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6643P211 Hot Topics Aterosclerose

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Autores

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Beatriz Craveiro Lopes Pedro Cantista
Anestesiologista Consultor
Competência em Medicina da Dor Serviço de Medicina Física e de Reabilitação
Centro Multidisciplinar Dor Centro Hospitalar Universitário do Porto
Hospital Garcia de Horta Hospital de Santo António
Almada Professor auxiliar convidado
Instituto de Ciência Biomédicas Abel Salazar
João Páscoa Pinheiro Universidade do Porto
Médico Porto
Medicina Física e de Reabilitação
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Pedro Figueiredo
Coimbra Médico
Medicina Física e de Reabilitação
João Paulo Branco Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Médico Coimbra
Medicina Física e de Reabilitação
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Coimbra

Margarida Branco
Unidade Funcional de Dor Crónica
Unidade de Psiquiatria de Ligação e Psicologia
da Saúde
Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental
Centro Hospitalar Universitário do Porto
Porto

Lombalgia – Tratamento não invasivo III


Abreviaturas

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ADT antidepresssivos tricíclicos ISRS inibidores seletivos da
AINE anti-inflamatórios não recaptação da serotonina
esteroides IV infravermelhos
AL TENS acupuncture-like TENS LASER light amplification by simulated
AM analgesia multimodal emission of radiation
APED Associação Portuguesa Para LB lombalgia
o Estudo da Dor LBC lombalgia crónica
bid duas tomas divididas LED díodos luminescentes
CDSMP Chronic-Disease Self- LSA lombalgia subaguda
Management Program MME morphine milligram equivalente
CO2 dióxido de carbono OMS Organização Mundial
CP2D6 citocromo P2D6 da Saúde
CPSMP Chronic Pain Self-Mangement PGB pregabalina
Program PTI plano terapêutico integrado
DC dor crónica RM relaxantes musculares
DIV disco intervertebral SNRI inibidores da recaptação da
FI infiltração adiposa serotonina e da noradrenalina
GABA ácido α-aminobutírico SS síndrome serotoninérgica
GB gabapentina TA terapia da aceitação
Hz Hertz TCC terapia cognitivo-comportamental
IAP articulações interapofisárias TENS transcutaneous electrical nerve
posteriores stimulation
IASP International Association tid três tomas divididas
for the Study of Pain TSK Escala Tampa para
ICF International Classification Cinesiofobia
of Function and Health US ultrassons
id dose única diária UV ultravioletas

IV Tópicos em destaque na dor


Índice

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Prefácio VII
Filipe Antunes

Capítulo 1
Tratamento farmacológico na lombalgia 1
Beatriz Craveiro Lopes

Capítulo 2
Terapia física na lombalgia 14
Pedro Cantista

Capítulo 3
A importância da postura e do exercício na lombalgia 26
João Páscoa Pinheiro, João Paulo Branco e Pedro Figueiredo

Capítulo 4
Abordagem terapêutica de base psicológica na lombalgia.
Perspetiva clínica 34
Margarida Branco

Lombalgia – Tratamento não invasivo V


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Prefácio

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A dor lombar é a dor crónica mais prevalente no mundo ocidental. Esta circunstância justifica-
se por diferentes razões, desde anatómicas (segmento corporal de sustentação corporal/carga
corporal), funcionais (segmento corporal de transição para o aparelho locomotor responsável pela
marcha), ergonómicas (trabalho em posição estática) e até económicas (ritmo de trabalho e cargas
temporais laborais prolongadas da atualidade).
Não admira, portanto, que seja também esta a causa mais frequente de dor no nosso país.
Trata-se de uma realidade e preocupação acrescida para quem tem responsabilidades na promoção
de saúde dos cidadãos e, de forma particular, para quem estuda e tenta tratar a dor crónica. Daí
ter surgido esta publicação, patrocinada pela Associação Portuguesa para o Estudo da Dor (APED).
A APED é uma associação científica e multiprofissional, congregando todos aqueles que estejam
e sejam parte interessada no estudo da dor. Procura ter uma visão abrangente e diversificada, fo-
mentando o estudo, o tratamento e o seguimento dos doentes com dor. Sendo a dor lombar a mais
prevalente em Portugal, com a a qual todos os profissionais de saude acabam por contactar, não
surpreende a proposta desta publicação.
Para o efeito, foram convidados profissionais experientes nesta temática, com diferentes saberes
e diferentes abordagens terapêuticas, de forma a poder ser um manual de fácil consulta e contribuir
realisticamente para o melhor tratamento possível da dor lombar.
Quanto mais não seja e no que toca à minha parte, pretende-se assim abrir novas perspetivas
para o tratamento deste flagelo da nossa sociedade.

Filipe Antunes
MFR/Medicina da Dor
Serviço de MFR/Unidade de Dor Crónica
Hospital de Braga, Braga

Lombalgia – Tratamento não invasivo VII


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Capítulo 1

Tratamento farmacológico
na lombalgia

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Beatriz Craveiro Lopes

Lombalgia (LB) não é diagnóstico mas, sim, terapêutico integrado (PTI) no âmbito da abor-
uma condição que se define como dor e des- dagem multimodal. A componente farmacológi-
conforto localizados numa área compreendida ca é chave.
entre as margens inferiores costais posteriores e Os objetivos são obter a melhoria da inten-
acima das pregas glúteas inferiores, com ou sem sidade da dor, da depressividade, da qualidade
dor projetada para os membros inferiores. de vida e minimizar a interferência com as ati-
É classificada com base nas caraterísticas vidades de vida diária, com ganhos na rapidez
clínicas do doente e na fisiopatologia subja- da reabilitação, da função física e da capaci-
cente1. dade de retorno ao trabalho.
A lombalgia crónica (LBC) é uma das causas
mais prevalentes de dor crónica (DC) que se Princípios terapêuticos
pode manifestar com dor nociceptiva, dor neu-
ropática ou, quando incorpora ambas as com- As opções terapêuticas dependem da croni-
ponentes, dor mista. É consensual que a sua cidade e da gravidade da dor a ser tratada.
prevalência é crescente e que é muitas vezes A cronicidade é mensurável quantitativamen-
inadequadamente identificada e tratada. te, pois é tempo-dependente, enquanto a gravi-
A presença da componente neuropática está dade é muito subjetiva para o doente e para o
habitualmente associada a dor mais intensa e médico.
de maior duração, com maior prevalência de Apesar de alguns doentes poderem não ne-
comorbilidades (ansiedade, depressão e pertur- cessitar de medicação, na maior parte dos ca-
bações do sono), com impacto negativo na qua- sos a terapêutica analgésica é uma prioridade.
lidade de vida e implicando geralmente custos A orientação terapêutica assenta em dois
mais elevados. pilares principais, na etiologia da LB e na es-
A LBC acarreta vários desafios, em parte cada analgésica da Organização Mundial da
porque o conhecimento dos médicos sobre os Saúde (OMS).
mecanismos de DC é habitualmente limitado, Em DC raramente se recorre à monoterapia,
mas também porque não existem guidelines uni- sendo habitual a terapêutica de associação de
versalmente aceites para o seu tratamento. fármacos proporcionando ação em diferentes
Dada a sua natureza e multiplicidade de níveis, aumentando o número de mecanismos
fatores que afetam a intensidade e a duração e locais-alvo, originando uma resposta sinér-
da LBC, é recomendável estabelecer um plano gica2,3.

Lombalgia – Tratamento não invasivo 1


B. Craveiro

3
2
1

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Analgésicos adjuvantes

Degrau 1 – Analgésicos não-opioides – paracetamol, metamizol, AINE, COX1 e 2


Degrau 2 – Analgésicos opioides fracos – codeína e tramadol
Degrau 3 – Analgésicos opioides fortes – buprenorfina, fentanilo, hidromorfona, morfina, oxicodona, tapentadol

Figura 1. Escada analgésica da OMS (adaptado de PNLCD, 2001).

Esta estratégia tem o nome de analgesia Analgésicos adjuvantes – anestésicos locais


multimodal (AM), adequada para tratar a dor (AL), anticonvulsivantes, antidepressivos, benzo-
em geral e uma entidade multifacetada como é diazepinas, bifosfonatos, capsaícina, corticoste-
a LB em particular. roides, ketamina, relaxantes musculares, subs-
A AM, ao utilizar mais do que um fárma- tâncias canabinoides.
co e mais de um mecanismo de ação para o A terapêutica analgésica em combinação
objetivo terapêutico, tem maior eficácia, me- deve ser individualizada, permitindo reduzir do-
nor dose de analgésicos e menos efeitos in- ses de cada agente analgésico e diminuir a
desejáveis. probabilidade de efeitos secundários.
A eficácia das diferentes classes de analgé- O início da terapêutica analgésica é, por
sicos contra os mecanismos nociceptivos e neu- princípio, por titulação. As doses iniciais devem
ropáticos, eventualmente envolvidos na LB, fará ser baixas, com incrementos sucessivos em pro-
depender a escolha de analgésicos e/ou anal- gressão lenta até à dosagem máxima se neces-
gésicos adjuvantes. sário, ou, até que os efeitos secundários se tor-
Os analgésicos adjuvantes são fármacos nem intoleráveis5.
cuja indicação primária não é o tratamento da É a regra dos 3 S: start slow, go slow and
dor, mas têm propriedades analgésicas em de- stay low, if possible.
terminadas situações clínicas dolorosas4. Os
adjuvantes podem ser usados com os analgési- Terapêutica analgésica para
cos de todos os degraus da escada analgésica lombalgia subaguda
da OMS, como terapêutica de 1.ª linha ou
como valor adicional para outros analgésicos EM doentes com lombalgia subaguda (LSA)
primários. (entre 4 a 12 semanas) com dor mais intensa,

2 Tópicos em destaque na dor


Tratamento farmacológico na lombalgia

para além do plano terapêutico não-farmacoló- Pode ter efeitos adversos em doentes com doen-
gico baseado no movimento/exercícios/psicote- ça renal crónica, hipertensão e doença péptica.
rapia, será necessária terapêutica farmacológi- A sobredosagem pode induzir hepatotoxici-
ca adicional de curta duração para controlar a dade grave e é a causa mais comum de insufi-
dor, de forma a permitir participar e colaborar ciência hepática aguda nos Estados Unidos da
nas atividades terapêuticas não-farmacológicas. América (EUA).

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1.ª Linha terapêutica6 2.ª Linha terapêutica6

Anti-inflamatórios não esteroides Relaxantes musculares esqueléticos


não-benzodiazepínicos
A maioria dos doentes já os tomou nos perío-
dos de LB aguda/subaguda. Se forem eficazes Se a terapêutica com AINE ou paracetamol
podem ser mantidos sem adicionar outra terapêu- não for suficiente, pode considerar-se a adição
tica. A recomendação é que seja utilizado um de um dos relaxantes musculares (RM):
anti-inflamatório não esteroide (AINE) com dose –– Ciclobenzaprina 5-10 mg orais até 3xdia
mínima eficaz, pelo período mais curto possível, conforme a necessidade (uma das tomas ao
entre uma a duas semanas e, reduzindo a frequên- deitar para ajudar o sono);
cia e a dose conforme seja tolerado, tendo como –– Tizanidina 2 mg orais até 3xdia conforme a
objetivos o controlo da dor e ganhos funcionais. necessidade (uma das tomas ao deitar para
São exemplos: ajudar o sono).
–– Ibuprofeno 400-800 mg orais até máximo Aconselha-se a titulação gradual e começando
de 8/8 horas se necessário; pela dose mínima eficaz, pelo menor período pos-
–– Naproxeno 250-500 mg orais até máximo sível, uma a duas semanas, reduzindo posterior-
de 12/12 horas se necessário. mente a frequência e a dose conforme a tolerância.
São conhecidos os efeitos secundários desta O doente deve ser alertado acerca do potencial
família de analgésicos sobre o trato gastrointes- efeito secundário de aumento da sonolência.
tinal, sistema cardiovascular e o rim, devendo ser
ponderados esses riscos antes da sua prescrição. Terapêutica analgésica
A exposição a estes fármacos aumenta o para a lombalgia crónica
risco de enfarte do miocárdio, que pode estar
relacionado com o grau de inibição da ciclooxi­ Em doentes com LC (mais do que 12 sema-
genase COX-26. nas), além do plano terapêutico não-farmaco-
lógico baseado no movimento/outras interven-
Paracetamol ções, será necessária farmacoterapia adicional
para tratar a dor persistente e incapacitante.
O paracetamol será a alternativa razoável O ideal será limitar a duração da toma da
para os que não toleram ou têm contraindicação maioria dos fármacos, o que nem sempre é
para a toma de AINE por alergia, doença renal possível.
crónica, úlcera péptica, hipertensão ou doença
cardiovascular. 1.ª Linha terapêutica6
A dose recomendável para adultos é de
650 mg orais de 6/6 horas se necessário, com AINE/Paracetamol
a preocupação de não ultrapassar 3 g/dia. A
dose deve ser reduzida no idoso e/ou na pre- A maior parte dos doentes já tomou os AINE
sença de compromisso hepático. durante a fase aguda/subaguda.

Lombalgia – Tratamento não invasivo 3


B. Craveiro

Caso haja eficácia, mantém-se a linha tera- Na Europa, está indicada para adultos no
pêutica sem adicionar outros analgésicos, com tratamento da depressão major, dor neuropática
a dose mínima eficaz, pelo período mais curto periférica do diabético, ansiedade generalizada
possível e descontinuar logo que possível. e para incontinência urinária moderada/grave
Se os AINE são parcialmente eficazes, se- nas mulheres.
guir para a segunda linha de terapêutica farma- Inicia-se diariamente com 30 mg/dia orais
cológica. Se não tiverem evidenciado eficácia 1xdia, e uma semana depois incrementa-se para

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durante o período de LSA não devem ser utili- 60 mg/dia orais 1xdia se for bem tolerada. A
zados em LC. depressão é comum nos doentes com LC, pelo
No caso de haver intolerância ou contrain- que a duloxetina pode ter indicação reforçada
dicação, a recomendação será o paracetamol para as duas entidades clínicas coexistentes:
como razoável alternativa, com os mesmos con- dor e depressão. Os efeitos analgésicos da du-
dicionalismos. loxetina são independentes da depressão estar
presente ou não.
2.ª Linha terapêutica6
Antidepresssivos tricíclicos
Na LC de etiologia não-oncológica, se os
AINE são ineficazes ou inadequados para es- Os antidepresssivos tricíclicos (ADT) são al-
quemas terapêuticos de longa duração, devem ternativos à duloxetina quando é ineficaz ou se
ser utilizados outros fármacos de várias classes a dor interferir com o sono.
terapêuticas que se descrevem em seguida. A São utilizados em diversas entidades relacio-
duloxetina e o tramadol são os mais comummen- nadas com DC e os efeitos adversos mais fre-
te utilizados, embora a duloxetina seja preferida quentes são sonolência, tonturas e xerostomia.
ao tramadol por este acarretar maior potencia- Podem ser limitantes quanto à sua tolerabilida-
lidade de mau uso e dependência (ponderar os de, especialmente com doses mais elevadas.
riscos e benefícios da sua prescrição em doentes Usar com cuidado nos idosos. Exemplos:
com história de abuso de substâncias)7,8. –– Amitriptilina 25-75 mg/dia orais diários,
1xdia ao deitar;
Antidepressivos inibidores –– Nortriptilina 25-75 mg/dia orais diários,
da recaptação da serotonina 1xdia ao deitar.
e da noradrenalina
Tramadol
Grupo de fármacos com efeito sobre os sis-
temas noradrenérgico, serotoninérgico e/ou do- O tramadol é um opioide com duplo meca-
paminérgico que melhoram o humor e modulam nismo. Tem duas componentes, o dextrógiro é
a perceção da dor a adicionar se a 1.ª linha não agonista mµ parcial (com afinidade 6.000 ve-
for suficiente: zes inferior à morfina), e o levogiro atua na
modulação descendente da noradrenalina e se-
Duloxetina rotonina.
Inicia-se com a dose mais baixa possível, es-
Cloridrato duloxetina é uma combinação do pecialmente em idosos e nos doentes naive em
inibidor da recaptação da serotonina e noradre- opioides, 25 a 50 mg orais de 6/6 ou 8/8 ho-
nalina (SNRI). Também inibe muito fracamente a ras, aumentando a dose se necessário até um
recaptação da dopamina com uma afinidade não máximo de 50 ou 100 mg orais de 6/6 horas.
significativa para os recetores histaminérgicos, No início da titulação não se usa a formula-
dopaminérgicos, colinérgicos e adrenérgicos. ção de longa ação. Porém, para situações em

4 Tópicos em destaque na dor


Tratamento farmacológico na lombalgia

Tabela 1. Titulação de antiepiléticos

Fármaco Dose inicial Dose máxima Incrementos

Carbamazepina 100 mg bid 400 mg tid Cada 3 dias

Gabapentina 100 mg id 1.200 mg tid Cada 3 dias

Pregabalina 25 mg id 300 mg bid Cada 3 dias

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Oxcarbazepina 300 mg id 600 mg tid Cada 7 dias
tid: três tomas divididas; bid: duas tomas divididas; id: dose única diária.
Iniciar com doses baixas, incrementando cada 3/4 dias, e suspender de forma gradual.

que a dose está estabilizada com tramadol de buspirona, substâncias ilícitas como o ectasy,
curta ação, a formulação de longa duração po- lisergic acid diethylamide, ou produtos de erva-
derá ser mais conveniente. O tramadol é metaboli- nária como o triptofano, ginseng, hipericão (erva
zado pelo citocromo P2D6 (CP2D6) em M1, meta- de S. João).
bolito ativo com afinidade pelos recetores opioides As manifestações clínicas vão desde sinto-
200 vezes superior ao tramadol e 30 vezes in- mas ligeiros a toxicidade potencialmente letal.
ferior à morfina. Noventa por cento do tramadol Por ordem crescente de gravidade: tremor, aca-
por via oral é excretado pelos rins e 85% da tísia, diarreia, alterações do estado mental, mo-
dose é metabolizada em M1. vimentos clónicos, hipertonia muscular e hiper-
As interações mais frequentes são com a termia. Trata-se de uma tríade de hiperatividade
carbamazepina que reduz 50% a semivida do autonómica, alterações do estado mental e alte-
tramadol, e com a cimetidina que aumenta a rações neuromusculares9.
semivida.
Deve-se ter em atenção o risco do aumento Fármacos não recomendados
do INR em doentes anticoagulados com varfa- no tratamento de rotina
rina. da LC6
Cerca de 8% da população tem um défice
enzimático de CP2D6, não metabolizando o Há controvérsia entre diferentes autores quan-
tramadol em M1 e, portanto, não tem atividade to à abordagem terapêutica de doentes com LC,
analgésica. para além do plano terapêutico não-farmacoló-
O tramadol reduz o limiar de excitabilidade gico instituído e das terapêuticas farmacológicas
cerebral pelo que não é recomendável para de 1.ª e 2.ª linhas.
doentes com histórico de epilepsia.
A síndrome serotoninérgica (SS) é outro efei- Antidepressivos (outros)
to secundário possível que pode ocorrer quando
o tramadol é utilizado em combinação com ou- Os inibidores seletivos da recaptação da
tros agentes serotoninérgicos. serotonina (ISRS) têm evidência minor no trata-
É causado por iatrogenia, intoxicação medi- mento da dor neuropática em geral.
camentosa voluntária ou interação medicamen-
tosa. Exemplos de fármacos que causam SS: Antiepilépticos (Tabela 1)
tramadol, fentanilo, petidina, venlafaxina, mir-
tazapina, metopclopramido, ondasetron, gra- São fármacos que diminuem a excitabilida-
nisetron, citalopran, olanzapina, paroxetina, de neuronal, diminuindo o risco de ocorrer uma

Lombalgia – Tratamento não invasivo 5


B. Craveiro

Tabela 2. Pontos a considerar no tratamento com gabapentina vs. pregabalina11

Gabapentina Pregabalina

Concentrações plasmáticas diminuem com Concentrações plasmáticas aumentam proporcionalmente


aumento dose, o que pode complicar a dosagem com o aumento de dose, o que torna a administração mais
(farmacocinética não-linear imprevisível) fácil (farmacocinética linear previsível)

Obrigatória a dose diária repartida em três tomas Dosagem flexível permitindo duas tomas divididas ou três

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de doses terapêuticas tomas divididas de acordo com as necessidades
e preferência dos doentes

Esquema de titulação lento, potencialmente Dose inicial com a possibilidade de escalonamento da dose
trabalhoso, às vezes ao longo de dias/semanas de acordo com a necessidade dos doentes

A coadministração da GB com antiácidos pode Baixo potencial para interações farmacocinéticas,


reduzir a biodisponibilidade da GB com vantagem para doentes polimedicados
GB: gabapentina.

crise epilética; também utilizados no tratamento e a pregabalina (PGB) foi menos eficaz do que
da dor neuropática. outros analgésicos (amitriptilina celecoxib e tra-
A evidência da sua eficácia é limitada com madol/paracetamol).
resultados controversos, desde os gabapentinoi- A PGB usada como adjuvante com outras
des ao topiramato, no tratamento de doentes medicações não mostrou benefício.
com LSA ou LC, com ou sem ciatalgia. São fre- Em doentes com radiculopatia crónica, me-
quentes efeitos secundários negativos que limitam dicados com PGB ou GB, tiveram melhoria ligei-
a sua tolerabilidade. ra de dor, com efeitos secundários significati-
Os antiepiléticos têm diferentes mecanismos vos10 (Tabelas 2-5).
de ação:
–– Gabapentinoides e a lamotrigina – inibem
os recetores α2-delta dos canais de cálcio Topiramato13
com diminuição da libertação de substância P
e glutamato; Num ensaio aleatorizado de 96 doentes com
–– Carbamazepina, oxcarbazepina, eslicarba- LC não radicular, o topiramato melhorou mo-
zepina, lamotrigina, lacosamida, topiramato deradamente após 10 semanas a dor e houve
– bloqueiam canais de sódio com aumento da ligeira melhoria na capacidade funcional com-
estabilidade da membrana celular e aumen- parado com placebo. Também causa frequente-
to do limiar do estímulo nociceptivo; mente efeitos secundários: redução de peso,
–– Clonazepam e topiramato – agonistas dos oligohidrose, perturbações do humor/depres-
recetores GABA. são, suicídio/ideação suicida, função hepática
diminuída, miopia aguda e glaucoma secundá-
Gabapentinoides rio de ângulo fechado, diminuição da função
renal, nefrolitíase, acidose metabólica hiperclo-
Em 2017, foram avaliados numa meta-análise rémica aumentando o risco de formação de
de oito ensaios controlados e aleatorizados para nefrolitíase e potencialmente a osteopénia, hipe-
o tratamento da LC. A gabapentina (GB) não ramoniémia, alteração da função cognitiva e
melhorou a dor em comparação com placebo, encefalopatia.

6 Tópicos em destaque na dor


Tratamento farmacológico na lombalgia

Tabela 3. Pregabalina e o perfil farmacocinético12

Parâmetro Relevância clínica

Absorção rápida T (Tmax < ou = 1 hora) e linear Níveis plasmáticos mais rapidamente obtidos

Biodisponibilidade quase completa (> ou = 90%) Com todas as doses e regimes


Administração com ou sem alimentos

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Farmacocinética linear e previsível Níveis séricos proporcionais às doses
Efeito clínico previsível

Semivida plasmática de ~ 6 horas Com efeito clínico semelhante em 2 ou 3 horas

Estado estacionário às 24-48 horas Ajuste posológico rápido

Sem ligação às proteínas plasmáticas Sem interações plasmáticas

Sem metabolismo hepático (< 2%) Sem interações medicamentosas


Pode ser administrado na insuficiência hepática

Excreção renal Necessita ajuste posológico na insuficiência renal


Pode ser dado a hemodialisados

Tabela 4. Ajuste posológico da PGB baseado na função renal

Depuração creatinina (ml/min) Dose diária máxima de PGB* Regime posológico

≥ 60 600 bid ou tid

30-59 300 bid ou tid

15-29 150 id ou bid

< 15 75 id

Após hemodiálise 100 dose única


tid: três tomas divididas; bid: duas tomas divididas; id: dose única diária; PGB: pregabalina.
*A dose total diária deve ser dividida como indicado no regime posológico.
Efeitos secundários: tonturas, náuseas, descompensação cardíaca, aumento ponderal, edema, etc.

Tabela 5. Ajuste posológico da GB baseado


na função renal

Clearance Dose máxima


da creatinina
(ml/min) Carbamazepina
≥ 80 1.200 mg tid
Está indicada para nevralgia do trigémeo,
50-79 600 mg tid nevralgia pós-herpética, radiculalgia, dor neuro-
30-49 300 mg tid pática central e polineuropatia do VIH.
Efeitos secundários: náuseas, vómitos, edema,
15-29 300 mg id retenção de fluidos, ataxia, visão turva, alergia
< 15 300 mg dias alternados cutânea, leucopenia, trombocitopenia, hipona-
tremia.
Em hemodiálise 200-300 mg após 4 h de hemodiálise
Contraindicações: insuficiência renal, gravi-
tid: três tomas divididas; id: dose única diária.
Efeitos secundários: tonturas, náuseas, vómitos, diarreia, astenia,
dez, amamentação. Evitar suspensão abrupta
edema, perda libido, tremor, xerostomia, etc. pelo risco de crise convulsiva.

Lombalgia – Tratamento não invasivo 7


B. Craveiro

Tabela 6. Lidocaína: formulações, dosagens e posologias

Via administração Dose Posologia Reavaliação

Emplastro 700 mg 12 horas/dia 2 semanas

Intravenosa 2-4 mg/kg/dia 4 horas/dia 1 semana

Técnica locorregional 4,5 mg/kg/dose Cada 2 horas

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Oxcarbazepina alterações ritmo cardíaco, insuficiência cardíaca
congestiva, hipocaliémia, insuficiência hepática
Metabolito da carbamazepina com perfil mais grave, porfiria, e no caso do emplastro em pele
seguro. não íntegra.
Efeitos secundários: eritema local, rash cutâ-
Eslicarbazepina neo, prurido, ardor local, zumbidos, hipotensão,
tonturas, náuseas, convulsões, paragem cardior-
Fármaco prescrito quando há intolerãncia ou respiratória.
contra-indicação dos antiepilépticos de 1ª linha.
Ropivacaína e levobupivacaína
Lacosamida

Existe formulação parentérica. Tem indicação para analgesia/anestesia lo-


corregional (epidural ou perineural).
Lamotrigina Contraindicações: hipersensibilidade aos anes-
tésicos, hipovolemia.
Fármaco prescrito quando há intolerãncia ou Efeitos secundários: parestesias, paralisia mo-
contra-indicação dos antiepilépticos de 1ª linha. tora, retenção urinária, hipotensão arterial.
Tem a particularidade de ter formulação pa-
rentérica. Benzodiazepinas

Anestésicos locais (Tabela 6) As benzodiazepinas (BZD) são um mecanis-


mo de ação central (a nível do cérebro e da
Os AL bloqueiam os canais de sódio, redu- medula), agonista dos recetores GABAA, poten-
zem a excitabilidade neuronal, e têm proprieda- ciando o efeito GABA.
des analgésicas em doses subanestésicas. Exemplos: clonazepam, diazepam, mida-
zolam.
Lidocaína São indutores do sono, relaxantes muscula-
res, anticonvulsivantes e conferem alívio da dor
Indicações: na analgesia/anestesia locorre- potenciada pela ansiedade. A xerostomia, seda-
gional, dor neuropática (a formulação de em- ção, tonturas e dependência são efeitos secun-
plastro só está indicada para nevralgia pós-her- dários mais frequentes.
pética em RCM mas é sobejamente utilizado Contraindicações: a gravidez, intoxicação
off-label) e nas mucosites. alcoólica, depressão respiratória e a sua asso-
Contraindicações: hipersensibilidade, bra- ciação com opioides deve ser evitada por haver
dicardia, disfunção nódulo-sinusal, hipotensão, risco acrescido de sobredosagem.

8 Tópicos em destaque na dor


Tratamento farmacológico na lombalgia

Bifosfonatos (Tabela 7) Tabela 7. Bifosfonatos: periodicidade na


administração
Os bifosfonatos são reguladores do metabo- Fármaco Periodicidade
lismo do cálcio, inibindo a dissolução dos cris-
Clodronato Cada 3/4 semanas, diariamente
tais de hidroxiapatite, inibição de osteoclastos
e das células tumorais. Tem indicação na osteo- Pamidronato Cada 4 semanas
porose, na doença de Paget e nas metástases

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Zoledronato Cada 3/4 semanas
ósseas osteolíticas.
Contraindicações e precauções: gravidez, amamentação, hipocalcemia
No caso da doença oncológica, haverá in- e tratamento dentário prévio.
dicação se houver14: Efeitos secundários: hipocalcemia, hipomagnesémia, hipofosfatemia,
síndrome gripal, náuseas, vómitos, insuficiência renal, osteonecrose da
–– Envolvimento vertebral devido a mieloma múl- mandíbula.
tiplo ou tumor da mama, reduzindo a dor e
o risco de fratura vertebral/colapso;
–– metastização vertebral por neoplasia da prós-
tata, para reduzir a dor quando a terapêuti- (MME) morfina e sem recurso a opioides de
ca convencional falha. ação imediata/ultrarrápida15.
Não devem ser usados para tratar dor espi- Quando o doente já se encontra a fazer
nhal em doentes com envolvimento vertebral por opioides há muito tempo para a LC, deve tentar-
outros tipos de tumor. se reduzir a dose, maximizando as terapêuticas
não-farmacológicas e utilizando a farmacotera-
Corticosteroides sistémicos pia de 1.ª linha. Se for conseguido o adequado
controlo da dor com essas medidas, o opioide
Não existem estudos que comprovem a sua deve ser totalmente descontinuado.
mais-valia no tratamento da lombalgia não ra- Se houver episódios de agravamento de dor,
dicular subaguda ou crónica. devem ser aplicadas as mesmas recomendações
da terapêutica da LSA.
Glucosamina Relaxantes musculares
É largamente utilizada no tratamento da os- Os RM atuam de duas formas, como:
teoartrose, especialmente no joelho e na anca. –– Espasmolíticos: com atuação central à exce-
Não há estudos suficientes que sustentem a sua ção da toxina botulínica que atua à periferia;
utilização na lombalgia. –– Bloqueadores neuromusculares com atuação
periférica, produzem paralisia muscular uti-
Opioides lizada só em anestesia geral (curarizantes e
succinilcolina).
Não devem ser administrados de rotina para Os RM espasmolíticos podem ser divididos
controlo da LC devido à pouca eficácia e poten- em três grupos:
cial de risco de dependência. No entanto, den- –– Antiespásticos – tizanidina, bacofleno: atuam
tro desta classe de fármacos, o tramadol, como na medula espinhal para tratamento de
descrito anteriormente, é recomendado como te- doença ou por lesão do primeiro neurónio
rapêutica alternativa de 2.ª linha. motor, por acidente vascular cerebral, trauma-
Devem estar restritamente reservados a doen- tismo cranioencefálico, lesão medular, enfar-
tes não vulneráveis ao eventual mau uso, adição te do miocárdio;
ou dependência e, de preferência, em doses não –– Antiespasmódicos – ciclobenzaprina: atuam
superiores a 90 morphine milligram equivalente no tronco cerebral e reflexos espinhais por

Lombalgia – Tratamento não invasivo 9


B. Craveiro

Tabela 8. Terapêutica farmacológica para sintomas persistentes18

Classe fármaco Eficaz dor Eficaz dor Eficaz só na ✓ Combinação eficaz


nociceptiva neuropática LC neuropática na LC neuropática

Paracetamol ✓ X X ✓ com tramadol

AINE ✓ X X COX com pregabalina

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Opioides* ✓ ✓ ✓ para tapentadol O✓
Faltam estudos Buprenorfina com
adequados para outros pregabalina
opioides na LC

Antidepressivos ✓ ✓ ✓ Duloxetina
Sem evidência clara/
dados controversos

Anticonvulsivantes X ✓ X ✓
com COX2 ou com
opioide

Lidocaína tópica/capsaícina X ✓ ✓
✓: eficaz; X: não eficaz; LC: lombalgia crónica.
Adaptado de Muller-Schwefe G, et al. Current Medical Research and opinion. 2017;33(7):1199-210.
Não menos importantes são as interações medicamentosas entre fármaco-fármaco (Tabela 9).
* Só se devem prescrever opióides se os benefícios forem superiores aos riscos e com apertada monitorização.

patologia musculoesquelética periférica, para Posologia: 5 mg 3xdia (dose inicial) com


tratar lombalgia, síndromes miofasciais, ce- titulação até 80 mg/dia.
faleia tensional, fibromialgia; Efeitos adversos: tonturas, sonolência, confu-
–– Toxina botulínica – de ação periférica, blo- são, náuseas, hipotensão arterial, astenia. No
queia o neurónio motor com mecanismo de desmame, há risco de alucinações, convulsões
ação intra e extracelular. ou alterações psiquiátricas.
Contraindicação: insuficiência hepática grave.
Tizanidina
Ciclobenzaprina
Mecanismo de ação central, agonista do
recetor α2 pré-sináptico.
Mecanismo de ação central (supraespinhal)
Posologia: 2 mg id dose inicial (à noite),
não totalmente conhecido, efeito sedativo e com
com titulação de 2 mg até tid.
estrutura semelhante aos ADT. Evidência demons-
Efeitos adversos: xerostomia, sonolência, ton-
tra que a ciclobenzaprina tem também algum
turas, cefaleia, diarreia, insuficiência hepática e
antagonismo serotoninérgico aos recetores 5-HT2,
insuficiência renal.
que contribui para as suas propriedades anties-
Contraindicações: insuficiência hepática e
pasmódicas16. Início de ação de uma hora, 90%
insuficiência renal.
metabolizado pelo fígado, a eliminação é renal
e tem uma semivida de um a três dias.
Baclofeno
Posologia: 10 mg id dose inicial (à noite),
Mecanismo de ação central, antagoniza podendo titular até 10 mg tid/15-30 mg id.
GABAb pré e pós-sináptico para inibir os impul- Efeitos adversos: taquicardia, hipertensão ar-
sos nervosos mono e polissinápticos. terial, sonolência, fadiga, cefaleia, rash, urticária,

10 Tópicos em destaque na dor


Tratamento farmacológico na lombalgia

Tabela 9. Outras interações medicamentosas

Opióide Inibidor Indutor


(aumenta a concentração do fármaco) (diminui a concentração de fármaco)

Codeína Fluoxetina, paraxetina, duloxetina Carbamazepina, oxacarbazepina


Sertralina, Citalopram Dexametasona
Haloperidol Fenitoína
Metadona Hipericão

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Amiodarona
Colecoxib
Itraconazol, cetoconazol, fluconazol

Tramadol Fluoxetina, paraxetina, duloxetina Carbamazepina, oxacarbazepina


Sertralina, Citalopram Dexametasona
Haloperidol Fenitoína
Metadona Hipericão
Amiodarona
Colecoxib
Itraconazol, cetoconazol, fluconazol

Morfina Fluoxetina Carbamazepina, oxacarbazepina


Diltiazem, verapamil Dexametasona
Amiodarona Fenitoína
Itraconazol, cetoconazol, fluconazol Hipericão

Fentanil Fluoxetina Carbamazepina, oxacarbazepina


Diltiazem, verapamil Dexametasona
Amiodarona Fenitoína
Itraconazol, cetoconazol, fluconazol Hipericão

Buprenorfina Fluoxetina Carbamazepina, oxacarbazepina


Diltiazem, verapamil Dexametasona
Amiodarona Fenitoína
Itraconazol, cetoconazol, fluconazol Hipericão

Oxicodona Fluoxetina, paraxetina, duloxetina Carbamazepina, oxacarbazepina


Sertralina, Citalopram Dexametasona
Haloperidol Fenitoína
Metadona Hipericão
Amiodarona
Colecoxib
Itraconazol, cetoconazol, fluconazol

Tapentadol Sem interacções conhecidas

Hidromorfona Sem interacções conhecidas

visão turva, depressão da medula óssea (muito Toxina botulínica A


rara), leucopenia (muito rara), hipoglicemia, hi-
perglicemia. Mecanismo de ação periférico (nervo motor),
Precauções: no glaucoma de ângulo fechado induzindo bloqueio motor prolongado (meses) da
ou aumento da pressão intraocular, retenção libertação de acetilcolina dos nervos motores. Po-
urinária, e não juntar com outra medicação an- derá contribuir para reduzir intensidade de dor,
ticolinérgica. com uma diferença estatisticamente significativa

Lombalgia – Tratamento não invasivo 11


B. Craveiro

na melhoria da capacidade funcional compara- –– A farmacoterapia será adicional às terapêuti-


do com placebo17. cas não-farmacológicas (exercício, movimen-
Posologia: titulada de acordo com a patolo- to, psicoterapia), dependendo de fatores de
gia, número de músculos a injetar, volume de risco que possam desenvolver dor crónica e
músculos e resposta anterior, qual a formulação respetiva incapacidade funcional relacionada;
utilizada disponível no mercado e, com um inter- –– Deve sempre ter-se em conta as comorbilida-
valo mínimo de 12 semanas entre as aplicações, des e medicação habitual do doente, tanto

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para evitar anticorpos e redução da eficácia. pela escolha do fármaco a iniciar de acordo
Efeitos adversos: a maioria das reações ad- com intolerâncias/contra-indicações e possí-
versas são locais e dependem da difusão passi- veis interações medicamentosas (Tabela 9)
va da toxina para os músculos adjacentes. como pela eventual necessidade de ajuste
de dose.
Tiocolquicosido –– Em doentes com LSA recomenda-se tratamen-
to de 1.ª linha com AINE em vez de RM ou
Mecanismo de ação central, ainda desco- outros analgésicos (grau 2C); o paracetamol
nhecido na totalidade, parecendo inibir a cone- só substitui AINE caso estes não sejam tole-
xão GABAA, ou estricnina nas membranas cere- rados. Se a resposta aos AINE for insuficien-
brocorticais e da medula. te, adicionar RM;
Posologia: dose máxima diária 8 mg bid –– Em doentes com LC com necessidade de far-
(máximo sete dias consecutivos). macoterapia, a 1.ª linha recomendada são
Efeitos adversos: diarreia, epigastralgias, rea- de novo os AINE (ou paracetamol se intole-
ções cutâneas alérgicas, reações comportamen- rância) (grau 2C). Se a resposta é inadequa-
tais paradoxais (excitação ou obnubilação) para da, a 2.ª linha é a duloxetina (ou ADT) e/ou
a forma injetável. tramadol. Outros autores preconizam RM se
Contraindicações: possível teratogenicidade, persistirem sintomas apesar da 1.ª e 2.ª li-
miastenia gravis. nhas. Existem ainda outros que consideram
que os opioides terão lugar se persistirem
Substâncias canabinoides sintomas incapacitantes graves, tendo em
atenção o risco-benefício da sua utilização.
Derivados da planta da canábis com afini-
dade para os recetores endocanabinoides CB1 Bibliografia
e CB2, existentes no sistema nervoso central e
1. Airaksinen O, et al. Eur Spine J. 2004;Suppl 2:S192-300.
na periferia. 2. Raffa RB, Pergolizzi JV Jr, Tallarida RJ. The determination and ap-
Por ora, têm indicação na dor oncológica plication of fixed-dose analgesic combinations for treating multi-
modal pain. J Pain. 2010;11:701-9.
e na dor neuropática refratárias. 3. Ortiz MI, et al. Analgesic drugs combinations in the treatment of
Faltam estudos de alta qualidade sobre a different types of pain. Pain Res Treat. 2012;2012:612519.
4. Lussier D, Huskey AG and Portenoy PK, “Adjuvant Analgesic in
eficácia das substâncias canabinoides no trata- Cancer Pain Management”, The Oncologist, vol.9, 2004, pp.
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5. Forde G. Adjuvant analgesics for treatment of neuropathic pain:
evaluating efficacy and safety profiles. J Fam Pract. 2007;56:
Considerações finais 3-12.
6. Chou R. Subacute and Chronic Low Back Pain: Nonpharmaco-
logic and Pharmacologic Treatment. Uptodate 2021. Disponível
Um exemplo da desafiante eficácia das di- em: htpps://sso.uptodate.com/contents/subacute-and-chronic-
low-back-pain-nonpharmacol...
ferentes classes de analgésicos contra os meca- 7. Qaseem A, Wilt TJ, McLean RM, Forciea MA, Clinical Guidelines
nismos nociceptivos e neuropáticos, na dor neu- Committee of the American College of Physicians; et al. Nonin-
vasive treatments for Acute, Subacute and Chronic Low Back Pain:
ropática da LC está representada na tabela 8. A Clinical Practice Guideline from The American College of
Resumo das recomendações6: Physicians. Ann Intern Med. 2017;166(7):514-30.

12 Tópicos em destaque na dor


Tratamento farmacológico na lombalgia

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9. Beakley BD, Kaye AM, Kayee AD. Tramadol, Pharmacology, Side ance/cg75.
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Lombalgia – Tratamento não invasivo 13


Capítulo 2

Terapia física na lombalgia

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação.   © Permanyer 2021
Pedro Cantista*

Introdução embora o progresso científico e tecnológico te-


nha permitido o desenvolvimento, dentro desta
A lombalgia, como todos sabemos, é uma área, de uma enorme variedade de outras mo-
situação de elevada prevalência, particularmen- dalidades terapêuticas.
te nas modernas sociedades industriais. Talvez Baseados inicialmente em práticas empíri-
por ser tão frequente, muitas têm sido as abor- cas, estes tratamentos viram os seus mecanismos
dagens propostas para o seu tratamento. Estas de actuação progressivamente estudados, acom-
incluem diversificadas intervenções (farmacológi- panhando o desenvolvimento do conhecimento
cas, terapias físicas, psicoterápicas, cirúrgicas), científico dos fenómenos associados à neurofi-
prescritas isoladamente ou combinadas entre si. siologia da dor.
Abordar uma temática tão vasta, como é a do O tratamento por agentes físicos nunca per-
tratamento por agentes físicos na lombalgia, cons- maneceu idêntico. Alguns agentes, dantes muito
titui um enormíssimo desafio, inexoravelmente utilizados, são agora mais raramente vistos. Ou-
condenado a uma descrição sempre incompleta. tros, envolvendo dispositivos LASER, electromag-
Conscientes desta limitação, neste simples néticos ou de biofeedback, por exemplo, estão
capítulo não mais nos é possível do que procu- em franco desenvolvimento.
rar apenas dar um pequeno contributo de ordem Este processo de contínua renovação e reava-
pessoal, que de algum modo possa ajudar a liação da terapia física requer dos clínicos uma
breves reflexões sobre as terapias físicas mais atitude mental sensata e aberta: evitando uma ade-
comuns na lombalgia, a sua eficácia, segurança são sem critério a sucessivas «modas», mas adop-
e sistematização. tando racionalmente o verdadeiro progresso.
As terapias físicas são utilizadas em todas Uma outra nota importante: o recurso aos
as civilizações humanas, desde tempos imemo- tratamentos de medicina física está muito ligado
riais e ao longo de muitos séculos, através do a uma estratégia de reabilitação. Quando fala-
recurso a agentes naturais como o calor, a luz, mos de dor, e em particular de lombalgia, há que
a água, a terapias manuais (fricção, pressão, fazer, ab initio, uma distinção fundamental entre
tracção). Essas práticas ainda persistem, muito situações agudas e crónicas. São realidades clí-
nicas completamente distintas. Do nosso ponto de
*Nota: o autor escreve segundo as regras gramaticais ante- vista, quando falamos de dor crónica é realmente
riores ao designado «acordo ortográfico», por não lhe re- bastante apropriado falar de «reabilitação», ao
conhecer obrigatoriedade. passo que quando nos referimos a dor aguda tem

14 Tópicos em destaque na dor


Terapia física na lombalgia

mais cabimento usar o termo «tratamento». Esta em geral baratas e, na maior parte dos casos,
visão, de aparente preciosismo, encerra em si com cobertura comparticipativa por parte dos
uma estratégica de melhoria funcional na presen- sistemas de saúde). Isto explica, em nossa opinião,
ça de dor, considerada aliás como défice senso- uma compliance fácil e de grande dimensão por
rial, na perspectiva da International Classification parte dos doentes e uma crescente adesão à sua
of Function and Health (vulgo ICF) da Organiza- prescrição pelos clínicos. Estamos mesmo convic-
ção Mundial da Saúde (OMS). Ora, nestas con- tos de que as terapias físicas constituem a grande

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dições, a terapia física da dor surge num contex- maioria das opções terapêuticas, quando pers-
to programático planeado de reabilitação, isto é, pectivadas no universo total do tratamento das
frequentemente estes tratamentos tendem a estar lombalgias.
integrados numa estratégia terapêutica comple- Uma tal dimensão desta prática justifica assim
xa e não a serem adoptados individualmente. um conhecimento mais profundo sobre esta rea-
lidade. Analisem-se criteriosamente os estudos
Evidência e prática clínica já efectuados, progrida-se na investigação, defi-
nam-se melhor as indicações, apurem-se as prá-
Nos dias de hoje, o número de publicações ticas, projectem-se para o futuro as expectáveis
médicas, independentemente de qual seja a área inovações tecnológicas. Tal é, estou em crer, a
em que incida, é absolutamente explosivo. Assim nossa agenda nesta matéria no tempo presente.
sendo, quando se pretende rever este tema em
concreto, encontramos igualmente muitos milha- Base das terapias físicas
res de artigos e mesmo se os restringirmos a
ensaios aleatorizados, meta-análises e revisões Os pressupostos factores que cientificamente
sistemáticas, o seu número continua ainda mui- possam explicar os mecanismos de acção anal-
tíssimo elevado. gésica dos diversos agentes físicos são muito
Mas não é uma revisão bibliográfica que diversificados. Basicamente, todos eles partem
aqui pretendemos trazer. Apenas nos importa do princípio da aplicação de uma forma de
referir que a evidência científica cresceu indubi- energia (ou sua variação) susceptível de interferir
tavelmente para as modalidades terapêuticas na cadeia dos acontecimentos da algogénese.
não-invasivas da lombalgia e não obstante mui- São muitas as formas de energia e igualmente
tos estudos pecarem por falta de qualidade me- muito diversos os pontos em que vão actuar no
todológica, amostras reduzidas e alguns vieses, complexo grupo de fenómenos que constitui a
o que é certo é que as publicações produzidas nocicepção ou a antinocicepção. Desde a trans-
permitiram já uma outra aceitação destas técni- dução, à transmissão, modulação e percepção
cas pela comunidade médica e científica. álgica, muitas são as hipóteses de estímulos físi-
Esta realidade originou mesmo a inclusão cos poderem interferir com a activação de re-
destas técnicas terapêuticas em muitas guideli- ceptores da dor, sejam eles específicos ou poli-
nes, contribuindo assim para um melhor critério modais, das suas vias de condução e inibição,
na sua prescrição e aplicação. dos seus centros sensoriais. Desde alterações do
Hoje, a disseminação do emprego das tera- limiar de percepção álgico, ao desencadear de
pias físicas na lombalgia é uma realidade incon- reflexos e à inibição sináptica, à contraestimu-
tornável. Numa primeira reflexão, admitiríamos lação activando o sistema de «gate control» ou
que muito provavelmente este facto resulta de mesmo a substância cinzenta em estruturas supe-
uma combinação de três factores: alguma eficá- riores, com libertação a diversos níveis de opiói-
cia (no mínimo…), segurança (são muito reduzi- des endógenos de maior ou menor semivida,
dos os efeitos laterais e, em geral, pouco graves) muitas e variadas são as acções dos agentes
e fácil acesso (técnicas relativamente simples, físicos na complexa teia da nossa neuromatriz.

Lombalgia – Tratamento não invasivo 15


P. Cantista

E talvez possamos mesmo especular se a acção Em geral, quando falamos em termoterapia


analgésica decorrente da administração de al- referimo-nos à administração de calor. Mas, em
gumas formas de energia carecerá das «clássi- rigor, ela inclui também a aplicação de frio,
cas» vias sensitivas da dor ou não poderá actuar designada habitualmente por crioterapia. Em am-
por modo «wi-fi»… Estamos disso crentes há bas as situações vamos interferir com a elevação
muito tempo. Conceptualizámos toda a fenome- do limiar de activação de receptores álgicos. No
nologia da dor como um sistema de informação caso do frio, verifica-se vasoconstrição diminuin-

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e, como tal, esta possibilidade existiria. Seja do a transferência de calor por convecção, normal-
como for, imensos progressos foram alcançados mente produzida pelo fluxo sanguíneo. O arre-
no conhecimento destes mecanismos, permitin- fecimento provoca também uma diminuição da
do, em consequência das modernas tecnologias, velocidade de condução nervosa, activação de
o desenvolvimento de cada vez mais sofistica- reflexos neurovasculares e neuromotores. Todas
dos dispositivos terapêuticos, com maior eficá- estas acções podem concorrer, directa ou indi-
cia e muito menor tamanho. Não quer isto dizer rectamente, para uma melhoria da dor.
que as práticas que utilizam meios mais simples
não se mantenham. De modo algum. As formas Frio (crioterapia)
mais simples de utilização de energia como, por
exemplo, o calor ou o movimento, continuam a O frio pode ser aplicado por diversos mé-
manter preferência num grande número de situa- todos:
ções. Acresce ainda referir que efeitos indepen- –– Condução – compressas frias (secas ou hú-
dentes da acção analgésica propriamente dita, midas), gelo estático ou dinâmico (massa-
como os obtidos pelos agentes físicos em ganhos gem com manobra de fricção), imersão em
funcionais, podem indirectamente contribuir para água fria;
uma acção muito positiva sobre a dor, através –– Convecção – por circulação de ar ou água
de mecanismos operativos na sua percepção e fria;
dimensão comportamental (emoção, cognição, –– Vaporização – essencialmente por volatiliza-
motivação). ção (pachos alcoolizados, sprays de cloreto
de etilo).
Termoterapia – frio e calor São várias as indicações da crioterapia, com
destaque para as situações agudas, particular-
A variação da temperatura de uma determi- mente em surtos inflamatórios, traumatismos, es-
nada área corporal constitui talvez a forma mais pasmos musculares e situações em que ocorrem
antiga e mais simples de terapia analgésica. O hemorragias ou hematomas. A estimulação de
total de ganho ou perda de energia durante um pontos de acupunctura ou reflexológicos com
tratamento depende da sua duração, da natureza gelo pode determinar o efeito analgésico, como é
do tecido tratado e da modalidade terapêutica bem conhecido. Foi aliás deste modo que Wall
utilizada. Existem limites fisiológicos de tolerân- e Melzack postularam a sua teoria do gate
cia para o calor e o frio. A partir de 45°C de control. O frio pode desencadear um efeito con-
temperatura a pele revela sensação de grande tra-irritante ao estimular fibras mais mielinizadas
desconforto; exposições mais demoradas acima e inibindo a transmissão álgica por fibras A∂ e C
de 50°C podem originar queimadura; tempera- ao nível do corno posterior da medula.
turas abaixo de 13°C são igualmente «agressi- Como principais limitações e contra-indica-
vas»; sendo inferiores a –28°C podem ser letais. ções à crioterapia citamos a isquemia, a into-
Na prática, a grande maioria dos tratamentos lerância e reacções imunitárias ao frio, o fenó-
por termoterapia superficial variam entre os 40 meno de Raynaud, a resposta hipertensiva grave
e os 45 °C. e a insensibilidade (anestesia térmica).

16 Tópicos em destaque na dor


Terapia física na lombalgia

Calor quentes húmidas (hydrocollator), botijas de


água quente, sacos de areia aquecidos, al-
A aplicação de calor desencadeia efeitos mofadas eléctricas, imersão em água quen-
locais e sistémicos, dependentes dos métodos te, banhos de parafina, aplicação de para-
utilizados (forma de energia escolhida, dose, fangos, entre outras possibilidades;
tempo). O aumento da temperatura pode deter- –– Por convecção: a fonte de calor está em con-
minar analgesia directa e indirectamente através tacto com a pele mas encontra-se em movi-

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do relaxamento muscular e aumento da elastici- mento, como sucede com as correntes de
dade do colagénio tecidular, contribuindo para água ou ar quente. Citamos como exemplos
a recuperação de amplitudes articulares, aumen- os banhos de turbilhão (tanque de Hubbard)
to do fluxo e da pressão capilar com reabsorção ou os dispositivos de ar quente (como um
de edemas e metabolitos. simples secador de cabelo);
Como contra-indicações ao uso do calor ci- –– Por irradiação: energia radiante, aplicação
tamos: a existência de alterações circulatórias de raios infravermelhos (IV). Trata-se de ra-
(insuficiência venosa ou isquemia grave), alte- diações electromagnéticas de comprimento
rações da sensibilidade térmica (risco de quei- de onda compreendido entre 150.000 e
madura), a maior parte das situações inflamató- 7.600 Angström. Podem ser utilizados a par-
rias agudas ou crónicas agudizadas, feridas tir da sua fonte natural, o sol, em heliotera-
abertas, a presença de infecções cutâneas ou pia (os IV «ocupam» 54% do espectro solar)
subcutâneas. Outras contra-indicações podem ou por meio de aparelhos de dois tipos: não
ainda existir, relacionadas com o tipo de téc- incandescentes, de baixa temperatura e me-
nica aplicada, como, por exemplo, a existência nor penetração (essencialmente constituídos
de objectos metálicos intracorporais, impediti- por resistências eléctricas em superfícies re-
va de termoterapia profunda por ondas curtas fractárias); luminosos, de alta temperatura
ou micro-ondas. e maior penetração (normalmente lâmpadas
A termoterapia por calor divide-se, geral- de filamento incandescente).
mente, em superficial e profunda. Na termote-
rapia superficial o aumento de temperatura dá- Termoterapia profunda
se somente até uma profundidade de cerca de
1,5-2 cm da pele, dissipando-se fisiologicamen- Por conversão: para atingirmos planos mais
te a energia calorífera aplicada. profundos necessitamos de recorrer a esta mo-
Para atingir uma maior profundidade, tere- dalidade de termoterapia, convertendo energia
mos de recorrer a formas de conversão de ener- eléctrica de alta frequência em calor (diatermia)
gia, como a diatermia que inclui as ondas curtas ou através da aplicação de vibroterapia por
e as micro-ondas ou a vibroterapia por ultra- ultra-sons em modo contínuo.
sons, em modo contínuo.
São, assim, várias as modalidades de admi- Diatermia
nistração de termoterapia.
Compreende correntes de alta frequência (on-
Termoterapia superficial das-curtas, ondas decimétricas e micro-ondas).
As micro-ondas são mais utilizadas em teci-
–– Por condução: a fonte de calor contacta com dos menos profundos, de boa condutibilidade,
a superfície a tratar. A quantidade de calor com menor aquecimento do tecido gordo e mais
transferida é proporcional à diferença térmi- localizados.
ca, à área de contacto e ao tempo de aplica- As ondas decimétricas penetram mais pro-
ção. Podemos utilizar toalhas ou compressas fundamente, onde as micro-ondas são menos

Lombalgia – Tratamento não invasivo 17


P. Cantista

eficazes e as ondas curtas têm menor elevação desta acção, possuem ainda um marcado efeito
térmica. fibrinolítico, relaxante muscular e analgésico.
As ondas curtas podem ser utilizadas de Quando utilizados em modo pulsátil, os US apre-
duas formas distintas: sentam propriedades anti-inflamatórias. A presen-
–– Em campo condensador, em que os eléctro- ça de objectos metálicos limita muito a sua apli-
dos são colocados em ambos os lados da cação, mas não constitui uma contra-indicação
zona a tratar, actuando como placas de um absoluta à sua prescrição.

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campo condensador. É a forma mais usada O termo ultra-sons designa as vibrações so-
na lombalgia; noras que ultrapassam o limite de frequência
–– Em campo de indução, utilizando um cabo percebida pelo ouvido humano. Considera-se
de indução originando-se no interior do se- este limite a rondar os 17.000 ultra-sons (Hz).
lenóide formas de corrente induzidas, com Exceptuando os efeitos decorrentes do valor da
a mesma frequência da corrente indutora, frequência, os US têm características idênticas
que se transformam em calor. Em geral, esta aos sons em geral. Consistem em fenómenos de
última forma é mais aplicada em membros compressão/descompressão alternados, reque-
e não tanto nas situações de lombalgia. rendo um meio de transporte de energia. Podem
ser refletidos ou refratados, convergentes ou di-
Alta frequência pulsátil vergentes. Consoante o meio físico de propaga-
ção, a energia transmitida pode variar por dis-
As correntes de alta frequência produzem sipação ou conversão.
um campo electromagnético, isto é, um campo Na quantificação utilizamos três grandezas:
eléctrico e um campo magnético. O efeito térmi- –– A frequência medida em Hertz ou ciclos/
co resulta essencialmente do campo eléctrico. segundo. Na prática, usamos como unidade
Os efeitos atribuídos ao campo magnético in- o megahertz (MHz), sendo 1 MHz = 106 Hz.
cluem também a analgesia, para além de acção A faixa de utilização terapêutica vai dos 0,7
anti-inflamatória. Muitos estudos apontam para aos 3 MHz, sendo as mais comummente en-
estes efeitos e, a par desta investigação, assiste- contradas nos aparelhos actuais as de 0,8 e
se ao aparecimento de uma nova geração de 3 MHz;
aparelhos. –– A intensidade (potência por unidade de su-
Se utilizarmos correntes de alta frequência perfície), medida em watt por cm2. Em modo
por impulsos, vamos permitir que os mecanismos de aplicação contínua empregam-se geral-
de termorregulação tenham tempo de dissipar mente potências entre 0,2 e 3,5 watt/cm2,
o aquecimento resultante dos efeitos do campo podendo aumentar-se este valor quando apli-
eléctrico, sobressaindo assim os decorrentes do camos os US em modo interrompido (tam-
campo magnético. Isto permite que utilizando bém designado por pulsátil);
alta frequência pulsátil se possam tratar áreas –– O tempo. Prescrevemos geralmente sessões
com objectos metálicos, ou patologias em fase que vão dos 5 aos 15 minutos.
mais aguda. As correntes de alta frequência Na utilização dos US há ainda a considerar:
pulsátil são assim também chamadas de «atér- –– O modo de aplicação em «ponto fixo» ou,
micas». mais frequentemente, «em varrimento», em
que a «cabeça» do aparelho desliza lenta-
Ultra-sons mente sobre a área a tratar;
–– O modo intermitente (ou pulsado, ou inter-
Os ultra-sons (US) constituem outra possibili- rompido), com efeito térmico mínimo.
dade de atingir o aquecimento em profundidade, Os aparelhos de US possuem geradores pie-
quando aplicados em modo contínuo. Para além zoelétricos, isto é, produção de electricidade

18 Tópicos em destaque na dor


Terapia física na lombalgia

por pressão. Este fenómeno é reversível. Assim, Tabela 1. Resumo das modalidades de termoterapia
se se colocar, por exemplo, uma lâmina de Termoterapia superficial:
quartzo num campo eléctrico de polaridade al- –– Condução (hydrocollator, balneação quente,
terna, a lâmina varia de espessura consoante o parafina, parafangos, almofadas eléctricas);
–– Convecção (correntes de fluidos – ar, água);
campo. Este fenómeno verifica-se com correntes –– Irradiação (conversão de energia radiante –
de frequência elevada. Na aplicação de US, é infravermelhos, helioterapia)
indispensável a presença de um meio adequado

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Termoterapia profunda:
de transmissão das vibrações, geralmente um –– Conversão (diatermia – ondas curtas, decimétricas,
gel ou água, dado que caso contrário os US micro-ondas; ultra-sons)
dissipam-se no ar.
Designa-se por fonoforese a penetração atra-
vés da pele de substâncias farmacologicamente
activas (pomadas e cremes), facilitada por meio –– Áreas com objectos metálicos (não é igual-
da aplicação de US. mente uma contraindicação absoluta, mas
O efeito terapêutico da onda sonora resulta pode constituir uma limitação);
da transmissão de energia cuja absorção se efec- –– Útero grávido;
tua por um processo de agitação molecular, de –– Cartilagem de conjugação (ou epífises de
que resultam efeitos mecânicos, térmicos e quími- crescimento);
cos. O efeito mecânico (microcirculação) modifica –– Fractura recente;
a permeabilidade capilar e estimula os receptores –– Áreas de laminectomia.
nervosos através de acções locais e sistémicas.
O efeito térmico resulta da conversão da ener- Electroterapia
gia em calor. A elevação da temperatura varia
com a frequência utilizada, a intensidade, o tem- São várias e muito curiosas as descrições que
po e o modo de aplicação (maior para a moda- encontramos na Antiguidade (com Aristóteles,
lidade em «ponto fixo»), a profundidade e o tipo Plínio ou Plutarco) de efeitos biológicos da elec-
de tecido biológico. Nos efeitos químicos, salien- tricidade, quando se utilizavam peixes eléctricos,
ta-se a possibilidade da passagem de colóides do como o torpedo ou algumas espécies de enguias.
estado de gel a sol, o que permite a introdução Com Alessandro Volta nasceu o conceito de
de água em determinados meios. Daí a eficácia «electricidade animal», abrindo-se o caminho
dos US nas situações de «perda de elasticidade». para o estudo das acções da corrente eléctrica
Da aplicação de US resulta a libertação de nos nossos tecidos. À medida que os fenómenos
substâncias celulares, de entre as quais se des- eléctricos foram sendo conhecidos e as suas leis
taca a histamina. científicas estabelecidas, procurou-se encontrar
Em resumo, temos como principais efeitos uma possibilidade para a sua aplicação médi-
dos US: hiperemiante, espasmolítico, analgési- ca. Com o progressivo desenvolvimento da ciên-
co, anti-inflamatório, fibrinolítico. cia foi possível comprovar em definitivo o in-
Como principais limitações ou contra-indica- teresse da electricidade para a medicina, quer
ções ao seu uso: na sua utilização diagnóstica quer no seu uso
–– Aplicação na área cardíaca (o que não su- terapêutico. O recurso ao electrodiagnóstico e
cede na terapia da lombalgia); à electroterapia fazem hoje parte do quotidiano
–– Aplicação no globo ocular (também não su- da prática clínica. O seu futuro será necessaria-
cede na lombalgia); mente ainda mais desenvolvido.
–– Presença de pacemaker (não é uma contra Há uma enorme variedade de correntes eléc-
-indicação absoluta, mas pode constituir uma tricas susceptíveis de serem utilizadas. Muito sin-
limitação); teticamente podemos dividi-las em:

Lombalgia – Tratamento não invasivo 19


P. Cantista

–– Correntes interrompidas: fluem por impulsos, Neste processo de tratamento envolvemos


com intervalo de tempo entre eles; eléctrodos com uma esponja embebida num so-
–– Correntes não interrompidas: fluem sem in- luto contendo o ião que pretendemos adminis-
tervalos. Se houver mudança de polaridade, trar. Para que a força de repulsão de cargas
designam-se por correntes alternas; se não eléctricas do mesmo sinal se exerça ajudando a
houver, designam-se por correntes contínuas penetração, é obviamente necessário colocar os
ou unidireccionais. iões positivos no eléctrodo positivo e os negati-

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As correntes interrompidas distinguem-se pe- vos no eléctrodo negativo.
las características dos seus impulsos: São inúmeras as indicações da iontoforese,
–– Forma (rectangular, triangular, exponencial); dependendo dos efeitos das substâncias adminis-
–– Duração; tradas, mas também da polaridade considera-
–– Intensidade; da, como atrás referimos. De entre as mais uti-
–– Tempo de pausa ou repouso (intervalo entre lizadas referimos o salicilado de sódio, o iodeto
os impulsos); de potássio e o cloreto de cálcio. Alguns autores
–– Polaridade (sentido positivo ou negativo); apontam ainda a possibilidade da administra-
–– Frequência (número de impulsos por unidade ção de anti-inflamatórios não-esteróides por esta
de tempo). via. Provou-se também, em definitivo, a possibi-
De acordo com a sua frequência, podemos lidade de penetração de corticóides e de anes-
classificar as correntes em: tésicos por esta via, tendo-se desenvolvido apa-
–– Correntes de baixa (até 100 Hz); média (até relhos e eléctrodos especialmente idealizados
10.000 Hz) ou alta frequência (100.000 Hz). para a iontoforese destes fármacos.
As correntes de baixa frequência utilizam-se O desenvolvimento tecnológico deu lugar a
sobretudo pelo seu efeito excitomotor. uma marcada evolução da electroterapia. Nos
As correntes de média frequência são muitas dias de hoje é possível dispor de dispositivos
vezes utilizadas em dois circuitos interferenciais sofisticados que possibilitam um «menu» de cen-
com uma resultante de baixa frequência. Podem, tenas de programas de «correntes» num mesmo
por isso, ser também utilizadas para estimulação aparelho.
neuromuscular, para além do seu emprego em De acordo com o objectivo do tratamento
analgesia. Estas correntes foram idealizadas pelo (analgesia, estimulação muscular, iontoforese,
Dr. Hans Nemec (1907-1981), sendo por isso reabsorção de edemas, etc.), é possível seleccio-
também conhecidas como correntes «nemectro- nar um tipo específico de corrente com as ca-
dínicas». racterísticas pretendidas para o objectivo tera-
De entre as correntes contínuas, utiliza-se pêutico.
sobretudo a corrente galvânica (baixa tensão: Assistiu-se também à progressiva miniaturi-
60-80 Volts; intensidade até 200 mA). Os efei- zação dos aparelhos, o que nos possibilita
tos desta corrente são diferentes no pólo positivo dispor de pequenas unidades portáteis, facili-
(fundamentalmente, vasoconstrição e analgesia) tando o tratamento ambulatório e domiciliário
ou no pólo negativo (vasodilatação, efeito tró- dos nossos doentes. Este desenvolvimento mos-
fico e espasmolítico). Podemos também utilizar trou-se particularmente útil no tratamento da
a corrente galvânica como força electromotriz, dor, através da chamada estimulação eléctrica
permitindo facilitar a passagem de iões, em transcutânea, vulgarmente conhecida pela sigla
solução, através da pele. Este transporte activo TENS (iniciais em inglês de transcutaneous elec-
de substâncias farmacologicamente activas, ul- trical nerve stimulation). É sobre esta modalida-
trapassando uma «barreira» biológica por meio de de electroterapia, de prescrição altamente
da corrente galvânica, denomina-se iontoforese generalizada na lombalgia, que a seguir refe-
ou, na gíria, ionização. riremos.

20 Tópicos em destaque na dor


Terapia física na lombalgia

TENS evitando uma generalização protocolada, de


muito menor sucesso.
A analgesia por TENS pode ser efectuada Como limitações ao uso da aplicação de
em diversas modalidades. Para dores agudas TENS destacamos: a presença de pacemaker
obtém-se grande eficácia com o chamado high cardíaco, útero grávido, situações de alodinia
TENS ou TENS de alta frequência, em que usa- ou hiperalgesia.
mos frequências na ordem dos 100-150 Hz com

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baixa intensidade, em sessões de 20 a 30 mi- Fototerapia
nutos. Obtém-se um efeito contra-irritante funda-
mentalmente pela estimulação de fibras nervo- Designa-se por fototerapia a utilização tera-
sas mais mielinizadas, de condução mais rápida, pêutica da energia fotónica, veiculada através
que interferem com a «entrada» de impulsos do- das radiações electromagnéticas.
lorosos conduzidos por fibras lentas menos mie- A helioterapia (tratamento pela luz solar), os
linizadas (essencialmente fibras A∂ e C), ao nível raios infravermelhos (IV), os raios ultravioletas
do corno posterior da medula. Esta modalida- (UV) e os raios LASER são as modalidades de
de de TENS actua rapidamente mas é de rela- fototerapia utilizadas.
tiva curta duração. O seu efeito prende-se com Uma radiação electromagnética é uma for-
do facto de os opióides endógenos libertados ma de energia que se transmite no espaço, sem
após este tipo de estimulação terem uma semi- necessidade de um meio de suporte ou de con-
vida curta. tacto entre a fonte produtora e o alvo a atingir.
Maior efeito analgésico poderá ser obtido As radiações electromagnéticas distinguem-
através do chamado acupuncture-like TENS, co- se pelo seu comprimento de onda e pela sua
mummente designado por AL TENS. Nesta forma frequência, originando diferentes níveis de ener-
de estimulação utilizam-se baixas frequências gia que vão condicionar diversos efeitos bioló-
mas com grande intensidade. É um tratamento gicos ao actuarem no organismo humano.
desconfortável que provoca maior libertação de Assim, os IV têm como efeito essencial o
opióides com semivida mais longa. Outra forma aquecimento superficial. Como para a sua apli-
bastante utilizada de TENS é o denominado cação não é necessário o contacto directo com
burst mode que utiliza «trens» de impulsos asso- a pele, é possível a sua visualização durante o
ciados em bloco, como se de um único impulso tratamento, o que constitui uma vantagem rela-
se tratasse, com frequências baixas. Produz um ção a outras formas de termoterapia superficial.
efeito analgésico de relativa duração. O burst Os UV, descobertos por Ritter em 1801,
mode e o AL TENS são particularmente utiliza- dividem-se em três gamas de frequência: UVA
dos em situações crónicas. (de 4000 a 3150 Angström), os UVB (de
O sucesso de qualquer modalidade de TENS 3150 a 2800 Angström) e os UVC (de 2800
está directamente relacionado com a correcta a 1850 Angström).
utilização dos aparelhos: colocação de eléctro- Os ultravioletas não constituem propriamente
dos (por exemplo, não se devem colocar sobre uma terapia analgésica. No entanto, merecem
o locus dolenti, mas um pouco ao lado; coloca- aqui referência pelo seu potencial terapêutico
ção de um ou dois circuitos – dois ou quatro em situações que, de certa forma, podem rela-
eléctrodos; em paralelo ou cruzados, etc.), esco- cionar-se com quadros lombálgicos. Dos efeitos
lha da frequência, duração, intensidade, número dos UV destaca-se o fotoquímico, capaz, por
e ritmo das sessões. É absolutamente necessário exemplo, de actuar sobre as provitaminas D3
estabelecer uma detalhada e correcta prescri- (ergosterina e dihidrocolesterina), transforman-
ção, face à situação específica. Cada caso deve do-as em vitamina D3; actuar na oxigenação da
merecer uma atenção rigorosa, personalizada, melanina; ter uma acção sobre as proteínas e

Lombalgia – Tratamento não invasivo 21


P. Cantista

ácido nucleicos podendo conduzir a mutações Janet Travell e David Simons), tender-points (fibro-
e morte celular. Por este último motivo, são utili- mialgia), pontos de Valleix, zonas de Head, etc.
zados em esterilização de feridas e de instrumen- Este efeito parece resultar da elevação do
tos e materiais médico-cirúrgicos. A sua utiliza- limiar de dor dos receptores periféricos, da liber-
ção médica no tratamento de úlceras de pressão tação de opióides endógenos e da activação do
evidencia muito bons resultados, dado que as- eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal, com aumen-
socia ao efeito antisséptico uma acção trófica, to da ACTH e do cortisol circulantes.

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que em muitos casos acelera o processo de ci- Há um grande potencial a explorar no uso
catrização. da radiação LASER, sendo que existem diversas
O termo LASER deriva das iniciais das pala- variedades: de rubi, de gás (atómicos, iónicos e
vras inglesas light amplification by simulated moleculares), de líquidos, de semicondutores.
emission of radiation. Trata-se pois de uma emis- Dos LASER a gás estão particularmente di-
são estimulada de radiação luminosa, capaz de vulgados os de hélio-néon e os de dióxido de
transportar grandes quantidades de energia, carbono (CO2). Possuem características diferen-
devido às suas características de radiação ho- tes que devem ter tidas em conta aquando da
mogénea (monocromática), coerente e unidirec- sua utilização.
cional. Isto é: podemos concentrar numa «emis- Os LASER com semicondutores são o resul-
são linear» toda a energia, sem divergência, ao tado de um aperfeiçoamento tecnológico dos
contrário do que sucede, por exemplo, quando, conhecidos díodos luminescentes (LED). Apresen-
a partir de um foco, se emite luz branca (mistu- tam grande eficácia porque o seu factor de
ra heterogénea de radiações, incoerente, multi- conversão de potência é de 5 a 8%, enquanto
direccional e divergente). em outros anteriores esse factor era de 1%.
A radiação LASER pode ser utilizada de Funcionam com tensões baixas e o seu custo vem
modo contínuo ou por impulsos. Os seus parâ- experimentando alguma redução, dado o seu
metros são o comprimento de onda, a potência, amento de produção.
o tempo da aplicação e a frequência. Os efeitos Há assim uma alargadíssima gama de pos-
directos distinguem-se geralmente consoante se sibilidades terapêuticas com a radiação LASER,
utiliza o LASER de potência (efeito térmico e me- face à enorme diversidade de aparelhos, de
cânico), o LASER cirúrgico, ou o chamado LA- frequências, intensidades. A fototerapia, basea-
SER terapêutico (efeito bioquímico, bioenergéti- da na aplicação da unidade mais pequena de
co e bioeléctrico). energia (o fotão), constitui um vastíssimo campo
Ao nível celular, verifica-se uma acção sobre de investigação que urge explorar. O seu po-
as mitocôndrias, com produção de ATP, aumen- tencial de utilização terapêutico é imenso. Con-
to da síntese proteica, modulação da actividade ceptualmente pensamos assim: utilizar a mais
enzimática e estimulação dos processos de mul- pequena forma de energia permite, no plano
tiplicidade celular. Daqui se depreende a sua teórico, conseguir as variações energéticas em
acção trófica e cicatrizante. que se fundamentam os princípios da medicina
Ao nível intercelular, o LASER tende a baixar física.
o pH do meio e a estimular a microcirculação,
com aumento da concentração tecidular de agen- Terapias manuais e tracção
tes biológicos nutritivos e de defesa imunitária, vertebral
bem como a resolução de edemas.
Verifica-se também um efeito analgésico, po- Nenhuma abordagem dos meios físicos de
dendo a radiação LASER ser aplicada em irra- tratamento dispensará uma referência às técni-
diação local ou em pontos determinados (laser- cas de terapia manual. Incluímos nestas: a mas-
punctura), como pontos gatilho (trigger-points de sagem, a manipulação e a cinesiterapia. São

22 Tópicos em destaque na dor


Terapia física na lombalgia

terapias ancestrais, descritas desde há milhares manobras efectuadas. Não há duas sessões de
de anos. Permanecem na nossa prática, com massagem iguais, mesmo com o mesmo terapeu-
larga utilização, muito particularmente na lom- ta. Tal como em outras áreas terapêuticas, a
balgia. Fazem parte do objecto da Medicina massagem surge-nos como um processo dinâmi-
Ortopédica que inclui ainda a tracção vertebral. co em que o conhecimento do doente pelo mas-
Contra o que seria de esperar, estas técni- sagista e a sua experiência determinam grande
cas não são conhecidas em detalhe pela gran- parte do sucesso terapêutico.

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de maioria dos médicos. Há uma certa tendên- Não há grandes limitações à prescrição de
cia preconceituosa de uma certa pseudocultura massagem mas, assim mesmo, referimos: áreas
médica actual, que tende a desvalorizar a mas- de feridas na pele, infecções, estados agudos
sagem. Erro crasso! Se pensarmos que uma febris, caquexia, surtos psicóticos, alodinia, hi-
massagem cardíaca pode salvar uma vida, re- peralgesia. Algumas destas situações podem ser
vertendo uma paragem cardiorrespiratória; que contornadas mas outras podem constituir mesmo
uma massagem torácica pode igualmente fazê contra-indicações.
-lo no decurso de um afogamento, isto bastaria No que respeita à manipulação, muitas das
para darmos à massagem a atenção que ela considerações atrás referidas em relação à mas-
merece. Como em muitas áreas da medicina, sagem também aqui se podem aplicar. Existe
os clínicos parecem votar ao esquecimento, se- um grande desconhecimento e desinteresse mé-
não mesmo ao abandono, o recurso a práticas dico que acabou por ver muito reduzido o nú-
muito válidas. mero de clínicos a praticarem medicina manual,
O desconhecimento da massagem é pois particularmente as manipulações. Osteopatas e
quase uma regra nos dias de hoje. Prescreve- quiropráticos têm grande aceitação por parte
se massagem sem particularizar qual ou quais dos doentes. Seria muito útil que os princípios
as manobras a aplicar e em que sequência. da medicina manual tivessem outra divulgação
Ora, os efeitos das diferentes manobras de mas- na classe médica. Nomes como James Cyriax,
sagem são substancialmente diferentes, por ve- Robert Maigne, ou dos seus continuadores Sal-
zes mesmo antagónicos. Por exemplo, conse- vador Hernández Conesa ou Robert Pastrana
guimos um efeito relaxante muscular ou, pelo deixaram-nos escola. Permanecem os seus segui-
contrário, tonificante com diferentes manobras dores, a quem se pede um maior esforço de
de massagem. Por isso, prescrever simplesmente investigação, ensino e divulgação.
«massagem» é incorrecto. Torna-se necessária a Não são muitas as indicações da manipula-
especificação das técnicas, do seu local de apli- ção. Todavia são situações muito frequentes.
cação, da sua duração. Exigem rigor metodológico nas suas indicações
Consideram-se como manobras fundamentais e na execução das suas técnicas. A manipula-
de massagem: o afloramento, a pressão, a mala- ção pode envolver riscos graves e, como tal, a
xação (ou amassamento), a fricção, a percussão, avaliação e selecção dos casos deve observar
a agitação e a vibração. Cada uma destas ma- cuidados criteriosos.
nobras tem variantes ou submanobras, todas com No âmbito da medicina ortopédica inclui-se
o seu interesse particular. As sete manobras fun- ainda a utilização de técnicas de tracção mecâ-
damentais de massagem têm efeitos distintos. nica. Trata-se de uma técnica extremamente im-
Para se obter benefícios terapêuticos com a utili- portante para o tratamento da lombalgia, que
zação da massagem é, pois, necessário conhecê não deve ser menosprezada ou esquecida. Mui-
-las bem. A massagem tem uma forte componente tos doentes têm indicação para a sua aplicação
de variação, sendo claramente operador-depen- e disso vêm depois a colher benefícios. Costu-
dente. A relação entre o massagista e o doen- mamos classificar as tracções em contínuas ou
te influencia muitíssimo as reacções deste às intermitentes. Para este caso necessitamos de

Lombalgia – Tratamento não invasivo 23


P. Cantista

aparelhagem própria, que permite uma aplica- emergência, dureza, alcalinidade ou conteúdo
ção segura das intensidades e direcções das biológico. A crenoterapia constitui a base da me-
forças programadas. dicina termal, associando-se às práticas de medi-
Uma brevíssima referência à cinesiterapia. cina física e de reabilitação, também incluídas
Podemos inclui-la no domínio dos agentes físicos nas estâncias termais.
já que o movimento é uma forma de energia A talassoterapia está também incluída na
(energia cinética). hidrologia médica e diz respeito ao tratamento

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As técnicas cinesiterápicas classificam-se em por água do mar e produtos marinhos (algas,
mobilizações passivas, activas, activas-assistidas, corais, areias – psamoterapia). Existem muitos
activas resistidas, autopassivas e em técnicas estabelecimentos de talassoterapia na Europa,
especiais. Cada uma destas técnicas tem ob- com muitos utentes lombálgicos.
jectivos definidos. Desde a recuperação ou ga- Como técnicas hidroterápicas principais uti-
nho de amplitudes articulares, força muscular, lizadas no tratamento da lombalgia destacamos:
funcionalidade proprioceptiva e motora. Mas os banhos (simples, de hidromassagem, carbo-
através da cinesiterapia também se pode con- gasosos), os duches (de jacto, de leque, circu-
seguir um efeito analgésico e por isso ela é lares, pulverizados, duches-massagem), as técni-
uma arma fundamental no tratamento das lom- cas de vapor (particularmente para a lombalgia,
balgias. O exercício terapêutico é, no fundo, a maca de vapor à coluna de Bertholet).
uma forma de cinesiterapia, mas a ele não nos Referência ainda para a aplicação de pelói-
referiremos dado ser objecto de um outro capí- des, termo que engloba um variado conjunto de
tulo deste livro. substâncias: lamas, fangos, turfas, lodos, limos,
bareginas, sapropel. As suas acções estão bem
Hidroterapia e crenoterapia investigadas e o seu uso tem muito interesse na
lombalgia. Infelizmente, em Portugal, a produ-
Finalizamos este capítulo com uma breve ção de pelóides quase desapareceu, com mani-
abordagem sobre a utilização da água como festo prejuízo para quem deles retirava muitos
meio terapêutico para a lombalgia. O tema benefícios.
merece uma abordagem alargada, o que não é A utilização do movimento e/ou de exercício
compreensivelmente possível num simples capí- em meio aquático designa-se por hidrocinesite-
tulo. Contudo a sua referência é indispensável. rapia, e está muito em voga nos nossos dias
Definimos hidroterapia como a aplicação para o tratamento da lombalgia.
externa da água com fins terapêuticos através Uma vez mais se expressa a necessidade de
da acção dos seus princípios físicos. Incluímos prescrições mais detalhadas nesta área, contraria-
nestes os princípios térmicos, os hidrostáticos mente aos lacónicos e insuficientes conselhos de
(impulsão – princípio de Arquimedes e pressão «vá para a piscina» ou «faça natação», «pratique
hidrostática – princípio de Pascal) e os hidrodi- hidroginástica»… Exige-se mais, convenhamos.
nâmicos (turbulência, movimentos da água e do
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24 Tópicos em destaque na dor


Terapia física na lombalgia

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Lombalgia – Tratamento não invasivo 25


Capítulo 3

A importância da postura
e do exercício na lombalgia

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João Páscoa Pinheiro, João Paulo Branco e Pedro Figueiredo

A importância da postura A atividade postural é definida como o ato


e do exercício na lombalgia ou a condição de manter, restaurar ou facili-
tar um estado de equilíbrio no decurso de um
Os elementos posturais determinado desempenho motor ou atividade
específica4. Esta condição fisiológica é essen-
A tipologia postural da coluna vertebral e as cial para a realização de atividades de vida
caraterísticas específicas do exercício físico têm diária, profissionais ou desportivas em diferen-
sido associadas a diversas manifestações noci- tes graus de exigência cinestésica, com eficácia
cetivas da coluna lombar, nomeadamente no funcional e protegendo as diferentes estruturas
âmbito da dor e da deterioração funcional. Mui- anatómicas interessadas na tarefa, eventual-
tos estudos que tentam estabelecer estas corre- mente a coluna lombar. A eficiência de um
lações mostram-se contraditórios e pouco obje- padrão de mobilidade pode ser identificada
tivos1. No contexto da informação cinestésica, pelo consumo energético de uma determinada
existem evidências de que a dor lombar e de- tarefa, nomeadamente na deslocação do cen-
terioração propriocetiva, medida na deteção tro de gravidade 5 mas também na manuten-
de limiares ativos ou passivos, são diretamente ção postural. Assim, a postura surge como uma
correlacionáveis2. Fica assim aberta uma área capacidade do indivíduo em manter o centro
de forte investimento científico para acrescentar de gravidade na sua base de sustentação, com
conhecimento, nos âmbitos da atividade postu- baixo consumo de energia com adequada fun-
ral, do exercício físico e da dor nas costas. As cionalidade6. A mulher pós-menopáusica com
metodologias de investigação são diversas e a dor pélvica crónica apresenta deterioração do
heterogeneidade das amostras retiram especifi- controlo postural e das respostas antecipatórias,
cidade aos resultados. Os procedimentos mé- bem como deterioração do normal alinhamento
tricos surpreendem-nos pela originalidade e as sagital do ráquis7. Os programas de reabilitação
linhas de investigação não param de crescer. que promovem a estabilização do tronco são efi-
Referimos como exemplo um estudo que utiliza cazes para melhorar as atividades posturais, a
um inclinómetro, suportado por uma aplicação biomecânica segmentar e a dor raquídea fun-
móvel, utilizando o sentido de posição articular cional, nomeadamente em populações jovens8.
como marcador indireto do sentido proprioceti- Também o gesto desportivo, com diferentes es-
vo em doentes com dor lombar crónica não-es- pecificidades e exigências cinéticas, vai condi-
pecífica3. cionar respostas adaptativas, nomeadamente na

26 Tópicos em destaque na dor


A importância da postura e do exercício na lombalgia

coluna vertebral, nos diversos sistemas de con- utiliza vários procedimentos fisiológicos que
trolo da postura9. recolhem e organizam aferências sensoriais,
Para compreender a estabilidade postural e particularmente vestibulares, somatossensoriais
a forma como o exercício físico pode influenciar e visuais capazes de promoverem qualidade
a sua organização num individuo, é necessário suficiente na resposta eferente15. O sistema ves-
introduzir os conceitos de equilíbrio, coordena- tibular controla o equilíbrio mediante aferências
ção e de proprioceção10, conforme alguns exem- relativas à posição da cabeça, particularmente

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plos já antes mencionados. Cada um destes a aceleração, o movimento linear e angular.
conceitos, inerentes aos programas de exercício Desta forma, torna-se possível manter estável a
terapêutico, pode contribuir para um acréscimo imagem sobre a retina, com os movimentos ce-
da eficiência gestual e da funcionalidade da fálicos e cervicais, recorrendo apenas a ajus-
coluna lombar. Estes programas terapêuticos ade- tamentos específicos e consecutivos no globo
quam respostas preditivas ou reativas em função ocular. Falamos também de respostas compensa-
de exigências cinéticas estáticas ou dinâmicas, tórias de natureza postural (reflexo espinho-ves-
tanto concêntricas como excêntricas4,10. Com- tibular), oculomotoras (reflexo vestíbulo-ocular) e
preende-se assim que a correta gestão postural viscerais (reflexo vestíbulo-cólico). O sistema vi-
e uma boa condição funcional sugerem menos sual é também fundamental na gestão da bipe-
dor e mais capacidade participativa. dia e nos movimentos da cabeça, particularmen-
Ao longo da evolução da espécie humana, te o olhar horizontal, permitindo a identificação
a coluna vertebral identifica profundas modifi- e referenciação espacial dos objetos, estáticos e
cações, decisivas na progressiva adaptação à em movimento16.
bipedia e a utilização inteligente do membro O sistema somatossensorial é também essen-
superior e particularmente da mão11. Esta orga- cial nesta gestão postural, recolhendo as afe-
nização morfológica e topográfica assume as- rências propriocetivas, também denominadas
sim um papel relevante na proteção das estrutu- mecanorrecetivas (aferências cutâneas, cápsulo
ras e na eficácia da biomecânica segmentar, -ligamentares, miotendinosas, tendinosas e do
limitando a dor e potenciando a função. fuso neuromuscular) e permitindo a sua rápida
O controlo postural é frequentemente identi- condução para o córtex parietal17,18. Neste con-
ficado com a capacidade de verticalização e texto, tanto os cordões posteriores como as vias
de manter o movimento do corpo, sem compro- espinhocerebelosas são essenciais na organiza-
meter o posicionamento do centro de gravidade, ção e no controlo postural18.
limitando as flutuações adaptativas do corpo. A estimulação cinestésica decorrente da pres-
Por outro lado, a ideia de coordenação identifica crição de exercício terapêutico pode, assim, pro-
a possibilidade de deslocar um ou mais segmen- mover uma compreensão racional entre adequa-
tos do corpo de forma controlada e adequada ção postural, organização motora e controlo
às caraterísticas exigidas para aquele gesto ou nocicetivo, particularmente no contexto da dor
tarefa12. Trata-se de permitir o desenvolvimen- lombar crónica2,19. As relações entre o controlo
to de desempenhos motores, numa dada veloci- postural e a patologia raquídea podem funda-
dade angular, numa direção, num tempo certo mentar-se na qualidade da atividade muscu-
de execução, com a força e o tónus necessários. loesquelética, na atividade sensorial e nos me-
Referimo-nos a uma gestão perfeita da concetua- canismos reativos externos (dinâmicos) e internos
lidade gestual, nas atividades agonistas, antago- (reativos). Nos programas terapêuticos importa
nistas e estabilizadores estáticos. Por vezes, este considerar a capacidade de fortalecimento mus-
conceito confunde-se com a ideia de equilíbrio, cular, a possibilidade de introduzir informação
enquanto sistema estável de gestão de atividades cinestésica, a introdução também de informa-
motoras complexas13,14. A estabilidade postural ções labirínticas e visuais, a estimulação da

Lombalgia – Tratamento não invasivo 27


J.P. Pinheiro, et al.

coordenação cerebelosa (cerebelo e núcleos cen- O DIV é uma estrutura heterogénea multicom-
trais de substância cinzenta) e toda a restante ponente formada por um annulus fibroso perifé-
gestão da qualidade postural20. rico fibrocartilaginoso com lamelas de colagénio
Em atividades quotidianas, o sistema recorre (tipo I), dispostas concentricamente com orienta-
em 70% a informação propriocetiva, 20% a ção alternante e fibroblastos; um núcleo culposo
informação vestibular e 10% a aferências vi- central semifluido/gelatinoso rico em colagénio
suais. Nas tarefas mais exigentes ou aquelas em tipo II desorganizado, agrecanos, elastina, água

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que os programas terapêuticos são mais espe- e células condrócito-like; placas terminais que
cíficos, estas percentagens podem ser altera- participam na ancorarem do DIV ao corpo ver-
das21. Assim, as caraterísticas cinesiológicas do tebral. A inervação está dependente do nervo
programa de exercício terapêutico devem ser sinuvertebral com aferência autonómica do ramo
adequadas ao contexto clínico, particularmente comunicante cinzento. A vascularização é feita
sustentado no diagnóstico etiopatogénico da dor por difusão a partir da plataforma vertebral.
lombar. Em conclusão, as alterações do contro- Assim, as forças compressivas de aplicação di-
lo postural são frequentes na clínica quotidiana, nâmica regular de direção axial e não-rápida/
nomeadamente no âmbito da dor lombar, asso- explosiva promovem um adequado estímulo de
ciando dor, contratura e fadiga fácil22-24. Os nutrição ao núcleo pulposo e annulus fibroso27.
programas de exercício terapêutico são um ele- A aplicação de forças estáticas ou de elevação
mento incontornável na abordagem destas pa- de velocidade, em direção torsional ou nos limi-
tologias. tes angulares do movimento, alteram o estado
de hidratação e criam stress de cisalhamento,
Os elementos anatómicos alterando a vascularização e promovendo dimi-
nuição da celularidade, alterações da matriz-ex-
A coluna vertebral humana é uma construção tracelular (diminuição agregados e switch de
autossustentada de elementos ósseos, cartilagí- colagénio tipo II/tipo X), neoangiongenese e
neos, ligamentares e musculares. Na posição neoneurogenese a nível do annulus fibroso com
ortostática definem-se quatro curvaturas sagitais, aumento proporcional de fibras nocicetivas rela-
que são o resultado da evolução da quadrupe- tivamente às propriocetivas28.
dia para a posição bípede. A lordose formada Como resultado da lordose lombar, a pres-
pelas cinco vértebras lombares aparece aos três são axial exercida sobre o disco numa coluna
anos de idade, e aos oito adquire a sua postura lordótica resultará em tensão na região anterior
definitiva25. Embriologicamente, a metade infe- do disco. A modificação da normal curvatura
rior de uma vértebra e a metade superior da lombar leva a que a pressão axial promova uma
inferior originam-se do mesmo segmento, com o translação posterior do núcleo pulposo, aumen-
disco intervertebral (DIV) entre eles, parcialmen- tando as forças de stress nos elementos lamela-
te remanescente da notocorda. res posteriores do annulus fibroso, contribuindo
O desenvolvimento do DIV na estrutura da para a estimulação nocicetiva do nervo sinover-
coluna vertebral trouxe uma vantagem evolutiva tebral ou compressão radicular29.
na locomoção. Permite funções de movimento Diversas propriedades anatómicas, bioquími-
individual intervertebral, transmissão de forças cas e biomecânicas tornam a região posterior
entre vértebras e absorção hidrodinâmica de do DIV a parte mais crítica e vulnerável de toda
forças26. Integra o pilar anterior da coluna ver- a articulação intervertebral: as fibras anulares
tebral, sendo um elemento-chave da anfiartro- posteriores são mais esparsas e finas do que as
se sínfise intervertebral. O conjunto dos 23 DIV anteriores; o nível de difusão de nutrientes é li-
completa 20-33% do comprimento da coluna, mitado; o ligamento longitudinal posterior ofere-
sendo a sua espessura crescente caudalmente. ce menor de estabilidade ao DIV que o anterior;

28 Tópicos em destaque na dor


A importância da postura e do exercício na lombalgia

devido aos arranjos mecânicos especiais das conjunto muscular que envolve a coluna lombar,
fibras anulares, a tensão tangencial de tração denominado core divide-se funcionalmente em
nas fibras anulares posteriores é de quatro a quatro grupos34:
cinco vezes a carga externa aplicada30. –– Extensores organizados em três camadas: a
Manter a lordose fisiológica normal é, por- mais superficial constituída pelos músculos ere-
tanto, importante na profilaxia das síndromes tores espinhais (ileocostalis, longissimus dorsi,
lombares29. spinalis), com origem numa ampla camada

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As articulações interapofisárias posteriores de fibras tendinosas aderentes à crista ilíaca,
(IAP) são verdadeiras articulações sinoviais, com- às cristas sagradas mediana e lateral e aos
postas por superfícies articulares de cartilagem processos espinhosos do sacro e da coluna
hialina, membrana sinovial, líquido sinovial, re- lombar (massa comum); a intermédia consti-
vestidas por uma cápsula articular. A superfície tuída pelos multífidos (entre os processos es-
articular superior é ligeiramente côncava e está pinhosos e as lâminas das duas a três vérte-
voltada medial e posteriormente. A superfície bras abaixo); o plano profundo é constituído
articular inferior convexa aponta lateral e ligeira- por músculos interespinhosos;
mente anterior. Em termos gerais, há uma mudan- –– Flexores constituídos por um músculo intrínse-
ça de uma orientação relativamente sagital em co (psoas-ilíaco) e um grupo de músculos ex-
L1-L3, para uma orientação mais coronal em L5 trínsecos, localizados na parede abdominal
e S131. Contribuem para o pilar posterior dinâ- (reto abdominal, oblíquos interno e externo,
mico da coluna vertebral, sendo a sua função transverso do abdómen). Estes desempenham
essencial dirigir os movimentos lombares no pla- um papel muito relevante na manutenção do
no sagital (flexão-extensão) e frontal (inclinação equilíbrio da cintura pélvica e da lordose
lateral). As caraterísticas estruturais das facetas lombar;
articulares impedem movimentos significativos –– Flexores laterais e rotadores – oblíquos inter-
de rotação32. A cápsula articular é espessa e nos e externos, intertransversários e quadra-
elástica nas faces dorsal, superior e inferior, sen- do lombar.
do a face ventral uma extensão do ligamento Os processos degenerativos a nível da colu-
flavum, delgada. Apresenta recessos pregueados na lombar não envolvem apenas a estrutura
nos polos superiores e inferiores, permitindo o discal e articular. A infiltração adiposa (FI) e a
grau de mobilidade necessário aos movimentos redução de volume têm sido descritas como al-
de flexão/extensão31. Foram identificadas pe- terações caraterísticas que ocorrem na degene-
quenas estruturas fibroadiposas intra-articulares ração muscular. O grau de infiltração da gordu-
«meniscoides», aderentes à cápsula articular e ra intramuscular parece afetar mais os músculos
que protegem as superfícies articulares superior extensores do tronco, evoluindo dos níveis infe-
e inferior expostas nos movimentos de flexão riores para os superiores35.
máxima33. A compressão destas estruturas nos A dor lombar pode modificar a ativação
movimentos complexos no plano sagital e trans- muscular central, com aumento da latência, di-
versal pode contribuir para a manifestação sin- minuição da produção de força e deterioração
tomática de dor29. A inervação das IAP é feita da coordenação e proprioceção36.
por fibras do ramo medial da raiz dorsal. Indivíduos com dor lombar crónica apresen-
O processo degenerativo discal diminui a taram menor acuidade para detetar mudanças
altura intervertebral, aumentando as forças me- na posição do tronco, e demonstraram erros de
cânicas compressivas a nível das IAP, contribuin- reposicionamento do tronco significativamente
do para o desenvolvimento de espondilartrose29. maiores37. As adaptações no controlo do movi-
A atividade muscular é essencial na manu- mento central podem, portanto, justificar a perda
tenção da estabilidade dinâmica segmentar. O do controlo central e, principalmente, aumentar

Lombalgia – Tratamento não invasivo 29


J.P. Pinheiro, et al.

as cocontrações musculares, promovendo au- existir benefício adicional em realizar um pro-


mento da fadiga neuromotora38-40. grama de exercício. Para além disso, os exercí-
A redução das aferências propriocetivas da cios de fortalecimento muscular podem potenciar
coluna vertebral em circuitos sensório-motores a dor lombar aguda devido à tensão adicional
corticais pode estar associada a alterações de nos ligamentos e músculos da região, que po-
neuroplasticidade. Essa reorganização cortical derão estar inflamados. Neste caso, é importan-
pode explicar as mudanças persistentes no con- te interromper o exercício de forma a diminuir

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trolo motor e a perda de funcionalidade e de- a inflamação e edema na área afetada e, con-
sempenho associada à manutenção da dor lom- sequentemente, reduzir o quadro álgico.
bar35, bem como a manutenção de anomalias
biomecânicas e de carga nos tecidos espinhais, Impacto das intervenções com
fatores predisponentes à degeneração discal e exercício na lombalgia crónica:
facetária39,40. treino aeróbico

A dor lombar e o exercício A baixa aptidão aeróbia foi associada a


como elemento terapêutico quadros de lombalgia crónica. Por outro lado,
intervenções com exercício aeróbico têm de-
Na abordagem terapêutica à lombalgia ines- monstrado benefícios na abordagem terapêuti-
pecífica crónica recomenda-se que o doente se ca da lombalgia crónica. O exercício aeróbico
mantenha fisicamente ativo, uma vez que longos promove os níveis de condicionamento físico e
períodos de inatividade têm um efeito negativo melhora o estado funcional dos indivíduos com
na sua recuperação. Vários tipos de exercícios lombalgia crónica, reduzindo a incapacidade e
têm sido utilizados no tratamento da lombalgia a cinesiofobia na realização de atividades de
inespecífica crónica, mas desconhece-se até à vida diária. Além disso, aumenta o fluxo sanguí-
data qual o regime mais efetivo41. Além disso, neo promovendo o aporte de nutrientes para a
níveis demasiado baixos ou elevados de ativi- região lombar, melhorando o processo de cica-
dade física podem também estar associados ao trização e reduzindo a contratura que resulta no
desenvolvimento de quadros de dor lombar, o quadro álgico. O exercício aeróbico com dura-
que dificulta a utilização da atividade física na ção de 30-40 minutos promove a produção de
abordagem terapêutica da lombalgia. endorfinas que se ligam a recetores opioides no
No caso da lombalgia inespecífica crónica, sistema nervoso central e reduzem a perceção
torna-se ainda mais difícil a prescrição de um da dor, de forma semelhante à morfina e à
regime de exercício específico, dada a origem codeína. O aumento da produção endógena de
desconhecida da dor42. Por esse motivo, regimes endorfina é uma alternativa natural para o alívio
mais generalizados de exercício são, habitual- da dor e pode contribuir para a redução da
mente recomendados. Contudo, têm sido repor- lombalgia crónica44. Assim, programas de rea-
tados resultados promissores para a utilização bilitação com exercícios aeróbicos podem ser
de programas de reabilitação com vários com- utilizados como método conservador para redu-
ponentes. zir a lombalgia crónica, evitando a dependên-
cia da farmacoterapia para o alívio da dor.
Impacto das intervenções com Várias intervenções com exercício aeróbico
exercício na lombalgia aguda em doentes com lombalgia crónica têm apresen-
tado resultados promissores. Exercício aeróbico
A maioria dos indivíduos com lombalgia ines- em ciclo‑ergómetro durante 20 minutos, com
pecífica aguda recupera em quatro a seis sema- consumo máximo de oxigénio de 70%, reduziu
nas, com ou sem tratamento43, não parecendo a perceção da dor por mais de 30 minutos em

30 Tópicos em destaque na dor


A importância da postura e do exercício na lombalgia

doentes com lombalgia crónica. A combinação coluna têm como objetivo aumentar a força e a
de um plano de exercício aeróbico de intensi- resistência destes músculos, melhorando a esta-
dade moderada com um programa de fisiotera- bilidade da coluna. Contudo, estes exercícios
pia convencional também demonstrou benefício. não demonstram eficácia em situações de lom-
Após um programa de oito semanas, verificou-se balgia aguda. É assim importante identificar os
uma redução da lombalgia inespecífica crónica exercícios mais eficazes para o grupo a inter-
em 47% dos participantes, comparativamente a vencionar, ao invés de utilizar uma abordagem

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42% no grupo controlo tratado apenas com fi- generalizada47.
sioterapia convencional, embora a melhoria da Treinos de fortalecimento muscular e de es-
aptidão aeróbia não tenha sido significativa45. tabilização do core mostraram reduzir significa-
O exercício aeróbico de alta intensidade numa tivamente a lombalgia crónica em 39-76,8% e
intervenção de 12 semanas demonstrou também 61,6%, respetivamente. Os exercícios de forta-
uma redução da lombalgia inespecífica crónica lecimento muscular são considerados o tratamen-
de 30%. to mais eficaz para o ganho funcional. Neste
Em conclusão, o exercício aeróbico de inten- grupo, inclui-se a caminhada ativa, promovendo
sidade moderada (40-60% de frequência cardía- a ativação dos músculos profundos do tronco48.
ca de reserva) deve ser promovido na reabilita- Em conclusão, fortalecer os músculos abdo-
ção da lombalgia inespecífica crónica. A aptidão minais profundos e melhorar a estabilização da
aeróbica, a reeducação comportamental e os coluna vertebral é eficaz na redução da lombal-
programas de tratamento multidisciplinar são im- gia inespecífica crónica. Exercícios de estabili-
portantes para reduzir a lombalgia crónica e zação do core em combinação com treinos de
melhorar a incapacidade do doente46. força muscular devem ser considerados na abor-
dagem dos doentes com lombalgia inespecífica
Treino de força e estabilidade crónica49.
do core
Treino de flexibilidade
A ocorrência de dor lombar leva à adoção
de posturas sentadas incorretas, com significati- Exercícios de alongamento da região lom-
vamente mais flexão lombar, o que sugere uma bar, isquiotibiais e região nadegueira promo-
relação entre a postura sentada inadequada e vem a flexibilidade dos músculos, tendões e
a dor lombar, apontando para a importância ligamentos, ajudando na mobilização da colu-
de melhorar a força e a estabilidade do core de na e aumentando a amplitude do movimento
forma a promover uma postura mais ereta. Po- articular, contribuindo para o alívio do quadro
rém, não foi confirmada uma associação entre álgico.
a lombalgia e a flexão lombar. Os doentes com Na lordose lombar, a atrofia dos músculos
lombalgia crónica restringem o movimento do abdominais potencia a inclinação posterior da
tronco para reduzir o quadro álgico na área região pélvica, levando a uma hiperlordose,
lombossagrada. No entanto, isto contribui para resultando, por sua vez, em lombalgia crónica.
a redução da força do core, potenciando a O encurtamento dos músculos isquiotibiais reduz
instabilidade lombar e reduzindo a flexibilidade a amplitude do movimento de flexão da bacia,
da coluna lombar. afetando o movimento lombopélvico e causando
O fortalecimento dos músculos abdominais dor lombar. Por sua vez, a diminuição da flexi-
profundos é importante para aliviar a dor em bilidade dos músculos flexores da bacia e exten-
doentes com lombalgia crónica, uma vez que sores da coluna podem levar à lordose lombar e,
estes são importantes estabilizadores da re- consequentemente, à lombalgia. Portanto, incluir
gião lombar. Os exercícios de estabilização da exercícios de flexão lombar num programa de

Lombalgia – Tratamento não invasivo 31


J.P. Pinheiro, et al.

intervenção para a lombalgia crónica é impor- 4. Pollock AS, Durward BR, Rowe PJ, Paul JP. What is balance? Clin
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ca em 18,5-58%. No entanto, não foi encontra- A, Ariza-Mateos MJ, Cabrera-Martos I. Balance ability and pos-

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação.   © Permanyer 2021
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10. Sullivan SBO, Portnry LG. Physical Rehabilitation, Sixth Edition.
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de articular, especialmente os movimentos de 11. Pinheiro J, Gomes B, Figueiredo P. Cinesiologia 1, textos de
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lombalgia e auxiliando nos movimentos. 16. Bugnariu N, Fung J. Aging and selective sensorimotor strategies
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uma condição multifatorial, nenhum programa 17. Brun V, Pelissier J, Simon L. La proprioception: de la théorie a la
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flexibilidade mostrou ser benéfico. Contudo, esta 24. Mazaheri M, Coenen P, Parnianpour M, Kiers H, van Dieen JH.
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32 Tópicos em destaque na dor


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Lombalgia – Tratamento não invasivo 33


Capítulo 4

Abordagem terapêutica de base


psicológica na lombalgia.
Perspetiva clínica

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação.   © Permanyer 2021
Margarida Branco

Introdução potencial lesão do tecido ou descrita em termos


desta lesão», é «uma experiência multidimen-
Psicologia e dor sional... envolvendo não só um componente
sensorial, mas, também, um componente emo-
Ao longo dos anos, a investigação e a prá- cional ...»1,2. Este conceito evolui na direção de
tica clínica na área da dor têm conduzido a um admitir que a dor é uma experiência (psicoemo-
conhecimento cada vez mais abrangente dos cional) única, subjetiva, individual e incognoscí-
mecanismos que esta envolve. A investigação vel, modificada pelo conhecimento prévio de um
básica esclareceu as bases neurofisiológicas da dano que pode ser existente ou presumido3,4.
dor e a prática clínica despertou os profissionais Avança-se assim para a inclusão da impor-
para a insuficiência do modelo puramente mé- tância dos processos psicoemocionais, bem como
dico na abordagem destes doentes. A constata- de múltiplos fatores de stress psicossociais, na
ção de que o tratamento farmacológico analgé- sua modulação. A dor, por si só, envolve uma
sico não se traduz em alívio da dor em muitos reação emocional negativa, mas as emoções po-
deles conduziu à necessidade de (re)pensar a dem também inibir e facilitar a dor, já que impli-
dor e o seu tratamento, e de explorar outros fa- cam mecanismos fisiológicos envolvidos na mo-
tores que pudessem contribuir para o seu apa- dulação descendente de sinais nocicetivos5,6.
recimento, agravamento e manutenção. Seriam Pelo exposto, impõe-se a necessidade da mul-
estes que ajudariam a explicar a diversidade de tidisciplinaridade na abordagem da pessoa com
resposta ao tratamento de doente para doente. dor, incluindo profissionais da área da saúde
Para além da condição «dor» comum a todos mental – psicologia e psiquiatria – nas equipas/
eles, a experiência e a vivência desta condição unidades especializadas no seu tratamento. As
são singulares. Foi necessário, então, evoluir teorias psicológicas e a prática são elementos
para uma compreensão mais abrangente que essenciais da ciência moderna da dor6.
permitisse responder ao desafio que é tratar não Na prática clínica, atendemos diariamente
o doente com dor, mas a pessoa com dor. pessoas de todas as idades, com vários anos
A Associação Internacional para o estudo de vivência de dor, referenciadas tardiamente
da dor – International Association for the Study para as unidades especializadas, submetidas
of Pain (IASP)© – estabeleceu a seguinte defini- previamente a múltiplos tratamentos, muitas vezes
ção: «Dor é uma experiência sensorial e emo- altamente invasivos, geradores de iatrogenia e
cional desagradável, associada a uma real ou com vários domínios da sua vida comprometidos.

34 Tópicos em destaque na dor


Abordagem terapêutica de base psicológica na lombalgia. Perspetiva clínica

Observamos pessoas incrédulas quanto à possi- traumáticos e ainda mecanismos de coping


bilidade de serem ouvidas, com expetativas ele- preferenciais.
vadas quanto ao sucesso do tratamento, pois 2. Avaliação da história da dor: crenças e sig-
esperam e anseiam pela erradicação total da nificados atribuídos à dor, impacto psicosso-
dor. A única linguagem que parecem conhecer cial da dor, adaptação socioeconómica e
é a linguagem da dor e esta parece também ser profissional, moduladores da perceção de
a única forma de expressarem o que sofrem. dor e relação com a personalidade do doen-

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação.   © Permanyer 2021
O corpo há muito é vivido como um corpo que te, estratégias de coping dominantes para
sofre e é palco de expressão de um sofrimento lidar com a dor e expetativas quanto ao tra-
mais amplo, escondido, não mentalizado, não tamento.
elaborado. Comporta e carrega, muitas vezes, 3. Avaliação da representação da dor: como é
uma história de vida marcada por traumas (físi- que a pessoa habitualmente expressa a sua
cos e psicológicos) que necessita de encontrar dor, por exemplo: chora, fica parada, faz
vias alternativas para se expressar. movimentos exagerados; como é que a pes-
A medicina da dor é uma área com muita soa lida com a sua dor, do ponto de vista
investigação fundamental dedicada, com técni- comportamental e cognitivo, por exemplo:
cas de intervenção cada vez mais desenvolvi- aumenta a atividade, isola-se, procura com-
das, mas a avaliação e o tratamento desta con- panhia; ignora a dor, distrai-se, utiliza a
dição têm obrigatoriamente de contemplar a racionalização; como é que experiências pré-
avaliação da(s) história(s) da pessoa que nos vias de dor afetaram a pessoa, por exemplo:
comunica o sentido, o significado da dor na sua problemas laborais, perturbações de sono,
vida e que nos vai permitir tratá-la7. Os conhe- diminuição da concentração e motivação,
cimentos da psicologia aplicados ao tratamento aumento de irritabilidade, medo.
da dor permitem ao profissional abordar aspe- A intervenção psicológica comporta a possi-
tos que, provavelmente, nunca antes foram abor- bilidade de intervir junto da pessoa com dor,
dados. Permitem escutar ativamente a pessoa, mas também ajuda os outros profissionais de
respeitá-la no seu sofrimento e estabelecer uma saúde através da participação na discussão clí-
relação de confiança que permita perscrutar as nica, na tomada de decisão, na formação sobre
perdas que a dor implicou e ajudá-la a recupe- os processos emocionais envolvidos na dor, aqui-
rar dessas perdas. Tratar o que dói – físico e sição e desenvolvimento de competências de
emocional7. Ao contemplar as dimensões ante- comunicação e na identificação de dificuldades
riormente descritas, trazemos a pessoa no seu do profissional que bloqueiam, elas próprias, a
todo para o processo de tratamento, descodifi- evolução do tratamento.
camos uma linguagem que não lhe era acessível As queixas repetidas dos pacientes, o insu-
e promovemos a sua recetividade para ser um cesso dos tratamentos propostos, nomeadamen-
agente ativo e proativo neste processo. te farmacológicos, a dificuldade de os envolver
Globalmente, são dimensões importantes na ativamente, a recusa destes em aderir a medi-
avaliação da pessoa com dor (adaptado de das não-farmacológicas despertam nos profissio-
Pain Clinical Updates, Guidelines for the Mana- nais sentimentos de falha, também poderosos,
gement of Chronic Pain, Pain©, 2004): que podem dificultar o estabelecimento da rela-
1. Avaliação da história psicológica: antece- ção e da comunicação, fundamentais para o
dentes psicológicos/psiquiátricos, nomeada- sucesso da terapêutica.
mente antecedentes de depressão, ansieda- O psicólogo, desejavelmente, deve ser in-
de e abuso de substâncias, perturbação de cluído precocemente no processo, desde logo,
somatização, traços de personalidade, histó- na avaliação inicial. É fundamental que apa-
ria pessoal e familiar, perdas, lutos e eventos reça como elemento nuclear da equipa e não

Lombalgia – Tratamento não invasivo 35


M. Branco

Tabela 1. Ideias-chave a reter Quando a psicologia aparece como aborda-


Tratar a pessoa com dor (experiência única, individual gem de última linha, instala-se na pessoa o es-
e subjetiva) e não apenas a dor. tigma da doença mental, das queixas fingidas,
não verdadeiras, «psicológicas», o que compro-
Considerar a importância e influência dos processos
psicoemocionais e de múltiplos fatores de stress mete a adesão a uma dimensão do tratamento
psicossociais na modulação da dor. que é fundamental.

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Escutar ativamente a pessoa, respeitá-la no seu
sofrimento e estabelecer uma relação terapêutica Psicologia e lombalgia
de confiança, baseada numa comunicação
verdadeira. A lombalgia é uma condição complexa me-
Favorecer e facilitar a avaliação e intervenção diada, tal como outras condições de dor, por
multidisciplinar na abordagem da pessoa com dor, múltiplos fatores biológicos, psicológicos e so-
incluindo profissionais da área da psicologia.
ciais. Engloba uma variedade de patologias que
Integrar precocemente o psicólogo enquanto podem estar associadas a dor. Os custos impli-
elemento nuclear da equipa. cados no tratamento da lombalgia são conside-
Avaliar a história pessoal, história da dor ráveis8-11, dada a sua elevada prevalência e por
e representação da dor. ser uma condição, muitas vezes, recorrente e de
Envolver a pessoa no seu processo de tratamento.
curso variável. Enquanto muitos episódios de dor
lombar melhoram substancialmente após um pe-
Reconhecer as dificuldades dos profissionais na ríodo de seis semanas e 33% dos doentes recu-
abordagem destes doentes e favorecer a discussão
clínica, a partilha de experiências e a formação em peram nos primeiros três meses, 65% continuam
competências de comunicação para profissionais a referir alguma dor passados 12 meses8-10.
de saúde que se dedicam ao tratamento da dor. Um estudo epidemiológico conduzido pelo
Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge
com base nos dados do Inquérito Nacional de
Saúde 2014, identificou uma prevalência de dor
tardiamente, após terem sido implementadas e lombar crónica de 36,6%, na população portu-
experimentadas várias abordagens, tantas vezes, guesa, com idade superior a 25 anos. A lombal-
sem sucesso. Neste caso, há o risco da pessoa gia é um motivo frequente de consulta médica,
se sentir desvalorizada nas suas queixas, aban- quer nos cuidados de saúde primários quer a
donada pelo seu médico e pouco disponível nível hospitalar, em múltiplas especialidades12.
para a intervenção psicológica: No seguimento do que tem sido preconiza-
M. é uma mulher de 38 anos, seguida numa do para o tratamento da dor em geral, também
unidade de dor há cerca de dois meses, com para o tratamento da lombalgia, a aplicação
um processo de dor que iniciou há cerca de dois do modelo biopsicossocial que contempla a as-
anos. Foi referenciada para a consulta de psi- sociação entre fatores comportamentais, psicoló-
cologia dessa unidade por evidenciar tristeza e gicos e sociais e o seu contributo para a manu-
sentimentos de desesperança quanto à possibi- tenção da dor e incapacidade é considerado
lidade de recuperação. Entrou na consulta com o modelo de eleição. As recomendações mais
um semblante carregado, dificuldade em manter atuais de prática clínica (IASP 2021 Global
o contacto ocular e pouco colaborante. Quando Year About Back Pain. Fact sheet) privilegiam as
questionada sobre o motivo da consulta referiu: abordagens não-farmacológicas no tratamento
«Eu nem sei porque é que estou aqui. Quando da dor lombar, nomeadamente tratamentos que
não sabem o que nos fazer, mandam-nos para implicam ativamente o doente e cujo foco são
a psicóloga. Mas eu tenho mesmo dor! Isto não os fatores psicossociais e a melhoria da funcio-
é psicológico, dói-me mesmo!». nalidade9,10,11,13. À medida que vive com uma

36 Tópicos em destaque na dor


Abordagem terapêutica de base psicológica na lombalgia. Perspetiva clínica

condição que assume um papel central na sua ter um papel determinante na evolução da dor
vida, a pessoa protege-se da dor, assumindo com- lombar aguda para a lombalgia crónica, em
portamentos de evitamento, restringindo cada especial o medo relacionado com a dor (cine-
vez mais as suas atividades, desenvolvendo con- siofobia) e a catastrofização. Abordaremos tam-
vicções e crenças disfuncionais acerca da dor, bém as principais terapêuticas psicológicas cuja
que se vão cristalizando e determinando a repe- efetividade tem sido demonstrada no tratamento
tição dos mesmos. Estes, por sua vez, perpetuam da lombalgia.

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação.   © Permanyer 2021
o processo de dor e comprometem progressiva-
mente a funcionalidade da pessoa e a possibi- Catastrofização e medo
lidade de manter uma vida ativa do ponto vista relacionado com a dor
pessoal, relacional, familiar e socioprofissional. (cinesiofobia)
A psicologia tem-se dedicado ao estudo dos
comportamentos associados à dor e à modifi- A catastrofização acontece quando a pes-
cação destes comportamentos aprendidos, bem soa interpreta erroneamente e de forma catas-
como aos pensamentos irracionais (cognições) trófica, sensações corporais inócuas, incluindo
e às suas consequências do ponto de vista psi- a dor23. Foca-se no pior resultado possível de
cossocial. As intervenções com vista à adoção uma situação e hipervaloriza a probabilidade
de mecanismos de coping adaptativos têm sido de esta vir a ocorrer3. Esta interpretação leva
validadas e implementadas no tratamento da ao medo da dor (medo relacionado com a dor)
dor. Terapias psicológicas, como a terapia cog- e está associada a comportamentos de evitamen-
nitivo-comportamental, o relaxamento progressi- to, em particular, ao evitamento de movimentos
vo e as técnicas de meditação como o mindful- e atividades físicas, mas também de atividades
ness devem ser consideradas no tratamento da gratificantes, como o trabalho, o lazer e a fa-
lombalgia6,14,15. Na pesquisa dos fatores asso- mília. Por outro lado, o medo relacionado com
ciados ao desenvolvimento de lombalgia e inca- a dor está associado ao aumento da consciên-
pacidade relacionada, investigações sugerem cia corporal e à hipervigilância que, associada
que uma orientação excessivamente negativa a depressão e falta de atividade (desuso), rela-
em relação à dor (catastrofização da dor) e o ciona-se com níveis aumentados de dor e pode,
medo do movimento/lesão de novo (cinesiofobia) portanto, exacerbar a experiência dolorosa23.
são importantes na etiologia da dor lombar cró- Vlaeyen, et al.20,21 desenvolveram um mode-
nica e na incapacidade dela resultante20,21,23,24. lo cognitivo de medo do movimento, cujo con-
Estes dados são consistentes com a perspetiva ceito central é o medo da dor ou, mais especi-
cognitivo-comportamental que ressalta a impor- ficamente, o medo que a atividade física cause
tância de interpretações mal-adaptativas de sen- (ou volte a causar) lesão. De acordo com este
sações corporais23. modelo, duas respostas comportamentais opos-
Contudo, o contributo da psicologia não se tas ao medo são postuladas: o confronto e o
esgota nestas modalidades de intervenção. A evitamento. Na ausência de uma patologia so-
informação/educação da pessoa sobre os me- mática grave, o confronto com as atividades
canismos da dor e os fundamentos das técnicas diárias, apesar da dor, é concetualizado como
cognitivo-comportamentais têm aplicabilidade uma resposta adaptativa que pode levar à redu-
nas intervenções educativas e psicoeducativas, ção do medo e à promoção da recuperação.
e no desenvolvimento e implementação de pro- Pelo contrário, o evitamento leva à manutenção
gramas de autogestão também recomendados ou exacerbação do medo, podendo ter como
no tratamento da dor lombar6,14,15,17-19. resultado um estado que se assemelha a um
Ao longo deste capítulo iremos incidir na estado fóbico. Numa fase aguda, comportamen-
influência de fatores psicológicos que parecem tos de evitamento, como o repouso ou o uso de

Lombalgia – Tratamento não invasivo 37


M. Branco

equipamentos de suporte, são eficazes na redu- A avaliação pela realização da entrevista


ção do sofrimento provocado pela nociceção. clínica pode ser complementada pela utilização
Ao longo do tempo, esses comportamentos de de questionários que têm o potencial de identi-
proteção podem persistir por antecipação da ficar pessoas com lombalgia, cujo nível de inca-
dor e não como uma resposta a esta. O evita- pacidade pode ser determinado principalmente
mento prolongado de atividades motoras pode pelo medo relacionado com a dor e não pela
ter consequências prejudiciais, quer fisicamente intensidade da dor ou estado biomédico. Se-

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(perda de mobilidade, de força muscular, rigi- guem-se exemplos de questionários que têm sido
dez) quer psicologicamente (diminuição da au- utilizados em investigações dedicadas ao tema e
toestima, depressão e preocupações somáticas), têm aplicabilidade também na prática clínica30:
e todas estas consequências podem contribuir –– Questionário de Triagem de Dor Lombar
para o aumento da incapacidade21-25. Aguda31;
Em 1990, Kori, et al. introduziram o termo –– Escala de Tampa para Cinesiofobia27,32;
«cinesiofobia» (cinesia = movimento) que desig- –– Questionário de Crenças de Evitação do
na a condição na qual a pessoa com dor tem Medo33,34.
um «medo excessivo, irracional e debilitante do A exposição gradual26 às situações que a
movimento e atividade resultante de uma sensa- pessoa identifica como «perigosas» ou «amea-
ção de vulnerabilidade a uma lesão dolorosa çadoras», recorrendo às intervenções cognitivo-
ou nova lesão»27. Os mesmos autores desenvol- comportamentais deve ser acompanhada pela
veram a Escala Tampa para Cinesiofobia (Tam- explicação cuidada do modelo de medo-evita-
pa Scale for Kinesiophobia [TSK]) que avalia mento, analisando os sintomas, crenças e com-
e quantifica o medo do movimento/(re)lesão. portamentos individuais no sentido de ilustrar o
Usando a TSK, Vlaeyen, et al. evidenciaram que processo pelo qual este círculo vicioso contribui
o medo de movimento/(re)lesão foi o preditor para a manutenção da dor. Progressivamente é
mais poderoso no desempenho de uma tarefa útil evoluir para a realização de tarefas práticas
simples de levantamento de peso20,21. Esses efei- personalizadas, seguindo uma hierarquia gra-
tos do medo também parecem generalizar-se a dativa das situações que provocam medo23,30,32.
outras atividades da vida diária. Outros estudos A educação da pessoa – de forma que veja
nesta área28 ilustram que os pacientes classifica- a sua dor como uma condição comum, que pode
dos como «disfuncionais» com o Inventário Mul- ser autogerida e não como uma doença grave
tidimensional da Dor29 relataram mais medo ou uma condição que precisa de hipervigilância
relacionado com a dor do que aqueles classifi- e proteção permanentes – deve fazer parte das
cados como «angustiados interpessoalmente» ou abordagens de tratamento23.
como «pacientes adaptativos».
O conhecimento evidenciado pela investiga- Abordagens educativas
ção, aliado aos conhecimentos da prática clíni- e psicoeducativas
ca, alerta-nos para a importância de identificar
precocemente estes fatores, potencialmente pre- O medo de estar doente é algo a que assis-
ditores de incapacidade. A sua identificação na timos diariamente na nossa prática profissional,
avaliação da pessoa com lombalgia e a opção ainda mais quando as terapêuticas convencio-
por intervenções psicológicas que possibilitem a nais falham no alívio dos sintomas. A dor é
reestruturação de cognições disfuncionais e de- comummente associada à possibilidade de uma
sajustadas (ex: terapia cognitivo-comportamen- doença grave, o que leva à procura de cuidados
tal e intervenções psicoeducativas), devem ser e, sobretudo, de resolução do sintoma. Cabe
consistentemente consideradas na abordagem aos profissionais de saúde ajudar a pessoa a
destes pacientes. entender que nem sempre a dor traduz uma

38 Tópicos em destaque na dor


Abordagem terapêutica de base psicológica na lombalgia. Perspetiva clínica

Tabela 2.

Tópicos para a educação do doente Benefícios das abordagens educativas

Manter a atividade Diminuição da dependência dos prestadores de


Retomar as atividades habituais cuidados de saúde
Educar sobre a natureza da condição e prognóstico Aliviar a preocupação com a condição e as suas
Tranquilizar e informar sobre o processo de recuperação consequências
Assegurar que a condição não é uma doença grave Aumentar a compreensão do doente sobre a sua condição

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Assegurar que os sintomas vão melhorar Aumentar a alfabetização em saúde
Educar sobre formas de lidar com a sua condição/ Melhorar o autocuidado
estratégias de coping Melhorar a utilização de estratégias ativas de coping
Educar sobre estratégias de autogestão e autocuidado Facilitar a mudança de comportamento
Educar sobre a dor e os seus mecanismos Facilitar a adesão ao tratamento prescrito
Educar sobre mecânica corporal e ergonomia Capacitar a pessoa para tomar medidas que facilitem
o regresso às atividades habituais
Reduzir o risco de cronicidade e recorrência
Desenvolver confiança para a autogestão

condição médica grave e promover desta forma Vários estudos de revisão sistemática têm in-
a sua tranquilização. cidido sobre a relevância da educação em doen-
As intervenções educativas são recomendadas tes com lombalgia. Um deles, conduzido por Lim,
na abordagem da lombalgia14-16,35 e constam et al.38, identificou 41 trabalhos relevantes que
das orientações mais recentes de prática clínica abordaram aspetos sobre as necessidades de
(IASP 2021 Global Year About Back Pain. Fact informação percebidas pelos doentes e relacio-
sheet), que preconiza a educação da pessoa, nadas com a lombalgia. Emergiram duas áreas
a garantia e o aconselhamento de autogestão principais de necessidades identificadas: neces-
como cuidados de primeira linha para pacien- sidades relacionadas com o conteúdo de infor-
tes com lombalgia e dor musculoesquelética. mações de saúde e necessidades relacionadas
O estudo sobre os benefícios das aborda- com a transmissão de informação. Os partici-
gens educativas surgiu há vários anos e tem sido pantes procuravam informações sobre a causa
crescente a sua valorização em vários domínios da lombalgia, patologia subjacente e prognósti-
da saúde/doença, pela possibilidade que encer- co, com um desejo consistente do estabelecimen-
ram de envolver ativamente a pessoa no proces- to de um diagnóstico. Adicionalmente, desejavam
so de tratamento (através da melhor compreen- ter informação personalizada sobre estratégias
são da sua condição) e promover a literacia em de autogestão e sobre serviços de apoio dispo-
saúde. A educação do doente visa facilitar a níveis, relacionados quer com questões de saú-
mudança de comportamento e define-se como de quer com questões ocupacionais.
«um processo que permite aos indivíduos tomar Stephens, et al.17 evidenciaram que o exer-
decisões informadas sobre o seu comportamen- cício em combinação com a educação pode
to pessoal relacionado com a saúde»36. reduzir o risco de lombalgia.
Traegers, et al.37 encontraram evidências, de A tabela 2 condensa a informação mais
qualidade moderada a alta, de que a educa- relevante na educação para a dor lombar e é
ção do paciente, fornecida por médicos dos cui- adaptada das recomendações da IASP sobre
dados de saúde primários, pode tranquilizar a Educação em Lombalgia (IASP 2021 Global Year
pessoa com lombalgia aguda e esses efeitos são About Back. Pain fact sheet).
mantidos até 12 meses. A educação também Informar o doente e a família que as reações
está associada à redução das consultas de saú- emocionais à dor são normais; fornecer informa-
de relacionadas com a lombalgia. ção sobre os efeitos colaterais dos tratamentos

Lombalgia – Tratamento não invasivo 39


M. Branco

farmacológicos; assegurar que os profissionais comportamental. Tem vindo a sofrer desenvolvi-


irão trabalhar em conjunto com o doente/a fa- mentos, adotando a designação de primeira,
mília; descrever o plano de tratamento e os re- segunda e terceira geração, de acordo com o
sultados esperados; assegurar disponibilidade; foco da intervenção. Estas últimas, baseadas na
informar o doente/a família de que há sempre relação da pessoa com as suas emoções e pen-
algo que pode ser feito para tentar gerir a dor samentos e não com o conteúdo dos mesmos e
adequadamente, deve ser uma prática comum3. a sua reestruturação, têm como foco a mudança

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O processo de educação é dinâmico e interati- contextual e experiencial, dotando o indivíduo
vo e pressupõe que os clínicos envolvam o doen- de estratégias de resposta mais vastas, flexí-
te no processo de tratamento, dando-lhe poder veis e eficazes e combinam as técnicas cogniti-
(empowerment), o que muitas vezes pode pa- vo-comportamentais com o mindfulness e a acei-
recer desadequado para profissionais acostu- tação39.
mados a assumir o papel de especialistas e de Estudos sobre as estratégias para lidar com
poder na relação médico-doente. As aborda- a dor verificaram que a catastrofização está as-
gens educativas preconizam que as informações sociada a aumento da dor e a aumento da an-
e os recursos sejam incorporados na comunica- siedade. Existe evidência de que as abordagens
ção entre profissionais de saúde e doente/famí- cognitivo-comportamentais com foco na catastro-
lia, no sentido de capacitar o doente (e os cui- fização e na autoeficácia conduzem a uma me-
dadores familiares) para planear e gerir com lhoria na gestão da dor3.
confiança a sua dor em parceria com a equipa As intervenções cognitivo-comportamentais
de saúde3. têm constado das guidelines de intervenções no
Embora as abordagens educativas não se- tratamento da lombalgia6,9-11,13-15, foram cres-
jam específicas nem exclusivas da prática clíni- cendo em popularidade, e são um dos tratamen-
ca da psicologia (pelo que não serão desenvol- tos mais custo-efetivos disponíveis para a lom-
vidas mais pormenorizadamente neste capítulo), balgia até ao momento14,39-41. Estas abordagens
entender as necessidades de informação da são clinicamente eficazes e úteis para a lombal-
pessoa, conhecer a realidade da sua condição gia crónica sem causa específica. Estudos de-
clínica e utilizar uma linguagem comum aos monstram robustez de resultados, e os efeitos
outros profissionais de saúde, responde a ne- positivos parecem manter-se ao longo do tempo
cessidades do doente e favorece um trabalho em pacientes acompanhados por um período
integrado na equipa. Para além disso, a educa- médio de 54 semanas para a incapacidade e
ção aliada a intervenções com intuito psicotera- de 49 semanas para a dor42.
pêutico, como são as intervenções cognitivo- A combinação de técnicas cognitivo-com-
comportamentais, são a base das abordagens portamentais com mindfulness também tem sido
psicoeducativas (conjugam objetivos educacio- aplicada a pessoas com dor. A definição mais
nais e clínicos) e dos programas de autogestão amplamente difundida define-o como a «cons-
nas quais o psicólogo pode assumir um papel ciência que emerge através do prestar da aten-
importante. ção com propósito ao momento presente e de
um modo não ajuizador, à medida que a expe-
Terapia cognitivo- riência se desenrola momento a momento»39.
comportamental, mindfulness O Programa de Redução do Stress baseado no
e programas de autogestão mindfulness foi desenvolvido nos anos 80 e foi
pioneiro na introdução da sua prática nos cui-
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) dados de saúde, sobretudo os que se encontram
é uma modalidade de psicoterapia que inte- associados à dor crónica, queixas psicossomá-
gra técnicas da terapia cognitiva e da terapia ticas e stress e preconizava o treino de práticas

40 Tópicos em destaque na dor


Abordagem terapêutica de base psicológica na lombalgia. Perspetiva clínica

de meditação como um complemento ao trata- Self-Mangement Program (CPSMP), desenvolvi-


mento médico39. do por Kate Lorig e colaboradores da Stanford
As intervenções baseadas na aceitação, como University School of Medicine – Patient Educa-
o programa de redução do stress baseado na tion Research Center, nos Estados Unidos da
atenção plena e a terapia de aceitação e com- América44. O programa deriva do Chronic-Dis-
promisso, são terapias alternativas à terapia ease Self-Management Program (CDSMP) e tem
cognitivo-comportamental para o tratamento de mais de 20 anos de pesquisa com resultados

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pacientes com dor crónica41. Uma revisão siste- demonstrados em várias populações, com diver-
mática sobre a redução de stress baseada no sas condições crónicas.
mindfulness e a terapia da aceitação (TA) em Tem como particularidade poder ser condu-
doentes com lombalgia41, evidenciou que os re- zido por profissionais de saúde ou facilitadores
sultados não são superiores à TCC, mas estas com formação. O pressuposto é que pessoas com
modalidades podem ser boas alternativas e reco- doença crónica, sem formação específica na
mendam o uso de terapias que integrem a aten- área da saúde, podem ser facilitadoras do pro-
ção plena e a terapia comportamental. A medi- grama igualmente eficazes, desde que tenham
tação da atenção plena também revelou ser um recebido formação e treino apropriados. Os
método auxiliar eficaz para tratamento de lombal- principais tópicos abordados são: elaborar pla-
gia crónica em pessoas com idade mais avança- nos de ação; usar a mente para gerir sintomas;
da, destacando-se o potencial da atenção plena, feedback/resolução de problemas; atividade fí-
não apenas para melhorar as estratégias para sica/exercício; melhorar a respiração; trabalhar
lidar com a dor mas também para diminuir a sua com profissionais de saúde e com o sistema de
intensidade e a incapacidade relacionada42. saúde; comunicação; tomar decisões sobre o
Da conjugação das abordagens anteriormen- tratamento; planear o futuro; fadiga; nutrição
te descritas, surgem os Programas de Autogestão (alimentação saudável e manter um peso saudá-
em Dor Crónica, fortemente recomendados para vel); medicamentos; lidar com as emoções; de-
o tratamento da lombalgia (IASP 2021 Global pressão; sono e dor. A mensagem dominante é
Year About Back Pain. Fact sheet). A autoges- a possibilidade de a pessoa recuperar o seu
tão no controlo de uma condição crónica de controlo sobre a sua condição, a sua saúde e
saúde é a «capacidade da pessoa para gerir a sua vida.
os sintomas, tratamentos, consequências físicas, As terapias de orientação psicodinâmica (de
sociais e mudanças no estilo de vida inerentes base psicanalítica), embora muito menos estuda-
a uma condição crónica baseada no processo das na área da dor, têm também a sua aplica-
de tomada de decisão ativa, refletida e cons- bilidade. A psicanálise teve um contributo fun-
ciente»43. Este tipo de intervenções implica um damental para a compreensão do transtorno de
maior envolvimento da pessoa, que deixa de ser dor somatoforme. Os procedimentos da terapia
um mero recetor de informação e envolve-se ati- psicodinâmica são indicados, em primeira instân-
vamente na aquisição de competências que po- cia, para pacientes com comorbilidade psíquica
dem ser generalizáveis, o que promove o senti- e pacientes com transtorno de dor somatofor-
mento de autoeficácia. O profissional de saúde me45. A medição de resultados de intervenções
assume uma posição não-hierarquizada de par- de base psicanalítica tem encontrado dificul-
ceria com o paciente com o intuito de ajudar a dades. No entanto, alguns estudos descreveram
pessoa a explorar e a praticar essas competên- um benefício significativo em situações de per-
cias, e, assim, gerir a sua condição e, em geral, turbação somatoforme46. Encontramos os fun-
a sua própria vida. damentos da psicanálise também no psicodra-
Um dos programas com evidência demons- ma psicanalítico com aplicabilidade em doentes
trada no contexto da dor é o Chronic Pain com dor.

Lombalgia – Tratamento não invasivo 41


M. Branco

Caso clínico Ao longo das consultas, explorámos os pen-


samentos acerca da dor e os sentimentos face
S. é uma jovem de 27 anos orientada para a esta situação: «Tenho vergonha porque pareço
a consulta de psicologia de uma Unidade de uma velhinha a caminhar, as pessoas dizem-me
Dor após a primeira consulta médica na referida isso, mas eu já nem me apercebo... também não
unidade. Apresentava um quadro de lombalgia estou com os amigos porque não sou boa com-
(lombociatalgia), tendo sido previamente sub- panhia... eles divertem-se, mas eu não consigo

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metida a tratamento invasivo (cirurgia) que, deixar de pensar que posso magoar-me e fico
inicialmente, trouxe alívio da dor, embora não com muita atenção a tudo o que se passa, com
sustentada ao longo do tempo. Sob terapêutica medo de que venham contra mim.»
farmacológica analgésica, mas com escassa per- Explicámos o processo de manutenção da dor
ceção de alívio. pelo mecanismo pensamento-medo-evitamento e
Solteira, teve uma relação amorosa de vários as consequências físicas e psicológicas que es-
anos terminada há cerca de um mês. Vive com tava a desempenhar na sua vida. S. reflete que
a família nuclear e tem um trabalho em part-time. estes comportamentos de evitamento não só não
Completou a escolaridade obrigatória, não pros- representavam um alívio da dor, como favorecem
seguiu os estudos, mas sempre foi uma boa aluna e perpetuam pensamentos desajustados sobre a
e gostava de estudar. Vem à consulta sozinha, mesma e a própria dor. Refere sentimentos de
entra na sala curvada para a frente e senta-se desvalorização, humor de tonalidade triste, senti-
com dificuldade, procurando encontrar uma po- mentos de desesperança face à sua recuperação
sição confortável. Apresenta uma expressão de e um abandono progressivo de todas as ativi-
dor e olhar triste. Desde o início da consulta, dades, incluindo aquelas que lhe davam prazer.
descreve pormenorizadamente todo o processo e Abordámos as perdas e, também em relação à
evidencia um discurso focado na dor e na inca- rotura amorosa, expressa: «Tudo ficou afetado, eu
pacidade: «Tenho 27 anos e não consigo fazer nunca queria fazer nada, só queria estar em casa,
nada, a dor é horrível, insuportável. Eu quero achava sempre que era mais seguro. O medo era
fazer, mas não consigo... tenho medo...». de tudo, de me mexer, de sentir dor, de estragar
Experimentou várias perdas relacionadas ainda mais o que já estava estragado... isto tem
com a dor (deixou de trabalhar, teve uma ro- impacto na relação de casal, porque todas as
tura amorosa e isolou-se socialmente). Expressa áreas ficaram afetadas». Este trabalho de elabo-
como o movimento é um fator de agravamento ração das perdas, a possibilidade de pensar na
da dor: «No trabalho nunca estou parada e dor e nos processos mentais que tinham um peso
fico pior e em casa também não faço nada. considerável na sua manutenção e a informação
Andei a fazer fisioterapia, mas fazia deitada». sobre o mecanismo da dor, possibilitou explorar-
Progressivamente, foi adotando comportamen- mos atividades que poderia começar a trazer de
tos de evitamento, deixou de sair com os ami- novo para a sua vida. Em casa, progressivamen-
gos e de fazer atividades com o namorado de te, voltou a realizar pequenas tarefas e retomou
então, «Tenho medo de levar um encontrão ou as saídas com amigos – «Devagarinho... tomar
uma troçada nas costas e voltar a magoar-me um café ao fim-de-semana...». Cada uma destas
ou ficar pior». situações era analisada na consulta, S. expressa-
Para além do exposto, disse-nos que tinha va os seus pensamentos e medos que eram re-
dado entrada ao pedido de reforma na Segu- formulados. Posteriormente, estas situações eram
rança Social porque não iria conseguir traba- novamente abordadas no sentido de avaliar a
lhar mais. Foi claro que esta jovem de 27 anos evolução e, se necessário, trabalhar de novo cren-
necessitava de uma intervenção psicológica re- ças disfuncionais e formas de lidar desajustadas
gular e a nossa proposta foi nesse sentido. – «Ainda fico com medo... mas já consigo ir».

42 Tópicos em destaque na dor


Abordagem terapêutica de base psicológica na lombalgia. Perspetiva clínica

Nove meses após o início do acompanha- uma aliança de trabalho bem-sucedida com os
mento psicológico, S. retomou o trabalho. Foi profissionais de saúde em várias disciplinas, e
outro desafio, mas nesta fase, já conseguia iden- deve pautar-se pelo uso de competências bási-
tificar pensamentos e medos e fazer a sua refor- cas de comunicação por parte dos profissionais
mulação. Trabalhámos a comunicação com os de saúde.
colegas que foram sensíveis às suas dificuldades Tendo em conta que a experiência de dor é
e estiveram disponíveis para ajudar em algumas única, a avaliação daquela pessoa, da sua his-

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tarefas. Nesta altura, já tinha retomado a sua tória, das suas potencialidade e dificuldades
vida relacional, conseguia sair regularmente com deve estar na base de um tratamento personali-
os amigos, participava das atividades domésti- zado: ouvir a pessoa, validar as suas queixas e
cas e decidiu voltar a estudar. Fez os exames o seu sofrimento, e percorrer com ela um cami-
de acesso e ingressou na Universidade. nho que conduza à mudança.
Foi-lhe proposto integrar o grupo de autoges-
tão em dor da unidade na qual era seguida, o
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Lombalgia – Tratamento não invasivo 43


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