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Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Dissertação de Mestrado
Pelotas, 2019
Leonor Gularte Soler
Pelotas, 2019
Universidade Federal de Pelotas / Sistema de Bibliotecas
Catalogação na Publicação
Banca examinadora:
...................................................................................................................
Prof. Dr. Avelino da Rosa Oliveira (Orientador)
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
...................................................................................................................
Prof.ª Dr.ª Kelin Valeirão
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas
...................................................................................................................
Prof.ª Dr.ª Neiva Afonso Oliveira
Doutora em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Agradecimentos
Sou grata a minha mãe por ter me dado a vida e me ensinado o caminho da
escola. Agradeço ao meu pai, (in memorian), o qual - mesmo sem saber - ensinou-
me a ter esperança.
Aos (às) amigos (as) e companheiros (as) de jornada acadêmica, que tantas
vezes, nas tribulações, acolheram-me. Gratidão especial aos mestres Avelino e
Neiva Oliveira, os quais acompanharam minha trajetória desde a graduação,
contribuindo à minha formação com suas palavras de incentivo, as quais fizeram
toda a diferença na realização deste trabalho.
1 Introdução ................................................................................................................ 9
2 A necessidade de reconstruir a filosofia ................................................................. 12
2.1 Conhecimento: origens e possibilidades ...................................................... 15
2.1.1 Dualismo Platônico: o mundo inteligível e o mundo sensível .................... 16
2.1.2 O racionalismo de Descartes: separação entre corpo e mente ................. 20
2.1.3 Empirismo: a mente como instrumento passivo......................................... 24
2.1.4 Pragmatismo: o caráter genético e instrumental do conhecimento............ 28
2.2 A epistemologia instrumentalista de John Dewey ............................................ 34
2.2.1 A herança hegeliana .................................................................................. 37
2.2.2 O Naturalismo empírico ............................................................................. 41
2.2.3 A psicologia funcionalista ........................................................................... 46
2.2.4 A Lógica instrumentalista ........................................................................... 51
3 A Escola experimental da Universidade de Chicago .............................................. 59
3.1 A história da Escola ......................................................................................... 63
3.1.2 Finalidade e Filosofia da Escola ................................................................ 69
3.1.3 Métodos de Ensino e materiais .................................................................. 72
3.1.4 As ocupações ............................................................................................ 74
3.2 O curriculum e a vida da criança ...................................................................... 79
3.2.1 Os impulsos ............................................................................................... 82
3.2.2 Estágios do crescimento ............................................................................ 86
3.2.3 A imitação, o brinquedo, o trabalho e as atividades afins .......................... 92
3.3 Professor: o líder intelectual de um grupo social.............................................. 96
3.3.1 O desenvolvimento da capacidade de pensar ........................................... 99
3.3.2 A direção da experiência ......................................................................... 103
4 Considerações finais ............................................................................................ 108
Referências ............................................................................................................. 114
9
1 Introdução
1
Thomas Henry Huxley (1825-1895) – Biólogo e principal defensor da teoria de Charles Darwin. O
livro de fisiologia Elements of Physiology foi indicado em um curso ‗eletivo‘ durante a graduação de
Dewey na Universidade de Vermont (1875-1879).
2
Aqui usamos o termo afastamento, por acreditarmos que, historiograficamente, não é possível
afirmar que haja uma ruptura no itinerário intelectual do autor. Tomamos como base as palavras do
próprio Dewey em seu ensaio autobiográfico Do Absolutismo ao Experimentalismo. ‖nunca devo
pensar em ignorar, muito menos em negar, a que um crítico astuto ocasionalmente se refere como
uma descoberta nova - que o conhecimento de Hegel deixou um depósito permanente em meu
pensamento‖ (DEWEY, 1930, p. 21, tradução nossa).
14
Isto posto, é possível afirmar que, para Dewey, a razão passa a ser a
inteligência experimental, criada de acordo com os moldes da ciência, com a tarefa
de libertar os homens da submissão do passado, auxiliando-os na visão e realização
de um futuro melhor. Ou seja, o único instrumento que pode atuar com infalibilidade
no sentido de restabelecer a continuidade e a unidade da experiência humana na
renovação das possibilidades que o ambiente social oferece é a inteligência.
Segundo Teixeira (1968), não há como apreciar haver chegado Platão à visão
de um mundo racional suprassensível, mais real que o mundo das coisas
desordenadas e passageiras, e de que este último seria apenas a sombra
temporária e ilusória. A alegoria da caverna consagrou, de maneira literária, essa
concepção de um mundo de ideais, real, imutável e eterno, a que o homem podia
alcançar pela educação da mente e do espírito (p.132).
3
Anísio Teixeira (1900-1971) foi o primeiro intelectual a acolher e difundir as ideias de John Dewey
no Brasil. No final dos anos 1920, viajou aos Estados Unidos da América e estudou no Teachers
College da Columbia University, onde conheceu as ideias filosóficas e pedagógicas de John Dewey.
Desde então, todas as suas atuações como educador e como administrador público na área da
educação foram inspiradas no pragmatismo deweyano. Considerado o principal idealizador das
grandes mudanças que marcaram a educação brasileira no século 20, foi pioneiro na implantação de
escolas públicas de todos os níveis, que refletiam seu objetivo de oferecer educação gratuita para
todos. Como teórico da educação, Anísio não se preocupava em defender apenas suas ideias, mas
também o pensamento e a Filosofia da Educação de John Dewey.
18
[...] mau grado as grandes divergências, sob muitos pontos de vista, entre
esses pensadores, eles concordavam em identificar a experiência com os
interesses puramente práticos; e, por consequência, tendo como alvo os
interesses materiais e como órgão o corpo humano. Por outro lado, o
conhecimento existia por si mesmo, livre de associações com a prática, e
tinha como fonte e órgão um espírito perfeitamente imaterial; as suas
relações eram com os interesses espirituais ou ideais. Ainda mais – a
experiência sempre subentendia falta, necessidade, desejo; nunca se
20
Adotada mais tarde, no período medieval, a ideia de não haver nada pessoal
ou subjetivo na experiência é, então, submetida a interpretações e sanções
teológicas. A igreja, nesse período, apoiada pela interpretação e pelo significado do
Mito da Caverna – o qual já citamos acima - convencia os fiéis de que a única
experiência humana que tem valor é a autorizada pelas escrituras. No século XIII, a
Filosofia de Platão enfraquece, porém, desde o Renascimento, tem demonstrado
uma vitalidade perene como forma dualista.
Para que suas crenças tivessem estabilidade e resistência, o que para ele
trata-se de duas importantes marcas do conhecimento, Descartes estabelece o
célebre argumento do erro dos sentidos, argumento esse que coloca sob a ação da
dúvida metódica o conjunto de nossa experiência cotidiana, dado que a interação
sensorial com o mundo em que ela se ampara não possibilita que elaboremos um
conhecimento que esteja acima de qualquer suspeita de falsidade. Descartes
argumenta que― (..)porém, descobri que eles [os sentidos] por vezes nos enganam, e
é de prudência nunca confiar totalmente naqueles que, mesmo uma só vez, nos
enganaram‖(DESCARTES, 2004, p. 107). Nesse sentido, o único conhecimento
verdadeiro não está contido no mundo externo da observação, mas sim nas
verdades puramente racionais, no cogito ergo sun5.
5
Cogito Ergo Sun – ―Expressão cartesiana que exprime a autoevidência existencial do sujeito
pensante, isto é, a certeza de que o sujeito pensante tem de sua existência como tal‖. (ABBAGNANO,
2012, p. 173).
22
No século XVII, período em que Locke viveu a maior parte da sua vida, houve
grandes mudanças na mentalidade e nas relações sociais, principalmente na
Inglaterra. Uma das preocupações centrais que marcaram seu trabalho foi a
negação da existência de ideia e princípios inatos na mente humana. Esse fato
levou o filósofo a aperfeiçoar o programa de Bacon e a desenvolver uma teoria
sobre o processo pelo qual se chega ao conhecer, concentrando-se sobre o próprio
intelecto, suas capacidades, suas funções e seus limites, sendo assim, não se trata
de analisar o objeto, mas sim o próprio sujeito.
25
1
O Ensaio sobre o Entendimento Humano, editado em 1690, é considerado sua obra mais
importante, do ponto de vista estritamente filosófico. ―Locke insurgia-se contra as teses políticas,
vinculando-as a teses filosóficas mais gerais, fundamentadas, em última instância, numa certa teoria
do conhecimento. As palavras iniciais do Ensaio sobre o Entendimento Humano são muito mais
claras nesse sentido. Relatando as circunstâncias da origem da obra, o autor diz que o Ensaio
resultou das dificuldades surgidas para a resolução de um problema filosófico, abordado em
discussão fortuita entre amigos; diante da dificuldade, Locke sugeriu uma prévia indagação sobre a
extensão e o limite do entendimento humano. A indagação proposta acabou por se transformar na
obra com a qual o pensador pretendia fundamentar a tolerância religiosa e filosófica‖(MONTEIRO,
1999, p. 9).
2
Expressão que adquire o sentido de todo e qualquer conteúdo do processo cognitivo na Teoria do
Conhecimento lockiana. Incluem-se, no significado da expressão "ideia", os "fantasmas" (entendidos,
por Locke, como dados imediatamente provenientes dos sentidos), lembranças, imagens, noções,
conceitos abstratos (Monteiro, 1999, p.10).
26
a única coisa que alguém pode conhecer são as ideias‖ (OZMON&CRAVER, 2004,
p. 134). David Hume, por sua vez, desenvolve a visão de Locke até o ceticismo, no
que se refere à existência e ao significado das ideias e dos objetos materiais. Ainda
assim, permanece um problema filosófico, que é gerado pela noção de uma mente
passiva e pela incerteza, no que concerne à natureza da realidade.
Embora Dewey rejeite a epistemologia de Locke, ambos são unânimes em
afirmar que o pensamento e a ação devem formar um todo indivisível, e a
inteligência garante ao ser humano a capacidade de modificar as condições de sua
própria experiência. No entanto, para Dewey, a mente não é uma ‗tábula rasa‘, não é
um espelho passivo da natureza. Ela é a capacidade humana de compreender e
modificar ativamente as concepções, tornando significativa e útil toda e qualquer
experiência vivida.
Para Dewey
1
Este artigo foi publicado originalmente em francês, em 1922, e, em uma primeira versão inglesa,
traduzida do francês, em 1925. Passou, depois, a fazer parte do livro Filosofia e civilização, publicado
em 1931.
30
1
James usa o termo ‗pensamento‘ para se referir a algo que ocorre em nosso fluxo de consciência.
―Para James, um pensamento nem sempre é conceitual, porque muitos pensamentos não podem ser
expressos verbalmente. Os filósofos concentram-se nos pensamentos que podem ser expressos em
conceitos e palavras, mas os pensamentos cognitivos são apenas um tipo de pensamento. Há muitos
tipos de pensamento, entre eles as sensações, emoções e desejos, que nunca podem ser expressos
adequadamente em conceitos. Pensamentos não conceituais são mais importantes do que os
pensamentos conceituais. A maior parte da nossa experiência não é conceitual. Os filósofos
concentram-se no pensamento conceitual porque estão muito interessados na capacidade de
racionar logicamente. Eles esquecem que mesmo quando estamos pensando racionalmente, o foco
da nossa atenção conceitual é rodeado por uma ‗aura‘ de sensações e emoções não conceituais.
James acreditava que a mente, ou seja, o fluxo da consciência de uma pessoa, é uma coisa viva‖
(SHOOK, 2002, p. 102).
33
A verdade, para Dewey, pertence à existência, mas não existe como tal, e a
verdade é, enquanto um elemento da experiência, imperfeita e limitada pelo que lhe
falta integrar. Assim, segundo Amaral (1990), a quantidade de conexões e
interações que estabelecemos definem o quanto é possível conhecer o objeto em
questão. A verdade se constrói em determinado momento, nasce em circunstâncias
definidas e só tem sentido dentro das condições que a originaram. Sendo criada em
determinadas situações de processo vital de interação entre o indivíduo e o meio, a
verdade não é única. Verdade e realidade caminham lado a lado com a experiência
humana (p.63).
crenças sobre os valores e propósitos que, por certo, deveriam governar sua
conduta.
Os cuidados de Dewey, desde bem cedo, foram confiados à sua mãe. Seu
pai, comerciante, embora com pouca escolaridade, apresentava uma cultura literária
excelente e era muito interessado em atividades políticas. A fim de defender a causa
abolicionista, alista-se no exército quando do surgimento da guerra americana e fica
afastado da família por quatro anos. Lucina, mãe de Dewey, além de educá-lo no
respeito aos valores cristãos, fez que entendesse a importância que havia, para ser
um bom cristão, em prestar atenção aos problemas e desigualdades sociais que
intermediava a vida da comunidade da qual eles faziam parte. Mesmo com a volta
de seu pai, tempos depois, a mãe continuou sendo sua referência principal, tanto no
campo emocional, quanto educativo. A sólida educação moral e religiosa de
natureza congregacionalista ministrada a Dewey por sua mãe resultou em profundas
marcas em seu caráter. Esses traços podem ser percebidos por toda a sua vida em
seu desenvolvimento intelectual e filosófico, nos interesses pelos problemas sociais
e morais, e – quando ainda muito jovem – um sentimento de interrupção e
dilaceração entre alma e mundo, Deus e natureza, que precisavam, segundo
Dewey, de uma atenção altamente filosófica.
Conforme Calcaterra
1
Título original: Aids to Reflection (1840). Samuel Taylor Coleridge (1772-1834), poeta inglês,
considerado um dos fundadores do Romantismo na Inglaterra.
2
Título original: Lessons in Elementary Physiology (1886). Thomas Henry Huxley (1825-1895) foi
biólogo e defensor implacável da Teoria da Evolução de Charles Darwin.
3
George Sylvester Morris (1840-1889) e Stanley Hall (1846-1924), foram professores de Dewey na
John Hopkins University. Segundo Pitombo, ―não há dúvidas de que ambos, e, sobretudo Morris,
deixaram profunda impressão no espírito do estudante, que, pelo espaço de um ano, recebeu aulas,
no primeiro semestre, de Morris e, no segundo, de Stanley Hall‖(PITOMBO, p. 22).
39
Segundo Renault (2018), até 1905 - data em que foi transferido para a
Columbia - Dewey, em vários de seus escritos, declarou-se hegeliano. O filósofo de
Burlington entende que a filosofia de Hegel preocupou-se com a ontologia, a
Antropologia, a Psicologia, a Epistemologia e, principalmente, com a Filosofia social.
No plano ontológico, Dewey elogia Hegel, por ter identificado a importância do
processo da realidade, por sua coragem para superar todos os dualismos e por seu
reconhecimento da realidade dos relacionamentos. Já, no plano antropológico,
Hegel é enaltecido pela sua percepção na unidade entre espírito e natureza, e a
definição do espírito como uma reintegração reflexiva da natureza fundamental do
processo, como também, pela unidade entre corpo e alma e a ideia de hábito como
uma mudança da natureza corporal e readaptação por meio do espírito da própria
natureza (p. 1).
Filosofia que se compromete a dar conta da experiência e se empenha para dar luz
ao pensamento como uma realização das energias da vida social capaz de retornar
na mesma vida social para aprimorá-lo (p. 1).
Não é possível falar do período hegeliano de Dewey sem citar a amizade dele
por George Mead4. Colega de Dewey na Universidade de Chicago, Mead, embora
pouco conhecido no campo filosófico, foi uma importante figura do pragmatismo
americano. Ambos formaram um patrimônio comum de ideias, suas obras se
complementam. Dewey e Mead não eram apenas amigos muito próximos, mas
compartilhavam trajetórias intelectuais semelhantes. Tanto um, quanto outro,
passaram por um período em que Hegel foi a figura filosófica mais significativa para
eles, e juntos democratizaram e popularizaram, no circulo filosófico americano, as
ideias hegelianas sobre o eu e a comunidade. As questões teleológicas também
permaneceram importantes no pensamento de um e de outro, porém foram
reduzidas em escala do mundo histórico e aplicadas em termos de experiências
4
George Herbert Mead (1863-1931) é considerado o fundador do Interacionismo Simbólico. A
convivência entre Mead e Dewey iniciou-se na Universidade de Michigan, em 1891, quando recebeu
de Dewey um cargo nessa universidade, e perdurou por longa data. Em 1894, quando Dewey vai
para a Universidadede Chicago, Mead é convidado por ele para lecionar nessa instituição e nela
permaneceu até 1931. Inclusive, uma das exigências de Dewey, ao assumir seu cargo, nessa
Universidade, foi a contratação de Mead. Abbagnano (2002) esclarece que, a respeito dessa
amizade, o professor Morris declarou que, se Dewey contribuiu com sua amplitude de ideias, Mead
mostrou profundidade analítica e rigor científico. Ao comparar Dewey a uma roda e Mead ao eixo
dessa roda que percorre o pragmatismo, ele considera que, embora essa roda percorra velozmente
muitos quilômetros, ela jamais conseguirá do seu eixo desligar-se (p. 34).
41
onde ele sustenta que ―o que quer que a vida orgânica seja ou não, é um processo
de atividade que envolve um ambiente. É uma transação que se estende além dos
limites espaciais do organismo. Um organismo não vive em um ambiente; vive por
meio de um ambiente‖(DEWEY, 1938, p. 25).
uma barreira que separa o ser humano e a natureza; (c) é material e mecanicamente
determinada (p.4).
passivo. Habituamo-nos com as coisas que vivemos - nossas roupas, nosso clima,
também com nossos amigos - e, vivendo em conformidade com o meio, não somos
capazes de converter esses resultados que Dewey denomina ‗acomodações‘ em
hábitos produtivos e eficientes sobre o nosso meio.
Por fim, entendemos que todo o empenho de Dewey, nesse sentido, pode ser
considerado como uma tentativa de unificar a força ativa do conhecimento científico
com as crenças e hábitos de cultivo inteligentes, pois, quando desviados, provocam
atraso e inércia. Compreendemos também que a capacidade de aprender com a
experiência significa formação de hábitos, e são eles que nos dão o domínio sobre o
meio e a habilidade para utilizá-los para fins humanos. Nesse sentido, os hábitos e
as circunstâncias individuais que dificultam seu exercício interferem, sempre, na
busca de um novo ato a ser realizado. Sendo assim, como contraponto ao aspecto
passivo do hábito, Dewey utiliza-se das ocupações ativas em sua Escola
Laboratório, como também do pensamento reflexivo. Esse último será abordado
mais adiante quando adentrarmos na lógica instrumentalista.
O arco reflexo, era visto pelos fisiologistas, desde a separação proposta por
Bell e Magendie6, a partir de três componentes elementares – o estímulo, que
produz a sensação; o processamento mental, que produz a ideia; e o ato. Dewey
não concordava com essa ideia, pois, para ele, essa divisão era artificial e trazia
como resultado um conceito de reflexo que se apresentava como um conjunto de
partes desconexas, sendo assim, não era um todo orgânico. Sua proposta é
substituir a análise estrutural pela análise funcional do reflexo. Não existe outra
maneira de pensar no reflexo, segundo Dewey, a não ser percebê-lo como um todo
5
William Rainey Harper (1856-1906) foi o primeiro presidente da Universidade de Chicago,
responsável por contratar todo o corpo docente da nova universidade e selecionar seus alunos.
6
Charles Bell (1774-1842) e François Magendie (1783-1855) propunham o reflexo em caminhos
sensórios e motores separados. A lei de Bell-Magendie, como ficou conhecida, ―era que as raízes
posteriores da medula espinhal controlavam a sensação, ao passo que as anteriores controlavam as
reações motoras. Tratava-se de uma descoberta de grande importância, pois fornecia uma base
anatômica ao posterior estudo dos dois lados do reflexo: a sensação e o movimento‖(GOODWIN, p.
82).
48
Dewey entende que a ideia correta do sistema nervoso como uma contínua
organicidade envolve a não fragmentação da experiência em, por um lado, coisas
naturais apresentadas como estímulos experienciados e, por outro, pensamentos
criados na mente pela experiência. Ele quer dizer com isso que tudo que for
experienciado pode, dependendo da situação, assumir qualquer das duas funções.
Há ainda um terceiro ponto ressaltado por Dewey, em que ele destaca que a
concepção moderna trata a mente como um processo de crescimento e não como
entidade fixa. Já na visão tradicional, a mente é a mesma em todo desenvolvimento
humano, porque é composta pelo mesmo conjunto de faculdades,
independentemente de ser uma criança ou um adulto. Hoje em dia, diz Dewey, a
mente é entendida como uma entidade em desenvolvimento e, por essa razão,
essencialmente mutável, apresentando fases distintas de capacidade e interesse em
diferentes períodos. ―Todas são uma e a mesma no sentido da continuidade da vida,
mas todas diferentes porque cada uma tem as suas características próprias e
distintivas‖ (DEWEY, 2002, p. 89).
Esses hábitos a que Dewey se refere são atitudes de inteligência, pois onde
existe um hábito, há o conhecimento dos materiais e dos aparelhos aos quais se
aplicam a atividade. Há também uma compreensão certa das situações em que o
hábito atua. Assim, o hábito de refletir desenvolve-se a partir da vida da criança, da
curiosidade e da interação do organismo com o meio, pois cada órgão sensitivo ou
motor busca oportunidade de ação, e, para agir, reclama um objeto. Essa
curiosidade, segundo ele, amplia a experiência e é o ingrediente essencial para o
pensamento reflexivo, do qual falaremos a seguir.
51
Foi dito anteriormente que Dewey deu uma nova expressão ao pragmatismo,
buscando um equilíbrio em algumas de suas ideias mais conflituosas. Ao falarmos
da lógica instrumentalista, estamos reiterando a intuição de Dewey quando constata
que é necessário aplicar a mesma inteligência que é utilizada na ciência nas
questões éticas, sociais e educacionais. Com isso, ele quer dizer que a inteligência é
um instrumento que tem capacidade de atualizar as possibilidades que o meio social
oferece. A organização do meio social é democrática, porque a inteligência que o
gerou não tem outra maneira de contemplar a vida, senão pelos padrões
verdadeiramente democráticos. Sendo assim, Amaral (1990) reconhece que a fé na
capacidade inteligente do homem surge de uma outra ainda mais elevada, qual seja,
a fé na democracia. Isso mostra que as raízes do pensamento de Dewey, sem
sombra de duvida, estão na fé da capacidade inteligente do ser humano para reagir,
com o senso comum, à livre investigação e comunicação. E, por isso, entende-se
que a legitimidade de uma crença habita no próprio processo de investigação(p. 91).
Segundo Teixeira
7
O pensamento reflexivo apresenta cinco fases: sugestão, intelectualização, hipótese, raciocínio e
verificação. É possível perceber que elas coincidem com as fases do método cientifico. Embora não
comprometa a coerência interna do pensamento de Dewey, faz-se necessário esclarecer que ―em
suas obras o autor refere-se indiferentemente à investigação, ora como pensamento reflexivo, ora
como método da inteligência ou reflexão, ora como inteligência, simplesmente, e ora como ciência ou
método cientifico. Estamos nos ocupando em mostrar que a ciência ou o método científico parece ter
sido assimilado pelo modelo geral da investigação deweyana. Ou melhor ainda, que o método
cientifico parece converter-se no próprio método da inteligência(AMARAL, 1990, p. 92)‖.
53
apresenta importância no ensino das crianças e dos jovens. Por isso, o teórico
busca incorporar o moderno espírito científico, que é o método experimental, a
determinadas atitudes presentes na infância, identificadas pela curiosidade,
imaginação e investigação.
Não é possível dizer para alguém como deve pensar. Pode-se falar das várias
maneiras as quais os homens pensam, umas melhores que outras, pelos motivos
que não se sabe explicar. Aquele que compreender quais e por que são as melhores
maneiras de pensar é possível que mude seu próprio modo de pensar, até que este
possa tornar-se mais efetivo. Sem dúvida, para Dewey, a melhor maneira de pensar
é pelo pensamento reflexivo. ―A espécie de pensamento que consiste em examinar
mentalmente o assunto e dar-lhe consideração séria e consecutiva‖ (DEWEY, 1979,
p. 13). Outros processos mentais recebem o nome de pensamento. Pensar chama-
se, por vezes, a um desordenado curso de ideias que passam pela nossa cabeça,
automaticamente e desordenadamente. O que passa dessa forma dificilmente tem
algum valor. São fantasias mentais, lembranças, impressões vagas e incompletas. É
assim que pensam os tolos, diz Dewey.
54
Um segundo sentido do ato de pensar pode ser aplicado a coisas que não
são percebidas pelos sentidos. Pode-se dizer que é algo inventado, diferente de um
rigoroso registro de observação. Acontece, nesses casos, episódios imaginários que
apresentam alguma coerência pelo fato de estarem presos a um fio contínuo. Estes
ficam em uma posição intermediária entre o pensamento fantasioso e o pensamento
reflexivo. Para Dewey, quando as crianças contam histórias imaginárias, há, nelas,
todos os graus de coerência interna, embora algumas sejam confusas, enquanto
outras apresentam-se bem articuladas. Estas ocorrem em espíritos dotados de
capacidade lógica e preparam o caminho para o pensamento encadeado, e, sendo
assim, assemelham-se ao pensamento reflexivo. Nesse sentido, para Dewey ―um
pensamento ou ideia é a representação mental de algo não realmente presente; e
pensar consiste na sucessão de tais representações‖(DEWEY, 1979, p. 15). Em
contraste, o pensamento reflexivo apresenta um propósito. Sua direção deve
conduzir a algum lugar, deve voltar-se a uma solução capaz de conceber uma
substância exterior à corrente de imagens. Algo precisa ser desvendado mediante a
aplicação do pensamento. Esse objetivo a ser alcançado define uma função
reguladora da sequência de ideias.
enfatizar a relevância da crença, pois inclui tudo aquilo que não há conhecimento
seguro, porém, nas quais confiamos o suficiente para nelas fundamentar a nossa
ação. Esses pensamentos desenvolvem-se inconscientemente, por causas obscuras
e canais não identificados, infiltram-se no espírito e tornam-se um elemento da
nossa guarnição mental. Alerta Dewey que são responsáveis por esses
pensamentos ―a tradição, a instrução, a imitação, que, todas, dependem, de alguma
forma, de autoridade, ou atendem à nossa própria vantagem, ou coincidem com
alguma forte emoção nossa‖(DEWEY, 1979, p. 17). Esses pensamentos ele chama
de preconceitos, ou seja, prejuízos, não conclusões atingidas como consequência
da atividade mental pessoal, observação, coleta e análise das provas.
Sendo assim, Dewey nos esclarece que ―o pensamento reflexivo faz um ativo,
prolongado e cuidadoso exame de toda crença ou espécie hipotética de
conhecimento, exame efetuado à luz dos argumentos que a apoiam e das
conclusões a que chega‖(DEWEY, 1979, p. 18). Todas as categorias de pensamento
56
citadas acima podem produzir esse tipo, porém, só é viável sustentar uma crença,
em sólido alicerce de evidência e raciocínio, se houver uma dedicação consciente e
voluntária.
morais, quanto intelectuais que são favoráveis para a utilização dos métodos de
investigação e verificação. São elas: (a) o espírito aberto, que significa uma mente
livre de preconceitos, partidarismos e outros hábitos, que possam de alguma forma
desviá-la da atenção de novas ideias e problemas; (b) de todo coração, que
representa estar totalmente interessado, absorvido pelo determinado objeto, ou
causa; (c) responsabilidade, que demonstra examinar as consequências de um
passo programado, estar disposto a aderi-las quando seguem qualquer posição já
decidida. Essa responsabilidade intelectual assegura integridade, ou seja, coerência
e equilíbrio da crença, sem confusão mental. Essas atitudes são, para Dewey, traços
de caráter e não são as únicas importantes para desenvolver hábitos de pensar de
forma reflexiva. Há ainda algumas tendências naturais que podem ser utilizadas
como recurso para desenvolver os bons hábitos de pensamento. Quais sejam: (1) a
curiosidade, que acontece no plano orgânico, social e intelectual; (2) a sugestão,
pois nada na experiência é isolado; (3) a ordem, que é o controle para que a
sequência seja ordenada rumo a uma conclusão.
Por fim, entendemos que o pensamento é uma forma de conduta que surge
somente diante de problemas, e isso implica que o pensamento é principalmente
uma forma indireta de reação. Compreendemos também que, para Dewey, a parte
mais importante do aprendizado é a solução habilidosa de problemas. E que,
embora fatos e habilidades façam parte do aprendizado, este não é somente a
apropriação de mais fatos incorporados à soma das crenças de uma pessoa, como
também não é apenas a obtenção de habilidades. Quando bem sucedida, a solução
de problemas, às vezes, acrescenta novos fatos às crenças de uma pessoa e insere
habilidades novas ao grupo de habilidades de uma pessoa. A solução de problemas
cria crenças e habilidades totalmente novas, não repetindo o que os outros já
fizeram. E, ainda mais importante, é a dedicação da pessoa a essa solução de
problemas, pois é assim que ela torna-se capaz de ampliar sua habilidade de
solucionar problemas. Pois, para Dewey, o pensamento não é um amontoado de
impressões sensoriais, nem a construção de algo intitulado consciência, tampouco a
manifestação de um Espírito Absoluto, mas uma função mediadora e instrumental
que se desenvolveu para atender aos interesses da sobrevivência e do bem-estar da
humanidade. É assim que Dewey vê o aprendizado: um processo que se dá ao
58
longo da vida, porque, em toda a sua vida, o ser humano recebe oportunidade de
solução criativa de problemas.
59
1
Segundo, Lourenço Filho (1961), as primeiras escolas novas ou progressistas surgiram em
instituições privadas da Inglaterra, França, Suíça, Polônia, Hungria e outros países, depois de 1880.
Também nesse período, publicaram-se os primeiros trabalhos de observação experimental da
aprendizagem, e foram feitos os primeiros testes de medida das capacidades mentais e de
rendimento do trabalho escolar. Em 1889, os defensores do movimento eram bastante numerosos e
já compunham uma entidade de caráter internacional (p.22).
62
social do seu caráter. Sendo assim, a aprendizagem - uma questão principal para o
professor - foi vista pela educação tradicional como uma questão secundária para a
criança, um subproduto de sua atividade. À vista disso, o currículo foi elaborado a
partir da relação com as necessidades imediatas dos interesses das crianças em
crescimento, nos diferentes níveis psicológicos, no período de desenvolvimento da
vida.
3
Stanley Hall (1844-1924), com sua psicologia experimental, elaborou estudos sobre o
desenvolvimento infantil. Aplicando a teoria da evolução de Darwin ao estudo do desenvolvimento
mental das crianças no jardim de infância, Hall observou que os resultados da pesquisa não poderiam
ser atribuídos a uma suposta superioridade intelectual dos lares de onde provinham, mas estavam
relacionados com o trabalho realizado nas instituições. A conclusão geral de Hall conduzia à hipótese
de que o ambiente é uma variável decisiva na educação e, assim, dava suporte, reforçando a
importância dos jardins de infância nas áreas urbanas. Segundo Abbud (2011), diferentemente dos
educadores românticos, que interpretavam a natureza da criança como já explicada, Hall defendia
que era preciso recorrer ao conhecimento da experiência direta sobre o que as crianças acreditavam,
sentiam e sabiam, para que a educação pudesse ser adaptada às necessidade e ao desenvolvimento
de cada um (ABBUD p. 51). Nesse sentido, a teoria de Hall, aplicada na Pedagogia, abarca a
possibilidade de avaliar a civilização a partir da possibilidade de crescimento das crianças, e a escola,
por sua vez, pela maneira como a ela se ajusta ao crescimento natural dos seres humanos.
4
Segundo Galiani (2014), os jardins de infância, fundados entre 1860 a 1870 nos Estados Unidos, de
de cunho privado, eram destinados, inicialmente, a imigrantes alemães e tinham por finalidade
preservar a língua e a cultura alemãs. Aos poucos, foram se expandindo para todo território
americano. Em sua fase de expansão inicial, destaca-se Elizabeth Peabody (1804-1894), educadora
norte-americana que fundou, em 1860, a primeira escola destinada a crianças abaixo de cinco anos,
e se inspirou no modelo pedagógico de Froebel (1782-1852) e na forma de organização das escolas
infantis da Alemanha. A segunda fase de expansão dos jardins da infância foi financiada com
recursos públicos e atraiu o interesse de muitos educadores. Destacam-se, nesta fase, algumas
personalidades importantes no projeto de divulgação e expansão das ideias froebelianas: William
Harris (1935-1909), Susan E. Blow (1843-1916) e Alice Putnam (1841-1919)(p. 160).
5
Friedrich August Froebel (1782-1852), filósofo, educador protestante alemão, desenvolveu suas
teorias arraigadas em pressupostos idealistas, inspiradas no amor à criança e à natureza. Em 1840,
na cidade de Blankenburg, fundou o primeiro jardim de infância, que era constituído por centro de
jogos e organizado segundo seus princípios, destinado a crianças menores de seis anos. A proposta
era um ambiente onde as crianças pudessem estar livres para aprender sobre si mesmos e sobre o
mundo.
65
apenas na teoria, mas também nos resultados empíricos, que já começavam a gerar
discussões.
6
Esses dados fazem parte do registro estenográfico de uma palestra apresentada por John Dewey
no encontro da Associação de Pais da Escola Elementar Universitária, em fevereiro de 1899, e foram
incluídos na obra A Escola e a Sociedade e A Criança e o Currículo (1899), juntamente com as
demais conferências proferidas por ele diante de um público de pais e outros interessados.
7
O termo propina utilizado no texto refere-se aos valores pagos pelos pais e/ou responsáveis pelos
alunos, ou seja a mensalidade escolar.
66
avançada, requer doações. Dewey argumenta que ―há todas as razões para se
dever gastar o dinheiro livremente quer na organização e manutenção do trabalho
de base em educação, quer nos estádios mais avançados do ensino‖(DEWEY,
2002, p. 142).
8
Conforme Moreira (2002), Dewey recebeu influências importantes de três mulheres no campo
educacional. A primeira delas foi sua esposa, mãe de seus filhos, Alice Chipman, que foi professora e
coordenadora da escola experimental. A segunda foi Ella Flagg Young, aluna de Dewey, colega de
trabalho na Universidade de Chicago. Ella foi a primeira mulher a se tornar superintendente do
sistema escolar de Chicago e presidente da Associação Nacional de Educação. Sem a sua
colaboração, provavelmente muitas das reflexões de Dewey sobre educação não teriam alcançado a
profundidade e a consistência que chegaram. A terceira figura feminina foi Jane Addams,
organizadora e líder da Hull House.(p. 50). Foi de Jane que Dewey adquiriu a convicção de que a
democracia é um meio de vida moral e humano e não tanto instituição política. Para homenageá-la,
em nome da grande amizade que os unia, Dewey deu seu nome a uma de suas filhas, que nasceu
em Chicago.
68
Para Knoll (2014), há vários autores que vem revisando o período em que Dewey
esteve em Chicago e as questões que envolvem a escola como governança e
administração escolar. A partir da diversidade de documentos mantida na
Universidade de Chicago e na Sociedade Histórica do Estado de Wisconsin, é
possível inferir que a renúncia de Dewey foi uma grande tragédia, porque, tanto
Dewey, como Harper eram bons homens e o malogro aconteceu apenas por
circunstâncias institucionais e erros de julgamento. Talvez, se Dewey tivesse ficado,
teria mais tempo para aprofundar seus estudos em educação, ensino e treinamento
de professores, porém, por outro lado, ele não tinha muito talento para questões
administrativas, sendo possível que seu erro tenha sido aceitar a diretoria. A saída
prematura de Dewey permitiu que outros interpretassem, aplicassem e, na maioria
das vezes, distorcessem suas ideias no campo pedagógico. Até hoje, as verdadeiras
razões da saída de Dewey não são conhecidas. Na verdade, há uma tendência, até
os dias atuais, de favorecimento a Dewey e desvantagem de Harper em toda uma
sucessiva geração de educadores e historiadores (p. 204).
69
Foi reconhecido que Dewey era o autor das ideias e princípios que foram
estabelecidos na escola. Os professores ficaram responsáveis pela conduta
educacional, pela administração, seleção de conteúdos, implementação de
programas de estudo e instrução das crianças. Tudo aconteceu em um
desenvolvimento gradual, a partir de princípios e métodos educacionais, sem regras
fixas, sem ideias prontas. Havia somente quatro questões essenciais que
amparavam a iniciativa da criação da escola. São elas:
(a) O que fazer e como poderia ser feito para criar uma relação de
proximidade entre o ambiente doméstico, a vida da criança e a escola, para que ela
não seja um lugar onde a criança vá somente para aprender determinadas lições e
que seja possível romper as barreiras que dividem a vida na escola do restante do
cotidiano da criança? Com isso, Dewey não quer dizer que a criança tenha de
estudar na escola apenas o que experienciou em casa, mas que ela deva ter o
mesmo comportamento e o mesmo entendimento, tanto em casa, quanto na escola.
Tinha como objetivo fazer com que o mesmo interesse que a criança tem nos jogos
e nas ocupações da casa e da vida ela apresentasse em ir para a escola e para
desenvolver as atividades escolares. Isso quer dizer que os princípios norteadores
da ação da criança devem ser os mesmos, seja na escola ou em casa. Dewey
entende que ―é uma questão de unidade relativa a experiência da criança, aos seus
motivos e objetivos atuantes, e não uma questão de divertir ou atrair a
criança‖(DEWEY, 2002, p. 144).
Westbrook (2010) afirma que a escola teve uma grande importância como
campo de experimentação da psicologia funcional e do pragmatismo deweyano,
porém teve um valor maior ainda como expressão da sua ética e da sua teoria
democrática. A escola, antes de tudo, era um experimento para a democracia, visto
a função social da educação, defendida por Dewey (p. 26). Talvez, por esse motivo,
Dewey tenha tido um grande êxito na criação da comunidade democrática na escola
experimental, onde as crianças participavam da formulação dos projetos, e sua
execução acontecia a partir de uma divisão cooperativa do trabalho e rodízio para
aqueles que assumiam a função de dirigir o grupo. E os professores participavam
ativamente das decisões que influenciavam o caminho da escola pública.
72
3.1.4 As ocupações
eficiente de si mesma. Porém, Dewey entende que elas também podem ser
utilizadas para exposição de problemas específicos que necessitem ser
solucionados por reflexão e experimentação pessoal e pelo alcance de conteúdos
definidos de aprendizagens capazes de levar futuramente a noções científicas mais
aprimoradas. A simples atividade física ou habilidade manual não garante resultados
intelectuais, alerta Dewey. Os manuais ensinam pela rotina, pela imposição e pela
convenção, tanto quanto acontece com as matérias e seus respectivos livros. O que
Dewey sugere é o planejamento de um trabalho inteligente e ininterrupto em
jardinagem, tecelagem, cozinha, coisas simples de ferro e madeira, em que o
resultado inevitável seja, não só um acervo de aprendizagem de importância prática
e cientifica com as matérias de estudo, mas, principalmente, a familiaridade da
criança com métodos de investigação e prova experimental. Nesse sentido, essas
ocupações construtivas que estão presentes em sala de aula, também conhecidas
como projetos, precisam preencher certas condições para serem consideradas
educativas.
Sendo essas ocupações ativas, elas se expressam através dos órgãos dos
sentidos e envolvem também uma observação constante dos materiais,
planejamento e reflexão continuada, de maneira que o lado prático possa ser
realizado com êxito. A ocupação, vista nessa perspectiva, deve ser diferenciada
minuciosamente do trabalho que educa, sobretudo, para um oficio, pois, nesse caso,
o fim encontra-se em si mesmo, ou seja, no desenvolvimento que acontece a partir
da relação sucessiva de ideias e da sua materialização na ação e não na sua
76
função instrumental. Dewey reforça que, quando o trabalho se reduz a simples rotina
ou hábito, perde seu valor educacional. Quando não é fornecida à criança uma
responsabilidade intelectual na separação dos materiais e dos instrumentos que
combinam melhor, nem a oportunidade para que a criança pense no seu projeto de
trabalho e descubra como corrigir seus próprios erros, também, enquanto for
pensado mais em resultados externos do que nos estados morais, mentais e no
desenvolvimento que envolve o processo de atingir um resultado - embora essas
práticas sejam nomeadas de trabalho manual - não é possível dizer que são
ocupações. A ideia de ocupação que o filósofo estadunidense defende objetiva
recorrer para o máximo de consciência em tudo que é feito. Para isso, a criança
necessita ser mentalmente rápida e atenta a todos os aspectos, associando a
experiência, a organização e a reinvenção pessoal do trabalho têxtil ao
desenvolvimento histórico, pois, este é quem aprofunda o trabalho desenvolvido,
satisfazendo-o com os valores apresentados ao recapitular a vida social.
1
A obra The Dewey School – The Laboratory School of the University of Chicago (1936), escrita por
Katherine Camp Mayhew e Anna Camp Edwards, professoras da instituição, com o apoio de Dewey,
foi o primeiro livro escrito sobre a escola experimental. Nele, elas descrevem o experimento
educativo com riqueza de detalhes, apresentando as provas do sucesso conseguido por Dewey e
seus colegas, ao colocarem em prática suas teorias.
79
Podemos entender até aqui que, através das ocupações: (1) a essência da
escola é renovada, tendo a possibilidade de associar-se com a vida através da
experiência direta e, assim, convertendo-se em uma comunidade, em miniatura,
‗uma sociedade embrionária‘; (2) que a terra é a sede permanente das ocupações
do homem e que, sem essa relação, o mundo seria algo menor. É a fonte de
alimento, abrigo e proteção, cultivo de fonte de luz, calor e eletricidade, grandes
paisagens que alternam rios, oceanos, planícies e montanhas. Por esse motivo, a
unidade de todas as ciências encontra-se na geografia e sua importância está no
fato de apresentar a terra como sede permanente das ocupações; (3) que na escola
as ocupações devem funcionar não como atividades práticas e ocupações rotineiras,
mas como centros ativos de descoberta científica sobre os materiais e os processos
naturais, que são os pontos de partida para a compreensão do desenvolvimento
histórico do homem.
3.2.1 Os impulsos
expressivas, como pintura, desenho, etc. podem ser incluídas sob o impulso
construtivo. Segundo Dewey, essa expressão, que é originada nos impulsos sociais
e construtivos da criança, são - na realidade - refinamentos dos mesmos. Essas
expressões são agrupadas em partes separadas de atividades artísticas para fins de
convivência. Elas resultam em contribuições úteis entre o trabalho e o lazer. A
sensação de ter ajudado se transforma e aumenta a estimativa da criança em seu
próprio poder. Assim, gradativamente, o modo de agir inovador torna-se habitual e
resulta em um desenvolvimento da experiência, que - continuamente refinada e
enriquecida - aumenta a cada dia para a criança e para o grupo. O instinto de
investigação da criança surge da combinação entre o impulso construtivo e o da
conversação. Não há diferença entre um trabalho feito na carpintaria e a ciência
experimental. As pesquisas que as crianças são capazes de desenvolver, seja no
campo da física ou da química, não apresentam como objetivo elaborar conceitos
técnicos ou conquista de verdades abstratas, mas o que elas querem e gostam é de
mexer nas coisas e ver o que acontece.
De acordo com o que foi referido no capítulo anterior, para Dewey, o hábito é
produto da vida em sociedade e se expande na vida social através da experiência
por meio de ações. Ele afirma também que, em uma situação instável, o sistema de
hábitos ativa a inteligência, que, pela ação, reestabelece a harmonia. Dessa forma,
utilizando o exemplo citado por Dewey, sobre a atividade de fabricação dos
cobertores, podemos inferir que, enquanto o instinto faz apelo ao lado social, o
interesse da criança nas pessoas e nas suas ações pode ser expandido ao mundo
mais amplo da realidade.
O primeiro período1, que se inicia aos 4 anos e se estende até 8 anos e meio,
meio, aproximadamente, é caracterizado, segundo Dewey, pela ―diretividade dos
interesses sociais e pessoais e pela diretividade e prontidão das relações entre
impressões, ideias e ações. A necessidade de uma expressão motora é imediata e
imperiosa‖(DEWEY, 2002, p. 91). Nessa etapa, há uma conexão íntima entre a vida
escolar e a casa da criança e seu entorno. Não há formulação intelectual, reflexão
consciente ou comando de métodos técnicos. A criança está mais ocupada com as
condutas sociais e ações como fazer e contar. Com o crescimento contínuo das
responsabilidades da criança e da complexidade do trabalho, poderão surgir
problemas, sendo necessário domínios de métodos especiais. Os conteúdos
escolares, para esses anos, são definidos em função das fases de vida e das formas
como estas se conectam com o meio social da criança e, dentro do possível,
direcioná-la a ser capaz de expressar o aspecto social através de brincadeiras,
jogos, ocupações, histórias, imaginação e conversação. Dewey esclarece que
1
No projeto original da Escola Experimental de Chicago não estava contido um jardim de infância,
visto que Harper não acreditava que seria possível relacionar as raízes froebelianas com os objetivos
científicos de um laboratório, ou seja, ele não via possibilidades de o currículo do jardim de infância
levar as crianças à experimentação. Somente dois anos depois, com a insistência de Dewey e a
ênfase no estudo da psicologia da criança, é que esse grupo é incluído na escola.
87
2
Inclui-se em trabalhos manuais: trabalhos construtivos, brincadeira com blocos, desenho, pintura,
modelagem em argila, trabalho na areia, excursões e passeios.
3
Do ponto de vista semântico, o termo do inglês play, to play merece especial atenção. Huizinga
(2000) esclarece que, etimologicamente, a palavra deriva do anglo-saxão plega, plegan, significando
originariamente ‗jogo‘ ou ‗jogar‘, mas indica também um movimento rápido, um gesto, um aperto de
mãos, bater palmas, tocar instrumentos musicais e todos os tipos de exercício físico. Nas principais
línguas europeias - spielen, to play, jouer, jugar - significam tanto jogar, como brincar. Na língua
portuguesa somos forçados, a todo momento, a escolher entre brincar ou jogar, um ou outro desses
dois vocábulos. Esse ato sacrifica a exatidão da tradução dada à unidade terminológica, que só
naqueles idiomas seria possível(p. 31). Na pesquisa os termos ‗jogar‘ e ‗ brincar‘ são incluídos na
mesma categoria.
88
O objetivo do segundo período, que pode estender-se dos 8 anos e meio até
os 12 anos, é reconhecer e responder às mudanças que se verificam na criança.
Essas mudanças deslocam-se - desde o reconhecimento da criança na possibilidade
de resultados definitivos, percorrendo pela necessidade de vigiar sua conduta - até o
alcance das competências fundamentais para atingir esses resultados. Aqui,
acontece o reconhecimento de regras de ação que, do ponto de vista educacional,
aplicam-se diretamente ao conteúdo escolar, visto que este precisa diferenciar a
tênue unidade da experiência em fases típicas características, selecionando-as, de
modo que a criança conheça a importância do controle sobre suas tarefas e seus
métodos de pensamento e ação para concretizar seus objetivos maiores.
Para solucionar esse problema Dewey, indica que é necessário dar à criança
uma quantidade maior de atividade pessoal em afazeres, construção e
experimentação, conversação e expressão, para que a sua singularidade - moral e
91
intelectual - não sejam subtraídas por uma porção exagerada de experiências dos
outros que os livros representam. É preciso que a criança crie problemas, interesses
e motivos, a partir da experiência mais direta, vulgar e pessoal, para, somente a
partir dai, recorrer aos livros, onde buscará a solução. Caso contrário, a utilização do
livro será sem interesse, sem atenção, sem atitude questionadora, o que levará a
dependência do livro e o enfraquecimento da vitalidade do pensamento e da
pesquisa. Outra necessidade que Dewey aponta é a de conduzir as experiências
mais pessoais de maneira que a criança seja guiada a sentir vontade de explorar e
de dominar os instrumentos sociais tradicionais. Tendo motivo, as crianças recorrem
a esses instrumentos de uma forma inteligente, resultando em um desenvolvimento
de seu poder e nunca em uma obediência servil. Para evitar que os símbolos de
linguagem sejam apenas substitutos em segundo plano ou convencionais da
realidade, o filósofo insiste que é preciso que a criança tenha, na sua experiência
direta e vital, uma variedade de contatos e familiaridade com realidades físicas e
sociais. Ao solucionar essas dificuldades, o estudo da linguagem, da literatura e do
cálculo não consistirá em uma combinação de exercícios mecânicos e de interesses
passageiros.
ouvido, ainda que, nesta idade, a criança não compreenda diretamente por meio dos
sentidos os significados que dirigem suas atividades. Dewey não tem dúvida de que
as realizações de uma geração formam os estímulos que dirigem as atividades da
seguinte. Não fosse assim, ―a história da civilização se escreveria na areia e cada
geração teria de procurar por si, penosamente e se pudesse, um caminho que a
arrancasse à selvageria‖(DEWEY, 1979, p. 205). Quando a criança aprende a
compreender e falar palavras, na verdade, são muito mais do que palavras, ela
adquire um hábito que lhe revela um novo mundo.
É importante salientar também que a imitação das atividades dos adultos pela
criança não é apenas o único meio que faz seu pensamento progredir rapidamente.
Fosse assim, aprenderíamos com os papagaios e não precisaríamos nos dar ao
trabalho de pensar. Para alguns psicólogos e educadores, os atos que reproduzem a
ação dos outros são adquiridos por simples imitação. Todavia, para Dewey (1979), é
muito difícil a criança aprender pela imitação consciente. Por outro lado, não se pode
dizer que é inconsciente, pois assim não seria uma imitação. As palavras, gestos,
atos de outra pessoa se harmonizam com um impulso já ativo e indicam um
determinado modo de expressão adequado. Um fim, onde esse impulso encontrará
a sua realização. Sendo assim, havendo um fim específico, a criança contempla as
pessoas da mesma forma que observa os acontecimentos naturais para que possa
encontrar novas sugestões quanto ao meio de executá-lo. Aquele que observa a
criança pode pensar que o ato foi adquirido por imitação, quando, na verdade, foi
adquirido pela observação, seleção, experimentação e comprovação através dos
resultados. É só através desse recurso que pode haver disciplina da inteligência e
proveito educativo.
[...] suponhamos que uma pessoa joga uma bola para o lado de uma
criança; esta a apanha e a joga em sentido contrário, e o brinquedo
continua. Neste caso o estímulo não é a vista da bola, nem do companheiro
de brinquedo. É a situação – o jogo da bola. A resposta não é apenas rolar
a bola para trás; é fazê-lo de modo que o companheiro possa pegá-la e
devolvê-la, a fim de que o brinquedo continue. O padrão ou modelo não é o
ato da outra pessoa. Toda situação requer que cada qual adapte seus atos,
tendo em vista o que a outra pessoa fez e vai fazer. Pode surgir a imitação,
mas seu papel é subalterno. A criança tem interesse próprio; deseja
conservá-lo desperto. Ela pode então observar o modo por que a outra
pessoa apanha e segura a bola, com o fim de aperfeiçoar seus próprios
atos. Ela imita os meios, porque o deseja, e em benefício próprio, como
parte de sua própria iniciativa: conseguir jogar bem (DEWEY, 1936, p. 59).
Para Dewey, o ensino tem uma função ativa, tanto para o professor, quanto
para a criança. O professor tem a missão, através de suas ações, de organizar o
98
Barena (2015) afirma que, para Dewey, ensinar a pensar inclui que o
professor coloque-se a pensar coletiva e individualmente. Os mestres devem treinar
e desenvolver suas mentes, porque a ciência da educação não se encontra nos
livros, nem na sala de aula, tampouco no laboratório, mas nas mentes que dirigem
as atividades educativas. O professor precisa pensar e fazer pensar em suas aulas,
excluir delas atividades e costumes que atentem contra a independência intelectual
e o autocontrole que a criança deve adquirir. Como exemplo, podemos citar: o
professor avalia as respostas rápidas da criança, sem dar tempo para que ela reflita
101
ou critica o que está errado e não valoriza o que é positivo, e, ainda, olha apenas se
houve resultado do problema, não observando se houve aprendizado ao resolver o
exercício (p. 79). Portanto, especialistas que saibam gerar conceitos e atitudes
positivas, bem como desenvolver o pensamento, serão necessários já a partir das
primeiras séries.
Outra questão para a qual Dewey chama a atenção é que o professor não
faça diagnóstico quando a criança tem algum tipo de incapacidade para reagir às
lições em sala de aula. Esses casos podem ter reações mais rápidas e vivas quando
o assunto parecer valer a pena para eles, ou seja, cabe ao professor apresentar a
matéria a partir de um contexto diferente, utilizar métodos diversificados. Muitas
vezes, quando a criança é repreendida pelo professor - por sua lentidão, por não
responder imediatamente, sendo chamados de tapados - sofre de julgamentos
103
prematuros. Para Dewey, ―o brilho de uma resposta dada de pronto pode não passar
de efêmero clarão‖(DEWEY, 1979, p. 52). Quanto mais profundo desce o senso do
problema, da dificuldade, mais determina a qualidade do pensamento que se
processa. Todo e qualquer hábito de ensino onde o professor estimula a criança a
deslizar pela superficialidade do problema para ter uma aula bem sucedida, ou ter
condecorado seus conhecimentos, corrompe o método original da educação do
espírito.
disso, podem ser desconexas umas das outras, pois mesmo agradáveis, não se
articulam entre si. Cada experiência pode ser intensa, interessante, mas sua
desconexão pode desenvolver hábitos dispersos. A consequência desses hábitos é
a incapacidade, no futuro, de controlar as experiências, pois elas são recebidas
como fontes de prazer ou de dor, e isso gera uma falta de domínio de si mesmo.
[...] cada experiência é uma força em marcha. Seu valor não pode ser
julgado senão na base de para que e para onde se move ela. A maior
maturidade de experiência do adulto como educador o coloca em posição
de poder avaliar cada experiência do jovem de modo que não pode fazê-lo
quem tenha menos experiência. Sua tarefa é, pois, ver em que direção
marcha a experiência. A importância de ser mais amadurecido
desapareceria, se em vez de usar a sua maior penetração para ajudar a
organizar as condições de experiência do imaturo, recuasse disto sob
qualquer pretexto (DEWEY, 1976, p. 30).
106
Dewey alerta ainda que, quando o professor não leva em conta a força do
movimento de uma experiência, analisando-a e direcionando-a dentro do percurso
de seu desenvolvimento, ele não está sendo leal ao princípio da experiência. E isso
pode acontecer, caso o educador não atente para as seguintes questões. Primeiro, o
professor não tem compreensão do que adquiriu com sua própria experiência
passada; também o educador, por ser mais amadurecido, precisa ter simpatia e
compreensão para com o jovem ao lidar com problemas em termos morais, pois o
mestre precisa entender que toda experiência humana é social e envolve contato e
comunicação. O professor precisa exercer a sabedoria para que não seja imposto
um controle externo, sendo capaz de analisar quais atitudes condizem ao
crescimento contínuo e quais prejudicam a criança. A última e mais difícil questão é
possuir a capacidade de simpatia e compreensão pelas pessoas como pessoas,
para que, assim, seja qualificado a ter um entendimento do que passa pela mente
daqueles que estão aprendendo. A falta dessas qualidades nos professores e pais
torna muito difícil conduzir com sucesso um sistema educativo baseado em
experiência de vida.
antagonismos que vimos na primeira parte, foram apresentados por uma teoria que
ele chamou de continuum experiencial ou teoria da continuidade. Segundo nosso
entendimento, seus argumentos para a transformação da teoria do conhecimento
são: (a) a preservação da continuidade entre o indivíduo e o mundo, que
acontece a partir das impressões sensoriais enviadas para o cérebro, que organiza
essas informações e capacita o organismo para ações futuras, ou seja, o sistema
nervoso é a parte do organismo que exerce interação entre o conhecimento e a
reação motora, e o cérebro tem a função de manter ininterrupta a reorganização da
atividade para permanecer a continuidade; (b) a criatura viva é parte do mundo e,
como ser vivo, está a adquirir experiências, participando das atividades desse
mundo a qual pertence, portanto o conhecimento é uma forma de participar dessas
atividades sem ser um simples observador desinteressado; (c) o desenvolvimento
do método experimental é a maior razão para a transformação do conhecimento. É
pelo método da descoberta e da verificação que o indivíduo adquire conhecimento e
tem certeza que este não é uma simples opinião. O método científico experimental
é uma experimentação de ideias, é intelectual e fecundo, embora possa não trazer
resultados imediatos, pois o indivíduo aprende com suas ações erradas, quando
seus esforços são refletidos de modo verdadeiro. Estes três argumentos
desenvolvidos por Dewey elucidam que o surgimento de algumas concepções
inovadoras no âmbito cientifico - como o desenvolvimento da Psicologia baseada na
biologia, as ideias evolucionistas de Darwin e o caráter instrumental do
conhecimento - contribuíram para a definição de sua postura epistemológica.
Compreendemos que a epistemologia de Dewey começa a tomar forma, desde
muito cedo, nos interesses pelos problemas sociais e no sentimento de separação
entre Deus e natureza e alma e mundo. Os interesses pelas ideias de Hegel e de
Darwin surgem no mesmo período. Imaginar um mundo que tivesse a mesma
natureza harmoniosa do ser vivo e buscar argumentos para justificar essa visão de
uma unidade orgânica universal marcaram seu pensamento por toda a vida.
CUNHA, Marcus Vinicius da. John Dewey: uma filosofia para educadores em sala
de aula. 6ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
DEWEY, Jane. Biography of John Dewey. In: The Philosophy of John Dewey, por
Paul Arthur Schilpp, p. 3-45. New York: Tudor PublisingCo, 1939.
DEWEY, John. Logic: the theory of inquiry. New York: Henry Holt And Company,
1938.
DEWEY, John. Soul and Body. Bibliotheca Sacra 43: pg.239-263. Mead Project,
1886. Disponível em https://brocku.ca/MeadProject/Dewey/Dewey_1886a.html.
Acesso em 07 de julho de 2018.
LOCKE, John. Ensaio Acerca do Entendimento Humano. São Paulo: Ed. Nova
Cultural, 1999.
MONTEIRO, Carlos Estevam Martins e João Paulo. Vida e Obra. Vol. Coleção: Os
pensadores, em Ensaio Acerca do Entendimento Humano, por Jonh Locke,
tradução: Anoar Aiex, 5 a 17. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
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Fundação Calouste Gulbenkian, 1980.
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