pedido de apensação acontecerá quando os
noutro sentido, um imposto sobre o rendimento e um imposto sobre o património ou
sobre o consumo). A questão apenas se colocará, por regra, relativamente a diferentes 384 Assim, discordamos totalmente do Ofício Circulado n.° 060 08, de 20-
impostos, uma vez que o n.° 2 do art.° 71° faz depender a possibilidade de cumulação 12-2010 (Justiça Tributária), segundo o qual “o reclamante deve ser notificado para
de reclamações, também, “da identidade do órgão competente para a decisão”. Os escolher, entre os pedidos apresentados, os que pretende venha(m) a ser decidido(s),
nossos Tribunais têm entendido que, para este efeito, deverão ser havidos como "não com a consequente desistência dos outros.
idênticos” impostos diretos e indiretos (Ac. do STA de 10-03-2005, rec. n.° 1390/04). Caso não proceda a essa escolha no prazo fixado, o requerimento apresentado
382 P. ex., na sequência de uma ação inspetiva, com base nas (mesmas) irregu- em que sejam deduzidos vários pedidos deve ser liminarmente indeferido. (....).
laridades da escrita, acontecerem uma liquidação adicional de IRC e outra de IVA. O O desdobramento do requerimento originário, em tantos requerimentos quantos
sujeito passivo pretende reclamar sustentando que tais irregularidades não existem, os pedidos apresentados, não consubstancia qualquer suprimento ou correção das
383 Cremos estar perante uma norma “desatualizada”. Lembramos, p. ex., que deficiências da petição originária, mas a sua substituição por petições diferentes,
on.° 15 do art.° 91.° da LGT expressamente obriga à cumulação de pedidos de revi­ pelo que está excluído do âmbito deste artigo 76.° do CPA”.
são relativos a diferentes tributos nos casos em que as respetivas matérias coletáveis 385 Neste caso teríamos não só uma coligação de reclamantes, mas, também,
hajam sido fixadas, por avaliação indireta, em resultado de uma mesma inspeção. uma cumulação de reclamações (de pedidos).
190 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 191

diversos procedimentos em causa já se iniciaram, pelo que tal preten­ no caso de uma liquidação, temos que é ou se considera praticada
são só será atendível quando eles estiverem “na mesma fase”. pelo Serviço de Finanças (a este cabe, pois, a decisão primária); em
sede de reclamação, esta decisão é, normalmente, reapreciada por um
superior hierárquico, o Diretor de Finanças; através do recurso hie­
24.9. Tramitação rárquico do indeferimento da reclamação, a decisão é, mais uma vez,
reapreciada a nível superior.
Apresentada a reclamação, segue-se a fase instrutória (de orga­ Os recursos hierárquicos são entregues ao autor (serviço) que pra­
nização do processo e, excecionalmente, de produção de prova com­ ticou o ato recorrido, sendo dirigidos ao seu mais alto superior hierár­
plementar), a qual é da competência dos serviços de finanças (art° quico (art.° 80.° da LGT)388.
73.°, n.° 2, do CPPT). Depois, acontecerá a decisão, normalmente dá O requerimento não está sujeito a formalidades especiais389.
competência do diretor de finanças, ao qual o processo é remetido, O prazo para a apresentação de recursos hierárquicos de decisões
concluída que seja a fase anterior (art.° 73.°, n.° 5, do CPPT). Restará que indeferiram, total ou parcialmente, reclamações graciosas é de 30
lembrar que, quando se projete tomar uma decisão desfavorável, terá dias a contar da data em que a lei considera ter sido efetuada a notifi­
que acontecer a audição prévia do reclamante. cação da decisão reclamada ou da data em que se considera ter ocor­
rido o indeferimento tácito da reclamação (art.° 66.°, n.° 2, do CPPT).
Prazo este que se conta de forma contínua (art.° 57.°, n.° 3, da LGT)390.
25. Recurso hierárquico 388 A referência ao “mais alto superior hierárquico” é, em geral, entendida
como indicando o membro do Governo que tutela a administração fiscal (o Ministro
A possibilidade de recurso hierárquico existe, por princípio386, das Finanças ou, por delegação, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais), uma
relativamente aos atos conclusivos de um qualquer procedimento tri­ vez que o Governo é o órgão superior da administração pública, por força do art.0
butário (art.° 80.° da LGT). 183 "da CRP (por todos, Lima G uerreiro , Lei Geral Tributária, 2000, p. 352).
Sãofacultativos, i.e., não são condição da possibilidade de recurso Porém, a questão não será isenta de dúvidas, desde logo porque o n.° 3 do art.° 47.°
do CPPT estabelece que o “pedido de reapreciação da decisão deve, salvo lei especial, ser
contencioso. dirigido ao dirigente máximo do serviço ou a quem ele tiver delegado essa competência”
O princípio de que os atos tributários podem sempre ser objeto (o que apontaria para a figura do Diretor-Geral). Apesar desta, sempre lamentável, falta
de, primeiro, reclamação e, no caso de indeferimento desta, de recurso de clareza, da lei, o certo é que o erro quanto à identificação da correta identidade à qual
hierárquico é questionado387, até porque, como vimos, as decisões das umrecurso hierárquico é dirigido não prejudicará o recorrente. A entidade que receber
reclamações competem, normalmente a um órgão da administração p recurso deve, oficiosamente, sanar tal deficiência (art.° 19.° do CPPT).
389 Valerá, no essencial, o que deixámos referido a propósito da reclamação.
fiscal de nível hierárquico superior. Ou seja, o atual sistema conduz
Recordamos que, sendo o caso, o pedido do reconhecimento do direito ajuros
a uma tripla apreciação de uma mesma situação, feita por órgãos da indemnizatórios e do direito a uma indemnização em caso de garantia indevida
administração situados em diferentes níveis hierárquicos. Pensando, /devem ser formulados nesse requerimento, se o não devessem ter sido antes (p. ex.,
mapetição de reclamação de cujo indeferimento ora se recorre hierarquicamente) -
386 O recurso hierárquico supõe a existência de um superior hierárquico do íart.0171.°, n.° 2, do CPPT. Porém, a jurisprudência admite a posterior formulação de
recorrido. Assim, não poderá ter lugar quando tal não se verificar (v.g., uma de-: , um tal pedido (infra, 47.3, O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios).
cisão de um membro do Governo de indeferimento da concessão de determinado 390 Estando em causa uma reclamação graciosa, porque o prazo para a dedu­
benefício fiscal). ção de impugnação judicial é menor (15 dias, nos termos do n.° 2 do art.° 102.° do
387 P o r t u g a l, Relatório..., p. 589. |GPPT), casos haverá em que a via do recurso hierárquico é utilizada no intuito de
192 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 193

Recebida a petição, o órgão recorrido pode revogar o ato, total O conhecimento deste prazo é importante - constitui exceção à
ou parcialmente (art.° 66.°, n.° 3, do CPPT). Se o ato recorrido não regra geral pois que o silêncio da administração para além do seu
for revogado na sua totalidade, o recurso subirá para apreciação pelo termo conduz à formação da presunção de indeferimento tácito, que
órgão a quem é dirigido. possibilita o acesso à via judicial, como veremos a seguir.
O n.° 5 do art° 66.° do CPPT estabelece um prazo máximo de O recurso hierárquico tem efeito devolutivo (cf. art.° 67.° do
60 dias para a decisão destes recursos, a qual deve ser precedida da CPPT), pelo que a sua pendência não obsta à efetivação da decisão
audição do recorrente, quando se perspetive o não acolhimento total recorrida. Estando em causa uma liquidação, o processo de execução
da sua pretensão (art.° 60.°, n.° 1, al. b) da LGT). para cobrança da quantia liquidada prosseguirá (caso não tenha havido
Não é totalmente claro o momento em que se inicia a contagem pagamento voluntário), salvo se o interessado lograr a suspensão de
de tal prazo, se a partir do dia em que o recurso é apresentado, se a tal processo mediante a prestação de garantia (ou obtendo a dispensa
partir do dia em que foi (ou devia ter sido) enviado pelo Serviço de de tal prestação)392.
Finanças ao órgão competente para decisão. A decisão que indefira, total ou parcialmente, o recurso hierár­
Jorge de SOUSA391 entende que “o prazo de 60 dias conta-se a quico pode, ainda, ser objeto de impugnação judicial.
partir da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer, Aceitando a jurisprudência dominante, temos que, quando o
como se estabelece no referido art.° 175.° [do CPA] que, neste ponto, recurso hierárquico versa sobre o indeferimento de uma reclamação
não é afastado pelo presente art.° 66.° [do CPPT]”. graciosa, o processo judicial revestirá a forma de impugnação, regu­
Já, por várias vezes, deixámos expressa a nossa crítica à sistemá­ lada no CPPT393. Nos demais casos, deverá recorrer-se à ação admi­
tica “transposição” para o domínio tributário das normas dos códigos nistrativa especial.
de procedimento e processo administrativo, desde logo porque gera­ Esta “importação” (que temos por desnecessária) para o domínio
dora de dúvidas e “confusões” de outra forma evitáveis. O CPPT não tributário de normas do CPTA coloca dúvidas quanto aos prazos em
é legislação especial face às normas do ordenamento adjetivo adminis­ que devem ser interpostas as ações judiciais.
trativo, antes estas constituem mero direito subsidiário relativamente Estando em causa uma impugnação judicial (o processo regu­
àquele. Ora, estabelecendo o CPPT que os recursos hierárquicos serão lado no CPPT), a resposta é clara: o prazo é de 90 dias, contados da
decididos no prazo de 60 dias, parece ser curial, na falta de mais dis­ data da notificação da decisão de indeferimento do recurso hierár­
posições deste código, a interpretação de que tal prazo se conta a partir quico ou da data em que se presume o seu indeferimento (60 dias
do dia da apresentação de tal requerimento, pelo que dificilmente se após a sua apresentação), por força do disposto na al. e) do art.° 102
do CPPT394.
poderá falar da existência de um lacuna que necessite de ser suprida
pelo recurso a outras fontes normativas. Acresce que, mesmo contado
da data da apresentação do recurso, o prazo previsto no CPPT, normal­
mente, resultará maior que o decorrente das normas do CPTA, pelo 392 Tendo sido prestada garantia em momento anterior, ela manter-se-á,
que não pode falar-se numa diminuição de garantias dos recorrentes. devendo ser proporcionalmente reduzida em caso de o indeferimento da reclamação
ser apenas parcial.
; 393 p. ex., Ac. do STA, de 19-12-07, rec. n.° 0617/07.0 ato impugnado continua
c o n se g u ir o p osterior a c e s so ao rec u r so c o n te n c io s o , q u an d o o p ra zo para interp or; | a ser a liquidação e não a decisão de indeferimento (a qual se limitou a confirmar
e ste , c o n ta d o d o in d efe rim en to d a rec la m a ç ã o , j á fo i ultrapassado. |á liquidação reclamada, ainda que, porventura, só parcialmente).
391 Jorge d e S o u sa , Código..., I, p . 605. 394 P. ex., .Ac. do STA de 12-06-2007, rec. n.° 0341/07.
194 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 195

Nos demais casos, em que a impugnação judicial deve revestir a Um regime que consideramos de aplicação algo complexa (será,
forma de ação administrativa especial, entende-se que o prazo se con­ por vezes difícil saber se a decisão do recurso hierárquico é ou não
tará aplicando as pertinentes disposições do CPTA. meramente confirmativo, desde logo nos casos em que a decisão seja
Acompanhando Jorge de SOUSA395, temos que o prazo normal mantida, mas com pequenas alterações na sua fundamentação) e, mais
de interposição da ação administrativa é de 3 meses396, havendo deci­ importante, pouco compatível com a unidade sistemática do direito
são expressa (art.° 58.°, n.° 2, al. a) do CPTA), ou, em caso de silêncio tributário adjetivo, o que toma recomendável uma intervenção clari­
da administração, de um ano, contado desde o termo do prazo que ficadora do legislador.
a lei prevê para que a decisão aconteça (art° 69.°, n.° 1, do CPTA)397. Fica a ideia essencial de que, salvo nos casos de recursos inter­
No caso de haver decisão expressa, coloca-se a questão de saber postos do indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas, o
qual é decisão administrativa que constitui objeto do recurso judicial. recurso hierárquico “não se destina a abrir a via contenciosa’*00.
Haverá que distinguir (quer relativamente à decisão do recurso hie­
rárquico, quer relativamente à decisão da reclamação) entre decisões
substitutivas (revogação por substituição) e decisões confirmativas. SECÇÃO II
Se a decisão foi confirmativa, o objeto da ação é o ato primá­
rio. Então, o prazo para interposição da ação conta-se desde a data Procedimentos da iniciativa da administração fiscal
em que este foi notificado, suspendendo-se a sua contagem durante a
pendência do (ou dos) meios de impugnação administrativa, quando
facultativos398 (art.° 59.°, n.° 4 do CPTA), sendo retomada na data em 26. Procedimentos de liquidação e cobrança
que a decisão da reclamação ou recurso for notificada ou na data em
que for ultrapassado o prazo legal de decisão399. São procedimentos essenciais no quadro da complexa relação jurí-
Se a decisão do recurso hierárquico (ou da reclamação) não se dico-fiscal401, uma vez que a liquidação (a quantificação da coleta) é
limitou a confirmar a decisão recorrida e a substituiu por outra, esta­ condição essencial para o pagamento ser exigível ao devedor e o paga­
remos perante uma nova decisão. Porque o objeto do recurso judicial mento dos tributos é a razão de ser do fenómeno fiscal.
será, então, esta nova decisão, o referido prazo de 3 meses conta-se Tradicionalmente, a administração procedia ao lançamento e à
da data da sua notificação. liquidação dos impostos (identificava as situações que constituem fac­
tos tributários, os respetivos sujeitos passivos, procedia à quantifica­
ção da matéria coletável, ao cálculo do montante do imposto devido e
notificava os sujeitos passivos para estes procederem ao pagamento),
395 Jorge de S ousa , Código. . I, p. 607 ss. f Porém, tal nunca dispensou os contribuintes e outros de colabo­
396 Sobre a contagem deste prazo, A ioso de A lm eida / Carlos Cadilha,
rarem, em maior ou menor medida, em tais tareias, obrigando-os a lei
Código..., p. 388 ss.
ao cumprimento de deveres declarativos, que, no mínimo, se recon­
397 Ibidem, p. 459 ss.
398 Estando em causa uma impugnação administrativa necessária, o prazo ' duzem à obrigação de se identificarem enquanto sujeitos passivos de
para a impugnação judicial do ato ainda nem sequer se iniciou, pois a interposição I
(e decisão) daquela é condição para o caso ser passível de apreciação judicial. ■ 400 A c . d o STA de 05-11-2003, rec. n.° 0304/03, relator A n t ó n io C a lh a u .
399 O prazo regra para a decisão quer da reclamação, quer do recurso 401 Sobre a complexidade (em sentido jurídico) da relação jurídico-fiscal,
hierárquico “administrativos” é de 30 dias (art.0 165.° e art" 175.° do CPTA). Casalta N a bais , Direito Fiscal, p. 235 e ss.
196 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 197

determinada obrigação tributária. O que facilmente se compreende, Não iremos proceder aqui a qualquer análise dos procedimentos
pois seria impossível ou extremamente difícil a administração fiscal, de liquidação e cobrança, cuja disciplina consta dos Códigos dos dife­
agindo só por si, chegar ao conhecimento da maioria dos factos gera­ rentes impostos e, ainda, de numerosa legislação avulsa, com diferen­
dores de imposto. ças substanciais consoante o tributo em causa.
Como já referimos, com a reforma fiscal dos anos oitenta, que está Apenas acentuaremos que, apesar de muitos ou mesmo a totali­
na génese do sistema fiscal que temos, assistiu-se a uma crescente pri- dade dos atos integrantes de tais procedimentos não serem praticados
vatização das tarefas de administração fiscal, sendo hoje correntes o pela administração fiscal, a lei considera que o foram, de forma a pos­
autolançamento e a autoliquidação. Existindo tais obrigações, o lança­ sibilitar aos interessados a utilização, no aplicável, dos mesmos meios
mento e liquidação administrativos, propriamente ditos, só acontecem de garantia que a lei prevê para recurso dos atos praticados pelas admi­
quando o sujeito passivo incumpriu com os seus deveres de entrega de nistrações fiscais, ainda que com algumas especialidades404.
declarações (não entregou as declarações a que estava obrigado, mesmo
depois de ser expressamente notificado para o fazei402) ou quando,
posteriormente, se vem a verificar que o apuramento da situação tri­ 26.1. Cobrança
butária por ele efetuado não foi correto. Então, a administração tem
o dever de proceder a fixações da matéria coletável e/ou liquidações O capítulo VII do CPPT, intitulado “Da cobrança”, é, numa siste­
corretivas, normalmente a liquidações adicionais. matização que deixa muito a desejar, uma amálgama de normas regu­
A privatização aconteceu também relativamente à cobrança. Á ladoras de diferentes matérias. Apenas interessa aqui considerar alguns
maioria dos pagamentos dos impostos não é mais feita nos serviços dá aspetos relativos à extinção da obrigação de imposto.
administração fiscal (não é mais à boca do cofre, na expressiva desig­ Sendo a obrigação de imposto de natureza pecuniária, a forma
nação tradicional), mas com intermediação de entidades de natureza normal da sua extinção será o pagamento voluntário405, a ser feito nos
empresarial (bancos, CTT, entidade gestora do sistema Multibanco, prazos que a lei fixa nos diferentes Códigos e leis tributárias ou, na
etc.), com as quais a administração fiscal contratualizou a realização falta de disposição específica, no prazo de 30 dias406.
de tais tarefas403. O art.° 85.°, n.° 3 e 4, do CPPT reafirma a proibição da concessão
de quaisquer moratórias (ou da suspensão da execução) fora dos casos
402 Relativamente ao IRS, a necessidade de entrega da declaração anual pelo
sujeito passivo vai, progressivamente, diminuindo, por grande parte da informação destes dois diferentes serviços, subordinados a diferentes estruturas hierárquicas,
que dela deve constar já estar na posse da administração fiscal em razão de comu­ ainda que com uma coordenação comum a nível distrital, erajustificada, desde logo,
nicações feitas por outros sujeitos passivos. Hoje, quem entregar a sua declaração por um objetivo de controlo mútuo. Em razão das formas como, hoje, a cobrança
via internet ê, de imediato, confrontado com as divergências entre os valores que -..acontece, as Tesourarias foram integradas nos Serviços de Finanças.
pretende declarar e os que constam já do “sistema”. Tal permite que se equacione a ; 404 P. ex., a existência de reclamações necessárias.
hipótese de, no futuro, se poder dispensar a maioria dos contribuintes deste imposto; 405 Não faremos qualquer referência à cobrança (pagamento) coerciva, uma
de apresentarem a declaração anual (para maiores desenvolvimentos, P ortugal; Vez que tal é o tema da nossa obra A Execução Fiscal.
Relatório..., p. 218). | ’ 406 O n.° 2 do art.° 85.° do CPPT fala de notificação para pagamento. Na reali­
403 Tradicionalmente, a administração fiscal estruturava-se, a nível local, em dade, a indicação do prazo para pagamento consta, normalmente, da notificação da
dois diferentes serviços: as Repartições de Finanças (hoje Serviços de Finanças),i fliquidação. No caso da reversão da execução fiscal, abre-se um prazo de pagamento
incumbidas do lançamento e liquidação dos impostos (os administrados pela DGCI); Éòluntário pelo revertido, o qual constará da respetiva citação. No caso do EMI não
e as Tesourarias da Fazenda Pública, a quem competia a cobrança. A existência, Éáj rigorosamente, uma notificação para pagamento mas apenas um “aviso”.
198 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 199

em que a lei o prevê, o que é um afloramento do princípio da indispo- Excecionalmente, quando o imposto em dívida exceder as 500
nibilidade da obrigação tributária. unidades de conta e se demonstrar a impossibilidade ou manifesta
dificuldade (em termos de sobrevivência económica do executado) em
solver a dívida no “prazo normal”, poderá ser autorizado que o paga­
26.2. Pagamento em prestações e pagamentos parciais mento aconteça num prazo máximo de cinco anos, sendo que o valor
de imposto pago em cada prestação não poderá ser inferior a 10 uni­
A possibilidade de pagamento em prestações está, em geral, pre­ dades de conta (n.° 5 do art.° 196.° do CPPT),
vista no art.° 42.° da LGT e encontra-se regulamentada no art.° 196.° | Em circunstâncias ainda mais excecionais (p. ex., no quadro de
do CPPT*07. à um acordo de credores em processo de insolvência ou em procedi­
De forma esquemática, temos que o executado pode requerer, mento extrajudicial de conciliação408), o número de prestações poderá
até à marcação da venda, que o pagamento seja feito em prestações, ser alargado até 150 (n.° 6).
mensais e iguais, num máximo de 36 (n.° 1 e 4 do art.° 196.° do CPP). A cada prestação acrescerá o valor dos juros de mora correspon­
dentes ao capital pago (n.° 7).
A disciplina do pagamento em prestações, tal como consta do CPPT, f Por regra, não pode ser autorizado o pagamento em prestações de
parece pressupor que só pode, em regra, ser requerido depois do termo do ■; dívidas relativas a impostos que constituem recursos próprios comuni­
prazo para o pagamento voluntário (ou seja, quando já estará instaurado o ; tários (p. ex., impostos alfandegários), nem a impostos retidos na fonte
processo de execução). Porém, existe legislação especial, nomeadamente o óu que devam ser repercutidos a terceiros, nem quando o pagamento
DL n.° 492/88, de 30 de Dezembro (relativo ao IRS e ao IRC), que permite do imposto seja condição da entrega ou da transmissão dos bens (art°
que a autorização para pagamento em prestações seja solicitada no decurso 42.°, n.° 2, da LGT e n.° 2 do art.° 196.° do CPPT)409. Todavia, existem
do prazo para pagamento voluntário. De realçar o disposto no art.° 34.°-A v, exceções a esta proibição: quando esteja em causa um “plano de recu­
deste diploma: as dívidas de IRS e de IRC de valor inferior, respetivamente, : peração económica do devedor” ou se demonstre a impossibilidade ou
a € 2500 e € 5000 podem ser pagas em prestações antes da instauração do ■1-Sjg manifesta dificuldade (p. ex., em termos de sobrevivência económica
processo executivo, com isenção de garantia, desde que o requerente não > do executado) em solver a dívida de uma só vez410.
seja devedor de quaisquer tributos administrados pela DGCI. A lei permite, hoje, que este regime de pagamento em prestações
As normas do CPPT, neste ponto, parecem-nos estar desatualiza- C de dívidas de imposto aproveite, no essencial, a um terceiro que pre-
das, não terem acompanhado a generalização dos pedidos de pagamento X ; tenda pagar uma dívida alheia411.
em prestações, nem as sucessivas “aberturas legislativas” a uma tal prá- f
tica. Segundo a nossa experiência, são os próprios serviços que convidam Ç
os contribuintes que os contactam, expressando dificuldades em solver á ? 408 Decreto-Lei n.° 316/98, de 20 de Outubro.
dívida por uma só vez, a requererem o pagamento em prestações de quais­ 409 Para melhor compreensão destas exceções, vd. a nossa A Execução Fiscal,
ps 56 e ss.
quer impostos, ainda no decurso do prazo para pagamento voluntário. E,.;-
410 Mas, neste caso, o número de prestações mensais não poderá ser superior
na realidade, nada parece justificar que se tenha que instaurar um processo;^ a 12, nem o capital a ser pago em cada uma delas inferior a uma unidade de conta
de execução fiscal com o único fito de autorizar um pagamento voluntário^ 3 do art.° 196.° do CPPT).
ainda que para além do prazo em que, normalmente, deveria acontecer. í:; 411 A lei (n.° 8, Í0 e 11 do art.” 196.° do CPPT) parece ter dado resposta a uma
r*

questão que havíamos suscitado na nossa A Execução Fiscal, p. 63-65, a de saber
407 Existem, ainda, normas especiais, como, p. ex., o art.° 45.°, n.° 3, do CISí.’ , oique se deveria entender por assunção da dívida de imposto. Parece-nos, agora,
200 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 201

A falta de pagamento de três prestações sucessivas ou de seis 26.2.1. Os pagamentos por conta (pagamentos parciais), aos quais
interpoladas implica o vencimento do total em dívida, salvo se o inte­ se referem os n.° 4 e seguintes art.° 86.° do CPPT, são feitos fora de
ressado regularizar a situação no prazo de 30 dias, contados da rece­ um “acordo” para pagamento em prestações. O sujeito passivo pode
ção de uma notificação que, para o efeito, lhe será enviada (art.° 200.° entregar quaisquer quantias, por conta do imposto devido, quer antes,
do CPPT)412. quer depois da instauração do processo de execução, com o intuito de,
A autorização para pagamento em prestações, quando requerida nessa medida, evitar, parcialmente, o prosseguimento da execução e
na pendência do processo executivo, supõe, por regra, que seja garan­ o pagamento de juros de mora.
tido o montante em dívida durante o período em que o pagamento deva A “liberdade” de efetuar pagamentos parciais, no montante preten­
acontecer, ou que o interessado seja dispensado (isento, diz a lei) da dido pelo sujeito passivo, desde que não inferior a três unidades de conta,
prestação de garantia (n.° 1 e 3 do art.° 199.° do CPTT). aparece expressamente prevista, no art.° 264.° do CPPT, relativamente
As formas possíveis que a garantia pode revestir413, bem como a às dívidas de imposto que se encontrem já em fase de execução fiscal
tramitação relativa à sua prestação, aparecem reguladas no art.° 199.° (ou seja, após ter decorrido o prazo para o seu pagamento voluntário).
do CPPT, o qual, aliás, é entendido como contendo as regras gerais Relativamente a pagamentos parciais feitos durante o prazo para
relativas à prestação de garantia, aplicáveis aos vários casos em que pagamento voluntário, os n.° 4,5 e 6 do art.° 86.° do CPPT*15parecem
a lei prevê um tal ónus. Apenas salientaremos que, diferentemente do çondicioná-los a determinados requisitos: ter sido interposto recurso,
administrativo ou judicial, da liquidação e corresponder o pagamento
que parece resultar de outras disposições, às quais já deixámos feita parcial à parte da coleta não contestada.
referência crítica414, esta norma expressamente faz equivaler a penhora
Parece que estes condicionalismos não poderão ser observados,
à prestação de garantia ao afirmar que vale como garantia (...) a penhora
pois os prazos para reclamação ou impugnação da liquidação são maio-
já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exe- ; res do que o para o pagamento voluntário (rigorosamente, aqueles só
quenda e acrescido ou a efetuar em bens nomeados para o efeito pelo executado
.se começam a contar após o termo deste). Como a possibilidade de
(...) (n.° 4 do art.° 199.° do CPPT). pagamento parcial durante o prazo para “pagamento voluntário” não
pode ficar dependente de uma antecipação da apresentação da recla­
mação ou impugnação (tal representaria desproporcionada diminuição
de uma garantia dos contribuintes), resta concluir que - como é prática
algo mais claro que estará em causa a figura da sub-rogação. Em sentido diferente; ícorrente - a administração fiscal tem que aceitar quaisquer pagamen-
Jorge de S ousa , Código..., Hl, p. 401 ss. ;:tos parciais416que os contribuintes, antes da instauração da execução,
Indo além da questão terminológica, resulta patente, no confronto do que
Jpretendam efetuar. Aliás, nem se compreenderia que a administração
dispõem os n.° 11 e 12 de tal artigo, a falta de “cuidado” do legislador (o alcance
destas disposições não é muito claro, como afirma Jorge de SOUSA, ob. e loc. cit^)i : $se recusasse a aceitar o montante que voluntariamente lhe é oferecido...
no n.° 11, afirma-se que o terceiro que haja “assumido” a dívida ficará, após totall
pagamento, sub-rogado na posição da Fazenda Nacional; o n.° 12 (que não terá-; 413 Permanece formalmente em vigor o n.° 7 do art.° 86.° do CPPT, que se
havido o cuidado de suprimir) estabelece que “o disposto neste artigo não poderá? refere a pagamentos por conta em caso de ‘‘recurso hierárquico com efeito suspen-
aplicar-se a nenhum caso de pagamento por sub-rogação” isivo da liquidação”. Esses recursos foram revogados, pelo que se terá “esvaziado”
412 Uma solução diferente (e muito mais “generosa”) da do regime geral: ,o campo de aplicação desta norma.
previsto no art.° 781 ° do Código Civil. f5 fJ 416 Ao que cremos, sem qualquer limite mínimo. Isto porque pode acontecer -
413 Ver a nossa A Execução Fiscal, p. 74, nota (159) af aeontece muitas vezes - que o sujeito passivo apenas se conforme com uma pequena
4,4 P. ex., al. a) do n.° 5 do art.° 64° da LGT) e al. b) do n.° 5 do art.° 14.° do EBE^ parte do imposto liquidado e recorra ou impugne o restante.
202 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 203

27. Compensação por iniciativa da administração417 A compensação, mesmo só sendo possível após o prazo para a
dedução de oposição à execução (e dos para acionar os demais meios
Cada administração tributária tem o poder-dever de proceder de garantia), não pode ser feita de forma “automática”. Terá que ser
à compensação de dívidas com créditos desse sujeito passivo a essa antecedida da penhora do direito de crédito do contribuinte sobre a
mesma administração (p. ex., créditos resultantes de reembolsos de administração tributária, materializado num título de crédito, como se
IRS e IVA, montantes que, reconhecidamente [por decisão,, adminis­ refere no n.° 5 deste art.° 89.°, seguindo-se o processo de execução nos
trativa ou judicial], tenham sido indevidamente pagos, “remanescen­ termos gerais, sendo objeto de penhora o título de crédito em relação
tes” de quantias obtidas com vendas em processos de execução, etc.) ao qual se pretende efetuar a compensação419.
- art ° 89° do CPPT. O objetivo desta exigência formal é salvaguardar os interesses
Deu origem a grande polémica e divergências jurisprudenciais de credores cujos créditos tenham prioridade relativamente ao crédito
saber em que momento era possível efetivar esta compensação, se logo fiscal em questão (será o caso dos créditos laborais), os quais podem
após o decurso do prazo para o pagamento voluntário ou se só depois ser espontaneamente reclamados num processo de execução fiscal, ao
de decorridos os prazos que a lei prevê para interposição dos recur­ abrigo do disposto no n° 4 do art° 240.° do CPPT.
sos, administrativos e judiciais. | Tendo sido deduzida reclamação, impugnação, oposição ou outra
A questão acabou por ser resolvida com uma alteração do n.° 1 | forma de recurso em que esteja em causa a legalidade da obrigação exe-
do art.° 89.° do CPPT, o qual, na sua al. a), dispõe agora que a com­ . quenda, o processo não se extingue por força da compensação, mesmo
pensação não pode ter lugar estando a correr prazo para interposição | que esta permita a total satisfação do credor. O crédito do executado
de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, sobre o Estado funcionará, então, como garantia, total ou parcial, da
recurso judicial ou oposição à execução. |;: obrigação exequenda, suspendendo-se o processo de execução (após
Esta é a solução correta, porquanto o interessado pode, ao inter­ fc.a fase da penhora ou após válida prestação de garantia que assegure
por tais recursos418, requerer a prestação de garantia (ou a dispensa: J f ; o remanescente em dívida, sendo o caso) até à decisão final de tais
da sua prestação), “regularizando” a sua situação tributária durante a p recursos. Tendo havido penhora que se mostre excessiva em razão de
respetiva pendência. O que, obviamente, deve obstar a que a compen­ fc compensação posterior, deverá ser reduzida no necessário.
sação se possa efetivar.
..28. A revisão dos atos tributários por iniciativa da administração
fiscal
4,7 Sobre a compensação por iniciativa dos sujeitos passivos, cf. supra, 16,
de compensação.
P ro c ed im e n to :Jf
fe;
|> Como vimos, o art " 78.° da LGT prevê e regula a revisão dos atos
418 Apesar de o momento processual próprio para o requerimento pedindo.:
a suspensão da execução ser o da apresentação da petição inicial (da reclamação;: | tributários, quer por iniciativa do sujeito passivo, quer por iniciativa
impugnação ou recurso), a lei veio expressamente prever aquilo que já era prátiS |própria. Já analisámos a primeira destas situações420.
ca corrente: a p o s sib ilid a d e de os executados, para prevenir o risco da penhora^
antes de decorridos os prazos legais de que dispõem para contestar a legalidadef
do pagamento que lhes é exigido, requererem, “cautelarmente” e sob condição d | pSí—— -----------------
posterior apresentação do meio de recurso, a prestação de garantia, a fim de lognfe : 419 Jorge de S ousa , Código..., I, p. 728.
rem a “im ed ia ta ” suspensão do processo executivo (n.° 2 do art.°169.° do CPPT)/ r íí ' 420 Supra, 21.6,0 procedimento de revisão.
204 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 205

A revisão por iniciativa da administração (anteriormente desig­ Quando a liquidação é efetuada pela administração fiscal, pode­
nada por revisão oficiosa421, expressão que continuaremos a usar para mos afirmar, como regra, que a deficiente aplicação da lei ao caso con­
melhor permitir a distinção da “revisão por iniciativa dos sujeitos pas­ creto - o erro de direito - é de imputar aos serviços423.
sivos”), de que aqui iremos tratar, destina-se, em regra, a permitir a A questão não é, porém, totalmente linear: a aplicação da lei pela
reparação de erros cometidos pelos serviços que originaram liquida­ administração acontece relativamente a determinada realidade fac­
ções ilegais, em desfavor do sujeito passivo/contribuinte. tual, evidenciada pelo sujeito passivo nas suas declarações. Se a má
Poderíamos também considerar a hipótese da revisão oficiosa a aplicação da lei foi resultado de uma deficiente declaração dosfactos,
favor da administração fiscal, que aconteceria quando se constatasse, nenhuma responsabilidade pelo erro poderá ser imputada à adminis­
em sede de fiscalização, ter sido liquidado pela própria administração tração (assim, p. ex., no caso de o sujeito passivo se ter esquecido de
fiscal, tendo por base as declarações do sujeito passivo, ou por autoli­ declarar factos que lhe confeririam direito a determinadas deduções).
quidação, imposto inferior ao devido. Tal dará origem a uma liquida­ Há, porém, que ter em conta que o preenchimento das declarações
ção adicional. Porém, nestes casos não se pode falar, rigorosamente, tem implícito um certo grau de qualificação jurídica dos factos. Se,
de uma revisão, pois a primitiva liquidação permanece válida, sendo p. ex., na sua declaração de IRS, o sujeito passivo incluiu no “anexo”
“completada” por outro ato tributário pelo qual a administração fiscal relativo às mais-valias tributáveis uma mais-valia não sujeita a tribu­
liquida o montante em falta. Daí que a disciplina das liquidações adi­ tação, a administração fiscal (o sistema informático) fará a liquidação
cionais (tal como a das liquidações “normais”) se encontre nos vários em conformidade com o declarado, apurando um montante excessivo
códigos dos impostos. O direito a proceder a estas liquidações termina de coleta. Parece-nos, até por coerência sistemática com o que acon­
com o decurso do respetivo prazo de caducidade (art.° 45.° da LGT). tece nas situações de autoliquidação, que este erro (que é um erro de
direito) deve ser tido como imputável aos serviços.
Nos casos de autoliquidação, a lei equipara expressamente, ainda
28.1. Erro imputável aos serviços que só para efeitos de revisão, o erro (de direito ou de facto) cometido
pelo sujeito passivo a um erro cometido pelos serviços424.
A revisão do ato tributário por iniciativa da administração pres­ Esta equiparação, que é coerente com a situação criada pela cres­
supõe a existência de um erro imputável aos serviços422. cente “privatização” das tarefas de lançamento e liquidação, permite
que a revisão oficiosa da liquidação possa acontecer mesmo quando
Como decidiu o STA no seu Ac. de 2 2 -0 3 -2 0 1 1 , rec. n.° não tenha tido lugar uma outra forma de reação por iniciativa do
0100 9/1 0 , o «erro imputável aos serviços» constante do artigo 78.°, n.° 1 sujeito passivo.
infine da LGT compreende o erro de direito cometido pelos mesmos que
não apenas o simples lapso, erro material ou de facto, como aliás escla­
Como concluiu o STA, no seu Acórdão de 28-11-2007, rec. n.°
rece o n.° 3 do artigo 78° da LGT (cf. C a s a lt a N a b a is, «A Revisão dos
0532/07, d e que fo i relator J o rg e d e S ou sa, o a lca n ce do n.° 2 do art.° 78.°
Atos Tributários», Por um Estado Fiscal Suportável: Estudos de Direito
Fiscal, Volume Hl, Coimbra, Almedina, 2010, p. 236). 423 Ac. do STA de 17-05-2006, rec. n.° 016/16.
424 Recusando a possibilidade de revisão oficiosa de uma liquidação
421 Vd., por todos, Cardoso da C osta , Curso de Direito Fiscal, 1972, p. 422 ss. por entender não ter existido erro, cometido pelo sujeito passivo em sede de
422 y er Antómo Moura P ortugal , «A revisão do acto tributário na recente , j autoliquidação, o Ac. n.° 48/2012, proferido em processo de arbitragem tributária,
jurisprudência fiscal portuguesa». de que foi relator Jorge de S ousa , disponível em www.caad.org.pt.
206 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 207

da LGT, ao estabelecer que, para efeitos de admissibilidade de revisão 28.3. Revisão oficiosa e sentença judicial
do ato tributário, se consideram imputáveis à administração tributária os
erros na autoliquidação, foi o de alargar as possibilidades de revisão nes­ Poderá ser objeto de “revisão oficiosa” uma liquidação que haja
tas situações de autoliquidação, em relação às que existiam no domínio sido objeto de impugnação judicial e que o Tribunal haja mantido por­
do CPT, solução esta que está em sintoma com a diretriz primordial da que a entendeu conforme à lei?
autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a LGT, A questão é complexa, uma vez que as decisões dos tribunais são
que era a de reforço das garantias dos contribuintes. obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem
Aquele art.° 78.°, n.° 2, seria organicamente inconstitucional, por ser sobre as de quaisquer outras autoridades (art.° 205.° n.° 2 da CRP).
incompatível com aquele sentido da autorização legislativa, se fosse inter­ Sem prejuízo de melhor análise, diremos que o atual processo
pretado por forma que se reconduza a que a revisão oficiosa, em casos de de impugnação aparece ainda estruturado como sendo um conten­
autoliquidação, só fosse possível quando o contribuinte tivesse previamente cioso de mera anulação. Por regra, a improcedência da impugnação
apresentado reclamação graciosa e impugnação judicial da autoliquidação. não significará que o tribunal fez sua a decisão da administração (que
atribuiu a esta força de sentença), mas apenas que não reconheceu o
vício invocado como causa de pedir da declaração de anulação (ou
seja, não declarou a liquidação ilegal por essa razão).
28.2. Prazo
Nestes casos, a decisão administrativa mantém plena vigência426,
pelo que entendemos que pode ser revista pela própria administração,
A revisão oficiosa pode ter lugar no prazo de quatro anos con­
nos mesmos termos em que esta o pode fazer relativamente a uma
tados da liquidação (melhor, da notificação da liquidação, uma vez
decisão cuja legalidade não haja sido objeto de controlo judicial, sem­
que a comunicação ao interessado é requisito da sua eficácia), ou a pre que o vício invocado como fundamento da revisão seja outro que
todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago (art.° 78.°, n.° 1, não os apreciados pelo tribunal.
da LGT).
O que parece ser uma solução razoável: por um lado, deverá
decorrer um prazo relativamente longo antes que deixe de ser possí­ 28.4. O procedimento de revisão excecional
vel reparar uma ilegalidade imputável apropria administração425; por
outro, enquanto o tributo não estiver cobrado (o “processo” não estiver Como vimos, a revisão oficiosa do ato tributário, regulada no n.°
encerrado) deverá ser possível a reparação do erro. Seria difícil com­ 1 do art.° 78.° da LGT, pressupõe a existência de um erro imputável à
preender que a administração, em razão do decurso de determinado^ administração fiscal.
prazo, fosse obrigada a persistir na cobrança de um imposto ilegal, ■ A Porem, o n.° 4 de tal norma determina que o dirigente máximo
quando a causa de tal ilegalidade lhe é imputável. do serviço pode427 autorizar, excecionalmente, nos três anos poste-

426 Assim, p. ex., o processo de execução, suspenso - pelo menos após a


i;penhora - em razão da pendência do processo de impugnação prossegue, continuando
título executivo a ser a liquidação administrativa e não a sentença judicial.
&- 427 Trata-se, obviamente, de um poder-dever (cf. Ac. do STA de 02-11-2011,
425 P r a z o q u e , normalmente, c o in c id ir á c o m a q u e le e m q u e é p o ssív el à :rec. n.° 329/11), passível, portanto, de controlo judiciai (cf. Ac. do STA, de 26-05-
a d m in istr a ç ã o p ro c ed er a u m a liq u id a ç ã o ad icion al.
IgOlO, rec. n.° 674/09).
208 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 209

riores ao do ato tributário428, a revisão da matéria tributável apurada Nos demais casos, em que por a nova decisão não resultar evi­
com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não dente se torna necessário um reexame mais profundo da situação, terá
seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. Ou seja, que estar em causa uma injustiça grave, que a lei (n.° 5 do art.° 78.° da
neste caso, a lei prescinde da verificação do requisito “erro imputável LGT) define como aquela de que resultou uma tributação manifesta­
aos serviços”. mente exagerada e desproporcionada com a realidade. Caberá aos tri­
Esta possibilidade acontece, apenas, quando esteja em causa um bunais preencher, nos casos concretos que sejam chamados a decidir,
erro na quantificação da matéria coletável. Porque a lei não distingue, estes conceitos indeterminados de “exagerada” e “desproporcionada”.
entendemos que esta revisão é possível quer o erro se refira a quantifi­ Apenas salientaremos o seu carácter relativo: não deverão relevar os
cações feitas com base nas declarações dos contribuintes, quer feitas valores monetários em causa, mas a diferença (talvez melhor, a pro­
pela própria administração (na falta de declaração ou ao corrigir os porção) entre aquilo que era realmente devido e o que o sujeito pas­
valores declarados, sejam tais correções “diretas” [técnicas ou arit­ sivo pagou ou se veria obrigado a pagar. O que para uns será mera
méticas] ou feitas com recurso a avaliação indireta), pois o que está ‘■discrepância” no valor do imposto, para outros resultará numa tribu­
em causa é um “remédio último” para situações de flagrante injustiça. tação intolerável.
Tendo a quantificação sido feita pelo próprio sujeito passivo em Ao n.° 4 do art° 78.° da LGT foi feito, em 2005, um acrescento
sede de autoliquidação, não haverá, na generalidade dos casos, neces- | que resultou no estipular de mais uma condição para que esta forma
sidade de recurso ao instituto da revisão excecional, pois existindo f de revisão possa acontecer: que “o erro não seja imputável a compor­
erro, mesmo que factual, este é considerado imputável aos serviços, J tamento negligente do contribuinte”.
pelo que a liquidação (e, consequentemente, a quantificação da maté­ Temos dificuldade em precisar qual o preciso sentido a retirar
ria coletável em que se baseou) pode, em princípio, ser revista, den­ desta adição. Partimos do pressuposto que com ela se pretendeu restrin-
tro de um prazo maior (quatro anos), sem necessidade de invocação §f gir a possibilidade de recurso a este procedimento. Parece-nos ser de
e prova de injustiça grave ou notória. : excluir uma interpretação meramente literal do preceito, pois conduzi­
Este procedimento excecional de revisão da quantificação da da ou a resultados absurdos (p. ex., que a revisão seria possível quando
matéria coletável, quando a favor do contribuinte, tem como pres­ o erro resultasse de dolo do contribuinte, mas não quando derivasse
suposto uma injustiça grave ou notória (que a manutenção do valor;4 de uma qualquer ação ou omissão negligente) ou a um quase esvazia­
fixado para a matéria coletável e da consequente liquidação do imposto :í mento do instituto (o erro só relevaria quando a culpa pelo seu cometi­
consubstanciem uma tal situação). Injustiça notória será aquela que I mento fosse de terceiro). Sem prejuízo de maior reflexão, entendemos
resulta evidente, nomeadamente no confronto com prova documental. ^ efensável a posição de que o aditamento em questão visou excluir a
Nestes casos, a “gravidade” da injustiça cometida não relevará, coma ‘possibilidade desta revisão excecional quando o vício factual imputá­
parece dever concluir-se do uso da disjuntiva ou no texto legal. O que | vel à liquidação que se pretende rever não seja resultante de um erro
se compreende, dada a simplicidade da decisão a ser tomada. ^desculpável do interessado.
|§fe O único caso em que há sempre lugar à revisão oficiosa (em que a
428 A fórmula usada no art.° 78.°, n.° 3 da LGT (“prazo de três anos posteriores;^ Ifi considera existir sempre injustiça grave e notória) é o da duplicação
ao do ato tributário”) deve ser interpretada no sentido de o termo inicial do pedido^ ffacoleta. Neste caso, a revisão pode ter lugar no prazo de 4 anos (n.°
de revisão da matéria coletável com fundamento em injustiça grave ou notória ser;^
£do art.° 78.° da LGT), posteriores à segunda liquidação ou à segunda
a data da liquidação e, o termo final o último dia do ano civil após a liquidação”
Ac. do STA de 28-04-2010, rec. n.° 01020/09, relator Pimenta do Vale. s# >sobrança (quando não tenha tido lugar uma segunda liquidação).
210 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 211

Entendemos que o procedimento de revisão regulado pelo art.° Ensaiemos, agora, uma via - ousada, é certo - para tentar dar
78.° da LGT deveria ser sempre dirigido a uma correção no interesse sentido útil à parte final do n.° 5 do art.° 78.° da LGT (possibilidade
do sujeito passivo. excecional de revisão da quantificação da matéria coletável com base
em “elevado prejuízo da Fazenda Nacional”). Comecemos pela inter­
A firm a L im a G uerreiro429 que a revisão regulada no presente rogação seguinte: poderá a administração fiscal, dentro do prazo em
artigo (...) é apenas a efetuada a favor do contribuinte, por iniciativa deste que acontece a caducidade do direito à liquidação, alterar, por várias
ou da administração tributária, estando a revisão a favor da administra­ vezes, a matéria coletável por ela fixada, procedendo a sucessivas
ção tributária disciplinada nos art.° 45.° e 46 .° (da LGT), que regem sobre liquidações adicionais?
a caducidade do direito à liquidação dos tributos. Atentando nas normas que preveem as hipóteses de liquidação
adicional (p. ex., art.° 89.° do CIRS, art.° 91.° do CIRC, art.° 82.° do
No entanto, há que reconhecer que o disposto na parte final do n.° ÇIVA), delas parece resultar que, relativamente a um determinado
5 do art° 78.° da LGT, que prevê que a injustiça grave se possa con­ facto tributário, poderão acontecer, sucessivamente, várias fixações da
substanciar em “elevado prejuízo para a Fazenda Nacional”, parece matéria coletável e consequentes liquidações adicionais. O que suscita
implicar a possibilidade de tal revisão ser motivada pelo interesse da J; a questão da constitucionalidade de tais normas, por colocarem em
administração tributária. j causa o princípio da segurança jurídica432.
Uma coisa nos parece certa: a decisão da administração em pro­ Não poderá a parte final do n.° 5 do art.° 78.° da LGT ser enten-
ceder, ainda que a título exeecional e dentro de um condicionalismo dida como condicionando a possibilidade de uma “segunda” fixação
mais apertado, a uma nova fixação da matéria coletável (em valor mais da matéria coletável, feita no interesse do credor do tributo, à existên-
elevado) não pode resultar num alargamento do prazo da caducidade;? cia de uma injustiça grave e notória traduzida num “elevado prejuízo
do direito à liquidação. Seria incompreensível - seria inconstitucio­ para a Fazenda Nacional”, o que poderia salvaguardar a constitucio-
nal - que de uma decisão tomada pela própria administração pudesse ; nalidade das normas acima citadas?
resultar o alargamento de um prazo que a lei fixa como garantia dos | ; O procedimento de revisão dos atos tributários regulado pelo art.°
contribuintes430. í 78.° da LGT não se confunde com os procedimentos de revisão pre-
A revisão da matéria coletável de que resulte mais imposto a pagar ; vistos em outras normas, como o procedimento de revisão da matéria
fica sempre condicionada pela possibilidade de dela fazer decorrer uma •coletável fixada por métodos indiretos, regulado nos art.° 91 ° ss, da
(nova) liquidação que seja notificada ao sujeito passivo dentro dos pra­ ■LGT, ou das “segundas avaliações” (p. ex., art.° 76.° do CIMI).
zos que a lei para tal prevê431.
expressis verbis aplicável apenas aos pedidos de revisão promovidos pelos
429 Lima G uerreiro , Lei G e r a l p. 343. contribuintes, visa evitar que, entre a data de tal pedido e a sua decisão, ocorra a
430 Casalta N a b a is , em «A revisão ... », p. 234, alerta para o facto de, a; caducidade do poder da administração para rever o ato, o que a impediria de poder
admitir-se esta revisão a favor da administração fiscal, tal “pode significar um efetivçfe Idecidir do requerido.
alargamento do prazo de caducidade dos tributos, uma vez que a administração- Neste sentido, ainda que em mero obiter dictum, o Ac. do STA de 12-
tributária que não tenha procedido à revisão do ato tributário durante o decurso ||2.-2003, rec. n.° 0817/02, relatado por A lm eid a Lopes: “note-se que todas estas
prazo de caducidade, ainda a pode vir a fazer até ao esgotamento do prazo de tresí jliquidações revistas [as em causa nos autos] foram favoráveis à recorrente. Se
anos posteriores ao do ato tributário” Jlpssem desfavoráveis, poderia levantar-se aqui uma questão de constitucionalidade
431 O disposto no n.° 6 do art.° 78.° da LGT, segundo o qual o pedido dò' ifÉí lei que permite revisões sucessivas dos atos tributários, contra o princípio da
contribuinte interrompe a contagem do prazo em que a revisão oficiosa é possívé ||egurança jurídica”.
212 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 213

Nestes casos, dada a índole essencialmente técnica (não jurídica) Nas palavras do Ac. do STA de 12-07-2006, rec. n.° 0402/06,
das questões que se colocam relativamente à quantificação de maté­ de que foi relator J orge d e S ousa ,
ria coletável, a lei prevê uma segunda oportunidade para a adminis­ “I - Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e
tração fiscal repensar a sua decisão, em diferente contexto e maiores de impugnação judicial, a administração tributária tem o dever de revo­
garantias de contraditório, dada a presença em tais procedimentos de gar atos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com
representantes ou peritos nomeados pelos contribuintes. os lim ites temporais referidos no art. 78.° da L.G.T.
Estes procedimentos de revisão antecedem a liquidação; a revisão II - O dever de a administração efetuar a revisão de atos tributários,
regulada pelos n.° 4 e 5 do art.° 78.° da LGT acontece após a quanti­ quando detetar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em rela­
ficação da matéria coletável se ter tornado “definitiva”, muitas vezes, ção a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da
após o imposto liquidado se mostrar pago. legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade
Por estarem em causa diferentes procedimentos (com diferentes da sua atividade (art. 2 6 6 ”, n.° 2, da C.R.P. e 55.° da L.G.T.), impõem que
objetos - revisão da matéria coletável / revisão da liquidação - e dife­ sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos lim ites temporais fixados no
art. 78.° da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arre­
rentes pressupostos), podem cumular-se. P. ex., estando em causa uma
cadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei.
injustiça grave ou notória, pode ser revista oficiosamente uma fixa­
III - A revisão do ato tributário com fundamento em erro imputável
ção da matéria coletável por métodos indiretos que haja sido mantida
aos serviços deve ser efetuada pela administração tributária por sua pró­
pela decisão que pôs termo ao procedimento regulado nos art,° 91.° e
pria iniciativa, mas, como se conclui do n.° 7 (anterior n.° 6) do art. 78.°
ss. da LGT da L.G.T., o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro
dos lim ites temporais em que administração tributária o pode exercer.
IV - O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão,
28.5. O direito à revisão oficiosa mesmo nos casos em que não é formulado dentro do prazo da reclamação
administrativa mas dentro dos lim ites temporais em que a administração
A jurisprudência consagrou o entendimento, hoje pacífico, de que tributária pode rever o ato com fundamento em erro imputável aos ser­
a revisão “oficiosa” não é uma faculdade da administração fiscal, mas viços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.°,
sim um poder-dever. n.°s 1 e 2, alínea d), da L.G.T.].
Tal entendimento dá importante concretização prática ao princípio VI - O meio procedimental de revisão do ato tributário não pode
da legalidade dos impostos: só são exigíveis os impostos que resultem ser considerado como um meio excecional para reagir contra as conse­
dos exatos termos da lei, apenas deverá haver lugar a tributação nas quências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos
circunstâncias factuais tipificadas nas normas de incidência. Quando meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em
for constatada a violação da lei ou um erro de facto grave, a adminis­ momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar
tração tem a obrigação de repor a legalidade. deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios
Daqui decorrem importantes consequências: a) o interessado impugnatórios do ato de liquidação).”
pode, por requerimento dirigido à administração, impulsionar o pedido
de revisão; b) a decisão administrativa que versou sobre o requerido Este entendimento - que entendemos correto, pois damos prima­
é passível de controlo judicial. zia ao valor da legalidade na tributação, quando em confronto com
o valor da estabilidade das relações jurídico-tributárias - é criticado
214 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 215

por muitos, por abrir nova possibilidade de recurso à via contenciosa, passivos e suprir, quando e sempre que necessário, uma qualquer pres­
depois (por vezes, muito depois) de terem decorrido os prazos em que tação insuficiente desses deveres435.
a impugnação seria possível433. Daí a importância crescente dos procedimentos inspetivos436, o
Não devendo este meio procedimental ser havido por excecio­ que levou o legislador a regulá-los em diploma autónomo, o Regime
nal (desde logo, não devem as normas que o regulam, nomeadamente Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT).
quanto à sua admissibilidade, ser interpretadas restritivamente), o certo O que nos parece ter sido uma opção acertada, pois, para além de
é que a lei o condiciona à verificação de determinados pressupostos
assim se evitar a dispersão legislativa437(antes, tais matérias apareciam
(relativos ao erro, a quem deve ser imputado e, sendo o caso, à gravi­
reguladas nos diferentes códigos dos impostos, nem sempre unifor­
dade ou notoriedade da injustiça cometida).
Tais pressupostos procedimentais devem ser alegados pelo reque­ memente), há que ter presente que estamos perante normas que têm
rente, pelo que nos parece correta a orientação administrativa de que como destinatário principal os próprios serviços (trata-se, no essencial,
os serviços não devem enveredar pela convolação das petições em de concretizar como devem levar a cabo as suas tarefas de fiscaliza­
pedidos de revisão sempre que os prazos de reclamação ou de impug­ ção), enquanto os códigos dos impostos têm como primeiro destina­
nação tenham expirado. tário os sujeitos passivos, pois - como repetidamente vimos referindo
Somos, assim, confrontados com nova questão processual: na - é a estes que, cada vez mais, cabe, em primeira linha, interpretar e
hipótese de a administração fiscal decidir pelo indeferimento de tal aplicar a lei fiscal.
requerimento, por entender ocorrer uma exceção que obsta ao conhe­ Ainda que dominado pelos princípios gerais do procedimento
cimento do seu mérito, qual a forma de processo a utilizar no recurso tributário, existe neste procedimento a concessão de irrecusáveis438
judicial de tal decisão? faculdades discricionárias à administração fiscal, quer na seleção dos
contribuintes a serem inspecionados439, quer na determinação dos atos
O STA, no seu Acórdão de 04-02-2004, rec. n.° 01846/03, inspetivos que, em concreto, serão realizados.
de que foi relator V íto r M eira , entendeu - parece-nos que bem - Outro traço distintivo deste procedimento será o da sua (relativa)
que o meio processual para reagir contra o ato administrativo que decide^
irrepetibilidade. Cada sujeito passivo só deverá ser alvo de uma única
pela extemporaneidade do pedido de revisão, que por isso o não aprecia, 6
o recurso contencioso e imo a impugnação por não estar em causa a apre­
ciação da legalidade do ato de liquidação.
435 S a l d a n h a S anches , A Quantificação..., 1995, p. 382.
436 Sobre esta evolução, José António Costa A lves /Jesuíno Alcântara Martins,
Manual..., p. 116 ss.
29. O procedimento de inspeção434 437 Dispersão que-nas palavras do preâmbulo de tal diploma-, na perspetiva
dos sujeitos passivos, dificulta a compreensão do procedimento e o conhecimento
A tarefa principal da administração fiscal é, hoje, a de verifi­ das suas garantias.
car o cumprimento dos deveres de cooperação por parte dos sujeitos ? 438 Irrecusável porquanto a tipíficação (a prévia definição legal de quem,
quando e como iria ser inspecionado) redundaria numa (absurda) total falta de
433 Assim Casalta N a ba is , «A revisão dos atos tributários», p. 245. eficácia dos procedimentos inspetivos.
434 Apenas referiremos aqui os procedimentos de inspeção cuja iniciativa 439 Cf. os art.° 23.° a 27.° do RCPIT, onde se prevê a existência de um Plano
pertence à administração fiscal. Sobre tais procedimentos, quando a iniciativa^ Nacional de Atividades da Inspeção Tributária, cujos critérios gerais devem ser
é dos sujeitos passivos ou de outros cf. supra, 11, Procedimento de inspeção pò|| Itomados públicos, e, ainda, as prioridades a serem observadas na seleção de quais
iniciativa do sujeito passivo e procedimento de avaliação prévia. ?os concretos sujeitos passivos a serem inspecionados.
216 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 217

inspeção extema, relativamente a um determinado imposto e período Os procedimentos internos são hoje, em larga medida, feitos por
(art.° 63.°, n.° 4 da LGT)440. meios informáticos, através do cruzamento de dados que, por dife­
Exceções serão as inspeções feitas no interesse do contribuinte rentes vias, entraram no “sistema”, sendo que a sua regulamentação
(p. ex., para verificação da existência dos pressupostos dos benefícios assume, essencialmente, relevância organizativa.
fiscais por ele invocados; para instrução de reclamações ou recursos Porém, os sujeitos passivos, em nome do princípio da colaboração,
judiciais por ele interpostos) e as motivadas por factos novos (enten­ podem ser notificados para apresentar, nos próprios serviços, docu­
didos aqui como factos subjetivamente novos, ou seja factos que só mentos que tenham em seu podei444 ou para esclarecer ou justificar
chegaram ao conhecimento da administração fiscal após a conclusão determinados elementos das suas declarações.
da primeira inspeçao e de que esta, razoavelmente, não se poderia Sempre que de tais controlos internos resulte a intenção de tomar
ter apercebido no decurso do procedimento inspetivo já efetuado445). uma decisão desfavorável ao sujeito passivo (p. ex., efetuar uma liqui­
A lei (art.° 12.° a 15.° do RCPIT) procede a várias classificações dação adicional), este será, necessariamente, notificado para, querendo,
dos procedimentos de inspeção tributária: exercer o seu direito de audição prévia.
- quanto aosfins, distinguindo entre procedimentos de compro­ O procedimento externo é, obviamente, o mais relevante, pelo
vação e verificação (as típicas ações de inspeção), dirigidos ao que, a seguir, nos deteremos mais na sua análise:
controlo do cumprimento das obrigações tributárias por parte - quanto ao âmbito e extensão, temos procedimentos globais, em
dos a elas sujeitos, e procedimentos de informação dirigidos,
que a inspeção visa a comprovação da totalidade da situação
p. ex., à instrução de outros procedimentos (p. ex., reclamações
tributária do sujeito passivo relativamente a determinado perí­
graciosas) ou processos (p. ex., de impugnação442);
odo445, e procedimentos limitados (parciais) quando tenham
- quanto ao lugar de realização, distinguindo entre procedimen­
como objeto apenas alguns tributos ou o cumprimento de, ape­
tos internos e externos, consoante ocorram apenas nos serviços ^
nas, determinados deveres.
ou aconteçam, também, fora deles, p. ex., em instalações dos
sujeitos passivos443.
•originar uma suspensão da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação),
440 Numa segunda ação inspetiva externa, a AF não pode, por lhe não ser pelo que terá que assentar em elementos substantivos e não no nome que lhes foi
consentido pelo n.° 4 do art.° 63.° da LGT, em relação ao mesmo sujeito passivo, ("atribuído pela A F. Para maiores desenvolvimentos, Nuno de Oliveira G arcia / Rita
conhecer de factos que, à luz dos deveres normais de diligência da inspeção; IÇarvalho Nunes, «Inspeção tributária externa ...», p. 253 ss.
tributária, devia conhecer, posto que não tivesse efetivamente conhecido, aquando; ,> 444 A título de exemplo, os documentos comprovativos dos rendimentos
da realização da primeira ação (Ac. do TCA/Norte de 20-12-2005, rec. n.° 00079/02, í; auferidos, das deduções e outros factos ou situações mencionados nas declarações
relator M oisés R odrigues ).
ide IRS (art.° 128.° do CIRS).
Para maiores desenvolvimentos, Nuno de Oliveira G arcia / Rita Carvalho Nunes| : 445 Na realidade, nunca existirão procedimentos inspetivos globais porquanto
«Inspeção tributária extema e a relevância dos atos materiais de inspeção», p. 259 ss.:* pada administração fiscal apenas tem competência para decidir quanto à situação
441 Lima G uerreiro , Lei Geral Tributária, p. 292 ss. il# ftributária do sujeito passivo relativamente aos tributos por ela administrados. Assim,
442 Cf. art° 10.°, a° 1, aLh), do CPPT. É também relativamente frequente os tribuna»! #.ex., é frequente que, no quadro de uma ação inspetiva realizada pela DGCI sejam
comuns solicitarem a colaboração da DGCI para a realização de, p. ex., exames peridaist "éetetadas infrações relativas a tributos da competência de outras administrações (p.
à contabilidade de uma das partes, paraprodução de prova em processos neles pendentes; $x., impostos especiais sobre o consumo, da competência da DGAIEC), sendo que,
443 A distinção entre estas duas formas de inspeção tem consequências vSião, a entidade que realiza a inspeção informará a entidade competente daquilo
relevantes (desde logo, o facto de só as inspeções externas serem suscetíveis d" ue apurou para esta, sendo o caso, dar o devido seguimento.
218 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 219

Um mesmo procedimento inspetivo poderá abranger diferentes Compreende-se a delimitação do objeto da inspeção, especial­
sujeitos passivos, em razão da sua especial relação com aquilo que se mente nos casos em que deva haver lugar à notificação prévia da sua
quer averiguar, como sejam, p. ex., as sociedades sujeitas ao regime realização (de outro modo, uma tal notificação perderia grande parte
de transparência fiscal e respetivos sócios ou as sociedades sujeitas do seu sentido). Porém, tal é sucetível de reduzir a eficácia da atividade
ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (art.° 2°, inspetiva (pense-se na hipótese de se constatar a existência de práticas
n.° 3 e 4 do RCPIT). ilegais com carácter repetitivo que, provavelmente, terão acontecido em
outros períodos ou terão relevância para outros impostos). Mais ainda,
a análise do que aconteceu em determinado período pode implicar a
29.1. Tramitação necessidade de uma investigação temporalmente mais abrangente448.
A data do início da ação inspetiva tem importância prática rele­
Normalmente, o sujeito passivo terá conhecimento prévio da rea­ vante, nomeadamente quanto à contagem dos prazos da sua duração
lização da inspeção externa através de um aviso que lhe será remetido e consequente suspensão da caducidade do direito à liquidação dos
com uma antecedência não inferior a 5 dias, na qual lhe é comunicado tributos incluídos no seu objeto (tal como resulte da ordem de serviço
o objeto da inspeção e o informará dos seus direitos, deveres e garan­ ou despacho que a ordenou), como veremos adiante449.
tias (art.° 49.° do RCPIT). Seguir-se-ão então os atos de inspeção propriamente ditos.
Compreende-se tal notificação, porque, ao permitir ao sujeito pas- Estes terão lugar onde tal se mostre necessário, normalmente em
sivo “preparar-se” para inspeção, redundará, as mais das vezes, em ' instalações do sujeito passivo450(os quais, no possível, deverão dispo-
economia de tempo e esforço de todos os intervenientes. mbilizar um espaço adequado para os inspetores efetuarem o seu tra­
Mas também se compreende que a lei excecione a obrigação do -ç balho - art.° 28.°, n.° 2, al. b) do RCPIT) e, por princípio, decorrerão
envio deste aviso nas hipóteses enumeradas no n.° 1 do art.° 50.° do de forma contínua (art.° 53.° do RCPIT), no horário de normal funcio­
RCPIT, nomeadamente quando o conhecimento prévio da diligência | namento da entidade inspecionada (art.° 35.° do RCPIT).
implique o risco da sua frustração ou quando o objeto da inspeção seja 'M í Os atos de inspeção terão, consoante os casos, diferentes conteú­
apenas a consulta/recolha de (determinados) documentos446. ; dos, como p. ex., a consulta e, eventualmente, a reprodução de docu­
O procedimento de inspeção externa considera-se iniciado com ag mentos que possam ser úteis para o apuramento da situação tributária
assinatura (pelo sujeito passivo ou seu representante ou, na sua falta, p : :rem causa (do sujeito passivo ou de terceiros), inventariação física de
seu TOC ou qualquer empregado ou colaborador que esteja presente447)*! stocks, testes de programas informáticos, recolha de declarações, etc.
da ordem de serviço ou despacho que o ordenou. Em tal documento
aparecem concretizados o âmbito (os impostos em causa) e a extensão?
lit e 448 Veja-se o Acórdão do TCA Norte de 3-02-2011, rec. n." 1273/10, que analisou
(período temporal) da ação inspetiva, informações que já deverão teai "jquestão dos limites temporais de uma ação inspetiva (da sua ultrapassagem) à luz
constado da "notificação prévia”, tendo esta tido lugar. “'o princípio da proporcionalidade.
:à; 449 Considerando a falta de notificação do início do procedimento de inspeção
vício formal suscetível de ferir de anulabilidade (por caducidade) a subsequente
^uidação, cf. o Ac. do STA de 4-5-2011, rec. n.° 9/11.
446 Será, p. ex., o caso dos procedimentos de informação. ;V:;' 450 A maioria das vezes no estabelecimento ou instalação onde está
447 Art.0 51.° do RCPIT. Como é lógico, a recusa de assinatura não obstará ieçntralizada a escrita do sujeito passivo, o qual pode não ser o lugar da sua sede
início do procedimento inspetivo. ç£-art.° 125.° do CIRC).
Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 221
220

Se necessário - agindo segundo o princípio da proporcionalidade será o de o informar que cessaram os seus deveres de colaboração na
- os inspetores poderão apreender documentos, selar, total ou parcial­ realização de atos inspetivos.
mente, instalações, visar livros e outros documentos e, ainda, propor Caso da inspeção resulte a intenção de ser tomada uma decisão
o recurso a procedimentos cautelares de natureza judicial, como o desfavorável ao inspecionado (p. ex., liquidação (ões) adicional (ais),
arresto (art.° 30.° e 31.° do RCPIT), podendo requisitar a colaboração revogação de benefícios fiscais) seguir-se-á a feitura do projeto de
das autoridades policiais. relatório final457, o qual deverá respeitar o formalismo previsto no art.°
Existem, obviamente, limites à atuação inspetiva, nomeadamente, 62.° do RCPIT.
os decorrentes do respeito por direitos e garantias dos cidadãos consti­ O interessado será, então, notificado para, querendo, exercer o seu
tucionalmente consagrados, no acesso a factos relativos à vida íntima451, direito de audição prévia, ao que se seguirá a notificação da decisão
à habitação452, à consulta de elementos protegidos por segredo profis­ final e, eventualmente, a da consequente liquidação.
sional e outros legalmente regulados ou pelo sigilo bancário453 (art°
63.°, n.° 2 e 5 da LGT), limites esses que, quando não disponíveis454,
só podem ser ultrapassados com autorização do tribunal comum (n.° 29.2. Prazos
6) e sempre com observância de outras normas legais aplicáveis455.
Terminados os atos de inspeção, será entregue ao inspecionado O procedimento de inspeção tributária tem um prazo máximo
uma nota de diligência (art.° 61.° do RCPIT), cujo significado maioi456 de duração de seis meses (art.° 36.°, n.° 2 do RCPIT), eventualmente
prorrogável por dois períodos de 3 meses, verificada que seja uma das
451 Assim, p. ex., não poderão ser objeto de controlo, sem autorização ju­ hipóteses previstas no n.° 3 de tal norma. As decisões de eventuais
dicial, as situações de união ou separação de facto invocadas como razão para a prorrogações terão que ser notificadas ao contribuinte, com indicação
apresentação de declarações conjuntas ou separadas, em IRS. Sobre a relevância
da data previsível para o fim do procedimento458.
prática da entrega de declarações separadas no contexto do processo de execução,
c f o nosso A Execução Fiscal, p. 112. 457 Muito embora normalmente designado por Projeto de Conclusões de Re­
452 Sendo o domicílio profissional ou a sede de uma sociedade na casa de
latório, trata-se, verdadeiramente, de um relatório final, ainda que provisório. Como
habitação do sujeito passivo (ou de terceiro), a inspeção não poderá aí ter lugar
dizem José Costa A lves /Jesuíno Alcântara Martins, Manual..., p. 137, sendo este
havendo oposição dos moradores, pelo que, na falta de acordo quanto a outro local ■
documento destinado ao exercício do direito de audição prévia do contribuinte, im­
para a sua realização, terá lugar nas instalações dos Serviços (n.° 2 e 4 do art.” 34.°;
porta que a descrição dos factos seja clara e sucinta, contendo toda a informação
do RCPIT), para aonde o sujeito passivo terá que fazer transportar os documentos
necessária à compreensão das situações que estão em causa, designadamente aquelas
e mais elementos necessários. à que os factos se reportam, identificando os documentos da escrita ou os documentos
453 i np a> n ° 3 2 , Procedimento de acesso a informações bancárias.
em posse do contribuinte ou por este acedíveis. Na prática, este projeto tem todos os
454 P. ex., o consentimento do interessado (do ou dos titulares das contas
elementos que o relatório final da inspeção terá e, eventualmente - caso o contribuinte
bancárias) será suficiente para a AF ter acesso a informação protegida pelo sigilo
não exerça o direito de audição - o seu teor será semelhante ao do relatório final.
bancário, sem dependência do formalismo constante do art.° 63.°-B da LGT. Mas
Assim sendo [acrescentamos nós], não constando do projeto de relatório no­
já o segredo profissional tem subjacente um interesse público, pelo que não bastará
tificado ao interessado todos os elementos que ele deve conter, estaremos perante
consentimento do interessado (cf., a título de exemplo, o n.° 4 do art.° 87.° do Estatuto
um caso de notificação insuficiente, pelo que o interessado poderá lançar mão do
da Ordem dos Advogados (EGA)). disposto no art.° 37.°,n.° 1, da LGT, com a consequente suspensão do prazo para o
455 Cf., p. ex., os art.0 70.° e 71.° do EOA, relativo a buscas e apreensão de
j exercício do direito de audição prévia, até ser notificado dos elementos em falta,
documentos em escritórios de advogados.
436 Normalmente, a nota de diligência mencionará quais os atos inspetivos
p: 458 Pensamos que a notificação deve acontecer antes do termo do prazo em
; curso. Certo é que não poderão ser realizados, por iniciativa da administração,
realizados (art.° 61.°, n.° 2, do RCPIT).
222 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 223

Existem causas de suspensão da contagem de tal prazo, decorren­ A jurisprudência do STA461parece ser unânime no sentido - que
tes de “incidentes” imputáveis ao inspecionado ou a terceiros, como nos parece correto - de que o prolongamento da inspeção, para além
sejam a mora daquele (relativamente ao prazo fixado) na apresentação do prazo de seis meses (mesmo não sendo o sujeito passivo formal­
de documentos que hajam sido solicitados. mente notificado da prorrogação), apenas tem consequências ao nível
A questão da contagem do tempo de duração da inspeção externa da (não) suspensão do prazo de caducidade, não constituindo irregu­
é importante na medida em que está diretamente associada à suspen­ laridade procedimental invalidante das liquidações dele decorrentes.
são do prazo de caducidade do direito à liquidação.
Dispõe o art° 46.°, n.° 1, da LGT que tal prazo se suspende com a
notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou 29.3. Garantias dos inspecionados
despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto,
esse efeito (contando-se então o prazo desde o seu início) caso a dura­ Mais que a descrição dos atos de inspeção, interessará focar a
ção da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após questão dos direitos e garantias do inspecionado no quadro deste
tal notificação. procedimento462.
Assim: a) a data de início do procedimento de inspeção externa é O RCPIT é claro em afirmar o dever de colaboração dos inspecio­
aquela em que o inspecionado, ou alguém em sua substituição, assinou nados e das pessoas ao seu serviço, sendo que a violação de tal dever (a
(ou se recusou a assinar) o exemplar, que lhe foi presente, da ordem de oposição à ação inspetiva ou, tão só, a ilegítima recusa de colaboração)
serviço ou despacho que determinou a sua realização (art.° 51.°, n.° 2, pode fazer o infrator incorrer em sanções disciplinares463, contraor-
do RCPIT); b) a data de conclusão do procedimento de inspeção tri­ denacionais e até criminais (art.° 32.° do RCPIT), para além de poder
butária é a data em que o interessado foi (ou a lei considera ter sido) ser fundamento de recurso à avaliação indireta (art.°. 10.° do RCPIT).
notificado da decisão final (do relatório de inspeção definitivo)459; c) O sujeito passivo (ou, no caso das pessoas coletivas, os seus legais
a duração do procedimento é o tempo que medeia entre essas duas representantes), não o querendo fazer pessoalmente, deverá, no início
datas, descontado o tempo em que a contagem de tal prazo se deva do procedimento, indicar alguém para ser o “contato” dos inspetores
considerar suspensa; d) se a duração da inspeção externa for inferior e facilitar as necessárias diligências (art.° 52 ° do RCPIT).
a seis meses, o prazo de suspensão da caducidade do direito à liquida­
ção é acrescido do tempo de duração da inspeção, contado na forma
indicada; e) se a duração da inspeção for superior a seis meses, não há inspeção deverá estar concluída), a lei “penaliza” a prática administrativa de as
lugar a qualquer acréscimo aos prazos gerais de caducidade do direito inspeções terem, sistematicamente, lugar apenas quando está prestes a expirar o
à liquidação, previstos no art.° 45.° da LGT460. prazo de caducidade do direito à liquidação, o qual é uma garantia do contribuinte,
uma exigência de certeza e segurança própria de um estado de direito.
novos atos de inspeção após a assinatura da nota de diligência (uma vez que esta Aliás, o facto de as inspeções acontecerem, por regra, anos depois do período
consubstancia a decisão administrativa de encerramento desta fase procedimental). a que se referem resulta sempre penalizador para os contribuintes, desde logo em
Porém, entendemos —no seguimento do que dissemos sobre o exercício do direito razão de uma eventual obrigação de pagamento de juros compensatórios.
ao contraditório - que, posteriormente, podem ser realizados mais atos de inspeção 465 P. ex., Ac. de 29-11-1996 (rec. n.° 0695/06), de 27-02-2008 (rec. n.°
para prova dos factos novos alegados pelo sujeito passivo em sede de audição prévia. 0955/07) e de 07-05-2008 (rec. n.° 0102/08).
459 P. ex., Ac. do STA de 16-09-2009 (rec. n.° 0473/09). 462 Para maiores desenvolvimentos, Joaquim Freitas da R ocha , «O controlo
460 Mais que “penalizar” as inspeções demoradas (compreende-se a existência do controlo tributário: meios reativos à inspeção tributária».
de circunstâncias que obrigam à prorrogação do prazo em que, normalmente, uma 463 P. ex., sendo o infrator um TOC ou um ROC.
224 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 225

O sujeito passivo ou seus representantes e, ainda, os seus Téc­ tomada de declarações a testemunhas que possam contribuir para escla­
nico Oficial de Contas e Revisor Oficial de Contas (existindo este) são recer melhor a sua situação tributária, em ordem a infirmar as “conclu­
obrigados a estar presentes quando tal for considerado indispensável sões” que a inspeção possa vir a retirar de determinados documentos).
para a descoberta da verdade e a inspeção decorra em instalações do Um breve paralelismo com o que acontece em processo penal
sujeito passivo (art° 54.°, n.° 1, do RCPIT). mostra bem a conveniência de à fase da investigação propriamente dita
Como direitos do inspecionado temos, expressamente consa­ (iinquérito), dominada pelo princípio da investigação e determinado
grado, o de estar presente, querendo, nas diligências inspetivas rea­ grau de secretismo, se seguir uma outra fase, submetida ao princípio
lizadas em instalações suas, podendo fazer-se acompanhar por um do contraditório (instrução) na qual o investigado, tendo já acesso
perito especializado (n.° 2 e 3 do art.° 54.° do RCPIT). pleno aos autos, procurará demonstrar as razões da sua discordância
Para além da magna questão de saber como conciliar os deve­ relativamente às conclusões logradas na fase anterior (à acusação),
res de colaboração que a lei faz impender sobre os inspecionados e podendo alegar outros factos, requerer a produção de mais prova e/ou
outras pessoas com o direito ao silêncio464 (uma vez que, frequente­ invocar razões de direito pelas quais, a seu ver, a acusação não deverá
mente, nas inspeções, havendo colaboração do sujeito passivo, serão ser mantida ou deverá ser alterada.
descobertos factos, cometidos por este, que são previstos e punidos, Ora, tal fase de instrução, verdadeiramente dominada pelo prin­
a título de crime ou contraordenação), há que procurar esclarecer se cípio do contraditório466, não existe, autonomizada, no procedimento
o procedimento de inspeção externa obedece ou não ao princípio do tributário de inspeção. A participação do interessado na decisão final
contraditório. acontece, essencialmente, através do direito de audição prévia. Se,
O art.° 8.° do RCPIT epigrafado, precisamente, de princípio do como vimos, a decisão final do procedimento inspetivo tem que ter
contraditório é pouco claro. Afirma a sujeição deste procedimento a em conta os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes
tal princípio, a ser exercido nos termos previstos em tal diploma, com (art.° 60.°, n.° 7 da LGT), o certo é que aqui não estão em causa ele­
a ressalva expressa de que tal direito não pode pôr em causa os obje- mentos (factos) novos, mas a realização de diligências que, eventual­
tivos das ações de inspeção tributária nem afetar o rigor, operaciona­ mente, conduziriam ao apuramento de novos (mais) elementos (factos).
lidade e eficácia que se lhe exigem. Num plano meramente teórico, a questão tem resposta simples:
Se percorrermos as diferentes disposições do RPCIT, encontra­ o princípio da investigação (da procura da verdade material) obriga
mos várias normas que pressupõem que o procedimento decorra num a que a inspeção realize todas as diligências razoavelmente necessá­
permanente diálogo entre os inspetores e os sujeitos passivos ou a pes­ rias à descoberta da verdade, nomeadamente as que forem sugeridas
soa por eles para tal designada. Mas tal diálogo aparece sempre pers- pelos inspecionados e que não sejam, manifestamente, dilatórias ou
petivado na ótica do dever de colaboração e não, propriamente, do impertinentes. O princípio da economia procedimental determinaria
exercício do direito ao contraditório. que tais diligências tivessem lugar no quadro do procedimento inspe­
Daí que não surpreenda que Autores particularmente posicio­ tivo em curso e não em momento posterior.
nados falem da existência de, apenas, um contraditório informal465. Mas o inspecionado, para além do exercício do seu direito a recla­
Assim, fica em aberto a questão de saber se o inspecionado tem mar, não dispõe de mecanismos que obriguem a administração a com-
o direito de exigir a produção de diligências complementares (p. ex.,

464 Supra, 2.5.2.1, Recusa legítima de colaboração. 466 De que é expressão máxima o debate instrutório que encerra esta fase
465 José Costa A l v e s / Jesuíno A . Martins, Manual..., p. 124. processual.
226 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 227

pletar a instrução procedimental, a realizar a produção de prova por 29.5. Atribuição de eficácia vinculativa ao relatório de inspeção
ele requerida.
E, tomada que seja a decisão definitiva, seguir-se-á, normalmente, O art." 64.° do RCPIT estipula que o sujeito passivo pode solicitar
a liquidação de imposto. É certo que o sujeito passivo disporá, então, de ao Diretor-Geral dos Impostos que sancione as conclusões do relatório
amplas garantias de recurso, quer administrativo, quer judicial (onde da inspeção, no prazo de 30 dias após ter sido dele notificado.
poderá a decisão ser anulada pelo simples facto de, manifestamente, Tal pedido considera-se tacitamente deferido se a administração
sofrer de défice instrutório). Mas, para não ver os seus bens penho­ tributária não se pronunciar no prazo de seis meses.
rados, o contribuinte terá, entretanto, que prestar garantia idónea (o Então, a administração tributária não poderá proceder relativa­
quem nem sempre estará em condições de fazer), suportando, por mente à entidade inspecionada, em sentido diverso ao do teor das
regra, os respetivos custos. conclusões do relatório nos três anos seguintes ao da data da notifi­
Assim, pensamos ser de ponderar uma alteração legislativa que dê cação destas.
real expressão ao exercício do direito ao contraditório antes da decisão Esta possibilidade terá sentido útil quanto às conclusões do rela­
final do procedimento de inspeção tributária. tório que sejam favoráveis ao inspecionado, que confirmem a regu­
laridade da forma como vem autoapurando a sua situação tributária.
Num exemplo: a administração fiscal examinou os critérios usados
29.4. Regularização voluntária da situação tributária pelo sujeito passivo no apuramento dos seus preços de transferência
e teve-os por corretos. A atribuição de eficácia vinculativa ao relató­
O contribuinte pode, no decurso da ação inspetiva, promover rio garante ao sujeito passivo que, pelo menos por um período de três
anos, tais critérios não poderão ser postos em causa467.
voluntariamente a regularização da sua situação contributiva.
Poderá aproveitar então o disposto na alínea c) do n.° 1 do art.°
29.° do RGIT, ou seja, a coima poderá ser reduzida para 75% do mon­
30. Procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso
tante mínimo legal.
Tal constará do relatório final (art.° 58.° do RCIPT e n.° 3 do art.°
Dada a elevada dose de insegurança que as cláusulas antiabuso
29° do RGIT). implicam, a maioria das legislações prevê que a sua aplicação se faça
Isto porque tal redução da coima só acontece quando o compor­
no quadro de um procedimento especial, da competência de órgãos
tamento do sujeito deva ser qualificado de meramente negligente, pelo
de topo na hierarquia da administração fiscal (por vezes com a inter­
que o inspetor terá, necessariamente, que se pronunciar sobre o grau venção de entidades independentes)468.
de culpa associado.
A concessão da oportunidade para a regularização voluntária da 467 A lei excetua apenas o posterior apuramento de simulação, falsificação,
situação tributária antes da notificação do projeto de relatório supõe violação, ocultação ou destruição de quaisquer elementos fiscalmente relevantes
a existência de um diálogo entre inspetor e inspecionado, que a este relativos ao objeto da inspeção (n.° 4 do art.° 64.° do RCPIT). Porém, relativamente
tenham sido fornecidas, antecipadamente, as necessárias informações a situações como a exemplificada em texto, é ainda necessário que se mantenha
uma substancial identidade de circunstâncias.
sobre as “irregularidades” detetadas, o que parece acontecer dada a 468 Assim em Espanha e em França. Cf. G onzález S anchez , El Fraude de
frequência de tais “regularizações voluntárias”. Ley en Matéria Tributaria, p. 43 ss. e Patrick D ibout , «La procédure de répression
des abus de droit: pratique et critique».
228 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 229

Também assim acontece entre nós, por força do disposto no art.° tração tributária informação vinculativa sobre a situação em causa e
63.° do CPPT*69. esta estiver em mora no cumprimento do seu dever de resposta (n°
Tal procedimento caracteriza-se por a decisão de o instaurar ser 8 do art.° 63.° do CCPT). Isto porque se pressupõe então a boa-fé do
da competência do dirigente máximo do serviço (ainda que com possi­ sujeito passivo (muito embora o elemento subjetivo - a intenção - não
bilidade de delegação), pela previsão de um efetivo contraditório (n.° 4 pareça ser condição determinante da aplicabilidade de tal cláusula).
a 6) e pela exigência de um especial dever de fundamentação (n.° 3)470.
A lei (n.° 1 do art.° 63.° do CPPT) restringe o âmbito de aplica­
bilidade deste procedimento às situações em que esteja em causa a 31. Procedimentos de avaliação indireta (remissão)
chamada “cláusula geral antiabuso”, constante do n.° 2 do art.° 38.° da
LGT171. Muito embora as recentes alterações legislativas (LOE/2012) Já nos referimos a estes procedimentos, ainda que perspetivados
tenham retirado a este procedimento a maioria dos seus traços espe­ na ótica do sujeito passivo473, pelo que remetemos para o que já ficou
cíficos, é difícil entender a razão pela qual deixou de ter lugar quando dito.
se projete a aplicação das chamadas normas específicas antiabuso472 Apenas salientaremos o seguinte: a decisão da administração de
de que é exemplo o n.° 10 do art.° 73.° do CIRC (que exclui a aplica­ recorrer à avaliação indireta propriamente dita (i. e, a feita nos termos
ção do regime especial aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e dos art.° o 87.° e ss. da LGT) não é um ato destacável para efeitos de
permutas sociais quando se conclua que as operações abrangidas pelo recurso contencioso.
mesmo tiveram como principal objetivo ou como um dos principais Diferentemente acontece quando está em causa a invocação de
objetivos a evasão fiscal). manifestações de fortuna. Então, há possibilidade de recurso con­
Note-se por último, a impossibilidade de invocação da “cláusula tencioso da decisão de avaliação indireta da matéria coletável por
geral antiabuso” quando o sujeito passivo haja solicitado à adminis­ tal método, com efeito suspensivo e a ser tramitado como processo
urgente474.
469 Ainda que no quadro da redação anterior da norma, João Filipe Pacheco
de C arvalho , «O procedimento de aplicação das normas anti-abuso».
470 A nova redação da norma (LOE/2012) eliminou a previsão de um prazo
32. Procedimento de acesso a informações e documentos bancários
especial, contado da realização do ato ou da celebração do negócio jurídico, para
a instauração deste procedimento. Uai terá sido uma “resposta” legislativa às
interrogações levantadas pelo Ac. do TCA/ Sul de 15-02-2011, rec. n.° 4255/10, As condições em que a administração fiscal pode ter acesso a infor­
relatado por José C orreia , a primeira decisão de um tribunal superior que decidiu mações protegidas pelo sigilo bancário são tema muito controverso475.
pela aplicabilidade da “norma geral antiabuso”. Em comentário a este Acórdão
Pedro Patrício A m orim , «Anotação à primeira decisão de um tribunal superior sobre 473 Supra, 21, Procedimento de revisão da matéria coletável fixada por
a cláusula geral anti-abuso» e Nuno Oliveira G arcia / José Almeida Fernandes, avaliação indireta.
«Cláusula geral anti-abuso - Opus I» 474 Compreende-se a diferença de regimes. Como vimos, no primeiro caso o
471 Gustavo Lopes C o u r i n h a , A Cláusula Geral Anti-abuso no Direito mais relevante será a quantificação da matéria coletável operada pela administração
Tributário: contributos para a sua compreensão; Gonçalo Avelãs N u n e s , «A fiscal; no segundo, o mais relevante será a decisão de recurso a este método, uma vez
cláusula geral antiabuso de direito em sede fiscal - art.° 38.°, n.° 2, da Lei Geral que a quantificação do rendimento presumido decorre diretamente da própria lei.
Tributária - à luz dos princípios constitucionais do Direito Fiscal». 475 Ainda que no domínio de legislação revogada, Diogo Leite de C ampos e
472 Para maiores desenvolvimentos, cf. o nosso artigo «Sobre a noção dè; Outros, Sigilo Bancário; Jorge Patrício P a úl , «O sigilo bancário e a sua relevância
“cláusulas antiabuso” em Direito Fiscal». fiscal»; Ives Gandra da Silva M artins , «Sigilo bancário e tributário»; Jorge N eto,
230 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 231

A posição tradicional é a de que os dados bancários, por serem A administração fiscal, por decisão própria (ainda que tomada,
o espelho da situação económica dos cidadãos, fazem parte da esfera apenas, pelos seus dirigentes máximos), passou a ter acesso a tal infor­
da sua vida privada, pelo que não podem ser livremente acedíveis pela mação, mesmo havendo oposição do interessado, sem necessidade de,
administração fiscal: “não parece que interesses patrimoniais, seja de quem para tal, ter que recorrer ao tribunal.
for, possam limitar o sigilo bancário. A proteção da pessoa que subjaz ao direito Compreendemos esta nova orientação, que, como dissemos, há
à privatividade não pode ser afastada pela proteção de outros patrimónios. muito que tínhamos por inevitável, até em razão da evolução do pen­
Mesmo que este interesse seja o interesse do Estado em cobrar impostos”476. samento internacional nesta matéria481. A questão que permanece é
Posição mais moderada tem sido a sufragada pelo Tribunal Cons­ - fazendo uso das palavras de C asalta N abais 482 - saber se este tão
titucional477que, apesar de continuar a entender que “o bem protegido significativo alargamento da derrogação do sigilo bancário, adotado em
pelo sigilo bancário cabe no âmbito de proteção do direito à reserva nome do combate à evasão e fraude fiscais, se mostra necessário, ade­
da vida privada” 478, concluiu que tal bem não é protegido nos mesmos quado a um tal objetivo e respeitador da proporcionalidade na afetação
termos de outras áreas da vida pessoal, admitindo restrições impostas dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos contribuintes.
pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses consti- ;
tucionalmente protegidos, sendo “uma zona de segredo francamente
suscetível de limitações” e que a sua quebra por iniciativa da adminis- v 32.1. Analisemos, agora, o normativo vigente:
tração tributária constitui uma “lesão diminuta do bem protegido’*79.
Neste domínio aconteceram alterações significativas, as quais, a) Contas bancárias exclusivamente afetasà atividade empresarial
muito mais que simples “ajustes” normativos, traduzem a adoção de J
um diferente princípio quanto ao acesso pelas administrações fiscais A lei obriga os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos
passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade
a informação protegida pelo sigilo bancário480.
organizada, a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual
devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebi­
«Sigilo bancário: que futuro?»; Paula Elisabete Henriques B a rb o sa , «D o valor
do sigilo o sigilo bancário, sua evolução, limites: em especial o sigilo bancário no
domínio fiscal - A Reforma Fiscal». ^ 481 Bastará ter em conta que a Diretiva 2011/16/EU, de 15 de Fevereiro de
476 Diogo Leite de C am pos/ Mônica Leite de Campos, Direito Tributário, p. 253. . 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, estabelece,
477 Ac. do TC n.° 4 4 2 /2 0 0 7 , de 14 de Agosto, relator S o u sa R ib e iro . A questão no n.° 2 do seu art.° 18.°, “que os limites à prestação de informação nela previstos não
concreta em análise era um a norma que previa a derrogação do sigilo bancário, podem, em caso algum, ser entendidos como autorizando a autoridade requerida de
por iniciativa da administração tributária, no quadro das reclamações graciosas e ; ' um Estado-Membro a escusar-se a prestar informações apenas pelo facto de essas
impugnações judiciais. informações estarem na posse de uma instituição bancária, de outra instituição
Em comentário, Luís Máximo dos S a n to s, «Derrogação do segredo bancário no financeira, (...)”, o que é entendido como a consagração, a nível europeu, da
âmbito do procedimento de reclamação graciosa e do processo de impugnação judicial», v inoponibilidade do segredo bancário às administrações fiscais.
478 Posição que esteve longe de ser unânim e, como resulta das várias £ Encontram-se agora preceitos idênticos no art.° 26.°, n.° 5, do Modelo de
declarações de voto proferidas em tal acórdão. Convenção e no art.° 7.°, n.° 2, do Modelo de Acordo para Troca de Informações
479 Ver, tb., Saldanha S a n c h e s , «Segredo bancário, segredo fiscal: um a# com Fins Tributários (destinado a servir de modelo para acordos com países de
perspetiva funcional». ^ regime fiscal privilegiado), ambos da OCDE. Naturalmente que, estando aqui em
480 Sobre esta m udança (ainda que antes das m ais recentes alterações# causa “modelos”, as “normas” deles constantes só ganharão efetiva vigência na
legislativas), Jorge Patrícia P a u l, «O regime de acesso da administração fiscal à s i medida em que passem a constar de convenções ou outros acordos internacionais.
informações e documentos bancários». 482 Casalta N a bais , Direito Fiscal, p. 354.
232 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 233

mentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida, incluindo A nosso ver, por se tratar apenas de obter elementos (cópias de
as operações com os respetivos sócios ou associados (n.° 1 e 2 do art.° elementos) que deveriam integrar a contabilidade e que estão em poder
63.°-C da LGT). de terceiros, não parece justificar-se quaisquer exigências garantísticas
Mais, a lei obriga a que os pagamentos de transações comerciais, adicionais. A causa da necessidade de obter tais informações resulta
quando superiores a determinado valor, sejam efetuados através de diretamente do incumprimento do dever do sujeito passivo em dispo-
meio de pagamento que permita a identificação do respetivo destina­ nibilizar tais documentos (e não, propriamente, do desejo de ir “mais
tário, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou além” no conhecimento da sua situação económica).
débito direto. Este formalismo, pela demora que implica, pode comprometer a
Em nossa opinião, relativamente a estas contas bancárias não se possibilidade de liquidar tempestivamente tributos em falta. Entende­
chega, sequer, a colocar uma questão de sigilo. A documentação em mos que bastaria que, no quadro normal da ação inspetiva, o sujeito
causa mais não é que o suporte de registos contabilísticos que tais passivo fosse notificado para, em determinado prazo, apresentar a
sujeitos passivos estão obrigados a possuir, aos quais a administração documentação bancária em causa (a que deveria constar da sua conta­
terá normal acesso no quadro de uma ação inspetiva (art.° 29.°, n.° 2, bilidade) ou para expor as razões porque não o faz485, sob cominação
al. e) do RCPIT)483. Pelo que não vemos qualquer razão para que sejam de, em caso de incumprimento, tal informação poder ser solicitada à
diferentes as exigências legais para a administração ter acesso a tais entidade bancária em questão pela entidade competente para o pro­
documentos quando constem da escrita objeto de exame ou quando, cedimento inspetivo.
por dela não constarem, tenham que ser solicitados a uma entidade
bancária484. b) Acesso a outras informações e documentos bancários
Assim, estamos totalmente de acordo com o disposto no n.° 4 do
A administração, por decisão própria, tem ainda acesso à infor­
art.° 63.°-C da LGT, segundo o qual a administração tributária pode mação bancária que considere necessária (vale aqui, sempre, o princí­
aceder a todas as informações ou documentos bancários relativos a pio da proporcionalidade) em outros tipos de situações: quando esteja
tais contas sem dependência do consentimento dos respetivos titulares. em causa a investigação de um crime em matéria tributária; quando
Parece-nos mesmo ser excessivamente garantística a remissão haja fundamentadas suspeitas de que o declarado não corresponde à
operada pelo n.° 5 do art® 63.°-C para o disposto no art® Ó3°~B, quanto realidade (ou na ausência de declaração); quando esteja em causa o
ao procedimento a ser observado (estamos na hipótese prevista na al. controlo dos pressupostos de regimes fiscais privilegiados486; estando
d) do n.° 1 desta última norma: verificação de conformidade de doeu-; em causa o recurso à avaliação indireta; quando se verifique a exis­
mentos de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de tência comprovada de dívidas à administração fiscal ou à segurança
IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada). ’ social487(art® 63.°-B, n.° 1, da LGT).
A nossa “interrogação” coloca-se relativamente à necessidade
de uma decisão da competência do diretor-geral, ou seus substitutos 485 Assegurando-se, assim, o efetivo exercício do direito de audição prévia.
legais, sem possibilidade de delegação (n.° 4 do art.° 63.°-B da LGT).v | 486 Esta é uma expressão a que a lei recorre com alguma frequência. Enten-
fdemos que nela se devem incluir todas os regimes tributários que não se recondu-
?zam ao regime regra (assim, p. ex., o regime especial de tributação dos grupos de
483 Neste sentido o Ac. do STA de 30-03-2011, rec. n.° 0196/11. § sociedade, o regime fiscal das SGPS, etc.).
484 Hm sentido no essencial coincidente, o Ac. do STA de 30-03-2011, | í 487 Esta última hipótese, aditada posteriormente, parece referir-se a uma possi­
n.° 196/11. bilidade de atuação no quadro de um processo de execução fiscal ou de providências
234 Manual de Procedimento e Processo Tributário Dos Procedimentos em Especial 235

Podemos, assim, dizer que acabou a oponibilidade, pelos sujei­ c) Acesso a informações e documentos bancários respeitantes a
tos passivos, do sigilo bancário à administração fiscal, pois não vemos familiares e a terceiros que se encontrem numa relação espe­
hipóteses em que tal acesso se mostre necessário (e tal requisito é, cial 490com o contribuinte491.
sempre, condição de qualquer atividade administrativa lesiva de inte­ Para estes casos manteve-se, no essencial, o regime tradicional,
resses legalmente protegidos) que não possam subsumir-se ao previsto ou seja, havendo oposição, o acesso pela administração fiscal a infor­
no art ° 63.°-B da LGT188. mação protegida pelo sigilo bancário depende de decisão judicial.
O interessado pode, obviamente, recorrer judicialmente da deci­ Há porém, nuances significativas a considerar: a decisão da admi­
são da administração fiscal de aceder a informação protegida pelo nistração fiscal é, obrigatoriamente, precedida de uma notificação aos
sigilo bancário. Esse recurso tem efeito meramente devolutivo, pelo interessados para, querendo, exercerem o direito de audição prévia; o
que a decisão da administração fiscal é, de imediato, exequível. Tendo interessado, notificado da decisão, poderá dela recorrer judicialmente,
êxito o recurso, os elementos de prova entretanto obtidos não podem nos termos do art.° 146-A do CPPT, no prazo de 10 dias. Este recurso,
ser utilizados para qualquer efeito em desfavor do contribuinte (art® a ser tramitado como processo urgente, tem efeito suspensivo. Ou seja,
63.°-B, n.° 6, da LGT)489. apenas se o interessado exercer o ónus de recorrer judicialmente é que
a administração fiscal necessitará de esperar por uma decisão judi­
cial que confirme a legalidade da sua decisão para ter acesso a tais
informações.
cautelares (cf. art.° 214.°, n.° 4, do CPPT). De outro modo estaríamos perante uma
sanção acessória das situações de incumprimento do dever de pagar impostos, de d) Informações relativas a operações financeiras
aplicação automática, sem qualquer ponderação da gravidade do ilícito e da culpa
a ele associada, portanto de constitucionalidade duvidosa.
Não estão em causa, no art.° 63.°-A da LGT, procedimentos, enten­
488 O disposto na norma em análise não prejudica o previsto na legislação dida a palavra em sentido estrito, mas sim obrigações de prestação de
aplicável aos casos de investigação por infração penal. Lembramos que o art.”40.°, informações, por regra de forma automática, por parte de entidades
n.° 2, do RGIT atribui aos órgãos da administração tributária e aos da administração bancárias.
da segurança social, durante o inquérito, os poderes e as funções que o Código de
Processo Penal atribui aos órgãos de polícia criminal, presumindo-se-lhes delegada
a prática de atos que o Ministério Público pode atribuir àqueles órgãos» 490 Numa interpretação sistemática, entendemos que a noção de relações
Porém, não se pode “confundir” estes poderes investigatórios da administra­ especiais deverá ser buscada no art.° 63.° do CIRC.
ção em processo penal, com os que lhe cabem no domínio da inspeção tributária. 491 Num mesmo procedimento inspetivo podem ser inspecionados - desde
Assim, p. ex., a administração fiscal não pode utilizar para fins tributários qualquer o seu início ou a partir de certo momento - uma pluralidade de sujeitos passivos,
informação a que tenha tido acesso na qualidade de órgão de investigação criminal nomeadamente, para além do contribuinte, substitutos e responsáveis tributários,
enquanto a mesma estiver em segredo de justiça. sociedades dominadas, sócios de sociedades fiscalmente transparentes e quaisquer
489 Assim, p. ex., terão que ser anuladas, oficiosamente, as liquidações efe­ outras pessoas que tenham colaborado nas infrações fiscais a investigar (art.° 2.°,
tuadas em resultado de fixações de matéria coletável em que tenha sido utilizada n.° 2, do RCPIT).
a informação obtida. A questão poderá não resultar simples, pois será necessário Pensamos que, relativamente ao acesso a informação bancária, o que releva,
apurar em que medida é que a obtenção de uma prova proibida (pensamos ser na determinação do regime legal aplicável, não é a qualidade de “inspecionado”
esta a qualificação a dar às informações obtidas em derrogação do sigilo bancário, mas sim o objetivo que preside à obtenção de tal informação. Se a informação em
quando o tribunal não venha a confirmar a legalidade de um tal procedimento) causa se destina à averiguação da situação de outrem, os demais inspecionados
inquina outras provas. continuam a ser havidos por terceiros.
236 Manual de Procedimento e Processo Tributário
Dos Procedimentos em Especial 237

Tal obrigação refere-se a três diferentes tipos de situações:


por força de outros instrumentos jurídicos, como as normas relativas
- comunicação da abertura e manutenção de contas de que sejam ao combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e
titulares sujeitos passivos que se encontrem incluídos na “lista ao financiamento do terrorismo (Lei n.° 25/2008, de 5 de Junho) e à
de devedores” ou inseridos em sectores de risco. repressão da criminalidade organizada e económico-financeira (Lei
n.° 5/2002, de 11 de Janeiro).
Se bem entendemos, no primeiro caso estará em causa a pres­
tação de informações sobre a existência de bens penhoráveis (e não,
propriamente, o controlo da situação tributária desses contribuintes).
Assim sendo, a norma não nos merece reparo, pois o órgão exequente
sempre poderia pedir tais informações. Seria, aliás, conveniente que os
solicitadores de execução tivessem, também, acesso a tal informação,
o que permitiria agilizar em muito a ação executiva cível, dispensando
o exequente dos encargos (elevados) que implica o pedido de averigua­
ção, banco a banco, da existência de contas em nome do executado.
Quanto aos contribuintes “inseridos em sectores de risco”, temos
grandes dúvidas sobre a constitucionalidade da disposição legal: pri­
meiro, porque devendo a oponibilidade do sigilo fiscal à administração
fiscal ser havido como uma garantia dos contribuintes, tais “sectores
de risco” nunca poderão ser definidos por portaria (art.° 103.°, n.° 2,
da CRP), ao contrário do que prevê a norma; depois, porque temos
dúvidas sobre a necessidade (a proporcionalidade) desta solução legal.
- transferências financeiras, nomeadamente as que tenham como
destinatário entidade localizada em país, território ou região
com regime de tributação privilegiada mais favorável e opera­
ções efetuadas por pessoas coletivas de direito público;
- o valor dos fluxos de pagamentos efetuados por intermédio de
cartões de crédito e de débito a sujeitos passivos que aufiram
rendimentos da categoria B de IRS e de IRC, sem por qualquer
forma identificar os titulares dos referidos cartões492.

Finalmente, haveria que considerar a questão da utilização fiscal


de informação que as entidades bancárias são obrigadas a desvendar!
--- :------------- _ :::í|
492 Veja-se o Ac. do TCA de 17-06-2003, rec. n.° 713/03, e a sua anotação por.
Guilherme W. de Oliveira M artins . ^
PARTE n
PROCESSO TRIBUTÁRIO
CAPÍTULO VI
Princípios

33. O processo judicial tributário

Segundo o art ° 96.° do CPPT, o processo judicial tributário tem


por função a tutela plena, efetiva e em tempo útil dos direitos e inte­
resses em matéria tributária. Norma esta que mais não é que uma con­
cretização do que impõe o n.° 4 do art.° 268.° da CRP.
Ficou assim afirmado, no domínio específico do direito tribu­
tário, que o pressuposto para a concessão da tutela judicial não é a
invocação dos vícios de um ato praticado pela administração (ou por
ela “validado”, ainda que por forma meramente implícita493). A tutela
judicial tem, agora, como função a salvaguarda de direitos ou inte­
resses legítimos e tem como pressuposto a sua lesão. Está em causa a
superação da tradicional conceção objetivista do contencioso admi­
nistrativo, dirigido a conseguir que a administração cumpra com a lei
- à defesa e manutenção da legalidade - relativamente a determinado
ato. Isto mesmo quando a lesão do direito não resulte da existência de
um ato administrativo, p. ex., quando esteja em causa a omissão do
cumprimento do dever da administração de proferir uma decisão494.
Tal alteração de paradigma, de um contencioso de mera anulação
para um contencioso de plena jurisdição, não significa que a impug­
nação (ou seja, o recurso judicial de anulação de um determinado ato
administrativo) tenha deixado de ser a forma processual dominante no

493 Será o caso das autoliquidações.


494 Cf. Saldanha S anches , «O novo processo tributário», p. 171 ss.
242 Manual de Procedimento e Processo Tributário Princípios 243

processo tributário495. Nem poderia (poderá) ser de outro modo: a utili­ Algo no essencial semelhante acontece nos casos de anulação
zação dos mecanismos judiciais, no âmbito tributário, tem, na maioria parcial da liquidação. Esta possibilidade é, hoje, um dado jurispru-
dos casos, o objetivo de reagir contra atos administrativos decisórios, dencial adquirido498e é saudada pela doutrina como um passo no sen­
de conteúdo positivo (maxime liquidações). O pedido formulado é, tido da afirmação do processo tributário de impugnação como de plena
pois, o da remoção de tal ato da ordem jurídica, a declaração da sua jurisdição (e não, apenas, de mero controlo da legalidade da atividade
ilegalidade (pedido de anulação ou de declaração de inexistência ou administrativa, de cassação)499. Na realidade, se com a anulação par­
nulidade496). Estarão, pois, em causa, impugnações de atos. cial da liquidação fica, em definitivo, estabelecida a situação do sujeito
Mas, mesmo no contencioso de mera anulação, a sentença que põe passivo (o tribunal decide que o imposto devido é no valor de y e não
termo ao processo de impugnação não se limita ao reconhecimento no valor de x, como sustentava a administração), tal não significa que
da invalidade do ato anulado ou declarado nulo, também se estende a sentença tenha substituído o ato administrativo: este subsiste, só que
à definição, em maior ou menor medida, dos termos em que se deve parcialmente, continuando a ser o “título” no qual se funda a exigên­
processar o exercício futuro do poder manifestado através desses atos, cia do pagamento do tributo.
com a consequente proibição da reincidência, por parte da adminis­ Muitas vezes, os fundamentos que ditaram a anulação do ato -
tração, nas ilegalidades cometidas497. p. ex., quando esta resulta da constatação de vícios de forma - não
Temos assim várias situações possíveis: o tribunal concluiu não impedem a administração de praticar outro ato (p. ex., proceder a nova
se verificarem os pressupostos (factuais e/ou legais) da liquidação liquidação) relativo ao mesmo facto tributário.
impugnada, considera não dever haver lugar a tributação. Então, o ato A administração fiscal está, então, obrigada (porquanto estaremos,
tributário deixa de existir, sem possibilidade de renovação; a execu­ por regra, num domínio em que a atividade administrativa é estrita­
ção da sentença consistirá em (re) colocar o sujeito passivo na situação mente vinculada à lei, o que exclui qualquer margem de oportunidade
em que se encontraria se tal ato não tivesse sido praticado (emitindo quanto à prática de atos) a realizar tal ato, substitutivo daquele que foi
o correspondente título de anulação, reembolsando o interessado do anulado, com observância dos ditames fixados na sentença500.
que este haja indevidamente pago, procedendo ao levantamento de No contencioso de plena jurisdição, o processo não tem como
penhoras, etc.). objeto possível apenas a declaração da inexistência ou invalidade de
um ato administrativo. O interessado pode, p. ex., pedir que o tribu­
495 Veja-se o art.° 97.° do CPPT, onde aparecem enumerados os diferentes nal, na procedência do seu pedido anulatório, condene a administra­
atos cuja reação judicial revestirá a forma de impugnação. No mesmo sentido - ção à prática de um ato devido. Assim acontece, em particular, nos
perspetivando o processo tributário como sendo um contencioso de anulação de
casos em que está em causa a omissão do dever de decidir por parte
determinados atos - o art.° 95.° da LGT.
Esta técnica legislativa corresponde ao entendimento tradicional de
considerar como pressuposto processual, nos processos de impugnação dos atos 498 P. ex., o Acórdão do STA de 26-03-2003, rec. n.“ 01973/02, relatado por
administrativos, a identificação de um ato administrativo passível de ser impugnado B àeta d e Q ueiroz : “ o ato tributário de liquidação é
divisível e, consequentemente,
junto dos tribunais administrativos (o pressuposto processual da recorribilidade pode ser só parcialmente anulado pelos tribunais, no respetivo processo de
do ato administrativo em questão) - Mário Aroso de A lm e id a , Manual..., p. 269. impugnação”.
496 O pedido de declaração de inexistência visa o reconhecimento pelo tribunal 499 Saldanha S a nches , «O contencioso tributário como contencioso de plena
que não houve ato mas apenas uma sua “aparência”. Não existindo o ato, não se jurisdição».
pode, rigorosamente, colocar a questão de saber se é ou não legal. 500 Detalhadamente, Mário Aroso de A l m e id a , Anulação de Atos
497 Mário Aroso de A lm eida , Manual..., p. 81 Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, p. 565 e ss.
244 Manual de Procedimento e Processo Tributário Princípios 245

da administração, as situações que, hoje, são configuradas como sendo tributários”503), sendo que a obrigação de as realizar teria um efeito
de indeferimento tácito. avassalador no aumento da morosidade na resolução das pendências.
Nestes casos, o tribunal não se pode limitar a “reenviar” a questão Haverá pois, na adaptação do CPPT aos princípios enformadores do
para a administração. Tem que se pronunciar sobre a pretensão mate­ atual contencioso administrativo (desde logo, na concretização dos dita­
rial do interessado (cf. art.° 71.° do CPTA). O processo de condenação mes constitucionais) que encontrar soluções que contemplem as espe-
é, assim, um processo em que o Autor faz valer uma posição subjetiva cificidades que se colocam no contencioso tributário de impugnação504.
de conteúdo pretensivo de que é titular, pedindo o seu cabal reconhe­
cimento e dela fazendo, portanto, o objeto do processo501.
É evidente que daqui não resulta que o tribunal possa, em todos 34. Princípios do processo judicial tributário
os casos, substituir a administração na tomada da decisão, desde logo
porque tal implicaria uma (sistemática) violação do princípio da sepa­ 34.1. Promoção processual505
ração de poderes, uma inadmissível confusão entre as funções de admi­
nistrar e de julgar. Para haver um processo é necessário existir um litígio e que
A total especificação, na sentença condenatória, dos atos a ser alguém peça ao Tribunal para ser ele a dirimi-lo.
praticados pela administração acontecerá, essencialmente, nos casos No processo tributário, a promoção ou iniciativa processual cabe,
de estrita vinculação legal relativamente ao conteúdo do ato a prati­ salvo raras exceções506, aos particulares. O que se compreende, pois
car. Nestes casos, efetivamente, não poderá falar-se de uma invasão são eles quem pretenderá fazer valer um direito perante a administra­
pelos tribunais do “território” da administração, porquanto a decisão ção, que esta, pela sua ação ou omissão, terá violado. A administra­
do caso decorre diretamente da lei e não da “vontade” administrativa. ção fiscal não precisa, em regra, de recorrer aos Tribunais para fazer
A concretização do ato a ser praticado, então, mais não é que a mera valer as suas pretensões, nomeadamente aquilo que entende ser o “seu”
aplicação da lei ao caso concreto.
Ora, sendo o direito fiscal dominado pelo princípio da tipicidade,
503 Como acentuado no Ac. do STA de 4-05-2011, rec. n.° 21/11, relatado por
pela estrita vinculação da atividade administrativa à lei502, teríamos P imenta do V a le ,a propósito da possibilidade de anulação parcial da liquidação,
que - uma vez totalmente consagrado na lei ordinária o princípio da tal só poderá ser feito quando o tribunal dispuser, no processo, dos dados necessá­
plena jurisdição dos tribunais tributários - estes, por regra, poderiam rios, ou seja, quando - atentos, nomeadamente, os fundamentos da decisão - não
proceder a uma impugnação de plena jurisdição, definindo a situação se mostre necessário um novo procedimento administrativo, “pois não cabe aos
tributária do recorrente. tribunais, substituindo-se à administração, apurar a matéria coletável e proceder
à correspondente liquidação”. Como exemplo de um caso em que o Tribunal con­
Porém, uma tal tarefa, ainda que possível em teoria, iria depa­
clui por uma tal impossibilidade, cf. o Ac. do STA de 24-02-2011, rec. n.° 876/10,
rar com enormes dificuldades de índole prática, pois os tribunais não relatora I sabel M arques da S ilva.
estão vocacionados para um tal tipo de tarefas (não são “liquidadores 304 Haverá, nomeadamente, que ponderar se a impugnação judicial não consti­
tui um meio adequado para a apreciação dos atos para os quais hoje o CPPT impõe
a ação administrativa especial, mais complexa e onerosa, que deste modo deixaria
501 Mário Aroso de A lmeida , Manual..., p. 90-91. Vd., do mesmo autor, «O de se justificar (P ortugal , Relatório..., p. 54).
objecto do processo no novo contencioso administrativo». 505 V ie ir a d e A ndr a de , A Justiça Administrativa, pp. 463- 468; A n d ré F estas
502 Num dizer clássico, “o direito fiscal vive do dictum do legislador” da S ilva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, pp. 101-102
(S trickrodt , apud Casalta N a bais , O Dever..., p. 355). 506 P. ex., os processos cautelares de arresto e de arrolamento.
246 Manual de Procedimento e Processo Tributário Princípios 247

direito ao tributo. Efetuada a liquidação e não se mostrando realizado Pensando apenas nos processos impugnatórios, o autor identifi­
o pagamento no prazo legal (prazo de pagamento voluntário), segue-se cará qual o(s) ato(s) administrativo (s) cuja legalidade põe em causa,
a instauração, pela própria administração, de um processo de execu­ exporá os factos consubstanciadores dos vícios que lhe(s) aponta e
ção fiscal dirigido à cobrança coerciva do tributo em causa. Tal é uma formulará o seu pedido.
consequência da presunção de legalidade de que, em geral, gozam os Temos, em primeiro lugar, que o objeto do processo é circunscrito
atos administrativos. pelo ato (ou atos) administrativo posto em crise. Em segundo lugar, o
O princípio do dispositivo, na sua dimensão de autorresponsa- tribunal só pode conhecer dos vícios invocados, sob pena de incorrer
bilidade das partes, tem diversas manifestações processuais. Do lado em excesso de pronúncia (salvo tratando-se de questões que sejam de
do particular, temos, desde logo, a liberdade de interpor ou não a ação, conhecimento oficioso como, p. ex., a inconstitucionalidade da norma),
de desistir, em qualquer momento, do pedido. o que tem como consequência a nulidade da sentença.
Não podemos falar de disponibilidade quanto ao objeto da lide
por parte da administração fiscal, dado o carácter indisponível da obri­ No dizer do STA, no seu Acórdão de 13-03-1996, rec. n.°
gação fiscal. O que não significa que a administração tenha um inte­ 010519, de que foi relator B enjam im R o drigues , o contencioso tri­
resse próprio na causa507. A sua atuação, quer no procedimento quer butário está sujeito ao princípio dispositivo de alegação das causas de
no processo, deve pautar-se por juízos de legalidade, pois a sua tarefa pedir em que se funda o pedido de anulação do ato tributário; as causas
é, apenas, cumprir com a lei fiscal. Assim, mesmo na pendência de
de pedir são as concretas realidades de facto subsumíveis a qualquer ile­
um processo judicial, a administração fiscal - por ter concluído pela
galidade inquinadora da validade do ato impugnado; há diferentes causas
legalidade da pretensão do contribuinte - deve revogar o ato impug­
de pedir quantas as realidades que se invoquem que sejam subsumíveis,
nado (estando em tempo para tal), dando causa à inutilidade super­
ainda que mais do que uma vez, à mesma causa abstracta de ilegalidade;
veniente da lide508. Como pode (e deve), p. ex., na sua contestação ou
o acórdão que conheceu de causas de pedir não alegadas sofre da nuli­
alegações de direito, reconhecer expressamente a razão que entenda
dade de excesso de pronúncia.
assistir ao particular. Pelas mesmas razões, pode conformar-se como
decidido, não interpondo recurso.
Tal não significa que o Tribunal tenha, necessariamente, que apre­
ciar todos os vícios invocados, uma vez que existe uma ordem a que
34.2. Âmbito do processo509 deve obedecer o seu conhecimento na sentença (art.° 124.° do CPPT)510,
o que tem como consequência a existência de situações de prejudicia-
Dando impulso inicial ao processo, o autor, ao formular a causa de lidade. P. ex., julgado que o ato impugnado é inexistente, não há que
pedir e o pedido, ou seja, ao concretizar a sua pretensão, define o objeto apreciar, por desnecessário, os factos alegados em ordem à verificação
do processo, as questões sobre as quais pede a pronúncia do tribunal. de uma causa de anulabilidade.
Relativamente ao pedido - no âmbito dos processos de natureza
507 Salientando que no processo tributário não existem interesses contrapostos, impugnatória regulados pelo CPPT - temos que ele é sempre, subs-
Saldanha S anches , O Ónus da Prova..., p. 188 ss.
508 Casalta N abais , «Revogação do ato tributário na pendência da impugnação
judicial». 5,0 Devendo, por força do disposto no art" 124.°, n.° 2, do CPPT, conhecer-se,
509 Vieira de A n d r a d e , A Justiça Administrativa, pp. 468- 477; André Festas em primeiro lugar, dos vícios de violação de lei stricto sensu, visto que assim se
da S ilva, Princípios Estruturantes ..., pp. 118-131. assegura uma tutela mais eficaz dos direitos do contribuinte.
248 Manual de Procedimento e Processo Tributário Princípios 249

tancialmente, o mesmo: a remoção da ordem jurídica de determinado lidade do ato), pelo que a identificação, pelo tribunal, de qualquer delas
ato praticado por uma administração tributária. não o afasta do objeto do processo —com o consequente alargamento dos
É certo que ao formular o pedido, o autor terá que apresentar as poderes inquisitórios que o art.° 90.°, n.° 1, [do CPTA] confere ao juiz
“razões de direito” em que se louva. uma vez que a procura da verdade material pelo juiz só tem como fron­
Porém, porque se trata de questões de direito, o tribunal pode teira os lim ites do processo.
requalificar o vício invocado (concluir, p. ex. que está em causa uma
nulidade e não uma mera anulabilidade), como pode decidir ao abrigo Temos, assim, duas normas com diferente conteúdo, expressões
de outras disposições legais que não as invocadas (o que se exige é que de duas diferentes conceções: o art.° 125.°, n.° 1 (parte final), do CPPT,
o autor tenha qualificado corretamente a conduta como ilegal, por refe­ a ferir de nulidade a sentença que conheça de vícios que não foram
rência ao conteúdo material de uma norma efetivamente existente511). alegados, e o art.° 95.°, n.° 2, do CPTA, a permitir a identificação de
Existem vícios que são do conhecimento oficioso do juiz, ou outros vícios pelo juiz.
seja, de que ele pode conhecer independentemente de terem sido ale­ No contencioso tributário, entendido em sentido amplo, valerão
gados, no pressuposto óbvio que dos autos constem, como provados, as duas regras, consoante a forma processual que esteja em causa.
os factos a tal necessário. São do conhecimento oficioso a prescrição Nos processos regulados no CPPT, maxime na ação de impugnação,
e a duplicação da coleta (art.° 175.° do CPPT). aplica-se o disposto nesse código; nas ações que visem a declaração de
A limitação resultante de o juiz apenas poder conhecer dos vícios invalidade de outros atos em matéria tributária (ações administrativas
invocados não existe mais no processo administrativo, pois o art.° 95.°, especiais) valerá o disposto no CPTA, uma vez que o CPPT remete a
n.° 2, do CPTA dispõe que o tribunal deve identificar a existência de respetiva disciplina processual para o contido naquele diploma.
causas de invalidade diversas das que tenham sido invocadas. Uma situação algo absurda - a de no domínio do contencioso
tributário vigorarem princípios diferentes consoante a concreta espé­
No ensinamento de A roso de A lmeida512, tudo depende, na cie processual em causa que só o facto de não ter ainda sido feita a
verdade, da maior ou menor extensão com que se entenda configurar a
necessária adaptação do CPPT aos novos princípios informadores do
contencioso administrativo permite “explicar”.
pretensão anulatória que é deduzida no processo de impugnação dos atos
Nos processos não anulatórios vale a regra da atipicidade das
administrativos. Pela nossa parte, não vemos motivo porque se há-de asso­
pretensões que podem ser deduzidas em juízo, pois a todo o direito ou
ciar a cada causa de invalidade do ato impugnado uma determinada pre­
interesse legalmente protegido (ainda que só existente na perspetiva do
tensão anulatória, fundada numa específica causa de pedir. Pelo contrário,
Autor) corresponderá tutela judicial adequada (art.° 2.°, n.° 2, do CPTA)
é mais curial configurar a pretensão anulatória em termos unitários, admi­
ou, como é uso dizer-se, “a todo o direito corresponde uma ação”.
tindo que, no processo, ela é discutida em plenitude. Ora, esta perspetiva
Assim, tal como acontece em direito civil, poderemos ter ações decla­
conduz ao entendimento de que todas as possíveis causas de invalidade
rativas ou de simples apreciação, de condenação ou constitutivas513.
de que padeça o ato impugnado integram a mesma causa de pedir (inva­

511 Mário Aroso de A lm eida , Sobre a Autoridade dos Caso Julgado das
Sentenças de Anulação de Actos Administrativos, p. 91.
512 Mário Aroso de A lm eida , O Novo Regime do Processo nos Tribunais
Administrativos, p. 181 513 Mário Aroso de A lm e id a , Manual..., p. 70 ss.
250 Manual de Procedimento e Processo Tributário Princípios 251

34.3. Prossecução processual514 é citado por reversão, tem oportunidade de impugnar a liquidação (feita
em nome da originária devedora) e, ainda, de contestar a verificação dos
O princípio da tipicidade dasformas processuais obriga, em pri­ pressupostos da responsabilidade que lhe é imputada, bem como de invo­
meiro lugar515, à utilização, de entre aquelas que a lei prevê e regula, da car factos posteriores à liquidação de onde decorra a inexigibilidade do
forma processual mais adequada à pretensão que se quer fazer valer em imposto. O “ataque” à liquidação revestirá a forma do processo de impug­
juízo. Trata-se de uma exigência de racionalidade, pois, supostamente, nação. Aos demais fundamentos corresponderá, grosso modo, a forma
a tramitação prevista para cada forma processual será a que permite, processual de oposição à execução.
de forma mais célere e económica, a melhor realização da justiça.
Porém, valerá sempre a regra (expressamente consagrada no n.° Esta concretização do princípio da tipicidade das formas pro­
2 do art.° 97.° da LGT) de que a um direito corresponde, necessaria­ cessuais implica, assim, a necessidade de utilização “simultânea” de
mente, determinado tipo de ação, ou seja, de entre as formas proces­ diferentes “processos”, com o consequente aumento de custos para
suais que a lei consagra haverá uma que deve ser considerada como o particular e um certo grau de duplicação do trabalho do tribunal.
sendo a mais adequada à efetivaçao do direito em causa, ainda que Sendo que o êxito apenas num desses “processos” poderá satisfazer
com eventuais adaptações ao nível da tramitação. E não poderia ser de totalmente a pretensão do particular (p. ex., se a liquidação for total­
outra forma, pois o “processo” é instrumento da efetivaçao do direito. mente anulada, deixará de se colocar a questão da responsabilidade
Como veremos, existe uma (a nosso ver excessiva) pluralidade de tributária pelo pagamento do imposto).
formas processuais no nosso ordenamento adjetivo tributário. Temos, Tal rigidez está, hoje, afastada no domínio do contencioso admi­
assim, situações em que o interessado, no mesmo momento, é cha­ nistrativo, pois, nos termos do art.° 5.° do CPTA, não obsta à cumu­
mado a reagir contra vários atos administrativos que se inscrevem no lação dos pedidos (possível, nomeadamente, em circunstâncias como
âmbito de uma mesma relação jurídica material e que estão entre si as atrás descritas - cf. art.° 4 do CPTA516) a circunstância de aos pedi­
numa relação de prejudicialidade ou de dependência, tendo para tal dos cumulados corresponderem diferentes formas de processo, ado-
que utilizar diferentes formas processuais. tando-se, nesse caso, a forma de ação administrativa especial, com
as adaptações que se revelem necessárias. Isto porquanto só a possi­
Num exemplo vulgar, já por várias vezes referido, quando um res­ bilidade de cumulação permite que o particular obtenha numa única
ponsável tributário (v.g., o gerente ou administrador de uma sociedade) ação a proteção adequada para os seus direitos ou interesses violados
ou ameaçados517.
514 Vieira de A n d r a de , A Justiça Administrativa, pp. 477-488; Andié Festas Eis uma boa lição, a ser acolhida na, necessária e urgente, tarefa
da S ilva, Princípios E s tr u tu r a n te s pp. 73-77,87-91,110-118,133-144. de adaptação do CPPT aos princípios enformadores do novo conten­
515 Este princípio implica, também, que a sequência e conteúdo dos atos
cioso administrativo518.
processuais sejam fixados pela lei. Esta rigidez é hoje posta em causa por outro
princípio, o da adequação formal, que obriga o juiz, quando a tramitação prevista
na lei não se adequar às especificidades da causa, ouvidas as partes, a determinar a st6 j o g u e i Teixeira de S ousa , «Cumulação de pedidos e cumulação aparente
prática dos atos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias no contencioso administrativo», p. 35 e ss.
adaptações (art.° 265.°-A do CPC). 517 Mário Aroso de A lm eida , Manual..., p. 69 ss.
Sobre este princípio, Samuel A lmeida , «A necessária instrumentalização do 518 Indo além de uma tal adaptação, entendemos ser necessário rever a questão
princípio da adequação do meio processual face ao direito a uma tutela junsdicional da impugnação vs. oposição à execução, permitindo ao sujeito passivo reagir contra
efectiva». a chamada ilegalidade concreta da liquidação até ao momento em que, hoje, lhe é
252 Manual de Procedimento e Processo Tributário Princípios 253

34.3.1. O princípio pro actione É à luz deste princípio que, p. ex., deverá ser interpretado o dis­
posto no art.° 37.°, n.° 4, do CPPT, segundo o qual, no caso de o tribu­
A rigidez das formas processuais, decorrente do princípio da tipi- nal vier a reconhecer como estando errado o meio de reação contra o
cidade, resulta minimizada pela concorrência de outro princípio, o do ato indicado na respetiva notificação, poderá aquele que for adequado
favorecimento do processo {pro actione). ser ainda exercido no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado
Tal princípio aponta para a interpretação e aplicação das normas da decisão judicial.
processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal, evitando situ­ Se, p. ex., foi indicado ao sujeito passivo que podia impugnar
ações de denegação de justiça por excessivo formalismo: as regras pro­ diretamente o ato notificado e o tribunal concluiu que se impunha
cessuais são um instrumento para a realização da justiça e não (devem uma prévia reclamação administrativa, o recurso será rejeitado, tendo
ser) um obstáculo a que ela aconteça519. o interessado que, em tal prazo, apresentar a reclamação administra­
Este princípio, que encontra consagração expressa no art.° 7.° do tiva necessária.
CPTA, tem sido, pacificamente, aplicado pela nossa jurisprudência no Mas se foi indicado na notificação que o interessado poderia recor­
domínio do processo tributário. rer ao processo de impugnação e o tribunal conclui que a forma pro­
cessual a ser utilizada era outra, o processo deverá ser convolado na
Assim, p. ex., foi decidido que não consagrando a lei fórmulas forma própria (sendo que, nestas circunstâncias, o recurso deverá ser
sacramentais, tanto no que se refere à causa de pedir como ao pedido, é sempre havido como tempestivo), aproveitando-se, no possível, o já
de aceitar a petição inicial impugnatória em que, pese embora a respetiva processado520.
falta de rigor técnico, seja suficientemente preciso o efeito jurídico que se
pretende obter (Ac. do STA de 29-10-2008, rec. n.° 0541/08, rela­
tor B randão d e P inho ); que, no âmbito da ponderação dos pressupostos 34.3.2. Outros princípios
processuais, impõe-se a uma interpretação que se apresente como a mais
O processo decorrerá, ainda, na observância dos princípios da
favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva (Ac. do
igualdade das partes e, consequentemente, dos meios processuais ao
STA de 30-04-2008, rec. n.° 0850/07, relator P im enta do V ale );
seu dispor (art.° 98 da LGT), da cooperação (art.° 99.°, n.° 2, da LGT),
que, nos termos do art. 97.°, n.° 3, da LGT, deve ordenar-se “a correção do
da boa-fé, da garantia do efetivo exercício do direito ao contraditó­
processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei” e que tal
rio■,num espírito de economia e celeridade processual (art° 97.°, n.°
correção ou “convolação” traduz-se na anulação dos atos que não possam
1, da LGT).
ser aproveitados, quer em função do rito processual próprio quer por dimi­
Não nos deteremos na análise destes princípios, uma vez que são
nuírem as garantias de defesa, devendo praticar-se os que forem estrita­
comuns a todo o tipo de processo judicial, nomeadamente ao processo
mente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível,
civil521.
da forma estabelecida na lei - art. 98.°, n.° 3 e 4, do CPPT (Ac. do STA,
Apenas queremos salientar que o processo tributário vem sendo
Pleno, de 20-10-2004, rec. n.° 01559/03, relator B randão d e P inho ). progressivamente estruturado, em termos formais, como um processo
possível deduzir oposição à execução. Para maiores desenvolvimentos, Rui Duarte
M o r a is , «Apontamentos sobre a revisão do CPPT». 520 y er p e(jro M a c h e t e , «Notificação deficiente do acto administrativo: a
519 José Manuel Sérvulo C o r r e ia , « O princípio pro actione no procedimento articulação entre meios administrativos e contenciosos», p. 20 ss.
administrativo», em especial p. 39 a 41. 521 Por todos, Manuel de A n d r a d e , Noções.. p. 378 ss. e 385 ss.
254 Manual de Procedimento e Processo Tributário Princípios 255

de partes, com eliminação dos privilégios antes atribuídos à admi­ atos não alegados pelas partes, com a única limitação de se movimen­
nistração. Embora a lei ainda não dê total acolhimento a tal orienta­ tar no âmbito das questões suscitadas pelas partes”525.
ção, é manifesto um certo grau de evolução nesse sentido. Para além Não iremos analisar esta questão, pois deverá ficar ultrapassada
de questões “menores”, nomeadamente as relativas a (igualdade nos) quando for feita a adaptação do CPPT aos princípios do novo conten­
prazos, temos a possibilidade de a administração ser condenada por cioso administrativo.
litigância de má-fé, ainda que só no caso de atuar em juízo contra o Pensando apenas nos processos de natureza impugnatória, aque­
teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interes­ les em que é posta em causa a legalidade de um ato administrativo,
sados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente teremos que, a partir do momento em que for lícito ao juiz conhecer
adotado em situações idênticas (art.° 104.° da LGT) e ser obrigada a de vícios que não hajam sido invocados pelas partes (quando for trans­
pagar custas, na medida do seu decaimento522. posto para o CPPT o disposto no art.° 95.°, n.° 2, do CPTA), os seus
poderes de investigação terão, consequentemente, que ser estendidos,
em ordem ao conhecimento oficioso da factualidade constitutiva de
34.4. Princípios relativos à prova523 “outras causas de invalidade” do ato impugnado.
De todo o modo, fica a ideia de que as diligências instrutórias
34.4.1. Princípio da investigação promovidas oficiosamente pelo juiz, mais que limitadas pelos “factos
alegados pelas partes”, o são pelos factos de que ele pode conhecer.
No domínio da instrução (da produção da prova) vale o principio Mesmo no processo civil, que continua a ser aquele em que o
da investigação ou do inquisitório, que se traduz no poder/dever que princípio do dispositivo assume maior relevância quanto aos factos que
o tribunal tem de procurar a verdade (chamada de material), orde­ o tribunal pode conhecer (apenas aqueles que as partes tiveram por
nando as pertinentes diligências, mesmo para além dos contributos bem alegar), o juiz pode investigar oficiosamente/actos instrumentais
dos demais intervenientes processuais524. e factos complementares dos que hajam sido alegados526. Por maioria
O art.° 99.°, n.° 1, da LGT limita expressamente o poder de cog­ de razão assim será no processo tributário, pela prevalência que nele
nição do tribunal aos "factos alegados ou de que oficiosamente possa assume o princípio da investigação ou do inquisitório.
conhecer”. Daí que o art.° 13.° do CPPT limite as diligências que o
Como já deixámos explicitado527, há que não confundir o exercício
juiz pode ordenar, as quais terão que ser dirigidas ao “apuramento da
pelo tribunal dos seus poderes investigatórios com a questão do con­
verdade relativamente aos factos que lhe é lícito conhecer”.
trolo judicial sobre o exercício pela administração fiscal do seu poder
A bondade desta norma é questionável, pois “como é típico dos
de investigação no âmbito de determinado procedimento, nomeada­
processos em que vigora o princípio da verdade material, justificar-se-
mente o de inspeção.
-ia mesmo que o tribunal pudesse averiguar e considerar no julgamento
A administração fiscal, ao criar a base factual da sua decisão, tem
que investigar todos os factos de que tenha notícia (nomeadamente,
522 Muito embora estas sejam medidas algo simbólicas, uma vez que o Estado
é simultaneamente credor e devedor das custas.
323 Vieira de A n d r a d e , A Justiça Administrativa, pp. 488- 496; André Festas 525 Jorge de S o u sa , Código..., I, p. 176.
da S ilv a , Princípios E stru tu ra n te spp. 101-110,145-149. 526 Miguel Teixeira de S o u sa , Estudos..., p. 70 ss.; J. F. Salazar C a sa n o v a ,
524 Caraterizando este princípio, Saldanha S a n ch es, Princípios Fundamentais, «Os factos instrumentais e a verdade material».
p. 21 ss. e 35 ss. e «O novo processo tributário», p. 175 e ss. 527 Supra, 6.1, A suficiência da prova.
256 Manual de Procedimento e Processo Tributário Princípios 257

através do interessado), quando se mostrem sucetíveis de permitir um instrutórias necessárias que a administração fiscal estava obrigada
melhor esclarecimento da situação (mesmo tratando-se de factos que, a a realizar528.
serem comprovados, resultarão favoráveis ao contribuinte). Tudo dentro
dos limites da proporcionalidade, uma vez que não é exigível obrigar
a administração a realizar diligências manifestamente desnecessárias, 34.4.2. Meios de prova
pela previsível irrelevância do seu resultado, nem que envolvam um
dispêndio de meios claramente desproporcionado relativamente ao Vale o princípio da universalidade dos meios de prova, ou seja,
resultado que se poderá obter. no processo tributário é admissível o recurso a todos os meios de prova
Tal obrigação de investigação por parte da administração impor- admitidos em direito. E não poderia ser de outra forma, uma vez que
-se-á de sobremaneira quando o sujeito passivo não tenha a possibili­ se busca a verdade material.
dade de, ele mesmo, realizar tal produção de prova. A questão tem sido objeto de análise pela jurisprudência, uma
Veja-se, p. ex., o Ac. do STA de 21-10-2009, rec. n.° 0583/09, vez que existem, no CPPT, normas que, em determinados processos
relatado por Lúcio B a r b o sa , que - numa situação em que o contri­ urgentes, apenas admitem o recurso à prova documental.
buinte não dispunha da documentação comprovativa da realização de O STA, numa jurisprudência pacífica - e correta -, vem enten­
determinados gastos mas apenas de cópia dos cheques que titularam o dendo ser inconstitucional uma tal limitação529.
respetivo pagamento - entendeu que era obrigação da administração Vale, também, o princípio da livre apreciação das provas, as
fiscal proceder a uma inspeção da escrita do beneficiário desses che­ quais deverão ser apreciadas segundo a livre convicção do julgador,
ques, em ordem a apurar a prova e a causa desses pagamentos, pois ainda que, necessariamente, fundamentada530.
que tal possibilidade estava de todo vedada à recorrente, sendo que a Exceção é, p. ex., o caso dos documentos autênticos, que gozam
realização de tais diligências não constituiria um ónus excessivo para de força de prova plena, ainda que limitada aos factos que referem
a administração. como praticados pela autoridade ou oficial público e aos factos que
Assim, a falta de realização pela administração tributária de dili­ neles são atestados com base nas perceções da entidade documenta-
gências que lhe seja possível levar a cabo ou a falta de solicitação aos dora (art.° 371.°, n.° 1, do Código Civil).
interessados de elementos probatórios necessários à instrução do pro­ A extensão da força de prova plena, relativamente a documentos
cedimento constitui vício deste, sucetível de implicar a anulação da autênticos, tem sido objeto de apreciação pelos tribunais tributários.
decisão nele tomada.
Ou seja, antes de se colocar a questão da produção da prova em
528 Desenvolvidamente, Pedro Vidal M atos , O Princípio do Inquisitório no
tribunal, de este, eventualmente, ordenar oficiosamente a realização das Procedimento Tributário, p. 128 ss.
diligências instrutórias que considere necessárias, há - no contencioso; 529 Assim, p. ex., o Ac. do STA de 14-07-2010, rec. n.° 0549/10, de que foi
de impugnação - que decidir se a administração cumpriu ou não cabal­ relator M ir a n d a d e P acheco , decidiu que “o artigo 146 °-B, n" 3 do CPPT, ao
mente com o seu dever de investigação, se, razoavelmente, se impunha restringir os meios de prova à prova documental está ferido de inconstitucionalidade
a realização de mais diligências de investigação, pois que sucetíveis de, material por ofensa ao princípio do direito a um processo equitativo (artigo 20.°,
n.° 4 da CRP)”.
estabelecer um diferente enquadramento factual da situação.
No mesmo sentido se havia já pronunciado o T C, por Ac. de 21-11-2006, rec.
Concluindo-se pela negativa, há que anular o ato administra­ n.° 748/2006.
tivo por preterição de formalidade essencial, a omissão de diligências 530 Sobre este princípio, por todos, Manuel de A n d r a d e , Noções..., p. 382 ss.
258 Manual de Procedimento e Processo Tributário Princípios 259

Assim, p. ex., decidiram - bem - que tal força não abrange o preço factos sobre que é chamado a decidir. Há pois, necessidade de regras
e a data da transmissão declarados pelos outorgantes numa escritura jurídicas que estabeleçam qual o sentido em que deve ser proferida a
pública que titula um contrato de compra e venda de um imóvel. decisão.
Importará ainda recordar531 que foi abolida a força probatória Como é sabido, a regra geral sobre o ónus da prova, constante do
plena que, antes, era atribuída às informações oficiais prestadas pelas art.° 342.° do Código Civil, é a de que àquele que invocar um direito
administrações tributárias. Estão também sujeitas à livre valoração cabe fazer a prova dos respetivos factos constitutivos, cabendo à outra
pelo juiz (art° 76.°, n.° 1 da LGT e art.° 115.°, n.° 2 do CPPT), pelo que parte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.
o seu relevo probatório dependerá da respetiva fundamentação, sendo No essencial, é, também, o que diz o art.° 74.° da LGT, ainda que
que bastará ao interessado lograr a contraprova de factos sucetíveis só relativamente ao procedimento tributário.
de gerar dúvida razoável quanto à correspondência à verdade do afir­ Esta regra resulta explicitada pelo art.° 100.°, n.° 1, do CPPT, que
mado em tais informações. dispõe que sempre que da prova produzida resulte fundada dúvida
A existência de meios de prova com força pleníssima (que não sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato
admitiriam prova em contrário) deve também considerar-se afastada, impugnado ser anulado.
uma vez que a regra é, hoje, a de que as presunções legais admitem As regras gerais sobre a distribuição do ónus da prova não podem
sempre prova em contrário532. ser, formalmente, aplicadas aos recursos impugnatórios, pois aí trata-
Feita a prova de determinado facto, relevante para a boa decisão -se sobretudo da conformidade com o ordenamento jurídico de uma
da causa, ele deve ser tomado em consideração na sentença, indepen­ decisão administrativa de autoridade.
dentemente de quem o alegou e/ou provou. É o chamado princípio da Nos processos impugnatórios há como que uma inversão da posi­
aquisição processual, mera decorrência da busca da verdade (mate­ ção processual das partes relativamente ao interesse que querem fazer
rial) que preside ao processo tributário. valer em juízo.
Substancialmente, estamos perante situações em que uma admi­
nistração tributária pretende fazer valer o direito ao imposto. Só que,
34.4.3. O ónus da prova objetivo como para tal não precisa de recorrer ao tribunal, apenas tem que
lograr o reconhecimento judicial de tal direito quando ele é questio­
Já vimos que, em decorrência dos princípios da aquisição proces­ nado pelo interessado, ou seja, em processos em que é, formalmente,
sual e do inquisitório, não existe um ónus da prova subjetivo, a obri­ Ré. Nos processos de impugnação é, pois, substancialmente, a admi­
gação de ser cada uma das partes a lograr a prova dos factos que são nistração (a Ré) quem afirma a existência de um direito e é o particu­
do seu interesse. lar (o Autor) quem o nega.
Mas, perante o quadro fáctico dado como provado, poderá con­ Portanto, apesar da posição que no processo ocupa cada uma das
tinuar a persistir no espírito do juiz uma dúvida razoável quanto aos partes, caberá à administração a prova do seu direito ao imposto (tal
como afirmada na fundamentação do ato impugnado). Apenas quando
531 O tema já foi abordado supra, 6.2.2, Informações oficiais. se mostre provado que se verificam os pressupostos legais da obrigação
532 Muito embora o art.° 73.° da LGT apenas refira as presunções consagradas tributária é que cabe ao particular provar factos impeditivos, modifi­
nas normas de incidência tributária, pensamos que se trata de um princípio de
aplicação geral, uma vez que os princípios constitucionais que presidem à tributação
cativos ou extintivos de tal direito.
não parecem ser conformes com a existência de ficções jurídicas.
260 Manual de Procedimento e Processo Tributário Princípios 261

De outro modo, teríamos uma presunção quase absoluta de lega­ No direito processual tributário, este princípio sofria, até um pas­
lidade do ato administrativo, pois a administração ficaria dispensada sado recente, de uma entorse grave. As testemunhas eram ouvidas (ou,
de mostrar que atuou em conformidade com a lei e caberia ao impug- posteriormente, podiam optar por ser ouvidas) nos serviços de finan­
nante a prova dos factos constitutivos da sua pretensão anulatória, a ças, sendo as suas declarações registadas, em escrito, por um funcio­
prova de que a administração não atuou em conformidade com a lei. nário da administração fiscal.
O que se deixou dito vale apenas para os processos de natureza Tal sistema era justificado por razões de economia, como forma de
impugnatória. Se, p. ex., está em causa o pedido de reconhecimento evitar que as testemunhas tivessem que se deslocar à sede do tribunal,
judicial do direito a um benefício fiscal, cabe ao interessado alegar e mas era algo perverso, pois a condução do interrogatório e a redação
provar os factos constitutivos do direito que invoca. Aqui, a “afirma­ dos depoimentos eram feitas por alguém que era funcionário de uma
ção” do direito é do particular e a “negação” é da administração533. das partes. E, em especial, perdiam-se as vantagens do depoimento
Por último, é de salientar que existem situações em que a lei pres­ oral perante o julgador - da imediação - pois muitas vezes a convic­
creve uma inversão do ónus da prova. O caso mais relevante é —como ção a atribuir ao depoimento de uma testemunha não resulta apenas
vimos - o da avaliação indireta, em que a administração apenas tem do que ela disse mas da forma como o disse.
que provar a verificação de factos que integrem um dos pressupostos Hoje, a audição das testemunhas em processo tributário segue as
legais para o recurso a tal método excecional de quantificação, presu­ regras gerais, ou seja, o seu depoimento é prestado perante o juiz ainda
mindo a lei ser correto o valor apurado. Cabe, então, ao sujeito passivo que, eventualmente, sob a forma de vídeo-conferência.
provar o excesso da matéria coletável fixada (art.° 74.°, n.° 3, da LGT O processo tributário continua a ser, essencialmente, um processo
e art° 100.°, n.° 2 e 3, do CPPT). O que - como também já vimos - se escrito, não havendo lugar a uma audiência de discussão e julgamento.
justifica pelo facto de ter sido o incumprimento pelo sujeito passivo Não existem, portanto, as vantagens associadas ao princípio da orali­
dos seus deveres de cooperação a razão que obrigou ao recurso a tal dade que resultariam da discussão dos factos e dos aspetos jurídicos
método de quantificação, pelo que deverá ser ele a suportar o risco de da questão diretamente perante o juiz.
insegurança a ele inevitavelmente associado. Esta é uma situação que, provavelmente, será revista no curto
prazo, uma vez que o CPTA prevê a obrigação ou a possibilidade
(consoante a forma processual em causa) da existência de audiência
34.5. Princípios relativos à forma processual: imediação e de discussão e julgamento.
oralidade534

O princípio da imediação pressupõe a maior aproximação pos­


sível entre o julgador e os meios de prova e, eventualmente, os factos
sujeitos a prova.

533 Para mais desenvolvimentos, Mário Aroso de A lmeida , «Sobre as regras


de distribuição do ónus material da prova no recurso contencioso de anulação de
actos administrativos».
534 V ie ir a d e A n dr a de , A Justiça Administrativa, pp. 497- 498; A n d r é F estas
d a S ilva, PrincípiosEstruturantes ..., pp. 101-102.
CAPITULO v n
A Jurisdição Tributária

35. Os tribunais tributários

A evolução dos tribunais tributários (e dos tribunais administra­


tivos) desde a época liberal é marcada pelo sucessivo rompimento dos
laços que os uniam à administração fiscal.
Essa umbilical ligação teve a sua origem numa visão rígida do
princípio da separação de poderes, inspirada em Montesquieu, segundo
a qual cada função do Estado deveria ser exercida por órgãos diferentes
do aparelho estadual e que cada um deles devia exercer apenas uma
daquelas funções535. Ao julgar a administração {maxime, ao condená-
-la à prática de um determinado ato), o tribunal estaria a administrar,
estaria a violar a separação de poderes, entendimento que teve como
consequência a subtração da atividade administrativa ao controlo dos
tribunais, cuja função seria limitada a dirimir litígios entre particulares.
Como forma de ultrapassar este dilema, criou-se, seguindo o
modelo francês, o sistema do “administrador-juiz”536: a administra­
ção julgava a sua própria atuação, através de órgãos próprios, dota­
dos de maior ou menor independência técnica. Este sistema de justiça
reservada evoluiu, posteriormente, para um sistema de justiça dele-

535 Sobre as conceções e condições ideológicas e políticas subjacentes ao


nascimento do contencioso administrativo, Vasco Pereira da S ilv a , Em Busca do
Ato Administrativo Perdido, pp. 11-37 e Para um Contencioso Administrativo
dos Particulares, pp. 13-64; Paulo O t e r o , Legalidade e Administração Pública,
p. 269 ss.
536 Sobre esta evolução, exaustivamente, Maria da Glória G arcia, D o Conselho
de Estado ao Atual Supremo Tribunal Administrativo.
264 Manual de Procedimento e Processo Tributário A Jurisdição Tributária 265

gada: passam a existir tribunais administrativos, mas que continu­ tarefas próprias dos tribunais fiscais eram asseguradas pelos Chefes
aram a ser havidos não como órgãos do poder judicial, mas sim da de Repartição de Finanças, que, nessas funções, tinham o equívoco
administração537. estatuto de juiz auxiliar ou auxiliar do juiz541.
No plano fiscal, esta situação manteve-se mesmo já no domínio Hoje, os juizes e os tribunais da jurisdição tributária gozam das
da Constituição de 1976: juizes dos tribunais de 1* instância (dos estão mesmas garantias de independência, quer substanciais, quer formais,
denominados Tribunais das Contribuições e Impostos) eram escolhi­ que quaisquer outros magistrados e tribunais judiciais, com acentu­
dos livremente pelo Ministro das Finanças (a própria “posse” era-lhes ação da (necessária) especialização, ao nível do seu recrutamento e
conferida por agentes da administração)538. formação.
Outra situação de dependência (esta total) era a do Ministério
Público das Contribuições e Impostos, pois os seus agentes eram fun­
cionários da administração fiscal. 35.1. A dualidade de jurisdições
Apenas em 1984, com a publicação do Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, se alterou tal situação, sendo criadas regras Entre nós foi adotado um modelo pluralista de organização judici­
de recrutamento e provimento dos juizes, bem como da sua sujeição ao ária, em que diferentes tribunais ou ordens de tribunais julgam deter­
exercício do poder disciplinar, em tudo semelhantes às vigentes para minadas matérias, em razão de um princípio de especialização542.
os tribunais comuns, cabendo a respetiva gestão ao Conselho Superior Temos assim, para além dos casos particulares do Tribunal Cons­
dos Tribunais Administrativos e Fiscais539. titucional543 e do Tribunal de Contas544, duas ordens de tribunais: a
A ligação à administração fiscal permaneceu durante mais algum dos tribunais judiciais (ditos “comuns”) e a dos tribunais administra­
tempo nos seus aspetos ”funcionais”, como sejam: instalações, cedidas tivos e fiscais.
pelo Ministério das Finanças, sendo que, em muitos distritos, os tribu­ Esta dualidade afirma-se não só pela existência de duas pirâ­
nais tributários e as direções de finanças se encontravam alojados num mides organizativas, tendo por órgãos cimeiros, respetivamente, o
mesmo espaço, o que muito prejudicava a necessária imagem de inde­ Supremo Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Administrativo,
pendência dos tribunais relativamente ao poder executivo; os funcio­
nários em serviço nos tribunais pertenciam aos quadros do Ministério 541 Sobre esta figura e consequências processuais da sua existência, Saldanha
das Finanças; a atividade destes tribunais era encargo deste Minis­ S a n ch es, OÓnus da Prova..., p. 195 e ss.
tério (e não, como seria curial, do Ministério da Justiça)540; algumas 542 Cf. art.° 2 0 9 “ a art.° 214.° da CRP.
543 O Tribunal Constitucional, sendo um tribunal (um órgão de soberania,
independente e autónomo dos demais) com competências próprias, fixadas, em grande
537 “Conservam porém estes tribunais o seu carácter de órgão de administração, parte, pela própria Constituição (art.° 223.°), é também um órgão constitucional com
de tal modo que a apreciação da legalidade dos atos administrativos continua a poderes de natureza política. Tal explica a sua particular composição, pois que a
ser uma fiscalização interna que o poder administrativo admite sem quebra da maioria dos seus Conselheiros é eleita pela Assembleia da República.
sua autoridade” —Marcello C a e ta n o , Manual de Direito Administrativo, I, p. 37. 544 q Tribunal de Contas é o órgão supremo de fiscalização da legalidade das

538 Cândido de O l i v e i r a , Organização Judiciária Administrativa (e despesas públicas e de julgamento das contas do Estado e das regiões autónomas
tributária); Catarina Sarmento e C a s tr o , «Organização e competência dos Tribunais (art.° 214.° da CRP). Os seus juizes não são, necessariamente, magistrados de
Administrativos»; Saldanha S a n c h e s, Princípios do Contencioso Tributário, p. 9 ss carreira, podendo ter formação académica em outras áreas que não o direito (p.
539 Leite de C am po s , «A Reforma dos Tribunais Fiscais». ex., economia, gestão de empresas, finanças públicas, auditoria). O seu Presidente
340 Situação que só terminou em 2001. é nomeado pelo Presidente da República, sob proposta do Governo.
266 Manual de Procedimento e Processo Tributário A Jurisdição Tributária 267

mas também pela existência de dois Conselhos Superiores, aos quais Porém, por razões meramente organizativas, que não contendem
cabe, entre outras funções, a nomeação, a colocação, a transferência e com a sua especialização, os tribunais administrativos (ditos de cír­
a promoção dos respetivos juizes, bem como o exercício da ação dis­ culo) e os tribunais tributários estão agregados, tendo sido adotada a
ciplinar (art° 217.° da CRP)545. designação de tribunal administrativo e fiscal 547.
A existência de uma jurisdição administrativa e fiscal autónoma, Os tribunais administrativos e fiscais estão sedeados em várias
embora sendo essencialmente um “produto histórico”, justifica-se pela cidades do país548, sendo que a sua distribuição geográfica não cor­
especialização das matérias cujo julgamento lhes é cometido. O que responde, hoje, nem à organização regional da administração fiscal549
não implica necessariamente a existência de duas diferentes juris­ nem à dos tribunais “comuns”.
dições, sem prejuízo da necessidade de ficar assegurada, a todos os Os tribunais de 2.° Instância, que funcionam em coletivo de três
níveis, a especialização dos seus juizes. desembargadores, estão sedeados em Lisboa e Porto, sendo designados
A organização dos tribunais administrativos e fiscais, tal como a por Tribunais Centrais Administrativos (respetivamente, Sul e Norte).
dos tribunais judiciais, desdobra-se em três níveis hierárquicos. Também aqui se verifica uma agregação funcional com os tribunais da
Em 1“ instância, temos os tribunais tributários, por regra tribu­ jurisdição administrativa, sendo que a especialização é mantida atra­
nais de juiz singular (art.° 45.° e ss. do ETAF)546. vés da existência de duas secções, uma de contencioso administrativo
e outra de contencioso tributário (art.° 32.° do ETAF).
545 Sobre o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, cf. os No Supremo Tribunal Administrativo a situação é, no essencial,
art.° 74.° e ss. do ETAF. A sua composição é heterogénea (é presidido pelo Presidente idêntica, existindo também duas secções, sendo a 2.a a do Contencioso
do STA, sendo dois vogais designados pelo Presidente da República, quatro eleitos Tributário. O julgamento é efetuado por um coletivo de três conselhei­
pela Assembleia da República e quatro eleitos pelos juizes desta magistratura), de ros, sendo, porém, relativamente frequentes os acórdãos tomados em
forma a, assegurando a necessária independência destes tribunais, se tentar, tam­
pleno da secção de contencioso tributário, nomeadamente nos casos
bém, evitar o autogoverno dos juizes, ou seja, garantir um certo grau de controlo
da função judicial por representantes dos órgãos de soberania democraticamente
de recursos para uniformização de jurisprudência (art.° 27.°, n.° 1, al.
eleitos. Refletindo sobre esta questão, Paulo Castro R a n g e l , Repensar o Poder b), do ETAF).
Judicial —Fundamentos e Fragmentos. A especialização dos juizes de primeira instância é assegurada
546 A jurisprudência entende que as ações que sigam a forma de ação ad­ (ainda que sem distinção entre as áreas do direito administrativo e do
ministrativa especial, desde que com valor superior à alçada do tribunal de l.a direito tributário) através de concurso entre magistrados que, em prin­
instância, devem ser julgadas por um coletivo de três juizes, por força do art.040.°,
cípio, terão tido formação específica (art.° 70.° a 12? do ETAF). Os
n.° 3, do ETAF (cf. Joaquim Freitas da R o c h a , Lições.. p. 259 e arestos aí citados).
Compreendemos as razões de tal entendimento (igualdade de garantias nos tribu­
nais administrativos e nos fiscais). Temos, porém, as maiores dúvidas em que esta lugar a audiência de discussão e julgamento) e que determinará a necessidade de
solução deva ser acolhida no contencioso tributário, desde logo pelas diferenças repetição do julgamento (art.° 646.°, n.° 3, do CPC, subsidiariamente aplicável).
entre as matérias que, normalmente, estão subjacentes a estas ações em cada tipo de; 547 Exceção é Lisboa, onde, em razão da dimensão, se mantêm separados o
tribunais. Será mais uma questão que deve ser ponderada pelo legislador aquando Tribunal Administrativo de Círculo e o Tribunal Tributário.
da “adaptação” das normas do contencioso tributário aos princípios enformadores \ 548 DL n.° 325/2003, de 29 de Dezembro, com alterações posteriores, e mapa
do “novo” (já não tão novo...) contencioso administrativo. ' a ele anexo.
De todo o modo, há que frisar que se uma ação administrativa especial de. 549 No passado, a localização dos tribunais tributários de l.a instância
valor superior à alçada for julgada, em 1 * Instância, por um juiz singular, teremo (Tribunais das Contribuições e Impostos) tendia a coincidir com a das Direções
uma nulidade processual, que deve ser invocada até ao momento da apresentaçãc de Finanças, acontecendo que - como vimos - muitos desses tribunais partilhavam
das alegações escritas a que se refere o art.° 120.° do CPTT (uma vez que não" instalações com tais serviços da administração fiscal.
268 Manual de Procedimento e Processo Tributário A Jurisdição Tributária 269

desembargadores dos tribunais centrais administrativos serão esco­ Tal não impede que a lei, pontualmente, alargue ou restrinja a
lhidos, também por concurso público, de entre juizes dos tribunais competência destes tribunais. Assim, restringindo, temos, desde logo,
administrativos e fiscais (juizes de 1“ instância). o n.° 2 do art.° 4 do ETAF que exclui da competência (rectius, juris­
O provimento de vagas no Supremo Tribunal Administrativo obe­ dição) destes tribunais o julgamento dos processos relativos a crimes
dece a regras algo diferentes (mantém-se a regra do concurso público), tributários (nomeadamente os previstos e punidos pelo RGIT)552 e a
pois a lei (art" 65.° ss. do ETAF) estabelece quotas para o provimento reapreciação de decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não
das vagas abertas em cada uma das secções, de forma a assegurar integrados na jurisdição administrativa e fiscal553. No sentido de um
uma maior diversidade de experiências profissionais dos seus conse­ alargamento temos, p. ex., o julgamento de uma oposição à execução
lheiros: assim, p. ex., há vagas específicas para magistrados judiciais relativa a um crédito de natureza não tributária que deva ser cobrado
(incluindo os oriundos de outras jurisdições, p. ex., conselheiros do coercivamente em processo de execução fiscal.
Supremo Tribunal de Justiça), magistrados do Ministério Público (pro- Apenas mais algumas notas:
curadores-gerais adjuntos) e juristas (mio magistrados) de comprovada
—haverá, necessariamente, situações problemáticas no determi­
experiência profissional (art.° 65.° e ss. do ETAF).
nar se está em causa o exercício da junção tributária, desde
logo quando as características de determinadas prestações
pecuniárias tornam questionável a sua qualificação como
35.2. Competência
tributos554;
- a competência dos tribunais tributários em razão da matéria
35.2.1. Competência em razão da matéria
advém da natureza jurídica da questão sub judice e não da natu-
É a natureza tributária do litígio, entendida em sentido amplo
(abrangendo, p. ex., questões relativas a contratos fiscais e a responsabi­
lidade civil extracontratual emergente de relações jurídico tributárias) 352 “Trata-se de uma garantia tradicionalmente associada à proibição de en­
que determinará a competência destes tribunais550. As enumerações tregar a jurisdição penal em certas categorias de crimes (crimes políticos, crimes
contra a segurança do estado, crimes de imprensa, etc.) a tribunais especializados,
legais (p. ex., art.° 4.°, n.° 1, do ETAF e art.° 49.° do mesmo diploma)
caraterizados por menores garantias de independência e menos seguras garantias
são meramente indicativas (como resulta do advérbio nomeadamente, de defesa processual, como sucedia com os famigerados «tribunais plenários» do
presente nos respetivos textos)551. Estado Novo» - Gomes C anotilho / Vital Moreira, Constituição...,II, p. 553. O
que, a nosso ver, não inviabiliza (ou não deveria inviabilizar) a cada vez mais ne­
550 p0deríamos analisar esta questão em dois níveis diferentes: o da compe­ cessária especialização dos juizes dos tribunais criminais, nomeadamente quanto
tência em razão da jurisdição (ou seja, começar por responder à questão de saber a crimes tributários.
se o julgamento de determinado caso cabe à ordem [jurisdição] dos tribunais ad­ 553 Os tribunais “comuns”, em determinadas circunstâncias, decidem sobre
ministrativos e fiscais ou a outros tribunais) e, depois, a da competência em razão matérias de natureza fiscal. Assim, p. ex., sobre a graduação de créditos tributários
da matéria (se a questão deve ser dirimida pelos tribunais tributários ou pelos que hajam sido reclamados em processos de execução neles pendentes (Rui Du­
administrativos). Não o faremos pois, como reconhecem autores que seguem tal arte M o r a is , A Execução ..., p. 133 ss) e em processos de insolvência (Rui Duarte
distinção (por todos, Mário Aroso de A lm e id a , Manual..., p. 155), as questões de M o r a is , «Da Insolvência»). Os tribunais “comuns” são, também, os competentes
delimitação de jurisdição não deixam de ser, em bom rigor, questões de competência para julgar as questões relativas às custas (taxas de justiça) relativas aos processos
em razão da matéria. que neles correram
551 Desenvolvidamente, Mário Aroso de A lm e id a , Manual.. p. 154 ss. 354 Será, p. ex., o caso das tarifas.
270 Manual de Procedimento e Processo Tributário A Jurisdição Tributária 271

reza jurídica das partes envolvidas, mormente da entidade cre­ ser oficiosamente remetida ao tribunal administrativo competente;
dora555, nem da forma de processo a ser utilizada556; se o tribunal competente não pertencer à jurisdição administrativa,
- uma vez que as normas fiscais se aplicam a situações regula­ pode o interessado requerer a remessa ao tribunal competente, em
das por outros ramos do direito (sendo, nessa medida, o direito 30 dias contados do trânsito em julgado da decisão de declaração de
fiscal um direito de sobreposição), a resolução de muitas ques­ incompetência.
tões prejudiciais à concretização da obrigação tributária (p. ex., Para além da diferença do prazo para apresentar tal requerimento,
quem é o titular de determinado bem ou rendimento) será da coloca-se a seguinte dúvida: se, numa ação regulada pelas normas do
competência de outros tribunais, o que, normalmente, levará à CPTA, for apresentada a petição num tribunal administrativo e a com­
suspensão da instância nos tribunais tributários até ser profe­ petência em razão da matéria for do tribunal tributário, ou vice-versa, a
rida, por aqueles, decisão final. remessa será oficiosa ou dependerá de requerimento do interessado558?

35.2.1.1. A incompetência em razão da matéria é um caso de Analisando o elemento literal do art.° 14.° do CPTA, encontramos
incompetência absoluta (a lei proíbe que esse tribunal decida essa as expressões “tribunal administrativo” e “jurisdição administrativa”, o
causa), pelo que o juiz deve conhecer oficiosamente da competência que pode levar a concluir que a remessa oficiosa só acontece quando de e
do tribunal, sob pena de nulidade da sentença557. para um tribunal administrativo; pelo que, nos demais casos, seria neces­
A consequência da existência do vício de incompetência absoluta sário um requerimento do interessado.
é a absolvição da instância. Embora, por mera cautela, seja recomendável, na dúvida, a apre­
O interessado pode, porém, em 14 dias, requerer a remessa ao sentação de tal requerimento, não deixaremos de observar que não existe
tribunal competente (art.° 18.°, n.° 2, do CPPT). Se o fizer, o processo nenhuma jurisdição administrativa, mas sim uma jurisdição administra­
“reinicia-se” aí, considerando-se a petição como tendo sido apresen­ tiva e fiscal (art.° 4.°, n.° 1, do ETAF) e que, ao menos de legeferenda, é
tada na data em que deu entrada no primeiro tribunal. aconselhável que a remessa aconteça oficiosamente no maior número pos­
Este regime é aplicável às formas processuais reguladas no CPPT, sível de casos (se não em todos), porquanto é razoável presumir que, por
não havendo, pois, casos de remessa oficiosa do processo para o tri­ regra, o autor desejará que o processo prossiga, ainda que noutro tribu­
bunal competente. nal. A obrigação de apresentação de um requerimento pedindo a remessa
Porém, é outra a solução prevista no CPTA (art.° 14.°): quando a dos autos para o tribunal competente, além de ser algo supérflua, envolve
petição for dirigida a um tribunal administrativo incompetente, deve o risco —que temos por desnecessário - de perda da possibilidade de ver
julgada a causa por omissão desta formalidade, que temos por inútil (e
que —para mais - é exigível nuns casos e não noutros).
555 O sujeito ativo de uma relação jurídico-tributária pode ser uma pessoa
privada que exerça funções públicas, como uma concessionária de obras públicas,
serviços públicos ou bens do domínio público.
556 P. ex., os processos que seguem a forma de ação administrativa especial,
regulada no CPTA, serão julgados pelos tribunais tributários quando esteja em
causa um ato administrativo em matéria fiscal. 558 Dada a agregação dos tribunais administrativos de círculo e dos tribunais
557 O que será sempre feito, mesmo quando não se coloca qualquer questão tributários de 1 *instância (exceto em Lisboa), a questão acaba por revestir contornos
concreta, neste caso com recurso a formulações estandardizadas, como seja «o curiosos (ou por, na prática, não existir), uma vez que muitas petições são, pura e
tribunal é competente, as partes são legítimas (...)». simplesmente, dirigidas ao Tribunal Administrativo e Fiscal.
272 Manual de Procedimento e Processo Tributário A Jurisdição Tributária 273

35.2.2. Competência em razão da hierarquia 35.2.2.1. Alçada

Por regra, tal como sucede relativamente aos tribunais “comuns”, A possibilidade de recurso é ainda, por regra, condicionada pelo
cabe ao tribunal tributário de V instância conhecer, em primeiro lugar, valor da causa (e não da sucumbência561), ou seja, os tribunais tribu­
de quaisquer processos do contencioso tributário (art.° 49.° do ETAF). tários têm, também, alçada562.
Existem, porém, exceções. Referindo apenas as mais importantes, A alçada dos tribunais tributários563corresponde a um quarto da
temos que cabe ao TCA (Secção de Contencioso Tributário) conhecer, alçada fixada para os tribunais judiciais de 1 “ instância. Uma vez que
em primeira instância, dos atos praticados por membros do governo só existe hoje um grau de recurso, esta será a única aplicável, quer se
em matéria fiscal559(art.° 38.°, al. b), do ETAF) e ao STA (2.a Secção) trate de um recurso para o TCA, quer para o STA (per saltum).
conhecer, também em primeira instância, dos atos em matéria tributá­ A lei admite, ainda, o recurso para o STA, independentemente do
ria praticados pelo Conselho de Ministros (art° 26.°, al. c), do ETAF). valor da causa, quando se vise a uniformização da jurisprudência (art.°
A competência para conhecer de recursos (atualmente existe ape­ 105.° da LGT e art.° 280°, n.° 5, do CPPT, preceitos que, certamente,
nas um grau de recurso) cabe, por regra, ao tribunal imediatamente terão pouca aplicação, tão exíguo é o valor da alçada).
superior na hierarquia. Porém, como veremos, estando apenas em causa
questões de direito, o recurso da decisão de primeira instância é, per
saltum, para o STA (art.° 26.°, al. b), do ETAF). 35.2.2.2. Incompetência absoluta
O Pleno da Secção do Contencioso Tributário conhece, entre
outros, dos acórdãos proferidos pelos seus juízes-conselheiros nos A violação das regras definidoras da competência em razão da
casos (relativamente excecionais) em que atuem como tribunal de 1* hierarquia gera, também, o vício de incompetência absoluta. Vale
instância e, mais frequentemente, como instância de recurso para uni­ aqui, no essencial, o que ficou dito a propósito da competência em
formização de jurisprudência (art.° 27.° do ETAF)560. razão da matéria.
Apenas haverá que salientar, de novo, a dualidade de regimes
existente no que toca à remessa do processo para o tribunal compe­
tente: estando em causa ações cuja tramitação é regulada pelo CPTT
(nomeadamente ações de impugnação), o interessado tem o ónus de,
em 14 dias, requerer a remessa do processo para o tribunal compe­
tente, sob pena de o processo se considerar findo (estando em causa
559 P. ex.} questões relativas à concessão (reconhecimento) de benefícios um recurso, de transitar em julgado a decisão recorrida) - art.° 18.°,
fiscais.
560 Haverá ainda outras situações a considerar, como sejam as relativas
n.° 2, do CPPT. Se a tramitação de processo obedecer ao disposto no
às competências do Plenário do STA (constituído pelo seu Presidente, os vice-
presidentes e pelos três juizes mais antigos de cada secção, que decide dos conflitos 561 Entende-se que, no contencioso tributário, para efeitos de recorribilidade
de jurisdição entre os tribunais administrativos e os fiscais - art.° 28.° e ss. do ETAF) em função da alçada, releva o valor atribuído ao processo e não o valor da
e o regime do Tribunal de Conflitos (um tribunal constituído por conselheiros do sucumbência. Cf. Jorge de Sousa, Código..., vol. IV, p. 419.
STJ e do STA que julga os conflitos de competência entre tribunais administrativos 562 António G a n h ã o , «Constitucionalidade das normas instituidoras de
e fiscais e os tribunais judiciais). Para mais desenvolvimentos quanto a este último alçadas nos tribunais fiscais: breves considerações».
tribunal, António Damasceno C orreia , Tribunal de Conflitos. 563 Em quaisquer processos, como resulta do art.° 6, n.° 2, do ETAF.
274 Manual de Procedimento e Processo Tributário A Jurisdição Tributária 275

CPTA (nomeadamente ações administrativas especiais), a remessa competente para litígios que as envolvam567. Acresce que os processos
será oficiosa (art.° 14.°, n.° 1, do CPTA, também aplicável aos proces­ de competência dos tribunais tributários não são mais apenas “pro­
sos que correm nos tribunais tributários). cessos feitos a um ato”, pelo que se pode colocar a questão de saber
se o tribunal competente é, nestes casos, o da sede do réu (do local
onde está localizado o órgão de administração fiscal demandado) ou
35.2.3. Competência em razão do território o do domicílio dos autores (ou seja, se é de aplicar o n.° 1 ou o n.° 2
do art.° 12.° do CPPT)568.
As regras que presidem à sua repartição constam do art.° 12.° do A incompetência territorial é meramente relativa, pelo que tem
CPPT. Esta competência é, por regra, definida em função da situação que ser arguida pelo interessado até aos momentos fixados no art.° 17.°
do serviço local da administração que praticou o ato impugnado564ou do CPPT. Não tendo sido invocada tempestivamente a existência de
onde deve correr a execução565. um tal vício, o mesmo considera-se sanado.
No caso de atos praticados por órgãos situados a outros níveis
da administração tributária (entendida a expressão em sentido amplo,
abrangendo, p. ex., atos praticados pelo Governo ou por membros do
Governo em matéria tributária), o tribunal tributário competente passa 367 Assim, p. ex., a lei (art.° 16.° do Regime Geral das Taxas Locais) como
a ser determinado em função da sede ou domicílio do autor, da situ­ que equipara um município a um órgão local da administração tributária, pelo que,
p. ex., as ações de impugnação de taxas são dirigidas ao tribunal tributário com
ação dos bens ou da transmissão566. jurisdição na área desse município.
A nosso ver, a norma está manifestamente desatualizada, pois a Mas - a nosso ver ~ tal já não sucederá relativamente, p. ex., às taxas ou
sua redação tem como “pressuposto” a estrutura orgânica da DGCI. contribuições financeiras administradas por uma entidade reguladora de âmbito
Ora, existem hoje numerosas outras administrações fiscais, o que, em nacional, cujos litígios serão dirimidos pelo tribunal do domicílio do autor.
alguns casos, torna duvidoso saber qual o tribunal territorialmente 568 Jorge de S o u sa ( Código ..., I, p. 169) diz-nos que às ações administrativas
especiais se aplica o n.° 1 do art” 12 do CPPT. Estamos inteiramente de acordo
quando estejam em causa ações de natureza impugnatória, até porque não faria
sentido que, em razão da forma processual, a apreciação de atos tributários (aqui
564 A lei ficciona, para efeitos da determinação do tribunal competente, que entendidos em sentido lato) coubesse a diferentes tribunais. Mas a nossa dúvida
os atos tributários (a expressão deve aqui ser entendida em sentido amplo) foram permanece em relação a processos de natureza não impugnatória. As soluções que
praticados na área do domicílio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou a lei expressamente prevê são pontuais e algo contraditórias. Assim, p. ex., a lei
da liquidação (art.0 103.°, n.° 2, do CPPT), mesmo quando a competência para a diz-nos que as ações para o reconhecimento de um direito seguem os termos das
sua prática caiba, p. ex., aos serviços centrais de uma administração fiscal. ações de impugnação (art.° 145.°, n.° 4 , do CPPT); os meios processuais acessórios
565 Será o caso, p. ex., de um processo cautelar de arresto, prévio à execução, são da competência dos tribunais tributários de l.a instância, sem especificação
como prevê o art.° 138.° do CPPT. Mas já relativamente ao arrolamento, apesar da de qual o territorialmente competente (art.° 146.°, n.° 3, do CPPT); o recurso da
similitude destes dois processos, a lei atribui competência ao tribunal da área da decisão que determine o acesso direto a informação bancária é da competência do
residência, sede ou estabelecimento estável do contribuinte (art.° 141.° do CPPT). tribunal da área do domicílio fiscal do recorrente (art° 146.°-B , n.° 1, do CPPT).
Relativamente às fases ou momentos judiciais dos processos de execução Num raciocínio que cremos defensável, teremos que, na ausência de norma
fiscal, a competência territorial do tribunal resulta do disposto no art" 151.°, n.° 1, expressa, estaremos perante uma lacuna do CPPT, a qual deverá ser suprida por
do CPPT. aplicação do disposto nos art.° 16.° a 22.° do CPTA, o que, na maioria dos casos,
566 p0£jenc|0 ocorrer casos em que a competência territorial resulte atribuída, apontará para a competência do tribunal do domicílio ou sede do autor, uma vez
cumulativamente, a diferentes tribunais. que a entidade demandada será de âmbito nacional.
276 Manual de Procedimento e Processo Tributário A Jurisdição Tributária 277

Porém, entendendo-se569 que as normas do CPTA relativas à com­ Diferentemente, as petições relativas a processos cuja tramita­
petência territorial se aplicam aos processos que, muito embora correndo ção obedeça ao previsto no CPTA (p, ex., as relativas a ações admi­
nos tribunais tributários, seguem tramitação prevista na CPTA (p. ex., as nistrativas especiais ou a meios processuais acessórios) terão que ser
ações administrativas especiais), somos conduzidos a diferente solução, entregues na secretaria do tribunal, em harmonia com o que dispõe o
pois, então, “a competência dos tribunais administrativos, em qualquer art.° 78.° do CPTA. O mesmo acontece com os recursos de decisões da
das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de administração que determinem o acesso a informação bancária (art.°
qualquer outra matéria” (art.° 13.° do CPTA). Nestes processos (ou seja, 146 °-B, n.° 1, do CPPT).
exceção feita às ações de impugnação reguladas pelo CPPT, “incluindo” O regime legal relativo ao local de entrega das petições dirigi­
as ações para reconhecimento de direito ou interesse legítimo por força das aos tribunais tributários é, como resulta da sumária descrição que
do art.° 145.°, n.° 4, do CPPT, e aos processos de execução fiscal) a incom­ dele fizemos, complexo, pois prevê diferentes regras, até para situações
petência territorial será do conhecimento oficioso. materialmente idênticas. Tal é resultado do desejo do legislador de, pro­
gressivamente, autonomizar, mesmo ao nível de “secretariado”, os tri­
A consequência da declaração de incompetência territorial é a bunais tributários dos serviços da administração fiscal, muito embora
remessa, feita oficiosamente, do processo para o tribunal considerado com a dificuldade resultante do facto de os processos de execução fis­
competente (art.° 18.°, n.° 1* do CPPT). cal, no qual podem acontecer determinados incidentes ou “fases” de
A resolução dos conflitos, positivos ou negativos, relativos à com­ natureza judicial, correrem nos serviços de finanças.
petência territorial dos tribunais tributários cabe à secção do Conten­ Nos casos em que as petições de impugnação possam ou devam
cioso Tributário do STA (art° 26.°, al. g), do ETAF). ser entregues nos serviços, se aquele que as rececionou for territorial­
mente incompetente, deverá remetê-las oficiosamente ao tribunal com­
petente (art? 103?, n? 3, do CPPT). A petição tem-se como tendo sido
35.2.3.1. Locai de apresentação das petições iniciais apresentada na data do primeiro registo (art.° 18.°, n.° 4, do CPPT).
Mas, até em razão da complexidade destas regras, haverá casos
Uma referência ao facto de as petições de impugnação (processos em que uma petição que, obrigatoriamente, devia ter sido apresentada
regulados pelo CPPT) poderem, por opção do recorrente, ser entregues num tribunal seja apresentada nos serviços de finanças e vice-versa.
no serviço periférico local (serviço de finanças) que praticou ou que a Os nossos tribunais, talvez num excessivo rigor formalista, ten­
lei considera que praticou o ato impugnado ou na secretaria do tribu­ dem a considerar tais petições como não apresentadas, considerando,
nal (art.° 103.°, n.° 1, do CPPT), o mesmo acontecendo relativamente como data de apresentação apenas a data em que determinada petição,
aos processos que a lei determina que seguem a forma do processo dè indevidamente entregue no serviço de finanças, foi recebida na secre­
impugnação; em tal serviço serão, obrigatoriamente, entregues as oposi- taria do tribunal por ter sido reenviada pelo serviço que a recebeu571.
ções à execução (art.° 207.°, n.° 1, do CPPT), bem como as reclamações^ Uma “armadilha processual” que temos por escusada...
das decisões do órgão de execução fiscal (art.° 211?, n.° 2, do CPPT)5™
acarreta a suspensão do prazo para a prática de todos os atos processuais entre 15 de
569 Como faz Jorge de S ousa , Código..., I, p. 248. 'Julho e 31 de Agosto». (Ac. do STA de06-04-201, rec. n.° 0258/11, relatara D ulce N eto).
570 Não obstante a obrigatoriedade de entrega nos serviços, o STA entende que f 57! É extemporânea a petição de recurso que, entregue nos serviços de
está em causa uma «verdadeira ação impugnatória incidental da execução fiscal», pelo£ ffinanças, foi por estes remetida a tribunal onde deu entrada já depois de esgotado
que, não sendo a execução fiscal um processo urgente, é-lhe inaplicável o disposto lo prazo legal de 10 dias previsto para a sua interposição (Ac. do STA de 31-08-
5 do artigo 144° do CPC e a regra da continuidade dos prazos que este implica, o quéy '2011, rec. n.° 737/11).
CAPÍTULO vin
As Partes

36. O particular

Pressuposto para alguém ser parte num processo judicial é a sua


legitimidade.
Já analisámos este tema572, sendo que, como deixámos afirmado, a
nossa lei disciplina a questão da legitimidade de forma tendencialmente
unitária, em termos que, no essencial, são comuns ao procedimento e
ao processo tributário. Pelo que nos limitaremos aqui a remeter para
o que deixámos escrito a este propósito. No mais, haverá que recor­
dar os ensinamentos do processo civil, pois que os traços gerais do
instituto são semelhantes.
Apenas haverá que assinalar as diferenças profundas que exis­
tem quanto à disciplina da legitimidade processual entre o CPPT
(que regula um contencioso que é, essencialmente, de anulação) e o
CPTA573, o que suscita, também aqui, a necessidade de uma tarefa
“uniformizadora”. Até porque os nossos tribunais continuam a enten­
der que, no processo de impugnação regulado no CPPT, os “interes­
ses legalmente protegidos” (cuja existência, no geral, toma legítima
a intervenção processual) devem ser entendidos apenas na ótica da
defesa de direitos e interesses dos administrados, pelo que apenas as
pessoas ou entidades diretamente intervenientes na relação jurídico-

572 Supra, 4, Legitimidade.


573 Mário Aroso de A lm e id a , Manual..., p. 219 e ss.; Carlos C a d il h a ,
«Legitimidade processual».
280 Manual de Procedimento e Processo Tributário Ar Partes 281

-tributária ou as diretamente lesadas disporão de legitimidade para reduzidos os casos em que acontece577. Entendemos que tal exceção
nela intervirem574. não se justifica, quer pela especial complexidade dos litígios fiscais,
quer pelo facto de, continuando os poderes de cognição do tribunal
limitados às causas de pedir (vícios do ato) invocados pelo autor, é
36.1. Patrocínio judiciário de temer que uma petição elaborada por alguém que não seja particu­
larmente habilitado envolva um risco sério de insucesso da causa por
Em afastamento da regra geral (cf. art.° 32.° do CPC), só é obri­ razões de índole formal.
gatória a constituição de advogado nos processos cujo valor exceda o A falta de constituição de advogado, quando obrigatória, não
décuplo do valor da alçada do tribunal de l.a instância575e nos proces­ sendo suprida após o prazo fixado pelo Tribunal (que para tal notifi­
sos da competência dos tribunais superiores (TCA e STA) - art,° 6.°, cará o interessado) implica, consoante os casos, a absolvição da ins­
n.° 1, do CPPT. Existem ainda normas especiais que, para determina­ tância, não ter seguimento o recurso, ou ficar sem efeito a defesa (art.°
dos processos, consagram a dispensa de constituição de mandatário 33.° do CPC).
(p. ex., art.° 146.°-B, n.° 3, do CPPT).
Entende-se576 que o art.° 6.° do CPPT, dada a sua natureza de
norma especial, prevalece sobre o disposto no art° 11.°, n.° 1, do CPTA, 37. O Representante da Fazenda Pública e o Ministério Público
o qual prescreve a obrigação de constituição de advogado em todos os
processos de competência dos tribunais administrativos. Assim, aquela O art.° 53.° do ETAF dispõe que a Fazenda Pública defende os
norma é aplicável a todos os processos em matéria tributária, incluindo seus interesses nos tribunais tributários através de representantes. Tais
os que são regulados pelo disposto neste último Código. representantes, licenciados em direito, são designados pela DGCI e
A dispensa da obrigatoriedade de constituição de mandatário pela DGAIEC. Ou seja, consoante esteja em causa, em determinado
judicial nos processos tributários, ao menos em primeira instância, processo, um tributo administrado por uma destas Direções Gerais,
tem larga tradição entre nós, mas têm vindo a ser, progressivamente, intervirá o respetivo representante578.
Cabe ainda aos representantes da Fazenda Pública patrocinarem,
nos termos da lei, quaisquer outras entidades públicas no processo
judicial tributário (art.° 15.°, n.° 1, al. a), do CPPT).
574 Joaquim Freitas da R o c h a , Lições..., p. 249, citando como exemplo Esta representação de outras entidades públicas só ocorre quando
desta orientação o Ac. do STA de 17-11-2010, rec. n.° 0624/10, relatado por I sabel estas não devam nomear os seus próprios mandatários. Assim, a Segu­
M arques da S ilva, no qual foi analisada a questão da legitimidade de uma câmara
rança Social faz-se representar por advogado da sua escolha, como o
municipal para impugnarjudicialmente o resultado da segunda avaliação do prédio
(no que teria interesse, atento o facto de ser a destinatária da receita dos impostos
prediais). O STA entendeu não existir tal legitimidade “atenta a natureza subjetiva 577 Na vigência do Código do Processo das Contribuições e Impostos, esta
do contencioso tributário em geral e a estrutura do processo de impugnação judicial dispensa acontecia relativamente a todos os processos, em primeira e segunda
em particular - no qual se não encontra espaço para a defesa de contra-interesses instâncias. No domínio do CPT, só era obrigatória a constituição de advogado (em
particulares na manutenção do ato impugnado”. primeira instância) quando o valor da causa fosse superior ao quádruplo da alçada
575 Note-se que a alçada dos tribunais tributários é um quarto da alçada dos do tribunal de comarca em processo civil.
tribunais judiciais de 1* instância (art.° 6.°, n.° 2, do ETAF). 578 Será este um ponto em que se espera que a fusão das duas entidades na
576 Jorge de S ousa , Código..., I, p. 85. Autoridade Tributária tenha consequências a curto prazo.
282 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Partes 283

fazem, normalmente, os Municípios, relativamente aos processos rela­ Até então, existia o Ministério Público das Contribuições e
tivos às receitas tributárias que lançam e cobram diretamente, nome­ Impostos, encabeçado pelo Diretor-Geral da DGCI e a este subordi­
adamente taxas (cf. art.° 54.°, n.° 2, do ETAF). nado, constituído não por magistrados mas por funcionários da admi­
Questão que se pode colocar é saber se os demais entes públicos nistração fiscal.
menores têm, obrigatoriamente, de ser patrocinados pelos represen­ Colocou-se então a interrogação sobre se seria oportuno confiar
tantes da Fazenda Pública. Pensamos que os entes com personalidade a representação dos ^interesses fiscais” ao Ministério Público, sendo
jurídica têm direito a escolher os seus mandatários, não devendo a que os seus magistrados não tinham, em geral, quaisquer competên-
lei impor-lhes determinado representante579. Relativamente às entida­ cias específicas no domínio tributário.
des sem personalidade jurídica mas com autonomia administrativa e A criação de um corpo de representantes da Fazenda Pública (no
financeira, a resposta a esta questão passará, em muito, pelo disposto essencial, a manutenção do sistema existente) obedeceu a evidentes
nos respetivos estatutos580. conveniências de patrocínio judiciário; especialização dos mandatá­
Temos por certo que, sendo o processo administrativo e, tam­ rios e a sua ligação funcional com as administrações que represen­
bém, o tributário, configurados, cada vez mais, como processos de tam em juízo.
partes, e assistindo-se a um progressivo fenómeno de descentraliza­ Só que se entendeu assegurar, também, a presença do Ministério
ção das funções de administração fiscal, o exclusivo da representa­ Público como parte legítima nos processos que correm nos tribunais
ção de “outros” entes Públicos - enquanto credores tributários - pela tributários, passando a divisão de tarefas entre as duas entidades a
Fazenda Pública, ainda que dependendo da existência de lei expressa assentar numa dicotomia algo difícil de entender: ao MP cabe defen­
nesse sentido, não parece compatível com o estatuto jurídico da gene-: der a legalidade e promover o interesse público, e aos representantes
ralidade de tais entidades. da Fazenda Pública defender os interesses legítimos desta.
A criação da figura do representante da Fazenda Pública ocorreu
num particular momento da evolução do nosso contencioso tributário, Mas a solução que foi dada ao problema da representação do Estado
em 1984, com a entrada em vigor do ETAF. Só então se rompeu, defi­ nos tribunais fiscais, com a manutenção de duas representações distin­
nitivamente, a “ligação” que, antes - como já referido - existia entre tas na base de uma conceção de interesse público inteiramente insusten­
administração e tribunais fiscais. tável, cria um problema a exigir resolução urgente dentro do espírito do
sistema que se procurou estruturar, escreveu S a ld a n h a S a n c h es , há
379 Foi invocando este tipo de razões que o Tribunal Constitucional, no seu mais de 25 anos581.
Ac. n.° 553/94, de 25 de Outubro, declarou a inconstitucionalidade de uma norma,
já revogada, que impunha que os municípios fossem representados, em processos
Um problema que, a nosso ver, continua por resolver, sendo que a
tributários, pela Fazenda Pública (ou seja, por funcionários do Estado). Ver, ainda,
dois Ac. do STA de 26-01-2011 (rec. n.° 832/10 e n ° 1090/10), que concluíram questão tem muito de corporativo, tem muito a ver com o estatuto do
pela incompetência dos Representantes da Fazenda Pública para representarem Ministério Público, com a sua presença nos tribunais administrativos582,
institutos públicos.
580 Na prática, a Representação da Fazenda Pública tem vindo a assegurar 581 J. L. Saldanha S anches , «Interesse público e princípio da legalidade fiscal:
a representação de entidades tais como a Autoridade Nacional do Medicamento e a propósito da representação do Estado nos tribunais fiscais», p. 153.
Produtos de Saúde, I.P., a Autoridade Nacional de Comunicações, a Comissão de 582 Em geral, José Manuel Ribeiro de A lm eida , «”Uma teoria de justiça”
Mercado de Valores Mobiliários e o Instituto de Seguros de Portugal (P ortugal, - justificação do Ministério Público no contencioso administrativo»; Manuela
Relatório..., p. 655). F lores ; «O Ministério Público e a Reforma do Contencioso Administrativo - seu
284 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Partes 285

mesmo quando o ente público que surge como parte está representado Para tal, e sem prejuízo de intervenção em momentos processuais
por mandatário por si constituído. anteriores, o MP será sempre ouvido antes de ser proferida uma deci­
Façamos, agora, uma breve referência às funções exercidas no são final (art.° 14.°, n.° 2, do CPPT). Por decisão final deve entender-
processo judicial tributário por cada uma destas entidades. -se não apenas a que põe fim ao processo (a sentença), mas todas as
Aos representantes da Fazenda Pública cabe o exercício das fun­ decisões judiciais sucetíveis de formar caso julgado intraprocessual,
ções normalmente associadas ao patrocínio judiciário, com a particu­ como sejam, as que decidem incidentes. A prática generalizada - uma
laridade de, nos processos em que são demandadas as entidades que boa prática - é a de o MP ser ouvido antes de ser proferida, pelo juiz,
representam serem, diretamente, notificados para contestar. decisão sobre quaisquer questões controvertidas. A falta de audição
Porém, entende-se583 que tal só acontece nos processos regula­ do MP, quando obrigatória, constitui uma nulidade processual. Porém,
dos no CPPT, pelo que, nos processos que se regem pelo disposto no por se tratar de uma nulidade sanável585, tem que ser arguida, no prazo
CPTA, a entidade que praticou o ato impugnado é, diretamente, noti­ de 10 dias contados do seu conhecimento pelo próprio MP (cf. art.°
ficada para contestar. Como consequência deste entendimento, surgiu 205.° do CPC, subsidiariamente aplicável).
uma “duplicação” de representações da “Fazenda Pública” (pensa­ Um aspeto importante a assinalar é o de que o Ministério Público
mos na DGCI) nos processos que correm os seus termos nos tribu­ pode arguir novos vícios do ato impugnado (art.° 121.°, n.° 1, do
nais tributários: as ações que seguem tramitação regulada no CPPT CPPT)586. Ora, estando o juiz limitado a conhecer dos vícios arguidos
são “contestadas” pelo representante da Fazenda Pública; os proces­ pelo recorrente (salvo os que forem do conhecimento oficioso), uma
sos que seguem tramitação regulada pelo CPTA são, internamente, da atitude ativa do MP pode, efetivamente, resultar na reposição da lega­
competência de funcionários pertencentes a outra estrutura orgânica* lidade, evitando que sejam “validados” atos administrativos ilegais por
Esta é (mais) uma consequência, porventura inesperada (e, even­ o recorrente não ter devidamente invocado o vício de que enfermam.
tualmente, geradora de desperdício, por ter originado uma “duplica­ Uma questão mais sobre os poderes processuais do Ministério
ção” de estruturas na administração fiscal) do entendimento que se Público: poderá, por iniciativa própria (agindo oficiosamente), inten­
tem vindo a instalar na jurisprudência do STA, o qual distingue, rela­ tar um processo de impugnação por ser conhecedor da ilegalidade de
tivamente a toda a tramitação processual, entre as formas processu­ um ato administrativo tributário?
ais reguladas no CPPT e aquelas que se entende deverem obedecer à A resposta587passa, a nosso ver, pelo princípio dispositivo, enten­
tramitação constante do CPTA. dido como princípio de autoresponsabilização das partes: cabe aos
Por sua vez, o Ministério Público, na sua função de defesa da interessados decidir se querem ou não recorrer das decisões da admi­
legalidade584, promoverá aquilo que entender ser necessário, podendo, nistração em matéria tributária, até porque estão em causa obrigações
nomeadamente, arguir nulidades, invocar exceções (p. ex., a da incom­ pecuniárias que, na perspetiva do devedor, são disponíveis.
petência absoluta do Tribunal - art.° 16.°, n.° 2, do CPPT) e requerer Tendemos a concluir que a promoção oficiosa de uma ação pelo
diligências instrutórias. Ministério Público apenas se justificará quando estejam (também) em

papel»; Sérvulo C orreia , A reforma do Contencioso Administrativo e as funções 585 Cf. art.° 98." do CPPT, que enumera as nulidades insanáveis em processo
do Ministério Público». judicial tributário.
583 Como faz Jorge de S ousa , Código..., I, p. 405 ss. 586 Veja-se Miguel Teixeira de S ousa , «Arguição de vícios pelo Ministério
584 Ao Ministério Público cabe, ainda, a representação dos ausentes, incertos: Público no recurso de anulação».
e incapazes (art.° 14.°, n.° 1, do CPPT). 587 Vieira de A n dr a de , A Justiça Administrativa, p. 465 ss.
286 Manual de Procedimento e Processo Tributário

causa outros valores que não apenas os diretamente relativos à obriga­


ção tributária. Assim, p. ex., quando esteja em causa a imparcialidade
e a justiça da atividade administrativa.
Na mesma ordem de ideias, entendemos que só neste tipo de situa­
ções é que deverá ser reconhecida legitimidade ao MP para dar impulso
subsequente ao processo, nomeadamente para interpor recurso, quando CAPÍTULO IX
a parte interessada o não faça. As Formas Processuais

38. Processo de impugnação

38.1. Âmbito

Constitui entendimento jurisprudencial firme que o processo de


impugnação é de utilizar apenas quando o ato a impugnar é um ato
de liquidação ou um ato administrativo que comporta a apreciação de
um ato desse tipo e, relativamente a outros atos, quando a lei utilizar
o termo “impugnação” para referenciar o meio processual a utilizar.
A impugnação judicial de atos administrativos que não compor­
tem a apreciação de atos de liquidação e à qual a lei não mande, expres­
samente, aplicar o processo de impugnação regulado pelo CPPT é feita
através da ação administrativa especial588.
Esta dicotomia de meios processuais é, a nosso ver, altamente
criticável.
No dizer de uma Comissão que analisou a questão, a consagração
dos dois meios processuais assinalados - ação administrativa especial
e impugnação judicial - consoante esteja em causa a contestação a
um ato administrativo em matéria tributária que não comporte a apre­
ciação da legalidade do ato de liquidação ou a um ato que comporte
a apreciação da legalidade do ato de liquidação, é passível de críticas.
Desde logo, por nem sempre ser claro o respetivo âmbito de aplicação,
o que tem gerado diversos casos onde se discute um eventual erro na

588 Jorge Lopes de S o u sa , Código II, p. 107; Rui Camacho Pa l m a ,


«Algumas reflexões sobre recurso contencioso e a impugnação do CPPT
288 Manual de Procedimento e Processo Tributário A í Formas Processuais 289

forma processual, com as consequências processuais daí decorrentes, do ato e indemnização por prestação indevida de garantia bancária -
nomeadamente de morosidade processual. Por outro lado, é defensá­ art.° 171.° do CPPT).
vel que a impugnação judicial, mais simples e processualmente menos O que aqui está em causa é diferente: um processo de impug­
onerosa, é um meio cabalmente adequado à apreciação dos atos para nação ser dirigido contra vários atos tributários, situação que, como
os quais a lei, hoje, impõe a ação administrativa especial. veremos, é frequente.
Pelo que, com tal Comissão, concluímos que em sede de har­ A primeira exigência para a cumulação de impugnações ser pos­
monização do CPPT e do CPTA importará ponderar se se justifica a sível é ser o mesmo tribunal competente para conhecer de todos os
aplicação no contencioso tributário da ação administrativa especial589. pedidos.
Configurada como sendo uma ação de anulação, o “objeto do ata­ A cumulação de impugnações pressupõe, também, que aos vários
que” do impugnante é o ato impugnado e as “armas” desse ataque os pedidos corresponda a mesma forma processual, no caso o processo
vícios que lhe são apontados. de impugnação591.
Mas, como também já vimos, o tribunal não se limita a declarar Assim, p. ex., - num caso vulgar e já referido - o revertido que
a ilegalidade do ato e a removê-lo da ordem jurídica. A sentença tam­ pretender questionar a legalidade do imposto liquidado (ao originário
bém se estende à definição, em maior ou menor medida, dos termos em devedor) e a verificação dos pressupostos da sua responsabilidade tri­
que (não) se deve processar o exercício futuro do poder manifestado butária não pode fazer a “cumulação” por às suas diferentes pretensões
através desse ato, com a consequente proibição da reincidência, por caberem diferentes formas processuais, pelo que terá que impugnar a
parte da administração, nas ilegalidades cometidas com a prática do liquidação e deduzir oposição à execução fiscal.
ato anulado ou declarado nulo em que se fundou a sua invalidação590. A cumulação de impugnações implicará, também, a exigência de
ser a mesma a entidade recorrida592.
A possibilidade de cumulação de impugnações exige, como regra
38.2. Cumuiação de impugnações geral, que sejam, substancialmente, as mesmas as razões de facto e de
direito invocadas593. O que se compreende, pois este instituto é domi­
Rigorosamente, o art.° 104.° do CPPT refere-se à cumulação de nado por uma ideia de economia processual: permitir o julgamento
impugnações e não, como consta do seu texto, à cumulação de pedidos. conjunto da legalidade de vários atos tributários, o que obviamente
Na realidade, na impugnação de um ato tributário podem cumu­ só é possível quando, relativamente a todos eles, sejam, no essencial,
lar-se vários pedidos (e várias causas de pedir), quer numa relação de coincidentes os fundamentos, fácticos e legais, a ter em consideração
subsidiariedade (p. ex., que o ato seja declarado nulo ou, assim não na sentença.
se entendendo, anulado), quer pedidos autónomos (p. ex., anulação
591 O que não sucede nos processos regulados pelo CPTA: aí vigora o princípio
da livre cumulabílidade dos pedidos (art.° 47 do CPTA), mesmo sendo diferentes as
389 P ortugal , Relatório..., p. 658 ss. No mesmo sentido, Marta R ebelo , «O formas processuais que, em princípio, corresponderiam a algum ou alguns deles.
acto tributário está perdido? - implicações da reforma do processo administrativo 592 Lembramos o caso do IVA, cuja administração cabe, consoante as
no acesso à justiça tributária», p. 58 ss. transações em causa, à DGCI ou à DGAIEC, uma situação que deverá resultar
590 Citám os M ário Aroso de A l m e i d a , M anual..., p. 81. Mais ; ultrapassada em razão da fusão destas entidades.
desenvolvidamente, do mesmo Autor, Anulação de Atos Administrativos e Relações 593 Desenvolvendo esta questão, o Ac. do STA de 16/11/2011, rec. n.° 608/11,
Jurídicas Emergentes, p. 188 ss. relatora I sabel M arques da S iva .
290 Manual de Procedimento e Processo Tributário A j Formas Processuais 291

A “relação” que torna possível a cumulação de impugnações apa- em que a (substancialmente) mesma causa conhece decisões diferen­
rcce-nos explicitada, p. ex., no n.° 4 do art.° 47.° do CPTA: que os atos tes, consoante o imposto em causa.
administrativos em causa se encontrem entre si colocados numa rela­ Imaginemos agora que o tribunal, perante determinada impug­
ção de prejudicialidade ou dependência, nomeadamente por estarem nação, considera que não se verificam os requisitos para a cumulação
inseridos no mesmo procedimento, ou porque da existência ou vali­ de pedidos. Deverá - nos termos dos n.° 5 do art.° 47.° do CPTA, sub­
dade de um deles depende a validade do outro, ou atos cuja validade sidiariamente aplicável598- notificar o impugnante para escolher qual
possa ser verificada com base na apreciação das mesmas circunstân­ o pedido que quer ver apreciado nesse processo599.
cias de facto e dos mesmos fundamentos de direito. Porém, entendemos que o interessado não é verdadeiramente obri­
Porém, não é assim em processo de impugnação tributária. gado a fazer uma escolha, a “renunciar” à apreciação judicial de um
A possibilidade de cumulação de pedidos implica, ainda, a veri­ ou mais dos pedidos feitos. Se nada disser, haverá lugar a absolvição
ficação de um requisito suplementar: a identidade da natureza dos de instância relativamente a todos os pedidos formulados. Então, o
tributos (art.° 104.° do CPPT)594. interessado pode, em 30 dias contados do trânsito em julgado desta
Já analisámos esta questão595. decisão, apresentar novas petições, cuja data de apresentação retro-
Recordando o que ficou dito, temos que a jurisprudência entende age à data em que foi apresentada a primeira petição (n.° 6 do art.°
que esta identidade deve ser aferida em função das classificações de 47.° do CPTA).
impostos referida no art.° 104.° da CRP, ou seja, impostos sobre o ren­ Entendemos que este regime deveria, também, ser aplicado, no
dimento, a despesa e o património596. âmbito do CPPT, quando a cumulação de pedidos não possa ser aceite
Obviamente que há “identidade da natureza dos tributos” quando por a alguns dos pedidos formulados corresponderem outras formas
está em causa o mesmo imposto, i. e., nos casos em que se impugnam processuais. Seria o caso, já apontado, de alguém, citado por rever­
várias liquidações, relativas a vários períodos de tributação. são, ter cumulado na impugnação (outros) pedidos que deveriam ser
Esta exigência adicional da identidade dos tributos, cuja razão de deduzidos sob a forma de oposição à execução600.
ser não se compreende597(parece mais não ser que a transposição para Não parece ser este o entendimento do STA, que considera que
o plano judicial de regras de organização interna da admimstraçao tri­ apenas deverá ser apreciado o pedido a que, corretamente, corresponda
butária), implica que não possa haver cumulação (nem apensação) de a forma processual utilizada, ficando (as mais das vezes irremediavel­
impugnações em casos em que tal se justificaria plenamente, p. ex., mente) prejudicada a apreciação dos demais601.
quando, no quadro de uma mesma ação inspetiva, em razão dos mes­
mos factos, são feitas liquidações de IVA e de IRC/IRS. O que, para
além do “desperdício” processual, potência a ocorrência de situações
598 Ac. do STA de 10-03-2005, rec. n.° 01390/04.
599 Uma solução diferente, portanto, da que preconizamos para os casos de
594 Desenvolvidamente, Sérgio C abo , «A cumulação processual no contencioso cumulação ilegal de reclamações graciosas {supra, 24.8, Cumulação, coligação e
tributário». apensação).
595 Supra, 24.8, Cumulação, coligação e apensação 600 Sendo certo que, a maioria das vezes, o impugnante já não estaria em
596 Diferentemente, entendendo que tributos de diferente natureza são impostos tempo para deduzir a oposição, considerada a data em que foi apresentada a petição
e taxas, Isabel Marques da Silva, «Cumulação de impugnações de IVA e de IRS». de impugnação.
597 Menos se compreende esta exigência legal se tivermos em conta que a 601 Ac. do STA de 12-01-2011, rec. n.° 0969/10. Note-se que a questão foi
legislação anterior (nomeadamente, o CPT) não a previa. analisada na perspetiva da possibilidade de convolação.
292 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Formas Processuais 293

A cumulação de impugnações pode, ainda, resultar de decisão do prazo de 15 dias contados da respetiva notificação (art.° 102.°,
juiz, através da apensação de processos (art.°105.° do CPPT). n.° 2, do CPPT)604.
Esta será, porventura, em termos práticos, a principal exceção
à “regra geral”605;
38.3. Tramitação - as impugnações na sequência de decisões (expressas ou tácitas)
de indeferimento de reclamações necessárias (art.° 131.°, n.° 2,
38.3.1. Petição Inicial art.° 132.°, n.° 5 e art.° 133.°, n.° 3, do CPPT [neste último caso
apenas em caso de indeferimento expresso, pois o silêncio da
38.3.1.1. Prazo administração configura um deferimento tácito], art.° 16.°, n.°
5, da Lei n.° 53-E/2006, de 29 de Dezembro - Regime Geral
A regra “geral” é que a petição inicial deve ser apresentada no das Taxas das Autarquias Locais606), bem como as de atos de
prazo de 90 dias, contado da notificação do ato que se pretende impug­ recusa de correção de inscrições matriciais, devem ser apre­
nar (art° 102.° do CPPT). sentadas no prazo de 30 dias;
Há, porém, numerosas exceções relevantes, como sejam602: - é de 15 dias o prazo para a impugnação de atos de apreensão
- se, como normalmente acontece, a notificação da liquidação (art.° 143.°, n.° 1, do CPPC) e de providências cautelares adota-
inclui a interpelação para pagamento do imposto (da notifica­ das pela administração tributária (art.° 144.°, n.° 1, do CPPT).
ção constará então a indicação do prazo para o pagamento),
o prazo para impugnar conta-se desde a data indicada como É também no prazo de 90 dias que deve ser interposta a ação
termo do prazo para pagamento voluntário. de impugnação quando esteja em causa o indeferimento tácito de
Esta exceção conhece uma exceção: estando em causa a liqui­ uma reclamação, de um pedido de revisão oficiosa ou de um recurso
dação do IRS, o prazo para a sua impugnação inicia-se no 30.° hierárquico.
dia após a notificação da liquidação - art.° 140.°, n.° 4, al. a), do É igualmente neste prazo que deve ser apresentada petição de
CIRS (e não no dia seguinte àquele em que terminar o prazo impugnação em caso de indeferimento expresso de um recurso hie­
para pagamento voluntário do imposto liquidado); rárquico ou de um pedido de revisão oficiosa.
- a impugnação na sequência de decisão expressa de indeferi­
mento de uma reclamação graciosa603deve ser apresentada no
604 O que constitui um pequeno absurdo: o sujeito passivo que deixe decorrer
este prazo, pode ainda, no prazo de 30 dias contados da notificação (ou seja, em
mais 15 dias) recorrer hierarquicamente e, em caso de indeferimento expresso ou
602 Outras exceções (relativas ao IVA, IMT e IS) são enumeradas por Jorge tácito deste recurso, tem novo prazo (de 90 dias) para impugnar.
d e S ousa , Código...,II, p. 154 ss. 605 Mas o prazo para deduzir impugnação judicial em caso de indeferimento
603 O o b je to r e a l d a im p u g n a ç ã o é o a to d e liq u id a ç ã o e n ã o o a to que tácito de uma reclamação é o prazo-regra (90 dias a contar da sua formação),
d e c id iu a r e c la m a ç ã o , p e lo q u e sã o o s v íc io s d a q u e la e n ão d e ste d esp a ch o que não sendo aplicável o prazo de 15 dias previsto para a dedução da impugnação
e stã o verd ad eiram en te e m crise. A im p u g n a çã o n ã o está , p o r is s o , lim ita d a p elos de indeferimento expresso. (C f., p. ex., o Ac. do TCA/Sul de 08-07-2008, rec. n.°
fu n d a m e n to s in v o c a d o s na r ec la m a ç ã o g r a cio sa , p o d e n d o ter c o m o fun dam ento 02392/08).
qualquer ile g a lid a d e d o a to tributário —A c. d o STA d e 18-05-20111, rec. n.° 0156/11, ' 606 Criticando esta regra especial, pela sua evidente desnecessidade, Sérgio
relator A ntónio C alhau . Vasques , Regime das Taxas Locais, p. 175.
294 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Formas Processuais 295

Equivale a notificação, para efeito de impugnação da liquidação, restrição ao direito à tutela jurisdicional sem qualquer necessidade
a citação do revertido em processo de execução fiscal. ou sentido608.
Há que assinalar uma significativa viragem na jurisprudência do Esta questão (agora bem resolvida) suscita-nos outra: poderá o
STA relativamente ao momento em que, na pendência de uma impug­ contribuinte, que optou pela via da reclamação facultativa, impug­
nação graciosa, é possível optar pela impugnação. Estamos coloca­ nar, se se mantiver o silêncio da administração depois de ocorrida a
dos perante o seguinte tipo de situações: o contribuinte, notificado de formação da presunção de indeferimento tácito e decorrido o prazo
uma liquidação, optou pela reclamação graciosa (facultativa); porém, (subsequente) para a impugnação que a lei fixa no art.° 102.°, n.° 1, al.
depois de ultrapassado o prazo “normal” para a impugnação (o prazo d) do CPPT?
contado da data limite para o pagamento voluntário), mas antes de ter Pensamos que a resposta terá que partir das considerações seguin­
decorrido o prazo que leva à formação da presunção de indeferimento tes: a) a obrigação da administração de decidir existe para além do
tácito (e, portanto, antes de se iniciar a contagem de “outro” prazo para prazo em que a lei presume o indeferimento tácito, ou seja, a manu­
a impugnação), apresenta uma petição de impugnação. Pergunta-se: a tenção do silêncio administrativo corresponde a uma situação con­
impugnação é extemporânea, por antecipação? tinuada de ilegalidade, violadora dos direitos do particular; b) essa
A posição tradicional era a de que o contribuinte, tendo optado violação é (continua a ser) merecedora de tutela judicial efetiva, não
por reclamar de uma liquidação, não podia impugná-la antes do inde­ sendo admissível que a inação da administração, enquanto durar, para­
ferimento, tácito ou expresso, da reclamação607. lise tal tutela609; c) o recurso ao meio processual que, normalmente,
seria o mais apropriado (o processo de impugnação) parece resultar
Porém, o STA tem vindo a alterar a sua posição, tendo no vedado porque ferido de caducidade pelo decurso do prazo estipulado
no art.° 102.°, n.° 1, al. d) do CPPT.
Ac. de 28-10-2009, rec. n.° 595/09, relatado por Jorge de Sousa,
concluído que quando é apresentada uma reclamação graciosa de um Ora, como a todo o direito corresponde uma ação, há que procu­
ato de liquidação, o interessado pode optar por não esperar que seja profe­ rar, entre os meios processuais “disponíveis” (ou seja, excluindo o pro­
rida a respetiva decisão, podendo deduzir impugnação contenciosa do ato; cesso de impugnação), aquele que melhor se adeque ao caso concreto.
administrativamente impugnado, mesmo antes de estar expirado o prazo Uma vez que estamos perante um comportamento omissivo ilegal por
legal para ser decidida a reclamação, com base no princípio «de que os
parte da administração, a via possível parece-nos ser a do recurso à
prazos, não podendo ser excedidos, podem , em regra, ser antecipados»,
ação de intimação para um comportamento (art° 147.° do CPPT), na
qual se pedirá a condenação da administração a praticar, num prazo
desde que já esteja praticado o ato que é objeto de impugnação.
a fixar pelo tribunal, o ato devido, ou seja, a decidir expressamente da
reclamação apresentada610.
Sufragamos a conclusão do Tribunal, apenas salientando que os
fundamentos de uma tal decisão podem ser encontrados “mais fundo”, 608 Como bem demonstraram Saldanha S anches e João Taborda da Gama
pois que não está em causa apenas uma questão de “antecipação de em «Temporalidade do direito à ação no contencioso tributário e relações entre a
prazos”, mas sim o facto de o entendimento tradicional implicar uma reclamação e impugnação na recente jurisprudência do STA».
m Ou seja, é de recusar, liminarmente, a hipótese de o particular ter que ficar
a aguardar, indefinidamente, pela decisão de indeferimento expresso, sem poder
607 P. ex., Ac. do STA de 1-10-2003, rec. n.° 893/03; Ac. do STA de 22-02- reagir à inércia da administração.
2006, rec. n.° 1253/05; Ac. do STA de 5-07-2007, rec. n.° 0358/07; Ac. do STA de 610 Não foi este o entendimento do STA no seu Ac. de 30-04-2002, rec.
25-05-09, rec. n ° 1064/08. n.° 658/02. Porém, tal decisão não terá abordado de forma suficiente a questão
296 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Formas Processuais 297

Após a notificação da decisão expressa, o contribuinte, se per­ O interessado poderá requerer na petição a prestação de garantia,
manecer inconformado, poderá, então, impugnar no prazo de 15 dias, como forma de lograr a suspensão da execução fiscal (art° 103.°, n.°
conforme estipula o n.° 2 do art.° 102.° do CPPT. 4, do CPPT), se ainda o não tiver feito antes, junto da administração
Os prazos para impugnar, dada a sua natureza de prazos de cadu­ fiscal612, ou quando da apresentação da petição de reclamação cujo
cidade do direito à ação, contam-se de forma contínua. Porém, por indeferimento deu origem à impugnação).
estar em causa uma petição dirigida ao Tribunal (não obstante con­ Faz pouco sentido que a prestação de garantia possa ser requerida
tinuar a existir a alternativa de a sua entrega ser feita no órgão admi­ ao tribunal, pois está em causa dar início a um procedimento autónomo,
nistrativo recorrido), o prazo para a sua apresentação, quando termine cuja decisão cabe à administração fiscal (art.° 199.°, n.° 9, do CPPT).
em férias, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, como é regra É ao competente órgão da administração fiscal que incumbe fixar
nos processos judiciais. o valor da garantia, aceitar ou recusar o meio pelo qual se pretende
O n.° 3 do art.° 102.° do CPPT permite que a impugnação seja que seja efetuada e considerá-la validamente prestada.
feita a todo o tempo quando o vício invocado for de nulidade (ou a Na prática, os tribunais limitam-se a notificar a administração
inexistência) do ato administrativo em causa. Atos nulos são os enu­ fiscal dos pedidos de prestação de garantia constantes das petições
merados no art.° 133.° do CPA. que hajam recebido.
Embora se trate de situações raras, não podemos deixar de con­ Como vimos, na petição de impugnação, para além da explanação
cordar que a possibilidade de a impugnação acontecer a todo o tempo das causas de pedir e do pedido principal (remoção da ordem jurídica
não parece compatível com os valores da certeza e segurança611. do ato considerado ferido de ilegalidade), podem ainda ser formulados

6,2 Se o interessado quiser obstar, ab initio, ao prosseguimento do processo


38.3.1.2. Apresentação e conteúdo executivo, terá, antes da apresentação do pertinente meio de recurso, que requerer
a prestação de garantia, nos termos do art.° 169.°, n.° 2, do CPPT.
A petição inicial pode ser apresentada na secretaria do tribunal Esta norma - algo incompreensivelmente, a nosso ver - determina que tal
requerimento, ainda que anterior à reclamação ou impugnação e condicionado à
ou, em alternativa, no serviço de finanças competente (art.° 103.°, n.°
apresentação tempestiva destas, tem que ser apresentado “após o termo do prazo
1, do CPPT). Em caso de envio por correio, vale como data de apre­ para o pagamento voluntário” (e não, também, durante este prazo).
sentação a do respetivo registo postal (art.° 103.°, n.° 6, do CPPT). Entendemos que, uma vez apresentado tal requerimento, as diligências
A possibilidade de a petição ser diretamente entregue no Tribunal executivas não devem prosseguir até à sua decisão, não obstante o facto de o processo
(ou, sendo entregue nos serviços, estes a deverem remeter, de imediato, de execução só ficar formalmente suspenso com o despacho do órgão de execução
ao tribunal) é uma solução que se aplaude, desde logo por ser tradu­ que considere que a garantia foi validamente prestada. De outra forma, a demora
da A F na decisão facilmente frustraria o objetivo da norma, que é o interessado
ção visível da separação entre as funções administrativa e judicial. poder obstar a penhoras manifestando “antecipadamente” o seu desejo de garantir
A petição obedecerá aos requisitos formais habituais em processo o pagamento da dívida exequenda. Neste sentido, numa situação paralela, o Ac.
judicial (art° 108.° do CPPT). do TCA/SUL de 15-07-2008, rec. n.° 02384/08, relator A scensão L opes : “se antes
do termo do prazo para pagamento voluntário do imposto em falta, o contribuinte
deduziu uma impugnação judicial solicitando a prestação de garantia, o disposto
essencial: a possibilidade de recurso à tutela judicial não pode ficar (“eternamente”) no art.° 103.°, n.° 4 do CPPT, obsta a que seja instaurado processo executivo, até que
dependente da “vontade” da administração em cumprir com o seu dever de decidir. o mesmo contribuinte seja notificado para prestar a garantia peticionada e incorra
6,1 Jorge de S ousa , Código..., II, p. 157. em incumprimento”.
298 Manual de Procedimento e Processo Tributário A í Formas Processuais 299

pedidos acessórios, como sejam o de condenação da administração Recebida a petição, o representante da Fazenda Pública deve
no pagamento de juros indemnizatórios613 e o de indemnização pelos solicitar aos serviços competentes a remessa, em 30 dias, do pro­
encargos decorrentes de indevida prestação de garantia (art.° 171.°, n.° cesso administrativo, ou seja, de toda a documentação relevante de
2, do CPPT). que disponha.
Na petição serão indicados os meios de prova (n° 3 do art.° 108.° Nesse mesmo prazo, a administração deve reapreciar o ato impug­
do CPPT). Ou seja, não há lugar a uma notificação semelhante à pre­ nado, revogando-o total ou parcialmente, caso conclua pela razão do
vista no art.° 512.° do CPC. impugnante (art.° 112.° do CPPT). Em caso de revogação total, o pro­
Apenas deverá ser requerida posteriormente a produção de novos cesso extingue-se por inutilidade superveniente. Em caso de revoga­
meios de prova quando ocorrências supervenientes o justificarem (p. ção parcial, o impugnante será notificado para, em 10 dias, dizer se
ex., o teor da contestação ou elementos constantes do processo admi­ pretende manter a impugnação quanto ao restante.
nistrativo a ser junto aos autos). Porém, a rigidez quanto ao momento
de indicação dos meios de prova tem que ser temperada pela observân­ Esta reapreciação administrativa é especialmente desejável nos casos
cia do princípio do inquisitório. O juiz deverá admitir a produção de em que, por não ter sido deduzida reclamação, não houve qualquer rea-
meios de prova, quer os indicados na petição, quer os sugeridos pos­ nálise da situação feita pelos serviços à luz de argumentação apresentada
teriormente614, salvo se, fundamentadamente, a considerar manifesta­ pelo interessado.
mente desnecessária, p. ex., por entender que do processo já constam Só que o curto prazo em que a lei prevê que tal reapreciação admi­
elementos factuais suficientes para uma decisão ou que a questão é nistrativa aconteça (trinta dias) - lembramos que o prazo para a decisão
somente de direito. das reclamações, que é de 6 meses, raramente é cumprido somado ao
facto de a decisão, normalmente, competir a outro órgão (o órgão periférico
regional), faz com que, na prática, as questões objeto de impugnação não
38.3.2. Contestação sejam reapreciadas pela administração fiscal, a qual, por regra, se limita
a remeter os autos do procedimento administrativo ao representante da
O juiz verifica se a petição está em boa ordem, podendo (devendo), Fazenda Pública. Ou seja, há que admitir que os tribunais tributários têm
sempre que necessário, convidar o impugnante a suprir as deficiên­ que julgar muitos casos (ou que, muitas vezes, os processos prosseguem,
cias detetadas. com diligências que, posteriormente, se revelam inúteis) por a administra­
Após o que notifica o órgão recorrido para contestar. Como vimos, ção não ter tido, na prática, tempo para reapreciar a decisão impugnada.
nos processos regulados pelo CPPT, a notificação é feita na pessoa do
representante da Fazenda Pública, quando a ele caiba a representação A junção tardia dos autos do procedimento administrativo não
do órgão recorrido. influi na contagem do prazo de contestação. Na realidade, tais docu­
O prazo para a contestação é de 90 dias, sendo que a não contes­ mentos não são remetidos apenas para uso do representante da Fazenda
tação não significa a confissão dos factos articulados pelo impugnante. Pública, nomeadamente para o auxiliar na elaboração da contestação,
mas sim “para todos os efeitos legais” para que possam ser usados
613 Infra, 4 7 ,0 direito a juros indemnizatórios. como meio de prova. Por tal razão, o processo administrativo incluirá
614 Sobre a possibilidade de alteração posterior do rol de testemunhas, todos os documentos que possam ter interesse para a decisão da causa,
concluindo pela aplicabilidade do regime previsto no CPC, o Ac. do TCA/Norte
nomeadamente os referidos no art.° 111.° do CPPT. Trata-se, pois, de
de 29-09-2005, rec. n.° 00120/04.
300 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Formas Processuais 301

uma concretização do princípio do inquisitório, da procura da ver­ em processo civil, salvo o não haver lugar a audiência preliminar nem
dade material, independentemente do interesse processual de cada a elaboração de despacho saneador.
uma das partes.
A junção dos autos do procedimento administrativo é notificada a Confirmou-se serem duvidosos os benefícios da aplicação ao pro­
todos os interessados (art.° 84.°, n.° 6, do CPTA, subsidiariamente apli­ cesso judicial tributário de soluções como a introdução na fase decisória
cável), os quais, querendo, sobre eles se poderão pronunciar e, sendo da audiência preliminar e do despacho saneador, podendo até a respetiva
introdução em processo judicial tributário agravar as dificuldades na apli­
o caso, reclamar da falta de determinados documentos.
cação da lei. A generalidade das personalidades auscultadas considera que,
A falta de junção, pela administração, de tais autos (ou a não
tanto a introdução de audiência preliminar no processo de impugnação,
junção de toda a documentação com interesse para a boa decisão da
como do despacho saneador, constantes do anteprojeto de adaptação do
causa) obrigará o juiz a ordenar ao serviço que proceda à sua remessa
CPPT à reforma do Contencioso Administrativo, não traz vantagens evi­
(art.° 110.°, n.° 5, do CPPT). dentes, que poderão mesmo vir a constituir potenciais fatores de paralisia
Se a situação de não remessa persistir, para além das sanções apli­
dos tribunais tributários617.
cáveis615, o juiz terá que considerar como provados os factos alegados
pelo impugnante quando tal prova tiver tomado a prova impossível ou As testemunhas a inquirir, indicadas por cada parte, serão em
de considerável dificuldade (art.° 84.°, n.° 5, do CPTA)616. número máximo de dez (não podendo ser ouvidas mais de 3 por cada
facto)618. Na petição devem ser indicadas aquelas cuja audição será
feita por videoconferência.
38.3.3. Instrução Não havendo lugar à elaboração de uma base instrutória, as tes­
temunhas depõem sobre factos alegados nos articulados619.
Como é regra geral, recebida a contestação, o juiz, após vista ao A junção de documentos, ainda que eventualmente sujeita a multa,
MP (art.° 113.° do CPPT), conhecerá imediatamente do pedido se a pode ser feita em momento posterior ao da apresentação da petição
questão for apenas de direito ou se dos autos constarem já os elemen­ inicial. Por não haver audiência de discussão e julgamento, tal poderá
tos factuais necessários à decisão. ser feito até ao termo do prazo para apresentação de alegações escritas.
Assim não acontecendo, segue-se a fase de instrução. Não há
especialidades significativas a assinalar relativamente ao que acontece 617 P ortugal , Relatório..., p. 584.
Analisando o referido projeto, José Casalta N abais , «Considerações sobre o
Anteprojecto de revisão da Lei Geral Tributária e do Código de Procedimento e de
Processo Tributário»; António Lima G uerreiro , «A reforma do contencioso fiscal:
615 Ver art.° 84.°, n.° 4, do CPTA.
616 Concluindo pela aplicação de tal norma no processo tributário, Jorge de uma iniciativa em marcha».
618 A recusa pelo juiz da audição das testemunhas arroladas constitui uma
S ousa , Código.. II, p. 237.
É claro que esta consequência terá que ser de aplicação excecional, pois que decisão interlocutória, que, sendo o caso, será objeto de recurso autónomo, a
a legalidade estrita que vigora no domínio tributário não se compadece, por regra, interpor no prazo de 10 dias, o qual subirá com o recurso interposto da decisão
com ficções de prova. Assim, p. ex., estando em causa documentos que deveriam final (art.° 285.° do CPPT).
estar, também, em poder do impugnante, pode o juiz notificá-lo para que proceda 619 É prática usual os tribunais, antes de marcarem a data para a audição de
à sua junção. Mas se o impugnante afirmar que já não os tem em seu poder e não testemunhas, notificarem as partes para indicarem os factos (os “números” dos
houver razões para duvidar da veracidade de tal afirmação, a consequência parece articulados) sobre os quais elas irão depor, assim se elaborando como que uma
não poder ser outra que a prevista na citada norma do CPTA. “base instrutória informal”.
302 Manual de Procedimento e Processo Tributário A í Formas Processuais 303

38.3.4. Sentença Temos assim vários requisitos:


- o primeiro será a existência de um interesse legítimo em inter­
Uma vez que nesta forma processual não há lugar a audiência de vir no processo.
discussão e julgamento, finda a fase instrutória as partes são notifica­
das para, querendo, alegarem por escrito (art.° 120.° do CPPT). Porém, a lei processual tributária não confere esta possibilidade
Após vista ao Ministério Público (o qual, como vimos, além se de intervenção a todos os legitimamente interessados, pois limita-a ao
pronunciar sobre o mérito da causa, pode arguir novos vícios do ato substituto, nas impugnações deduzidas pelo substituído, e vice-versa,
impugnado e, também suscitar novas questões, incluindo a da neces­ e ao responsável nas impugnações deduzidas pelo contribuinte (pelo
sidade de mais diligências probatórias), o juiz elaborará a sentença, sujeito passivo originário) - art.° 129.° do CPPT.
que notificará às partes e ao Ministério Público. - segundo requisito, tal intervenção terá que ser provocada por
aquele que tem legitimidade para se constituir como assistente.
38.3.5. Incidentes A intervenção como assistente implica uma relação de subordi­
nação relativamente às posições processuais assumidas pelo assistido
Suponhamos que, no curso de determinado processo, surge uma (art.° 337.° do CPC) e tem como consequência que a força de caso jul­
questão secundária e acessória, para a resolução da qual se torna gado da sentença abranja, também, o assistente.
necessária a prática de atos e termos na estrutura própria do processo Dados estes condicionalismos, parece-nos que pouco ou nenhum
da ação: temos o incidentem . interesse terá a constituição como assistente em processo de impugna­
Seguindo esta noção, poderão ocorrer numerosas situações inci­ ção fiscal. Isto porque aqueles que a lei admite que requeiram intervir
dentais. Apenas iremos considerar os incidentes típicos, i. e., os que como assistentes poderão, eles próprios, impugnar os atos em questão
dão origem a formação de subprocessos, que correm por apenso ao (em ações em que figurem como parte principal, ou seja, sem ficarem
principal, obedecendo a uma tramitação própria, prevista na lei. condicionados às posições processuais assumidas pelos assistidos).
Relativamente ao processo de impugnação, a lei (art.° 127.° do Por outro lado, a lei exclui a possibilidade de uso do instituto da
CPPT) apenas prevê os incidentes de assistência, habilitação e apoio assistência nos casos em que, porventura, mais se justificaria: as situa­
judiciário, remetendo a regulação dos respetivos trâmites para o dis­ ções em que alguém tem interesse direto em que a causa seja decidida
posto na lei processual civil. a favor de uma das partes e não pode, ele próprio, ser “parte” no pro­
Sobre o conceito e legitimidade da assistência, diz-nos o art.° cesso de impugnação do ato administrativo em causa. Seria o caso, p. ex.,
335.° do CPC que, estando pendente uma causa entre uma ou mais dos Municípios relativamente aos processos referentes a impostos muni­
partes, pode intervir, como assistente, para auxiliar qualquer das par­ cipais (impostos estes administrados pela DGCI), aquele com quem o
tes, quem tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favo­ sujeito passivo, contratualmente, haja acordado num direito de regresso621,
rável a essa parte.
621 Muito embora um tal direito de regresso seja, substantivamente, regulado
pelo direito civil. Assim, num caso vulgar, numa venda de um terreno o comprador
comprometeu-se a “indemnizar” o vendedor em montante correspondente ao
620 Alberto dos R eis , Comentário..., III, p. 563. “imposto” devido pelas mais-valias, caso se conclua que deve haver lugar a uma
304 Manual de Procedimento e Processo Tributário A í Formas Processuais 305

aquele que, voluntariamente, haja garantido o pagamento da obriga­ cados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribu­
ção tributária em causa622, etc. nais administrativos.
No processo de impugnação fiscal, o incidente da habilitação tem
lugar quando o sucessor (ou o cabeça de casal, enquanto os herdeiros O disposto nesta norma aplica-se —coerentemente (uma vez que,
não requererem a habilitação) pretenda ocupar a posição do impug- se a decisão da reclamação foi confirmativa, é o primitivo ato que
nante, falecido na pendência da ação623. continua a subsistir na ordem jurídica) —à impugnação subsequente
A referência ao incidente de “apoio judiciário” no quadro do pro­ ao indeferimento de reclamações que tenham apreciado a pretensão
cesso de impugnação perdeu o sentido, uma vez que hoje a sua con­ de anulação ou de reforma desses atos administrativos em matéria
cessão acontece no quadro de um procedimento administrativo, sendo tributária (p. ex., Ac. do STA de 15-09-2010, rec. n.° 0407/10 e ares-
que, em caso de recusa, haverá lugar a recurso contencioso autónomo. tos nele citados).
Já deixámos criticada esta dualidade de regimes, pelo que não
nos repetiremos.
39. Ação administrativa especial Não cabendo aqui analisar a tramitação da ação administrativa
especial625, limitar-nos-emos a assinalar as principais diferenças que
Como vimos, o contencioso tributário, tal como regulado no apresenta relativamente ao processo de impugnação regulado no CPPT.
CPPT, continua configurado como visando a anulação judicial de um A primeira é relativa ao prazo para a sua interposição. Como
ato tributário (de uma liquidação), o que suscita a questão dos trâmi­ vimos, a ação de impugnação deve ser intentada no prazo de 90 dias
tes processuais a que devem obedecer as ações judiciais cujo pedido contados da notificação do ato que se pretende impugnar, havendo
seja outro624. numerosas exceções, quer quanto à duração do prazo, quer quanto ao
início da sua contagem626.
A resposta encontra-se no art.° 97.°, n.° 2, do CPPT, o qual Ora, o prazo para a interposição da ação administrativa especial
dispõe que o recurso contencioso dos atos administrativos em matéria pelo particular, havendo decisão expressa, é de três meses contados
tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liqui­ da notificação do ato administrativo (art.° 58.°, n.° 2, al. b), e art.° 59.°,
dação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo n.° 1, do CPTA)627.
central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando prati­ Estando em causa o indeferimento expresso de uma reclamação
de uma decisão que não seja uma liquidação, o prazo para o recurso
tal tributação (não consideraremos aqui as consequências, ao nível da tributação, contencioso será, pois, de 90 dias (e não o prazo de 15 dias fixado pelo
de um tal aumento do preço). n.° 2 do art.° 102.° do CPPT).
622 P. ex., aquele que haja prestado fiança ou constituído hipoteca (a favor
Se estivermos perante uma situação de inércia da administração
de terceiro) como forma de permitir ao impugnante lograr obter a suspensão da
execução fiscal.
em decidir (mantendo-se o silêncio da administração para além do
623 Questão diferente se coloca em outras formas processuais, quando a
iniciativa da habilitação de herdeiros é da administração fiscal. Assim, p. ex., em 625 Vd., numa súmula, João R aposo , «A tramitação da ação administrativa
processo de execução fiscal, quando se pretenda que a execução prossiga contra especial»; Mário Aroso de A lmeida , Manual..., p. 367 ss.
os herdeiros do executado. 626 Supra, 38.3.1.1.
624 Melhor: cujo pedido seja outro e o CPPT não determine, expressamente, 627 Sendo que, como já referimos, é diferente a forma de contagem dos prazos
a utilização do processo de impugnação. previstos em cada um destes códigos.
306 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Formas Processuais 307

prazo que a lei fixa para a decisão, relativamente à prática de um ato Neste entendimento de que, em princípio, não é possível a impug­
administrativo em matéria tributária), o prazo para interposição da nação de atos administrativos de indeferimento, porque o meio proces­
ação - nos casos em que o recurso judicial deva revestir a forma de sual próprio será a condenação à prática do ato ilegalmente recusado
ação administrativa especial - será de um ano, contado desde o termo ou omitido, temos que o pedido, a formular na petição inicial, deve ser
do prazo legal estabelecido para a emissão do ato ilegalmente omitido conforme a este novo “objeto” do processo. Assim, uma petição em
(art.° 69.°, n.° 1, do CPTA). Neste caso, o risco na avaliação sobre qual que, numa situação de indeferimento de uma pretensão no domínio
o meio processual a ser utilizado - e, consequentemente, do prazo para tributário, conste como pedido a anulação do ato em causa será uma
a ele recorrer - é maior, uma vez que, não havendo decisão, não há, petição deficiente, devendo o seu subscritor ser convidado a corrigi-
obviamente, uma notificação contendo a indicação dos meios de defesa. -la, substituindo o pedido formulado629.
Merecedora de referência é, também, a questão de saber quais No tocante à tramitação processual propriamente dita, encontra­
os poderes do tribunal quando o ato impugnado seja uma decisão de mos outras diferenças entre a ação administrativa especial e o processo
indeferimento da prática de um ato em matéria tributária. Pensemos, de impugnação. Salientando apenas as principais, temos:
p. ex., numa decisão que indeferiu a pretensão do sujeito passivo em - a petição inicial tem que ser entregue na secretaria do tribunal
ver reconhecido o direito a um benefício fiscal. Tradicionalmente, o - art.° 78.° do CPTA (ou seja, não existe a opção da sua entrega
particular teria que se dirigir ao tribunal, pedindo a anulação de tal no serviço de finanças);
decisão. Procedendo a causa, a administração, em execução da sen­ - na petição tem que ser indicado o órgão que praticou ou devia
tença, teria que praticar um novo ato administrativo, reconhecendo ter praticado o ato, ou a pessoa coletiva de direito público ou
o direito ao benefício em causa quando tal resultasse diretamente da o ministério a que esse órgão pertence;
pronúncia do tribunal. - quando seja deduzida pretensão impugnatória, deve o autor
Ora, hoje, nos processos regulados pelo CPTA, a reaçao contra juntar documento comprovativo da prática do ato impugnado
atos administrativos de indeferimento deixou de ser feita no quadro (art.° 79, n.° 2, do CPTA);
de um processo impugnatório, dirigido à mera anulação ou declara­ - o prazo para a contestação é de 30 dias - art.° 81.°, n.° 1, do
ção da ilegalidade destes atos, para passar a processar-se através de CPTA (e não os 90 dias previstos no art.° 110.°, n.°l, do CPPT);
um processo de condenação. - há lugar à elaboração de um despacho saneador (art.° 87.° do
Pensamos que esta alteração quanto ao conteúdo dos poderes de CPTA);
pronúncia do tribunal (melhor, quanto à natureza do processo, que não - sempre que a complexidade da matéria o justifique o juiz, ofi­
é mais de impugnação mas sim de condenação) aconteceu também ciosamente ou a requerimento de uma das partes, pode ordenar
no domínio tributário, quando o meio processual a utilizar seja a ação
administrativa especial. Só assim ganha pleno sentido a remissão feita final pelo juiz, os processos em que Seja deduzido qualquer um dos quatro tipos de
pelo art.° 97.°, n.° 2, do CPPT. Se bem entendemos, esta remissão é em pretensões que o Código (CPTA) enuncia no art.° 46.°, como ensina Mário Aroso
bloco (dito de forma simples, nestes casos aplica-se o CPTA e não o de A lm e id a , O Novo Regime..., p. 127.
CPPT) e, não, apenas, no relativo à tramitação processual628. 629 Se contra um ato de indeferimento for deduzido um pedido de estrita
anulação, o tribunal convida o autor a substituir a petição, para o efeito de formular
o adequado pedido de condenação à prática do ato devido, e, se a petição for
628 Esta é a forma, ou seja, o modelo de tramitação que devem seguir, tanto substituída, a entidade demandada e os contra-interessados são de novo citados
do plano da propositura, como no do desenvolvimento subsequente e da decisão para contestar - dispõe o art.° 51°, n.° 4, do CPTA.
308 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Formas Processuais 309

a realização de uma audiência pública de discussão e julga­ dos elementos essenciais dos impostos, não existir poder regulamentar
mento (art.° 91.° do CPTA). autónomo das administrações fiscais (só serem possíveis regulamentos
de execução631), pelo que este tipo de contencioso assume, necessaria­
mente, muito menos relevância que no âmbito do direito administrativo.
40. O contencioso das normas regulamentares Mas podem colocar-se (colocam-se) dúvidas relativamente ao
carácter inovador de determinados regulamentos632, como se coloca
Apenas uma referência muito breve630. a questão - aqui em termos não substancialmente diferentes do que
Encontramos no CPTA (art.° 72.° e seguintes) um conjunto de acontece em direito administrativo - relativamente a normas regula­
normas relativas aos processos judiciais que têm por objeto a decla­ mentares que não versem sobre elementos essenciais dos impostos.
ração da ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de Acresce que existe um importante poder regulamentar autónomo
direito administrativo. das autarquias locais relativamente à fixação da taxa da derrama633e
Aqui se incluem, necessariamente, os regulamentos emitidos por de definição dos elementos essenciais de outros tributos (p. ex., taxas).
adjministrações fiscais e outras entidades em matéria tributaria (está em Outra razão para o menor interesse deste contencioso no domí­
causa o poder regulamentar exercido por uma administração pública nio tributário é que a utilização desta forma processual por um par­
- o que é “matéria” de direito administrativo não a “matéria” em ticular acontecerá, as mais das vezes, quando a norma regulamentar
que determinada administração é competente). em causa produza imediatamente efeitos lesivos na sua esfera jurídica
A lei fiscal adjetiva é omissa quanto a este tipo de ações. Apenas sem dependência de um ato administrativo ou judicial, o que é uma
o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais expressamente se situação de ocorrência rara no domínio tributário634.
lhes refere, atribuindo a competência para o seu conhecimento à Sec- Concretizando-se a aplicação da norma regulamentar ilegal atra­
Ção do Contencioso Tributário dos Tribunais Centrais Administrati­ vés da prática de um ato tributário ou de um ato administrativo em
vos, quando estejam em causa pedidos de declaração de ilegalidade de matéria tributária, a apreciação da sua legalidade acontecerá, por regra,
normas administrativas de âmbito nacional emitidas em matéria fiscal
(art.° 38.°, al. c), do ETAF) e aos Tribunais Administrativos e Fiscais
(TAFs) quando estejam em causa pedidos de declaração de ilegali­ 631 Tal é o entendimento clássico (cf. Casalta N a b a is , Direito Fiscal, p. 195),
dade de normas administrativas de âmbito regional ou local emitidas hoje, em alguma medida, posto em crise (Ana Paula D o u r a d o , O Princípio da
em matéria fiscal (art.° 49.°, n.° 1, al. e), (i), do ETAF). Legalidade Fiscal, passim, em especial p. 319 ss).
Não oferecendo quaisquer dúvidas a possibilidade de existência 632 Na realidade, encontramos normas de natureza regulamentar que, com
autonomia, dispõem sobre elementos essenciais à quantificação da obrigação tribu­
deste tipo de ações no domínio fiscal (e a aplicação subsidiária do
tária. Sirvam de exemplo as portarias do Ministro das Finanças que, sob proposta
CPTA, no que a elas concerne), há que tentar compreender as possí­ da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos (art.° 62." do CIMI), fixam
veis razões para a total omissão de referências às mesmas no CPPT. A o zonamento e respetivos coeficientes de localização, o valor de construção por
primeira razão será, certamente, o facto de em direito fiscal, no âmbito metro quadrado, etc., determinantes para a fixação do valor patrimonial tributário
dos prédios urbanos (para a concretização da incidência real de vários impostos,
nomeadamente o IMI e o IMT).
63o p ara m ajs desenvolvimentos, Mário Aroso de A lm e id a , Manual..., p. 335 633 Por todos, Casalta N a b a is, Direito Fiscal, p. 195.
ss.; Luís C a ta r in o «Impugnação de regulamentos perante Tribunais do Contencioso 634 Exemplo de uma exceção serão as, já referidas, portarias que fixam
Administrativo». elementos essenciais à avaliação de (todos) os prédios.
310 Manual de Procedimento e Processo Tributário A í Formas Processuais 311

no quadro de processo judicial dirigido à anulação de tal ato, maxime Os bens que tenham constituído objeto de contraordenação,
de um processo de impugnação. incluindo, em certos casos, os meios de transporte utilizados, podem
Mais interesse prático poderá ter a possibilidade de, p. ex., uma ser apreendidos quando tal seja necessário para efeitos de prova ou de
associação de contribuintes pedir ao Ministério Público que suscite a garantia da prestação tributária, coimas e custas (art.° 73 do RGIT).
declaração de ilegalidade, comforça obrigatória geral, de uma deter­ Nas situações em que haja indícios da prática de um crime tribu­
minada norma regulamentar (cf. art.° 73.° do CPTA). tário, serão apreendidas as mercadorias, meios de transporte, armas e
Uma última nota para salientar que as normas em causa serão ape­ outros instrumentos do crime. Aqui não se tratará, ao menos direta­
nas as que revestem a natureza de regulamentos externos. Ou seja, os mente, de assegurar a cobrança do imposto, pois, para além do obje­
regulamentos internos (as instruções administrativas, mesmo quando tivo de assim se prevenir a continuidade da atividade criminosa, há
constantes de orientações genéricas) não podem ser objeto de decla­ a possibilidade de tais bens reverterem para o Estado, como sanção
ração de ilegalidade através deste tipo de ações, uma vez que não vin­ acessória da condenação (cf. art.° 18.°, 19.° e 20.° do RGIT).
culam os particulares635. As providências ou medidas cautelares adotadas pela adminis­
tração podem ser impugnadas pelos interessados, no prazo de 15 dias,
contados da data em que tiveram lugar ou do seu conhecimento, se
41. Procedimentos e processos cautelares posterior (art ° 143.° e 144.° do CPPT).
Estamos perante atos em relação aos quais a lei expressamente
41.1. Medidas cautelares da competência da administração fiscal prevê que o recurso judicial siga a forma do processo de impugnação,
regulado no CPPT, apesar de não estar em causa a liquidação de um
O art.° 51.° da LGT prevê a possibilidade de a administração fis­ tributo.
cal tomar, por decisão própria, medidas cautelares. A impugnação deverá ser apresentada na secretaria do tribunal
Tais providências não são apenas dirigidas à conservação da de primeira instância da área onde tiver ocorrido a apreensão ou, nos
garantia patrimonial do credor tributário, pois podem visar, p. ex., a demais casos, do tribunal da área do serviço que tiver decidido a pro­
preservação de meios de prova que permitam a comprovação de deter­ vidência. Tal impugnação não tem efeito suspensivo, mas será trami­
minada situação contributiva ou obstar à continuação de uma atividade tada como processo urgente.
fiscalmente ilícita. Exemplos destas medidas são as previstas no art.°
30.° do RCPIT, como sejam a apreensão de bens, de documentos, ou
a selagem de instalações. 41.2. Arresto e arrolamento
A possibilidade de apreensão de bens encontra-se consagrada em
numerosas disposições legais. Assim, p. ex., a apreensão de veículos A lei continua a fazer depender de prévia decisão judicial a ado-
por falta de pagamento do Imposto Único de Circulação (art.° 22 ° do ção destas medidas cautelares (art.° 136.° do CPPT).
CIUC), a qual, para além de uma irrecusável dimensão sancionatória, Porém, como vimos atrás, a lei atribui à administração fiscal com­
visa, no dizer expresso da lei, garantir o efetivo pagamento do imposto. petência para, por decisão própria, adotar medidas de efeitos seme­
lhantes. Assim, p. ex., a apreensão de bens que tenham constituído
633 Entendendo diferentemente, João Taborda da G a m a , «Tendo surgido objeto de contraordenação para garantia da prestação tributária (art.°
dúvidas sobre o valor das circulares e outras orientações genéricas...». 73 ° do RGIT) equivale, em termos práticos, a um arresto.
312 Manual de Procedimento e Processo Tributário As1Formas Processuais 313

Uma vez que a regra é que as medidas de apreensão judicial de ainda liquidado - art.° 136.°, n.° 2 e 3, do CPPT. Assim sendo, parece-
bens para garantia de créditos tributários só podem ser tomadas após -nos correta a jurisprudência do STA que considera que pode haver
decisão dos tribunais, entendemos que a administração fiscal só pode, lugar à decretação desta providência cautelar contra um “eventual”
por decisão própria, adotar tais medidas em situações de excecional responsável tributário (quando ainda não se tenha operado a rever­
urgência636. Não se verificando tal, a providência deverá ser anulada são). S ó que tal depende da alegação e prova, ainda que sumária, de
pelo tribunal, na sequência de impugnação deduzida pelo interessado, um requisito adicional: o de que o arrestado reúne as condições de ser
ainda que se verifiquem os pressupostos da concessão de um arresto. chamado à execução por via da reversão (Ac. do STA de 10-03-2011,
Isto sem prejuízo de a administração fiscal poder, mesmo na pendên­ rec. n.° 0126/11, relatora I sabel M arques da S ilva).
cia dessa impugnação, requerer ao tribunal, nos termos do art.° 136® O arresto será requerido pelo representante da Fazenda Pública638,
e ss. do CPPT, que ordene o arresto dos bens apreendidos. De outra seguindo-se, no geral, os trâmites previstos no processo civil. A lei
forma (não se exigindo uma especial urgência - a impossibilidade facilita o ónus probatório da administração fiscal, presumindo haver
de, em tempó útil, se recorrer ao tribunal), facilmente resultaria frus­ fundado receio da diminuição da garantia de cobrança quando estejam
trada, em termos práticos, a regra de que o arresto depende de prévia em causa dívidas de impostos que deveriam ter sido retidos na fonte
decisão judicial. ou ser repercutidos a terceiros639.
O arresto pode ser requerido antes ou na pendência da execução Mais complicada é a questão da caducidade do arresto quando
fiscal. A esta última situação se refere o art.° 214.° do CPPT. É evidente é ordenado antes da liquidação, porquanto, enquanto não ocorrer a
que o arresto só fará sentido quando, apesar de a execução estar já notificação da liquidação, o interessado não pode extinguir volunta­
instaurada, não possa ainda ser efetuada a penhora. Tal acontece nos riamente a dívida assim garantida.
casos em que a penhora só pode ter lugar depois da citação do execu­ Como é sabido, em processo civil, quando o arresto (ou outra pro­
tado e de ter decorrido o prazo para este deduzir oposição637. vidência cautelar) é ordenado antes da interposição da ação principal
Antes da instauração da execução, o arresto pode ser requerido (da ação em que se visa a condenação do requerido na obrigação cujo
após a ocorrência do facto gerador (nos impostos periódicos, após o efetivo cumprimento se visou salvaguardar através do procedimento
termo do período de tributação), mesmo que o imposto não se encontre cautelar), esta tem que ser interposta dentro de determinado prazo
sob pena de caducidade da providência. A diferença é que, no domí­
636 Neste sentido, Jorge de S ousa , Código..., II, p. 482. nio tributário, o direito acautelado por via do arresto não é declarado
637 Entendemos que a penhora só poderá ter lugar após decorrido o prazo pelo tribunal, sendo afirmado pelo ato administrativo de liquidação.
para reclamação ou impugnação da liquidação, pois, lançando mão de um de tais A pergunta é, pois, a de qual o prazo de que a administração dis­
meios, o revertido pode pedir a suspensão da execução. põe para liquidar o ou os impostos cuja cobrança visou garantir através
Na pendência da execução, o arresto poderá ainda acontecer quando o execu­
do arresto. A resposta estará contida no (algo “enigmático”) segmento
tado tenha requerido a suspensão da execução pela prestação de uma determinada
garantia ou com dispensa da sua prestação, tal não tenha sido aceite e de tal decisão
tenha havido reclamação, feita nos termos do art.° 276“ do CPPT, uma vez que 638 Nos casos em que lhe caiba a representação da entidade requerente. O
a pendência de uma tal reclamação suspende o prosseguimento do processo de art.° 136.°, n.° 1, do CPPT tem de ser interpretado de forma atualista, uma vez que,
execução, ou seja, inviabiliza a possibilidade de penhora. ;? hoje, nem todas as administrações fiscais estão, como vimos, representadas em
Mas já não assim se, tendo sido requerida a prestação de garantia, a adminisr juízo pela Fazenda Pública.
tração ainda não se tiver pronunciado. Então, a eventual existência de periculum 639 Para uma crítica a esta orientação legislativa, ver a nossa A Execução
in mora deve ser imputada à administração. Fiscal, p. 58 ss.
314 Manual de Procedimento e Processo Tributário A í Formas Processuais 315

do n.° 1 do art.° 137.° do CPPT que dispõe que “o arresto fica sem que se constate serem os bens arrestados de valor superior àquele que
efeito, (...) quando no processo de liquidação do ou dos tributos para se pretende garantir (art.° 137.°, n.° 3, do CPPT).
cuja garantia é destinado, se apura até ao fim do ano posterior àquele O arrolamento consiste, como é sabido, na descrição, e, even­
em que se efetuou não haver lugar a qualquer ato tributário”. Enten­ tualmente, na avaliação e depósito de determinados bens (art.° 424.°
demos que tal norma deve ser interpretada no sentido de que ocorre a do CPC). Não se visa, por esse meio, retirar ao devedor a posse dos
caducidade, total ou parcial, do arresto na medida em que, no referido bens (ele será, em princípio, nomeado depositário), mas sim prevenir
prazo, o sujeito passivo não seja notificado da liquidação dos tributos o extravio ou dissipação, bem como a futura impossibilidade da sua
assim garantidos, em montante correspondente, pelo menos, ao valor utilização (p. ex., como meio de prova) em procedimentos ou proces­
dos bens arrestados640. sos tributários.
Outra causa de caducidade do arresto - independente da “declara­ As questões que se colocam são, no essencial, idênticas às que
ção” da existência do direito cautelarmente garantido, através da liqui­ acontecem relativamente ao arresto, pelo que não lhe faremos mais
dação - é o não cumprimento pela administração do prazo legal para referências.
a conclusão do procedimento de inspeção externa, quando o arresto Sendo a tramitação destes procedimentos cautelares a constante
tiver sido ordenado na sua pendência (para garantia do pagamento de do CPC, temos que as providências de arresto e arrolamento serão deci­
tributos que nela se tenha concluído, ainda que de forma “provisória”, didas sem audiência prévia do requerido, uma vez que a lei presume
estarem em dívida) —n.° 2 do art” 137.° do CPPT. que tal audição poderia comprometer a efetiva execução da providência
O arresto pode ser substituído por outra garantia idónea, a reque­ que vier a ser decretada. O contraditório acontece subsequentemente
rimento do interessado, como é regra geral641, e está, sempre, sujeito à decretação da providência, nos termos do art.° 388.° do CPC, atra­
ao princípio da proporcionalidade, ou seja, deve ser reduzido sempre vés de recurso - quando o interessado entenda que, face aos elemen­
tos apurados, a providência não deveria ter sido deferida - ou através
de oposição (apresentada ao tribunal que a ordenou), quando o inte­
640 Neste sentido Jorge de S o u s a , que entende (Código..., n , p. 461) que “a ressado pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos
referência a «qualquer ato tributário» e não à liquidação cuja provável existência
justificou o arresto, justifica-se por o arresto poder ter-se destinado a assegurar
em conta aquando da decisão. A oposição será deduzida no processo
mais do que uma liquidação de tributos e bastar que alguma delas se concretize em causa, no prazo de 10 dias (art° 303.° do CPC, aplicável ex vi art.°
até ao termo do ano posterior àquele em que se efetuou o arresto para não ocorrer 384.°, n.° 3) , contados da data em que o requerido se deva considerar
a caducidade notificado da decisão que ordenou a providência. A decisão sobre a
Partindo da mesma hipótese, entendemos nós que o arresto caduca na medida oposição constitui complemento e parte integrante da antes proferida.
em que o valor dos bens arrestados exceda o dos tributos, que assim se pretendeu
Tal como é regra geral, o recurso da decisão que decretou a pro­
garantir, liquidados nesse período.
Por “ano em que o arresto se efetuou” entendemos aquele em que foi proferida vidência ou, sendo o caso, da decisão que o ordenou (e da que, even­
a decisão judicial que o ordenou (e não a data em que, na realidade, foi efetivado), tualmente, o confirmou, indeferindo a oposição) será para o STA, se
pois, de outro modo, a duração do prazo de caducidade dependeria da maior ou a questão for apenas de direito, ou para o TCA se o recorrente preten­
menor celeridade da administração em dar execução material ao ordenado pelo der obter a reapreciação da prova produzida.
tribunal. Dada a natureza urgente destes processos (art.° 382.° do CPC),
641 Veja-se o Ac. do STA de 07-12-2011, rec. n.° 01006/11, analisando - a nosso
ver corretamente —a possibilidade de substituição de uma penhora pela prestação
os recursos obedecerão, em processo tributário, ao previsto quanto a
de uma garantia bancária.
esse tipo de ações.
316 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Formas Processuais 317

41.3. Providências cautelares no interesse do contribuinte norma que apenas visa a explicitação de qual a tramitação processual
a ser utilizada.
O CPTA admite, em termos generosos, a possibilidade de o inte­
ressado pedir ao tribunal a decretação de providências destinadas a Desta norma poderá, eventualmente, ser feita uma leitura apontando
evitar que, no decurso da ação (principal) que intentou ou vai intentar, no sentido da restrição da possibilidade de uso dos procedimentos cau­
se produzam danos de tal modo graves que retirem, total ou parcial­ telares a favor dos contribuintes, uma vez que parece ficar condicionada
mente, o efeito útil à sentença que espera obter642. ao fundado receio de uma lesão irreparável, o que, rigorosamente, nunca
Entre tais providências, cabe aqui realçar a da suspensão da eficá­ aconteceria. Estando em causa interesses patrimoniais (a exigência do
cia do ato administrativo, prevista no art.° 112.°, n.° 2, al. a), do CPTA. pagamento de uma quantia em dinheiro), os prejuízos decorrentes de um
pagamento indevido serão, ao menos em teoria, sempre indemnizáveis.
Como ensina Aroso de A lm e id a 643, a suspensão da eficácia dos Não podemos subscrever este entendimento, pois a essência de um pro­
atos administrativos é a providência cautelar a adotar ao serviço dos pro­ cedimento cautelar é o evitar a ocorrência de prejuízos, mesmo aqueles
cessos de impugnação de atos administrativos, emque o autorreage contra que, posteriormente, possam ser reparados646.
uma modificação introduzida na ordemjurídica por um ato de conteúdo
positivo, que ele pretenderia que não tivesse sido praticado, na medida Importará, por último, salientar a exigência constitucional resul­
em que é a única providência que permite impedir a execução dos atos tante do art.° 268.°, n.° 4.°, da CRP: a tutela judicial efetiva que este
administrativos. preceito consagra abrange, expressamente, a adoção de “medidas cau­
telares adequadas”.
Considerando que a liquidação tem a natureza de ato administra­ Os nossos tribunais têm recusado deferir procedimentos cautela­
tivo (mesmo nos casos de autoliquidação644) e que o interessado con­ res visando a suspensão provisória da eficácia do ato administrativo
tra ele reagiu ou pretende reagir através de um processo de natureza de liquidação (é apenas dele que aqui cuidamos)647.
impugnatória (a impugnação regulada no CPPT), coloca-se a questão Analisando a questão, temos que a eficácia do ato administrativo
de saber se o procedimento cautelar previsto no CPTA é aplicável no de liquidação se traduz no facto de, não se mostrando pago o tributo
domínio tributário, a título subsidiário, uma vez que o ÇPPT não con­ no prazo fixado pela lei, se seguir o processo de execução fiscal. Pro­
templa a existência de processos desta natureza. cesso que em princípio, prosseguirá até à penhora, mesmo na pendên­
A possibilidade de um executado reagir contra uma liquidação cia de recurso judicial em que seja invocada a ilegalidade do ato de
através de um procedimento cautelar parece ser defendida por alguns
autores, como S a ldanha S an ch es 645.
O CPPT refere a existência de providências cautelares a favor do 646 Jorge de S ousa, Código..., II, p. 592.
contribuinte ou demais obrigados tributários no seu art.° 147.°, n.° 6, 647 “Tratando-se de um regime especial, está afastada a aplicabilidade do
regime do n.° 6 deste art.° 147.° (do CPPT) à suspensão da eficácia de atos de
642 Sobre tais meios, por todos, Maria da Glória Ferreira Pinto G a r c i a , «O s liquidação de dívidas cobradas através do processo de execução fiscal”, escreve Jorge
meios cautelares em direito processual administrativo». de S ousa, Código.. II, p. 613. Mas o mesmo Autor admite (ob. cit, p. 597) hipóteses
643 Mário Aroso de A lm e id a , Manual..., p. 4 4 6 . de deferimento de providências cautelares inominadas a favor dos contribuintes,
644 Rui Duarte M o r a is , A Execução..., p. 15 ss. visando, p. ex. o levantamento da garantia prestada em caso de demora excessiva de
645 Saldanha S a n c h e s , Manual..., p. 4 8 9 ss. decisão na ação principal (atento o prazo ordenador constante do art.° 96.° do CPPT).
318 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Formas Processuais 319

liquidação (processo de impugnação) ou a inexigibilidade da dívida Ou seja, a lei tributária consagra um meio específico para asse­
exequenda (oposição)648. gurar que o executado nada sofrerá como consequência da demora no
O prejuízo em causa é, pois, o de o executado se ver privado julgamento da ação principal, sempre que tal se justifique (quando - tal
da disponibilidade dos bens que lhe foram penhorados o que, p. ex., como sucede nos procedimentos cautelares em geral - o prejuízo que
estando em causa quantias em dinheiro, poderá, em certos casos, com­ se quer prevenir seja superior ao interesse prosseguido com a penhora).
prometer irremediavelmente a sua sobrevivência económica649. Mas, dir-se-á, esta tutela cautelar depende de uma decisão admi­
O meio normal que o executado dispõe para obviar à penhora dos nistrativa, não é assegurada pela intervenção de um tribunal, como
seus bens é a prestação de garantia, nomeadamente uma caução bancá­ exige a Constituição.
ria. Mas, é bom de ver, muitas situações existirão em que o executado Tal não é exato: perante a decisão administrativa que recuse a
não está em condições de prestar garantia nem de oferecer à penhora dispensa de prestação de garantia651, o interessado pode reclamar judi­
bens de cujo uso não fique privado (p. ex. imóveis). cialmente, nos termos do art.° 276.° e ss do CPPT, recurso com efeito
A lei prevê a possibilidade de dispensa da prestação de garantia: suspensivo652e a ser tramitado como processo urgente.
nos termos do art.° 54.°, n.° 2, da LGT, a administração tributária pode Ou seja, o direito processual tributário, relativamente aos atos de
[entenda-se, é obrigada sempre que verificados os pressupostos previs­ liquidação, assegura, através de mecanismos que lhe são próprios, as
tos na lei, pois, obviamente, não estamos aqui perante uma faculdade mesmas garantias que em processo administrativo são logradas pela
discricionária da administração, mas sim perante um ato vinculado, previsão de um procedimento cautelar visando a suspensão da eficácia
que dará satisfação a um direito do contribuinte], a requerimento do dos atos administrativos. Pelo que entendemos que, existindo normas
interessado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos em que a sua especiais, não é aplicável, relativamente aos atos de liquidação, o dis­
prestação lhe causar prejuízo irreparável650. posto na primeira parte do art.° 112.°, n.° 2, al. a), do CPTA.
Relativamente a outros atos administrativos em matéria tributá­
648 Se o interessado não está mais em tempo de interpor ação principal, a ria, a jurisprudência tem, a nosso ver bem, concluído pela admissi-
questão da possibilidade da providência cautelar deixa de se colocar, pois, mesmo
que possível, seria sempre de rejeitar por extemporaneidade. Como decidiu o STÁ
no seu Ac. de 24-08-2011, rec. n.° 0646/11, relator F rancisco R oth bs , “não se 651 Entendemos que não poderá haver lugar à penhora até a administração se
justifica a apreciação do processo cautelar (...) se está já excedido o prazo para o pronunciar expressamente sobre tal requerimento, como é seu dever. Esta é, aliás,
exercício do direito de ação relativo ao pedido de anulação e o requerente, apesar a regra no processo administrativo: perante a apresentação de um requerimento
de notificado, não comprova que usou meio contencioso adequado a esse pedido”. visando a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a autoridade administra­
649 Veja-se o caso que deu origem ao Ac. do STA de 10-08-2005, rec. n.° tiva não pode, por regra, iniciar ou prosseguir a sua execução (art.° 128.° do CPTA).
0850/05, relator B aeta de Q ueiroz : a Liga Portuguesa de Futebol Profissional dedu­ 652 Pensamos que a recusa de dispensa de prestação de garantia cabe na pre­
ziu um processo cautelar visando a suspensão da eficácia do ato administrativo que visão da al. d) do n.° 3 do art.° 278.° do CPPT. De todo o modo, é jurisprudência
determinou o pagamento de determinada quantia por ela devida ao Estado, com o pacífica que a enumeração constante de tal norma é meramente exemplificativa,
objetivo de evitar a penhora dos seus depósitos bancários, alegando que, de outra for­ tendo efeito suspensivo todas as reclamações em que o reclamante alegue a existên­
ma, não poderia assegurar a continuidade dos campeonatos desportivos que organiza:- cia de prejuízo irreparável se a sua apreciação for diferida para o final do processo.
A utilização de tal processo cautelar foi considerada inadmissível, com base Tal é, manifestamente, o caso da decisão sobre o pedido de dispensa de prestação
em fundamentação que, no essencial, coincide com a posição explanada em textor > de garantia.
650 Mesmo que tenha bens penhoráveis. A lei é expressa em consagrar a dis^:;; O juízo sobre a verificação do prejuízo irreparável cabe ao tribunal e não
pensa de prestação de garantia em duas diferentes situações: prejuízo irreparável <ao órgão de execução fiscal, o qual, portanto, perante uma tal alegação, não pode
ou falta de meios económicos. decidir pela retenção, pelo que a reclamação deverá sempre subir de imediato.
320 Manual de Procedimento e Processo Tributário A í Formas Processuais 321

bilidade de procedimentos cautelares (pela aplicação subsidiária do coloca-se a questão da delimitação do seu uso. Na doutrina confron­
disposto no CPTA)653. tam-se várias teses, conhecidas como teorias do alcance mínimo,
alcance médio e alcance máximo, dada a diferente forma como per-
Mas, porque partilhamos as mesmas preocupações, faze­ cecionam a possibilidade de uso da ação para o reconhecimento de
mos nossa a seguinte recomendação: em sede de harmonização do um direito ou interesse legítimo655.
CPPT e do CPTA, a tutela judicial efetiva imporá a consagração de solu­ Não entrando neste debate doutrinário, começaremos por ter pre­
ções que, mio apenas garaatam a reparação de prejuízos, mas que evitem sente o disposto no n.° 3 do art.° 145.° do CPPT: [est]as ações apenas
os mesmos, quando existam indícios de que a pretensão formulada será podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais ade­
julgada procedente e seja previsível uma demora do processo causadora quado (...)636.
de prejuízos ao requerente654. Ou seja, não é possível utilizar a ação para o reconhecimento de
um direito ou interesse legalmente protegido para fins que, mais ade­
quadamente, podem ser prosseguidos pelo uso de outras formas pro­
42. Ações para o reconhecimento de um direito ou interesse legi­ cessuais, nomeadamente o processo de impugnação.
timo em matéria tributária
No dizer do STA, no seu Ac. de 02-06-2010, rec. n.° 0118/10, de
A impugnação dos atos administrativos tem uma dimensão essen­ que foi relator Jorge d e S o u sa , “a ação para reconhecimento de direito ou
cialmente reativa: pretende-se, como pedido principal, a remoção da interesse legítimo em matéria tributária, prevista no art.° 145.° do CPPT,
ordem jurídica de atos praticados pela administração que se considera tem carácter de complementaridade em relação aos outros meios conten­
estarem feridos de ilegalidade. ciosos. Não se pode afastar a possibilidade de uso da ação em casos em
Ora, tal pode não ser suficiente para assegurar uma plena tutela que para obter algum ou alguns dos efeitos pretendidos pelo interessado,
jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cida­ se com a ação for possível obter uma mais efetiva tutela do direito ou
dãos, pois pode mostrar-se necessária uma intervenção judicial de interesse em causa, designadamente um efeito jurídico que não possa ser
carácter constitutivo. Esta diferença decorre do próprio artigo 268.°, obtido por outros meios ou uma mais rápida ou duradoura satisfação dos
n.° 4, da CRP, que expressamente prevê, como formas diferentes de seus direitos ou interesses”.
efetivação dos direitos dos administrados, o reconhecimento judicial
de tais interesses ou direitos e a impugnação de quaisquer atos admi­ 655 Por todos, Alexandra L eitão, «Da pretensa subsidiariedade da acção
nistrativos que os lesem. para o reconhecimento de direitos ou interesses legítimos face aos restantes meios
contenciosos». Em geral, Vasco Pereira da S ilva, «A acção para o reconhecimento
Existindo dois mecanismos processuais (ação para o reconhe­ de direitos».
cimento de um direito ou interesse legítimo e ação de impugnação), 656 O que representa uma alteração significativa relativamente ao que antes
dispunha a correspondente norma do CPT (art.° 165.°, n.° 3), segundo a qual estas
633 P. ex., Ac de 1 6 -0 1 -2 0 0 8 , rec. n.° 0 7 1 7 /0 7 : o processo de providência ações só podiam ser propostas quando os restantes meios contenciosos, incluindo
cautelar, previsto no n.°6 do artigo 147.° do Código deProcedimentoe de Processo os relativos à execução da sentença, não assegurassem a tutela efetiva do direito
Tributário, é meio adequado àsuspensão de execução de garantiabancária atinente ou interesse em causa.
a dívida resultante de obrigação prescrita; Ac. de 3 0 - 0 5 -2 0 0 7 , rec. n.° 0 4 9 /0 7 - Ou seja, não se exige hoje que não haja outros meios contenciosos aptos a
autorização para importação de mercadorias (CIEC). lograr asatisfação dopedido, mas tão-só que esses outros meios não sejamos mais
654 P ortugal , Relatório..., p. 6 76. adequados.
322 Manual de Procedimento e Processo Tributário A í Formas Processuais 323

Assim, este tipo de ação não pode ser utilizado para obter o efeito Quanto à sua tramitação, o art.° 145.° do CPPT procede a uma
que resultaria da anulação de um ato que se tenha tomado inimpug- remissão genérica para o previsto em tal Código relativamente ao pro­
nável657, não pode funcionar como uma segunda garantia de recurso cesso de impugnação.
aos tribunais, perdida a primeira pela preclusão do respetivo prazo658.
O carácter relativamente excecional da possibilidade de uso deste
meio processual torna compreensível que muitas decisões jurispruden- 43. Meios processuais acessórios
ciais concluam pela incorreção do seu uso.
A doutrina659 aponta como exemplos típicos da propriedade do O CPPT prevê, sob a designação de meios processuais acessó­
uso deste meio processual os casos em que o sujeito passivo é con­ rios, os processos de intimação para a consulta de documentos e pas­
frontado com atos administrativos originados em situações factuais sagem de certidões, de produção antecipada de prova, de execução
que se tendem a repetir. Assim, p. ex., alguém que é notificado de dos julgados e, ainda, o processo especial de derrogação do dever de
liquidações de um imposto periódico de que entende estar isento ou sigilo bancário.
de liquidações que entende sofrerem (todas) do mesmo erro660. Na
realidade, porque o processo de impugnação é dirigido a um ato (ou
a vários atos, cumuláveis para efeitos de recurso), o uso desta forma 43.1. Intimação para a consulta de documentos e passagem
processual não se mostra “suficiente” para assegurar a plena tutela dos de certidões
interesses do contribuinte, que teria que reclamar/impugnar cada um
destes atos. A ação para o reconhecimento de um direito ou interesse Está em causa assegurar o direito à informação procedimental
legítimo é a forma processual que melhor permitirá, ”de uma vez por e, também, o direito de acesso aos arquivos e registos administrati­
todas”, esclarecer este tipo de situações661. vos. Assim sendo, este meio processual esgota a sua funcionalidade
na tutela do cumprimento do dever das autoridades administrativas de
637 Vieira de A n d r a d e , Justiça Administrativa, p. 180.
exibir, narrar ou reproduzir o que consta dos arquivos à sua guarda.
658 Isto porquanto o prazo para a interposição de uma ação para obter o
reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido é de 4 anos após
a constituição do direito ou o conhecimento da lesão do [pelo] interessado - art.° O direito à informação procedimental está garantido cons­
145.°, n.° 2, do CPPT. titucionalmente pelo art° 268.°, n.° 1, da CRP, segundo o qual os
659 Jorge de S ou sa , Código..., II, p. 500 ss. cidadãos têm o direito de ser informados pela administração, sempre que
660 P. ex., alguém que compra sistematicamente determinada mercadoria, o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente
sendo-lhe liquidado o IVA à taxa normal, quando entende ser aplicável a taxa
interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre
reduzida; ou uma situação em que o fornecedor de determinados serviços liquida
eles forem tomadas.
IVA, sendo que o comprador entende estarem em causa situações de inversão do
sujeito passivo (reverse charge). Em concretização deste comando constitucional, o art.° 59.°,
661 Como exemplos de outras situações em que foi considerado legítimo o n.° 3, al. g), da LGT prevê, como um dos deveres de colaboração
uso deste meio processual, cf. Ac. do STA de 30-04-2008, rec. n.° 030/08, relator
Jorge L ino (pretensão do gerente de obter a declaração judicial de que se encontra Pacheco (reembolsos de IRS reivindicados pelos contribuintes que tenham sido
extinta por compensação a dívida da sociedade em que se baseia a acusação aplicados pela AF na compensação de dívida de IVA no âmbito de um processo de
contra si formulada «da prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma execução fiscal, sem que se mostre comprovada a prática do ato que determinou
continuada») e Ac. do STA de 21-10-2009, rec. n.° 0291/09, relator M iranda de essa compensação).
324 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Formas Processuais 325

da administração tributária com os contribuintes, a obrigação de ressado pode lançar mão deste meio processual. Tal deverá acontecer
lhes facultar o acesso, a título pessoal ou mediante representante, aos no prazo de 20 dias contados desde o prazo legalmente estabelecido
seus processos individuais ou, nos termos da lei, àqueles em que tenham para a “resposta”, ou do indeferimento expresso do pedido, ou da sua
interesse direto, pessoal e legítimo. satisfação apenas parcial. O uso deste meio processual, nestas circuns­
tâncias, não afeta a continuação da suspensão do prazo para a reclama­
Só será possível lançar mão deste meio processual provando-se, ção, recurso, impugnação ou outro meio judicial (ex vi art.° 37, n.° 2,
para além da recusa, expressa ou tácita, da administração em dispo- do CPPT e art.° 106.° do CPTA), até cumprimento da decisão judicial
nibilizar a informação requerida (a necessidade de recurso à via judi­ que defira o pedido de intimação ou o trânsito em julgado da decisão
cial), o interesse objetivo do requerente na obtenção da documentação que o indefira, salvo se, antes de ser proferida sentença, a administra­
em causa (a sua legitimidade), a proporcionalidade entre a razão de ção fiscal der cumprimento voluntário ao requerido664.
ser do pedido e o esforço exigido à administração para a sua satis­ A tramitação deste processo é simplificada, pois está em causa
fação662 e, ainda, a existência, em serviço dependente da autoridade um processo urgente, constando dos artigos 107.° e 108.° do CPTA,
requerida, do documento contendo a informação a certificar. Haverá, para os quais remete o n.° 1 do art.° 146.° do CPPT.
porém, que respeitar os deveres decorrentes do sigilo fiscal quando a Se a decisão judicial que ordene a intimação da administração não
documentação em causa se refira a terceiros ou, também, a terceiros. for cumprida no prazo estabelecido na sentença, pode o juiz determinar
O pedido desta intimação judicial pode acontecer fora do contexto a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, sem prejuízo do
de um qualquer processo ou procedimento pendente. Mais frequen­ apuramento da eventual responsabilidade disciplinar, civil e criminal
temente, estarão em causa notificações insuficientes663. O notificado, dos funcionários e das administrações fiscais em causa.
fazendo uso do disposto no n.° 1 do art.° 37.° do CPPT, requereu a noti­
ficação dos elementos omitidos. Passado o prazo legal de resposta (10
dias, ou 48 horas se o contribuinte invocar fundamentada urgência - 43.2. Produção antecipada de prova
art.° 24.° do CPPT) sem que a pretensão se mostre satisfeita, o inte­
Tal acontecerá havendo justo receio de vir a tornar-se impossível
662 Sirva de exemplo o caso que deu origem ao Ac. do STA de 04-11-2009, ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de
rec. n.° 01015/09, relatado por I sabel M arques da S ilva: alguém pretendia obter certos factos por meio de prova pericial.
da AF certidões relativas à situação tributária de uma série de não residentes, dos Apenas está aqui em causa a produção de prova antes de ser ins­
quais era responsável fiscal, para, nomeadamente, decidir da continuação do exer­ taurado o processo em que normalmente teria lugar, pois só nestes
cício de tais funções. O tribunal concluiu existir interesse legítimo do requerente e casos existirá um processo “autónomo”. Se tal necessidade for consta-
que os fins visados justificavam o esforço exigido à administração, ou seja, que a
satisfação do requerido não implicava violação do princípio da proporcionalidade.
663 Ac. do STA de 23-09-2009, rec. n.° 0857/09, relatado por I sabel M arques 664 O que nos coloca a questão de saber como resolver a situação de “impasse”
da S ilva: o meio processual adequado para reagir contra o indeferimento de um que poderá resultar de, ultrapassado que seja o prazo para a interposição deste
pedido de passagem de certidão requerida ao abrigo dos artigos 24°, n.° 2, 36.° processo sem que o interessado dele tenha feito uso, persistir a “inatívidade
números 1 e 2 e 37.° números 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tri­ administrativa”. Os prazos de impugnação e recurso continuarão suspensos até
butário é o de “intimação para passagem de certidão”, regulado nos artigos 104.° a decisão expressa, mas parece que, entretanto, o interessado nada poderá fazer
108.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (artigo 146.°, n.° 1, do em ordem a obter uma sentença judicial que condene a administração a decidir o
Código de Procedimento e de Processo Tributário). requerido.
326 Manual de Procedimento e Processo Tributário A j Formas Processuais 327

tada depois de intentada a ação pode, igualmente, haver lugar a produ­ 43.4. Execução de julgados
ção antecipada da prova, só que já no âmbito do processo “principal”
(cf. art.° 520 ° do CPC). 43.4.1. Execução espontânea
A tramitação deste processo é regulada pelo art.° 134.° do CPTA,
por remissão do n.° 1 do art.° 146.° do CPPT Comecemos por relembrar que a reposição da legalidade em maté­
ria tributária não resulta apenas da intervenção dos tribunais (esta
deveria ser uma forma relativamente excecional de a lograr). Cabe,
43.3. Processo de derrogação do dever de sigilo bancário em primeiro lugar à administração fiscal, como consequência normal
(remissão) da revisão (seja qual for a forma procedimental por que aconteça) das
suas decisões.
Entre os meios processuais acessórios aparece regulado, nos arti­
gos 146.°-A e seguintes do CPPT, o processo especial de derrogação Dispõe o art.° 100.° da LGT, em concretização do imposto
do dever de sigilo bancário. pelo n.° 3 do art ° 205.° da CRP, que a administração tributária está
Já nos ocupámos deste tema665. Apenas salientaremos que este obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recur­
processo pode ser da iniciativa da administração fiscal, em ordem sos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à
a obter autorização judicial para aceder a determinada informação imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido
bancária; ou ser interposto pelos interessados, em recurso de uma cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemni­
decisão da administração fiscal de ter acesso a informações protegi­ zatórios, nos termos e condições previstos na lei.
das pelo sigilo bancário. Com a atual redação do art.° 63 °-B da LGT,
a administração fiscal deixou de precisar de obter uma autorização Estando em causa a anulação de uma liquidação, a sua eficácia
judicial prévia, mesmo quando esteja em causa informação bancá­ é ex tunc, pelo que tudo se deve passar como se o ato tributário anu­
ria relativa a outras pessoas ou entidades que não o sujeito passivo lado não tivesse acontecido, ou seja, há que restituir ao sujeito passivo
cuja situação tributária se pretende apurar (familiares e entidades com a totalidade das quantias pagas, eventualmente acrescidas de juros
aquele especialmente relacionadas). Porém, nada parece impedir que indemnizatórios.
o faça666. Porém, há que ter em conta a possibilidade de o tribunal ter deci­
Independentemente de o recurso ter efeito suspensivo apenas dido expressamente no sentido da anulação parcial do ato impugnado,
quando esteja em causa o acesso a informação bancária relativa a possibilidade esta que, como vimos667, merece o aplauso da doutrina
outrem que não o sujeito passivo inspecionado, este processo, tal e é, pacificamente, aceite pela jurisprudência. Por maioria de razão,
como os demais meios processuais acessórios a que nos temos vindo tendo sido impugnadas no processo várias liquidações, pode o tribu­
a referir, é sempre havido como sendo um processo urgente, do que nal concluir pela validação de umas e pela anulação (total ou parcial)
decorrem as consequências já explanadas, nomeadamente no tocante a de outras.
prazos. No caso de, na decorrência da sentença, um ato tributário impug­
nado subsistir parcialmente - pelo que não será necessária nova liqui-
665 Supra, 32, Procedimento de acesso ainformações bancárias.
666 Casalta N a b a is, Direito Fiscal, p. 405. 667 Supra, 33, Oprocesso judicial tributário.
328 Manual de Procedimento e Processo Tributário Formas Processuais 329

dação haverá que devolver ao sujeito passivo o excesso, relativamente Para que a execução fiscal pudesse prosseguir no remanescente, não
ao que este pagou, ou, não se mostrando a dívida que se mantém inte­ anulado, com o mesmo título (executivo), mister era que a anulação judi­
gralmente paga, a execução prosseguirá para cobrança do valor não cial da liquidação tivesse sido meramente parcial, o que, atento ao teor da
anulado. sentença anulatória, não se verifica no caso dos autos.
Mas já não será assim quando a pronúncia do tribunal não tenha
sido no sentido (expresso) de uma anulação meramente parcial. Então,
há que proceder à reconstituição da situação que existiria, devolvendo- 43.4.1.1. Prazo
-se ao sujeito passivo o montante por ele pago, mesmo quando do teor
da sentença resulta o direito da administração a proceder a nova liqui­ A matéria da execução das sentenças judiciais é regulada pelas
dação, expurgada dos vícios que feriam a anteriormente feita. disposições do CPTA, por força das remissões operadas pelos art.°
102.°, ii° 1, da LGT e 146.°, n.° 1, do CPPT668.
Assim decidiu - bem - o STA no seu Ac. de 17-01-2007, rec. Assim, nos termos do art.° 175.°, n.° 3, do CPTA, nos casos em
n.° 01042/06, de que foi relator B aeta d e Q u eir o z : anulado integral­ que a execução do julgado consista no pagamento de uma quantia
mente, por sentença judicial transitada em julgado, um ato de liquidação pecuniária (como será normal acontecer relativamente aos processos
(...), cumpre à administração, na execução desse julgado, restituir todo o de impugnação no âmbito tributário), o prazo para a execução espon­
imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios. Sob pena de incorrer tânea é de 30 dias669.
(...) em ofensa do caso julgado, a administração não pode proceder a nova O prazo para a execução espontânea terá, necessariamente, que
liquidação, propondo-se executar o julgado mediante a restituição ao con­ se contar a partir da data do trânsito em julgado da sentença, pois só
tribuinte de um quantitativo correspondente à diferença entre o imposto assim se dará cumprimento ao disposto no art.° 100.° da LGT: a admi­
pago e o agora liquidado. nistração tributária está obrigada (...) à imediata e plena reconstitui­
ção da situação (...).
Não pode, pois, prosseguir a execução para cobrança do
imposto que o “acertamento” feito pelo tribunal considerou devido Porém, o n.° 2 do art.° 146.° d o CPPT d isp õe que o prazo de
quando o ato de liquidação (o título que serve de base ao processo execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários
executivo) foi totalmente anulado. Assim decidiu, explicitando a conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão
orientação subjacente à decisão antes citada, o STA, no seu Ac. de da administração tributária competente para a execução, podendo o inte­
28-04-2010, rec. n.° 0297/10, de que foi relatora I sabel M arques ressado requerer a remessa no prazo de 8 dias após o trânsito em julgado
da S ilva : verificando-se que a sentença proferida no processo de impug­ da decisão.
nação procedeu à anulação total, e não apenas parcial, do ato de liquidação
impugnado, a administração tributária estava obrigada a cumprir o que
aí se determinou (artigo 205.° da Constituição da República Portuguesa)
e a retirar da anulação judicial da liquidação as devidas consequências, 668 Em geral, Mário Aroso de A lmeida, «Pronúncias judiciais e a sua execução
quais sejam a de extinguir o processo de execução fiscal instaurado para na reforma do contencioso administrativo» e Manual..., p. 499 e ss.
669 Nos demais casos em que o cumprimento da decisão judicial importe a
cobrança coerciva da dívida titulada por aquela liquidação.
prática de outros atos, como, p. ex., devolução de bens apreendidos, remoção da
lista de devedores, etc., o prazo é de 90 dias (art.° 175.°, n.° 1, do CPTA).
330 Manual de Procedimento e Processo Tributário á j Formas Processuais 331

A melhor doutrina670 considera que o CPPT não pode dispor de Assim, até que sejam decorridos 30 dias contados do trânsito em
forma contrária à LGT (no sentido de uma diminuição das garantias julgado de uma sentença que anulou determinada liquidação, a admi­
dos contribuintes), atento o primado lógico que deve ser reconhecido nistração tem o dever de devolver ao sujeito passivo as quantias por ele
a este diploma, pois que define os princípios gerais que regem o direito pagas, passando a ser devidos juros caso tal não aconteça, juros estes
fiscal português e os poderes da administração tributária e as garan­ que não têm que ser peticionados pois que a obrigação do seu paga­
tias dos contribuintes671, considerando inconstitucional que a conta­ mento decorre diretamente da lei (art.° 102, n.° 2, da LGT).
gem do prazo para a execução espontânea das decisões judiciais fique
dependente de um ato da secretaria dos tribunais672.
43.4.2. Execução coerciva de sentenças judiciais
Tal é, tam bém o entendim ento do STA : o n.° 2 do artigo 146.°
do CPPT, afrontando o disposto nos artigos 100.° da LGT e 205.°, n.° 2, Haverá, agora, que considerar a hipótese de a administração fiscal
do CRP, é material e organicamente inconstitucional. permanecer numa situação de incumprimento, não dando, no prazo
A obrigação da administração tributária de executar os julgados surge legal, execução espontânea a uma decisão judicial. Situação que, infe­
logo com o trânsito em julgado da decisão judicial e não com a remessa do lizmente, é muito vulgar.
processo para o serviço de finanças competente, a requerimento do con­ Nestes casos, existe a possibilidade de recorrer ao tribunal para
tribuinte. A falta desse requerimento no prazo indicado no n.° 2 do artigo obter a execução coerciva. Nem poderia ser de outro modo, pois que
146.° do CPPT, não preclude o direito do contribuinte exigir à adminis­ o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva compreende,
tração tributária e aos tribunais a execução do julgado. ( Ac. do STA também, a possibilidade de fazer executar os direitos que os contri­
de 19-03-2009, rec. n.° 0983/08, de que foi relator M iranda de buintes viram (judicial ou administrativamente) reconhecidos.
P a c h ec o ; no mesmo sentido, Ac. do STA de 03-12-2008, rec. n.° O processo de execução de julgados (que, algo incompreensivel­
0570A/08, de que foi relator P im enta d o Va le ). mente, continua a ser qualificado pela lei como sendo um processo
acessório) rege-se pelas normas do CPTA, por força da remissão ope­
E - entendemos nós - não poderia ser de outra forma, sob pena rada pelo n° 1 do art.° 146.° do CPPT.
da efetivação dos direitos dos contribuintes, reconhecidos por sentença
judicial transitada em julgado, ficar dependente da “inércia discricioná­ Não obstante a eventual “suficiência” prática de tais normas,
ria” das secretarias judiciais ou de se entender que o interessado teria diremos que é urgente dotar a justiça tributária de um esquema de exe­
a obrigação de, em oito dias, requerer a remessa dos autos à adminis­ cução de sentenças que iguale, em sede de tutela executiva, a posição do
tração fiscal. contribuinte quando obtém uma declaração judicial favorável oponível à
administração, face à tutela executiva de que a administração é destina­
670 Jorge de S ousa , Código ...,n, p. 528 ss.
671 “Título” do Preâmbulo do DL n.° 398/98, de 17 de Dezembro, que aprovou tária, no âmbito do processo de execução fiscal673.
a LGT.
672 O art.° 146.°, n.° 2, do CPPT terá tentado resolver, na perspetiva da Isto, desde logo, porquanto na execução das sentenças (e decisões
administração fiscal, um problema resultante da descoordenação entre os seus administrativas) anulatórias em matéria fiscal, está em causa, essen-
vários serviços. Sendo o representante da Fazenda Pública notificado da sentença
(sabendo, portanto, quando esta transitou em julgado), caber-lhe-ia informar o órgão
competente lhe para dar execução espontânea. O que, pelos vistos, não acontece. 673 Marta R ebelo , Código..., p. 129.
332 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Formas Processuais 333

cialmente, uma repetição do indevido, o que não acontece no domínio 43.4.2.1. Prazo
do direito administrativo.
No Título VHI do CPTA (Do processo executivo) estão previs­ Dispõe o art.° 176.°, n.° 2, do CPTA que a execução deve ser
tas três espécies de processos executivos: execução para prestação de requerida no prazo de seis meses676, contados do termo do prazo para
factos ou coisas, execução para o pagamento de quantia certa, execu­ a execução espontânea.
ção de sentenças de anulação de atos administrativos. Há, pois, que saber qual o prazo para a execução espontânea.
As sentenças judiciais mais frequentes no domínio tributário têm O prazo “geral” para a execução das sentenças de anulação dos atos
conteúdo anulatório, acontecem em recursos judiciais de impugna­ administrativos é de três meses (art.° 175.°, n.° 1, do CPTA). Porém, na
ção. Sempre se entendeu que uma sentença anulatória tem implícita maioria dos processos de impugnação de liquidações, tendo o imposto
a obrigação de a administração reconstituir a situação atual hipoté- sido pago, estará em causa, apenas, a devolução (pagamento) de uma
tica, ou seja, colocar o interessado na mesma situação em que presu­ quantia certa (o valor indevidamente cobrado, acrescido de juros).
mivelmente estaria se o ato ilegal não tivesse sido praticado674, o que, Então o prazo para execução espontânea será de 30 dias (art.° 175.°,
como vimos, obriga à devolução das quantias por ele indevidamente n ° 3, do CPTA)677.
pagas, eventualmente acrescidas de juros indemnizatórios, e outras O prazo de seis meses, contado do termo do prazo para a execu­
obrigações (p. ex., a restituição de bens indevidamente apreendidos). ção espontânea, para a interposição da ação executiva não parece ser
Assim, por regra, a espécie processual a utilizar será o processo adequado às especificidades do direito tributário. Conhecida a demora
de execução de sentenças de anulação de atos administrativos675. da administração em proceder a restituições, não se compreende o
interesse em obrigar os contribuintes a recorrer sistematicamente aos
tribunais, num prazo relativamente curto e sob pena de perderem o seu
direito à ação executiva, para coagirem a administração a cumprir com
algo que ela, normalmente, faria voluntariamente, ainda que com mora.
Mais, a fixação de um tal prazo pode redundar num “prémio”
674 “A constituição da administração no chamado dever de executar a sentença
à inércia da administração fiscal, pois os contribuintes, confiados no
é, pois, inerente ao efeito constitutivo - efeito substantivo, que não meramente
processual - que a anulação produz (...)- A sentença não se pronuncia, no entanto, cumprimento espontâneo, ainda que tardio (que é a regra), poderão
formal e especificadamente, sobre a posição em que a administração fica colocada na facilmente deixar caducar o seu direito à ação executiva. Por último,
sequência da anulação, não lhe impondo, portanto, o cumprimento dos deveres que não compreendemos que o direito à ação executiva visando a cobrança
para ela resultam da anulação. Uma tal condenação envolveria, de resto, indagações de um crédito caduque antes da prescrição da obrigação substantiva.
que se encontram afastadas do objeto do recurso, que apenas se debruça sobre a Voltaremos, adiante, a esta questão.
questão da legalidade do ato impugnado (...)” - Mário Aroso de A lm e id a , «Tutela
declarativa e executiva no contencioso administrativo português», p. 67.
675 Existirão situações em que a sentença do tribunal é, diretamente,-
condenatória, constituindo a administração na obrigação de uma prestação de facto 676 Igual prazo fixam o art.° 164.°, n.° 2, do CPTA, para a execução para a
ou de entrega de coisas (p. ex., uma sentença proferida em processo de intimação prestação de factos ou de coisas, e o art” 170.°, n.° 2, do mesmo Código, para a
para a passagem de certidões). A execução coerciva revestirá, então, a forma prevista/ execução para pagamento de quantia certa.
nos art.° 162“e ss. do CPTA. Em termos práticos, a questão não será muito relevante^; 677 Note-se que estes prazos se contam nos termos previstos no art.° 72.° do
porquanto, normalmente, haverá a possibilidade de convolação na forma de processo CPA (está em causa a prática de atos pela administração), ou seja, a sua contagem
executivo, reputada mais adequada. suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
334 Manual de Procedimento e Processo Tributário
As Formas Processuais 335

Mais uma vez foi a jurisprudência do STA a encontrar, dentro do Haverá, porém, que estar atento à eventual ocorrência de uma tal
quadro legal vigente, a solução possível para tentar “contornar” este notificação, uma vez que, então, se iniciará a contagem do prazo de
tipo de situações, flagrantemente incompreensíveis e injustas. caducidade do direito a intentar a ação executiva.
No Ac.do STA de 17-06-2009, rec. n.° 073/09, de que foi rela-
tora I sabel M arques da S ilva , foi decidido: Se o prazo de 6 meses 43.4.2.2. Tramitação
para requerer a execução de julgado se inicia após o termo do prazo legal
para a execução espontânea do decidido, existindo norma tributária que Referindo-nos apenas ao processo de execução de sentenças de
estabelece que o prazo para a execução espontânea pela administração anulação de atos administrativos, temos, em resumo678:
tributária se conta da remessa do processo ao órgão da administração tri­
butária competente para a execução (havendo a faculdade do interessado, - a petição inicial será apresentada no tribunal tributário que
que não o dever, de requerer essa remessa), deve entender-se que a remessa
tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição (art.°
176.°, n.° 1, do CPTA);
do processo ao órgão da administração tributária teria de ser oficiosa­
mente notificada pela secretaria do tribunal à interessada, nos termos do
- segue-se a notificação da entidade requerida para contestar, no
n.° 2 do artigo 229.° do Código de Processo Civil, pois que o direito pro­
prazo de 20 dias, sendo admissível réplica (art.° 177.° do CPTA);
cessual da parte à execução do julgado não depende de prazo a fixar pelo
- haverá, eventualmente, lugar a uma fase instrutória (art.° 177.°,
n.° 4, do CPTA);
juiz nem de prévia citação, antes decorre da lei, que fixa o seu termo ini­
- finalmente, a sentença, que fixará o conteúdo dos atos e ope­
cial na dependência da prática de um ato do próprio Tribunal (a remessa
rações a adotar, identifica o órgão ou os órgãos administrati­
do processo ao serviço de finanças).
vos responsáveis pela sua adoção679 e o prazo em que devem
ser praticados. Estando em causa o pagamento de uma quantia
O fundamento essencial de tal decisão assentou na invoca­
certa, tal prazo é de 30 dias (art.° 179.° do CPTA).
ção do valor da confiança, da segurança, própria de um estado de
direito: entende-se que esta norma é atendível para os estritos efeitos de
Ultrapassado o prazo fixado sem que se mostre cumprido o deci­
contagem do prazo para requerer a execução do julgado [para os demais dido, temos, em resumo:
efeitos este Tribunal, em decisões que acompanhamos, tem considerado
o n.° 2 do art. 146.° do CPPT inconstitucional ~ cf. os Acórdãos de 3 de - relativamente a obrigações pecuniárias, o processo prossegue
Dezembro de 2008, rec. n.° 570A/08, e de 19 de Março de 2009, rec. n.° nos termos previstos para a execução para pagamento da quan­
983/08], pois que constituindo lex scripta os interessados não deverão ser
tia certa680.;
prejudicados em matéria de prazos para a utilização dos seus meios de
defesa por confiarem no que dispõe a lei tributária. 678 Em geral, Rui M achete , «Execução de sentenças administrativas .
679 O que é importante para a concretização da eventual responsabilização
(disciplinar, civil e criminal) dos funcionários responsáveis em caso de (persistir)
Não podemos estar mais de acordo... a inexecução ilícita (cf. n.° 2 do art ° 159® do CPTA).
Uma vez que tal notificação, por regra não acontece, o sujeito pas­ 680 O art.° 172.°, n.° 3 a 7, do CPTA prevê a existência de um “fundo”, ad­
sivo estará, na prática, sempre em tempo (sem prejuízo do decurso do ministrado pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais que,
prazo prescricional) de interpor a ação executiva. supostamente, permitirá o pagamento das quantias exequendas, sem necessidade de
intervenção da entidade executada, quando o exequente o requeira, na sua petição.
336 Manual de Procedimento e Processo Tributário A í Formas Processuais 337

- noutros casos, pode o exequente requerer ao tribunal sentença aos termos em que se pode proceder a um pagamento escalonado da
que produza os efeitos de ato ilegalmente omitido681(p. ex., que quantia em dívida”. Não existindo acordo, a execução prossegue nos
ordene o cancelamento de registos de penhora ou da garan­ termos expostos.
tia bancária prestada como forma de suspender o processo
executivo);
- estando em causa a prestação de um facto infungível (p. ex., 43.4.3. £xecução de atos administrativos consolidados
emissão de certidões), pode o exequente requerer ao tribunal
a fixação de uma indemnização, a título de responsabilidade O reconhecimento definitivo de direitos ou interesses legalmente
civil pela inexecução ilícita da sentença682; protegidos dos sujeitos passivos pode resultar, também, de decisões
- poderá haver lugar à responsabilização dos funcionários res­ administrativas favoráveis aos contribuintes que se tenham tomado
ponsáveis, pelo crime de desobediência (n.° 2 do art.° 159,° do definitivas (inimpugnáveis), p. ex. da anulação, total ou parcial, de
CPTA). uma liquidação em resultado de uma reclamação graciosa.
Coloca-se então a questão da execução coerciva de tais julgados
Uma vez que a execução dos julgados anulatórios em matéria fis­ administrativos, caso a administração não dê tradução prática ao que
cal envolverá, as mais das vezes, o pagamento de quantias em dinheiro, ela própria decidiu, nomeadamente, devolvendo ao sujeito passivo as
pode acontecer que a inexecução da sentença se deva à falta de verba quantias a que este se mostre com direito a receber.
ou de cabimento orçamental. Para estes casos, o n.D6 do art.° 177.° do A resposta não era clara, mesmo já na vigência do CPPT683. Porém,
CPTA prevê que a entidade executada dê conhecimento deste facto com a entrada em vigor do atual CPTA (subsidiariamente aplicável às
ao tribunal (pensamos que no prazo da contestação), o qual “con­ relações jurídico-fiscais), a questão conheceu solução legal expressa,
vida as partes a chegarem a um acordo, no prazo de 20 dias, quanto pois que o art.° 157.°, n.° 3, deste Código prevê que quando haja ato
administrativo inimpugnável de que resulte um direito para um parti­
cular a que a administração não dê a devida execução, ou exista outro
Existindo uma situação de “insuficiência de dotação” de tal fundo, o exequente
título executivo passível de ser acionado contra ela684, pode o interes­
deverá ser de tal notificado, podendo requerer o prosseguimento da execução nos
termos do previsto na lei processual civil (n.° 8 do art.° 172.° do CPTA), ou seja,
sado lançar mão das vias previstas no presente título para obter a cor­
com a penhora e venda de bens da entidade executada. respondente execução judicial.
O que nos coloca uma curiosa questão: correndo estes processos de execução, Assim, a remissão global feita pelo art.° 146.°, n.° 1, do CPPT para
por regra, nos tribunais tributários de 1.° instância (art.° 176.°, n.° 1, do CPTA) e não as normas sobre o processo nos tribunais administrativos em matéria
dispondo estes de um corpo de oficiais de diligências incumbidos da realização de execução de julgados abrange, também, a execução das decisões
de penhoras e vendas executivas, parece que nada mais restará se não o tribunal
ordenar à DGCI que penhore e venda bens do executado, o qual, as mais das vezes,
administrativas definitivas, pelo que vale o que, atrás, ficou dito.
será a própria DGCI (?!).
681 Por princípio não existem em direito fiscal atos administrativos que
não sejam de conteúdo vinculado, pelo que o tribunal poderá substituir-se à 683 Daí a oportunidade da realização de estudos de direito comparado sobre
administração, emitindo sentença que produza os efeitos do ato ilegalmente omitido. este tema. Cfr. Diogo Freitas do A m a r a l /Maria da Glória Garcia, O Poder de
682 E m geral, Casalta N a b a is , «Responsabilidade civil da administração Execução Coerciva das Decisões Administrativa nos sistemas de tipo francês e
fiscal»; Jorge Lopes de SOUSA, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração inglês e em Portugal .
Tributária por Atos Ilegais. 684 Será, p. ex., o caso de uma decisão arbitrai.
338 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Formas Processuais 339

Duas notas mais: suai mais adequada será, então, a ação de intimação para um com­
O prazo de caducidade do direito à ação (seis meses) inicia-se portamento, uma vez que não há necessidade de prévia declaração do
após o termo do prazo para a execução espontânea685. O início do direito que se quer fazer valer em juízo, pois que resulta de ato admi­
prazo para a execução espontânea, por sua vez, acontece na data em nistrativo consolidado.
que o interessado foi (ou se considera ter sido) notificado da decisão O tribunal onde correrá o processo de execução de atos adminis­
administrativa que reconheceu o seu direito. trativos consolidados (ou, sendo o caso, o processo de intimação para
Valem aqui, por “maioria de razão”, as críticas que deixámos fei­ um comportamento), será o tribunal tributário territorial e hierarqui­
tas quanto à existência de um prazo de caducidade do direito à ação camente competente, segundo as regras gerais.
inferior ao da prescrição da obrigação (pecuniária) que se pretende
executar.
Como vimos686, quando esteja em causa a interposição de uma 44. Intimação para um comportamento
ação de execução fundada em sentença judicial, a contagem deste
prazo de seis meses só se inicia na data em que o interessado seja noti­ Estão em causa situações de omissão, por parte da administra­
ficado, pela secretaria do tribunal, da remessa dos autos à adminis­ ção tributária, do dever de qualquer prestação jurídica sucetível de
tração fiscal (notificação essa que, por regra, não acontece, pelo que, lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária (art.° 147.°, n.°
assim sendo, a execução poderá ser intentada a todo o tempo, salva­ 1, do CPPT)687.
guardado o decurso do prazo prescricional). Tal como vimos acontecer relativamente às ações para o reco­
Mas estando em causa a execução coerciva de um julgado admi­ nhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária,
nistrativo, os prazos (primeiro, para a execução espontânea e, depois, este meio processual também só é aplicável quando, vistos os restantes
para a interposição da ação executiva) contar-se-ão da respetiva meios contenciosos previstos no presente Código, ele for o meio mais
notificação. adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efetiva dos direitos ou
Que acontecerá no caso de o contribuinte ter aguardado, para interesses em causa (art.° 147, n.° 2, do CPPT). Ou seja, a possibilidade
além do termo do prazo para a interposição da ação executiva, pelo da sua utilização é, também, relativamente excecional.
cumprimento espontâneo da administração fiscal?
Pensamos ser seguro afirmar que mantém o direito a impulsionar 687 Para maiores desenvolvimentos, Marta R ebelo, «Breves considerações em
a execução coerciva, porquanto o seu direito (de crédito) continua a tomo da intimação para um comportamento em matéria tributária» onde a autora, além
existir e o princípio da tutela jurisdicional efetiva implica que, exis­ de proceder ao enquadramento doutrinário desta figura, analisa jurisprudência sobre
o tema; Maria Amélia Barradas C erlos, «A intimação para um comportamento».
tindo um direito, exista um meio processual para o fazer valer em juízo.
No direito administrativo, a possibilidade de intimar judicialmente a
Assim, haverá que procurar, entre as formas processuais que a lei administração para que adote ou se abstenha de determinado comportamento
consagra, aquela que melhor se adequa ao caso concreto, sendo que surge prevista em várias normas, com diferentes âmbitos de aplicação. Merecerá
não poderá ser o processo de execução por (absurdamente, a nosso referência especial, por uma maior similitude com o previsto no CPPT, a intimação
ver) ter caducado o direito a tal ação. Entendemos que a forma proces- para proteção de direitos, liberdades e garantias, prevista no art." 109.°, n.° 2, do
CPTA. Sobre esta figura, Jorge Guerreiro M orais , «A sensibilidade e o bom senso
no contencioso administrativo: um breve ensaio sobre a intimação para proteção de
685 Ver o que a este propósito ficou dito em 43.4.1.1, Prazo. direitos, liberdades e garantias»; Carla Amado G omes , «Pretexto, contexto e texto
686 Supra, 43.4.2.1, Prazo. da intimação para proteção de que direitos, liberdades e garantias».
340 Manual de Procedimento e Processo Tributário A í Formas Processuais 341

A delimitação do campo de utilização desta forma processual matéria tributária implica uma referência, ainda que intencionalmente
relativamente à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse muito limitada, às possibilidades de os executados fazerem apreciar
legítimo em matéria tributária - aquela que lhe será mais próxima as suas pretensões por um tribunal.
assenta na necessidade ou desnecessidade de prévia declaração do Como “nota prévia”, diremos ser vexata quaestio a natureza do
direito que se quer fazer valer. Uma vez que o processo de intimação processo de execução fiscal. Apesar da afirmação feita pelo art.° 103.°
para um comportamento não comporta uma fase declarativa, só poderá da LGT de que este é um processo de natureza judicial, o certo é que
ser utilizado quando “se esteja em face de direitos cuja existência não se reconhece„a existência de fases administrativas e judiciais, dota­
necessite de atos de aplicação ou decorram necessariamente de deter­ das de autonomia. Aliás, a maioria dos processos de execução judicial
minada situação fáctica”688. extingue-se sem ter lugar qualquer intervenção judicial.
Exemplo do uso possível deste meio serão os casos em que a A natureza judicial dojprocesso de execução fiscal pouco mais
administração permaneça na situação de omissão face ao seu dever significa, em termos práticos, queNafirmar que o juiz, para além das
de pagamento de juros indemnizatórios, tendo havido restituição ofi­ decisões que a lei lhe reserva, pode ser chamado a controlar a legali­
ciosa do imposto indevidamente pago, uma vez que, constatada a res­ dade da atividade da administração fiscal no quadro de um determi­
tituição tardia, tal direito decorre diretamente da lei689. nado processo de execução691.
Outro exemplo possível será o de haver demora excessiva na liqui­ É a alguns desses “momentos” de intervenção judicial, cujo
dação de IRS690e dessa liquidação resultar o direito do sujeito passivo impulso inicial pertence ao executado, que nos iremos, agora, referir.
a reembolso.
Pelas razões que deixámos explanadas, entendemos, ainda, dever
ser esta a forma processual a utilizar para obter o cumprimento de 45.1. Oposição à execução
decisões judiciais ou de atos administrativos consolidados favoráveis
ao sujeito passivo quando o uso da via processual normal (execução A reação, pela via judicial, à exigência de pagamento de um tri­
de julgado) já não é possível por ter decorrido o prazo de caducidade buto assenta numa dualidade de meios processuais: a impugnação e
(que, como vimos, é de seis meses) para a sua interposição. a oposição à execução.
Tal é resultado da “equiparação” que, historicamente, era feita
entre uma decisão administrativa consolidada e uma sentença judicial.
45. “Recursos” judiciais no processo de execução fiscal Assim, o interessado que discorde de uma liquidação deveria reagir,
através da utilização do processo de impugnação, dentro do prazo que
Não cabe no âmbito do que definimos ser o objeto desta obra o a lei fixa, contado do recebimento da notificação do ato tributário em
estudo do processo de execução fiscal. Porém, a análise dos meios causa. Não o fazendo, veria precludido o seu direito a questionar a
judiciais ao dispor dos particulares para garantia dos seus direitos em dívida que lhe é imputada.
Nesta construção, e à semelhança do que acontece em processo
688 Jorge de S ousa , Código..., I, p. 1083. civil relativamente às execuções cujo título executivo é uma sentença
689 Ac. do STA de 5-06-2002, rec. n.° 0815/02. judicial, o executado, em sede de oposição, apenas deveria poder invo-
690 Situação relativamente frequente, p. ex., quando a liquidação não é
processada de forma totalmente automatizada por terem sido detetadas “divergências”
na declaração do contribuinte, a exigirem esclarecimento (prévio à liquidação). 691 Vejam-se as al. a), subalínea iii), e d) do art° 49.° do ETAF.
342 Manual de Procedimento e Processo Tributário A í Formas Processuais 343

car factos posteriores à declaração da existência da obrigação (à liqui­ para o respetivo acionamento. Se quiser fazer apreciar pelo tribunal a
dação), ou seja, procurar obter o reconhecimento da atual inexistência legalidade da liquidação do imposto cujo pagamento, agora692, lhe é
do direito exequendo ou a falta de um pressuposto, específico ou geral, exigido, terá que lançar mão do processo de impugnação; se pretender
da ação executiva. Poderia, nomeadamente, invocar a extinção da obri­ questionar a legalidade da reversão ou outras causas de inexigibilidade
gação de imposto, por pagamento ou prescrição (art.° 204.°, n.° 1, al. da obrigação, deverá socorrer-se da oposição à execução.
d) e f) ) ou a falsidade do título executivo ou a falta de notificação da Esta dualidade de meios processuais merece-nos a mais veemente
liquidação do tributo no prazo da caducidade (al. c) e e)). crítica693: acontece fundamentalmente por razões históricas, há muito
Porém, a lei processual tributária, em homenagem ao princípio ultrapassadas; constitui, na prática, uma incompreensível diminuição
da legalidade dos impostos, sempre introduziu alguma flexibilidade das garantias dos sujeitos passivos; obriga a um desperdício de recur­
nesta separação entre os dois meios processuais. Em casos limite, em sos, pela duplicação de processos. Por tais razões, é fácil de compre­
que a consideração como válida da liquidação conduziria a situações ender que, no novo processo nos tribunais administrativos, o legislador
de grave injustiça na tributação, o contribuinte pode, ainda, obter a tenha seguido uma orientação totalmente diferente, permitindo que,
reapreciação judicial da legalidade da liquidação através da utilização num mesmo processo, sejam cumulados pedidos substancialmente
do meio processual da oposição à execução. diferentes, mesmo quando a cada um desses pedidos, considerado iso­
Esses casos, normalmente designados como sendo de ilegalidade ladamente, correspondam diferentes formas processuais.
abstraía da liquidação (porque não implicam uma verdadeira rea­ Não queremos terminar esta breve referência à oposição ao pro­
preciação da liquidação, mas apenas a constatação da sua “absoluta” cesso de oposição fiscal sem aflorar uma questão que temos por muito
impossibilidade legal), aparecem taxativamente enumerados no n.° 1 relevante: saber se o executado pode pagar voluntariamente a dívida
do art.° 204.° do CPTT. O exemplo paradigmático de tais situações é exequenda e manter o direito a que prossiga a oposição por si deduzida.
a violação do princípio do nuttum tríbutum sine lege, a exigência de Esta situação é vulgar. A motivação do executado para proceder
um imposto que a lei não prevê. ao pagamento voluntário, ainda que de “forma condicional”, prender-
A oposição à execução assume, ainda, especial importância -se-á com o desejo de evitar o prosseguimento da execução (vg. ter
enquanto meio processual próprio para aquele que foi citado por rever­ que prestar garantia para lograr a sua suspensão), bem como o paga­
são contestar a decisão de reversão, quer relativamente à verificação mento de juros de mora, em caso de decaimento na sua pretensão.
dos pressupostos substanciais da sua responsabilidade tributária, quer Maior será ainda o interesse do responsável fiscal (revertido) em pro­
quanto à verificação dos pressupostos processuais para que essa rever­ ceder ao pagamento voluntário, no prazo legal, pois que, então, não é
são possa (já) ter acontecido. Na realidade, não está, então, em causa a obrigado ao pagamento dos juros de mora já vencidos694.
legalidade da liquidação ou a exigibilidade do tributo, mas sim a legali­
dade da decisão de reversão, uma decisão administrativa tomada já no 692 Só com a citação para a execução é que o revertido é interpelado para
quadro do processo executivo (uma decisão necessariamente posterior pagar o imposto em causa. Porque só com este ato o revertido adquiriu a qualidade
ao momento em que ocorreu a liquidação), da qual resulta um alarga­ de sujeito passivo da obrigação de imposto (e de sujeito processual), compreende-se
mento subjetivo da instância, uma vez que outrem que não o execu­ que se abra prazo paxa ele, querendo, impugnar a legalidade concreta da dívida de
tado originário é chamado a nela intervir na qualidade de executado. imposto que é chamado a pagar.
693 Rui Duarte M orais , «Apontamentos sobre a revisão do CPPT».
Como já assinalámos, o revertido fica, assim, sujeito à necessidade
694 Art.° 23°, n.° 5, da LGT. O que se compreende: não tendo sido interpelado
de utilizar dois diferentes meios processuais, com prazos diferentes para o pagamento até ao momento da sua citação no processo de execução e
344 Manual de Procedimento e Processo Tributário A í Formas Processuais 345

O entendimento da nossa jurisprudência é o de que o pagamento coercivamente impostos ilegalmente liquidados, mas sim cobrar impos­
voluntário, ao fazer extinguir o processo de execução, toma superve- tos que sejam legalmente devidos. É tão ilegal cobrar um imposto liqui­
nientemente inútil a oposição. dado em violação da lei como cobrar um imposto que seria devido
Porém, relativamente às oposições deduzidas pelo revertido, este mas que, entretanto, se tomou inexigível. Não parece fazer sentido
entendimento é temperado pela consideração de que este é o meio pro­ que se considere que a satisfação do interesse do credor, ainda que por
cessual próprio para ele questionar a verificação dos pressupostos da pagamento voluntário do devedor, faz precludir o interesse deste na
existência da sua obrigação tributária (os pressupostos da decisão de reposição da legalidade. O argumento, processual, de que o processo
reversão). Nestes casos (quando a posição assuma carácter de impug­ de oposição é dependente (é um “apenso”) do processo de execução
nação quanto à legitimidade passiva do revertido), a execução prosse­ não justifica uma tal entorse ao princípio da legalidade da tributação.
guirá, não obstante ter sido pago voluntariamente o imposto liquidado, É que este princípio obriga os impostos legalmente devidos e exigí­
veis, mesmo quando o devedor proceda ao pagamento do indevido695.
A inutilidade superveniente da lide só faz sentido nas situações em Esta interpretação da lei resulta, ainda, numa incoerência siste­
que seja o devedor originário a pagar a dívida, e não já naquelas em que a mática: é pacífico que o pagamento voluntário não preclude o direito
oposição é o único meio processual que os oponentes/revertidos dispõem à continuação do processo de impugnação696, mas entende-se que faz
para atacar a ilegalidade do ato de reversão por violação do disposto nos precludir o direito à continuação do processo de oposição. Ora, em
artigos 23.° e 24.° da LGT e 153.° do CPPT, devendo o artigo 9.°, n.° 3, ambos os casos, o que está em causa é a tutela da legalidade, o con­
da LGT ser interpretado no sentido de incluir a oposição como forma de trolo judicial da legalidade na tributação, que, assim, fica irremedia­
impugnar esse ato. velmente prejudicada. Assistimos como que à consagração de um
Pelo que, sendo o pagamento da divida efetuado pelo responsável princípio inverso ao do solve et repete691.
subsidiário para beneficiar da isenção de custas e multa nos termos do
artigo 23.°, n.° 5, da LGT, esse pagamento não implica a preclusão do seu
direito de impugnar o despacho de reversão, não podendo extinguir-se a
instância de oposição com fundamento em inutilidade superveniente da
lide - Ac. do STA de 04-05-2011, rec. n.° 0982/10, relatado por
D u lc e N eto , mero exemplo de uma jurisprudência numerosa. 695 Pelo que, p. ex., não podemos aceitar a transposição acrítica para o domínio
tributário de institutos próprios do direito civil, como seja o das obrigações naturais.
Consideramos correto mas demasiado limitativo este entendi­ O apelo a este instituto é, correntemente, feito para justificar a impossibilidade de
invocar a prescrição de um imposto que haja sido voluntariamente pago. Cfr. Jorge
mento dos nossos tribunais. A execução fiscal não tem por fim cobrar
de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, p. 24 ss.
696 Cf. Saldanha S anches , «A indisponibilidade do direito à impugnação».
não lhe cumprindo pagar o imposto no prazo fixado pela lei (a sua obrigação é 697 Em termos práticos, o executado poderá depositar o montante do imposto
subsidiária relativamente à do originário devedor), não se pode considerar que o (mais o “acrescido”, i.e., a importância necessária para cobrir os juros de mora que
responsável tributário haja incorrido em mora. Não obstante, a lei (art.° 160.°, n.° 3, previsivelmente se vencerão na pendência do processo e as respetivas custas), como
do CPPT) responsabiliza-o pelo pagamento dos juros de mora já vencidos (juros forma de lograr a suspensão da execução. Mas tal situação não, é economicamente,
correspondentes a uma situação de mora que é apenas imputável ao originário equivalente à que resultaria de um “pagamento condicionar’: a quantia a depositar
devedor) no caso de não pagamento voluntário no prazo legal. Uma solução cuja será significativamente maior que a necessária para solver o imposto liquidado e
razoabilidade é, a nosso ver, muito discutível. um tal depósito não interrompe a contagem dos juros de mora.
346 Manual de Procedimento e Processo Tributário Formas Processuais 347

45.2. Reclamação para o juiz falta de citação. No caso de uma decisão negativa, então (só então) o
interessado poderá reclamar para o tribunal699.
Um instituto típico do processo de execução fiscal é a reclama­ O mesmo se entende relativamente a omissões praticadas pela
ção regulada nos art° 276.° e ss. do CPPT. Está em causa provocar a administração fiscal no processo de execução (p. ex., prosseguimento
intervenção do juiz para dirimir um determinado conflito relativo à dos trâmites processuais sem que tenha tido lugar a citação do côn­
atuação da administração fiscal nesse processo. juge do executado a que a lei obriga).
Rigorosamente, não podemos falar de um (novo) processo judi­ Questão de contornos semelhantes se coloca relativamente à
cial, pois o processo de execução fiscal globalmente considerado, tem arguição de nulidades processuais (o ato foi praticado, mas com omis­
—como vimos —natureza judicial, pese embora a maioria (quando não, são - preterição - de formalidades essenciais). Neste entendimento, o
em muitos processos, a totalidade) da sua tramitação seja da compe­ interessado teria que colocar a questão ao órgão exequente e só após
tência da administração fiscal698. o indeferimento, expresso ou tácito, da sua pretensão poderia suscitar
Não cabendo aqui mais que uma mera referência, diremos o a intervenção do tribunal, reclamando.
seguinte: Este tipo de questões - que estão longe de estar totalmente escla­
a) o seu objeto é a reapreciação de uma decisão administrativa recidas700- reconduz-nos, mais uma vez, ao tema da natureza do pro­
que, num determinado processo de execução, tenha violado cesso de execução fiscal. Se entendermos, como afirma a lei, que este
direitos ou interesses legítimos do executado ou de terceiros. é um processo judicial, que acontece, todo ele, sob a “supervisão” de
A palavra decisão deve ser entendida em sentido amplo, como um juiz, então teremos que reconhecer aos particulares o direito de
significando quaisquer atos praticados pela administração (é requererem a sua intervenção sempre que o considerem necessário,
neste sentido que entendemos a expressão atos materialmente mesmo através da suscitação de incidentes inominados (não expres­
administrativos usada no art.° 103.°, n.° 2, da LGT), excetuados samente previstos na lei). Se, diferentemente, entendermos que esta
os de mero expediente. reclamação não é mais que um recurso judicial de impugnação de
atos praticados em fases administrativas, autónomas, do processo de
Significa isto que tendo ocorrido uma situação lesiva dos direitos execução, então a reclamação implica a existência de uma “decisão”
do contribuinte que não seja de imputar a uma atuação da adminis­ administrativa, a qual terá que ser previamente suscitada, pois que
tração fiscal, há que provocar uma decisão administrativa, pois que será ela o “objeto” da reclamação.
só esta pode ser objeto de reclamação para o juiz. Sirva o seguinte Parece-nos claro que a evolução pretendida pelo legislador, nome­
exemplo: o executado entende que não pode ser considerado como adamente, com a LGT, foi no sentido da afirmação do “direito dos
tendo sido citado, porquanto a carta contendo a citação foi entregue particulares de solicitar a intervenção do juiz no processo”701, sempre
a um terceiro, o qual não lhe deu conhecimento da mesma. Terá que que considerem terem sido feridos os seus direitos ou interesses legí­
expor a situação ao órgão exequente —o que, no caso, poderá fazer a timos, independentemente de, antes, terem que suscitar a questão ao
todo o tempo —para este decidir (reconhecer) se ocorreu a invocada órgão exequente;

699 Veja-se neste sentido, p. ex., o Ac. do STA de 12-01-2011, rec. n.° 0969/10.
698 Assim entendeu o STA no seu Ac. de 28-09-2011, tec. n.° 0772/11, relator 700 Jorge de S ousa, Código..., IV, p. 267 ss.
C asimiro G onçalves, tendo, em coerência, decidido que não há lugar ao pagamento 701 Art.° 2.°, al. 29) da Lei n.° 41/98, de 4 de Agosto (Lei de Autorização
de taxa de justiça pela apresentação de tal tipo de reclamação. Legislativa para a aprovação da LGT).
348 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Formas Processuais 349

b) as decisões em causa podem ter sido proferidas quer pelo órgão imediata da sua reclamação, o órgão exequente terá que a fazer subir,
exequente, quer por outros órgãos da administração fiscal. O no prazo de oito dias, ao tribunal (pois não lhe compete decidir se o
que releva é os seus efeitos negativos para o respetivo destina­ invocado risco de “prejuízo irreparável” existe ou não).
tário se materializarem nesse processo de execução fiscal. Será o juiz quem apreciará se existe ou não o risco invocado e,
Um exemplo será o das decisões de compensação: está pendente concluindo afirmativamente, decidirá, de imediato, da questão703.
um processo de execução fiscal, o executado obteve (ou requereu) a Ora, como o “conhecimento a final” só acontece depois da venda
sua suspensão mediante a prestação de garantia, uma vez que deduziu, dos bens penhorados, temos que as ilegalidades cometidas pela admi­
p. ex., oposição à execução. Não obstante, a administração fiscal pro­ nistração fiscal no quadro de um processo de execução resultarão,
cede à compensação da dívida exequenda com créditos de imposto a normalmente, em prejuízo irreparável se a reapreciação judicial for
cuja devolução o executado tinha direito. Esta decisão é, obviamente, diferida para tal momento, salvo estando em causa meras irregulari-
dades processuais;
lesiva dos interesses do contribuinte. O meio processual próprio para
fazer apreciar pelo Tribunal esta decisão de compensação será a recla­
d) a reclamação será (necessariamente) apresentada no órgão de
mação regulada pelos art.° 276.° e seguintes do CPPT;
execução fiscal, no prazo de 10 dias contados da notificação
da decisão reclamada704.
c) estas reclamações serão, por princípio, decididas a final do
processo, depois da penhora e venda, devendo então os autos Este tipo de reclamações é, no tribunal, tramitado com obediên­
serem, para tal, presentes ao juiz. cia às regras aplicáveis aos processos urgentes105.
Esta regra do conhecimento a final (do efeito meramente devo­ 703 Uma vez que estas reclamações têm efeito suspensivo sempre que for
lutivo de tais reclamações) é, na realidade, a exceção. O n.° 3 do art.° invocada a existência de prejuízo irreparável, compreende-se a existência de muitas
276.° do CPPT enumera quais as reclamações que devem ter subida situações de abuso, da apresentação de reclamações totalmente infundadas, cujo
imediata, com efeito suspensivo702. Porém, a jurisprudência desde sem­ único objetivo é obter uma suspensão da execução. Daí a previsão, no n.° 6 do
pre entendeu que esta enumeração é meramente exemplificativa, que art.° 278.° do CPPT, da condenação do reclamante como litigante de má-fé (a
possibilidade da condenação no pagamento de uma sanção pecuniária adequada)
o relevante é saber se a retenção da reclamação é sucetível de provo­ sempre que a reclamação seja, manifestamente, destituída de fundamento.
car prejuízo irreparável ou a perda do seu efeito útil. 704 É corrente a afirmação de que o prazo para apresentação da reclamação é
Se este invocar factos de onde se deva concluir pela existência de de 30 dias caso o ato reclamado tenha sido praticado por entidade diversa do órgão
prejuízo irreparável como consequência previsível da não apreciação de execução fiscal (p. ex., Joaquim Freitas da R o c h a , L iç õ e s . .., p. 357, nota (756);
Serena Cabrita N e t o , In tro d u çã o ..., p. 132).
Ora, o elemento literal da norma parece ser claro: o n.° 3 do art” 277.° do
702 É certo que o art.° 278.° do CPPT não atribui, expressamente, efeito CPPT “altera” o prazo referido no número anterior - ou seja, no n.° 2 (prazo para
suspensivo às reclamações que subam imediatamente (embora tal efeito apareça a eventual revogação do ato reclamado) - e não o prazo previsto no n.° 1 da norma
referido na epígrafe da norma). Para JORGE DE SOUSA, Código..., IV, p. 302, (prazo para a interposição da reclamação). Neste sentido o Ac. do STA de 16-05-
“está insíto no regime de subida imediata da reclamação ao tribunal tributário (...) 2012, rec. n.° 473/12, relatora Isabel M arques d a S ilva.
que a administração fiscal deverá suspender os atos de cobrança da dívida (...)”. 705 Tais reclamações correspondem a um número muito significativo dos
Para o STA, no seu Ac. 28-02-2007, rec. n.° 062/07, relator JORGE LINO, o processos pendentes nos tribunais tributários, pelo que entendemos que se deveria
efeito suspensivo resulta do disposto nos artigos 734°, n.° 2, e 740.°, n.° 1, do CPC ponderar a possibilidade da criação de Juízos especializados para a sua apreciação,
e 286°, n.° 2, in fine, do CPPT. à semelhança do que acontece com os juízos de execução cíveis.
350 Manual de Procedimento e Processo Tributário Ás Formas Processuais 351

46. Recursos jurisdicionais citado art.° 97.°, n.° 2, do CPPT (tais ações são reguladas pelas normas
sobre processo nos tribunais administrativos).
Também aqui deparamos com a (a nosso ver desnecessária) com­ O recurso de decisões judiciais proferidas em ações para o reco­
plexidade resultante de, hoje, existir uma dualidade de regimes. nhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária
De acordo com o art.° 279.° do CPPT, temos, por um lado, os seguirá a tramitação prevista no CPPT (apesar de estas serem meios
recursos de decisões judiciais proferidas em processos regulados no comuns às jurisdições administrativas e fiscais), uma vez que a lei,
CPPT, incluindo os processos de execução fiscal706, e, por outro lado, os expressamente, manda aplicar a disciplina processual do processo de
recursos dos atos jurisdicionais sobre [em] meios processuais comuns impugnação (art.° 145.°, n.° 4, do CPPT). O mesmo parece acontecer
à jurisdição administrativa e tributária. quanto às ações de impugnação das providências cautelares adotadas
A complexidade (a confusão) que assim se cria é evidente, pela administração tributária, uma vez que o CPPT as qualifica como
não sendo, mesmo, totalmente claros os termos que presidem a esta ações de impugnação (art.° 144.°, n.° 1, 2 e 3, do CPPT).
dicotomia. Aos processos de ação cautelar (arrolamento e arresto) a lei manda
Aparentemente, seriam apenas “meios processuais acessórios”, aplicar, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Civil
comuns à jurisdição administrativa e tributária, a seguir a tramita­ (art.° 139.° e 142.° do CPPT). Poderíamos, assim, ser levados a enten­
ção prevista nas normas do CPTA. Tais meios processuais acessórios der que o recurso das decisões proferidas em tais processos obedece­
seriam os previstos no art.° 146.° (intimação para a consulta de docu­ ria ao disposto neste Código. Porém, a al. a) do n.° 1 do art° 279.° do
mentos e passagem de certidões, produção antecipada de prova e exe­ CPPT parece obrigar a uma diferente conclusão: tais procedimentos
cução dos julgados e, ainda, o processo para derrogação do dever de cautelares integram o processo judicial tributário (art.° 97.°, n.° 1, al.
sigilo bancário). i) do CPPT) e estão regulados no CPPT (ainda que, em larga medida,
Ora, no domínio tributário, o meio processual não regulado no por remissão para as normas do CPC). Assim, concluímos que tais
CPPT de utilização mais comum é a ação administrativa especial. processos cautelares se devem ter por incluídos na previsão da al. a)
Esta é, como vimos, a forma processual que seguem os recursos con­ do n.° 1 do art.° 119? do CPPT.
tenciosos dos atos administrativos em matéria tributária que não com­
portem a apreciação da legalidade do ato de liquidação (art.° 97.°, n.°
2, do CPPT). 46.1. Grau único de recurso
A ação administrativa especial, por não ser um meio processual
acessório, não aparece incluída na previsão do art.° 279.° do CPPT. Por princípio, só existem dois graus de jurisdição (a mesma
Mas os recursos das decisões proferidas em tal tipo de ações seguem, questão só pode ser apreciada por dois tribunais), pelo que só será
também, a tramitação prevista no CPTA, por força do disposto no já possível um único recurso707. Este será, por regra, para o Tribunal
Central Administrativo. Porém, quando a sua motivação for, exclusiva­
706 Incluindo não só as decisões que são originariamente da competência do mente, relativa a matéria de direito, será interposto, per saltum, para o
tribunal (p. ex., oposição à execução, anulação da venda), mas, também, as decisões Supremo Tribunal Administrativo (2.° Secção, Contencioso Tributário).
proferidas pelo tribunal na sequência de reclamações apresentadas nos termos dos
art.° 276.° e seguintes do CPPT (reclamações que o art ° 279.° do mesmo Código,
impropriamente, designa por “recursos dos demais atos praticados pelo órgão da 707 Exceção relevante é a existência de uma segunda via de recurso em caso
de oposição de julgados.
execução fiscal”).
352 Manual de Procedimento e Processo Tributário A í Formas Processuais 353

Entende-se que o recurso é circunscrito a matéria de direito Ou seja, existindo outros factos relevantes (segundo as conclusões
quando o recorrente (nas conclusões das suas alegações, pois são do recorrente) que não foram expressamente considerados como pro­
estas que delimitam o objeto do recurso) aceita integralmente os vados, considera existir uma “questão de facto”, mesmo que não exista
factos dados como provados pelo tribunal de l.ainstância, ou seja, qualquer divergência quanto à sua aceitação, e, portanto, a questão a
não controverta o resultado do juízo probatório estabelecido na sentença resolver se reduza ao mero complemento daquilo que o tribunal a quo
ou alegue outros factos que estão para além dos aí consignados (ver, p. expressamente deu por provado. Pelo que a competência para aprecia­
ex., Ac. do STA de 01-10-1997, rec. n.° 021531). ção do recurso é, também nestes casos, atribuída ao TCA.

A interpretação que o STA faz das normas delimitadoras da sua Temos algumas dúvidas quanto à bondade deste rigor. Pensamos que
competência é bastante estrita: em primeiro lugar, considerava que, o STA deveria adotar uma postura diferente, reconhecendo-se competente
sempre que não se mostre necessária a reapreciação da prova produzida.
exprimindo o recorrente uma qualquer divergência factual, a compe­
Isto porque o sistema de um único grau de recurso (com o qual não pode­
tência para a apreciação do recurso cabe sempre ao TCA, independen­
mos deixar de concordar, dada a duplicação na reapreciação da sentença
temente do relevo que tais factos possam assumir para a boa decisão
de 1.° instância que o sistema de três graus de jurisdição envolve) tende a
da causa. fazer com que sejam relativamente escassos os processos que ao STA cabe
apreciar. Haverá mesmo relevantes “questões de direito” que dificilmente
A questão da competência precede o conhecimento da questão da serão apreciadas pelo STA - fora do contencioso resultante de oposição de
eventual necessidade ou desnecessidade da matéria de facto sobre que julgados - por aparecerem, normalmente, associadas a “questões de facto”.
existe controvérsia para a solução do recurso ou para as possíveis e plau­ Ora, o Supremo Tribunal não é apenas uma (mais uma) instância de
síveis soluções do recurso por a consideração desta implicar já uma deci­ recurso. Cabe-lhe a função criadora de uma jurisprudência que, atento o
são concreta sobre a posição jurídica da matéria controvertida que só tem órgão de onde provém, influencie decisivamente os demais poderes que
sentido se o tribunal for, para ela competente (Ac. do STA de 11-01- intervêm na definição e concretização das obrigações tributárias. Para
1995, rec. n.° 017422, relator B en jam im R o d rig u e s ). além da influência que, fora do caso concreto, a jurisprudência do STA,
necessariamente, tem nas demais instâncias, não podemos ignorar o modo
Acresce que o STA tende a considerar como factos provados como as suas decisões “marcam” o comportamento quer do legislador
apenas aqueles que, a tal título, expressamente constam da sentença (são numerosas as alterações à lei que mais não são que a consagração do
recorrida. entendimento que o STA fez do direito vigente), quer da administração
fiscal (que, especialmente nos últimos tempos, tem vindo a alterar as suas
Há necessidade de dirimir questões de facto quando o recorrente práticas - muitas vezes através da publicação de orientações genéricas -
suscita a suficiência ou insuficiência da prova produzida, quando defende para as tomar conformes ao que o STA entende ser de lei).
que os factos levados ao probatório não estão provados, quando diverge O menor peso quantitativo da jurisprudência do STA, como resul­
das ilações de facto que deles se devam retirar, e quando invoca factos tado do menor número de casos que é chamado a apreciar, redundará,
que não vêm dados como provados e que não são, em abstrato, indiferen­ necessariamente, em menor certeza na aplicação do direito tributário e,
portanto, em menores garantias dos cidadãos708.
tes para o julgamento da causa (Ac. do STA de 26-04-2012, rec. n.°
0236/12, relatora D u l c e N e to ) . 708 Questão que é diferente da função uniformizadora da jurisprudência que
cabe ao STA, através do recurso por oposição dejulgados que, adiante, iremos analisar.
354 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Formas Processuais 355

Há, por último, que relembrar as consequências de uma declara­ Depois de notificado da admissão do recurso, o recorrente deve,
ção de incompetência em razão da hierarquia. O n.° 2 do art.° 18.° do em 15 dias, apresentar as suas alegações, incluindo as respetivas con­
CPPT continua a obrigar que o interessado requeira, no prazo de 14 clusões, sob pena de o recurso ser julgado deserto.
dias a contar da notificação da decisão que declare a incompetência, Exceção importante é a dos recursos em processos urgentes: o
a remessa do processo ao tribunal competente709, continuando então a requerimento de interposição de recurso e as respetivas alegações
valer, como data de interposição da ação, a data da entrada da petição deverão ser apresentadas dentro de prazo de 10 dias, contado da noti­
no tribunal declarado incompetente710. Na falta de tal requerimento, o ficação da decisão de que se pretende recorrer (art.° 283.° do CPPT).
processo é considerado findo711. E, também, necessário apresentar recurso autónomo das deci­
sões interlocutórias.
As decisões interlocutórias são, normalmente, entendidas como
46.2. Recursos regulados pelo CPPT aquelas que, sendo anteriores à decisão final713, são sucetíveis de levar
à formação de um caso julgado intraprocessual.
46.2.1. Tramitação
Esta noção tem que ser devidamente entendida no processo de exe­
Os recursos regulados no CPPT continuam a regular-se por nor­ cução fiscal (bem como relativamente às decisões que ponham termo a
mas que, no essencial, correspondem ao que estava previsto no CPC incidentes típicos, em quaisquer formas processuais). Muito embora a
antes das alterações que, nesta matéria, nele foram introduzidas em lei afirme que uma execução fiscal é um (só) processo judicial, existem
2007. “momentos” judiciais dotados de autonomia processual. Tais momentos
Continua a ser necessário apresentar no tribunal recorrido, no ou fases judiciais aparecem exemplificados na al. b) do n.° 1 do art.° 279.°
prazo de dez dias contados da notificação da sentença, um requeri­ do CPPT, sob a designação de atos jurisdicionais no processo de execu­
mento de interposição de recurso (art.° 282.°, n.° 1, do CPPT)712. ção fiscal: decisões sobre incidentes, oposição (incluindo sobre os pres­
Uma vez que o recurso pode ser para o TCA ou, per saltum, supostos da responsabilidade subsidiária), anulação da venda e recursos
para o STA, haverá que indicar qual o tribunal para o qual se pre­ dos atos praticados pelo órgão da execução fiscal.
tende recorrer. Estes atos jurisdicionais equivalem a uma “decisão final”, pois são
conclusivos de uma intervenção judicial no processo de execução fiscal.
Ao recurso de tais atos aplica-se, pois, o disposto no art.° 282.° do CPPT.
Mas, antes destas “decisões” finais, poderão existir decisões inter­
709 R ex., Ac. do STA de 11-05-2011, rec. n.° 0921/10. locutórias. Pensemos, p. ex., num despacho do juiz que recusou a audição
710 O recorrente, notificado para o exercício do seu direito ao contraditório
quanto à “intenção” de ser proferida uma decisão declarando a incompetência de testemunhas arroladas pelo oponente. Este é um despacho interlocutó-
do tribunal, além de responder, querendo, poderá, por mera cautela, desde logo rio, cujo recurso deverá ser tramitado nos termos do art.° 285.° do CPPT,
requerer que, em caso de declaração de incompetência, o processado seja remetido subindo a final com o recurso que for interposto da sentença que decidiu
ao tribunal competente. da oposição.
711 Não assim nos recursos regulados pelo CPTA, pois que nestes a declaração
de incompetência em razão da hierarquia determina a remessa oficiosa dos autos
para o tribunal havido como competente (art.° 14°, n.° 1, do CPTA). 713 P. ex., a decisão de não ouvir as testemunhas arroladas pelo impugnante
712 Todos estes prazos são, obviamente, prazos judiciais, contando-se como taL por tal audição ter sido considerada desnecessária para a boa decisão da causa.
356 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Formas Processuais 357

Os recursos dos atos interlocutórios deverão ser interpostos no é da competência do TCA, por envolver questões de facto, e a compe­
prazo de 10 dias (requerimento e alegações), contados da notificação tência para apreciação do despacho interlocutório pertence ao STA.
da decisão de que se pretende recorrer (art.° 285.° do CPPT). Subirão Então, os dois recursos serão apreciados pelo TCA.
com o recurso que seja interposto da decisão final, salvo se o recor­
rente fundamentadamente alegar que a subida diferida comprometeria
o seu efeito útil714 ou quando o recurso não disser respeito ao objeto 46.2.2. Efeitos
do processo755.
A apreciação dos recursos retidos (os que deveriam subir com o Dispõe o n.° 2 do art.° 286.° do CPPT que os recursos têm efeito
recurso da decisão final) não obriga a que haja recurso da sentença. meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do pre­
O interessado poderá não pretender recorrer da decisão final, mas ter sente Código ou o efeito devolutivo afetar o efeito útil dos recursos.
interesse na reapreciação do despacho interlocutório, desde logo por
entender que a anulação deste implicará, ipsofacto, a anulação da deci­ Esta norma tem que ser devidamente interpretada, pois o legis­
são final716. Neste caso, deverá requerer a subida do recurso retido, no lador terá tido presente apenas os recursos interpostos pelos sujeitos
prazo de 10 dias contados do trânsito em julgado da decisão final, tal passivos em que esteja em causa a liquidação de um imposto717.
como dispõe o art.° 735.°, n.° 2, do CPC, subsidiariamente aplicável. Se a decisão do tribunal de l.a instância for favorável ao sujeito
O n.° 3 do art.° 285.° do CPPT prevê uma solução que conside­ passivo (melhor, na medida em que for favorável ao sujeito passivo)
ramos interessante: se o recurso da decisão final for circunscrito a e a Fazenda Pública ou o MP recorrerem, não há lugar à prestação
matéria de direito e o recurso do despacho interlocutório implicar a de garantia. A garantia é prestada para suspender a execução a que o
resolução de uma questão factual, aquele será apreciado pelo STA e credor tributário tem direito dada a força de título executivo que a lei
este pelo TCA (o que obriga ao processamento, em separado, de cada atribui ao ato administrativo de liquidação (no pensamento tradicio­
um destes recursos). O objetivo da norma parece-nos ser evitar que a nal, dada a presunção de legalidade de que gozam os atos adminis­
apreciação de uma questão “menor” (a da legalidade de um despacho trativos). Ora, nesta situação, o título executivo foi “destruído”, total
interlocutório) impeça que seja o STA a apreciar das questões de direito ou parcialmente, pela sentença de 1“ instância, sendo que esta é a rea­
suscitadas relativamente à sentença que decidiu da causa. Razão pela lidade que vigora na ordem jurídica durante a pendência do recurso
qual entendemos que esta tramitação separada não pode acontecer na (dado o seu efeito devolutivo). Sem título executivo, a execução não
situação inversa, ou seja, quando a apreciação do recurso da sentença pode, obviamente, prosseguir.
Mais, entendemos que se o sujeito passivo tiver prestado garantia,
714 Com Jorge de S ousa , Código..., TV, p. 496 (1), um exemplo perfeito do
esta tem que lhe ser devolvida (na medida em que o título executivo
recurso que com subida diferida perderia qualquer efeito útil é o de um despacho haja sido anulado), não obstante a pendência do recurso interposto pela
que determine ou recuse determinar a suspensão da instância. administração fiscal ou pelo MP. É certo que o prazo para a execução
715 P. ex., o recurso do despacho do juiz no qual este se declare não impedido das sentenças pela administração se conta a partir do seu trânsito em
de julgar determinado processo, apesar de tal incidente ter sido suscitado por uma julgado (art.° 100.° da LGT e 146.°, n.° 2, do CPPT). Por tal razão, ape-
das partes; o recurso do despacho do juiz que condena uma das partes no pagamento
de uma multa.
7,6 Será o caso do exemplo que temos utilizado: indeferimento da audição 717 Será essencialmente nestes casos que se colocará a questão da prestação
das testemunhas arroladas. de garantia como forma de obstar ao prosseguimento da execução fiscal.
358 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Formas Processuais 359

sar do efeito devolutivo do recurso, parece que a administração fiscal mos, deve acontecer), possa pôr em risco a efetiva cobrança, no caso
não é obrigada a executar “provisoriamente” a sentença anulatória não de procedência do recurso por ela interposto.
transitada em julgado, p. ex., não fica obrigada a devolver ao interes­
sado a quantia por ele paga.
Mas a decisão sobre a prestação de garantia não parece poder 46.3. Recursos regulados pelo CPTA
confundir-se com a decisão do processo. A prestação de garantia é
um ónus do sujeito passivo, para evitar o prosseguimento do processo As remissões que a lei fiscal faz para o disposto no CPTA rela­
executivo na pendência de reclamação ou do processo judicial. Ora, tivamente às regras a que obedecerá o processamento de determina­
como vimos, anulado, ainda que provisoriamente, o título executivo, das ações (desde logo, as ações administrativas especiais em matéria
pela sentença de l.a instância, a execução não pode prosseguir, tenha tributária) são extensivas à matéria dos respetivos recursos judiciais.
havido ou não prestação de garantia. Pelo que não parece fazer qual­ Não cabendo aqui desenvolver a temática dos recursos no processo
quer sentido obrigar o sujeito passivo a manter a garantia que decidiu administrativo718, limitar-nos-emos a salientar algumas das diferenças
prestar, penalizá-lo por ter optado por tal prestação, ou seja, a colocá- mais relevantes, e apenas no que toca aos recursos ordinários, com­
-lo numa situação de desvantagem relativamente àquele que não pres­ parativamente à correspondente disciplina do CPPT.
tou garantia. E o mesmo se diga relativamente às penhoras efetuadas, O regime destes recursos rege-se, no essencial, pelo disposto no
pois que elas “equivalem” a uma prestação de garantia para efeitos CPC719. Não há lugar a um requerimento autónomo de interposição
de suspensão do processo executivo na pendência de reclamação ou de recurso, devendo a intenção de recorrer720 ser apresentada, junta­
recurso. O mesmo se diga, também, relativamente a outras consequên­
cias, “laterais”, da pendência de um processo executivo em que não
haja sido prestada garantia como, p. ex., a inclusão do executado na 718 Vieira de A ndrade, A Justiça..., p. 433 ss.; Mário Aroso de Almeida,
lista de devedores ao fisco. Manual,. . , p . 415 ss.
Esta interpretação dá, ainda, conteúdo útil à parte final do n.° 2 7,9 O que pensamos ser boa técnica legislativa, pois há que evitar normas
especiais, quando verdadeiramente desnecessárias, pois que são causa de
do art.° 286.° do CPPT, segundo a qual pode ser atribuído efeito sus­ complexidade do sistema legislativo e constituem sempre um elemento adicional
pensivo ao recurso quando o efeito devolutivo afetar o seu efeito útil. de insegurança.
O efeito devolutivo do recurso não toma, em regra, mais gravosa 720 A lei continua a exigir que seja expressamente manifestada a intenção de
a situação do particular, quando seja ele o recorrente, pois o processo recorrer. Tradicionalmente, entendia-se que o recorrente teria de indicar, no reque­
de execução estará suspenso, pelo menos desde o momento em que rimento de interposição, a espécie do recurso, os seus efeitos e o modo de subida.
A exigibilidade de tais indicações parece ter caído em algum “desuso”, até porque
foram concluídas as diligências para a penhora. O efeito devolutivo elas não vinculam o tribunal recorrido, a quem cabe decidir pela admissibilidade do
atribuído ao recurso de uma sentença que indeferiu a impugnação feita recurso e o regime processual que lhe é aplicável. Mas assumirá relevância prática
pelo sujeito passivo limita-se a manter o status quo ante, não provo­ a indicação do Tribunal para o qual se pretende recorrer, nomeadamente quando
cando novas consequências. Mas já podemos admitir que a Fazenda esteja em causa um recurso per saltum para o STA.
Pública possa requerer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso Consideramos (em divergência com o entendimento jurisprudencial corrente)
quando, objetivamente, exista fundado receio de que o levantamento que, sendo apresentadas alegações de recurso sem que seja expressamente formu­
lada a intenção de recorrer, o juiz deve convidar o recorrente a aperfeiçoar a sua
das penhoras ou a devolução da garantia prestada, em consequência do petição, nos termos do art.° 146.° do CPTA, que entendemos como uma expressão
decidido em primeira instância (o que, no entendimento que sufraga­ do princípio geral do favorecimento da ação (pro actione).
360 Manual de Procedimento e Processo Tributário As Formas Processuais 361

mente com as alegações e respetivas conclusões, no prazo de 30 dias Porém, não é toda a “contradição” com decisões anteriores que
contados da notificação da decisão recorrida721. possibilita o acesso a esta forma de recurso:
Os recursos têm, por regra, efeito suspensivo da decisão recor­
- a oposição tem que ser entre acórdãos da mesma jurisdição
rida, ainda que com várias exceções (art.° 143.° do CPTA).
(não releva, p. ex., uma divergência entre decisões do STA e
A possibilidade de recurso per saltum para o STA722conhece uma
do STJ) ou seja, decisões judiciais a que caiba tal qualificação
limitação adicional: não basta que estejam em causa apenas questões de
(não releva,, p. ex., a oposição entre dois despachos ou um
direito, é necessário que o valor da causa seja superior a três milhões despacho e um acórdão);
de euros ou seja indeterminável (art.° 151.° do CPTA). - a oposição tem que ser sobre questões de direito724. Tal supõe,
obviamente, que os julgamentos contraditórios tenham feito
aplicação de normas que, materialmente, sejam as mesmas725.
46.4. Recurso por oposição de acórdãos

Trata-se de uma hipótese em que, excecionalmente, o mesmo 46.41. Competência e tramitação e efeitos
“caso” pode ser objeto de três apreciações judiciais.
Acontece quando foi proferido um acórdão que está em contra­ Cabe ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA (ou
dição com outro anteriormente proferido. O objetivo é garantir maior seja, ao conjunto dos juizes que a integram) conhecer destes “recur­
segurança jurídica à parte afetada por uma “decisão surpresa”, evi­ sos para uniformização de jurisprudência” (art.° 27.°, n.° 1, al. b), do
tar que fique sujeita às consequências de uma (inesperada) flutuação ETAF)726.
jurisprudencial, sem que tal oscilação do “pensamento” dos tribunais
seja reponderada. A decisão tomada na resolução destes “conflitos”
terá ainda um importante papel na uniformização da jurisprudência
posterior723, contribuindo para que, no futuro, haja maior segurança Tribunais a, no futuro, seguirem a “orientação” aí definida, embora, na prática, tal
aconteça na maioria dos casos.
jurídica para a generalidade dos cidadãos. 724 As questões de facto são, pela sua natureza, singulares. Nelas não se coloca,
diretamente, uma “questão de direito”, mas sim a da valoração da prova. Porém,
721 Nos processos urgentes, os recursos são interpostos no prazo de 15 dias como ficou afirmado no Ac. do STA de 19-05-2010, rec. n.° 0734/09, relatado por
e sobem imediatamente. Os demais prazos a observar são reduzidos para metade. I sabel M arques da S ilva, “a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade
722 Em princípio, só existe um grau de recurso. Porém, o art.° 150.°, n.° 1, substancial das situações fácticas, entendida esta uão como uma total identidade
do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2 “ instância pelos TCAs pode dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais”.
haver, excecionalmente, revista para o STA quando esteja em causa a apreciação de 725 Ou seja, não relevam alterações meramente formais (p. ex., a renumeração
uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância das normas do Código) ou a mudança da norma de um Código (diploma) para
fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para outro, nem alterações pontuais de redação que não ponham em causa a essência
uma melhor aplicação do direito. do comando legal em questão.
Apesar de esta norma ser invocada com alguma frequência, dá origem a 726 O que parece implicar que os acórdãos em oposição tenham sido proferidos
escasso número de intervenções do STA (ou seja, na grande maioria dos casos os pelas secções do contencioso tributário do STA e/ou dos TCAs. Ou seja, parece que
pedidos de recurso nela fundados são recusados). não haverá lugar a esta possibilidade de uniformização de jurisprudência quando
723 Daí que a lei continue a referir este recurso como sendo para uniformização a mesma questão de direito haja sido apreciada de forma diversa em decisões
de jurisprudência, o que não é totalmente exato, pois tais decisões não obrigam os proferidas pelas duas secções destes tribunais.
362 Manual de Procedimento e Processo Tributário A í Formas Processuais 363

A oposição pode ser entre dois acórdãos do STA727 ou entre dois existência de oposição) e outra o sentido em que se entende dever ser
acórdãos do ou dos TCA ou entre dois acórdãos, um do TCA e outro alterada a decisão recorrida.
do STA (art.° 152.° do CPTA)728. Seguir-se-á o julgamento. Importará salientar que o tribunal (o
O recorrente deve interpor o recurso no prazo de 10 dias, por meio Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA) não está vinculado
de requerimento, a ser apresentado no tribunal e no processo em que à decisão que concluiu pela existência de uma oposição de julgados,
foi proferido o acórdão recorrido, no qual identificará qual o acórdão podendo, quando entenda que tal oposição não existe, não conhecer
que considera estar em oposição com aquele de que recorre (o acór­ do mérito da causa, o que é uma situação muito frequente.
dão fundamento do recurso)729. Conhecendo o Pleno do mérito da causa - não tendo, necessaria­
Admitido o recurso, o recorrente é de tal notificado, tendo então mente, que optar por uma das posições em confronto o seu acórdão
um prazo de oito dias para alegar. O objetivo destas alegações será, (quando expresse uma diferente decisão) revoga aquele que foi profe­
apenas, sustentar a existência da invocada oposição. Não sendo apre­ rido no processo em que aconteceu o recurso.
sentadas as alegações, o recurso é considerado deserto. Tendo o recor­
rente alegado, o recorrido é notificado para, querendo, contra- alegar,
em igual prazo. 46.5. Recurso de revisão de sentença
Perante estas alegações730, o relator (um primeiro relator), apre­
ciará então se existe ou não a alegada oposição de julgados. Con­ Apenas uma breve referência: tal como acontece em processo
cluindo pela afirmativa, notificará as partes para alegarem (por uma civil (art.° 771.° e ss. do CPC), o direito processual tributário731admite
segunda vez). Nesta segunda alegação, o recorrente irá pronunciar-se a possibilidade de ser revista uma sentença ou um despacho judicial732
sobre os vícios que aponta à decisão recorrida, sobre qual o sentido transitado em julgado (art.° 293.° do CPPT).
da decisão que entende dever ser tomada. Ou seja, tal alegação tem Tal pode acontecer no prazo de quatro anos contados do momento
que ter um conteúdo diferente, mais lato, da primeira (esta teve como do trânsito em julgado, devendo o recurso ser interposto nos trinta dias
escopo único fundamentar a existência de oposição; a segunda, apre­ seguintes ao conhecimento pelo recorrente do facto em que se funda.
ciar o mérito do acórdão recorrido). É indispensável que o recorrente Tal recurso é absolutamente excecional só podendo acontecer
nos seguintes casos:
alegue nestes termos, pois uma coisa é o pressuposto do recurso (a
- quando o processo correu totalmente à revelia do interessado
(este não teve nele qualquer intervenção), por não ter havido
727 Em todos os casos, acórdãos proferidos pelas secções do Contencioso lugar à sua citação ou esta enfermar de nulidade insanável;
Tributário dos tribunais em questão. No caso do STA, é irrelevante que se trate ou - quando, subsequentemente ao encerramento do processo, acon­
não de acórdãos proferidos pelo Pleno da Secção.
728 Isto porque, como vimos, o TCA é a última instância de jurisdição para
teça a declaração, por decisão transitada em julgado, da falsi-
a apreciação de questões de direito quando estas surjam, em recurso, associadas
a questões de facto. 73í Para os processos que seguem a tramitação prevista no CPTA, cf. art.°
729 Embora se possa entender que tal não é rigorosamente necessário, o 154.° e ss. deste Código.
recorrente deverá identificar quais as concretas questões de direito em que considera 732 Dada a natureza judicial do processo de execução fiscal na sua totalidade
existir “oposição”. (art.“ 103.°, n.° 1, da LGT), os despachos proferidos pelo órgão de execução fiscal na
730 Que se entende poderem ser produzidas logo no requerimento de fase administrativa destes processos deverão ser equiparados a despachos judiciais,
interposição do recurso. para este efeito, afirma Jorge de SOUSA, Código..., IV, p. 544.
364 Manual de Procedimento e Processo Tributário

dade de documento que tenha sido essencial para fundamentar


a decisão que se pretende rever;
—quando, subsequentemente ao encerramento do processo, surja
um documento (posterior ou já anteriormente existente ao qual,
objetivamente, o recorrente não tenha, antes, podido ter acesso)
que imponha diferente decisão. CAPÍTULO X
Juros Indemnizatórios
O recurso será apresentado no tribunal que julgou, em l.a instân­
cia, a decisão que se pretende rever, seguindo-se os termos próprios
da forma processual em que foi proferida. 47. O direito a juros indem nízatórios

Dispõe o n.° 1 do art.° 43.° da LGT que são devidos juros indem­
nizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação
judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resultou o paga­
mento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido
(no mesmo sentido, o art° 100.° da LGT).

Existem outras causas (outros ilícitos cometidos pela administra­


ção fiscal) que a lei expressamente prevê como dando lugar ao dever
do pagamento de juros indemnizatórios: incumprimento dos prazos
legalmente fixados para a devolução de quantias aos sujeitos passivos
(al. a) e b) do art.° 43.° da LGT); excessiva demora (superior a um ano)
na apreciação de pedidos de revisão de um ato tributário.
Entendemos que esta enumeração não pode ser havida como taxa­
tiva, desde logo porque o dever de o Estado indemnizar os cidadãos
em razão de ações ou omissões de que resulte violação doe direitos,
liberdades e garantais ou prejuízo para outrem aparece consagrado,
com carácter geral, no art.° 22.° da CRP.
A análise deste tema deve, pois, partir da assunção de que os
juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano resultante
do facto de o sujeito passivo ter ficado privado ilicitamente, durante
certo período, de uma quantia (visam colocá-lo na situação em que
estaria caso não tivesse efetuado o pagamento que, indevidamente, lhe
foi exigido). Ou seja, a obrigação de pagamento de juros indemniza­
tórios não corresponde à penalização de um erro (à punição de quem
366 Manual de Procedimento e Processo Tributário Juros Indemnizatórios 367

o cometeu), mas sim à reposição da situação que se verificaria caso como é o caso dos “sujeitos passivos” de imposto de selo e, até, dos sujei­
não tivesse acontecido um pagamento indevido. O Estado é chamado tos passivos do IVA.
a compensar o sujeito passivo, porquanto este empobreceu indevida­ A pergunta que se coloca é a seguinte: existindo erro na liquidação
mente (e o Estado enriqueceu indevidamente). Pelo que entendemos (que lhes compete efetuar) de um tributo, do qual resultou a entrega ao
que a obrigação de indemnizar deveria ser oficiosamente reconhecida Estado de um montante superior ao que este tinha direito a arrecadar, pode
em todas as situações em que se demonstre tal ter acontecido. Mas aquele que ficou economicamente prejudicado (o substituído, o “titular
não é esta a solução da lei que, assim, consideramos que fica aquém do interesse económico”, o repercutido) exigir ao Estado o pagamento de
da exigência constitucional733. juros indemnizatórios?
Entendemos que a resposta deveria ser positiva. Estes sujeitos reali­
zam, substancialmente, tarefas de administração fiscal, no interesse dos
47.1. Erro imputável aos serviços “serviços” que, assim, ficam dispensados de as efetuar. São, pois, verda­
deiros comissários da administração fiscal, pelo que esta deveria respon­
A ilegalidade que é facto gerador da obrigação de indemnizar tem, der pelos prejuízos causados pelos seus atos.
segundo a lei, que resultar, por regra, de erro imputável aos serviços. A nosso ver, não há razões para se optar por um entendimento res­
A palavra “serviços” deve ser entendida em sentido material: tritivo nesta matéria, pois a obrigação de pagamento de juros não envolve
serviços serão as entidades que, por obrigação legal, efetuam tarefas um empobrecimento do Estado, uma vez que este se limita a remunerar, a
de liquidação de tributos, mesmo quando não integrem uma estrutura valores normais, o valor de uso do dinheiro que indevidamente teve na sua
organizativa qualificada como administração fiscal. posse. Na conceção objetiva do dever de indemnizar, que a lei inquestio­
navelmente acolheu, parece ser indiferente saber quem, em concreto, pro­
O tema foi objeto de numerosas decisões jurisprudenciais relativas cedeu à liquidação do tributo, se um particular, se uma entidade pública.
a impostos e taxas (emolumentos) liquidados pelos notários, tendo o STA O que dissemos deveria valer, também, para os casos em que o reem­
concluído, uniformemente, que estes devem ser considerados “serviços” bolso de pagamentos indevidos resultou de erro cometido na autoliquida­
para efeitos da aplicação do art.° 43.° da LGT. ção, do qual resultou um pagamento superior ao devido.
Mais problemática é a questão das entidades privadas incumbidas da Dir-se-á que o erro não é dos serviços, mas do sujeito passivo734. Só
liquidação e cobrança de impostos. Temos, desde logo, o caso dos substi­ que - obstamos nós - o sujeito passivo, ao liquidar o imposto, atua como
tutos, maxime os que liquidam e cobram impostos por aplicação de taxas administração fiscal. O entendimento dominante735, de que, nestes casos,
liberatórias, e o de outros particulares que liquidam e cobram impostos
sem que, rigorosamente, estejamos perante casos de retenção na fonte,
734 Exceção feita à situação prevista no n.° 2 do art.° 43.° da LGT (a declaração
- incluindo aquela em que se procede à autoliquidação - ter sido feita de acordo
com orientações genéricas da administração fiscal).
733 Coincidimos assim com Jorge de S ousa , Código. . I, p. 527, quando afirma 735 Jorge de S ousa , Código..., I, p. 537, entende que, nos casos de autoliquidação
que “tendo tal direito de indemnização garantia constitucional, o seu exercício e outras situações para as quais a lei prevê reclamações necessárias como condição
pelo sujeito passivo não está limitado pelo circunstancialismo e limites do direito de impugnação, o erro do sujeito passivo passa a ser imputável à administração
de indemnização previsto nas leis tributárias, podendo aquele, por um lado pedir fiscal a partir do momento em que tais reclamações sejam indeferidas, expressa ou
uma indemnização superior à que resulta destas e, por outro, exigi-lo em situações tacitamente. Ou seja —se bem entendemos -, procedendo a impugnação, seriam
distintas das indicadas”. devidos juros indemnizatórios apenas desde a data em que aconteceu a decisão
368 Manual de Procedimento e Processo Tributário Juros Indemnizatórios 369

não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, resulta numa dupla Entendemos que a norma deve ser interpretada extensivamente,
penalização do contribuinte: a lei não só o obriga a “ser” administração que, em suma, em todos os casos em que haja uma decisão irrecor-
fiscal (suportando os respetivos custos), como o obriga a suportar os cus­ rível da qual resulte ser indevido o pagamento (já efetuado) de uma
tos dos erros cometidos em seu desfavor (que resultaram em enriqueci­ prestação tributária, há lugar a juros indemnizatórios, se o erro for
mento indevido do Estado). imputável a erro dos serviços.
Acresce que a posição por nós sustentada (a de que o sujeito pas­ Assim, p. ex., deve haver lugar a pagamento oficioso de juros
sivo, relativamente às tarefas de autoliquidação, deve ser equiparado aos indemnizatórios se o executado pagou o imposto mas, em sede de opo­
“serviços”) parece encontrar algum “amparo” na lei. O art.° 78.°, n.° 2, da sição à execução, vê reconhecida a inexigibilidade da dívida739. Esta
LGT considera imputável aos serviços o erro cometido na autoliquidação. hipótese não estará prevista na lei pelo facto de, tradicionalmente, se
É certo que o teor da norma limita o âmbito desta equiparação, a qual só entender que o pagamento efetuado no decurso do processo execu­
é “para efeitos do número anterior”, ou seja, para determinação do prazo tivo extingue a execução e, consequentemente, a oposição contra ela
em que é possível ao sujeito passivo que cometeu um erro na autoliquida­ deduzida.
ção (um erro que o prejudicou) suscitar a revisão de tal ato tributário. Mas Ora, como já demos notícia, o STA abandonou esta orientação,
pensamos que se pode ver nesta norma um afloramento de uma regra geral,. ainda que só no tocante às oposições em que esteja em causa a não veri­
a de que a atuação daquele que, por força da lei, realiza tarefas que são, ficação dos pressupostos da reversão. Pelo menos nestes casos, em que
substancialmente, de administração fiscal, deve, para efeitos de direitos e a oposição reveste a natureza substantiva de impugnação, haverá que
garantias dos contribuintes, ser equiparada a uma atuação dos serviços. reconhecer ao responsável tributário o direito a receber juros indem­
nizatórios, para além do valor correspondente ao imposto e outros
Não releva o tipo de erro (se foi de facto ou de direito736) nem o encargos que se mostrem ter sido, por alguma forma740, pagos.
grau de culpa737. Acresce que existem, hoje, outros meios de fazer reconhecer a ile­
A lei (art.° 43.°, n.° 1, da LGT) prevê que o reconhecimento do galidade de uma liquidação. Temos, p. ex., situações em que é possível
erro possa acontecer na decisão que pôs fim a um procedimento de o recurso a uma arbitragem internacional741. Também aqui entendemos
reclamação ou sentença final de um processo de impugnação. Assim que deve ser feita uma interpretação atualista da lei, reconhecendo o
sendo, teríamos que os erros que conferem o direito a juros indem­ direito do interessado a ser indemnizado, pelo recebimento de juros
nizatórios seriam, apenas, os que envolvem um ato de liquidação738. indemnizatórios quando o reconhecimento do erro imputável aos ser­
viços resulte de uma tal decisão arbitrai742.
administrativa e não desde a data do pagamento indevido. Concordamos, mas
entendemos que se pode e deve ir mais longe. 739 No mesmo sentido, Jorge de S ousa , Código ..., I, p. 541
736 “ Erro imputável aos serviços”, entendido este como o “erro sobre os 740 A extinção da dívida exequenda, na pendência do processo de oposição
pressupostos de facto ou de direito imputável à administração fiscal” (Ac. do STA à execução, pode resultar de outras causas que não o pagamento voluntário, p. ex.,
de 24-02-2010, rec. n.° 022/10, relator V alente T orrão ). de compensações, de iniciativa administrativa, com créditos de que o revertido
737 Está, pois, em causa uma responsabilização objetiva dos serviços. O que era titular.
representa uma significativa evolução, pois, no quadro da legislação em vigor até 741 Sobre esta forma de arbitragem internacional, Francisco de Sousa da
meados dos anos oitenta, só havia obrigação de indemnizar (do pagamento de juros C â m a ra , «A Convenção da Arbitragem: inter-ação entre meios de reação».
indemnizatórios) quando o erro fosse evitável, fosse devido à má organização dos 742 A questão não se coloca quanto à arbitragem tributária interna, uma vez
serviços ou à negligência dos funcionários. que a lei expressamente equipara, quanto aos seus efeitos, as decisões arbitrais às
738 Jorge de S ousa , Código..., I, p. 530. sentenças judiciais.
370 Manual de Procedimento e Processo Tributário Juros Indemnizatórios 371

Não podemos, porém, sufragar o entendimento do STA - base­ por estar também em causa o pagamento indevido de determinada
ado numa leitura estrita da lei - de que não há lugar à obrigação de quantia, corresponderá, por princípio, ao valor dos juros pelo período
pagamento de juros indemnizatórios quando o erro dos serviços se da sua privação), eventualmente em processo judicial autónomo745.
refira a um ato administrativo em matéria tributária (e não a um ato
tributário). Assim, p. ex., quando a administração indefira o pedido
de reconhecimento do direito a um benefício fiscal, tal decisão venha 47.2. Anulação do ato tributário por vício de forma
a ser posteriormente alterada em sede de recurso administrativo ou
pelo tribunal743 e, na pendência do procedimento ou processo, o inte­ A jurisprudência continua a entender que não há lugar ao paga­
ressado haja pago os valores que, entretanto, lhe foram liquidados744. mento de juros indemnizatórios quando o ato tributário seja anulado
Nenhuma dúvida parece existir que estamos perante casos de paga­ por vicio deforma. O argumento essencial parece ser o seguinte: a
mento indevido de prestações tributárias, motivados pelo erro dos ser­ anulação de um ato de liquidação baseada unicamente em vício for­
viços resultante do (ilegal) não reconhecimento do benefício. mal de falta de fundamentação não implica a existência de erro de
Na realidade, a questão é formal e não substancial (e, portanto, que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao
com menos razão de ser). Aceitando que o dever de indemnizar, da legalmente devido146,
parte do Estado, existe em todas as situações que tenham resultado Este entendimento é, a nosso ver acertadamente, posto em causa
em prejuízo ilícito dos contribuintes, temos que estes têm sempre o pela doutrina747, desde logo pela sua duvidosa constitucionalidade.
direito a ser indemnizados quando hajam pago prestações tributárias O raciocínio subjacente às decisões do STA é o seguinte748: se o
a que não estavam legalmente obrigados. Pelo que, mesmo à luz da lei ato declarado inválido ainda pode ser substituído por ato válido, se o
vigente, é difícil entender que tal direito lhes deva ser reconhecido ofi­
ciosamente (como decorrência normal da execução do julgado) apenas 745 Com Jorge de S ousa , Código.. I, p. 543, diremos que uma coisa, porém,
quando esteja em causa a anulação de uma liquidação e que, estando não pode deixar de se ter como certa: é que mesmo que se entenda que não pode ser
em causa a anulação de um ato administrativo em matéria tributária, o reconhecido tal direito ajuros quando o pedido [de anulação do ato administrativo]
não é formulado em reclamação graciosa ou processo de impugnação [por estes
interessado tenha que expressamente peticionar a indemnização (que,
não serem os meios adjetivos próprios para obter a anulação de atos administra­
tivos em matéria tributária], não poderá deixar de reconhecer-se ao interessado a
743 Estamos no âmbito da ação administrativa especial, pelo que a pronúncia possibilidade de efetivar a responsabilidade do ente público que tenha praticado o
do tribunal terá natureza condenatória (e não, simplesmente, anulatória). ato ilegal através de uma ação [autónoma], como é constitucionalmente garantido
744 “A obrigação de indemnizar o contribuinte à luz do n° 1 do artigo 43° da pelo art.° 22.° da CRP.
LGT radica na existência de erro imputável aos serviços da administração fiscal num 746 Ac. do STA de 07-09-2011, rec. n.° 0416/11.
ato de liquidação de um tributo (...)• Essa hipótese normativa não ocorre quando 747 João Taborda da G a m a , «Erros, serviços ... » , p. 123 ss.
numa ação administrativa especial tenha sido anulado ato que indefere pedido de 748 Num resumo de tais razões, Jorge de SOUSA, Código..., I, p. 531 ss.
isenção de pagamento dos impostos de sisa e selo, bem como de emolumentos e Mas este Autor manifesta algum “desconforto” relativamente à subsistência deste
outros encargos notariais”. (Ac. do STA de 20-10-2010, rec. n.° 0495/10, relator entendimento tradicional (p. 533 ss.). Citamos: “por isso, apesar de haver decisões
M iranda Pacheco ). jurisprudenciais em sentido contrário, deverá entender-se que, em matéria de li­
A nossa incompreensão resulta maior pelo facto de o mesmo tribunal consi­ quidação e cobrança de tributos, não é viável excluir o direito de indemnização do
derar que há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios quando, existindo um contribuinte derivado da privação das quantias com fundamento na licitude do com­
benefício fiscal automático, haja sido, indevidamente, liquidado e pago imposto (p. portamento alternativo, que seria praticar o ato com as exigências não substanciais
ex., A c. do STA del4-04-2010, rec. n.° 0120/10, relator A ntónio C alhau ). que motivaram a anulação, pois a aceitação desta possibilidade reconduzir-se-ia
372 Manual de Procedimento e Processo Tributário Juros Indemnizatórios 373

imposto pago ainda pode ser legalmente exigido (sanado que seja o sujeita ao princípio do pedido. O interessado teria que os solicitar
vício formal cometido), não há razão para indemnizar o contribuinte. expressamente na petição de reclamação ou de impugnação.
Começamos por salientar que esta orientação é contraditória Porém, a partir do Ac. do STA de 19-12-2001, rec. n.° 26608, de
com o que o STA tem entendido quanto à obrigação de devolução do que foi relator B e n ja m im R o d r ig u es , passou a ser pacífico o enten­
imposto pago: anulada uma liquidação por vício de forma, impõe-se dimento de que tal direito devia ser reconhecido oficiosamente pela
a restituição do indevidamente pago, ou seja, não existe um direito de administração fiscal, sempre que se verificassem os respetivos pres­
retenção por parte da administração, esta não pode permanecer na supostos legais749.
posse da quantia indevidamente recebida e imputá-la ao pagamento do Posteriormente, foi alterado o art.° 61.° do CPPT, concretizando o
imposto que, sanado o vício de forma, venha a ser liquidado (mesmo modo de efetivação desse reconhecimento pela administração.
se esta nova liquidação for “igual” à que foi anulada). Merece especial referência o previsto no n.° 2 de tal artigo: em
Ora, parece-nos evidente que tendo uma liquidação sido anulada caso de anulação judicial do ato tributário, cabe à entidade que execute
por vício de forma e ocorrendo, posteriormente, novo ato tributário, a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento
passa a ser diferente o momento em que ocorre a exigibilidade do dos juros indemnizatórios a que houver lugar. Ou seja, mesmo que a
imposto: a obrigação de pagamento só se vence após o momento em decisão judicial não se tenha pronunciado sobre o direito do impug­
que a segunda liquidação seja (ou se deva considerar ter sido) notifi­ nante a receber juros indemnizatórios (por tal não ter sido por ele
cada ao sujeito passivo. peticionado), a administração, em execução do decidido pelo tribunal,
A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, nestes casos, deve reconhecer tal direito, pois que o seu recebimento é uma conse­
decorre, não em razão da inexistência da obrigação tributária, mas quência implícita (decorrente diretamente da lei) da pronúncia judicial.
da ilegal “antecipação” do momento do vencimento da obrigação. Não sendo processados os juros indemnizatórios devidos, o inte­
Ora aquele que, em razão de uma ilegalidade cometida pelo credor, ressado pode “reclamar”, nos temos dos n.° 6 e 7 do art.° 61.° do CPPT,
paga antes de tal ser exigível, sofre uma lesão patrimonial, correspon­ sendo que poderá, sempre, recorrerjudicialmente da decisão que inde­
dente ao “valor da utilização” do dinheiro entregue pelo tempo de tal fira a sua pretensão ou da falta de pronúncia administrativa.
“antecipação”. Porém, não necessitará de o fazer, pois, estando em tempo, poderá
Não podemos, pois, sufragar esta orientação do STA, embora recorrer ao processo de execução de julgados (que, como vimos, é a
possamos compreender o pragmatismo em que assenta. forma judicial para lograr a execução coerciva, quer de decisões judi­
ciais transitadas, quer de decisões administrativas consolidadas) e fazer
aí reconhecer o seu direito a juros indemnizatórios.
47.3. O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios

A administração fiscal, com o apoio dos tribunais, começou por


entender que a efetivação do direito a juros indemnizatórios estaria

a aceitar a legalidade da situação jurídica criada com a liquidação ou a cobrança 749 Dando conta desta evolução jurisprudencial e do debate que suscitou ao
ilegais, isto é a possibilidade de o contribuinte ser efetivamente obrigado a pagar nível da administração fiscal, Abílio M orgado , «Constituição e concretização do
tributos independentemente da legalidade formal da sua liquidação e cobrança”. direito a juros indemnizatórios».
374 Manual de Procedimento e Processo Tributário Juros Indemnizatórios 375

47.4. Contagem dos juros indemnizatórios 47.5. Juros indemnizatórios e juros moratórios

A “regra geral”, estando em causa a repetição de um pagamento A lei prevê dois tipos de juros a favor dos contribuintes: os juros
indevido, é de que tais juros devem ser calculados a partir da data em indemnizatórios e os juros moratórios.
que tal pagamento ocorreu (art.° 61.°, n.° 5, do CPPT). A destrinça entre estas duas figuras, é, normalmente, afirmada
Esta “regra geral” comporta um desvio importante quando o reco­ da forma seguinte: os juros indemnizatórios visam ressarcir o contri­
nhecimento da ilegalidade da liquidação (e, consequentemente, de ser buinte pelo desapossamento do capital correspondente a um imposto
indevido o pagamento efetuado) não resultou da iniciativa do sujeito indevidamente liquidado; os juros moratórios visam ressarcir o con­
passivo (quando este, para tal, não acionou tempestivamente os meios tribuinte pelo atraso no pagamento do seu crédito resultante da anu­
normais de recurso). Resultando a anulação da liquidação de uma revi­ lação do ato. Em qualquer dos casos, os juros têm a (mesma) natureza
são oficiosa impulsionada pela própria administração, os juros são devi­ de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, destinada
dos a partir do 30.° dia posterior àquele em que foi tomada a decisão à reparação dos prejuízos suportados pelo contribuinte com a indis-
(art.° 43.° n.° 3, al. b), da LGT); resultando a anulação da liquidação de ponibilidade do montante correspondente à prestação tributária inde­
uma revisão oficiosa impulsionada pelo interessado750, a contagem dos vidamente paga.
juros inicia-se decorrido que seja um ano do pedido deste, salvo se o Então - pergunta-se - porquê a consagração de dois tipos de juros?
atraso não for imputável à administração tributária (art.° 43.°, n.° 3, al.
c) da LGT). Esta diferença de regimes parece traduzir a ideia de que, O Pleno do STA (secção tributária), no seu Ac. de 24-10-
estando em causa o pagamento de uma indemnização, há que ter em 2007, rec. n.° 01095/05, abordou a questão: trata-se de uma inova­
ção - antes dela não se encontravam previstos juros moratórios a favor do
atenção o grau de culpa (ainda que objetiva) da administração fiscal751.
contribuinte - que surgiu desamparada no ordenamento fiscal: por uma
É uma solução que já deixámos criticada, nomeadamente quando
banda, a Lei Geral Tributária não fixou expressamente a taxa destes juros
aplicada a situações em que a razão de ser da revisão da liquidação
moratórios a favor do sujeito passivo; por outra, numa perspetiva mera­
é um erro imputável aos serviços. Nestes casos - até por exigência
mente dogmática, o legislador continuou a classificar como indemniza-
constitucional - parece que os juros deveriam abranger todo o perí­
tórios juros que, em rigor, criada a espécie dos juros moratórios a favor
odo compreendido entre o pagamento do indevido e a sua restituição. do sujeito passivo, como tal seriam de classificar - cf. as alíneas a), b) e
A administração deve liquidar e pagar os juros indemnizatórios c) do n.° 3 do artigo 43.° deste diploma legal, onde o legislador determina
no prazo de 90 dias contados da decisão que os reconheceu (art.° 61.°, expressamente serem fonte de juros indemnizatórios situações em que a
n.° 3 do CPPT). Porém, em causa uma decisão judicial, parece que Administração Tributária se constitui em mora.
o prazo será o previsto para a sua execução espontânea (30 dias)752.
Se bem entendemos, o STA parece deixar afirmado, ainda que só nas
750 Supra , 28.5, O direito à revisão oficiosa. entrelinhas, que se trata de uma ‘‘dualidade” legislativa desnecessária753.
751 Justificando por esta forma o regime legal, Jorge de S o u sa , Código..., I,
p. 559 ss.
752 O n.° 4 do art.° 61.° do CPPT não se afigura claro, pois dele parece resultar sentido que a AF tenha 30 dias para proceder à devolução do imposto pago e 90
que o prazo para execução espontânea dos julgados judiciais, no tocante a juros para pagar os respetivos juros.
indemnizatórios, seria de 90 dias (e não os 30 dias que a lei, em geral, prevê, quando 753 Desnecessária desde logo porquanto é a mesma taxa aplicável para o
está em causa o pagamento de uma quantia pecuniária). Ora, parece fazer pouco respetivo cálculo.
376 Manual de Procedimento e Processo Tributário

Existindo dois tipos de juros, importa saber quais os períodos de


tempo relevantes para a respetiva contagem.
A jurisprudência é pacífica: os juros indemnizatórios são devi­
dos até ao termo do prazo da execução espontânea do julgado - art.°
43.° da Lei Geral Tributária; os moratórios a partir daí e até efetivo e
integral pagamento - art.° 102.°, n.° 2, do mesmo diploma. CAPÍTULO XI
Arbitragem Tributária
Surgia outra questão, esta sim relevante: a de saber se os juros com-
pensatórios e os juros moratórios eram sucetíveis de cumulação, ou seja,
se, entrando a administração em mora na sua obrigação de restituir o inde­
48. A consagração legal da arbitragem tributária
vidamente cobrado, os juros moratórios incidiam sobre a soma do mon­
tante em causa com a dos juros indemnizatórios vencidos até à entrada em
A introdução da arbitragem tributária aconteceu com o DL n.°
mora. Isto porque a previsão do art.° 102.°, n.° 2, da LGT parecia somar-se
10/2011, de 20 de Janeiro, (LAT), no uso de autorização legislativa
com o disposto no art.0 100.° do mesmo diploma, na sua anterior redação. constante da LOE para 2010.
O STA, reiteradamente, afirmava que tal cumulação não era possível754.
Uma inovação rodeada de polémica, até pelo seu pioneirismo
A questão parece ter ficado resolvida com a alteração da redação do art.0
em termos internacionais. A possibilidade de um tal mecanismo de
100.° da LGT operada pela LOE para 2012. Desapareceu do texto deste
resolução de litígios neste domínio significou a quebra do dogma do
preceito a referência à obrigação de pagamento de juros indemmzatórios
monopólio estadual da realização da justiça tributária755, ideia intima­
a partir do termo do prazo da execução da decisão, pelo que terá ficado
mente ligada à conceção clássica do direito fiscal enquanto uma forma
claro que a partir de tal data só há lugar a juros de mora.
do exercício da soberania estadual, traduzida no direito do Estado em
proceder à ablação de bens dos cidadãos sem qualquer contrapartida
específica. Sendo a exigência do pagamento de tributos um poder sobe­
rano, concretizado no nascimento de relações jurídicas caracterizadas
por uma supra-infra ordenação, apenas um outro órgão de soberania,
o Tribunal, poderia delas apreciar756.

755 Destaque para o contributo de Diogo Leite de C ampos para a aceitação da


A taxa dos juros indemnizatórios a favor do sujeito passivo é a taxa de juro “ideia” da arbitragem ao domínio tributário, plasmado em textos como «Certeza e
legal (art.° 43.°, n.° 4, da LGT, que remete para o art.° 35.°, n.° 10, do mesmo diploma segurança no direito tributário: a arbitragem», «Arbitragem voluntária, (jurisdição
- taxa dos juros compensatórios o qual, por sua vez, remete para o art.° 559°, dos cidadãos) nas relações tributárias, jurisdição típica do estado-dos-direitos-e-
n.° 1, do Código Civil). dos-cidadãos», «A arbitragem em direito tributário», «A arbitragem tributária, “a
A taxa dos juros moratórios a favor dos sujeitos passivos é também, a mesma centralidade da pessoa”».
taxa legal, uma vez que o ordenamento tributário não prevê outra. 756 Explicitando as razões pelas quais o direito fiscal continuou, até
754 Numa cuidada explanação desta jurisprudência, o Ac. do STA de 02-03- recentemente, a apresentar-se como domínio fechado a formas extrajudiciais de
2011, rec. n.° 0880/10, relatora D ulce N eto . resolução de litígios, Ana Perestrelo de O liveira , «Da arbitragem administrativa
378 Manual de Procedimento e Processo Tributário Arbitragem Tributária 379

Não só esta visão da soberania estadual está decisivamente posta essa sim, indiscutivelmente, monopólio estadual. Daí a necessidade
em causa, como se entende hoje que a natureza do litígio tributário de enquadramento legal do recurso à arbitragem voluntária, mesmo
não é mais o exercício pelo ente público administrativo de uma pre­ nos litígios privados759.
tensão soberana explicitada na lei (não é mais o controlo da legalidade Em outros domínios do direito público foi-se assistindo à progres­
dessa exigência), mas sim o reconhecimento dos direitos que assistem siva consagração da arbitragem como forma de resolução de litígios
aos cidadãos no contexto do exercício de uma determinada atividade entre os entes públicos e os particulares. Tal possibilidade continua a
administrativa. ser limitada: como linha geral, temos que a arbitragem administrativa
No fundo, o que está em causa é um afloramento da superação só acontece relativamente a decisões que, por poderem ser revogadas
da dicotomia clássica entre direito privado e direito público, uma dis­ sem ser com fundamento em ilegalidade, se consubstanciam em atos
tinção que, de resto, nunca foi conhecida, pelo menos nos termos em que, de algum modo, se encontram na disponibilidade da administra­
que entre nós é tradicionalmente elaborada, em outras famílias jurí­ ção. Assim se compreende que sejam os litígios relativos a contratos e
dicas, caso dos sistemas jurídicos anglo-saxónicos. à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos a constituir
Haverá, pois, que distinguir entre o dever do Estado de criar e o cerne das matérias que, no domínio do direito administrativo, serão
manter órgãos cuja função é dirimir, em tempo útil e de forma justa, passíveis de serem dirimidas por recurso à arbitragem760.
os litígios que lhes sejam presentes, sejam eles entre particulares, entre A transposição deste entendimento quanto ao âmbito possível da
particulares e o próprio Estado ou mesmo entre diferentes órgãos do arbitragem para o domínio tributário761conduziria a um profundo esva­
Estado757, uma exigência conatural à própria ideia de estado de direito, ziamento deste instituto, uma vez que, neste ramo do direito, a atividade
e a afirmação do monopólio estadual da realização da justiça. Há que administrativa é, por regra, estritamente vinculada, por força do prin­
compreender que a missão do juiz é a de solucionar litígios, pondo- cípio da tipicidade da lei fiscal: a solução do caso decorre diretamente
-lhes termo, e não tanto a de exercer uma função ou afirmar um poder da própria lei, com total ou quase total exclusão da discricionariedade
do Estado758. ou da concessão de margens de oportunidade à administração fiscal.
A possibilidade de os particulares escolherem quem deve resolver
os seus litígios (de os submeterem ao julgamento de outrem que não
759 Cf. Lei n.° 63/2011 de 14 de Dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária).
aos tribunais estaduais) sempre terá sido aceite. Diferente é, porém, 760 Por todos, Ana Perestrelo de O liveera, «Da arbitragem administrativa...»,
a questão do reconhecimento pelo Estado do efeito vinculativo de p. 135 ss.
tais decisões, atribuindo-lhes uma força equivalente às das senten­ 761 Diz-nos Casalta N a bais , «Reflexões...», p. 249: significa isto que a arbitra­
ças judiciais, o que implica a possibilidade da sua execução coerciva, gem apenas poderá ser admitida relativamente a matérias nas quais a administração
tributária goze de uma margem de livre decisão em qualquer das modalidades que
esta conhece. Uma realidade que, como é sabido, tem múltiplas e diversificadas
à arbitragem fiscal: notas sobre a introdução da arbitragem em matéria tributária», manifestações também no direito fiscal, com destaque para aqueles domínios de
p. 132 ss. evidente complexidade técnica, em que o legislador se encontra verdadeiramente
757 São frequentes os conflitos de natureza tributária entre diferentes órgãos impossibilitado de estabelecer soluções inteiramente recortadas na lei e, por conse­
do Estado (entendido em sentido amplo), porquanto o Estado não está isento (ou guinte, verdadeiramente vinculadas. Por isso, domínios tais como o dos preços de
não está sujeito) do pagamento de todos os impostos. Sirva de exemplo, porventura transferência, da aplicação da cláusula geral anti-abuso e de outras normas dirigidas
o mais significativo, o IVA. à prevenção da evasão e da fraude fiscais da avaliação da matéria tributária por
758 Casalta N abais , «Reflexões sobre a introdução da arbitragem voluntária», métodos indiretos e da fixação de valores patrimoniais, encontram-se certamente
p. 240. entre os que podem ser candidatos elegíveis para a arbitragem tributária.
380 Manual de Procedimento e Processo Tributário Arbitragem Tributária 381

Não é pois de admirar que o legislador tenha ido mais longe, que, acontecer a anulação judicial de uma parte significativa dessas liquida­
paradigmaticamente, tenha aceitado que o controlo da legalidade dos ções) se virá a verificar não ter sido efetiva.
atos de liquidação possa ser feito através do mecanismo arbitrai, o Impõe-se, pois, uma intervenção urgente e profunda, a qual terá que
que, de resto, será o objeto mais frequente dos litígios a serem assim ir muito além de um reforço dos meios dos tribunais tributários e da sua
dirimidos. afetação. As principais medidas terão que acontecer ao nível da adminis­
O que nada nos repugna, pois o que está em causa é saber quem tração fiscal, criando-se condições para a prevenção da ocorrência de lití­
controla a legalidade de atos praticados pela administração fiscal e gios, o que implica, p. ex.,: desenvolvimento de uma cultura administrativa
não o critério normativo que presidirá a tal controlo. A arbitragem não capaz de conduzir a que as decisões não sejam sistematicamente ditadas
permite a substituição das valorações do legislador pelas dos árbitros: por preocupações de receita; que os meios de resolução administrativa
o julgamento pelo tribunal arbitrai é feito segundo o direito constitu­ dos litígios sejam eficientes, em termos de justiça e rapidez, evitando a
ído, ficando vedado o recurso à equidade (n.° 2 do art.° 2.° da LAT). necessidade de intervenção do tribunal por reconhecerem, em tempo útil,
a razão do contribuinte quando este a tem; que as decisões administrativas
A nosso ver, o tema da admissibilidade da utilização de um meca­ sejam suficientemente persuasivas quanto à existência do direito invocado
nismo arbitrai para resolução de litígios no domínio tributário tem que ser pela administração e, portanto, capazes de constituir eficaz dissuasor do
ponderado a partir de uma diferente ótica: a primeira interrogação será a recurso ao tribunal pelos contribuintes, convencidos que sejam da séria
de saber se o Estado tem cumprido com a obrigação, constitucionalmente improbabilidade de este alterar a decisão administrativa.
imposta pelo art.° 20.°, n.° 4 da CRP, de assegurar que todos têm o direito
a que uma causa [tributária] em que intervenham seja objeto de decisão Mas existirão sempre numerosos litígios fiscais que terão que ser
em prazo razoável. A resposta é, manifestamente, negativa762. dirimidos por um terceiro, pelo que permanece a questão de saber se
A situação de insuportável demora das decisões dos tribunais fiscais o juiz terá que ser, necessariamente, um magistrado togado ou poderá
constitui um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento da nossa econo­ (ou mesmo, em certos casos deverá) ser um árbitro.
mia, como repetidamente é acentuado por todos os observadores, primeiro Temos duas diferentes situações: os casos em que o objeto do lití­
pelo clima de insegurança que gera e, depois, pelos encargos que os cida­ gio aconselha que seja outrem, que não um tribunal judicial, a dirimi-
dãos e as empresas são obrigados a suportar, os quais vão muito além dos -lo, por não ser o juiz o mais vocacionado, o mais competente, para
custos decorrentes da sustentação dos litígios. A demora na resolução dos tal. Estão em causa os litígios cuja resolução implica essencialmente
litígios fiscais é, ainda, uma causa importante de falta de transparência o apelo a conhecimentos e experiência não jurídicos: serão, p. ex., os
das nossas contas públicas, uma vez que, numa contabilidade baseada no casos de avaliação indireta da matéria coletável e os de fixação de valo­
critério económico, os impostos liquidados em determinado ano são con­ res patrimoniais. Nestes tipos de litígios, porque reconhecidamente
tabilizados como receita, uma receita que, porém, anos depois (quando existem melhores condições para que a realização da justiça aconteça
fora dos tribunais, a arbitragem deveria, a nosso ver, ser obrigatória.
762 Mais de 43.000 processos amontoavam-se nos tribunais de 1* instância. A Relativamente aos litígios em que se colocam essencialmente questões
pendência média, por juiz, era de 737 processos, havendo tribunais cuja pendência de natureza jurídica (dito de forma intencionalmente simplificada, os
é superior a 1.000 processos, segundo informava, em 2010, o então Presidente do litígios em que esteja em causa a apreciação da prática de atos admi­
STA, Cons. Lúcio Barbosa, no prefácio a Mais Justiça Administrativa e Fiscal. nistrativos estritamente vinculados), a admissibilidade do recurso à
Os números mais recentes disponíveis, relativos processos “entrados” e processos arbitragem, como forma alternativa para a sua resolução, constituirá
“findos”, apontam para um agravamento da situação.
382 Manual de Procedimento e Processo Tributário Arbitragem Tributária 383

essencialmente uma questão de oportunidade, uma vez que a solução a o legislador optou por um modelo de arbitragem institucionali­
que os árbitros deverão chegar será em tudo idêntica àquela pela qual o zada, a qual confiou, em regime de monopólio legal, a uma única
tribunal concluiria, sendo que os árbitros não serão, certamente, mais entidade764. A razão desta opção é, claramente, explicitada no pre­
qualificados que os juizes para a alcançarem763. âmbulo da lei: trata-se do único centro de arbitragem a funcionar sob a
A admissibilidade da arbitragem como forma alternativa de reso­ égide do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais que
lução dos litígios deve pois ser encarada como uma decisão conjuntu­ de resto, é competente para nomear o presidente do Conselho Deontoló­
ral, que nada impede (porquanto perfeitamente enquadrável no âmbito gico do Centro de Arbitragem Administrativa.
de decisão do legislador ordinário), mas também nada impõe, e que,
no tempo presente, temos mais que justificada pela reconhecida inca­ Houve, pois, uma atitude de prudência ao conferir tal competên­
pacidade do Estado para, por si só, garantir a realização, em tempo cia a (apenas) uma entidade, que, muito embora revestindo a forma
útil, da justiça no domínio tributário. O que é claramente assumido jurídica de uma associação de direito privado, é financiada, em larga
no preâmbulo da LAT, ao apontar como duas (das três aí enumera­ medida, pelo próprio Estado e tem uma ligação, ainda que indireta,
das) razões para a introdução no ordenamento jurídico português da com o órgão a quem, constitucionalmente, compete a superintendência
arbitragem em matéria tributária, o “imprimir maior celeridade na dos tribunais tributários. Tal constitui, certamente, garantia reforçada
resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito da escolha imparcial dos juizes (e, portanto, da imparcialidade des­
passivo” e “reduzir as pendências de processos nos tribunais admi­ tes) e de um certo grau de controlo sobre a sua atuação. Acresce que
nistrativos e fiscais”. a existência de uma lista única de árbitros, a nível nacional, permite
uma escolha mais ampla, entre todos aqueles cidadãos que se propu­
seram e foram aceites para o exercício de tais funções, daqueles que
48.1. O modelo de arbitragem tributária acolhido irão julgar cada litígio.
A curtíssima experiência da arbitragem tributária sugere-nos que,
mais que a descrição crítica da respetiva tramitação, façamos uma aná­
48.1.2. O âmbito da arbitragem tributária
lise crítica do modelo desenhado pelo nosso legislador.
A competência dos tribunais arbitrais aparece definida no art.°
2.° da LAT765: declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tri­
48.1.1. Um só centro de arbitragem
butos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por
A realização das arbitragens tributárias compete, em exclu­ conta; declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tribu­
sivo, ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD). Ou seja, tável, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos

763 Salientando esta diferença entre as situações em que o recurso à arbitragem 764 Para maiores desenvolvimentos, Domingos Soares F arinho , «Algumas
é, não apenas complementar; alternativa aos tribunais do Estado (“na medida em notas sobre o modelo institucional do Centro de Arbitragem Administrativa
que há litígios que são especialmente aptos à resolução pela via arbitrai e nela (CAAD)».
encontram, portanto, não uma solução de tipo «second best», mas antes a solução 765 Alterado pelo art.° 160.° da LOE/2012.0 texto inicial seria, eventualmente,
preferencial”), Manuel F. dos Santos S erra, «A arbitragem administrativa em demasiado “ambicioso” pois previa, p. ex., a possibilidade de sujeitar a arbitragem
Portugal: evolução recente e perspetivas», p. 23. o projeto de decisão de liquidação, com efeitos suspensivos.
384 Manual de Procedimento e Processo Tributário Arbitragem Tributária 385

de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores espera-se que este órgão venha a ter o maior cuidado e preterir todos
patrimoniais. aqueles em relação aos quais, relativamente a determinado litígio, pos­
Se bem entendemos, é possível sujeitar ao controlo arbitrai a sam existir quaisquer razões de suspeição.
generalidade dos atos766 que são passíveis de impugnação judicial: a
liquidação (incluindo no objeto do processo os atos realizados no pro­
cedimento de lançamento que a antecedeu - princípio da impugnação 48.1.4. Liberdade de sujeição à arbitragem tributária
unitária) e os atos de fixação de valores patrimoniais ou de determi­
nação da matéria coletável, quando a lei os considere destacáveis para A sujeição à arbitragem tributária exige uma vontade nesse sen­
efeitos de recurso767. tido, quer da parte dos contribuintes, quer das administrações fiscais.
Tal resulta evidente, considerando a questão na perspetiva dos
sujeitos passivos, pois podem optar, caso a caso, que determinado lití­
48.1.3. Os árbitros gio em que sejam parte seja dirimido por árbitros. É neste sentido que
o legislador - numa expressão que reputamos de infeliz - se referiu à
Os árbitros serão juristas768 de comprovada idoneidade e sentido arbitragem tributária como constituindo um “direito potestativo” dos
de interesse público, com reconhecido mérito no domínio do direito contribuintes769.
tributário (art.° 7.° da LAT). A sua imparcialidade resultará, desde logo, Mas o carácter voluntário da arbitragem acontece, também, rela­
da previsão legal, no art.° 8.° do referido diploma, de impedimentos, tivamente às administrações fiscais: estas são livres de decidir, rela­
que, de forma simples, sintetizaremos na existência, nos dois anos ante­ tivamente aos tributos que administram, se se querem ou não sujeitar
riores ao início do processo, de uma qualquer ligação, nomeadamente à arbitragem tributária, podendo ainda condicionar a sua vinculação
de índole societária ou profissional (direta ou indireta, qualquer que a requisitos adicionais (para além dos que decorrem da lei). A dife­
seja o título por que tenha acontecido), com os litigantes (incluindo rença é que essa vinculação será feita em termos gerais e abstratos,
entidades que com elas se encontrem em relação de domínio) ou com por decisão dos respetivos órgãos de tutela ou dos competentes órgãos
qualquer pessoa ou entidade que tenha interesse próprio na resolução deliberativos (caso, p. ex., dos municípios). Ou seja, não cabe a uma
do litígio. administração fiscal decidir, caso a caso, se aceita a jurisdição arbitrai.
Dado que a escolha de quem assumirá as funções de árbitro O que bem se compreende, desde logo porque tal decisão corresponde
caberá, na maioria dos casos, ao Conselho Deontológico do CAAD, a uma opção de natureza essencialmente política.
Ilustrando o que ficou dito, temos que, até ao momento, apenas
a administração tributária estadual (entendida em sentido estrito) se
766 Mas não todos: p. ex., não cabe àjurisdição arbitrai apreciar a impugnação vinculou à arbitragem, através da Portaria n.° 112-A/2011 (conjunta
de providências cautelares decididas pela administração (cf. supra, 41.2, Medidas
dos Ministros das Finanças e da Justiça)770, normalmente designada
cautelares da competência da administração fiscal).
767 P. ex., fixação do valor patrimonial tributário dos imóveis. A avaliação por portaria de vinculação. Assim, p. ex., não podem ser sujeitos a
indireta da matéria coletável feita pela AT, como veremos, não pode ser objeto de
processo arbitrai por força da portaria de vinculação. 769 No n.° 3 do art.° 124.° da LOE/2012 (Lei de autorização legislativa).
768 Nas questões que exijam um conhecimento especializado de outras áreas, 770 Parece ser de entender que a administração tributária da Madeira não está
pode ser designado como árbitro não presidente um licenciado em Economia ou vinculada à arbitragem fiscal, por força desta Portaria, uma vez que, desde 2005,
se encontra regionalizada.
Gestão.
386 Manual de Procedimento e Processo Tributário Arbitragem Tributária 387

arbitragem litígios relativos a tributos (taxas e contribuições financei­ não fizer, este árbitro será designado pelo Conselho Deontológico do
ras) cuja administração pertença a autarquias locais. Tal só será pos­ CAAD). As pessoas assim escolhidas poderão ser alguém que não
sível se e quando tais entidades, através dos seus órgãos deliberativos integre a lista de árbitros do CAAD, mas que terão que preencher os
próprios, a tal expressamente se vincularem771. requisitos que a lei impõe para a condição de árbitro. Os dois árbitros
Que a vinculação pode ter restrições, relativamente ao que consta designados pelas partes escolherão, por acordo, o árbitro presidente;
da LAT, resulta evidente do art.° 3.° da portaria de vinculação112. na falta de acordo, a sua designação caberá ao Conselho Deontoló­
O facto de uma entidade se vincular, antecipadamente a determi­ gico do CAAD.
nada jurisdição arbitrai, relativamente a certos tipos de litígios, abs-
tratamente definidos, é procedimento normal, quer no domínio dos A possibilidade de a escolha dos árbitros poder resultar do acordo
litígios privados, quer no domínio dos de direito público. Não há, por­ entre as partes, muito embora sendo o processo normal de formação dos
tanto, desigualdade quanto à liberdade de sujeição à arbitragem tribu­ tribunais arbitrais no domínio do direito privado, é, a nosso ver, criticá-
tária. A opção existe, quer para cada uma das administrações, quer vel. Árbitros escolhidos pelos sujeitos passivos criam, inevitavelmente, a
para os sujeitos passivos, só que as primeiras, por serem “litigantes ideia de uma justiça que tenderá a privilegiar os interesses destes em detri­
em massa”, vinculam-se antecipadamente, até por evidentes razões mento dos interesses fiscais do Estado (os quais, supostamente, serão os
de praticabilidade. interesses de todos os [demais] contribuintes). Especialmente quando tais
pessoas não integrem a lista de árbitros do CAAD, não tenham passado
pelo “crivo” de avaliação que tal integração supõe774.
48.1.5. Arbitragem singular e arbitragem coletiva A, ainda que muito escassa, experiência de constituição de tribunais
arbitrais em matéria tributária mostra, porém, ser reduzido o número de
A arbitragem será sempre coletiva quando o valor da causa for contribuintes que opta por designar um árbitro. A razão reside na enorme
igual ou superior a duas vezes o valor da alçada do TCA773. Mas o diferença do valor de custas, consoante tal opção seja ou não exercida,
sujeito passivo poderá optar por um tribunal arbitrai coletivo, mesmo bem como na responsabilidade pelo seu pagamento. Havendo opção do
em causas de valor inferior. sujeito passivo pela designação de um árbitro, a taxa de arbitragem é rela­
Quando haja lugar à constituição de um tribunal arbitrai coletivo, tivamente elevada, sendo o seu pagamento sempre da responsabilidade do
o sujeito passivo poderá optar por nomear um árbitro. Então, cabe à sujeito passivo (e por ele paga antecipadamente), independentemente do
entidade demandada a possibilidade de designar outro árbitro (se o resultado da lide. No caso de não ser exercida tal opção (ou seja, sendo o
árbitro ou árbitros designados pelo Conselho Deontológico do CAAD),
as taxas de arbitragem são muito mais moderadas775e a obrigação final do
771 Entendemos que o disposto no n.° 1 do art."4.° da LAT, ao prescrever a forma
como acontecerá a vinculação da administração tributária estadual à jurisdição dos seu pagamento será fixada na decisão arbitrai, em função do decaimento
tribunais arbitrais, não pode ser entendido como afastando a possibilidade de outras de cada uma das partes.
administrações tributárias o fazerem.
772 P. ex., ficaram expressamente excluídos de tal vinculação os litígios de
valor superior a € 10.000.000,00.
773 A alçada dos Tribunais Centrais Administrativos encontra-se fixada em 774 Comungando destas ideias, Jorge de Sousa, «Algumas preocupações sobre
30.000,00, nos termos conjugados dos art.° 6.°, n.° 4, do ETAF e 31.°, n.° 1, da Lei o regime da arbitragem tributária», p. 219.
n.° 52/2008, de 28 de Agosto. 115 Ver o Regulamento das Custas, disponível em http://www.caad.org.pt.
388 Manual de Procedimento e Processo Tributário
Arbitragem Tributária 389

A liberdade de escolha do árbitro presidente, nos litígios em que judicial e não aqueles que, num tribunal, seriam tramitados, nomea­
seja requerida a atual Autoridade Tributária - neste momento, a única damente sob a forma de ação administrativa especial. Fora do âmbito
administração fiscal que se vinculou à jurisdição do CAAD tem da arbitragem ficaram ainda os litígios que ocorram no quadro dos
limitações adicionais, relativamente ao previsto na lei, quer a sua desig­ processos de execução fiscal, nomeadamente a apreciação de oposi-
nação compita aos árbitros escolhidos pelas partes, quer ao Conselho ções à execução, mesmo quando revistam natureza impugnatória (p.
Deontológico do CAAD: o árbitro presidente deve ter exercido fun­ ex., a verificação dos pressupostos da reversão).
ções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o O modelo adotado exclui a possibilidade de recurso ordinário para
grau de mestre em Direito Fiscal Oitígios de valor igual ou superior a os tribunais judiciais. Tal tem a evidente vantagem de permitir alcan­
€ 500.000,00), ou o grau de doutor em Direito Fiscal (litígios de valor çar, mais rapidamente, uma decisão definitiva. Para além das dúvidas
igual ou superior a € 1.000.000,00). que se podem suscitar quanto à constitucionalidade de uma tal opção
A sistemática designação pelo Conselho Deontológico do CAAD, legislativa778, temos que, na prática, tal parece ser um forte dissuasor
para a presidência dos tribunais arbitrais, de antigos magistrados judi­ da opção pelos contribuintes do recurso à arbitragem tributária, pois
ciais (muitos deles, Juizes Conselheiros), tem funcionado como um que assim ficam confrontados com o dilema de terem que optar entre
importante elemento de credibilização da arbitragem tributária. a vantagem de uma maior celeridade processual e a desvantagem da
eliminação da garantia que a possibilidade de recurso representa. Ora,
os “grandes bloqueios processuais” acontecem ao nível da 1* instância,
49. Crítica a alguns aspetos do sistema pelo que nos pareceria perfeitamente razoável a ponderação de uma
alteração legislativa no sentido de permitir a existência, como regra,
A curta experiência de funcionamento da arbitragem tributária de recurso ordinário das decisões arbitrais779, ainda que eventualmente
não permite, por certo, uma fundada análise crítica. Ficam apenas com limitações ao nível da reapreciação da matéria de facto.
algumas observações pontuais, de carácter geral. Uma palavra sobre a questão da “passagem” dos processos dos
Quanto ao âmbito possível da arbitragem tributária, temos que tribunais judiciais para os tribunais arbitrais. O art.° 30.° da LAT conti­
o legislador excluiu alguns dos tipos de litígios em que mais se jus­ nha uma norma transitória segundo a qual os sujeitos passivos podiam
tificaria o recurso a este mecanismo. Sirvam de exemplo as questões submeter à arbitragem tributária as pretensões que, há mais de dois
relativas a atos administrativos em matéria tributária776, a contratos anos, se encontrassem pendentes de decisão, em primeira instância,
fiscais, nomeadamente os benefícios fiscais deles decorrentes, à res­ nos tribunais judiciais tributários. Só que esta possibilidade tinha um
ponsabilidade civil dos entes públicos em matéria fiscal777. De uma prazo limite para o seu exercício, o qual já se esgotou. Ora, tendo sido
forma intencionalmente simplificadora, diremos que são passíveis de a principal razão da consagração da arbitragem tributária o “descon­
resolução arbitrai os litígios que seguiriam a forma de impugnação gestionamento” dos tribunais judiciais (ou, talvez melhor, a criação
de um mecanismo alternativo capaz de contribuir para a realização da
776 O que menos se compreende se tivermos em conta que a Lei de autorização justiça tributária em prazo razoável) não descortinamos razões válidas
legislativa (n.° 4 do art ° 124.° da LOE/ 2011) expressamente previa que “o processo
arbitrai tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de
impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse 778 Jorge de S ousa , «Algumas preocupações...», p. 223.
legítimo em matéria tributária”. 779 No mesmo sentido, Jesuíno M artins , «Consequências da decisão arbitrai»,
777 Coincidindo, no geral, nesta crítica, Casalta N abais, «Reflexões...», p. 255. p. 50.
390 Manual de Procedimento e Processo Tributário Arbitragem Tributária 391

para o exercício de uma tal opção ter sido limitado no tempo. Admi­ ção de uma melhor justiça, uma vez que, como já deixámos exposto,
timos que tal normativo tenha sido pensado como sendo um estímulo não é “vocação natural” dos juizes togados dirimirem este tipo de
para a obtenção de “resultados imediatos”. Porém, talvez o legislador litígios dada a especial natureza (não jurídica) das questões que lhes
não tenha ponderado suficientemente a (esperável) atitude de prudên­ estão subjacentes.
cia dos contribuintes, muitos dos quais não terão querido embarcar, de
imediato, numa experiência desconhecida. À medida que - como se
espera - a arbitragem tributária suija cada vez mais credibilizada na 50. Tramitação processual781
opinião pública, mais provável será aumentar o número dos que a ela
queiram recorrer. Pelo que entendemos ser de ponderar uma alteração Qualquer processo arbitrai é marcado por um menor rigor for­
legislativa no sentido de a opção pela arbitragem tributária ser possível mal comparativamente a um processo judicial. No dizer da lei, vale a
em qualquer momento, relativamente às questões que se encontrem autonomia do tribunal arbitrai na condução do processo e na determi­
pendentes nos tribunais judiciais, em V instância, há mais de dois anos nação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável,
(prazo que - recordamos - é o que a própria lei (art.° 96.°, n.° 2, do de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas (art.° 16.°,
CPPT) considera como sendo o prazo para que a sentença aconteça). al. c), da LAT). Mais que o cumprimento de ritos, exige-se o integral
Cabe, por último, fazer a observação seguinte: apesar da “revi­ cumprimento dos princípios processuais.
são” da matéria coletável fixada por avaliação indireta ser um campo
de excelência para o recurso à arbitragem como forma de resolução de
litígios - o que, ao que cremos, é pacificamente aceite - o certo é que 50.1. Requerimento inicial
a portaria de vinculação a excluiu do âmbito da sujeição da Autori­
dade Tributária (art.° 2.°, al. b), da Portaria n.° 112-A/2011). Como regra geral temos que o pedido de constituição do tribu­
Trata-se, aparentemente, de um paradoxo: a arbitragem tributá­ nal arbitrai deve ser formulado no mesmo prazo em que seria possível
ria foi, em geral, aceite, exceto naquele domínio em que porventura interpor uma ação judicial de impugnação do ato em causa.
mais se justificaria. O n ° 1 do art.° 10.° da LAT, que fixa as várias hipóteses de início
Tanto quanto julgamos saber, a razão desta exclusão foi a seguinte: de contagem do prazo para a impugnação arbitrai de liquidações782,
considerou-se que a especialidade da fixação da matéria coletável por remetendo para os n.° 1 e 2 do art.° 102.° do CPPT, fornece um elemento
avaliação indireta impunha a previsão de uma disciplina própria para interpretativo importante para esclarecer a questão da possibilidade de
a respetiva arbitragem, eventualmente com carácter obrigatório780. Só utilização sequencial de meios de garantia graciosos e da arbitragem.
que tal desígnio não foi ainda cumprido. Esta é uma tarefa legisla­ Assim, o contribuinte pode optar por reagir pela via administrativa,
tiva que, a nosso ver, se impõe que seja cumprida com a maior urgên­ p. ex. reclamando de determinada liquidação. Perante o indeferimento,
cia, pois não só redundaria no aliviar dos tribunais tributários de um tácito ou expresso, da reclamação, poderá - tal como poderia impugnar
número muito significativo de processos, como permitiria a realiza-
781 Em geral, Samuel Fernandes de Almeida, «Primeiras reflexões sobre a lei
de arbitragem em matéria tributária».
780 Ou seja, ter-se-á considerado ser mais conveniente rever o disposto nos art.° 782 O prazo para a impugnação de atos (destacáveis) anteriores à liquidação,
91.° ss. da LGT, de forma a transformar o procedimento aí previsto num verdadeiro ou seja, dos atos a que se refere a al. b) do n.° 1 do art.° 2.° da LAT, é de 30 dias
procedimento arbitrai. (art.° 10.°, n.° 1, al. b».
392 Manual de Procedimento e Processo Tributário Arbitragem Tributária 393

judicialmente (art.° 102.°, n.° 2, do CPPT) - suscitar intervenção do um desses processos ou procedimentos. Esta solução vai ao arrepio
tribunal arbitrai, tendo para tal um prazo de 90 dias783. do que foi a evolução, que temos por positiva, do processo tributário,
Note-se que, relativamente aos litígios em que seja parte a AT, foi quanto à possibilidade de pendência simultânea de um procedimento
mantida a exigência de reclamações necessárias dos atos de autoliqui- administrativo e de um processo judicial dirigidos à reapreciação “par­
dação, retenção na fonte e pagamento por conta (art.° 2.°, al. a) da por- celar” da legalidade de determinado ato787. A solução legal resultará
taria de vinculação). Só perante o indeferimento, expresso ou tácito, em evidente prejuízo do objetivo de realização célere da justiça, pois a
da reclamação será possível sujeitar a questão ao tribunal arbitrai, tal resolução final da questão passa a depender de duas sentenças, toma­
como sucede relativamente às impugnações judiciais784. das em processos distintos (arbitrai e judicial), com tempos de decisão
O pedido de constituição do tribunal arbitrai faz-se com a apre­ muito diferentes. Isto para além do risco de eventuais “sobreposições”
sentação de uma petição inicial, que, quanto ao seu conteúdo, obede­ de julgados788.
cerá às regras gerais e na qual serão indicados os meios de prova (n.° O que menos se compreenderá se tivermos em conta que na arbi­
2 do art.° 10.° da LAT). Apenas de notar que, pretendendo designar tragem tributária é possível, em termos amplos, a cumulação de pedi­
um árbitro, o requerente deverá formular tal intenção no seu requeri­ dos (art.° 3.°, n.° 1, da LAT).
mento inicial.
Os efeitos da interposição de uma ação arbitrai são, no geral, os
mesmos que os de uma ação judicial, nomeadamente a impossibilidade 50.2. Manutenção ou revogação do ato tributário
de suscitar, com os mesmos fundamentos, a reapreciação administra­
tiva ou judicial do ou dos atos que se pretende sujeitar à apreciação do Notificada do pedido de constituição do tribunal arbitrai, a
tribunal arbitrai, a possibilidade de suspensão da execução fiscal785, a administração pode, em 20 dias, proceder à revogação, ratificação,
interrupção ou suspensão dos prazos de caducidade do direito à liquida­ reforma ou conversão do(s) ato(s) tributário(s) objeto do pedido de
ção e de prescrição da obrigação tributária786(art.° 13.°, n.° 4, da LAT). pronúncia arbitrai, praticando, quando necessário, ato(s) tributário (s)
Existe um ponto em que não nos parece ter sido acolhida pelo substitutivo(s) (art.° 13.°, n.° 1, da LAT).
legislador a melhor solução. A lei (art.° 13.°, n.° 4, da LAT) permite que O sujeito passivo será notificado da decisão, pela própria admi­
um mesmo ato tributário seja, em paralelo, objeto de pedido de reapre­ nistração789. Se a decisão tiver sido no sentido da alteração ou substi­
ciação arbitrai e de pedido de reapreciação administrativa ou judicial, tuição, total ou parcial, do ato objeto do pedido pendente no tribunal
desde que não sejam os mesmos os fundamentos invocados em cada arbitrai, o sujeito passivo deverá, em 10 dias, pronunciar-se, podendo
requerer que o processo arbitrai prossiga tendo como objeto o novo
ato, o que se presume no caso do seu silêncio (n.° 2).
783 Ou seja, não tem aplicação o prazo especial de 15 dias, previsto no n.° 2
do art.° 102° do CPPT, para a impugnação judicial subsequente ao indeferimento
expresso de uma reclamação graciosa.
784 Sobre esta questão, no contexto de um pedido de revisão oficiosa da 787 Supra, 24.4 - Prevalência da impugnação judicial.
liquidação, o Ac. n.° 48/2012, proferido em processo de arbitragem tributária, de 788 Coincidindo nesta crítica, Casalta N a bais , «Reflexões...», p. 255.
que foi relator Jorge d e S ousa , disponível em www.caad.org.pt. 789 A notificação será feita pela própria administração, quando esta tenha
785 Devendo o pedido de prestação de garantia, ou da sua dispensa, ser praticado novo ato (substitutivo, modificativo ou - a nosso ver - revogatório), o que
formulado junto da administração fiscal. bem se compreende pois que ele só se torna eficaz com a notificação (feita pela sua
786 y er^xespetivamente, art.° 46.°, n.° 2, al. d) e art.° 49.°, n.° 1, da LGT. autora) do respetivo destinatário.
394 Manual de Procedimento e Processo Tributário Arbitragem Tributária 395

Após o que fica estabilizado o objeto da lide, pois a administra­ mento administrativo, tal como dispõe, para as impugnações judiciais,
ção fiscal não poderá mais praticar novo ato tributário, salvo com fun­ o art.° 110.°, n.° 4, do CPPT.
damento em factos novos (n.° 3).

50.5. Instrução
50.3. Constituição do tribunal arbitrai
Numa segunda sessão (a primeira será a da constituição do tri­
Quando competir ao Conselho Deontológico do CAAD, a desig­ bunal arbitrai), o tribunal, sendo o caso, convida as partes a corrigir
nação dos árbitros será feita, e notificada às partes, em cinco dias con­ os requerimentos apresentados, ouve-as sobre as exceções por elas
tados da receção do pedido de constituição do tribunal arbitrai (art.° invocadas (decidindo daquelas cujo conhecimento não deva ser rele­
11°, n.° 1, al. b) da LAT); se o requerente pretender exercer o seu direito gado para a decisão final), define os termos subsequentes do processo
de designar um árbitro, a administração tributária terá 10 dias para o procedendo, nomeadamente, à calendarização da audição de testemu­
fazer, querendo, também contados da data em que lhe foi remetida a nhas791 e da produção de outros meios de prova, das alegações orais e
petição inicial (n.° 2 da mesma norma). O requerente é, de seguida, indicação da data previsível para a emissão da decisão arbitrai.
notificado para designar outro árbitro (n.° 5). Os árbitros designados O prazo normal para a emissão da decisão arbitrai é de seis meses
pelas partes terão, então, o mesmo prazo para designarem o árbitro (art° 21.°, n.° 1, da LAT). Podem ter lugar, quando justificado, prorroga­
presidente (n.° 6)790. ções, por sucessivos períodos de dois meses, até ao limite de seis meses
Designados os árbitros, terá lugar, em 15 dias, contados do termo (n.° 2). Assim, a indicação da data para a prolação da decisão arbitrai,
do prazo que a administração dispõe para decidir se mantém ou não o a ser feita na reunião a que se refere o art.° 18.° da LAT é, necessaria­
ato impugnado, uma primeira reunião, na qual o tribunal arbitrai será mente, uma data provisória, pois que passível de posterior alteração.
declarado constituído (art.° 11, n.°l, al. c) da LAT). Sem prejuízo da autonomia do tribunal na condução do processo,
a falta de comparência das partes e/ou das testemunhas, bem como a
não produção de qualquer um dos meios de prova requeridos792, não
50.4. Contestação obstam ao prosseguimento do processo (art.° 19.° da LAT)793.

A lei (art.° 17.° da LAT) prevê que a resposta da entidade reque­


rida seja apresentada no prazo de 15 dias contados da data em que for
791 Testemunhas que serão, necessariamente, a apresentar, pois um tribunal
para tal notificada pelo tribunal arbitrai. arbitrai não terá poderes para as obrigar a comparecer.
À contestação, na qual serão indicados os meios de prova que a 792 P. ex., a não realização tempestiva de diligências periciais.
administração pretende produzir, deverá ser junta cópia do procedi- 793 Sendo coletivo, o tribunal arbitrai só pode reunir com a presença de todos
os árbitros. A impossibilidade de um árbitro continuar a exercer funções (ou a sua
exoneração, p. ex., no caso de (só) na pendência do processo se ter constatado a
790 No caso de não nomeação, no prazo legal, de árbitro pela administração existência de um impedimento) determinará a sua substituição. Em princípio, não
fiscal e - cremos - também na falta de acordo quanto à escolha do árbitro-presidente haverá lugar à repetição de atos processuais, salvo se o tribunal arbitrai assim o
(que entendemos dever ser de presumir na falta de indicação, no prazo legal, do entender (relativamente a todos ou alguns atos) ou se alguma das partes o exigir
escolhido), a designação passa a caber ao Conselho Deontológico do CAAD. (n.° 2 e 3 do art.° 9.° da LAT).
396 Manual de Procedimento e Processo Tributário Arbitragem Tributária 397

No final da fase instrutória poderá haver lugar a alegações orais tempo de lançar mão dos meios de recurso que a lei lhe faculta, admi­
(n° 2 do art.° 18.° da LAT). nistrativos, judiciais ou até arbitrais, contando-se os prazos legais para
tal a partir da notificação da decisão arbitrai (art.° 24.°, n.° 3, da LAT).

50.6. Decisão arbitrai


50.7. Recurso e impugnação da decisão arbitrai
A decisão arbitrai obedecerá, quanto ao seu conteúdo e forma,
àquilo que a lei prescreve como sendo os requisitos de uma sentença Para além dos casos em que há recurso para o Tribunal Consti­
judicial (art.° 22.° da LAT). Uma vez que o tribunal será, a maioria tucional, só é possível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça,
das vezes, coletivo, é possível a existência de votos de vencido, o que, com base em oposição entre a decisão arbitrai e acórdão proferido pelo
por certo, será frequente nos casos em que o requerente haja optado STA ou peio TCA (recurso para uniformização de jurisprudência)796.
por designar um árbitro. Há alguns pormenores a salientar: a petição de recurso é apresen­
Os efeitos da decisão arbitrai transitada em julgado equivalem tada no próprio STA, devendo ser acompanhada de cópia do processo
aos de uma sentença judicial, nomeadamente, impedindo a posterior arbitrai (art.° 25.°, n.° 4, da LAT); a tramitação deste recurso obedece
reapreciação, administrativa, judicial ou arbitrai, dos atos que cons­ ao previsto no art.° 152.° do CPTA (e não ao disposto no art.° 284.°
tituíram objeto da decisão arbitrai, nos mesmos termos em que tal do CPPT); a interposição do recurso suspende os efeitos da decisão
arbitrai797.
acontece relativamente às sentenças judiciais794.
A administração fiscal fica obrigada a dar execução espontânea
ao decidido pelo tribunal arbitrai, praticando todos os atos necessá­
rios à concretização da pronúncia (art.° 24.° da LAT). Não o fazendo, que ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da causa serão aqueles em
que o tribunal se declare incompetente em razão da matéria, por o objeto do pedi­
deverá o interessado interpor, no tribunal judicial de 1 instância ter­
do não estar compreendido no âmbito do n.° 1 do art.° 2 da LAT, ou que declare a
ritorialmente competente, a correspondente ação de execução de jul­ ilegitimidade da administração requerida por esta não estar vinculada à jurisdição
gado, valendo como título executivo uma certidão da decisão arbitrai. do CAAD. Tal como acontece em geral na presença de uma exceção dilatória, a
À administração fiscal está ainda, logicamente, vedada a prática consequência será a “remessa” do processo para outro tribunal (no caso, a possi­
de novos atos tributários que contrariem a pronúncia do tribunal arbi­ bilidade de interposição da ação num tribunal judicial ou de eventual recurso aos
meios administrativos graciosos). Entendemos que a possibilidade de recurso a
trai (n.° 4 do art.D24.° da LAT).
outros meios para reapreciação do ato fica, ainda, aberta ao interessado quando o
Porém, se a decisão arbitrai não conhecer do mérito da causa, por tribunal não decida no prazo que a lei prevê (muito embora rigorosamente, o que
facto não imputável ao sujeito passivo795, o requerente estará ainda em aqui esteja em causa seja a falta de decisão).
Uma situação em que não haverá decisão por facto imputável ao sujeito passivo
794 Consideramos possível que uma decisão arbitrai possa ser revista nas será a de este, tendo declarado pretender exercer tal opção, não indicar o árbitro
mesmas condições em que uma sentençajudicial, pois outro entendimento resultaria cuja nomeação lhe competia (mas, neste caso, o tribunal nem sequer se chegará a
constituir).
numa incompreensível diminuição das garantias daqueles que recorrem ao tribunal
796 Supra, 46.4, Recurso por oposição de acórdãos.
arbitrai.
795 Admitimos que se venha a revelar problemático o preenchimento deste 797 O art.° 26.°, n.° 2, da LAT resolve, nos termos por nós propugnados (supra,
conceito de “por facto não imputável ao sujeito passivo”. Numa primeira aborda­ 46.2.2), a questão da caducidade da garantia prestada para lograr a suspensão da
gem, necessariamente dubitativa, temos que os casos mais frequentes de decisão execução, quando o recurso seja interposto pela administração tributária.
398 Manual de Procedimento e Processo Tributário Arbitragem Tributária 399

É, também, possível a impugnação da sentença arbitrai, em ação pretação generosa do que possa ser, em concreto, “violação dos prin­
a ser interposta no Tribunal Central Administrativo territorialmente cípios do contraditório e da igualdade das partes”, temos que podem
competente, nos termos do art.° 27.° da LAT Tal recurso deverá ser ocorrer nulidades processuais “absolutas” que é duvidoso caberem
apresentado no prazo de 15 dias, contados da notificação da decisão na enumeração legal: sirva o exemplo de o tribunal ter decidido com
arbitrai ou da notificação da dissolução do tribunal arbitrai (cf. art.° recurso à equidade (o que é absolutamente vedado pelo n.° 2 do art.°
23.° da LAT), aqui nos casos em que o requerente tenha optado pela 2.° da LAT) ou a causa ter sido decidida por um só árbitro, impondo
designação de um árbitro. a lei a intervenção de um tribunal arbitrai coletivo.
Os fundamentos desta impugnação são porém limitados: não Não está, pois, em causa, na impugnação da decisão arbitrai, um
especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a verdadeiro recurso, a possibilidade de reapreciação pelo TCA do mérito
decisão; oposição dos fundamentos com a decisão; pronúncia indevida da decisão do tribunal arbitrai, quer quanto à apreciação que fez dos
ou omissão de pronúncia; violação dos princípios do contraditório e factos, quer quanto à solução de direito afirmada. Trata-se, fundamen­
da igualdade (art.° 28.° da LAT). talmente, de apreciar da validade intrínseca da decisão arbitrai e da
Analisando estes fundamentos, temos que eles coincidem com legalidade essencial do processo que a ela conduziu.
as causas de nulidade da sentença previstas no art.° 124.° do CPPT798, A pronúncia do TCA será, assim, apenas no sentido da confirma­
acrescendo vícios que constituem verdadeiras nulidades processuais ção ou da anulação da decisão arbitrai.
insanáveis799. Porém, entendendo-se, como parece que deve ser feito, A lei não especifica quais as consequências da anulação da deci­
que o elenco dos fundamentos de impugnação da sentença arbitrai são arbitrai. Pensamos que, anulada a sentença arbitrai, tudo se passará
constante do art.° 28.° da LAT é taxativo, e mesmo fazendo uma inter­ como se ela nunca tivesse sido proferida (ou seja, o tribunal arbitrai não
conheceu - validamente - do mérito da causa por facto não imputável
Criticando esta solução legislativa, Jesuíno M a r t in s , «Consequência da ao sujeito passivo), pelo que, por aplicação do disposto no n.° 3 do art°
decisão arbitrai», p. 51 e Cristina FLORA, «O controlo jurisdicional da decisão 24.° da LAT, o requerente poderá optar por recorrer às vias adminis­
arbitrai- uma perspetiva global», p. 4 . trativa ou judicial para fazer reapreciar a pretensão que havia formu­
Pensamos que estes autores não tiveram presente que esta norma existe lado ao tribunal arbitrai, ou, querendo, pedir nova pronúncia arbitrai.
para que ocorra, no âmbito dos recursos das decisões arbitrais, uma situação de
igualdade relativamente ao que sucede [deve acontecer] no âmbito dos recursos em
processo judicial. Isto porque aqueles têm efeito suspensivo e estes efeito meramente
devolutivo.
A segunda parte de tal norma, relativa a recursos interpostos pelo sujeito
passivo, tomou-se uma “excrescência legislativa” em virtude da revogação do art.0
14.° da LAT.
798 Sobre as causas de nulidade da sentença, Jorge de SOUSA, Código...,
II, p. 353 ss.
A lei não refere a falta de assinatura dos juizes. Muito embora seja causa de
nulidade de sentença, este vício será, por regra, sanável pelo próprio tribunal arbitrai.
799 A regra é a de as nulidades do processo que a lei qualifica como insanáveis
(cf. art.° 98.° do CPPT) poderem ser arguidas ou conhecidas oficiosamente até ao
trânsito em julgado, ou seja, mesmo em sede de recurso, ainda que não tenham
sido suscitadas anteriormente.
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ÍNDICE ANALÍTICO

A arbitragem tributária (sujeição) - 48.1.4


ação administrativa e recurso hierár­ árbitros -4 8 .1 .3
quico - 25 arresto -4 1 .2
ação administrativa especial - 39 arrolamento - 41.2
ação administrativa especial (recurso) assistente (processo de impugnação)
-4 6 - 38.3.5
ação de intimação para um comporta­ atipicidade das pretensões - 34.2
mento “ 44 audição prévia - 2.7.1
acesso aos arquivos e registos adminis­ audiência de discussão e julgamento
trativos-4 3 .1 - 34.5
acórdão fundamento - 46.4.1 autarquias locais (arbitragem) - 48.1.4
acordos prévios -1 2 autoliquidação (erro) -1 .1
acrescido -1 6 autonomia (tribunal arbitrai) - 50
acréscimos injustificados - 21.3 avaliação de imóveis - 20
atos “não reclamáveis” - 22.2 avaliação indireta (arbitragem) - 49
atos em matéria tributária - 1 avaliação indireta (ónus da prova) -
atos imediatamente lesivos - 19 6.2.4
atos interlocutórios (reclamação) - 22.3 avaliação indireta (revisão da matéria
atos tributários - 1 coletável) - 21.6; 31
administração tributária - 3.1; 4.1 avaliação prévia - 11
Administração Tributária e Aduaneira
-2.5.1.1 B
advogado - 36.1 base instrutória (processo de impugna­
agente de execução - 2.8 ção) - 38.3.3
alçada - 35.2.2.1 benefícios fiscais (perda do direito)
anulação parcial da liquidação - 33 -1 3 .4
apensação- 24.8; 38.2 benefícios fiscais (reconhecimento)
apresentação (reclamação graciosa) - -1 3 .2
24.5.1 benefícios fiscais (revogação e caduci­
aquisição processual - 34.4.2 dade)-1 3 .3
arbitragem e reapreciação administra­ boa fé - 34.3.2
tiva ou judicial - 50.1 boca do cofre - 26
416 Manual de Procedimento e Processo Tributário índice Analítico 417

c contestação (processo de impugnação) E fu n d a m e n to s (r e c la m a ç ã o g r a c io s a )


caducidade (interrupção pela notifica­ - 38.3.2 economia e celeridade - 34.3.2 - 2 4 .5 .2
ção)-^ contraditório —34.3.2 efeito devolutivo (recurso hierárquico)
caducidade do direito àliquidação (ins­ contraditório informal (procedimento de -2 5 G
peção) - 29.2 inspeção) - 29.3 efeito devplutivo (recursos judiciais) g e rê n c ia (p resu n ção d e) - 6.2 .1
caixa postal eletrónica - 9.4 contratos fiscais -1 3 .1 -4 6 .2 .2 g esto re s d e n e g ó c io s — 3 .2
carácter facultativo (reclamação gra­ contribuições financeiras - 3.1 efeito suspensivo (reclamação judicial)
ciosa) - 24.2 cooperação —34.3.2 -4 5 .2 I
celeridade (princípio da) - 2.4 cooperação com os Tribunais - 2.8 efeito (reclamação) -24.7 id en tid ad e d o s tributos - 2 4 .8 ; 3 8 .2
citação do revertido (prazoparaimpug­ correção de erros da administração tri­ efeitos da interposição de uma ação ig u a ld a d e d a s partes - 3 4 .3 .2
nação) - 38.3.1.1 butária (procedimento) - 23 arbitrai - 50.1 ile g a lid a d e abstrata da liq u id ação - 4 5 . 1
cláusula geral antiabuso - 30 correções técnicas -1 9 eficácia vinculativa (relatório de inspe­ ilis ã o d e p r e su n çõ e s le g a is - 14
cobrança - 26.1 créditos de terceiros - 16 ção) ~ 29.5 ilis ã o parcial da p resu n ção (m a n ife sta ­
colaboração (princípio da) - 2.5 créditos não tributários- 16 eixo imputável aos serviços - 28.1 ç ã o d e fortu na) - 2 1 .4
colaboração (recusa legítima) - 2.5.2.1 crimes tributários - 35.2 erro imputável aos serviços (direito a im e d ia ç ã o - 3 4 .5
colaboração dos sujeitos passivos cumulação de impugnações - 38.2 juros indemnizatórios) - 47.1 im p arcialid ad e (p rin cíp io d a) - 2 .2
-2.5.2 cumulação de pedidos (CPTA) - 34,3 erro na quantificação da matéria cole­ im p o s s ib ilid a d e d e d e te r m in a ç ã o d a
coligação de reclamantes - 24.8 cumulação de pedidos (arbitragem) tável - 28.4 m atéria c o le tá v e l - 2 1 .5
compensação - 16 -5 0 .1 esclarecimento e informação (dever de) im p u g n a çã o (d e c is ã o arbitrai) - 5 0 .7
compensaçãoporiniciativa da adminis­ custas (inexistência de) - 24.7 -2 .5 .1 .; 2.5.L3 im p u g n a çã o (m ed id a s cau telares) -41.1
tração- 27 especialização dos juizes - 35.1 im p u g n a çã o unitária - 19
compensações urbanísticas - 3.1 D excesso de pronúncia - 34.2 im p u lso p ro ced im en ta l - 5.1
competência em razão da hierarquia dação em cumprimento - 15 execução coerciva de sentenças judiciais in c id e n te s (p r o c e s s o d e im p u g n a ç ã o )
- 35.2.2 decisão arbitrai (efeitos) - 50.6 -4 3 .4 .2 - 3 8 .3 .5
competência em razão da matéria decisões interlocutórias (recurso) execução de atos administrativos conso­ in d efe rim en to e x p r e sso - 3 8 .3 .1 .1
-35.2.1. -46.2.1 lidados - 43.4.3 in d efe rim en to tá cito - 7 .2 ; 33
competência territorial - 4.1; 35.2.3 declaração (convolação em reclamação) execução de julgados -43.4 in fo rm a çã o p ro ced im en ta l -2 .5 .1 ; 4 3 .1
conceçãoobjetivista(contencioso admi­ -2 4 .6 execução de sentenças (tramitação) in fo r m a çã o v in c u la tiv a - 1 0
nistrativo) - 33 definitividade vertical -22.1 -43.4.2.2 in fo rm a çã o vin cu la tiv a urgen te - 10.2
confidencialidade (princípio da) - 2.8 delegação de poderes - 4.1 execução espontânea - 43.4.1 in fo r m a çõ e s ban cárias - 3 2
Conselho Deontológico do CAAD dever de decidir (incumprimento) - 7.2 in fo r m a ç õ e s o fic ia is - 6 .2 .2 ; 3 4 .4 .2
-48.1.3 deveres declarativos - 26 F in icia tiv a p r o c essu a l - 3 4 . 1
Conselho SuperiordosTribunaisAdmi­ direito à revisão oficiosa - 28.5 factos instrumentais e factos comple­ in ju stiça grave o u n otória - 2 8 .4
nistrativos e Fiscais - 35 disclosure rules —18 mentares - 34.4.1 in q u isitó rio - 3 4 .4 .1
constituição do tribunal arbitrai - 50.3 dispensa de formalidades essenciais faculdades discricionárias - 29 in sp e ç ã o —2 9
contabilidade (valorprobatório) - 6.2.4 -2 4 .7 favorecimento do processo - 34.3.1 in sp e ç ã o p o r in ic ia tiv a d o su je ito p a s­
contagem dos juros indemnizatórios documentos autênticos - 34.4.2 função tributária —35.2 siv o - 11
-47.4 dualidade de jurisdições —35.1 fundamentação - 7.1 in sp e c io n a d o s (garantias d o s) - 2 9.3
contas bancárias - 32.1 due process oflaw —1 fundamentação (extensão) - 7.1.1 in stru ção (arbitragem ) - 5 0 .5
contencioso de mera anulação - 33 dúvida sobre os factos - 34.4.3 fundamentação (falta de notificação) in str u ç ã o ( p r o c e s s o d e im p u g n a ç ã o )
contestação (arbitragem) - 50.4 -7 .1 .2 - 3 8 .3 .3
418 Manual de Procedimento e Processo Tributário Índice Analítico 419

instrução procedimental - 5.2; 6.1 meios de prova - 6.2; 34.4.2 pedido de constituição do tribunal arbi­ pro actione - 34.3.1
interposição de recurso (CPPT) - 46.2 meios de prova (limitações) - 6.2.3 trai-5 0 .1 procedimento de inspeção - 29
interposição de recurso (CPTA) - 46.3 meios de prova (processo de impugna­ pedidos acessórios (im pugnação) procedimento impugnatório de reclama­
intervenientes acidentais (legitimidade) ção) - 38.3.1.2 -38.3.1.2 ção - 22.4
-4 .2 meios processuais acessórios - 43 per saltum (recurso) - 46.1 procedimentos autónomos de avalia­
intimação para a consulta de documen­ Ministério Público ~ 37 perito independente - 21.6.3 ção -1 9
tos e passagem de certidões - 43.1 Ministério Público das Contribuições e petição inicial (apresentação e conte­ processo administrativo - 1
intimação para um comportamento Impostos - 37 údo)-38.3.1.2 processo administrativo (junção ao pro­
-43.4.3; 44 petição inicial de impugnação (prazo) cesso de impugnação) - 38.3.2
inversão da posição processual - 34.4.3 N -38.3.1.1 processo de derrogação do dever de
inversão do ónus de prova - 34.4.3 normas específicas antiabuso - 30 petições iniciais ( local de apresentação) sigilo bancário - 43.3
normas regulamentares (contencioso -35.2.3.1 processo de execução de sentenças de
J das) - 40 planeamento fiscal abusivo - 18 anulação de atos administrativos
juiz auxiliar - 35 notificações (conteúdo) - 9.2 plena jurisdição - 33 - 43.4.2
juros indemnizatórios - 47 notificações (formalismo) - 9.3 Pleno da Secção de Contencioso Tribu­ processo de impugnação (âmbito) - 38
juros moratórios e juros indemnizató- notificações (presunções de recebi­ tário do STA - 46.4.1 processo de partes - 34.3.2
rios - 47.5 mento) - 9.3.2 portaria de vinculação - 48.1.4 processos urgentes (interposição de
justiça delegada - 35 notificações eletrónicas - 9.4 prazo (execução espontânea) - 43.4.1.1 recurso) - 46.2
notificações insuficientes - 43.1 prazo ( decisão arbitrai) - 50.6 produção antecipada de prova - 43.2
L prazo (ação administrativa especial) promotores (planeamento fiscal) - 18
legalidade (princípio da) - 2.1 O -3 9 proporcionalidade (princípio da) - 2.3
legitimidade - 4; 36 objeto do processo - 34.2 prazo (execução de sentenças) - 43.4.2.1 proteção da confiança - 2.5.1.2; 2.6
limitação dos meios de prova - 24.7 ónus da prova - 6.2.4; 34.4.3 prazos (recursos) - 46.3 providências cautelares administrativas
liquidação adicional - 28 operações financeiras - 32.1 prazos ordenadores - 2.4 (prazo para impugnação) - 38.3.1.1
liquidação do IRS (prazo de impugna­ oposição à execução - 45.1 prazos procedimentais - 8 providências cautelares no interesse do
ção) - 38.3.1.1 oposição de acórdãos (recurso por) precedência e prevalência da lei -2 ,1 contribuinte - 41.3
liquidações adicionais - 26 -4 6 .4 preços de transferência -12
listas de devedores - 2.8 oralidade - 34.5 prejuízo irreparável - 45.2 Q
livre apreciação das provas - 34.4.2 Ordens Profissionais (contribuições) prestação de garantia - 38.3*1.2 questões prejudiciais - 35.2
-3 .1 prestação de garantia (recursos jurisdi­
M orientações genéricas - 2.5.1.1 cionais) - 46.2.2 R
Madeira (arbitragem) - 48.1.4 presunções-6 .2 .1 reclamação (direito à) - 22
mandatários - 3.2; 9.3.1 P presunções legais - 34.4.2 reclamação graciosa (tramitação) - 24.5
manifestações de fortuna - 21.2 pagamento voluntário e execução fis­ prevalência da impugnaçãojudicial - 24.4 reclamação graciosa (prazo geral)
manutenção ou revogação do ato tribu­ cal-4 5 .1 princípio da decisão - 7 -2 4.5 .3
tário (arbitragem) - 50.2 pagamento em prestações - 26.2 princípio da investigação - 34.4.1 reclamação graciosa (prazos especiais)
medidas cautelares da competência da pagamento voluntário (notificação irre­ princípio do dispositivo -3 4 .1 -24.5.3.1
administração fiscal -4 1 .1 gular) - 9.2.2 princípio do duplo grau de decisão reclamação graciosa (regras fundamen­
medidas de equidade - 2.1 pagamentos parciais - 26.2 - 22.1 tais) - 24.7
meios de defesa (erro na indicação) participação (princípio da) - 2.7 princípio do inquisitório - 6; 34.4.1 reclamação graciosa e revisão dos atos
-9 .2 .3 patrocínio judiciário - 36.1 privatização (do procedimento) - 1.1 tributários-24.1

SUBSECÇÃO I - PROCEDIMENTOS DE NATUREZA LITIGIOSA............................. 135 29.1. Tramitação....................................................................................... 218


1 9 .0 princípio da impugnação unitária......................................................... 135 29.2. Prazos............................................................................................. 221
20. Segunda avaliação de im óveis................................................................. 138 29.3. Garantias dos inspecionados.......................................................... 223
20.1. Valor patrimonial distorcido.......................................................... 140 29.4. Regularização voluntária da situação tributária............................ 226
420 Manual de Procedimento e Processo Tributário

reclamação para o juiz - 45.2 S


reclamações administrativas - 24.3 sentença (processo de impugnação)
reclamações necessárias - 24.2.1 -38.3.4
reclamações necessárias (arbitragem) separação de poderes - 35
-50.1 sigilo bancário - 32
reclamações necessárias (prazo para sigilo tributário - 2.8
impugnação) - 38.3.1.1 silêncio da administração - 7 ÍNDICE
reconhecimento de um direito ou inte­ simplicidade de termos - 24.7
resse legítimo - 43 sub-rogação -17
reconhecimento do direito a juros substituto tributário (legitimidade) - 4.2 PARTE I
indemnizatórios - 47.3 Supremo Tribunal Administrativo - 35.1 OPROCEDIMENTOTRIBUTÁRIO
recurso (decisão arbitrai) - 50.7 suspensão da eficácia do ato adminis­
recurso hierárquico - 25 trativo —41.3 CAPÍTULO I - O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO........................ ............... 9
recurso para uniformização de jurispru­ 1. Oprocedimento tributário................................... ..................... 9
dência (decisão arbitrai) - 50.7 T 1.1. A “privatização” do procedimento ....................................... 11
recursos (CPPT) - 46.2 taxas das autarquias locais (prazo para 2. Princípios do procedimento tributário.......................... ............... 12
recursos (CPTA) - 46.3 impugnação) - 38.3.1.1 2.1. Princípio da legalidade...................................................... 12
recursos jurisdicionais - 46 testemunhas (audição) —34.5 2.2. Princípio da imparcialidade................................................ 16
regime simplificado - 21.1 testemunhas (processo de impugnação) 2.3. Princípio da proporcionalidade............................................ 17
regularização voluntária - 29.4 -38.3.3 2.4. Princípio da celeridade...................................................... 19
relatório de inspeção - 29.5 tipicidade das formas processuais - 34.3 2.5. Princípio da colaboração.................................................... 21
remessa ao tribunal competente - 35.2.1.1; Tribunais Centrais Administrativos -35.1 2.5.1. Odever de esclarecimento e informação por paríe
35.2.2.2; 35.2.3 tribunais tributários - 35 da administração fiscal...................... ...................... 21
rendimento-padrão - 21.2 Tribunal Administrativo e Fiscal - 35.1 2.5.2. Odever de colaboração dos sujeitos passivos................. 27
repercutido (legitimidade) - 4.2 tribunal arbitrai - 48.1.5 2.6. Princípio da boa fé (proteção da confiança)............................. 31
Representante Fazenda Pública - 37 Tribunal Constitucional - 35.1 2.7. Princípio daparticipação...................................... .............. 33
responsável subsidiário (procedimento Tribunal de Contas - 35.1 2.7.1. Audição prévia.................................................... . 33
de revisão)-21.6.2 2.8. Princípio da confidencialidade............................. .............. 47
reversão e oposição à execução - 45.1 V
revisão de sentença - 46.5 valor patrimonial distorcido - 20.1 CAPÍTULO H- OS SUJEITOS................................................................... ....... 53
revisão excecional - 28.4 vício de forma (juros indemnizatórios) 3. Os sujeitos........................................................................... 53
revisão oficiosa - 28 -4 7 .2 3.1. As administrações tributárias ............................................. 53
revisão oficiosa e sentença judicial 3.2. Os sujeitos passivos............................!............................. 55
-2 8 .3 4. Legitimidade........................................................................ 56
revogação do ato impugnado —38.3.2 4.1. Legitimidade da administração tributária................. .............. 56
4.2. Legitimidade dos sujeitos passivos e de outros interessados....... 58
CAPÍTULO IH ~ ESTRUTURA DO PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO.............. 61
5. A dinâmica procedimental....................................................... 61
5.1. Oimpulso procedimental.................................... ............. 61
5.2. A instrução............ ........................................................ 62
422 Manual de Procedimento e Processo Tributário índice 423

6. O princípio do inquisitório........................................................................... 63 21. Procedimento de revisão da matéria coletável fixada por avaliação indireta... 142
6.1. A suficiência da instrução................................................................... 66 21.1. Regime simplificado....................................................................... 142
6.2. Os meios de prova................................................................................ 68 21.2. Manifestações de fortuna............................................................... 143
7. A decisão ..................................................................................................... 77 21.3. Acréscimos injustificados de património ou dedespesa............... 145
7.1. A fundamentação da decisão.............................................................. 78 21.4. Ilisão parcial da presunção............- ............................................. 147
7.2. O incumprimento do dever de decidir................................................ 86 21.5. Impossibilidade de determinação direta e exata damatéria coletável.. 149
21.6. O procedimento de revisão........................................................... 150
CAPÍTULO IV- OS ATOS PROCEDIMENTAIS.................................................. 87 22. Procedimento de reclamação..................................................................... 158
8. Prazos ..................................................................................................... 87 22.1. O princípio do duplo grau de decisão............................................ 159
9. Notificações.................................................................................................... 89 22.2. Atos “não reclamáveis”................................................................... 159
9.1. A notificação como causa impeditiva da caducidade do direito 22.3. Reclamação dos atos interlocutórios.............................................. 160
à liquidação........................................................................................... 89 22.4. A reclamação como procedimento impugnatório ........................ 160
9.2. Conteúdo das notificações.............. ..................................................... 91 23. Procedimento de correção de erros da administração tributária.............. 162
9.3. Formalismo das notificações por via p o stal...................................... 96 24. Procedimento de reclamação graciosa..................................................... 165
9.3.1. Notificações a mandatários............. ....................................... 97 24.1. Reclamação graciosa e revisão dos atos tributários por iniciativa
9.3.2. Presunções de recebimento das notificações (por via postal)... 98 do sujeito passivo............................................................................ 165
9.4. Notificações eletrónicas..................................... -................................. 100 24.2. Carácter facultativo da reclamação graciosa................................. 167
24.3. Ambito da reclamação graciosa; as reclamações administrativas... 169
CAPÍTULO V - DOS PROCEDIMENTOS EM ESPECIA L ......................................... 103 24.4. Prevalência da impugnação judicial............................................... 172
S E C Ç Ã Ô T ^ M Õ C Ê K ã^ fÕ S DA INICIATIVA DOS SUJEITOS PASSIVOS ... ........ 103^ 24.5. Apresentação, fundamentos e prazos de interposição................... 174
10. Procedimento de informação vinculativa................................................... 103 24.6. Convolação de (nova) declaração em reclamação graciosa......... 181
10.1. Informações vinculativas “normais” ................................................ 104 24.7. Regras fundamentais....................................................................... 182
10.2. Informações vinculativas urgentes................................................... 106 24.8. Cumulação, coligação e apensação................................................ 187
10.3. A vinculação da administração fiscal............................................... 108 24.9. Tramitação...................................................................................... 190
11. Procedimento de inspeção por iniciativa do sujeito passivo e procedimento 25. Recurso hierárquico................................................................................... 190
de avaliação prévia........................................................................................ 110 SECÇÃOn - PROCEDIMENTOS DA INICIATIVADA ADMINISTRAÇÃOFISCAL..... 195
12. Acordos prévios (preços de transferência)................................................. 114 26. Procedimentos de liquidação e cobrança................................................. 195
13. Procedimento para o reconhecimento de benefícios fiscais..................... 118 26.1. Cobrança......... .............................................................................. 197
13.1. Contratos fiscais................................................................................. 119 26.2. Pagamento em prestações e pagamentos parciais............. ........... 198
13.2. Reconhecimento de benefícios fiscais.............................................. 120 27. Compensação por iniciativa da administração......................................... 202
13.3. Revogação e caducidade dos benefícios fiscais............................. 123 28. A revisão dos atos tributários por iniciativa da administração fiscal .... 203
13.4. Perda do direito a benefícios fiscais................................................. 124 28.1. Erro imputável aos serviços........................................................... 204
14. Procedimento para a ilisão de presunções legais....................................... 125 28.2. Prazo ............................................................................................. 206
15. Procedimento de dação em cum prim ento.................................................. 126 28.3. Revisão oficiosa e sentença judicial............................................... 207
16. Procedimento de compensação .................................................................. 127 28.4- O procedimento de revisão excecionai......................................... 207
17. Procedimento de subrogação........................................................ ............... 131 28.5. O direito à revisãa oficiosa............................................................. 212
18. Planeamento fiscal abusivo.......................................................................... 132 29.0 procedimento de inspeção.............. ............................................... 214
SUBSECÇÃO I - PROCEDIMENTOS DE NATUREZA LITIGIOSA............................... 135 29.1. Tramitação........ .............................................................................. 218
19.0 princípio da impugnação unitária..................................................... 135 29.2. Prazos............................................................................................. 221
20. Segunda avaliação de im ó v eis..................................................................... 138 29.3. Garantias dos inspecionados.......................................................... 223
20.1. Valor patrimonial distorcido.............................................................. 140 29.4. Regularização voluntária da situação tributária............................ 226
424 Manual de Procedimento e Processo Tributário índice 425

29.5. Atribuição de eficácia vinculativa ao Relatório de Inspeção...... 227 41. Procedimentos e processos cautelares.......................... ........................... 310
30. Procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso................... 227 41.1. Medidas cautelares da competência da administração fiscal....... 310
31. Procedimentos de avaliação indireta (remissão)............................. 229 41.2. Arresto e arrolamento..................................................................... 311
32. Procedimento de acesso a informações e documentos bancários........ 229 41.3. Providências cautelares no interesse do contribuinte.................. 316
42. Ações para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo
em matéria tributária................................................................................. 320
PARTEn 43. Meios processuais acessórios.................................................................... 323
PROCESSOTRIBUTÁRIO 43.1. Intimação para a consulta de documentos e passagem de certidões.... 323
43.2. Produção antecipada de prova........................................................ 325
CAPÍTULOVI-PRINCÍPIOS........................................................... 241 43.3. Processo de derrogação do dever de sigilo bancário (remissão)... 326
33.0 processojudicial tributário..................................................... 241 43.4. Execução de julgados..................................................................... 327
34. Princípios do processo Judicial tributário..................................... 245 43.4.1. Execução espontânea....................................................... 327
34.1. Promoção processual....................................................... 245 43.4.2. Execução coerciva de sentenças judiciais........................ 331
34.2. Âmbito do processo........................................................ 246 43.4.3. Execução de atos administrativos consolidados.............. 337
34.3. Prossecução processual.................................................... 250 44. Intimação para um comportamento.......................................................... 339
34.4. Princípios relativos àprova............................................... 254 45. “Recursos” judiciais no processo de execução fiscal.............................. 340
34.4.1. Princípio da investigação....................................... 254 45.1. Oposição à execução...................................................................... 341
34.4.2. Meios de prova.................................................. . 257 45.2. Reclamação para o juiz.................................................................. 346
34.4.3. O ónus da prova objetivo.................................................... 258 46. Recursos jurisdicionais.............................................................................. 350
34.5. Princípios relativos à forma processual: imediação e oralidade ... 260 46.1. Grau único de recurso .................................................................... 351
46.2. Recursos regulados pelo CPPT...................................................... 354
CAPÍTULO V H - A JURISDIÇÃO TRIBUTÁRIA................................................ 263 46.3. Recursos regulados pelo CPTA...................................................... 359
35. Os tribunais tributários............................................................. 263 46.4. Recurso por oposição de acórdãos................................................. 360
35.1. A dualidade dejurisdições................................................ 265 46.5. Recurso de revisão de sentença...................................................... 363
35.2. Competência................................................................. 268
35.2.1. Competência emrazão emrazão da matéria............... 268 CAPÍTULO X - JUROS INDEMNIZATÓRIOS.................................................. 365
35.2.2. Competência emrazão dahierarquia........................ 272 477^2reitoirjTItõs indemnizatórios........................................................ ..... 365
35.2.3. Competência emrazão do território......................... 274 47.1. Erro imputável aos serviços........................................................... 366
47.2. Anulação do ato tributário por vício de forma.............................. 371
CAPÍTULOVm- ASPARTES.......................................................... 279 47.3. O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.................. 372
36.0 particular ....... ................................................................ 279 47.4. Contagem dos juros indemnizatórios............................................. 374
36.1. Patrocínio Judiciário.............................................-.......... 280 47.5. Juros indemnizatórios e juros moratórios..................................... 375
37.0 Representante daFazenda Pública e o Ministério Público.............. 281
CAPÍTULO XI - ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA ............................................... 377
CAPÍTULOIX- AS FORMASPROCESSUAIS...................................... 287 48. A consagração legal da arbitragem tributária........................................... 377
38. Processo de impugnação.......................................... -.............. 287 48.1. O modelo de arbitragem tributária acolhido................................. 382
38.1. Âmbito ....................................................................... 287 49. Crítica a alguns aspetos do sistema.......................................................... 388
38.2. Cumulação de impugnações.............................................. 288 50. Tramitação processual............................................................................... 391
38.3. Tramitação.................................................................... 292 50.1. Requerimento inicial...................................................................... 391
39. Ação administrativa especial..................................................... 304 50.2. Manutenção ou revogação do ato tributário.................................. 393
40.0 contencioso das normas regulamentares.................................... 308 50.3. Constituição do tribunal arbitrai..................................................... 394
426 Manual de Procedimento e Processo Tributário

50.4. Contestação.................................................................................... 394


50.5. Instrução......................................................................................... 395
50.6. Decisão arbitrai.............................................................................. 396
50.7. Recurso e impugnação da decisão arbitrai................................... 397

Bibliografia...................................................................................................... 401

índice Analítico................................................................................................ 415


I

Rui Duarte Morais é Doutor em Ciências Jurídico-Económicas pela Faculdade de Direito da Universidade
Católica, de que é Professor na Escola de Direito do Porto. É, também, advogado especialista em Direito
Fiscal, sócio de Yolanda Busse & Oehen Mendes.

Este livro foi pensado, em primeiro lugar, como elemento de estudo para o sa lu nos qu ef req ue nt am o curso
de Mestrado em Direito Fiscal. Pretende, também, ser um guia no labirinto em que está transformado o
direito fiscal adjetivo, pela descrição sumária dos principais institutos que o constituem e pela análise
crítica de algumas das dificuldades que suscitam, num permanente diálogo construtivo entre doutrina
e jurisprudência.
Assim, espera-se que esta obra possa ser de utilidade para um amplo e diversificado público interessado
nestas matérias.

COLEÇAO MANUAIS UNIVERSITÁRIOS

ISBN 978-972-40-5021-8

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