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Fichamento psicopatologia – Capítulo 1 – Arthur Megiani

Carvalho

A temática da loucura sempre esteve presente na sociedade humana e encontra-se


representada de inúmeras formas, seja pela arte, por estudos acerca de suas
especificidades ou mesmo por comentários banais do dia a dia. Durante os primórdios do
que chamamos de sociedade moderna, mais precisamente na Idade Média, a loucura se
mostrava como algo fascinante, de certa forma enigmático e, portanto, despertava
curiosidade naqueles que buscavam entende-la. O louco era visto como um indivíduo
anormal, mas que não apresentava o status de doente, que deveria ser estudado e
consequentemente tratado. Esse status surgiu com a evolução e o predomínio do
pensamento racional, a partir do início da Idade Moderna.

Razão x Loucura
Assim como explicitado anteriormente, é com a racionalização do pensamento, iniciada
por Descartes, que a loucura passa a ocupar um novo patamar na sociedade, não mais de
um saber místico, enigmático e esotérico, mas sim de um “dessaber”, uma vez que era
oposto ao conhecimento racional objetivo pregado na época. Dessa forma, os loucos
passaram a ser entendidos como desviantes da norma social vigente e foram ocupar os
mesmos espaços daqueles que eram degradados pela sociedade por não se encaixarem
nos padrões exigidos. É nesse momento que o enclausuramento desses indivíduos passa
a ser praticado sistematicamente, contudo ainda não eram entendidos como doentes que
precisavam de tratamento, apenas indivíduos desviantes da moralidade e que não
poderiam conviver em sociedade.
A evolução para o entendimento do louco como um paciente em potencial se estabelece
a partir da consolidação do capitalismo, o qual promoveu uma verdadeira revolução na
forma como o trabalho era entendido pela sociedade e pelo próprio Estado. A partir dessa
revolução, uma necessidade muito grande de mão de obra para as fábricas surge e visando
suprir essa demanda, os indivíduos que antes eram entendidos como inaptos a viver em
sociedade deixaram esses ambientes de exclusão e foram ocupar justamente esses
ambientes degradantes de trabalho. Contudo, aos loucos não foi dada essa “oportunidade”
de liberdade, eles continuaram excluídos e enclausurados, porém dessa vez em
instituições exclusivas a eles, as quais passaram a tentar entender os mecanismos da
loucura e consequentemente tratá-la.

O louco como objeto e o objeto do louco


Na tentativa de entender como se deu a patologização da loucura, Lacan estabelece uma
série de conceitos para definir o funcionamento do aparelho psíquico dos psicóticos
(popularmente denominados loucos). O primeiro deles consiste no Nome-do-Pai, um
elemento primordial para a psique entendido por Lacan como o ordenador da realidade
como a entendemos. É por meio do Nome-do-Pai que a realidade e consequentemente os
sistemas sociais que nela existem são inseridos na nossa consciência a partir de toda uma
tradição, história e ancestralidade. No aparelho psíquico dos psicóticos a inserção desse
componente não ocorre, ou nas palavras de Lacan, ocorre a foraclusão do Nome-do-Pai,
evidenciando, assim a desconexão com a realidade típica dos indivíduos psicóticos.
A foraclusão também é responsável por fazer com que o objeto de desejo, denominado
por Lacan como objeto a, permaneça sempre em sua consciência. Nos indivíduos
considerados normais, esse objeto indefinido é subtraído da consciência e passa a se
tornar um resto, não podendo ser identificado e até mesmo alcançado no mundo real pelos
indivíduos. À medida em que nos indivíduos normais a foraclusão não ocorre, o objeto a
passa a ser descartado, de certa forma, não influenciando diretamente a forma como
entendemos a realidade, já nos psicóticos esse objeto não é subtraído, estando sempre
presente em sua consciência, fazendo com que este apresente uma relação com a realidade
muito desconexa daquilo que entendemos como normal (exemplo da paciente italiana que
se entende como um ser estático que está sendo observada constantemente e por isso se
representa como uma paisagem cheia de olhos).
Lacan entende, portanto, que esses dois pontos, a foraclusão do Nome-do-Pai e a presença
do objeto a, foram essenciais para a patologização da loucura, uma vez que os indivíduos
“normais” buscam justamente segregar esse campo enigmático e misterioso do desejo
através do trabalho da consciência e ao nos depararmos com um louco, no qual essa
segregação não encontra-se plenamente realizada (o louco está a todo momento em
contato com o seu objeto de desejo por meio de sua desconexão coma a realidade) somos
tomados por uma angústia e, por isso, entendemos o psicótico como doente, anormal, que
precisa de tratamento para se adequar aos padrões sociais.

A diluição da loucura
Por fim o capítulo se encerra com a visão atual da sociedade sobre o que se entende por
loucura. A partir do século XX, uma nova tendência surgiu na medicina, a da
medicalização e prevenção das doenças, as quais não eram mais tratadas a partir da
expressão dos sintomas, mas sim eram prevenidas utilizando-se de inúmeras técnicas e
tecnologias que permitiam o entendimento a nível molecular do corpo humano. O estudo
da mente humana seguiu esse mesmo caminho, não mais buscando entender o porque
aquele sintoma se expressava no indivíduo, mas medicando-o sempre que algo surgia,
dessa forma, os transtornos mentais passaram a abranger um número muito maior de
indivíduos, os quais anteriormente não eram entendidos como doentes e por agora
ocuparem esse papel, deveriam ser tratados e medicados.
Um dos principais contribuidores para essa nova visão sobre as doenças mentais foi o
DSM, um manual que catalogava todos os transtornos mentais já identificados, com suas
especificidades, sintomas e possíveis tratamentos. A criação de um manual tal qual o
DSM permitiu que o estudo da loucura tornasse-se cada vez mais objetivo e imparcial, as
especificidades de cada sujeito foram suprimidas por uma rotulação dos indivíduos e uma
padronização do tratamento. Assim, todo o caráter enigmático que a loucura possuiu
durante séculos está se perdendo na atualidade, os transtornos mentais estão cada vez
mais sendo entendidos como doenças fisiológicas e que requerem um tratamento objetivo
e generalizado, não existindo qualquer espaço para as práticas subjetivas de auxílio aos
indivíduos em sofrimento

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