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As Máquinas de Wimshurst do Colégio Marista

Arquidiocesano de São Paulo

The Wimshurst Machines of The Archidiocesan


Marist College of São Paulo
volume 14 número 27 jun/dez 2020

Bruno Bianchi Lopes Gonçalves ¹


bianchibrunno@gmail.com

Cultura Material:
objetos, imagens e representações - 1/2
Resumo Abstract
O Museu Escolar do Colégio The School Museum of the Ar-
Marista Arquidiocesano de São Pau- chdiocesan Marist College of São
lo conta com um grande número de Paulo has a large number of pieces,
objetos científicos sendo um deles from catalogs of scientific objects,
o assunto principal deste artigo, a one of them being the main subject
Máquina de Wimshurst, uma inven- of this article, the Wimshurst Machi-
ção do britânico James Wimshurst. ne, an invention by the British James
Discorreremos, neste texto, sobre os Wimshurst. In this text, we will discuss
exemplares encontrados no acervo the examples found in the collection
do Colégio, notando sua presença of the College, noting their presence
também em livros didáticos e catá- also in textbooks and catalogs from
logos de países como França, Ale- countries such as France, Germany
manha e Estados Unidos da Amé- and the United States of America.
rica. A característica experimental The experimental characteristic of
do ensino de física no começo do teaching physics at the beginning of
século XX trouxe a figura dos instru- the 20th century, brought the figure
mentos científicos para a sala de of scientific instruments into the clas-
aula. Pelo currículo carregado pre- sroom. Through the curriculum loa-
dominantemente de material teóri- ded predominantly with theoretical
co, os pesquisadores do campo da material, researchers in the field of
eletricidade adquiriram na máqui- electricity acquired the results and
na os resultados e o entusiasmo de enthusiasm they needed to comple-
que precisavam para complemen- ment the methodology of their stu-
tar a metodologia dos seus estudos. dies on the machine. The practica-
A praticidade e a capacidade da lity and ability of the Wimshurst ma-
máquina de Wimshurst para resolu- chine to solve old problems connec-
ção de problemas antigos ligados ted to other electrostatic machines,
a outras máquinas eletrostáticas, such as the polarity inversion, made
como por exemplo a inversão de physics laboratories interested in the
polaridade, fez com os laboratórios acquisition of this instrument.
de física se interessassem pela aqui-
sição desse instrumento.
Keywords: Intuitive teaching;
Palavras-chave: Ensino intuitivo; Wimshurst machine; Physics instru-
Máquina de Wimshurst; Instrumentos ments; Electrostatic.
de física; Eletroestática.

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
1
Antigamente esse Introdução recer dados sensíveis à per-
fenômeno era co- cepção e observação dos
nhecido como o
estudo da “eletrolo- “A física é a ciência que estu- alunos. Sua pedagogia foi
gia”. da os fenômenos passageiros em influenciada por Jean-Jac-
determinados corpos. Esses fenô- ques Rousseau (1712-1778), e
menos podem mudar o estado dos acreditava-se que a educa-
ção deveria ser feita de ma-
corpos, mas nunca sua substância”
neira “natural”, baseando-se
(AZEVEDO, 1927, p. 3). No início do nos sentidos, por onde se es-
século XX, a física era considera- truturava toda a vida mental.
da uma ciência experimental ou (ROZANTE, 2013, p. 49).
indutiva.
O estudo dessa ciência se tor- O método descrito pela auto-
na concreto a partir de quatro eta- ra tem como premissa fundamental
pas: observação, hipótese, experi- valorizar os cinco sentidos e a intui-
mentação e indução. Explicando ção humana, para que o aluno pos-
o método de forma muito sintéti- sa entrar em contato com o “real”.
ca, primeiro observa-se determina- Para o ensino de ciências, o jovem
do fenômeno, depois são criadas deveria interagir de forma direta
as deduções provisórias acerca com os objetos científicos.
dos fatos observados. Para verifi- Esse método relacionava-se
car essas hipóteses, os fenômenos com o ensino das ciências, pois de-
são reproduzidos de forma artificial veria iniciar os alunos menores (do
usando a experimentação. Por fim, ensino primário) nesse campo de
generaliza-se o que se viu nas expe- conhecimento, além de utilizar o es-
rimentações, e a hipótese pode ou tudo das “coisas familiares”. Dessa
não se transformar em uma “lei uni- forma, o conhecimento rudimentar
versal”. (AZEVEDO, 1927, p. 4). Mas, das ciências físicas e naturais seria
para esse método se estabelecer transmitido por processos intuitivos.
de fato, seria necessária a criação (BOCCHI, 2013, p. 88). Assim, em
de instrumentos e objetos que repre- toda a primeira metade do século
sentassem os fenômenos naturais. A XX, diversos instrumentos foram con-
partir deles, a experimentação e o feccionados para o ensino de física
método indutivo poderiam se con- em seus mais diversos campos do
cretizar. conhecimento, como a acústica, a
Esse método “indutivo” evo- ótica, a termodinâmica e a eletrici-
cado por Azevedo certamente foi dade.
influenciado pelo método intuiti- Entre os instrumentos científicos
vo, muito disseminado no Brasil nas mais emblemáticos do ensino de
duas últimas décadas do século XIX física estão as máquinas eletrostáti-
e nas primeiras do XX. cas, que pertenciam ao estudo da
eletricidade1. O livro didático de físi-
As ideias de Pestalozzi, segun- ca do curso secundário do Brasil de
do consta, fundamentaram 1927 explica o conceito de eletrici-
o Método Intuitivo, cuja ca-
dade na época:
racterística básica era ofe-

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A eletricidade é uma energia nome de pólos da máquina
particular que certos corpos ou colectores: o que rece-
adquirem e pela qual pro- be a electricidade positiva
duzem vários fenômenos, chama-se pólo positivo, e o
como atrações e repulsões, que recebe a electricidade
choques no organismo, com- negativa chama-se pólo ne-
binações e decomposições gativo (...) Os aparêlhos, a
químicas, produção de luz e que se dá particularmente o
de calor e etc. suas principais nome de máquinas electri-
fontes são: o atrito, a influên- cas possuem geralmente um
cia de um corpo eletrizado, débito muito fraco, insuficien-
as ações químicas, a indu- te para manter uma corrente
ção, etc. (AZEVEDO, 1927, p. continua; em compensação
406). a electricidade adquire nos
pólos uma diferença de po-
O fenômeno da eletricidade tencial considerável, produ-
passa por diversas variações, por zindo com facilidade faíscas
exemplo, quando é causada por eléctricas. (NOBRE, 1925, p.
atrito ou encontra-se em estado 537 - 538).
de repouso, chama-se eletricidade
As máquinas elétricas são,
estática. Em determinados corpos
essencialmente, máquinas que
como o âmbar e o vidro, a fricção
produzem uma diferença de
(ou atrito) pode atrair corpos leves,
potencial entre dois condutores, um
nesse momento esses corpos estão
que recebe eletricidade positiva
eletrizados. Outra forma de eletriza-
e outro que recebe eletricidade
ção desenvolve-se através da indu-
negativa. A indução de uma
ção eletrostática: “pode-se eletrizar
diferença de potencial entre os dois
um corpo se estiver situado próxi-
polos é a causa do efeito principal
mo de um outro corpo eletrizado”
dessas máquinas: produzir eletrici-
(AZEVEDO, 1927, p. 406 - 407). De
dade estática em forma de faísca
modo geral, essa teoria fundamen-
elétrica.
ta toda construção das máquinas
eletrostáticas, como as de Rams-
den, Nairne, Holtz e principalmente
as de Wimshurst, foco deste estudo. A disseminação da Máquina
Francisco Ribeiro Nobre exemplifica de Wimshurst
o conceito das máquinas eletrostá-
ticas no começo do século XX, A máquina eletrostática de
Wimshust foi uma das mais impor-
Dá-se o nome de máquina tantes invenções do campo da ele-
electrica a todo aparêlho
trostática no ensino de física, era a
destinado a produzir electri-
cidade, estabelecendo uma mais poderosa máquina inventada
diferença de potencial en- no século XIX, para a geração de
tre dois condutores. Os con- eletricidade estática (TURNER, 1983,
dutores em que se deposita p. 192). A máquina foi descrita pela
a electricidade tomam o primeira vez em 1883 pelo londri-

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
2
“A primeira máqui- no James Wimshurst, que, segundo A máquina de Wimshurst se tor-
na rotativa de indu-
ção”. (GRAY, 1903,
QUEIROZ (2001, p. 1), dedicou seu nou um objeto de demonstração
p. 77). tempo livre, por toda a vida, a tra- muito popular na década de 1880,
3
“Gerador ele- balhos experimentais, tendo em sua e sua estrutura não foi melhorada
trostático, utilizado
para produzir al-
casa uma grande oficina, que ele ou alterada, pois na época “a aten-
tas tensões”. (THE equipou com as melhores ferramen- ção da pesquisa sobre eletricidade
BAKKEN, 2002).
tas e mesmo com iluminação elétri- estava voltada para aplicações
4
“A máquina mais ca (diferencial na época).
estável e neutra das práticas como iluminação elétrica,
condições ambien- Criada para a realização de motores elétricos, telefonia e tele-
tais até 1883”. (FEI- experimentos de eletroestática, a
JÓ, 2008, p. 27). grafia, com muito da pesquisa bási-
máquina se popularizou entre os
ca que se iniciou pela eletrostática.”
pesquisadores por sua eficiência e
(QUEIROZ, 2001, p. 1). Em um âmbito
facilidade na utilização, agradan-
científico-laboratorial, a máquina
do pela rapidez nos resultados, sen-
deixou de ser utilizada de acordo
do classificada por Marshall (1908),
com as novas pesquisas, mas, no
como “uma máquina de estática
campo educacional, esses objetos
que pode ser colocada para fun-
encontraram um vasto campo para
cionar sobre quase qualquer condi-
se disseminar.
ção”.
Os estudos da eletroestática
Por volta de 1880 ele {Ja- pautavam-se, em sua grande maio-
mes Wimshurst} se interessou ria, em material teórico, e os pesqui-
por máquinas elétricas de sadores precisavam de algo mais
influência, e construiu várias palpável e de rápido resultado prá-
dos tipos então conhecidos
tico, sendo exatamente esse pro-
como as de Nicholson2, Car-
ré3 e Holtz4. [...] A seguir ele blema que a máquina resolveu.
desenvolveu uma máquina Ele {o pesquisador} possivel-
múltipla do mesmo tipo, com mente adquiriria ou faria al-
12 discos girando entre 24 guma máquina de fricção
placas retangulares, e com antiquada, que nunca fun-
uma pequena máquina de cionaria corretamente e le-
fricção para partida. Pouco varia sua paciência a exaus-
tempo depois, ele inventou o tão. A eletricidade estática
que ele chamou de «máqui- é algo fascinante quando
na duplex», mas que ficou ge- estudado experimentalmen-
ralmente conhecida como te, e se um amador conse-
a máquina de Wimshurst. guir produzir no início de sua
Esta máquina superou todos pesquisa grandes faíscas, le-
os geradores então conheci- vando poucos choques, ele
dos de eletricidade estática, ficará contente e será moti-
e era auto-exitával em qual- vado a continuar seus estu-
quer condição atmosférica. dos. (MARSHALL, 1908, p. 03).
A forma da máquina nunca
foi substancialmente melho- Em pouco tempo o objeto se
rada além do que Wimshurst
popularizou e passou a ser peça pre-
conseguiu. (QUEIROZ, 2001,
p. 1). sente na maioria dos laboratórios de

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Física. A máquina de Wimshurst ra- machina electro-statica 5
“Wimshurst ma-
Wimshurst. A electricidade chines are used for
pidamente encontrou um lugar na illuminating vacum
maioria das escolas e faculdades, desprendia-se pelas pontas. tubes to produce
e até mesmo modelos de brinque- A neblina espessissima foi dis- X-rays or give ef-
fects of discharge
sipada num raio de 70 me- in vacua, taking the
dos foram feitos (TURNER, 1983, p.
tros. (DR. OX, 1905, p. 1). place of na induc-
192). Tomou lugar das máquinas de tion spark coil in this
respect. They are
eletroestáticas anteriores, pois elas Como constatado em um ex- also used for elec-
acabavam por encontrar certos perimento que durou 20 anos para tro-medical treat-
ment, and wireless
problemas durante os experimen- ser finalizado, o físico Olivier Lodge telegraphic experi-
ments.” (MARSHALL,
tos, sendo a inversão de polaridade conseguiu fazer com que uma es- 1908, p. 10).
o maior deles. Entre outros usos das pessa neblina, em Londres, fosse dis- 6
“As máquinas ele-
máquinas de Wimshurst, podemos sipada utilizando a descarga elétri- trostáticas são sem-
citar suas aplicações para a medi- ca de uma máquina de Wimshurst. pre sensíveis à hu-
midade do ar, ten-
cina e nos laboratórios hospitalares5, Esse tipo de experimento evidencia do seu rendimento
reduzido ou mesmo
já que o controle de umidade nes- os diversos usos que o objeto podia deixando de funcio-
ses ambientes – o estado higrométri- ter. nar em condições
de alta humida-
co do ar – oferece melhores condi- de. A máquina de
Imagem 1 – A máquina de Wimshurst em
ções para o funcionamento da má- Langlebert
Wimshurst é uma
das menos sensíveis,
quina de Wimshurst 6. (NOBRE, 1928, mas níveis de humi-
dade acima de 80%
p. 543). podem prejudicar,
Esse objeto científico também embora dificilmente
impedir, seu funcio-
foi utilizado de forma curiosa: no co- namento. Por isto,
meço dos anos 1900, um relevante é melhorar operar
estas máquinas em
físico e experimentalista utilizou a ambientes com ar
condicionado, e
máquina de Wimshurst para dissipar sem muitas pessoas
nevoeiros – que podiam atrapalhar por perto da máqui-
na. Algum aqueci-
diversas atividades consideradas mento com o uso
de um secador de
modernas no início do século XX. cabelos ou expo-
sição ao Sol pode
Ha 20 annos installou uma ajudar a secar a
machina statica num sa- máquina antes da
operação, mas se
lão destinado a fumantes, Fonte: LANGLEBERT, J. Livraria Garnier, 1904. o ar estiver muito
e pondo-a em movimento úmido o efeito dura
pouco”. (QUEIROZ,
fazia desaparecer instanta- A máquina é formada por dois 2001, p. 1).
neamente a fumaça dos ca-
discos de vidro (ou acrílico, no caso
chimbos, charutos e cigarros.
Da fumaça á neblina ficava das mais atuais), afixados sobre um
indicada a transição. Mr. Lo- fuso ou eixo, muito próximos um do
dge aperfeiçoou seus estu- outro, de forma que consigam rodar
dos e conseguio o mesmo sem se encostar. Nesses discos, en-
resultado sobre os nevoeiros. contram-se uma série de “setores”
Ultimamente estabeleceu de metal, espaçados igualmente
mr. Lodge, em Liverpool, so-
que, segundo GOMES (2016), ad-
bre o telhado do University
College, numerosas pontes quirem um tipo de carga devido à
metallicas, ligadas a uma fricção com dois pentes nas extre-

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
midades de uma haste metálica, fi- eixo central que lhes fornece sus-
xadas na frente de cada disco, são tentação e mantém uma aproxi-
os neutralizadores. A seguir, apre- mação entre os mesmos. O eixo,
sentamos os componentes de um por sua vez, é preso, na maioria dos
exemplar da máquina encontrada casos, entre duas extremidades por
no Museu Escolar do Colégio Maris- uma base de madeira. Para o fun-
ta Arquidiocesano de São Paulo. cionamento da máquina os discos
devem girar em sentidos opostos, e
um sistema de mancais e cordas,
Imagem 2 – Componentes da Máquina de
além de uma alavanca acoplados
Wimshurst
ao eixo central, propiciam esse mo-
vimento (QUEIROZ, 1999, p. 1).
Presos aos discos estão setores
(ou lâminas) metálicos de alumínio,
estanho ou latão, com bordas arre-
dondas e maiores nas extremidades
de cada setor para evitar o des-
perdício de carga elétrica. Fixadas
também no eixo principal da má-
quina estão as barras neutralizado-
ras que podem se movimentar.
Nas pontas da máquina, são
anexadas duas escovas de cobre
Fonte: Museu Escolar do Colégio Marista ou bronze em cada disco que to-
Arquidiocesano de São Paulo. cam levemente os setores metáli-
cos, o material dessas escovas va-
ria, podendo ser de níquel-cromo,
cobre, fios de prata ou bronze.
Descrições técnicas e Circulando o centro dos dis-
funcionamento da Máquina cos pela lateral são posicionados os
de Wimshurst coletores, que são compostos basi-
camente de uma haste não muito
Uma característica marcan-
grossa de metal com escovas do
te da máquina de Wimshurst é sua
mesmo material das citadas ante-
praticidade, já que as dificuldades
riormente, elas nunca tocam os dis-
encontradas para a montagem do
cos, apenas se posicionam de forma
instrumento não são tão relevantes.
próxima. Um suporte fixa essas has-
A máquina consiste basicamente
tes na base da máquina, que tem
em dois discos (ou “pratos” como
também como função dar susten-
conhecidos no começo do século
tação para os faiscadores: hastes
XX) que precisam ser confecciona-
de metal que terminam em círculos
das de materiais isolantes, os mais
também metálicos que causam o
usados são: vidro, ebonite e acríli-
fenômeno da faísca ao fim do ex-
co. Esses discos são fixados em um
perimento. Por fim, estão posiciona-

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das na base e conectadas aos ar- tes de metal com escovas nas pon-
cos coletores as garrafas de Leiden tas), impulsionadas pelos capacito-
que servem como capacitores, ou res (Garrafas de Leiden) e induzidas
seja, armazenam cargas positivas e até a ponta das barras de descar-
negativas que aumentam o impac- ga (faiscadores), causando o fenô-
to da experiência com a obtenção meno da faísca entre uma barra e
de maiores faíscas. “As duas garra- outra. Para a explicação do fenô-
fas de Leiden são conectadas inter- meno e das descrições técnicas da
na e externamente por uma corren- máquina, podemos citar também o
te, uma haste ou lâminas de metal livro didático de Raul Romano.
e, nos modelos mais recentes, um
interruptor”. (GIRES, 2016, p. 916). Imagem 3 – Funcionamento da máquina
de Wimshurst
O experimento com a máqui-
na se inicia a partir do momento em
que a alavanca é acionada, pois,
com os mancais bem posicionados,
os dois discos maiores começam a
girar em sentidos opostos. O conta-
to das escovas de cobre ou bronze
(sustentadas pela barra neutraliza-
dora) com os setores metálicos dos
discos acaba por recolher de um
lado cargas positivas e de outro ne-
gativas:

Com setores de estanho, a


máquina de Wimshurt põe-
se a trabalhar sem excitação
alheia: basta reunir os polos
Fonte: Tratado de Physica. Raul Romano,
até se tocarem e mover os
1928.
discos no sentido que vai do
pente para a escôva mais Raul Romano foi um professor e
próxima; em breve, notam-se engenheiro químico. Atuou no Gym-
penachos de luz e estalidos nasio Independencia, foi professor
característicos devidos ao de física e química em diversas es-
vento elétrico entre os pen- colas do estado de São Paulo. Publi-
tes e os discos; então, afas- cou, no ano de 1928, o Tratado de
tam-se os polos e crepitam
Physica, obra que seria recomenda-
numerosas e lindas faíscas
cujo comprimento depende da no programa do Colégio Pedro
da voltagem da máquina; II, um ano depois, em 1929. Quando
uma faísca de 2 cm. Corres- aborda os temas sobre eletricidade
ponde a cêrca de 60.000 vól- estática, o autor apresenta um dis-
tios. (AZEVEDO, 1927, p. 436). curso resumido, porém consistente.
Enquanto discorre sobre os aspectos
Como constatado, as cargas técnicos da máquina de Wimshurst,
são captadas pelos coletores (has-

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
7
Todos os objetos também aborda o funcionamento meio dos setores de metal e o disco
científicos estuda-
dos nesse artigo dela, como podemos perceber nos de vidro (ou ebonite), utilizando pe-
fazem parte do Mu- seus escritos, quenas escovas de cobre ou mate-
seu Escolar do Co-
légio Marista Arqui- rial similar, influencia a diferença de
diocesano de São Pertence ao typo das machi-
potencial, fazendo surgir uma faísca
Paulo, destacamos nas “por influencia”. Com-
a importância da
põe-se (fig. 3) de 2 discos entre os dois polos da máquina.
coleção para o es-
tudo da história do de ebonite, distanciados 5
ensino de ciências milimetros um do outro, e
em São Paulo. Esse
museu é patrimô- girando ao mesmo tempo,
nio de educação
em ciências de um
mas em sentido contrario. As máquinas encontradas
colégio católico e Em cada um dos discos há no Colégio Marista
confessional, fun- uma serie de sectores de pa-
dado no ano de
pel de estanho “a”, com a Arquidiocesano de São
1858, na cidade de
São Paulo e guarda forma indicada na fig. 285. Paulo
uma coleção com- Ambos os discos giram entre
posta por diversos
garfos metallicos providos de Nas duas últimas décadas do
objetos vinculados
ao ensino das ci- pontas viradas contra elles. século XIX, e nas primeiras no século
ências, tal como
objetos elaborados Destes garfos partem ainda XX, o ensino das ciências, da física e
para o ensino de varetas de latão sustenta- eletricidade começou a destacar-
física, química e his- das por supportes isolados.
tória natural. Alguns
-se no currículo do ensino secundá-
instrumentos são O compensador F, é uma rio em São Paulo e em todo o Brasil.
materiais escolares vareta metallica, cujas extre- A ideia de substituição de um
criados para servir
como aparatos di- midades formam um pincel ensino livresco e enciclopédico por
dáticos comprados, macio de tênues fios metalli- um ensino construtivista e intuitivo
outros foram adap-
tados para a ação
cos, que resvalam contra os ganhava vulto por meio das elites
escolarizada. sectores a, a,... Fazendo girar
intelectuais do país e dos grandes
os discos da machina desen-
centros, como São Paulo e Rio de
volve-se immediatamente
electricidade que salta entre Janeiro. Para a construção desse
A e B em forma de faisca ou novo modelo de ensino, seria neces-
de effluvio. Os compensado- sária a aquisição de um conjunto de
res estão inclinados cerca objetos científicos, que “moderniza-
de 45 graus em relação ás riam” as escolas, equiparando-as
pontas. Estas ultimas, e bem ao Colégio Pedro II, instituição mo-
assim as esferas polares a delar de ensino secundário do país.
ellas ligadas, podem ser pos- Seguindo por essa linha de
tas em communicação com pensamento, compreende-se que
garrafas de Leyde “L”. Esta os alunos que frequentavam os la-
machina tem a apreciável
boratórios do Colégio Marista Arqui-
qualidade de ser auto-exci-
tadora. (ROMANO, 1928, p. diocesano de São Paulo contavam
297/298). com os mais diversos exemplares
de objetos para o estudo da física
As teorias e o sistema de funcio- e da química, sendo a Máquina de
namento da máquina são similares Wimshurst uma das figuras presen-
tanto nos manuais e escritos biblio- tes, com cinco unidades inventaria-
gráficos quanto nos livros didáticos. das no acervo da instituição7.
A autoexcitação da máquina por

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Imagem 4 – Ficha de identificação Imagem 5 – Ficha de identificação
– Memorial do Colégio Marista – Memorial do Colégio Marista
Arquidiocesano de São Paulo Arquidiocesano de São Paulo

Denominação Máquina de Wimshurst


Materiais Madeira, ferro, liga
metálica, alumínio, Denominação Máquina de Wimshurst
vidro, aço.
Materiais Madeira, peças
Dimensões 47 cm x 41,5 cm x 15 metálicas e correia de
cm couto
Área Temática Eletrostática Dimensões 21 cm x 17 cm x 14 cm
Fabricante/ Radiguet & Massiot Área Temática Eletrostática
Origem
Fabricante/ Otto Bender
Marcas/ Etiqueta adesiva de Origem
Incrições listagem anterior com
Marcas/ Peça foi repintada e
numeração (292 e
Incrições placa de identificação
291). Placa fabricante
do fabricante
“Rafiguet & Massiot
está parcialmente
Constructers 13 et 15,
encoberta.
Boulevard des Filles du
Calvaire, PARIS”, Ano de 1900
fabricação
Ano de [s.d.]
fabricação Estado de Regular. Aparelho
Conservação apresenta partes
Estado de Ruim. Aparelho
metálicas faltantes e
Conservação apresenta partes
outras soltas.
metálicas faltantes e
outras soltas.

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
Imagem 6 – Ficha de identificação Imagem 7 – Ficha de identificação
– Memorial do Colégio Marista – Memorial do Colégio Marista
Arquidiocesano de São Paulo Arquidiocesano de São Paulo

Denominação Máquina de Wimshurst


Denominação Máquina de Wimshurst
Materiais Madeira, ferro, liga
Materiais Alumínio, ferro, couro, metálica, alumínio, aço,
madeira, cortiça, palha de vidro.
aço e vidro.
Dimensões 37 cm x 28 cm x 17 cm
Dimensões 52 cm x 37 cm x 27 cm
Área Temática Eletrostática
Área Eletrostática
Fabricante/ Bender São Paulo
Temática
Origem
Fabricante/ Bender São Paulo
Marcas/ Etiquetas adesivas
Origem
Incrições de listagens anterior
Marcas/ Etiquetas adesivas de listagens (292 e 291). Na base
Incrições anteriores com numeração há uma placa com
(293 e 83). Na base há uma a denominação do
placa com a denominação fabricante. (OTTO
do fabricante (Otto Bender). BENDER SÃO PAULO)
Ano de [s.d.] Ano de [s.d.]
fabricação fabricação
Estado de Ruim. A máquina apresenta Estado de Ruim. Aparelho
Conservação vários pontos de oxidação. Conservação apresenta partes
O disco com cobertura em metálicas faltantes e
alumínio está descascando e outras soltas. Muitas
oxidado com partes faltantes. partes com desgaste
As bobinas confeccionadas e oxidação. Os tubos
em vidro estão quebradas e de vidro estão soltos e
soltas da base. Há desgaste quebrados.
de todo o maquinário
comprometendo seu uso.

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Imagem 8 – Ficha de identificação tramos as cinco máquinas citadas.
– Memorial do Colégio Marista
Sobre os fabricantes, conseguimos
Arquidiocesano de São Paulo
notar apenas dois exemplos: a Otto
Bender de São Paulo e a Radiguet &
Massiot, Francesa.
A Indústria e Comércio Bender
Ltda. (Otto Bender SP) foi uma em-
presa localizada no bairro da San-
ta Ifigênia, em São Paulo. Essa em-
presa tem um papel importante na
construção de instrumentos cientí-
ficos no estado de São Paulo. Nas
primeiras décadas do século XX,
comercializavam instrumentos para
escolas através de encomendas. A
partir dos anos 1950, com a colabo-
ração de professores e padres, são
confeccionados os “conjuntos Ben-
Denominação Máquina de Wimshurst der” para o ensino de física por meio
Materiais Alumínio, ferro, madeira e da realização de experiências. Os
vidro.
conjuntos nascem da contestação
Dimensões 80 cm x 72 cm x 43 cm
aos métodos antiquados que o en-
Área Temática Eletrostática
sino de física tomava por parte do
Fabricante/ [s.e.]
professorado paulista: a contesta-
Origem
ção mais incisiva foi a do professor
Marcas/ Etiquetas adesivas de
Incrições listagens anteriores com padre Aloysio Vienken. Sobre esses
numeração (83) conjuntos, FILHO constata:
Ano de [s.d.]
fabricação Do lado comercial, a empre-
Estado de Regular. A máquina sa “Firma Otto Bender” de
Conservação apresenta marcas de São Paulo, inicia, nos anos
oxidação no disco. Duas 60, a produção de material
das quarto Garrafas experimental para laborató-
de Leyden encontram-
rios de Ciências e Física (...)
se quebradas. Peças
metálicas desgastadas e Os equipamentos e disposi-
faltando, tivos eram acomodados em
“caixas”, permitindo a mon-
tagem de um número consi-
Todo o trabalho de organiza-
derável de experimentos re-
ção, inventariação e catalogação lativos aos grandes temas da
da coleção foi realizado pelo Nú- Física. Os conjuntos Bender
cleo de Estudos da Escola e seus se compunham de Mecâni-
Objetos (NEO), entre os anos de ca (duas caixas); Hidrostáti-
2015 e 2017. De um total de 824 ob- ca (uma caixa); Termologia
jetos para o ensino de física no colé- (duas caixas); Ótica (duas
caixas) e Eletricidade (duas
gio, 316 fazem parte dos conteúdos
caixas). (2000, p. 24).
de eletricidade, desse total, encon-

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
A partir dos anos 1960, a “Firma Como dito, após o sucesso
Otto Bender” começa a renovar inesperado de suas atividades, Ar-
seus métodos, usando esses con- thur-Honoré junta-se a seu genro
juntos Bender como disseminadores Georges Jules Massiot, e fundem-se
de experiências científicas em São à empresa de Molteni, criando as-
Paulo, contestando o ensino pura- sim a Radiguet & Massiot.
mente matemático da física. Ainda segundo Guerin (2011),
A Radiguet & Massiot foi uma Radiguet morreu aos 55 devido à
empresa que liderou o mercado e realização recorrente de radiogra-
a produção de produtos científicos fias, o que não abalou o sucesso da
manufaturados na França. Segun- empresa, a qual continuou desem-
do Dellmann, a empresa foi criada penhando papel pioneiro em ra-
(com este nome) no ano, ou após diologia, quando, por exemplo, du-
o ano de 1889, não se sabendo ao rante a Primeira Guerra Mundial, foi
certo a data exata. primeira a equipar caminhões com
Sabe-se, que, após o cientista instalações radiográficas. Em 1960,
parisiense François Marie Alfred Mol- a empresa junta-se à outra corpo-
teni abandonar sua empresa de- ração, assim, a Radiguet & Massiot,
pois de um acidente ocorrido com torna-se a primeira subsidiária da
um de seus produtos, matando 126 empresa Philips.
pessoas, acaba por deixar a empre-
sa denominada, Radiguet & Massiot
(2012). Antes de tal ocorrido, um de
seus criadores, Arthur-Honoré Radi- Os catálogos e os
guet, já estava inserido no mundo fabricantes estrangeiros das
dos objetos científicos: Máquinas Eletrostáticas de
Em 1880, Arthur-Honoré Ra- Wimshurst
diguet (1850-1905) ampliou O levantamento das fontes pri-
sua atividade para apare-
márias encontradas no colégio – os
lhos de divulgação científica
que trabalham com vapor objetos científicos, livros didáticos
ou eletricidade e fotografia. e catálogos da época - apontam
O sucesso de sua produção para uma relevante circulação das
excede suas expectativas, máquinas de Wimshurst nas primei-
ele estende sua atividade à ras décadas do século XX. Esse fato
eletricidade desenvolvendo é resultante de um crescente inte-
a primeira bateria constan-
resse pelo estudo de física e nota-
te usando resíduos de zinco.
Com o uso da eletricidade li- damente pela área de eletricidade.
gada à fins médicos se espa- Também resulta de um momento
lhando, ele começou a se in- importante no ensino brasileiro e
teressar por raios-X. (GUERIN, mundial: o estabelecimento do mé-
2011). todo intuitivo.
No fim do século XIX, aumen-
tam-se as críticas ao ensino tradi-

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cional, e em teorias baseadas na Na sala de análise do Núcleo
memorização são alvos de diversos de Estudos dos Objetos (NEO), fo-
questionamentos. Em detrimento a ram localizados seis catálogos que
todo esse panorama, surge o ensi- contêm informações referentes à
no intuitivo criado por J. H. Pestalozzi compra e venda de instrumentos
(1746-1827), esse modelo pretendia científicos de física e química na pri-
unir o sentido de educação e intui- meira metade do século XX:
ção, assim o aluno deveria entrar
em contato “real” com o seu objeto Quadro 1 – Relação dos catálogos encontrados no
Colégio Arquidiocesano
de estudo e não se tornar um sujeito
Título Fabricante País Ano
completamente passivo no proces-
Physique Les Fils França 1928
so de conhecimento. Sob esse mes- Générale D’Émile
mo modelo, Bontempi Jr. pondera: Experimentale Deyrolle
Physique Les Fils França 1936
O ensino intuitivo foi instituído Générale D’Émile
como método para ensinar Experimentale Deyrolle
os saberes elementares, de Catálogo Koehler & Alemanha 1928
modo que as crianças tra- General Volckmar
vassem contato direto com ilustrado
os objetos oferecidos à per- Appareils de Max Kohl A. Alemanha -
cepção (...) os espaços fo- Physique No.50 G.
ram delimitados conforme Appareils Max Kohl A. Alemanha 1926
a natureza das atividades; de Physique G.
No.100
a escola passou a dispor de
mobiliário e materiais para as Appareils Max Kohl A. Alemanha -
de Physique G.
‘lições de coisas’. (BONTEM-
No.150
PI, JR, 2014).
Fonte: Acervo Histórico do Colégio Marista
Os instrumentos de ciências Arquidiocesano de São Paulo.
também passaram por processo se-
melhante. Para o ensino de ciências Não por coincidência, os úni-
físicas e naturais, diversos instrumen- cos catálogos achados no colégio
tos foram adquiridos por escolas no apontam para uma aquisição dos
estado de São Paulo, muitos vindos instrumentos científicos apenas por
do exterior, tais como os equipa- dois países: França e Alemanha.
mentos de física Deyrolle (SOUZA, Com a vinda da corte portugue-
2007). sa ao Brasil no começo do século
Esse novo método de ensino XIX, políticas ligadas ao ensino co-
nas instituições escolares acaba por meçam a ser implementadas já na
impulsionar a aquisição de instru- constituição de 1824. A principal
mentos científicos. Tal ação torna- medida nesse momento é a aproxi-
-se notória ao analisar o número de mação com os modelos europeus e
catálogos de venda de instrumen- principalmente franceses de ensino
tos de physique presentes no acer- (MARTINS, 2015).
vo do memorial do Colégio Marista O Colégio Dom Pedro II, pri-
Arquidiocesano de São Paulo. meiro estabelecimento do ensino

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
8
Os catálogos dos secundário no Brasil e muito impor- Destacamos que as três empre-
fabricantes norte- tante no desenvolvimento dos es-
-americanos foram
sas fornecedoras de objetos científi-
extraídos do site ar- tudos das ciências, contava com cos se encontram na costa leste dos
chive.org, que con- uma grande quantidade de livros Estados Unidos, próximas a regiões
ta com diversas co-
leções de universi- didáticos provenientes da França.
de grande desenvolvimento indus-
dades estrangeiras, De 1850 até 1929 pelo menos dez
além de um acervo programas de ensino do colégio trial nas últimas décadas do século
específico de ca-
tálogos de diversos contavam com uma grande quan- XX. Dois fabricantes encontram-se
tipos. tidade de livros didáticos franceses. no estado de Chicago (Union Scho-
9 Esses dados exaltam o predomínio ol Furniture Company e a Chica-
Disponível em:
https://archive. francês na estrutura do ensino bási- go Apparatus Company) e um em
org/details/Scho- co no Brasil (MARTINS, 2015). Assim, Nova Jersey (The Experimenter’s Su-
olFurnitureAndSu- exaltamos a relação entre o núme-
pplies. Acesso em: pply House). Os três catálogos en-
27/01/2021. ro de catálogos franceses no Colé-
gio Marista Arquidiocesano de São contrados vendiam exemplares da
10
Disponível em: Paulo e a influência desses “mode- máquina de Wimshurst.
https://archive.org/
details/AdamsMor- los” de ensino para o Brasil, no perí- Os três documentos reiteram
ganCo.CCA54264. odo destacado. as características físicas e de com-
Acesso em: Outro foco importante de cir-
27/01/2021. posição dos objetos científicos em
culação desses objetos científicos um tipo de discursividade voltada
11
Disponível em: e de seus catálogos provém dos
à valorização dos componentes de
https://archive.org/ Estados Unidos da América. A apro-
details/PhysicalIns-
ximação desse país com a moder- cada um dos objetos, ou seja, dire-
trumentsApparatu-
sAndSupplies. Aces- nização e industrialização presentes tamente voltada para a comercia-
so em: 27/01/2021. em diversas sociedades ocidentais lização.
no fim do século XIX e nas duas pri-
meiras décadas do século XX podia
ser sentida com força no país norte-
-americano.
Podemos citar ao menos três
fabricantes norte-americanos das
máquinas de Wimshurst, que au-
mentavam a circulação desses ob-
jetos científicos no período descrito
anteriormente8.

Quadro 2 – Relação de catálogos norte-americanos

Título Fabricante Localidade Ano


School Furniture and Union School Chicago, Illinois. 1893.
Supplies. Catalog No. Furnishing Co.
M-29 9.
The Experimenter’s Adams-Morgan Upper Montclair, 1915.
Supply House 10. Co. N. J.
Physical Instruments Chicago Chicago, Illinois. 1931.
Apparatus and Apparatus
Supplies. Company.
Catalog nº42. 11

Fonte: Catalog Collection. Internet Archive.

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Figura 9 – Máquina de Wimshurst no School tores e todas as outras peças
Furniture de latão são revestidas com
níquel. As rodas motrizes e
os suportes são bem fabrica-
dos em ferro. Base de ma-
deira pesada, acabamento
em mogno. Completo com
disjuntor, manual com instru-
ções e experimentos. (UNION
SCHOOL FURNISHING, 1893,
p. 94).

Fonte: School Furniture and Supplies. A descrição desses catálogos


Internet Archive. demonstra uma atenção especial
aos detalhes e confecção dos ob-
No School Furniture, assim jetos científicos, procurando traba-
como descrito nos outros catálogos lhar com materiais selecionados.
estadunidenses, podemos perceber Como acessórios, também eram
uma discursividade próxima ao que comercializados disjuntores e manu-
encontramos na descrição de ven- ais com instruções e experimentos.
da do objeto, A pré-fabricação desses objetos e a
disseminação de modelos descritos
Este é o tipo mais popular de
gerador estático, pois não é nos manuais são dois dos focos de
afetado pelas mudanças de estudo do espanhol Víctor Guijarro
umidade ou atmosféricas e Mora (2018), quando leva em consi-
funciona sem troca de polos. deração a utilidade, prós e contras
A máquina está sempre pron- da aquisição desse tipo de objeto.
ta para operação, indepen- Nos catálogos também cons-
dentemente das condições
tam máquinas de Wimshurst diversi-
climáticas, e produz uma fa-
ísca mais longa que a máqui- ficadas em funcionalidade e, princi-
na de Toppler-Holtz, do mes- palmente, em tamanho. No School
mo tamanho. As placas são Furniture, dois modelos são comer-
confeccionadas com bor- cializados: a máquina de N. 1810,
racha de melhor qualidade, que vende o objeto científico com
pesada e aparafusadas a ro- duas placas de borracha de 10 po-
lamentos. Os condensadores
legadas – o preço anunciado seria
são de vidro de alta qualida-
de para a garrafa de Leyden de $33,95 dólares –, e a máquina de
e de amplo tamanho para a N. 1812, que vende o gerador ele-
máquina. Eles são revestidos trostático similar, mas com 12 pole-
de metal niquelado apara- gadas, custando $38,95 dólares.
fusadas na base. As rolhas Os dois catálogos contam com
de madeira são firmemente uma valorização exacerbada em
cimentadas nos frascos de
relação aos materiais de compo-
condensação, apoiando ri-
gidamente os pentes coleto- sição e componentes dos objetos
res no lugar. As hastes, cole- científicos. Como podemos perce-

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
ber nessa passagem do Experimen- Figura 10 – Máquina de Wimshurst no The
Experimenter’s Supply House
ter’s Supply House.

Para usar a expressão mais


modesta, acreditamos que
nossa nova máquina estáti-
ca de Wimshurst, fabricada
em nossas próprias lojas, é a
melhor já colocada no mer-
cado americano a um pre-
ço popular, ao alcance de
todos. Infelizmente, a ilustra- Fonte: Adams-Morgan Company. Internet
ção faz pouca justiça à apa- Archive.
rência elegante da máquina
e não podemos observar o No catálogo Milvay, da Chica-
efeito dos acessórios de bor-
go Apparatus Company, também
racha polida e niquelada.
Devolveremos o dinheiro ale- encontramos dois exemplares da
gremente se o comprador máquina de Wimshurst, um mode-
não encontrar a máquina lo grande (Large) e um pequeno
exatamente como descrito e (Small). A primeira seria comerciali-
ilustrado nestas páginas (...) zada por um preço de $35,00, e a
substituiremos qualquer peça segunda, $22,00 dólares. (1931, p.
com defeito, gratuitamente,
163 - 164). Mas, nesse terceiro catá-
dentro de um ano se a má-
quina tiver sido tratada com logo, chama a atenção uma lista-
inteligência. (Experimenter’s gem de peças de reposição para a
Supply House, 1915, p. 124). máquina eletrostática que também
eram vendidas pelo mesmo forne-
Além de reiterar que essa má- cedor.
quina é a “melhor já colocada no
mercado americano”, o catálogo Figura 11 – Peças de reposição para a
Máquina de Wimshurst
disponibiliza dois modelos de má-
quina de Wimshurst. Uma máquina
com “novo estilo”, mas com dispo-
sição similar as outras (No. 9000), e
outra acompanhada por um tubo
de Raio-X para trabalhar com a má-
quina (No. 9010). (ADAMS MORGAN
CO., 1915, p. 125).

Fonte: Chicago Apparatus Company.


Internet Archive.

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Como podemos observar, a fa- ção de problemas antigos ligados a
bricante Chicago Apparatus Com- outras máquinas eletrostáticas, por
pany, além de vender as máquinas exemplo a inversão de polaridade,
de Wimshurst, também comerciali- fez com os laboratórios de física se
zavam objetos de reposição para a interessassem pela aquisição desse
máquina eletrostática. Na figura 11, instrumento.
constata-se diversos coletores (as A montagem dessas máquinas
escovas, preferencialmente de co- era, muitas vezes, artesanal, já que
bre), os discos com setores, diversos a facilidade de construção desses
tipos de “pratos” de várias medidas instrumentos era considerável, e
diferentes e garrafas de Leyden. os materiais comumente utilizados
A quantidade de catálogos es- eram madeira, acrílico, metais, co-
trangeiros que citam a máquina de bre e estanho. Esses materiais po-
Wimshurst demonstra a valorização diam ser encontrados com certa
e circulação desses objetos cien- facilidade, apenas a construção do
tíficos não só no Brasil, mas princi- próprio aparelho requeria um co-
palmente nos países ocidentais nas nhecimento e estudo mais refinado,
últimas décadas do século XIX e pri- para que assim atingisse o resultado
meiras três décadas do XX. esperado. Portanto, se a máquina
fosse montada da forma correta,
dificilmente o experimento seria de-
cepcionante em seu momento final.
Considerações Finais Toda essa circulação de instru-
mentos, e de maneira mais especí-
A máquina eletrostática de
fica das máquinas de Wimshurst, re-
Wimshurst foi uma das mais impor-
vela-se na quantidade desses obje-
tantes invenções do campo da ele-
tos encontrados no Colégio Marista
trostática no ensino de física, era a
Arquidiocesano de São Paulo.
mais poderosa máquina inventada
Os exemplares encontrados na
no século XIX para a geração de
instituição, nos permitiu observar o
eletricidade estática (TURNER, 1983,
espaço que a máquina adquiriu nos
p. 192). A característica experimen-
laboratórios. Devido ao tempo (mais
tal do ensino de física, no começo
de cem anos de idade, baseado no
do século XX, trouxe a figura dos ins-
único exemplar que continha data
trumentos científicos para a sala de
de fabricação “1900”), tais instru-
aula. Pelo currículo carregado pre-
mentos mostravam diversos pontos
dominantemente de material teóri-
de oxidação e desgaste, peças
co, os pesquisadores do campo da
quebradas, soltas, e algumas faltan-
eletricidade adquiriram na máqui-
tes, o que obviamente não muda o
na os resultados e o entusiasmo de
valor histórico de cada uma delas.
que precisavam para complemen-
A figura da máquina de
tar a metodologia dos seus estudos.
Wimshurst também se fez presente
A praticidade e a capacidade da
em catálogos e livros de física en-
máquina de Wimshurst para resolu-
contrados na instituição, os quais

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
12
O site do banco foram utilizados tanto para essa
de dados se encon-
tra no endereço
pesquisa quanto para a adição das
eletrônico: http:// informações citadas acima, feita
www.pergamum.
pucpr.br/redeper- pelos membros do grupo NEO (Nú-
gamum/index.php cleo de Estudos dos Objetos) na
plataforma Pergamum12, que, com
sua capacidade de inventariação
e armazenamento de informações,
foi fundamental para este trabalho.
A intenção dessa pesquisa foi
a de justamente reconhecer o va-
lor histórico e patrimonial das peças
observadas, no sentido de mostrar
a importância desse tipo de ins-
trumento científico para o ensino
das ciências na educação brasi-
leira. Através do estudo de um úni-
co objeto, descobrem-se diversos
elementos presentes na educação
em determinado tempo histórico,
como fica evidenciado neste estu-
do sobre a Máquina de Wimshurst.

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Recebido em: 14/jul/2020


Aceito em: 15/dez/2020

ISSN 2237-9126 V. 14, N° 27 54

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