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BLOCKCHAIN E O CRÉDITO RURAL

Um Olhar Sobre a Aplicação da Rede em Contratos de Crédito


Rural

Valdinei Barce1

Resumo:

O avanço da tecnologia tem provocado uma revolução em todos os segmentos da economia


mundial, novos modelos de negócios têm surgido, novas maneiras de transacionar valores,
mercadorias e informações estão surgindo a todo momento. não poderia ser diferente com o
agronegócio. O presente estudo tem como objetivo avaliar, através da realização de uma
pesquisa bibliográfica, os pontos positivos, oportunidades e desafios para a aplicação da
tecnologia Blockchain aos Contratos de Crédito Rural com recursos controlados,
operacionalizados pelos Bancos que compõe o Sistema Nacional de Crédito Rural. O estudo
abrangerá a etapa de formalização, ou seja, os tipos de contratos admitidos no fechamento do
negócio, trazendo um panorama do crédito rural no Brasil, onde faremos um breve apanhado
dos tipos de contratos atuais, as oportunidades para a sua modernização e o potencial para a
implementação da tecnologia de “Smart Contracts” em um mercado marcado por forte
regulação do setor e a centralização no processamento das informações pelo Banco Central do
Brasil.

Palavras-chave: Agronegócio, Blockchain, Crédito Rural, Smart Contracts.

1
Administrador, graduado pela Universidade do Estado de Mato Grosso, Brasil (UNEMAT). Especialização em
Administração Estratégica pela Universidade Estácio de Sá. Mestrando em Desenvolvimento de Negócios e
Inovação pela Must University. E-mail: valdinei.sinop@gmail.com
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Abstract

The advancement of technology has caused a revolution in all segments of the world economy,
new business models have emerged, new ways of transacting values, goods and information are
emerging all the time. it could not be different with agribusiness. The present study aims to
evaluate, through bibliographic research, the positive points, opportunities, and challenges for
the application of Blockchain technology to Rural Credit Agreements with controlled resources,
operated by the Banks that make up the National Rural Credit System. The study will cover the
formalization stage, that is, the types of contracts accepted at the closing of the deal, bringing
an overview of rural credit in Brazil, where we will briefly review the types of current contracts,
the opportunities for their modernization and the potential for the implementation of the “Smart
Contracts” technology in a market marked by strong regulation of the sector and the
centralization of information processing by the Central Bank of Brazil.

Keywords: Agribusiness, Blockchain, Rural Credit, Smart Contracts.

1 Introdução

O agronegócio, como um propulsor da economia mundial, ano após ano tem sido um

impulsionador para a criação de novas tecnologias. Essa evolução tecnológica vai desde a

produção de máquinas e implementos, técnicas de cultivo e preparo de solo, atingindo também

os modelos de negócios existentes para financiar o setor produtivo. O presente estudo tem como

objetivo avaliar, através da realização de uma pesquisa bibliográfica, os pontos positivos,

oportunidades e desafios para a aplicação da tecnologia Blockchain aos Contratos de Crédito

Rural com recursos controlados, operacionalizados pelos Bancos que compõe o Sistema

Nacional de Crédito Rural - SNCR.

O estudo abrangerá a etapa de formalização, ou seja, no fechamento do negócio,

trazendo um comparativo com os modelos atuais existentes, as oportunidades para a

modernização dos modelos contratos atuais e os desafios para a implementação da tecnologia


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de “Smart Contracts” em um mercado marcado por forte regulação do setor e a centralização

no processamento das informações pelo Banco Central do Brasil (BCB).

2 O Crédito Rural no Brasil.

2. 1 O papel do Crédito Rural no agronegócio brasileiro.

Para Ribeiro e Conceição (2019), o desempenho vigoroso do agronegócio brasileiro

apenas se tornou possível devido à adoção de algumas políticas agrícolas. Dentre essas

políticas, se destaca a política de Crédito Rural, que desempenha um papel importante para o

desenvolvimento da agricultura brasileira, na medida em que fornece os recursos financeiros

necessários para a modernização agrícola e a obtenção dos ganhos de produtividade.

Com a elevação das exportações, aliada ao aumento dos valores das commodities no

mercado mundial, a demanda por custeio da produção agropecuária, bem como por novos

investimentos em infraestrutura de máquinas, implementos e unidades armazenadoras cresceu

muito nas últimas décadas, tendo uma grande fatia de seus custos financiados por instituições

financeiras. Segundo Servo (2019), a participação do crédito rural teve um crescimento médio

de 5,7% ao ano nos últimos onze anos.

Neste sentido, Servo (2019) também pontua a existência de alavancagem do crédito

rural em relação ao PIB agropecuário, saltando de 78,2 % do PIB agropecuário em 2007 para

109% em 2018.

2.2 Como Funciona o Sistema Nacional do Crédito Rural (SNCR)?


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Criado em 1965, MCR2 é o conjunto de normas e procedimentos que norteiam todo o

funcionamento do Sistema Nacional do Crédito Rural (SNCR). Periodicamente o MCR passa

por revisões e atualizações, a mais recente delas realizada em 31/03/2022.

O crédito rural foi institucionalizado pela Lei 4.829, de 5 de novembro de 1965.


Durante 30 anos, sua gestão coube ao Banco do Brasil, por meio da Carteira de
Crédito Agrícola e Industrial. Em 1965, o assunto passou à responsabilidade do
Conselho Monetário Nacional (CMN), com a implementação do Sistema Nacional
de Crédito Rural (SNCR). As normas sobre o crédito rural são aprovadas pelo
CMN. O Banco Central faz parte desse órgão e auxilia na tomada de decisão sobre
o crédito rural. As instituições financeiras seguem essas normas e as colocam em
prática no dia a dia com seus clientes. Existe fiscalização de todo o processo, por
determinação legal. Por isso, o BC verifica junto às instituições financeiras se a
liberação do dinheiro e o seu uso estão de acordo com as normas publicadas.
(Banco Central do Brasil, 2022)

As diretrizes do Plano Agrícola e Pecuário são estabelecidas pelo MAPA 3 através do

Plano Safra. O Plano Safra, que proporciona aporte financeiro com recursos controlados (em

sua maior parte com juros subsidiados pelo governo federal) é executado ao longo do Ano

Agrícola, que vai de 01 de Julho do ano corrente ao lançamento até 30 de Junho do ano seguinte.

3 Contratos de Crédito Rural – Modelo Atual.

3.1 Os tipos de contratos vigentes.

Os modelos de contratos para o fechamento de operações de crédito rural, de acordo

com o Decreto-Lei 167, de 14/02/1967 e da Lei 10.931, de 02/08/2004, podem variar de acordo

com o objeto do financiamento, bem como das garantias oferecidas nas operações.

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O Manual de Crédito Rural (MCR) codifica as normas aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e
aquelas divulgadas pelo Banco Central do Brasil relativas ao crédito rural, às quais devem subordinar-se os
beneficiários e as instituições financeiras que operam no Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), sem prejuízo
da observância da regulamentação e da legislação aplicáveis. (Banco Central do Brasil, 2022)
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Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
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De acordo com o Moreira (2022), o crédito rural pode ser formalizado pelos títulos abaixo

descritos:

• CRP - Cédula Rural Pignoratícia, quando a modalidade de garantia é o Penhor de Bens

Móveis, grãos ou semoventes (animais);

• CRH - Cédula Rural Hipotecária, quando o objeto da garantia é a hipoteca de um

imóvel, aeronave ou embarcação;

• CRPH – Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária, quando os objetos da garantia são

constituídos por bens móveis e imóveis, incluindo embarcações e aeronaves;

• NCR – Nota de Crédito Rural, quando se tratar de operação sem garantia real;

• CCB – Cédula de Crédito Bancário, normalmente utilizada em operações lastreadas

apenas por garantias fidejussórias, ou em que a modalidade de garantia seja a Alienação

Fiduciária de bem móvel.

4 Contratos Inteligentes, Blockchain e o Crédito Rural.

4.1 Criação de novos modelos de negócio.

Para Tapscott e Tapscott (2016), contratos inteligentes possibilitam a criação dos

chamados “empreendimentos de rede aberta”, baseados na criação de novos modelos de

negócios, bem como na revolução dos modelos de negócios antigos através do Blockchain.

Neste sentido, com o aumento observado da participação de capital privado no crédito rural

favorece o desenvolvimento de novos modelos de contratos. Segundo Carvalho & Ávila (2019),

a tecnologia pode proporcionar inúmeras facilidades aos contratantes, eliminando o tempo de


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realização das operações, reduzindo os custos e gerando maior praticidade aos envolvidos no

negócio.

A utilização de contratos inteligentes, gravados e validados em rede Blockchain grande

potencial de atrair novos “Players” para atuar no Crédito Rural, uma vez que muitos bancos,

fintechs e outras instituições participantes da cadeia do agronegócio ainda não fazem parte do

mercado de crédito rural devido ao grande número de normas e regulações, o que as obrigaria

a ter um grande aparato jurídico e equipe técnica altamente especializada para cumprir todas as

normas e regulamentos do MCR.

O Banco do Brasil, principal braço financeiro do governo brasileiro para o agronegócio,

já oferece aos seus clientes produtores rurais a possibilidade de contratação de crédito rural

através de seu aplicativo, as linhas de crédito disponíveis para contratação são a CPR Digital,

o Custeio Digital e o BB Agronegócio Giro digital. Entretanto, as linhas de crédito ainda

dependem de um contrato inicial (denominado teto) em papel, com os subcontratos de utilização

do crédito celebrados por meios digitais.

4.2 Desafios de Implementação do modelo no SNCR

Segundo Carvalho & Ávila (2019), alguns contratos, devido a exigências de leis

específicas, não poderão ser codificados na forma de Contrato Inteligente, sequer poderão

utilizar a Blockchain, pois exigem formalidades ou carregam cláusulas bastante subjetivas, as

quais não conseguem ser codificadas, isso poderia descaracterizar o real sentido daquele

contrato.

Como no exemplo citado do Banco do Brasil, observa-se cada vez mais a utilização de

modelos híbridos, onde o negócio é formalizado por meio de uma cédula-mãe, emitida em

papel, assinada por meio físico ou por assinatura digital e submetida a todos os procedimentos
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de registro cartorário, de acordo com a legislação vigente, precedida de subcontratos, ou

cédulas-filhas, emitidas e assinadas por meios digitais, quando da utilização dos créditos.

5 Considerações Finais

Neste trabalho, não se propôs uma forma disruptiva aos modelos atuais, entretanto,

implicações da utilização dos modelos de contratos tradicionais vão muito além da utilização

massiva de papel. A burocracia em excesso, baseada em contratos ainda amparados por um

Decreto-Lei de 1967, oneram e causam lentidão aos registros cartorários.

Os custos de registros e averbações, cujas tabelas notariais são variáveis, de acordo com

cada Unidade da Federação, podem variar entre 1% até 10% do valor da operação contratada,

dependendo da quantidade de bens oferecidos em garantia, sua localização e local residência

dos mutuários e coobrigados.

Entretanto, concluímos que a utilização de validação descentralizada em fechamentos

de negócios centralizados por um Banco Central não seria viável nas operações de crédito rural

com recursos controlados operacionalizadas sob as normas do SNCR, uma vez que a validação

dessas operações, obrigatoriamente passam pelos sistemas do Banco Central, perdendo a

principal característica da Blockchain que é a descentralização da rede.

Para viabilizar a utilização no Crédito Rural oficial, seria necessária uma reformulação

no sistema atual, onde o Banco Central centraliza todas as informações acerca do crédito rural

com recursos subsidiados, possibilitando assim os repasses dos subsídios aos bancos e

cooperativas de crédito que operacionalizam o crédito rural.


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4 Referências Bibliográficas

Carvalho, Carla Arigony de & Ávila, Lucas Veiga (2019) A TECNOLOGIA BLOCKCHAIN
APLICADA AOS CONTRATOS INTELIGENTES.
https://revista.univem.edu.br/emtempo/article/view/3210 - Acesso em 07/06/2022.

Moreira, Claudio Filgueiras Pacheco (2022). MANUAL DE CRÉDITO RURAL (MCR).


https://www3.bcb.gov.br/mcr/completo - Acesso em 06/06/2022.

Ribeiro, Márcio Bruno & Conceição, Júnia Cristina Péres Rodrigues da (2019). O PAPEL DO
CRÉDITO RURAL E DA INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES PARA O
DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA BRASILEIRA.
IPEA. https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2521.pdf - Acesso em
06/06/2022.

Servo, Fábio (2019). Nota Técnica - Evolução do crédito rural nos últimos anos-safra. IPEA
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9286/1/cc_43_nt_evolu%C3%A7%C3%A3o%
20do%20cr%C3%A9dito_rural.pdf – Acesso em 07/06/2022.

Tapscott, Don & Tapscott, Alex (2018). Blockchain Revolution: Como a tecnologia por trás do
Bitcoin está mudando o dinheiro e os negócios no mundo. SENAI-SP Editora.

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