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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação

Dissertação de Mestrado

A epistemologia instrumentalista de John Dewey e sua aplicabilidade na


Escola experimental da Universidade de Chicago

Leonor Gularte Soler

Pelotas, 2019
Leonor Gularte Soler

A epistemologia instrumentalista de John Dewey e sua aplicabilidade na


Escola experimental da Universidade de Chicago

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Pelotas,
como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Educação.

Orientador: Avelino da Rosa Oliveira

Pelotas, 2019
Universidade Federal de Pelotas / Sistema de Bibliotecas
Catalogação na Publicação

S685e Soler, Leonor Gularte


SolA epistemologia instrumentalista de John Dewey e sua
aplicabilidade na Escola Experimental da Universidade de
Chicago / Leonor Gularte Soler ; Avelino da Rosa Oliveira,
orientador. — Pelotas, 2019.
Sol116 f.

SolDissertação (Mestrado) — Programa de Pós-Graduação


em Educação, Faculdade de Educação, Universidade
Federal de Pelotas, 2019.

Sol1. John Dewey. 2. Epistemologia. 3. Escola experimental.


I. Oliveira, Avelino da Rosa, orient. II. Título.
CDD : 121

Elaborada por Kênia Moreira Bernini CRB: 10/920


Leonor Gularte Soler

A epistemologia instrumentalista de John Dewey e sua aplicabilidade na


Escola experimental da Universidade de Chicago

Dissertação aprovada, como requisito parcial, para obtenção do grau de Mestre em


Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação,
Universidade Federal de Pelotas.

Data da Defesa: 22 de fevereiro de 2019

Banca examinadora:

...................................................................................................................
Prof. Dr. Avelino da Rosa Oliveira (Orientador)
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

...................................................................................................................
Prof.ª Dr.ª Kelin Valeirão
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas

...................................................................................................................
Prof.ª Dr.ª Neiva Afonso Oliveira
Doutora em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Agradecimentos

Sou grata a minha mãe por ter me dado a vida e me ensinado o caminho da
escola. Agradeço ao meu pai, (in memorian), o qual - mesmo sem saber - ensinou-
me a ter esperança.

Minha gratidão ao Universo por ter me proporcionado saúde, autoconfiança e


coragem. Gratidão eterna a minha filha e a minha neta por iluminarem meus dias e
compreenderem a minha falta de tempo.

Aos (às) amigos (as) e companheiros (as) de jornada acadêmica, que tantas
vezes, nas tribulações, acolheram-me. Gratidão especial aos mestres Avelino e
Neiva Oliveira, os quais acompanharam minha trajetória desde a graduação,
contribuindo à minha formação com suas palavras de incentivo, as quais fizeram
toda a diferença na realização deste trabalho.

À Universidade Federal de Pelotas, que me proporcionou a chance de


expandir os meus horizontes, ao corpo docente, à direção e à administração da
Faculdade de Educação. Obrigada pelo ambiente criativo e amigável nesses dois
anos. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),
pelo investimento, que viabilizou a conclusão deste estudo.

Aos companheiros e companheiras do Grupo de Pesquisa Filosofia,


Educação e Práxis Social (FEPráxiS), pelos diálogos, pela partilha do conhecimento
e pelo tanto que me ensinaram desde o período da graduação.
“(..) todo o saber deveria ter vida, deveria ser vivido, pois o conhecimento só
alcança a sua perfeição ao tornar-se real. Se se conseguisse introduzir as
matérias da vida na escola, ofertando-se assim algo de útil a toda a gente e,
precisamente por isso, se convencesse cada um da necessidade dessa
preparação para a vida, atraindo-o para a escola, então já não haveria razões
para se invejar o saber particular dos sábios (..)”

“Não há porque estabelecer um acordo entre a escola e a vida: a escola deve


ser a vida” (STIRNER, 2001.p.3-30).
Resumo

SOLER, Leonor Gularte. A epistemologia instrumentalista de John Dewey e sua


aplicabilidade na Escola experimental da Universidade de Chicago. 2019. 117f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação,
Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2019.

A dissertação está estruturada em dois capítulos e apresenta como objetivos


demonstrar que a teoria do conhecimento de Dewey e sua teoria da educação estão
conectadas e se sustentam, além de apontar que a epistemologia instrumentalista
de John Dewey passa a tomar forma e se definir como uma teoria geral da
educação, a partir de suas experiências com a escola laboratório da Universidade de
Chicago. Visa, por outro lado, expor como a aplicabilidade das suas ideias
pedagógicas, nessa escola, contribuiu para a construção de sua teoria do
conhecimento. É bastante conhecido que a argumentação filosófica de Dewey, ao
refletir sobre a natureza do conhecimento, acontece a partir da crítica associada a
sistemas filosóficos e debates com outros pensadores. No primeiro capítulo,
apresentamos a necessidade de reconstruir a filosofia, analisando, na primeira
seção, as teorias do conhecimento a partir de algumas correntes filosóficas, visto
que é esse tema que atrai a atenção de Dewey e constitui a essência de seus
enunciados educacionais; na segunda seção, investigamos os itinerários intelectuais
que deram forma ao instrumentalismo educacional deweyano, suas relações com o
idealismo hegeliano, o naturalismo de Charles Darwin, a psicologia de William
James e a lógica de Charles Peirce. No segundo capítulo, exploramos a Escola
laboratório da Universidade de Chicago, em três seções, respectivamente: a
estrutura física e administrativa, o contexto e os princípios norteadores da Escola; o
currículo integrado da Escola laboratório, que se associa, de um lado, à natureza do
conhecimento e de outro à experiência da criança; e a missão do professor da
Escola experimental no processo de ensino e aprendizagem e de que forma ele
pode auxiliar a criança a estabelecer o conhecimento e incorporá-lo em suas
próprias experiências. Ao final da pesquisa, realizamos uma investigação acerca das
principais conclusões obtidas, as quais, sobretudo, evidenciam as relações
existentes entre a teoria do conhecimento de Dewey e o desenvolvimento da Escola
experimental da Universidade de Chicago nos anos em que foi diretor. Ao analisar
seus escritos e o ambiente em que foram produzidos, este trabalho oferece à
Filosofia da Educação um aporte para o entendimento do processo de construção do
conhecimento alicerçado no método científico e na experiência humana.

Palavras-chave: John Dewey; Epistemologia; Escola experimental.


Abstract

SOLER, Leonor Gularte. John Dewey's instrumentalist epistemology and its


applicability at the University of Chicago Experimental School. 2019. 117f.
Dissertation (Masters in Education) – Postgraduate in Education's Program,
Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2019.

The dissertation is structured in two chapters and presents, as goals, to


demonstrate that Dewey's knowledge and education's theories are connected and
sustain themselves, besides pointing out that John Dewey's instrumentalist
epistemology shapes up and defines itself as a general theory of education, from his
experiences with the University of Chicago Laboratory School. It aims, in contrast, to
expose how the applicability of his pedagogical ideas, at that school, contributed to
his knowledge theory's development. It is commonly known that Dewey's
philosophical argumentation, when reflecting on the nature of knowledge, happens
from the criticism associated with philosophical systems and debates with other
thinkers. In the first chapter we present the need to rebuild the philosophy, analyzing,
in the first section, the knowledge theories through some philosophical movements
since it is this theme that draws Dewey's attention and represents the essence of his
educational assertions; in the second section we investigate the intellectual
itineraries that shaped Dewey's educational instrumentality, its relations to Hegel's
idealism, Charles Darwin's naturalism, William James' psychology and Charles
Pierce's logic. In the second chapter we explore the University of Chicago Laboratory
School, in tree sections, respectively: physical and administrative structure, the
context and the guiding principles of the school: the laboratory school embedded
curriculum that associates itself, from one side, to knowledge's nature and from
another side to the child's experience; and the teacher's mission on the experimental
school at the teaching and learning process and in which way he or she can assist
the child to establish the knowledge and incorporate it in his or her own experiences.
By the end of the research we perform an investigation on the main conclusions
obtained which especially emphasize the existing relations between Dewey's theory
of knowledge and the University of Chicago Experimental School development on the
years he was the principal. By analyzing his writings and the environment in which
they were produced, this dissertation offers the philosophy of education an input to
the understanding of the development process of knowledge founded on the
scientific method and on human experience.

Keywords: John Dewey; Epistemology; Experimental School.


Sumário

1 Introdução ................................................................................................................ 9
2 A necessidade de reconstruir a filosofia ................................................................. 12
2.1 Conhecimento: origens e possibilidades ...................................................... 15
2.1.1 Dualismo Platônico: o mundo inteligível e o mundo sensível .................... 16
2.1.2 O racionalismo de Descartes: separação entre corpo e mente ................. 20
2.1.3 Empirismo: a mente como instrumento passivo......................................... 24
2.1.4 Pragmatismo: o caráter genético e instrumental do conhecimento............ 28
2.2 A epistemologia instrumentalista de John Dewey ............................................ 34
2.2.1 A herança hegeliana .................................................................................. 37
2.2.2 O Naturalismo empírico ............................................................................. 41
2.2.3 A psicologia funcionalista ........................................................................... 46
2.2.4 A Lógica instrumentalista ........................................................................... 51
3 A Escola experimental da Universidade de Chicago .............................................. 59
3.1 A história da Escola ......................................................................................... 63
3.1.2 Finalidade e Filosofia da Escola ................................................................ 69
3.1.3 Métodos de Ensino e materiais .................................................................. 72
3.1.4 As ocupações ............................................................................................ 74
3.2 O curriculum e a vida da criança ...................................................................... 79
3.2.1 Os impulsos ............................................................................................... 82
3.2.2 Estágios do crescimento ............................................................................ 86
3.2.3 A imitação, o brinquedo, o trabalho e as atividades afins .......................... 92
3.3 Professor: o líder intelectual de um grupo social.............................................. 96
3.3.1 O desenvolvimento da capacidade de pensar ........................................... 99
3.3.2 A direção da experiência ......................................................................... 103
4 Considerações finais ............................................................................................ 108
Referências ............................................................................................................. 114
9

1 Introdução

Esta dissertação visa a compreender de que forma as experiências realizadas


na Escola Laboratório, criada pelo autor - na Universidade de Chicago - contribuíram
para a sua reflexão sistemática sobre educação, ou seja, para a elaboração de sua
teoria do conhecimento. É bastante conhecido que a argumentação filosófica de
Dewey, ao refletir sobre a natureza do conhecimento, acontece a partir da crítica
elaborada a sistemas filosóficos e debates com outros pensadores. A argumentação
proposta neste trabalho tem como escopo mostrar que a teoria do conhecimento de
Dewey e sua teoria da educação estão conectadas e se sustentam uma a outra,
além de apontar que a epistemologia instrumentalista de John Dewey passa a tomar
forma e se definir como uma teoria geral da educação, a partir de suas experiências
com a escola laboratório da Universidade de Chicago. busca-se, por outro lado,
expor como a aplicabilidade das suas ideias pedagógicas, nessa escola,
contribuíram para a construção de sua teoria do conhecimento, pois entendemos
que John Dewey - ao elaborar sua Filosofia da Educação - salienta que seu
pensamento educacional nasceu de sua epistemologia e sustenta-a. Diante desse
pressuposto, para o autor, educação e Filosofia constituem um todo indivisível.

Não só a utilização da filosofia nos dilemas dos homens, como também o


mundo em que Dewey viveu correspondem integralmente à visão naturalista e
instrumental da filosofia que ele firmemente defendeu. Para o autor em questão, a
tarefa do verdadeiro filósofo é identificar os problemas essenciais e imediatos da
sociedade. É possível que ninguém tenha sugerido mais aplicabilidade da filosofia
ao mundo do que John Dewey, bem como sua adequação em relação ao mundo
natural. Nesse sentido, todo seu empenho como filósofo da educação precisa ser
considerado um esforço para comprovar que qualquer experiência e/ou ação
humana apresenta relevância considerável, quando compreendidas em termos
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naturalistas e conhecidas como instrumentos para solucionar nossos problemas e


para prosperar nossas vidas.

O interesse pela inter-relação da teoria com a prática, que o acompanhava


desde o início de sua carreira acadêmica, acentuou-se nos anos de formação que
antecederam o período que ingressou na Universidade de Chicago como fundador
da primeira escola experimental, conhecida como Escola laboratório. Esforçou-se
para desenvolver esse pressuposto em toda a sua vida, manifestando para sua
esposa, Alice Chipman, primeira diretora da escola laboratório, que muitas vezes
pensou em parar de ensinar filosofia diretamente, para ensiná-la por meio da
pedagogia. A investigação desenvolvida na pesquisa consiste em um esforço
argumentativo para demonstrar o desenvolvimento da epistemologia de Dewey no
funcionamento da Escola laboratório, a partir de suas próprias experiências.

O primeiro capítulo, intitulado ‗A necessidade de reconstruir a filosofia‘, é


dividido em duas seções, as quais analisam primeiramente as teorias do
conhecimento, a partir de algumas correntes filosóficas, visto que é esse tema que
atrai a atenção de Dewey e constitui a essência de seus enunciados educacionais, a
segunda seção trata de investigar os itinerários intelectuais que deram forma ao
instrumentalismo educacional deweyano, suas relações com o idealismo hegeliano,
o naturalismo de Charles Darwin, a psicologia de William James e a lógica de
Charles Peirce.

O segundo capítulo intitula-se a ‗Escola Experimental da Universidade de


Chicago‘ e subdivide-se em três seções. A primeira seção explora a estrutura física e
administrativa, o contexto e os princípios norteadores da Escola Experimental e
denomina-se ‗A história da Escola‘. Na segunda, denominada 'O curriculum e a vida
da criança', tratamos de apresentar o currículo integrado da Escola de laboratório,
que se associa de um lado à natureza do conhecimento e de outro à experiência da
criança, a esta, denominou-se ‗O curriculum e a vida da criança‘. ‗Professor: o líder
intelectual de um grupo social‘ intitula-se a terceira seção, onde exploramos a
missão do professor da Escola Experimental no processo de ensino e
aprendizagem, e de que forma ele pode auxiliar a criança a estabelecer o
conhecimento e incorporá-lo em suas próprias experiências.
11

Ao final da pesquisa, realizamos uma investigação sobre as principais


conclusões obtidas, as quais, sobretudo, evidenciam as relações existentes entre a
teoria do conhecimento de Dewey e o desenvolvimento da Escola Experimental da
Universidade de Chicago nos anos em que este foi diretor. Ao analisar seus escritos
e o ambiente em que foram produzidos, este trabalho oferece à Filosofia da
Educação um aporte para o entendimento do processo de construção do
conhecimento alicerçado no método científico e na experiência humana.
12

2 A necessidade de reconstruir a filosofia

Este estudo aborda as ideias acerca da sistematização da teoria do


conhecimento de John Dewey (1859-1952) na criação da Escola Laboratório ou
Escola Experimental da Universidade de Chicago. Para tal, dedica-se a investigar
sua epistemologia, a qual apresenta uma nova abordagem sobre o conhecimento,
onde o autor reconhece a necessidade de uma reconstrução da Filosofia, que -
desde o período dos gregos - separa o saber do fazer, a teoria da prática,
desconectando a Filosofia dos problemas humanos reais, concretos e imediatos.
Este trabalho, portanto, apresentará uma pesquisa desenvolvida na obra deweyana,
com o propósito de construção de conhecimento em relação a um tema aprofundado
e desenvolvido amplamente por Dewey: as experiências da Escola Laboratório e a
estruturação do pragmatismo instrumentalista.

Para o desenvolvimento da investigação, partimos do entendimento que


Dewey, sobre a base de uma psicologia funcional, elabora uma teoria do
conhecimento que refuta os dualismos que opõem mente e mundo, pensamento e
ação, ideias essas que haviam demarcado, desde o período dos gregos, a Filosofia
ocidental. Nesse sentido, compreendemos que se faz necessário analisar
inicialmente as origens e possibilidades do conhecimento, a partir de algumas
correntes filosóficas, visto que é esse tema que atrai a atenção de Dewey e constitui
a essência de seus enunciados educacionais.

O ponto de partida da análise deweyana é a consciência - de origem acima de


tudo pragmatista - de que o pensamento se origina em resposta a determinadas
reivindicações que implicam uma intervenção por parte do sujeito cognoscente e
acaba na resolução das mesmas dificuldades que a ação do pensamento se
desenvolve. Para ele, o pensamento é uma função mediadora e instrumental que
prosperou para ajustar-se aos interesses da continuidade da vida e ao bem-estar
dos seres humanos. O autor americano concebe o método científico como padrão
13

de investigação. Ou seja, Dewey generalizou tal método não somente em todas as


esferas do conhecimento humano, mas também na própria conduta costumeira e
usual do homem.

Este capítulo, além de analisar as origens das teorias do conhecimento e


suas escolas filosóficas, dedica-se a explorar o percurso intelectual que delineou o
instrumentalismo de John Dewey, as influências sofridas por ele, a forma como as
recebeu e de que modo as reconstruiu em uma Filosofia da Educação integral e
consolidada. O esforço de considerar as coisas como um todo orgânico surge a
partir de um curso de Huxley1, quando ainda muito jovem. Dewey idealiza um mundo
que tivesse as mesmas propriedades do organismo humano. Essa influência
evolucionista o aproxima não só de Darwin, mas também da grande tradição
idealista de matriz hegeliana, ao tentar introduzir, no âmbito da pesquisa filosófica,
os domínios não apenas do social, mas de todos os setores importantes da vida
humana. Mais tarde, a leitura da obra Princípios da Psicologia, de William James,
marca o seu afastamento2 do idealismo hegeliano, atuando tão intensamente em
suas ideias que, pelas palavras de Dewey, ―agiu como um fermento para transformar
antigas crenças‖(DEWEY, 1930, p. 24, tradução nossa). A aproximação ao
pragmatismo de Charles Peirce é uma das características mais importantes da
última fase do percurso filosófico de John Dewey.

Os problemas sociais foram uma das maiores motivações do pensamento de


John Dewey. Grandes transformações da sociedade norte-americana circundaram
sua vida. As imigrações, a urbanização, a centralização econômica e a
industrialização, associados aos problemas de uma educação fortemente
centralizada na transmissão de conteúdo, na memorização e na moral imposta pela
autoridade escolar, serviram de estímulo para Dewey pensar os problemas
concretos da sociedade e os novos desafios para a educação e a Filosofia.

1
Thomas Henry Huxley (1825-1895) – Biólogo e principal defensor da teoria de Charles Darwin. O
livro de fisiologia Elements of Physiology foi indicado em um curso ‗eletivo‘ durante a graduação de
Dewey na Universidade de Vermont (1875-1879).
2
Aqui usamos o termo afastamento, por acreditarmos que, historiograficamente, não é possível
afirmar que haja uma ruptura no itinerário intelectual do autor. Tomamos como base as palavras do
próprio Dewey em seu ensaio autobiográfico Do Absolutismo ao Experimentalismo. ‖nunca devo
pensar em ignorar, muito menos em negar, a que um crítico astuto ocasionalmente se refere como
uma descoberta nova - que o conhecimento de Hegel deixou um depósito permanente em meu
pensamento‖ (DEWEY, 1930, p. 21, tradução nossa).
14

O pensamento filosófico, nesse período, enraizado nos princípios metafísicos,


não conseguia dar conta das realidades humanas que se apresentavam e exigiam
respostas urgentes. Dewey propõe um dispositivo singular de pensamento,
conhecimento e ação, firmado nos novos atributos do mundo. Era necessário, no
entanto, reaproximar a Filosofia da sua finalidade primeira, que é a de pensar os
problemas humanos. Para tal, segundo ele, era preciso reconstruir a Filosofia.

Em sua obra Reconstrução em Filosofia (1919), na introdução, Dewey elucida


os pontos que julga necessário para que essa reconstrução aconteça. Em primeiro
lugar, esclarece que as críticas direcionadas aos sistemas filosóficos do passado
não são dirigidas a sua relação com os problemas de época e lugar, mas sim por
terem se tornado obsoletas em relação aos problemas atuais da humanidade, que,
devido à revolução científica, industrial e política, exige dos homens uma conduta
sobretudo investigativa.

Em um segundo momento, ao ser criticado por um exagero romântico do que


pode ser feito pela inteligência, ele explica que a palavra inteligência não é sinônimo
de razão, muito menos de intelecto puro. Ela representa algo bem diferente daquilo
que podemos considerar o maior órgão para retenção das verdades definitivas. ―É
uma descrição minimalista dos métodos de observação crescentes e dos raciocínios
reflexivos e experimentais e, que, no curto prazo, revolucionaram as condições
físicas e psicológicas da vida‖ (DEWEY, 2011, p. 13). Porém, para Dewey, ainda não
foram expandidas para utilização às mais diversas circunstâncias humanas. A
reconstrução a que Dewey se refere aqui não é a aplicação da inteligência como
algo pronto e imutável. Ao contrário, ele acredita que devemos usar a filosofia em
nossos problemas cotidianos, através do método de observação, onde as ideias,
testadas de uma forma experimental são instrumentos para solução desses
problemas, pois assim é possível instruir-se a partir do próprio esforço e reconduzir
as ideias para um efeito melhor.

Por fim, Dewey esclarece ainda que a reconstrução necessita de uma


mudança radical, no que se refere à teoria do conhecimento. A nova teoria proposta
por ele considera como o conhecimento (investigação competente) é realizado, ao
invés de considerar que deve ser aprimorado conforme as concepções autônomas
que correspondem as faculdades dos órgãos.
15

Diz Dewey (2011),

[...] a razão, enquanto faculdade separada da experiência, que nos conduz


a uma região superior de verdades universais, começa agora a ser
considerada como algo de remoto, desinteressante e insignificante, a razão,
como faculdade kantiana que introduz na experiência a generalidade e a
regularidade, parece-nos cada vez mais, algo de supérfluo – uma criação
desnecessária de homens aferrados ao formalismo tradicional e a uma
terminologia laboriosa e complicada. Bastam-nos as sugestões concretas
oriundas de experiências passadas, desenvolvidas e amadurecidas à luz
das necessidades e deficiências do presente, empregadas como alvos e
métodos de reconstrução específica, e apuradas através de êxitos ou
malogros na execução dessa tarefa de ajustamento: a tais sugestões
empíricas, usadas de maneira construtiva para novos fins, é que damos o
nome de inteligência (DEWEY, 2011, p. 96).

Isto posto, é possível afirmar que, para Dewey, a razão passa a ser a
inteligência experimental, criada de acordo com os moldes da ciência, com a tarefa
de libertar os homens da submissão do passado, auxiliando-os na visão e realização
de um futuro melhor. Ou seja, o único instrumento que pode atuar com infalibilidade
no sentido de restabelecer a continuidade e a unidade da experiência humana na
renovação das possibilidades que o ambiente social oferece é a inteligência.

Insistimos no delineamento do percurso intelectual e nos princípios filosóficos


do autor por entendermos que Dewey atribuiu outra missão à Filosofia: ser a teoria
geral da educação, visto que o mundo foi edificado por ele a partir de vontades e
projetos humanos, e a educação é de fundamental importância para a preservação
da unidade e da harmonia da vida.

2.1 Conhecimento: origens e possibilidades

Vimos inicialmente que o esforço de Dewey para reconstruir a Filosofia


aconteceu a partir de uma tentativa de mostrar que todas as experiências e ações
humanas atingem maior significação quando entendidas em sentidos naturalistas e
quando consideradas como finalidades ou instrumentos para solucionar nossos
problemas e abrilhantar nossas vidas. Para uma melhor compreensão das ideias
filosóficas de John Dewey, que deram origem ao seu pragmatismo instrumentalista,
faz-se necessário adentrarmos no campo filosófico que estuda o problema do
16

conhecimento, no que diz respeito a sua origem e possibilidades, apresentando as


escolas de pensamento, consideradas as mais influentes, que deram origem aos
dualismos tão criticados pelo autor em questão.

A teoria do conhecimento, segundo Hessen (2012), enquanto área de estudos


filosóficos, procura edificar uma interpretação e uma explicação sobre o problema do
conhecimento humano. As reflexões epistemológicas se iniciam com Platão e
Aristóteles, porém tomam forma como disciplina independente apenas na Idade
Moderna (p.14). No século XVII, com as primeiras estruturas dos sistemas filosóficos
modernos, iniciaram-se os grandes questionamentos em relação ao próprio homem,
principalmente quanto às possibilidades e aos limites de sua capacidade racional.
Surgem, nesse período, duas correntes filosóficas que se destacam por suas
perspectivas e possibilidades: o empirismo e o racionalismo. Essas teorias do
conhecimento, teórica e historicamente, podem ser consideradas como rivais. A
questão principal entre elas é: onde está situada a origem do poder conhecer do
homem? Na razão ou na experiência?

O racionalismo considera que as ideias são independentes da experiência e


que a verdade é conhecida somente pela razão. De outro lado, o empirismo
reconhece que os conceitos originam-se da experiência e que a verdade deve ser
estabelecida apenas em relação com a experiência. Mesmo assim, nem
racionalismo, tampouco empirismo desconsideram inteiramente o dispositivo básico
de cada uma.

2.1.1 Dualismo Platônico: o mundo inteligível e o mundo sensível

O fato de a nossa pesquisa debruçar-se sobre a teoria do conhecimento de


Dewey e as bases de seu instrumentalismo nos instigou a adentrar mais
profundamente nas duas escolas acima mencionadas. Entendemos que o modelo
clássico e mais antigo de racionalismo é encontrado em Platão, e este, segundo
Dewey, deu origem aos antagonismos filosóficos que tanto prejudicaram a Filosofia
17

e a educação. Anísio Teixeira3, em sua obra Pequena Introdução à Filosofia da


Educação (1968), nos esclarece que

[...] o dualismo grego entre o mutável e o imutável gerou todos os demais


dualismos entre corpo e espírito, homem e natureza, fazer e pensar,
conhecer e fazer, cultura e profissão, trabalho e lazer. Todos se originam de
uma concepção dualista do universo, em que a experiência humana não é
percebida em sua continuidade, mas rompida em dois tipos diversos, uma
contingente, inferior e incerta e outra fixa, estável e permanente.
Semelhante dualismo impediu os gregos de se dedicarem ao método
experimental e perturbou também por vários séculos a marcha da
inteligência humana, que se conservou até o século XVII nessa atitude
estática e não progressiva (TEIXEIRA, 1968, p. 131).

O Racionalismo situa-se, na Filosofia, como um pensamento epistemológico


que vê na razão a principal fonte de conhecimento. Mostra-nos a história que os
maiores representantes do racionalismo emergem da matemática. Por conseguinte,
sendo inspirado no modelo matemático, um conhecimento só é autêntico se for
necessário e tiver validade universal, ou seja, a minha razão julga que deve ser
assim e que não é possível afirmar o contrário. ―Se todo o conhecimento humano for
concebido e interpretado segundo esse tipo de conhecimento, teremos o
racionalismo em sua forma mais imediata‖ (HESSEN, 2012 p. 50).

Segundo Teixeira (1968), não há como apreciar haver chegado Platão à visão
de um mundo racional suprassensível, mais real que o mundo das coisas
desordenadas e passageiras, e de que este último seria apenas a sombra
temporária e ilusória. A alegoria da caverna consagrou, de maneira literária, essa
concepção de um mundo de ideais, real, imutável e eterno, a que o homem podia
alcançar pela educação da mente e do espírito (p.132).

3
Anísio Teixeira (1900-1971) foi o primeiro intelectual a acolher e difundir as ideias de John Dewey
no Brasil. No final dos anos 1920, viajou aos Estados Unidos da América e estudou no Teachers
College da Columbia University, onde conheceu as ideias filosóficas e pedagógicas de John Dewey.
Desde então, todas as suas atuações como educador e como administrador público na área da
educação foram inspiradas no pragmatismo deweyano. Considerado o principal idealizador das
grandes mudanças que marcaram a educação brasileira no século 20, foi pioneiro na implantação de
escolas públicas de todos os níveis, que refletiam seu objetivo de oferecer educação gratuita para
todos. Como teórico da educação, Anísio não se preocupava em defender apenas suas ideias, mas
também o pensamento e a Filosofia da Educação de John Dewey.
18

Em Platão, para conhecermos a verdade das coisas, é preciso ir além das


sensações imediatas, ou seja, atingir a essência do objeto. Isso se dá através da
alma do homem. O conhecimento se desenvolve através de três estágios, que
correspondem ao desenvolvimento relativo aos três níveis da alma: (1) doxa –
opinião ou simples crença que deriva diretamente dos sentidos; (2) dianóia –
entendimento racional ou discursivo; (3) noésis – intuição direta das ideias. Na
ciência, o conhecimento verdadeiro é o ser, o não ser é a ignorância. A nossa
opinião (devir) fica entre o conhecimento e a ignorância. Assim, o conhecimento
humano é constituído, em todo seu campo, pela opinião, a qual domina o
conhecimento sensível. Com isso, a ciência4 detém o conhecimento racional.

Platão, no capítulo VII do seu mais célebre diálogo, A República, apresenta A


Alegoria da Caverna. Esse mito foi a interpretação utilizada por Platão para
simbolizar a metafísica, a gnosiologia, a dialética, a ética e a mística platônica, ou
seja, é a expressão de Platão em sua totalidade, expondo explicitamente o critério
fundamental da validade do conhecer.

Do ponto de vista epistemológico, para ele, existem dois mundos, duas


formas de conhecimento: o mundo inteligível - formado pelas Ideias ou Formas,
inundado pela luz do sol, do lado de fora da caverna - e o mundo sensível - formado
pelas coisas concretas de nossa experiência comum, representado pelas sombras
dos objetos reais dentro da caverna. No mundo sensível, os homens são como
escravos agrilhoados numa caverna e obrigados a ver, no fundo dela, as sombras
dos seres e dos objetos projetados pelo fogo que arde no lado de fora dela. Para
esses homens, tais sombras são as suas realidades, porque não conhecem a
verdadeira realidade. Esse conhecimento sensível, dado pelos objetos que povoam
o mundo material e que aparentam serem reais, é produzido pelos sentidos, sendo
pura aparência e totalmente enganoso. Esse mundo é o mundo da multiplicidade,
do movimento, da ilusão, pura sombra do verdadeiro mundo, o que corresponde à
matéria, à vida cotidiana, às nossas sensações, aos nossos preconceitos, ao senso
comum, às tradições, àquilo que surge e desaparece continuamente. Aqui, tudo é
temporário, mutável e corruptível.
4
A ciência como episteme, para Platão, está fundamentada na evidência da razão, sendo, portanto,
como conhecimento, o grau máximo de certeza, o oposto de opinião. Portanto, o verdadeiro
conhecimento é o teórico, contemplativo.
19

Imaginemos agora que um desses homens se libertasse e consegui sair. A


luz do sol, inicialmente, ofuscaria-lhe as vistas, acostumado a ver somente
projeções. Ele não identificaria as coisas do mundo luminoso como verdadeiras ou
reais, pois isso levaria um tempo. Para habituar seus olhos à visão do real, primeiro
precisaria olhar as estrelas à noite, depois as imagens das coisas refletidas nas
águas tranquilas e, enfim, encarar diretamente o sol para poder enxergar toda a sua
luminosidade. Esse homem atingiu o conhecimento inteligível, o que está acima do
ilusório, do mundo sensível. O mundo das ideias gerais e das essências imutáveis,
que atingimos pela contemplação e pela depuração dos enganos dos sentidos.
Como as ideias são a única verdade, o mundo dos fenômenos só existe na medida
em que participa do mundo das ideias, do qual é apenas sombra ou cópia. Nesse
sentido, no conhecimento intelectivo, reinam as verdades absolutas produzidas pela
alma. São as essências puras em que os habitantes são os objetos reais.

Se esse homem que se libertou da caverna decidisse voltar, seus olhos


ficariam ofuscados pela obscuridade e ele não saberia discernir as sombras, sendo
ainda desprezado por seus companheiros, os quais dariam mais valor aos que ainda
conseguiam ver as sombras. Sabendo que a verdadeira realidade está fora da
caverna e que o verdadeiro conhecimento não é o das sombras, ele não sentirá
compaixão daqueles que consideram verdadeiro o conhecimento do interior da
caverna. Esse mundo, criado por Platão, para garantir a unidade e a imutabilidade
sob o fluxo das mudanças, deu origem aos dualismos que permearam a Filosofia.
Segundo ele, as coisas mudam e se transformam, contudo, sua essência
permanece imutável no mundo das ideias.

Em Democracia e Educação (1936), Dewey argumenta que a origem do


antagonismo entre a experiência e o verdadeiro conhecimento encontra-se nas
concepções de experiência e razão formuladas por Platão e Aristóteles. Diz Dewey,

[...] mau grado as grandes divergências, sob muitos pontos de vista, entre
esses pensadores, eles concordavam em identificar a experiência com os
interesses puramente práticos; e, por consequência, tendo como alvo os
interesses materiais e como órgão o corpo humano. Por outro lado, o
conhecimento existia por si mesmo, livre de associações com a prática, e
tinha como fonte e órgão um espírito perfeitamente imaterial; as suas
relações eram com os interesses espirituais ou ideais. Ainda mais – a
experiência sempre subentendia falta, necessidade, desejo; nunca se
20

bastava a si mesma. O conhecimento racional, entretanto, era completo e


compreensivo, em si mesmo. Por isso a vida prática se encontrava em uma
condição de perpétuo fluxo, ao passo que ao conhecimento intelectual o
que interessava era a verdade eterna (DEWEY, 1936, p. 325).

Ainda, segundo Dewey (1936), essa antítese referia-se ao fato de a Filosofia


ateniense ter iniciado pela crítica à tradição e aos costumes como modelos para a
conduta e o conhecimento. Os gregos, ao buscar algo que pudesse substituir,
entenderam que só a razão era o mais autêntico guia da crença e da atividade. Os
costumes e as tradições, ao reconhecerem-se com a experiência, inferiam
diretamente que a razão era superior à experiência. E, justamente, a experiência,
por não se manter em posição inferior à que lhe era própria, tornava-se o imenso
obstáculo ao reconhecimento da verdadeira autoridade da razão. Sabendo-se que
esses costumes e crenças mantinham os homens em cativeiros, esse duelo pela
razão só poderia ser conquistado desvendando-se a natureza profundamente
instável e insuficiente da experiência (p.325). Para Dewey, ―a afirmação de Platão de
que os filósofos deveriam ser os reis será melhor compreendida como afirmação de
que os negócios humanos deveriam ser regulados pela inteligência racional e não
pelos hábitos, apetites, impulsos, instintos e emoções‖. Pois ―a primeira assegura o
reinado da unidade, da ordem e da lei; as últimas significam multiplicidade e
discórdia, oscilações irracionais de um estado a outro‖(DEWEY, 1936, p. 326).

Adotada mais tarde, no período medieval, a ideia de não haver nada pessoal
ou subjetivo na experiência é, então, submetida a interpretações e sanções
teológicas. A igreja, nesse período, apoiada pela interpretação e pelo significado do
Mito da Caverna – o qual já citamos acima - convencia os fiéis de que a única
experiência humana que tem valor é a autorizada pelas escrituras. No século XIII, a
Filosofia de Platão enfraquece, porém, desde o Renascimento, tem demonstrado
uma vitalidade perene como forma dualista.

2.1.2 O racionalismo de Descartes: separação entre corpo e mente

No período moderno, em face da evolução da sociedade e dos


conhecimentos humanos, surgem alguns pensadores que, segundo Teixeira (1959),
apresentam pensamentos oriundos e, no fundo, destinados não mais do que a
21

complementar a Filosofia de Platão (p.16). Mesmo abrindo-se um campo novo de


estudos pela experimentação e pelos métodos de observação, as estruturas do
pensamento lógico e filosófico desse período são as mesmas de Platão.

Estas estruturas de pensamento são retomadas por Descartes, no século


XVII, para reformular o que se veio chamar de Filosofia Moderna. Segundo Teixeira,

[...] a sua posição, entretanto, ainda é a de um platonismo-cristão.


Conserva o dualismo de ‗res cogitans‘ e ‗res extensa‘, em substituição ao de
formas e aparências; recria o conceito platônico de conhecimento pela
‗intuição intelectual‘; recomenda a observação antes com o ôlho da mente
do que com os olhos dos sentidos; e antecipa os conceitos de Leibnitz de
‗cognitio intuitiva‘ como base da ‗cognitio symbolica‘, ou descritiva.
Acrescenta, contudo, para mostrar a origem cristã de sua posição, a ideia
da alma dotada das faculdades de compreender e de querer, esta mais
extensa do que aquela, dando origem ao primado da vontade, que vai
encontrar em Kant a sua expressão mais decisiva (TEIXEIRA, 1959, p. 18).

Em Meditações sobre a Filosofia Primeira (1641), obra mais completa e


rigorosa sobre metafísica e epistemologia, René Descartes demonstrou as
possibilidades do conhecimento, a partir de posturas mais céticas e, em seguida,
estabeleceu uma base firme para as ciências.

Para que suas crenças tivessem estabilidade e resistência, o que para ele
trata-se de duas importantes marcas do conhecimento, Descartes estabelece o
célebre argumento do erro dos sentidos, argumento esse que coloca sob a ação da
dúvida metódica o conjunto de nossa experiência cotidiana, dado que a interação
sensorial com o mundo em que ela se ampara não possibilita que elaboremos um
conhecimento que esteja acima de qualquer suspeita de falsidade. Descartes
argumenta que― (..)porém, descobri que eles [os sentidos] por vezes nos enganam, e
é de prudência nunca confiar totalmente naqueles que, mesmo uma só vez, nos
enganaram‖(DESCARTES, 2004, p. 107). Nesse sentido, o único conhecimento
verdadeiro não está contido no mundo externo da observação, mas sim nas
verdades puramente racionais, no cogito ergo sun5.

5
Cogito Ergo Sun – ―Expressão cartesiana que exprime a autoevidência existencial do sujeito
pensante, isto é, a certeza de que o sujeito pensante tem de sua existência como tal‖. (ABBAGNANO,
2012, p. 173).
22

A dúvida universal de Descartes, segundo Barrena (2015), não é


experiencialmente possível, pois não se pode duvidar de tudo. A dúvida autêntica,
por outro lado, surge em um contexto específico, embora, às vezes, seja também
buscada, pois faz parte da atividade do ser humano questionar o que faz e buscar
os erros e as anomalias. Quando se produz uma dúvida genuína, o organismo trata
de voltar ao seu equilíbrio, mediante um processo de pesquisa que se encerra
quando é formado um hábito, uma crença verdadeira e revisada (p.30).

Descartes admite ainda a existência de três substâncias. A Res divina -


substância eterna, perfeita, infinita, que pensa e é independente. Mente (alma) e
corpo são constituídos por duas substâncias distintas. Outra substância, a material,
que corresponde ao mundo corpóreo, a qual ele chamou de substância extensa
(Res extensa) e uma imaterial, que corresponde à esfera do eu ou da consciência,
denominada substância pensante (res cogitans). Essa última, segundo ele, é a
determinante no processo do conhecimento. Ainda que separadas, essas
substâncias são capazes de interagir. Sendo a substância pensante distinta do
corpo e responsável pelo exercício das capacidades cognitivas que consideramos
competentes. O corpo desempenha um papel secundário e passa a ser visto tão
somente como maquinal. Sendo assim, fica estabelecida a visão dualista de ser
humano na Idade Moderna.

Segundo Dewey, costumamos separar consciência dos órgãos físicos da


atividade. De um lado, a consciência como faculdade puramente intelectual e
cognitiva e, de outro, os fatores físicos intrusos e sem importância. Viola-se a união
intrínseca da prática com as consequências, que nos faz identificar o sentido das
coisas. Assim, ―temos, em vez dela, dois fragmentos; de uma parte a simples ação
do corpo; e, por outro lado, as significações e sentidos hauridos diretamente pela
atividade ‗espiritual‘‖(DEWEY, 1936, p. 183).

Para Dewey, o corpo

[...] não é uma massa homogênea que é indiferente, igualmente como um


todo e em todas as suas partes, à alma. Pelo contrário, nem como um todo,
nem em nenhum dos suas partes, é neutra para a alma. Que não é como
um todo que vimos quando consideramos a imanência da alma no corpo;
que não está em nenhuma de suas partes, é simplesmente uma aplicação
detalhada do mesmo princípio. A alma não está apenas no corpo, mas está
23

nela de maneiras específicas e definidas. O corpo como um todo não é


apenas o órgão da alma, mas as várias estruturas do corpo são órgãos
diferenciados, de várias capacidades e tendências da alma. Esse é o
significado da localização da função, ou do fato de que certas atividades
têm certos centros nervosos, mais ou menos definidos, em várias porções
da medula espinhal e do cérebro (DEWEY, 1886, p. 255, tradução nossa).

Conforme Abreu & Junior (2009), as reflexões sobre o dualismo mente e


corpo atraíram a atenção de Dewey. A partir de uma análise histórica, Dewey
percebeu o problema desde o período da Filosofia clássica grega. Entre os gregos,
havia uma valorização do corpo, visto que este era considerado a atualização das
potencialidades oferecidas pela natureza física. Enquanto que a alma, por possuir
movimento, era o elemento que caracterizava a vida. Já no período medieval, o
corpo é um terreno carnoso, corruptível e cheio de paixões. O espírito, por sua vez,
é próximo de Deus, perene e incorruptível. Ainda assim, não era colocado como
problema a oposição mente e corpo (p. 31).

Somente na modernidade, surge com toda sua expressividade a oposição de


mente e matéria. Para Dewey, esse dualismo construiu-se a partir da incapacidade
de reconhecer distinções de níveis de dificuldade crescente e intimidade de
interações entre eventos naturais. De acordo com Dewey (s.d. p.279), conforme
citado por Abreu & Junior (p. 32), ―a ideia de matéria, vida e mente representarem
tipos separados de seres é uma limitação que surge, assim como muitos erros
filosóficos surgiram, de uma substanciação de funções eventuais‖. O argumento
utilizado para resolver essa questão, segundo Cunha (2007), ―vem da descoberta de
que os fenômenos mentais interagem com um componente físico, o sistema
nervoso, responsável pela integração entre o mundo interior e o ambiente‖(p. 94).
Ou seja, o sistema nervoso, sendo a estrutura pela qual os outros órgãos interagem
mutuamente, como um mecanismo especializado em manter todas as atividades
corporais trabalhando juntas, substitui o dualismo mente e corpo.
24

2.1.3 Empirismo: a mente como instrumento passivo

Enquanto o racionalismo sustenta que a verdadeira fonte do conhecimento é


o pensamento, a razão, o empirismo, por sua vez, contrapõe determinando que a
única fonte do conhecimento humano é a experiência. Para os empiristas, a razão
não possui nenhuma herança apriorística. Segundo Hessen (2012), a consciência
cognoscente não retira seus conteúdos da razão, mas exclusivamente da
experiência. Ao nascer, o espírito humano está vazio de conteúdos, é uma folha em
branco sobre o qual a experiência irá escrever os conceitos, e até mesmo os
universais e abstratos originam-se da experiência. Ao mesmo tempo em que o
racionalismo se deixa conduzir por um ideal de conhecimento, uma ideia
determinada, o empirismo parte de fatos concretos. As percepções da criança são
concretas e são elas que formam, aos poucos, os conceitos gerais e as
representações e, sendo assim, as percepções desenvolvem-se organicamente a
partir da experiência (p. 55).

Embora o empirismo tenha sido um componente essencial para a Filosofia de


Francis Bacon - que se deteve nas questões do experimento científico - e de
Thomas Hobbes, que o condicionou a uma teoria materialista, foi com John Locke
que essa teoria assume sua forma paradigmática e metodológica. Assim sendo,
Locke é considerado o fundador do empirismo crítico, uma vez que foi o primeiro
pensador a tratar de modo sistemático as questões referentes à origem, à essência
e à certeza do conhecimento humano, ou seja, desenvolveu, de modo metódico, o
problema crítico do conhecimento. Ele enfrenta com toda a determinação a doutrina
das ideias inatas.

No século XVII, período em que Locke viveu a maior parte da sua vida, houve
grandes mudanças na mentalidade e nas relações sociais, principalmente na
Inglaterra. Uma das preocupações centrais que marcaram seu trabalho foi a
negação da existência de ideia e princípios inatos na mente humana. Esse fato
levou o filósofo a aperfeiçoar o programa de Bacon e a desenvolver uma teoria
sobre o processo pelo qual se chega ao conhecer, concentrando-se sobre o próprio
intelecto, suas capacidades, suas funções e seus limites, sendo assim, não se trata
de analisar o objeto, mas sim o próprio sujeito.
25

Em um de seus principais trabalhos, O Ensaio sobre o entendimento


humano1, Locke apresenta sua crítica ao inatismo e defende que todas as pessoas
nascem como uma ‗tábula rasa‘, ou seja, como uma folha em branco, sem
conhecimento nenhum. Destarte, todas as pessoas começam por não saber
absolutamente nada e aprendem pela experiência, pela tentativa e pelo erro. ―Locke
conclui em tal caso que se o homem adulto possui conhecimento, se sua alma é um
‗papel impresso‘, outros deverão ser os seus conteúdos: as ideais provenientes —
todas — da experiência‖ (MONTEIRO, 1999, p. 10). Ele busca descobrir quais
seriam os elementos que constituem o conhecimento, quais as suas origens e
processos de formação, como também qual a dimensão da sua aplicação. Desta
forma, se, para Locke, o homem não possui ideias inatas - ao contrário do que
afirmavam Platão e Descartes - surge a pergunta: como pode o homem constituir um
conhecimento certo e indubitável, e em que casos isso é possível?

Para o empirista, a fonte de todo o conhecimento humano está na experiência


sensível e na reflexão. Ele esclarece que, em si mesmas, esta e aquela não
constituem propriamente o conhecimento. São, antes, processos que compõem a
mente com os elementos do conhecimento. Locke chama esses elementos de
ideias.2 Ideia é, para esse filósofo inglês, o objeto do entendimento, quando qualquer
pessoa pensa. A expressão ‗pensar‘ é assim tomada no mais amplo sentido,
englobando todas as possíveis atividades cognitivas. Monteiro (1999) defende que,
para Locke, as ideias de reflexão originam-se no interior do sujeito, enquanto as
ideias de sensação derivam do exterior. Como exemplo, podemos citar expressões
como ‗azul‘, ‗frio‘, que traduzem ideias de sensações. E, por outro lado, palavras
como ‗duvidar‘, ‗pensar‘ constituem ideias de reflexão. A essas duas categorias,

1
O Ensaio sobre o Entendimento Humano, editado em 1690, é considerado sua obra mais
importante, do ponto de vista estritamente filosófico. ―Locke insurgia-se contra as teses políticas,
vinculando-as a teses filosóficas mais gerais, fundamentadas, em última instância, numa certa teoria
do conhecimento. As palavras iniciais do Ensaio sobre o Entendimento Humano são muito mais
claras nesse sentido. Relatando as circunstâncias da origem da obra, o autor diz que o Ensaio
resultou das dificuldades surgidas para a resolução de um problema filosófico, abordado em
discussão fortuita entre amigos; diante da dificuldade, Locke sugeriu uma prévia indagação sobre a
extensão e o limite do entendimento humano. A indagação proposta acabou por se transformar na
obra com a qual o pensador pretendia fundamentar a tolerância religiosa e filosófica‖(MONTEIRO,
1999, p. 9).
2
Expressão que adquire o sentido de todo e qualquer conteúdo do processo cognitivo na Teoria do
Conhecimento lockiana. Incluem-se, no significado da expressão "ideia", os "fantasmas" (entendidos,
por Locke, como dados imediatamente provenientes dos sentidos), lembranças, imagens, noções,
conceitos abstratos (Monteiro, 1999, p.10).
26

Locke intitula ‗ideias simples‘. Simples, porque elas só acontecem a partir de


experiências bem concretas. Essas experiências concretas, por sua vez, fornecem
ideias simples de três formas: sensação, reflexão e ambas simultaneamente. A
primeira, citamos como exemplo: sólido, amargo, movimento; na segunda, podemos
citar a atenção, a memória, a vontade; e, por fim, em relação às duas juntas, seriam
as ideias de existência, duração, número. Para saber se as ideias simples equivalem
a imagens das coisas exteriores ao sujeito que a percebe, Locke as separa em dois
grupos: o primeiro é formado por ideias ‗enquanto percepções em nosso espírito‘; o
segundo, ‗enquanto modificações da matéria nos corpos causadores de tais
percepções‘. Essa última traduz os efeitos de poderes capazes de afetar os sentidos
humanos(MONTEIRO, 1999, p. 13).

Essa diferença encaminha Locke a uma outra separação: qualidades


primárias e qualidades secundárias dos corpos exteriores à mente. Seguindo o
pensamento de Locke, nesse momento, há um trânsito da teoria do conhecimento
para a teoria do mundo físico. As qualidades primárias são inseparáveis dos corpos
e, como exemplo, temos a extensão, a figura. Embora um corpo seja partido em
dois, ainda assim essa qualidade se mantém na parte que sobrou. O contrário
ocorre com a qualidade secundária, pois esta só se encontra nos objetos como
poderes para produzir várias sensações no sujeito, tais como gostos, sons.

As ideias compostas são formadas pelos elementos que constituem as ideias


simples e dividem-se em dois grupos: (1) uma ideia simples, combinada na ideia de
uma coisa única, tendo como exemplo o ouro; (2) ideias que se reúnem - ainda que
representem uma coisa distinta - e formam uma ideia composta, como as ideias de
relação entre pai e filho. O primeiro grupo subdivide-se em duas classes. A primeira
sendo a das ideias de modo das coisas que não podem subsistir por si mesmas,
como por exemplo um triângulo. E o segundo, das substâncias que, como diz a
própria palavra, existem por si, como o caso da ideia de ‗ouro‘. Em síntese, Hessen
esclarece que ―o pensamento, aqui, não acrescenta nenhum fator novo, mas limita-
se a pôr os diferentes dados da experiência em conexão uns com os
outros‖(HESSEN, 2012, p. 56). E acrescenta ainda que, caso isso esteja correto,
não há nada em nossos conceitos que não emane da experiência externa ou
interna.
27

É importante ressaltar que o empirismo nasce para defender a ideia da


experiência como fonte fundamental do conhecimento, mas o empirismo não repudia
a razão. Locke manteve um ponto de vista essencialmente empirista, no que se
refere à origem psicológica do conhecimento. Entretanto, com relação à validade
lógica do conhecimento, há muitas verdades completamente independentes da
experiência. Em função disso, estas têm validade universal, que são, por exemplo, a
matemática. Logo, para Locke, o fundamento de sua validade está no pensamento,
e não na experiência. Por conseguinte, Locke desrespeita o princípio empirista
quando reconhece a existência de verdades a priori.

Dewey sustenta que as ideias de Locke se ajustavam perfeitamente ao


dualismo de seu tempo. Pareciam dar partes iguais ao espírito e a matéria, ao
indivíduo e ao mundo. ―Uma, fornecia a matéria do conhecimento e o objeto sobre o
qual o espírito deveria atuar, a outra proporcionava determinadas faculdades
mentais, que eram em número pequeno e podiam aperfeiçoar-se por meio de
exercícios especiais‖(DEWEY, 1936, p. 88). Dewey esclarece ainda que não há
como negar a influência histórica exercida por Locke. Suas considerações relativas
ao conhecimento imediato - além de proporcionarem as bases para transformação
posterior nos estado de consciência - trazem às claras o problema epistemológico
envolvido que até então era ignorado.

Locke mantém, por um lado, que todo conhecimento da existência material


depende da sensação, e assinala, por outro, que as sensações (que ele
considera como estados corporais) interpõem-se entre nós e o
conhecimento dos objetos da natureza, de forma que o conhecimento
científico destes últimos torna-se impossível. Em primeiro lugar, a maior
parte das qualidades sensíveis não pertence aos objetos da natureza, os
quais possuem apenas as qualidades primárias de forma, tamanho, solidez
e movimento; em segundo lugar, mesmo estas, enquanto qualidades
experienciadas, não nos habilitam no referente à aquisição do
conhecimento da constituição real dos objetos (DEWEY, 1980, p. 76).

No entanto, a noção de experiência de Locke apresentava falhas internas e


causava dificuldades. Ao insistir que a mente é uma ‗tábula rasa‘, Locke a concebe
como um instrumento passivo e maleável, atingida por um enorme duelo de
impressões recebidas através dos sentidos. ―Quando levada à sua conclusão lógica,
a noção de Locke conduz a separação entre mente e corpo, com o resultado de que
28

a única coisa que alguém pode conhecer são as ideias‖ (OZMON&CRAVER, 2004,
p. 134). David Hume, por sua vez, desenvolve a visão de Locke até o ceticismo, no
que se refere à existência e ao significado das ideias e dos objetos materiais. Ainda
assim, permanece um problema filosófico, que é gerado pela noção de uma mente
passiva e pela incerteza, no que concerne à natureza da realidade.
Embora Dewey rejeite a epistemologia de Locke, ambos são unânimes em
afirmar que o pensamento e a ação devem formar um todo indivisível, e a
inteligência garante ao ser humano a capacidade de modificar as condições de sua
própria experiência. No entanto, para Dewey, a mente não é uma ‗tábula rasa‘, não é
um espelho passivo da natureza. Ela é a capacidade humana de compreender e
modificar ativamente as concepções, tornando significativa e útil toda e qualquer
experiência vivida.

2.1.4 Pragmatismo: o caráter genético e instrumental do conhecimento

A Teoria de Locke - de que as ideias de uma pessoa eram formadas apenas


por fontes externas - não agradava Dewey, pois essa visão sobre a mente era
passiva demais. Charles S. Peirce (1839-1914), segundo John Dewey, é quem abre
o caminho para o impasse gerado por Locke quando diz que as ideias devem ser
percebidas como partes inter-relacionadas da experiência. Charles Peirce era um
pragmatista.

O pragmatismo surge nos Estados Unidos, no final do século XIX, e,como


toda teoria do conhecimento, emerge provocando uma revolução epistemológica,
principalmente em função de sua teoria da verdade. Na história da Filosofia, é muito
conhecida a rígida diferença entre os métodos científicos para alcançar o novo
conhecimento e os métodos pedagógicos para compreender fatos determinados. É
nesse embate que surge o pragmatismo, contrário a essa diferença, com a hipótese
de que o homem tem apenas uma metodologia de conhecimento. Segundo Shook,
―essa metodologia certamente é complexa e apresenta muitos níveis de habilidade.
Mas existe uma continuidade entre os níveis inferiores e os superiores. O que gera
essa continuidade é um padrão ou forma básica de investigação
inteligente‖(SHOOK, 2002, p. 12).
29

Os representantes do pragmatismo americano analisaram a estrutura da


investigação inteligente em conformidade com seus próprios interesses acadêmicos.
Charles Peirce, como pioneiro da lógica, semiótica e metafísica, criou uma Filosofia
das ciências naturais original. William James (1842-1910), foi pioneiro da psicologia
experimental e quem mais se debruçou sobre fenômenos psicológicos. John Dewey,
no campo da psicologia social, foi precursor, buscou também a aplicação da
Filosofia para uma sociedade progressista e democrática. Todos eles, embora
distintos em sua maneira de pensar, trazem alguns traços em comum. São eles: (1)
objeção às filosofias especulativas; (2) reavaliação do empirismo; (3) o uso da
racionalidade científica como superação da Filosofia contemplativa; (4) oposição ao
ceticismo; (5) elaboração de uma nova concepção de verdade.

No entanto, Shook (2002) afirma que, ainda que fossem unânimes em


reconhecer que a inteligência humana refere-se essencialmente ao conhecimento
derivado da experiência - um dos pilares do empirismo –, esse entendimento não
era suficiente para reuni-los em um movimento filosófico à parte (p. 12). A esse
respeito, eles concordavam que, ainda que a experiência fundamente o
conhecimento, a mente transforma a experiência em objeto de conhecimento; essa
transformação da experiência tem a função de acalmar a dúvida, etapa esta
preparativa de uma ação com vistas a um fim especifico; a mente, visando a uma
crença prática, transforma a experiência guiada pela atividade experimental; o
método experimental de formar crenças sólidas pode ser logicamente avaliado a
partir de sua função de oportunizar aos homens prever de maneira confiável e
controlar o seu ambiente.

Quando John Dewey elabora o artigo O desenvolvimento do Pragmatismo


Americano1 (1922), seu objetivo principal foi definir as principais teorias dos
movimentos filosóficos conhecidos com os nomes de pragmatismo, instrumentalismo
ou experimentalismo, visto que já se percebiam muitos mal entendidos quanto às
suas doutrinas e seus objetivos.

Para Dewey

1
Este artigo foi publicado originalmente em francês, em 1922, e, em uma primeira versão inglesa,
traduzida do francês, em 1925. Passou, depois, a fazer parte do livro Filosofia e civilização, publicado
em 1931.
30

[...] o termo ‗pragmático‘, contrariamente àqueles que consideram o


pragmatismo como uma concepção exclusivamente americana, foi sugerido
a Peirce em razão de seu estudo de Kant. Em A metafísica da moral, Kant
estabeleceu uma distinção entre pragmática e prática. A última aplica-se a
leis morais que Kant considera como sendo a priori, enquanto a primeira
aplica-se às regras da arte e da técnica que estão baseadas na experiência
e são aplicáveis à experiência. Peirce, que era um empirista, com hábitos
mentais, tal como ele dizia, de laboratório, recusava chamar seu sistema de
―praticalismo‖,como sugeriram alguns de seus amigos. Na qualidade de
lógico, estava interessado na arte e técnica do pensar real e, no que
concerne ao método pragmático, especialmente interessado na arte de
clarificar conceitos ou de construir definições adequadas e efetivas de
acordo com o espírito do método científico (DEWEY, 2007, p. 227).

O empirismo peirciano apresenta quatro princípios básicos: primeiro, afirma


que o conhecimento tem origem na experiência imediata do mundo; segundo, que
todo conhecimento que adquirimos necessita do aporte de outros tipos de
conhecimento já obtidos; o terceiro princípio relaciona pensamento e símbolos
dotados de sentido; e finalmente, o quarto princípio apresenta a oposição a qualquer
filosofia - inclusive a kantiana - que divida a realidade em duas partes, uma, dotada
de significados e outra sem nenhum. Unidos, esses princípios implicam que o
pensamento, em sua totalidade, é um modo de interações entre signos e deve estar
associado à ação humana no mundo.

Porém, nem todo pensamento é proporcional e de mesmo valor. Shook


esclarece que ―um doente mental provavelmente tem tantas ideias no decorrer de
um dia quanto um gênio da ciência. Contudo, não é o número de ideias que produz
o conhecimento verdadeiro‖(SHOOK, 2002, p. 50). Sendo o conhecimento o
desfecho de uma cadeia de ações psíquicas, é necessário avaliar o pensamento
com base nos resultados dessas ações. O que Charles Peirce quer saber é como
podemos decidir que estamos diante de uma verdade, sem antes analisar o fluxo do
pensamento por outro padrão. Shook (2002) diz ainda que se não for possível saber,
de alguma forma, quando se está diante de uma verdade, jamais poder-se-á saber
como avaliar o pensamento (p. 50). Isto posto, podemos entender que, para Peirce,
é impossível separar as ideias e os conceitos da conduta humana, porque ter uma
ideia é estar ciente de seus impactos e de suas consequências ou de suas
probabilidades no terreno da vida humana.
31

Dewey reconhece que Peirce foi um dos fundadores do Pragmatismo, porém


não era um autor sistemático e, segundo aquele, este nunca expôs suas ideias por
meio de um sistema único. ―O método pragmático por ele desenvolvido aplica-se
somente a um universo de discurso estreito e limitado‖(DEWEY, 2007, p. 228).
William James é quem amplifica o propósito de seu método. Nascimento nos
esclarece que

[...] enquanto Peirce caracterizou o pragmatismo como um método para


determinar os significados das proposições e se amparou numa doutrina
semiótica do conhecimento, William James ampliou o significado de
verdade, trouxe para o pragmatismo a doutrina humanista e demarcou a
sua condição de verdade, isto é, a verdade corresponde ao que é vantajoso
ao pensamento ou àquilo que gera uma relação satisfatória com a
realidade, de tal forma que a vantagem e a satisfação estejam vinculadas
ao que é útil, ao prático (NASCIMENTO, 2011, p. 47).

William James (1842-1910), mesmo não sendo um pensador sistemático, foi o


responsável pela divulgação do pragmatismo a um público mais amplo. A
diversidade de seu pensamento e o poder de suas ideias entranharam-se
profundamente na Psicologia e na Filosofia. Segundo Ozmon & Craver, James
compartilha com Peirce a hipótese sobre as consequências práticas das ideias, e
essa influência pode ser observada na construção de sua teoria sobre a verdade.
Para James, a verdade corresponde ao que é bom. Ela dever ser útil, se a
considerarmos em termos práticos. ―Não imutável, nem absoluta, mas feita em
eventos reais, da vida real‖ (OZMON&CRAVER, 2004, p. 139). A verdade, na vida
de um indivíduo, tem significado a partir das experiências que ele vive, ou seja,
somente para ele. Ela não pode ser verificada objetivamente por outra pessoa. De
fato, James acredita que a verdade é inseparável da experiência.
32

Ao analisar a experiência, James aponta cinco características fundamentais


de qualquer pensamento1: (a) um pensamento sempre será parte de um único e
pessoal fluxo de consciência; (b) um pensamento existe apenas por um curto
período de tempo e não há lugar na mente para armazenar os pensamentos; (c) um
pensamento tem a sensação de pertencer a um grupo de pensamentos que abarca
um mesmo fluxo de consciência; (d) um pensamento parece referir-se a algo que
seja fora de si e não a si mesmo; (e) um pensamento pode influenciar os próximos
pensamentos no mesmo fluxo. Aceitar que cada pensamento pertença a um único
fluxo de consciência, conforme Shook (2002) é o mesmo que defender o dualismo,
ideia que James abandonou em seus trabalhos de última fase (p.51).

James, ao argumentar, em seu novo enfoque da Psicologia, que esta precisa


receber o mesmo tratamento das ciências naturais, ou seja, basear-se na evidência
empírica, rompe com a ideia racionalista de mente/alma como uma entidade
separada e apresenta uma visão naturalista para a mente. Isso significa que,
conforme Stroh,―esta deveria ser estudada funcionalmente em termos de como
opera e de como acaba por se adaptar ao ambiente em que vive. Isso envolve a
aceitação da hipótese evolucionária‖(STROH, 1968, p. 156), pois a vida mental é,
acima de tudo, teleológica. Dito de outra forma, não é possível entender a mente
humana, se a afastarmos do mundo natural. Ao contrário, esta deve ser
compreendida dinamicamente como sendo influenciada por ele e como reagente
dele.

1
James usa o termo ‗pensamento‘ para se referir a algo que ocorre em nosso fluxo de consciência.
―Para James, um pensamento nem sempre é conceitual, porque muitos pensamentos não podem ser
expressos verbalmente. Os filósofos concentram-se nos pensamentos que podem ser expressos em
conceitos e palavras, mas os pensamentos cognitivos são apenas um tipo de pensamento. Há muitos
tipos de pensamento, entre eles as sensações, emoções e desejos, que nunca podem ser expressos
adequadamente em conceitos. Pensamentos não conceituais são mais importantes do que os
pensamentos conceituais. A maior parte da nossa experiência não é conceitual. Os filósofos
concentram-se no pensamento conceitual porque estão muito interessados na capacidade de
racionar logicamente. Eles esquecem que mesmo quando estamos pensando racionalmente, o foco
da nossa atenção conceitual é rodeado por uma ‗aura‘ de sensações e emoções não conceituais.
James acreditava que a mente, ou seja, o fluxo da consciência de uma pessoa, é uma coisa viva‖
(SHOOK, 2002, p. 102).
33

Sendo o homem um ser prático, dotado de vontade, ativo, e não um ser


pensante teórico, seu intelecto está totalmente a serviço de seu querer e de seu agir.
Para o pragmatismo, ―o intelecto não foi dado ao homem para investigar e conhecer,
mas para que possa orientar-se na realidade. É dessa determinação prática de fins
que o conhecimento humano retira seu sentido e seu valor‖ (HESSEN, 2012, p. 40).
A esse respeito, Putnam (2008) esclarece que, para os pragmatistas, a experiência
não é neutra, mas vem a nós, plena de valores. Tudo que se experimenta na
infância, tanto bom, quanto mau, a medida que essas experiências multiplicam-se
tornando-se mais refinadas, também acontece com os valores . Sendo assim, o
valor objetivo não tem origem em um órgão sensorial especial, mas sim na crítica
das nossas valorações através da reflexão inteligente (p. 140).

Dewey, assim como James, refutava as teorias tradicionais sobre a verdade.


De acordo com Mariconda (1980), considerar a verdade como correspondência
entre pensamento e pensado ou coerência das ideias entre si não era aceito por
Dewey. Ele rejeita também a visão subjetivista de James e entende que é
necessário ampliar o campo de ação do pragmatismo de Peirce, o qual, para ele, é
muito restrito (p. VII).

A verdade, para Dewey, pertence à existência, mas não existe como tal, e a
verdade é, enquanto um elemento da experiência, imperfeita e limitada pelo que lhe
falta integrar. Assim, segundo Amaral (1990), a quantidade de conexões e
interações que estabelecemos definem o quanto é possível conhecer o objeto em
questão. A verdade se constrói em determinado momento, nasce em circunstâncias
definidas e só tem sentido dentro das condições que a originaram. Sendo criada em
determinadas situações de processo vital de interação entre o indivíduo e o meio, a
verdade não é única. Verdade e realidade caminham lado a lado com a experiência
humana (p.63).

Dewey reformulou o pragmatismo de Peirce e James, reajustando algumas de


suas doutrinas em conflito. A grande intuição de Dewey, frente a outros
pragmatistas, ―foi aplicar a inteligência, a razão humana - a mesma que se havia
aplicado com êxito na ciência - nas questões éticas e sociais e em específico na
educação‖(BARRENA, 2015, p. 43, tradução nossa). Segundo Dewey, o problema
maior da vida moderna é unificar as crenças dos homens sobre o mundo e suas
34

crenças sobre os valores e propósitos que, por certo, deveriam governar sua
conduta.

Dessarte, entendemos que Dewey aplica sua máxima pragmática em um


universo mais amplo, no campo dos valores, desenvolvendo a parte social e política
do pragmatismo. Para ele, não é a identificação do pensamento com a ação a razão
principal do pragmatismo, mas a conexão inseparável entre conhecimento e
propósito racional. A ação humana, racional, é sempre uma ação que busca um fim
e que está sujeita ao autodomínio. Foi essa atenção de Dewey à ação social e à
educação que deram a sua filosofia uma orientação decididamente prática. Ao invés
de lançar-se em ‗busca por certezas‘, atrás de ideias eternas e verdadeiras,
entendeu que se fazia necessário buscar soluções práticas aos problemas
modernos. Essa filosofia, inspirada na ciência moderna, em que as ideias não são
imutáveis, mas alicerçadas na resolução de problemas, Dewey nomeou de
Instrumentalismo ou Experimentalismo.

2.2 A epistemologia instrumentalista de John Dewey

O esforço do pragmatismo em relacionar a verdade com a cognição acontece


por meio do conceito de conhecimento. Para que algo seja objeto de conhecimento,
precisa necessariamente passar pelo recurso de cognição, e, se o conhecimento
propõe-se a verdade, o processo de cognição deve desejar a verdade. Vimos até
aqui que o racionalismo parte de uma definição de verdade e, somente depois,
procura explicar como a mente pode conhecer essa verdade. De outro lado, o
empirismo parte de uma teoria do conhecimento humano para definir o que é
conhecido e, só depois, passa a definir a natureza de verdade com base no que é
conhecido. O pragmatismo, a partir de sua contribuição naturalista e histórica sobre
o conhecimento e a natureza da cognição, elimina qualquer apoio ao racionalismo e
tem como sua principal teoria rival o dualismo.

Dewey, como já foi dito antes, inicia o desenvolvimento de sua teoria do


conhecimento questionando todos os dualismos que caracterizaram a Filosofia
ocidental desde o século XVII. A origem dessas divisões, segundo Dewey,
encontra-se nos grupos sociais e nas classes dentro desses grupos. Como exemplo:
35

homens e mulheres, ricos e pobres. As relações sociais são afetadas pelos


diferentes modos de vida, tendo cada um objetivos e padrões de valores próprios. A
partir dessas separações, surgem outras, e todas elas deixam seu vestígio no
campo educacional. São cinco os antagonismos citados por Dewey, identificados
nas teorias do conhecimento precedentes: (a) conhecimento empírico e
conhecimento superior racional; (b) os dois sentidos da palavra ‗saber‘; (c)
conhecimento como coisa exterior e o ato de conhecer; (d) atividade e passividade
do conhecimento; (e) inteligência e emoções. Para Dewey ―todas essas separações
culminam na existente entre conhecer e fazer, teoria e prática, entre a mente como
fim e alma da ação, e o corpo como órgão e meio dessa mesma ação‖ (DEWEY,
1936, p. 411).

A proposta apresentada por Dewey para resolver o problema desses


antagonismos é a teoria da continuidade. Para isso, ele constrói seus argumentos
no progresso da Fisiologia, da Psicologia e da Biologia e no desenvolvimento do
método experimental. Para Cunha (2007), o primeiro argumento contra o dualismo
provém do descobrimento de que os fenômenos mentais relacionam-se com um
componente físico - o sistema nervoso - responsável pela associação entre o mundo
interior e o ambiente . Além de receber impressões sensoriais, o cérebro organiza
informações e capacita o organismo para ações futuras, preservando a continuidade
entre indivíduo e mundo(p. 94).

O progresso da Psicologia associada à Fisiologia apresentou a relação da


atividade mental com o sistema nervoso, e, assim, o velho dualismo da alma e do
corpo foi substituído pelo do cérebro e do restante do corpo. O fato, de acordo com
Dewey, é que o sistema nervoso é somente um dispositivo especializado em manter
todas as funções do corpo em ação conjunta. ―Em vez de estar isolado dessas
funções, como o órgão do conhecimento separado dos órgãos de reação motora, é
o órgão por cujo intermédio eles exercem sua interação reagindo mutuamente uns
aos outros‖(DEWEY, 1936, p. 412). O cérebro é o órgão que opera as adequações
recíprocas dos impulsos recebidos do ambiente entre si e com os retornos ao
mesmo ambiente. Dewey cita o exemplo do que acontece ao carpinteiro ao aplainar
uma tábua. Ao mesmo tempo em que o ato se ajusta ao estado de coisas presentes
orientado pelos órgãos dos sentidos, essas respostas motoras estabelecem o
próximo estimulo sensorial. Assim, é o cérebro que mantém a constante
36

reorganização da atividade, de forma que permaneça a continuidade. Portanto, para


Dewey, o ato de conhecer não é uma coisa completa por si mesma, isolada de toda
a atividade, mas sim fixa-se à atividade reorganizadora.

O segundo argumento deriva da teoria evolucionista de Charles Darwin


(1809-1882). A continuidade aparece também, segundo Dewey, na doutrina da
evolução, em que os organismos vivos se desenvolvem das formas mais simples e
mais complexas até chegar ao homem. Essa teoria de desenvolvimento orgânico
representa que a criatura viva é uma parte do mundo,

[...] aquinhoando de suas vicissitudes e de sua boa sorte, só conseguindo


segurança em sua precária dependência quando se identifica
intelectualmente com as coisas que acercam e prevê as consequências
futuras daquilo que esta a suceder e molda suas próprias atividades de
acordo com essa previsão. Se o ser vivo, que esta a adquirir experiência,
participa intimamente das atividades do mundo a que pertence, o
conhecimento é um modo de participar dessas atividades, modo valioso, na
proporção em que se mostra operante. Ele não pode ser a contemplação
ociosa de um espectador desinteressado (DEWEY, 1936, p. 413).

A última e maior razão para a transformação da teoria do conhecimento está


no desenvolvimento do método experimental. O método da descoberta e da
verificação é a forma de adquirir conhecimento e ter certeza de que é conhecimento
e não apenas simples opinião. O método experimental, segundo Dewey, apresenta
duas vertentes. De um lado, significa que não podemos chamar algo de
conhecimento a não ser que nossa ação tenha realmente produzido nela - na ação -
alterações físicas que concordem com a concepção aplicada e a confirmem através
de observação sistemática dos fatores envolvidos. Fora dessas mudanças
especificas, nossas ideias ou crenças não são mais que hipóteses, sugestões,
teorias e só podem ser consideradas para fazer tentativa e usadas como indicações
de experimentos a serem testados. Por outro lado, o método experimental de pensar
assinala que o pensamento tem utilidade. Ele é útil quando a previsão de
consequências se faz alicerçada na total observação das situações presentes.
Experimentação não é o mesmo que reação cega. Tal ação excedente é uma
condição inevitável de todos os nossos comportamentos, mas não representa um
experimento, exceto se as consequências forem verificadas e aplicadas para fazer
prognósticos e planos em situações similares no futuro. O método científico
37

experimental é uma experimentação de ideias, por isso, quando não dá resultado


imediatamente, ele é intelectual e frutífero, pois aprendemos com nossas ações
erradas quando nossos esforços são verdadeiramente refletidos.

É notável o referencial e a gratidão de Dewey a pensadores como Charles


Darwin, Charles Peirce e William James na construção de sua epistemologia
instrumentalista e no desenvolvimento de sua teoria da continuidade. Teoria essa
fundamentada, sobretudo, nos três argumentos que citamos acima: a ligação
cérebro/corpo, a relação organismo/ambiente e o caráter experimental do
pensamento. No entanto, foi a partir do idealismo hegeliano que Dewey deu início a
uma grande evolução pessoal e filosófica.

2.2.1 A herança hegeliana

Os cuidados de Dewey, desde bem cedo, foram confiados à sua mãe. Seu
pai, comerciante, embora com pouca escolaridade, apresentava uma cultura literária
excelente e era muito interessado em atividades políticas. A fim de defender a causa
abolicionista, alista-se no exército quando do surgimento da guerra americana e fica
afastado da família por quatro anos. Lucina, mãe de Dewey, além de educá-lo no
respeito aos valores cristãos, fez que entendesse a importância que havia, para ser
um bom cristão, em prestar atenção aos problemas e desigualdades sociais que
intermediava a vida da comunidade da qual eles faziam parte. Mesmo com a volta
de seu pai, tempos depois, a mãe continuou sendo sua referência principal, tanto no
campo emocional, quanto educativo. A sólida educação moral e religiosa de
natureza congregacionalista ministrada a Dewey por sua mãe resultou em profundas
marcas em seu caráter. Esses traços podem ser percebidos por toda a sua vida em
seu desenvolvimento intelectual e filosófico, nos interesses pelos problemas sociais
e morais, e – quando ainda muito jovem – um sentimento de interrupção e
dilaceração entre alma e mundo, Deus e natureza, que precisavam, segundo
Dewey, de uma atenção altamente filosófica.

Duas obras marcaram o período da entrada de Dewey na Universidade de


Vermont, em 1875, e podemos dizer que são a gênese de seu pensamento
filosófico. O primeiro contato foi com o pensamento idealista, na leitura da obra
38

Ajudas para Reflexão1, de Samuel Taylor Coleridge. E, a partir desse momento,


instala-se, em seu interior, uma profunda crise intelectual e espiritual, e ele
gradualmente desvencilha-se da inclinação ao afastamento do eu em relação ao
mundo, que o acompanhava durante a juventude. Em seguida, na leitura da obra
Lições em Fisiologia Elementar2, de Thomas Huxley, onde a ideia de organismo é
reconhecida como sustentação para compreensão dos fenômenos da vida, Dewey é
impulsionado a ―imaginar um cosmo que tivesse a mesma natureza harmoniosa do
ser vivo, e consequentemente, a buscar argumentos que pudessem justificar sua
aspiração pessoal a unidade‖(CALCATERRA, 2015, p. 14). Nasce aqui, o interesse
pelas ideias de Darwin.

A partir da leitura de Huxley, Dewey investiga, nos sistemas filosóficos, algo


que lhe convença na busca pela unidade orgânica universal. Em consequência do
entusiasmo do seu Professor George Silvester Morris 3, um hegeliano convicto,
Dewey é fortemente afetado pelo hegelianismo. O jovem Dewey foi seduzido pelo
senso de vida, o dinamismo e principalmente pela visão de uma realidade orgânica e
pela relação de reciprocidade que permeava a filosofia hegeliana. A esse respeito,
Dewey declara que ―é difícil falar com exatidão sobre o que me aconteceu
intelectualmente há tantos anos, mas tenho a impressão de que derivou desse
estudo um senso de interdependência e unidade inter-relacionada que deu forma a
agitações intelectuais que antes eram incipientes‖ (DEWEY, 1930, p. 13).

Conforme Calcaterra

[...] a proposta idealista influenciou a evolução pessoal e filosófica de Dewey


precisamente na medida em que conseguiu resolver essa dificuldade, uma
dificuldade que, ao menos no início, era muito mais semelhante a um
estado de profundo mal estar emocional que a uma condição de dúvida
diante de um problema estritamente teórico. Por isso, é plausível que o
jovem Dewey tenha se voltado para o estudo da filosofia hegeliana não
tanto por um mero interesse teórico, e, de fato, ele mesmo afirma que as

1
Título original: Aids to Reflection (1840). Samuel Taylor Coleridge (1772-1834), poeta inglês,
considerado um dos fundadores do Romantismo na Inglaterra.
2
Título original: Lessons in Elementary Physiology (1886). Thomas Henry Huxley (1825-1895) foi
biólogo e defensor implacável da Teoria da Evolução de Charles Darwin.
3
George Sylvester Morris (1840-1889) e Stanley Hall (1846-1924), foram professores de Dewey na
John Hopkins University. Segundo Pitombo, ―não há dúvidas de que ambos, e, sobretudo Morris,
deixaram profunda impressão no espírito do estudante, que, pelo espaço de um ano, recebeu aulas,
no primeiro semestre, de Morris e, no segundo, de Stanley Hall‖(PITOMBO, p. 22).
39

teses características da tradição idealista não chegavam até ele como


simples fórmulas a serem empregadas no debate filosófico, sendo, ao
contrário, fonte de ―uma imensa libertação‖ espiritual. Isso sobretudo pela
forma com Hegel tratava a cultura, as instituições e as artes, uma maneira
que tendia justamente a demolir qualquer muro divisório rígido entre as
diversas expressões humanas (CALCATERRA, 2015, p. 23).

A primeira fase do pragmatismo de Dewey, em que ele retrata sua admiração


por Hegel, é entre os períodos de 1896 até 1905. Alguns estudos apontam que a
fase hegeliana de Dewey prolonga-se até o final da primeira década do século XX e
também que são os métodos hegelianos que diferenciam seu pragmatismo da
Filosofia pragmatista de Pierce e James.

Segundo Renault (2018), até 1905 - data em que foi transferido para a
Columbia - Dewey, em vários de seus escritos, declarou-se hegeliano. O filósofo de
Burlington entende que a filosofia de Hegel preocupou-se com a ontologia, a
Antropologia, a Psicologia, a Epistemologia e, principalmente, com a Filosofia social.
No plano ontológico, Dewey elogia Hegel, por ter identificado a importância do
processo da realidade, por sua coragem para superar todos os dualismos e por seu
reconhecimento da realidade dos relacionamentos. Já, no plano antropológico,
Hegel é enaltecido pela sua percepção na unidade entre espírito e natureza, e a
definição do espírito como uma reintegração reflexiva da natureza fundamental do
processo, como também, pela unidade entre corpo e alma e a ideia de hábito como
uma mudança da natureza corporal e readaptação por meio do espírito da própria
natureza (p. 1).

Ainda, de acordo com Renault (2018), na visão psicológica, o que é


fundamental em Hegel é a crítica da Psicologia das faculdades, o reconhecimento
do espírito com um conjunto de atividades, o argumento de que a união de
atividades intelectuais e práticas de afirmação de instrumentos da liberdade – a
essência do espírito - e, por fim, como conclusão, uma rejeição da tese de intelectual
que faz depender o valor do conhecimento desde a sua independência em relação a
toda razão emocional e a todo propósito prático. Nesse sentido, é atribuída a Hegel
uma psicologia funcionalista, a qual William James também deu o devido apreço.
Também é possível observar a crítica do intelectualismo, realizada pelos
pragmatistas, que é a característica mais marcante do pensamento hegeliano na
história da Filosofia. Finalmente, Dewey congratula Hegel por um conceito de
40

Filosofia que se compromete a dar conta da experiência e se empenha para dar luz
ao pensamento como uma realização das energias da vida social capaz de retornar
na mesma vida social para aprimorá-lo (p. 1).

Ainda na epistemologia, é possível inferir que, enquanto Hegel caracteriza o


conhecimento como apreensão dos efeitos do objeto, Dewey busca a linguagem,
inspirado na teoria de Darwin e nas ciências sociais, caracterizando, assim, a
organicidade da mente e sua adaptação ao ambiente, que reconhece a eficácia de
um objeto em uma comunidade de ação. Nesse sentido, a mente humana e suas
potencialidades afloram e amadurecem no curso de sua capacidade social. Nosso
entendimento, a partir daí, é que a essência de ambas epistemologias, tanto de
Hegel, quanto de Dewey, apresentam como eixo principal a maturação moral. Isto
posto, Calcaterra reconhece que o vestígio mais importante deixado por Hegel na
filosofia deweyana foi ―o interesse pela experiência e o claro reconhecimento do fato
de que esta constitui o ponto de partida de qualquer ato de reflexão possível, seja
este filosófico ou científico‖(CALCATERRA, 2015, p. 30).

Não é possível falar do período hegeliano de Dewey sem citar a amizade dele
por George Mead4. Colega de Dewey na Universidade de Chicago, Mead, embora
pouco conhecido no campo filosófico, foi uma importante figura do pragmatismo
americano. Ambos formaram um patrimônio comum de ideias, suas obras se
complementam. Dewey e Mead não eram apenas amigos muito próximos, mas
compartilhavam trajetórias intelectuais semelhantes. Tanto um, quanto outro,
passaram por um período em que Hegel foi a figura filosófica mais significativa para
eles, e juntos democratizaram e popularizaram, no circulo filosófico americano, as
ideias hegelianas sobre o eu e a comunidade. As questões teleológicas também
permaneceram importantes no pensamento de um e de outro, porém foram
reduzidas em escala do mundo histórico e aplicadas em termos de experiências

4
George Herbert Mead (1863-1931) é considerado o fundador do Interacionismo Simbólico. A
convivência entre Mead e Dewey iniciou-se na Universidade de Michigan, em 1891, quando recebeu
de Dewey um cargo nessa universidade, e perdurou por longa data. Em 1894, quando Dewey vai
para a Universidadede Chicago, Mead é convidado por ele para lecionar nessa instituição e nela
permaneceu até 1931. Inclusive, uma das exigências de Dewey, ao assumir seu cargo, nessa
Universidade, foi a contratação de Mead. Abbagnano (2002) esclarece que, a respeito dessa
amizade, o professor Morris declarou que, se Dewey contribuiu com sua amplitude de ideias, Mead
mostrou profundidade analítica e rigor científico. Ao comparar Dewey a uma roda e Mead ao eixo
dessa roda que percorre o pragmatismo, ele considera que, embora essa roda percorra velozmente
muitos quilômetros, ela jamais conseguirá do seu eixo desligar-se (p. 34).
41

antecipadas e atividades orientadas para objetivos. A esse respeito, Dewey afirma


que, o idealismo hegeliano representou uma autêntica liberação do espírito
opressivo próprio do calvinismo, espírito esse que, em sua adolescência, estava
inserido na forma de viver de sua cidade natal. O pietismo de sua mãe, os
ensinamentos primários também calvinistas e a divergência entre ciência e religião -
alimentada pela difusão da teoria evolucionista - contribuíram para determinar as
separações entre natureza e Deus, dentre outras, e isso o afligia internamente.

Dewey, em sua obra Democracia e Educação (1916), ao apresentar a


educação como problema filosófico importante, dando a ela um significado tão
abrangente, não seria compreendido, se não levássemos em conta o depósito
permanente da Filosofia de Hegel em seu pensamento. Ele vê em Hegel um
pensador que compreende o papel educacional das instituições, assim como a sua
capacidade de transformar a natureza animal do homem e de formar os hábitos que
solidificam a base da vida psíquica e moral, dado que a consciência moral do sujeito
é uma fase no processo de organização social.

2.2.2 O Naturalismo empírico

Preservando a convicção do idealismo nos métodos intelectuais, na


inteligência humana e na crença da unidade, Dewey não abandonou seu sonho de
poder encontrar dispositivos inteligentes para incorporar e unificar o entendimento
humano. Entretanto, ele ainda tinha algo a resolver: descobrir um método de
inteligência que justificasse a complexidade da natureza e da experiência, e
concomitantemente, ordenando e unificando-as. Com isso, o período que Dewey
viveu em Chicago foi dedicado ao aprofundamento de estudos científicos, o que, de
certa forma, manteve-o afastado do idealismo hegeliano.

Sem pensar em rupturas bruscas, entendemos que, a partir de 1890, com a


leitura da obra Princípios da Psicologia (1890), de William James, e a urgência de
uma ética mundana, Dewey desperta para a elaboração de um naturalismo
filosófico, reformulando e amadurecendo suas ideias para consolidar o que chamou
de instrumentalismo. A união intrínseca entre a matriz biológica e a matriz cultural é
apresentada de forma muito precisa na obra Lógica: a teoria do inquérito (1903),
42

onde ele sustenta que ―o que quer que a vida orgânica seja ou não, é um processo
de atividade que envolve um ambiente. É uma transação que se estende além dos
limites espaciais do organismo. Um organismo não vive em um ambiente; vive por
meio de um ambiente‖(DEWEY, 1938, p. 25).

É notória a influência marcante de Charles Darwin no percurso intelectual de


Dewey, sendo considerado um dos principais filósofos que reconhece fortemente as
consequências da revolução darwiniana para a Filosofia. No artigo A influência do
Darwinismo na Filosofia (1909), ele defende que a revolução darwiniana provocou
rupturas e mudanças definitivas na Filosofia, entre elas sua própria apropriação da
atitude naturalista evolutiva. Dewey interpretava as obras de Darwin demonstrando
que as criaturas vivas, inclusive o homem, eram decididamente capazes de
entendimento por meio dos métodos científicos e naturalistas. Stroh (1968) observa
que o conceito de evolução, para Dewey, não representa que a vida e o homem são,
de fato, naturais, mas que há uma continuidade dinâmica entre o homem e a
natureza, ou entre a experiência e o meio ambiente externo (p. 302).

Essas ideias apresentam-se fortemente desenvolvidas nos capítulos iniciais


de Democracia e Educação (1916). Dewey apresenta a educação como necessidade
da vida. Para ele, os seres vivos se conservam pela renovação e se esforçam para
tirar o máximo de proveito das energias que o cercam. Diz Dewey: ―um ser vivo é
aquele que domina e regula em beneficio de sua atividade incessante as energias
que de outro modo o destruiriam. A vida é um processo que se renova a si mesmo
por intermédio da ação sobre o meio ambiente‖(DEWEY, 1936, p. 19).

É em Experiência e Natureza (1925) que Dewey denomina sua filosofia de


naturalismo empírico. Ele reconhece que o abismo que existe entre o homem e a
experiência, de um lado, e a natureza, de outro, leva muitos a interpretarem
erroneamente a associação desses dois termos: experiência e natureza. As
filosofias anteriores, segundo Dewey (1980), confundiram-se em relação a
experiência em si e nossos pensamentos sobre ela. Ao concentrarem-se nos
produtos reflexivos da experiência e as considerarem como realidade última, não
contemplaram a experiência original. Para alguns pensadores a experiência é vista
como: (a) importante para os que a tem, porém é esporádica e casual em sua
ocorrência aplicada a natureza; (b) sem a razão e/ou a intuição a experiência forma
43

uma barreira que separa o ser humano e a natureza; (c) é material e mecanicamente
determinada (p.4).

Dewey trata a experiência como um método, sendo o único a atingir a


natureza e ‗penetrar seus segredos‘ e, ao se revelar empiricamente, entranha-se,
aperfeiçoa-se e dirige o desenvolvimento posterior da experiência. Ele deixa claro
que, independentemente de quem vive a experiência - seja um cientista ou um
homem comum - não há diferença do material experienciado. Ainda que o homem
comum precise de preparação especial para acompanhar o ‗raciocínio intermediário‘,
todas as coisas da natureza são comuns a ambos. Isso posto, Dewey conclui que

[...] esses lugares comuns provam que a experiência é da tanto quanto em a


natureza. Não é a experiência que é experienciada, e sim a natureza –
pedras, plantas, animais, doenças, saúde, temperatura, eletricidade, e
assim por diante. Coisas interagindo de determinadas maneiras, são a
experiência; elas são aquilo que é experienciado. Ligadas de determinadas
outras maneiras com outro objeto natural – o organismo humano -, elas são,
ademais, como as coisas são experienciadas. Portanto, a experiência
avança para dentro da natureza; tem profundidade. É também dotada de
largura indefinidamente elástica. Estira-se. Esse estirar-se constitui a
inferência (DEWEY, 1980, p. 5).

Experiência é uma palavra de duplo sentido. Com suas histórias, incluem


aquilo que os homens fazem e padecem, o que se esforçam para conseguir,
também a forma como agem e sofrem a ação, como realizam, como desfrutam.
Representa o campo plantado, as sementes semeadas, a alternância entre noite e
dia, verão e inverno, calor e frio, é o que planta e o que colhe, o que espera, o que
trabalha, o que planeja. Seu duplo sentido apresenta-se por não aceitar divisão entre
sujeito e objeto, ato e matéria, visto que ambos estão contidos em uma totalidade
não analisada.

Porém, o cerne de sua teoria naturalista brilhantemente original apresenta-se


na obra Natureza Humana e a Conduta (1922), onde Dewey desenvolve aspectos
construtivos do pensamento naturalista de David Hume e também busca superar
alguns erros cometidos por ele. Para Dewey, um dos erros de Hume foi não ter
observado a reação que as instituições e condições sociais produzem nas várias
maneiras pelas quais a natureza humana se manifesta. Outro equívoco foi
subestimar a plasticidade desta, não considerando que sua forma muda a cada vez
44

que sofre influência do meio. Plasticidade, para Dewey, é a inclinação natural de


reter e extrair da experiência anterior elementos que transformarão as ações
decorrentes. Com isso, manifesta-se a capacidade de adquirir hábitos ou fortalecer
algumas atitudes.

Ainda, segundo Dewey, Hume ―fez ressaltar a importância do hábito e do


costume, mas não levou em conta que o hábito é, em essência, um produto da vida
em sociedade cuja força é predominante na formação dos hábitos das pessoas‖
(DEWEY, 1980, p. 8). O hábito se expande na vida social, por meio da experiência,
porém não se refere a algo fixo que crie ações estagnadas. Por isso, quando, em
uma situação de instabilidade, nosso sistema de hábitos não é preparado para agir,
a inteligência é acionada para restabelecer a harmonia através da ação. Com isso, é
possível inferir que experiência e hábito são duas noções que estão diretamente
relacionadas e estão contidas dentro dos princípios da Escola Laboratório, os quais
veremos mais adiante.

Enumeramos agora alguns aspectos essenciais dos hábitos, segundo Dewey:


um hábito é uma habilitação, uma capacidade de fazer, capacidade de usufruir das
condições naturais para realizar um objetivo. Significa dominar o ambiente, através
dos nossos órgãos de ação. De acordo com Dewey, há uma inclinação para nos
importarmos mais ―com o domínio e o comando do corpo do que ao comando e
domínio do ambiente‖(DEWEY, 1936, p. 71). Ainda, segundo ele, encaramos atos
como falar, andar e aptidões especiais de algumas profissões como se fossem
habilidades e perfeições inseridas no organismo. Dewey não nega que sejam, porém
estas só terão valor, caso atuem com domínio sobre o ambiente que elas afirmam.
Qualquer hábito exige que tenhamos a nosso dispor algumas propriedades da
natureza.

Em razão disso, a educação é entendida como ―a aquisição dos hábitos


indispensáveis à adaptação do individuo a seu ambiente. Esta definição se aplica a
um aspecto fundamental do crescimento‖ (DEWEY, 1936, p. 71). Todavia, Dewey
alerta que é necessário uma compreensão da adaptação, no sentido ativo de
apropriação de meios para a realização de objetivos. Adaptação, segundo ele, não é
uma conformidade com o meio, pois o ambiente não é algo fixo que tenha um
modelo de mudanças que se efetuam no organismo. Nesse sentido, o hábito é
45

passivo. Habituamo-nos com as coisas que vivemos - nossas roupas, nosso clima,
também com nossos amigos - e, vivendo em conformidade com o meio, não somos
capazes de converter esses resultados que Dewey denomina ‗acomodações‘ em
hábitos produtivos e eficientes sobre o nosso meio.

Dewey adverte que existem dois aspectos de hábitos passivos. No primeiro,


ele identifica que as pessoas acostumam-se com as coisas usando-as antes e cita
como exemplo o fato de alguém habituar-se a uma cidade desconhecida. Há alguns
estímulos que se selecionam por sua relevância, enquanto outros se desvitalizam.
Isso acontece gradativamente, e essa correspondência permanente estabelecida
com esses estímulos é o que Dewey chama de equilíbrio de adaptação. Segundo,
que essa adaptação definitiva serve de apoio às outras adaptações especiais
quando surgir a oportunidade. Para ele ―nunca nos interessamos de fato, em
transformar todo o ambiente; consideramos definitiva grande parte dele e a
aceitamos tal qual é‖(DEWEY, 1936, p. 72). Assim, as atividades se fixam em
alguns pontos e se esforçam para fazer as mudanças essenciais, ou seja,
adaptamo-nos a uma parte do meio que, no momento, não nos interessa modificar.
Isso Dewey denomina de acomodação ou hábito passivo. Em contrapartida, são
esses hábitos que trazem a sustentação à formação dos nossos hábitos ativos. O
selvagem se habitua, diz Dewey, o civilizado tem hábitos que transformam o
ambiente.

O hábito, para o autor, também atua na formação de uma disposição


intelectual e emocional, tal qual um aumento de clareza, controle e eficiência da
ação. Ele considera que todo hábito indica uma inclinação, uma preferência, uma
escolha positiva de uma mínima possibilidade para que ele - o hábito - possa se
manifestar. O hábito não espera que surja algum estímulo para dar-se uma tarefa,
ao contrário, busca ativamente momentos para se realizar. No entanto, se esse
exercício não for feito devidamente, a tendência é que ele se manifeste por um mal
estar e enorme inquietação para agir. Onde existe o hábito, há também o
conhecimento dos ―materiais e do aparelhamento a que se aplica a atividade. Há
uma compreensão certa das situações em que o hábito atua‖(DEWEY, 1936, p. 73).
Refletir, observar, pensar compõem as formas de habilidade e de intenções
especificas aos hábitos, que fazem um homem ser, por exemplo, um engenheiro ou
um médico. Mesmo nas profissões que exigem menor aptidão, embora sejam
46

reduzidos os fatores intelectuais, existem hábitos de julgar e de raciocinar, seja, por


exemplo, manusear um utensílio, pintar um quadro ou conduzir uma experiência.
Para Dewey, hábito significa também uma atitude de inteligência. Quando a
inteligência se dissocia dos hábitos, estes se reduzem a rotineiros, e hábitos
rotineiros são hábitos irreflexivos.

Por fim, entendemos que todo o empenho de Dewey, nesse sentido, pode ser
considerado como uma tentativa de unificar a força ativa do conhecimento científico
com as crenças e hábitos de cultivo inteligentes, pois, quando desviados, provocam
atraso e inércia. Compreendemos também que a capacidade de aprender com a
experiência significa formação de hábitos, e são eles que nos dão o domínio sobre o
meio e a habilidade para utilizá-los para fins humanos. Nesse sentido, os hábitos e
as circunstâncias individuais que dificultam seu exercício interferem, sempre, na
busca de um novo ato a ser realizado. Sendo assim, como contraponto ao aspecto
passivo do hábito, Dewey utiliza-se das ocupações ativas em sua Escola
Laboratório, como também do pensamento reflexivo. Esse último será abordado
mais adiante quando adentrarmos na lógica instrumentalista.

2.2.3 A psicologia funcionalista

Já vimos anteriormente que a obra Princípios da Psicologia (1890), de William


James, teve grande influência na filosofia de Dewey e, simultaneamente, em vários
momentos, o pensamento de um e de outro se unificam. James aproxima-se de
Dewey quando, em determinada etapa, revendo seu conceito sobre ideias e
crenças, entende que as ideias não são partes da nossa experiência, mas se tornam
verdadeiras quando nos auxiliam nas relações satisfatórias com outros elementos de
nossa experiência.

As discussões, recheadas de criatividades, surgidas nas décadas de 1880 e


1890, em Chicago, segundo Shook (2002), devem-se a dois avanços muito
impactantes, que foram: (a) a aceitação crescente do darwinismo; (b) o crescimento
do interesse pela experimentação psicológica, ou seja, a psicologia de laboratório (p.
88). Esses acontecimentos impulsionaram o pensamento inovador de que os seres
humanos precisavam ser analisados como organismos físicos que buscam
47

sobreviver em um ambiente natural. James e Dewey foram os principais filósofos da


Psicologia a explorarem as fronteiras recém-descobertas da Filosofia da mente.
Juntos, eles estabeleceram um novo método de entendimento da cognição e do
comportamento humano, conhecido como funcionalismo. Apresentando um caráter
amplamente naturalista, rejeitando o idealismo e o materialismo, o funcionalismo
defende que a Psicologia é o estudo da vida psíquica, como um processo de
adaptação orgânica. Ambos, ao adotarem uma atitude naturalista em relação ao ser
humano e todas as suas funções, salientando que é a mente que toma as decisões
e controla o comportamento, manifestam suas rejeições ao dualismo cartesiano e ao
materialismo.

Dewey chegou na Universidade de Chicago, em 1894, contratado por Harper 5


Harper5 para dirigir o departamento de Filosofia, o qual já incluía a Filosofia
tradicional, a Psicologia de laboratório e a Pedagogia. Nos dez anos que se
seguiram, a Universidade de Chicago tornou-se o centro do funcionalismo. Isso
aconteceu devido a dois fatores: primeiro, porque Dewey teve o cuidado de buscar,
para compor sua equipe, colegas que eram adeptos ao movimento; e, segundo, pela
publicação da obra O Conceito de Arco Reflexo em Psicologia (1896), onde ele
diverge da ideia tradicional sobre os reflexos.

O arco reflexo, era visto pelos fisiologistas, desde a separação proposta por
Bell e Magendie6, a partir de três componentes elementares – o estímulo, que
produz a sensação; o processamento mental, que produz a ideia; e o ato. Dewey
não concordava com essa ideia, pois, para ele, essa divisão era artificial e trazia
como resultado um conceito de reflexo que se apresentava como um conjunto de
partes desconexas, sendo assim, não era um todo orgânico. Sua proposta é
substituir a análise estrutural pela análise funcional do reflexo. Não existe outra
maneira de pensar no reflexo, segundo Dewey, a não ser percebê-lo como um todo

5
William Rainey Harper (1856-1906) foi o primeiro presidente da Universidade de Chicago,
responsável por contratar todo o corpo docente da nova universidade e selecionar seus alunos.
6
Charles Bell (1774-1842) e François Magendie (1783-1855) propunham o reflexo em caminhos
sensórios e motores separados. A lei de Bell-Magendie, como ficou conhecida, ―era que as raízes
posteriores da medula espinhal controlavam a sensação, ao passo que as anteriores controlavam as
reações motoras. Tratava-se de uma descoberta de grande importância, pois fornecia uma base
anatômica ao posterior estudo dos dois lados do reflexo: a sensação e o movimento‖(GOODWIN, p.
82).
48

integrado, coordenado, que se destina a função de adaptar o organismo ao meio em


que vive.

Dewey entende que a ideia correta do sistema nervoso como uma contínua
organicidade envolve a não fragmentação da experiência em, por um lado, coisas
naturais apresentadas como estímulos experienciados e, por outro, pensamentos
criados na mente pela experiência. Ele quer dizer com isso que tudo que for
experienciado pode, dependendo da situação, assumir qualquer das duas funções.

[...] a sensação como estímulo não significa qualquer existência psíquica


particular. Significa simplesmente uma função e terá seu valor alterado de
acordo com o trabalho especial que precisa ser feito. Em um momento as
várias atividades de alcançar e retirar-se serão a sensação, porque elas são
aquela fase da atividade que define o problema, ou cria a demanda ou o
próximo ato. No momento seguinte, o ato anterior de ver fornecerá a
sensação, sendo, por sua vez, a fase de atividade que determina o ritmo de
ação futura. Generalizada, sensação como estímulo, é sempre aquela fase
de atividade que precisa ser definida para que uma coordenação possa ser
completada. O que a sensação será em particular em um dado momento,
portanto, dependerá inteiramente do modo pelo qual uma atividade está
sendo usada. Não possui uma qualidade fixa. A busca pelo estímulo é a
busca de condições exatas de ação; isto é, o estado de coisas que decide
como uma coorientação inicial deve ser completada (DEWEY, 1896, p. 369,
tradução nossa).

Para Dewey, a teoria do Arco Reflexo levava à sobrevivência do dualismo


metafísico de Platão, onde a sensação é algo ambíguo, a ideia é psíquica e o ato é
somente físico.

Na obra A Escola e a Sociedade (1899), Dewey esclarece mais


detalhadamente os problemas da Psicologia, apresentando um contraste triplo entre
a Psicologia contemporânea e a Psicologia tradicional. Primeiro, a Psicologia
tradicional entende a mente como algo puramente individual em contato direto ou
muito próximo com o mundo externo. O que interessa nesse caso – à Psicologia – é
de que maneira o mundo e a mente agem um sobre o outro. Dewey reconhece que
essa teoria é o mesmo que ―uma mente a viver sozinha no universo‖(DEWEY, 2002
p. 85); a psicologia contemporânea concebe a mente com uma função da vida
social, sem condições de desenvolver-se por si mesma, necessitando de estímulos
de agentes sociais e alimentando-se nesses recursos. A noção de hereditariedade
tornou familiar a ideia de que o mecanismo humano, tanto, físico, quanto mental, é
49

herança da espécie, herdado do passado e confiado para o futuro. Isto posto, a


diferença fundamental entre o selvagem e o civilizado não está na natureza nua,
mas sim na hereditariedade e no meio social.

Em segundo lugar, a Psicologia tradicional coloca em um plano inferior a


emoção e o esforço, valorizando o conhecimento, o intelecto. Discute a possibilidade
das ideias terem origem nas sensações, porém ignora que este limiar possa estar
nas ações. Com isso, podemos entender que sua influência sobre a conduta e o
comportamento era vista como uma ligação externa. Na Psicologia contemporânea,
acredita-se que o intelecto, a esfera das sensações e das ideias é um setor
intermediário que, muitas vezes, entendemos como final, pois não conseguimos
definir a direção que deve tomar nossa atividade imediata.

Há ainda um terceiro ponto ressaltado por Dewey, em que ele destaca que a
concepção moderna trata a mente como um processo de crescimento e não como
entidade fixa. Já na visão tradicional, a mente é a mesma em todo desenvolvimento
humano, porque é composta pelo mesmo conjunto de faculdades,
independentemente de ser uma criança ou um adulto. Hoje em dia, diz Dewey, a
mente é entendida como uma entidade em desenvolvimento e, por essa razão,
essencialmente mutável, apresentando fases distintas de capacidade e interesse em
diferentes períodos. ―Todas são uma e a mesma no sentido da continuidade da vida,
mas todas diferentes porque cada uma tem as suas características próprias e
distintivas‖ (DEWEY, 2002, p. 89).

Nesses termos, segundo o pedagogista norte-americano, não existe


possibilidade de acordo entre a Psicologia e a educação. Sendo a mente e suas
faculdades a mesma ao longo do desenvolvimento humano, logo, o conteúdo para o
adulto devia ser o mesmo que era fornecido à criança. Isso resultava em um
programa tradicional de estudos, onde, mais uma vez, a mente da criança e do
adulto eram entendidas como idênticas. A solução que Dewey propõe para traduzir
essas concepções na prática é a ideia da Escola laboratório, justamente em razão
de que não é possível apoiar-se na Psicologia tradicional, por esta ser radicalmente
diferente, nem sustentar-se no raciocínio, por ser uma questão empírica. Então, a
solução que o filósofo apresenta é que somente pela experiência estas coisas
podem ser encontradas. Diz Dewey, ―recusar a experiência, agarrar-se cegamente a
50

tradição, porque a busca da verdade envolve a experimentação em regiões do


desconhecido, é recusar o único passo que pode introduzir uma convicção racional
na educação(DEWEY, 2002, p. 90)‖.

Para as hipóteses psicológicas, Dewey apresenta como resposta educacional


três estágios de desenvolvimento - que serão detalhados no próximo capítulo. O
primeiro estágio dá-se entre os quatro e os oito anos de idade e é caracterizado
pelos interesses sociais e pessoais e pelas relações entre impressões, ideias e
ação. O segundo vai dos oito aos doze anos e objetiva reconhecer e responder às
mudanças que acontecem nas crianças, tanto de comportamento, quanto de
aquisição de competências para alcançar resultados. Já o terceiro período encontra-
se no limiar do ensino secundário e surge quando a criança tem familiaridade com
diversas formas de realidade e modos de atividade, já domina os métodos, os
instrumentos de pensamento e as pesquisas e atividades apropriadas às fases da
experiência.

O equilíbrio entre a fase prática e intelectual da experiência acontece através


das ocupações ativas. É o que Dewey chama de psicologia das ocupações. Ele
entende ocupação como ―um modo de atividade por parte da criança que reproduz
ou ocorre simultaneamente a um certo tipo de trabalho que é tido na vida
social‖(DEWEY, 2002, p. 115). Essas ocupações, segundo o teórico estadunidense,
envolvem motricidade - que é expressa através dos órgãos do sentido - observação
contínua dos materiais e, para que a prática possa ter sucesso, reflexão constante.
As ocupações despertam interesse na criança, e esses interesses desenvolvem-se a
partir de instintos ou hábitos.

Esses hábitos a que Dewey se refere são atitudes de inteligência, pois onde
existe um hábito, há o conhecimento dos materiais e dos aparelhos aos quais se
aplicam a atividade. Há também uma compreensão certa das situações em que o
hábito atua. Assim, o hábito de refletir desenvolve-se a partir da vida da criança, da
curiosidade e da interação do organismo com o meio, pois cada órgão sensitivo ou
motor busca oportunidade de ação, e, para agir, reclama um objeto. Essa
curiosidade, segundo ele, amplia a experiência e é o ingrediente essencial para o
pensamento reflexivo, do qual falaremos a seguir.
51

2.2.4 A Lógica instrumentalista

Foi dito anteriormente que Dewey deu uma nova expressão ao pragmatismo,
buscando um equilíbrio em algumas de suas ideias mais conflituosas. Ao falarmos
da lógica instrumentalista, estamos reiterando a intuição de Dewey quando constata
que é necessário aplicar a mesma inteligência que é utilizada na ciência nas
questões éticas, sociais e educacionais. Com isso, ele quer dizer que a inteligência é
um instrumento que tem capacidade de atualizar as possibilidades que o meio social
oferece. A organização do meio social é democrática, porque a inteligência que o
gerou não tem outra maneira de contemplar a vida, senão pelos padrões
verdadeiramente democráticos. Sendo assim, Amaral (1990) reconhece que a fé na
capacidade inteligente do homem surge de uma outra ainda mais elevada, qual seja,
a fé na democracia. Isso mostra que as raízes do pensamento de Dewey, sem
sombra de duvida, estão na fé da capacidade inteligente do ser humano para reagir,
com o senso comum, à livre investigação e comunicação. E, por isso, entende-se
que a legitimidade de uma crença habita no próprio processo de investigação(p. 91).

A Teoria da investigação, ou seja, a lógica instrumentalista de Dewey


constrói-se a partir de suas experiências como professor e coordenador dos
departamentos de Filosofia, Pedagogia e Psicologia na Escola laboratório de
Chicago. As primeiras pistas aparecem na obra Como Pensamos (1910), onde ele
analisa o processo real e não somente formal do pensamento reflexivo, correto,
levando a conhecimentos ordenados e criticamente verificados, em oposição ao
pensamento irrefletido, incorreto, que leva a concepções precipitadas e dogmáticas.
Na obra Lógica: teoria da investigação (1938), Dewey defende um realismo lógico
alicerçado em uma concepção mais realista dos processos experimentais de
reflexão e pensamento.

Dewey faz uma reformulação na lógica formal, ao aprofundar a humanização


da ciência. Para ele, a origem e o funcionamento de todas as formas lógicas
encontram-se, especificamente, no campo das atividades concretas de pesquisa e
averiguação dos conhecimentos. Seu empenho é apresentar as origens da lógica,
de um lado, a origem biológica e, de outro, a origem cultural. Ou seja, essas formas
originam-se no processo de indagação, inquérito ou investigação. Foram produzidas
pela necessidade humana, a partir de como a utilizamos no nosso modo de pensar e
52

em que nos alicerçamos para conduzir inteligentemente a nossa vida e obter os


conhecimentos e o saber. Os dois elementos que constituem o ato de investigar,
segundo ele, são o pensamento reflexivo e a indagação objetiva, sendo que este é
um processo singular capaz de possibilitar o conhecimento objetivo válido, que ele
define como a soma de proposições garantidas pela experimentação, sempre
submetida à verificação e ampliação, conforme as necessidades e descobertas
atuais da investigação.

Segundo Teixeira

[...] a essência da teoria da lógica de Dewey consiste, em ultima análise, na


generalização do chamado método científico, não só todas as áreas do
conhecimento humano, como também ao próprio comportamento usual e
costumeiro do homem. A lógica ou teoria do conhecimento de Dewey funda-
se, com efeito, no exame do processo de adquirir o conhecimento. Como
conseguimos nós o conhecimento? Não parte ele do conhecimento como
um produto acabado, para indagar de sua validez ou de sua possibilidade,
mas dos fatos crus da existência que faz e como faz o homem para obter o
conhecimento? Se for possível descrever a experiência humana do
conhecimento, ai se deverão encontrar os elementos para uma teoria dessa
experiência, isto é, a teoria da investigação, da busca do conhecimento, que
seria a própria lógica no seu objetivo ultimo (TEIXEIRA, 1938, p. 3).

Ainda, segundo Teixeira (1938), o conhecimento é a decorrência de um


processo de indagação, o resultado de uma atividade que se inicia em uma situação
de perplexidade e conclui-se com a resolução desse problema ou situação. Assim, a
lógica de Dewey e sua equivalente teoria do conhecimento tornam a operação
experimental indispensável ao processo do conhecimento. Lógica não é a teoria do
conhecimento adquirido, tampouco da sua comprovação, mas sim a teoria do
processo de adquirir conhecimento. A lógica pedagógica de Dewey apresenta-se na
obra Como Pensamos (1910), em que ele usa a expressão pensamento reflexivo7
para propor uma forma de desenvolver pedagogicamente a capacidade da criança
para a reflexão. Ele discorda da objeção de que a atitude mental científica não

7
O pensamento reflexivo apresenta cinco fases: sugestão, intelectualização, hipótese, raciocínio e
verificação. É possível perceber que elas coincidem com as fases do método cientifico. Embora não
comprometa a coerência interna do pensamento de Dewey, faz-se necessário esclarecer que ―em
suas obras o autor refere-se indiferentemente à investigação, ora como pensamento reflexivo, ora
como método da inteligência ou reflexão, ora como inteligência, simplesmente, e ora como ciência ou
método cientifico. Estamos nos ocupando em mostrar que a ciência ou o método científico parece ter
sido assimilado pelo modelo geral da investigação deweyana. Ou melhor ainda, que o método
cientifico parece converter-se no próprio método da inteligência(AMARAL, 1990, p. 92)‖.
53

apresenta importância no ensino das crianças e dos jovens. Por isso, o teórico
busca incorporar o moderno espírito científico, que é o método experimental, a
determinadas atitudes presentes na infância, identificadas pela curiosidade,
imaginação e investigação.

Dewey (1979) assinala que existe diferença entre o conhecimento, que é


objetivo e impessoal e o pensamento, que é subjetivo e pessoal. Conhecimento, em
um certo sentido, é aquilo que admitimos como verdadeiro, como certo, definido e
estabelecido ao nosso dispor. É aquilo que conhecemos que não precisamos
pensar, pois já é certo, seguro. Porém, Dewey alerta que tudo que se admite sem
por em dúvida pode, em dado momento, não ser a verdade, podendo estarmos
enganados. Para ele, o ato de pensar inicia pela dúvida e pela incerteza. É, antes de
tudo, uma atitude prática, a presteza para agir sem cautela. É a atitude que indaga,
busca e investiga. Só assim, pelo seu processo crítico, o verdadeiro pensamento é
revisto e ampliado, organizando as convicções sobre determinado estado de coisas.
As ideias ou pensamentos são instrumentos em nossa investigação. Instrumentos
para resolver os problemas e para enfrentar um mundo ameaçador e uma existência
precária. E, por serem instrumentos, não há sentido em pregar a verdade ou a
falsidade deles. Podem ser eficazes, relevantes, danosos, econômicos, mas não
verdadeiros ou falsos.

Não é possível dizer para alguém como deve pensar. Pode-se falar das várias
maneiras as quais os homens pensam, umas melhores que outras, pelos motivos
que não se sabe explicar. Aquele que compreender quais e por que são as melhores
maneiras de pensar é possível que mude seu próprio modo de pensar, até que este
possa tornar-se mais efetivo. Sem dúvida, para Dewey, a melhor maneira de pensar
é pelo pensamento reflexivo. ―A espécie de pensamento que consiste em examinar
mentalmente o assunto e dar-lhe consideração séria e consecutiva‖ (DEWEY, 1979,
p. 13). Outros processos mentais recebem o nome de pensamento. Pensar chama-
se, por vezes, a um desordenado curso de ideias que passam pela nossa cabeça,
automaticamente e desordenadamente. O que passa dessa forma dificilmente tem
algum valor. São fantasias mentais, lembranças, impressões vagas e incompletas. É
assim que pensam os tolos, diz Dewey.
54

Embora o pensamento reflexivo se pareça com esse fluxo casual de coisas


pensadas no interior do espírito, a diferença é que não basta a simples sequência
irregular de pensar. ―A reflexão não é simplesmente uma sequência, mas uma
consequência – uma ordem de tal modo consecutiva que cada ideia engendra a
seguinte como seu efeito natural, e ao mesmo tempo, apoia-se na antecessora ou a
esta se refere.‖(DEWEY, 1979, p. 14). As partes de um pensamento reflexivo não
vão e vem em um movimento caótico, mas derivam umas das outras e se sustentam
entre si. Cada fase é um movimento de um ponto a outro,e cada uma dessas fases
deixa um depósito, que utilizar-se-á da próxima fase. Esse fluxo transforma-se numa
série. Portanto, o pensamento reflexivo é uma cadeia. Há, nele, unidades
determinadas, unidas entre si de tal forma que resulta em um movimento continuado
para um mesmo fim.

Um segundo sentido do ato de pensar pode ser aplicado a coisas que não
são percebidas pelos sentidos. Pode-se dizer que é algo inventado, diferente de um
rigoroso registro de observação. Acontece, nesses casos, episódios imaginários que
apresentam alguma coerência pelo fato de estarem presos a um fio contínuo. Estes
ficam em uma posição intermediária entre o pensamento fantasioso e o pensamento
reflexivo. Para Dewey, quando as crianças contam histórias imaginárias, há, nelas,
todos os graus de coerência interna, embora algumas sejam confusas, enquanto
outras apresentam-se bem articuladas. Estas ocorrem em espíritos dotados de
capacidade lógica e preparam o caminho para o pensamento encadeado, e, sendo
assim, assemelham-se ao pensamento reflexivo. Nesse sentido, para Dewey ―um
pensamento ou ideia é a representação mental de algo não realmente presente; e
pensar consiste na sucessão de tais representações‖(DEWEY, 1979, p. 15). Em
contraste, o pensamento reflexivo apresenta um propósito. Sua direção deve
conduzir a algum lugar, deve voltar-se a uma solução capaz de conceber uma
substância exterior à corrente de imagens. Algo precisa ser desvendado mediante a
aplicação do pensamento. Esse objetivo a ser alcançado define uma função
reguladora da sequência de ideias.

A crença é o terceiro sentido de pensamento. Dewey define esse significado


de pensamento como o mais restrito entre os dois citados anteriormente. Uma
crença é algo além de si mesma, por onde se avalia o seu valor, significando que um
fato ou lei é aceito ou rejeitado. Para o filósofo estadunidense, é desnecessário
55

enfatizar a relevância da crença, pois inclui tudo aquilo que não há conhecimento
seguro, porém, nas quais confiamos o suficiente para nelas fundamentar a nossa
ação. Esses pensamentos desenvolvem-se inconscientemente, por causas obscuras
e canais não identificados, infiltram-se no espírito e tornam-se um elemento da
nossa guarnição mental. Alerta Dewey que são responsáveis por esses
pensamentos ―a tradição, a instrução, a imitação, que, todas, dependem, de alguma
forma, de autoridade, ou atendem à nossa própria vantagem, ou coincidem com
alguma forte emoção nossa‖(DEWEY, 1979, p. 17). Esses pensamentos ele chama
de preconceitos, ou seja, prejuízos, não conclusões atingidas como consequência
da atividade mental pessoal, observação, coleta e análise das provas.

O pensamento, tanto no primeiro, quanto no segundo sentido, prejudicam o


espírito, desviam a atenção do mundo real, resultando, na maioria das vezes, em
perda de tempo, embora esses pensamentos, se moderados, possivelmente nos
causem prazer e nos sejam uma necessária recreação. Ainda assim, nenhum dos
casos podem se intitular algo que a mente possa aceitar, anunciar e acolher como
base de ação. Nenhum deles pode ousar pretender a verdade. Podem constituir
uma realização emocional, porém, em nenhum momento, intelectual e prático. Por
outro lado, as crenças envolvem essa realização intelectual e prática, mas exigem
investigação para que se descubra em que bases elas se sustentam.

Existe a crença com fundamento apenas em uma primeira evidência, ou seja,


naquilo que nossos olhos vêem, não examinada, nem comprovada com outra
evidência, apoiada em preguiça e inércia, costume e falta de coragem e de energia
para investigar. Por outro lado, há a crença que se apoia no estudo meticuloso e
abrangente, no desejo de ampliar a área de observação, no raciocínio sobre as
conclusões de ideias diferentes para apurar o que resultaria da escolha de uma ou
outra crença. Nesse último modo de pensar, forma-se uma corrente ordenada de
ideias, surgindo uma intenção e um fim regulador, como também um exame pessoal
com investigação.

Sendo assim, Dewey nos esclarece que ―o pensamento reflexivo faz um ativo,
prolongado e cuidadoso exame de toda crença ou espécie hipotética de
conhecimento, exame efetuado à luz dos argumentos que a apoiam e das
conclusões a que chega‖(DEWEY, 1979, p. 18). Todas as categorias de pensamento
56

citadas acima podem produzir esse tipo, porém, só é viável sustentar uma crença,
em sólido alicerce de evidência e raciocínio, se houver uma dedicação consciente e
voluntária.

Diferente das outras operações que se dá o nome de pensamento, o pensar


reflexivo abrange dois pontos importantes, conforme Dewey. Primeiro, um estado de
dúvida, dificuldade mental, perplexidade, hesitação, que origina o ato de pensar;
segundo, um ato de procura, pesquisa, inquirição, para encontrar material que
resolva a dúvida, apoie e esclareça a perplexidade. Estamos aptos a pensar
reflexivamente quando nos propomos a resistir à suspensão e a vencer a tarefa da
pesquisa, porque, tanto a suspensão do juízo, como a pesquisa intelectual,
desagrada-nos, diz Dewey, e queremos concluí-las o mais rápido possível. É nesse
momento que surge, na pesquisa, o exame e a verificação, diferindo o pensamento
reflexivo daquele pensamento mal orientado. Então, para pensar bem, precisamos
prolongar o estado de dúvida, pois ele é o incentivo para uma investigação perfeita,
onde não se aceite qualquer ideia, nem se afirme crenças sem ter descoberto as
verdadeiras justificativas.

Dewey explica por que razão o ato de pensar consiste em um fim


educacional. Primeiro, porque o ato de pensar transforma uma ação impulsiva, cega
e apetitiva em ação inteligente. O pensamento nos torna capaz de dirigir nossas
atividades com prudência e de planejar, conforme os nossos objetivos, trazendo à
mente as consequências das diferentes linhas de ação. Segundo, porque o ato de
pensar possibilita o preparo e a invenção ordenados, ou seja, combina sinais para
indicar antecipadamente as consequências e as formas de atingi-las ou evitá-las.
Também, porque pensar enriquece as coisas de sentido. O pensamento confere um
valor, um estado muito diferente aos objetos e fenômenos físicos quando é pensado
reflexivamente. Para a criança, as coisas são apenas amostras de cores, luzes, sons
e só vão ter significado quando se tornarem sinais de experiências, mesmo ainda
não presentes e reais, mas possíveis.

Esses valores que foram mencionados acima não acontecem sozinhos. É


necessário que o pensamento receba orientação educacional atenta e cuidadosa,
pois ele pode desenvolver-se por caminhos tortuosos e guiar a falsas e perigosas
crenças. Para combater esses males, Dewey sugere o cultivo de atitudes, tanto
57

morais, quanto intelectuais que são favoráveis para a utilização dos métodos de
investigação e verificação. São elas: (a) o espírito aberto, que significa uma mente
livre de preconceitos, partidarismos e outros hábitos, que possam de alguma forma
desviá-la da atenção de novas ideias e problemas; (b) de todo coração, que
representa estar totalmente interessado, absorvido pelo determinado objeto, ou
causa; (c) responsabilidade, que demonstra examinar as consequências de um
passo programado, estar disposto a aderi-las quando seguem qualquer posição já
decidida. Essa responsabilidade intelectual assegura integridade, ou seja, coerência
e equilíbrio da crença, sem confusão mental. Essas atitudes são, para Dewey, traços
de caráter e não são as únicas importantes para desenvolver hábitos de pensar de
forma reflexiva. Há ainda algumas tendências naturais que podem ser utilizadas
como recurso para desenvolver os bons hábitos de pensamento. Quais sejam: (1) a
curiosidade, que acontece no plano orgânico, social e intelectual; (2) a sugestão,
pois nada na experiência é isolado; (3) a ordem, que é o controle para que a
sequência seja ordenada rumo a uma conclusão.

Por fim, entendemos que o pensamento é uma forma de conduta que surge
somente diante de problemas, e isso implica que o pensamento é principalmente
uma forma indireta de reação. Compreendemos também que, para Dewey, a parte
mais importante do aprendizado é a solução habilidosa de problemas. E que,
embora fatos e habilidades façam parte do aprendizado, este não é somente a
apropriação de mais fatos incorporados à soma das crenças de uma pessoa, como
também não é apenas a obtenção de habilidades. Quando bem sucedida, a solução
de problemas, às vezes, acrescenta novos fatos às crenças de uma pessoa e insere
habilidades novas ao grupo de habilidades de uma pessoa. A solução de problemas
cria crenças e habilidades totalmente novas, não repetindo o que os outros já
fizeram. E, ainda mais importante, é a dedicação da pessoa a essa solução de
problemas, pois é assim que ela torna-se capaz de ampliar sua habilidade de
solucionar problemas. Pois, para Dewey, o pensamento não é um amontoado de
impressões sensoriais, nem a construção de algo intitulado consciência, tampouco a
manifestação de um Espírito Absoluto, mas uma função mediadora e instrumental
que se desenvolveu para atender aos interesses da sobrevivência e do bem-estar da
humanidade. É assim que Dewey vê o aprendizado: um processo que se dá ao
58

longo da vida, porque, em toda a sua vida, o ser humano recebe oportunidade de
solução criativa de problemas.
59

3 A Escola experimental da Universidade de Chicago

No capítulo anterior, na primeira parte da dissertação, investigamos o


percurso intelectual que delineou o instrumentalismo de John Dewey. Nossa
preocupação como pesquisadora foi explorar o caminho trilhado por Dewey para
reconstruir a filosofia e devolvê-la aos homens consolidada como uma teoria geral
da educação. Reforçamos que nosso objetivo é mostrar que a teoria do
conhecimento de Dewey e sua teoria da educação estão imbricadas e se sustentam
uma a outra. Seguindo essa trajetória, apresentamos a epistemologia
instrumentalista de John Dewey, a qual passará, neste capitulo, a tomar forma e se
definir como uma teoria geral da educação, a partir de suas experiências com a
Escola laboratório da Universidade de Chicago. E, por outro lado, a exposição que
se segue mostra como a aplicabilidade das suas ideias pedagógicas, nessa escola,
contribuiu para a construção de sua teoria do conhecimento.

Entendemos que as ideias filosóficas do autor, em especial suas reflexões a


respeito da natureza do conhecimento, foram elaboradas a partir de debates com
outros pensadores, e sua epistemologia se constituiu a partir das críticas aos
sistemas filosóficos tradicionais. Por esse motivo, julgamos necessário adentrarmos
nos antagonismos que circundaram o conhecimento desde o dualismo platônico, o
qual, segundo o autor, foi a origem das divergências entre experiência e
conhecimento verdadeiro. Do mesmo modo, a linha de investigação nos conduziu ao
período moderno, onde concentramos nossa análise no racionalismo cartesiano, em
sua teoria do dualismo mente e corpo, que veio a influenciar todo o pensamento
filosófico nesse período e, em especial, ao pensamento pragmatista, que surge
frente a discordância de muitos aspectos da filosofia cartesiana.

Além disso, analisamos a mente como instrumento passivo, teoria sustentada


pelo empirismo, escola esta que se contrapõe ao racionalismo cartesiano e que, da
mesma forma que a anterior, apresentou uma contribuição significativa aos debates
60

educacionais e filosóficos do autor em questão, principalmente no que se refere à


capacidade da mente e à teoria lockiana de que a mente é uma folha em branco, e o
aprendizado acontece pela experiência, teoria esta que Dewey não concorda.
Conjuntamente, examinamos a escola pragmatista, a qual apresenta um caráter
genético e instrumental da experiência, o pensamento de seus principais
representantes - Peirce e James - suas ideias, as quais foram assimiladas por
Dewey, considerado um dos fundadores da escola, na construção de sua
epistemologia instrumentalista. Julgamos importante a análise das teorias do
conhecimento em questão, por entender que, a posição epistemológica de John
Dewey, contrária a filosofia tradicional, é quem conduz o autor a sistematização de
suas ideias educacionais.

Ainda neste capítulo, na segunda parte, nosso esforço deu-se em analisar as


influências que Dewey sofreu, ainda jovem, as quais aproximaram-no da filosofia
hegeliana, da qual, embora ele tenha se afastado - após conhecer a psicologia de
James - marcou profundamente seu pensamento, por toda a sua vida, como ele
mesmo declarou, certa vez. Essas marcas são reconhecidas quando percebemos
que a experiência, na filosofia deweyana, representa a abertura, a condição, o ponto
de partida para qualquer ato de reflexão possível. Nesse percurso inicial, ainda com
a ideia de unificar natureza e experiência, mesmo com todas as dificuldades, Dewey
iniciou a elaboração de seu instrumentalismo ou naturalismo empírico, inspirado na
teoria da evolução de Darwin e na Psicologia de James. Os vestígios deixados por
Darwin na filosofia de Dewey apresentam-se vigorosamente desenvolvidos em todos
os âmbitos de seu pensamento, no entanto, destacam-se, na sua teoria educacional,
quando apresenta a educação como uma necessidade da vida. Diante das
investigações, é possível afirmar que, quanto as influências de James, a leitura da
obra Princípios da Psicologia (1890) foi responsável por dar um novo rumo ao
pensamento, até então hegeliano, de Dewey. Observamos que, tanto Dewey, quanto
James apresentavam-se como darwinistas e criaram, a partir da psicologia de
laboratório, um dispositivo de compreensão da aprendizagem e da conduta humana.
Constatamos também que, ao reorganizar o pragmatismo de Peirce e James,
harmonizando algumas de suas ideias que apresentavam contradições, o autor
estudado criou a lógica instrumentalista, aplicando, nas questões éticas, sociais e
educacionais, a mesma inteligência que é utilizada na ciência, o que comprova a
61

ideia de que as raízes do pensamento deweyano encontram-se na fé da capacidade


inteligente do ser humano para reagir, com o senso comum, à livre investigação e
livre comunicação. Isto posto, passamos agora a análise da proposta pedagógica de
Dewey, desenvolvida na Universidade de Chicago, que ficou conhecida como Escola
Experimental ou Escola de Laboratório.

A escola elementar apresentou-se, para Dewey, como a oportunidade que ele


precisava para desenvolver na prática suas ideias, tanto filosóficas, quanto
psicológicas, no campo da educação. Segundo Cunha (2011), tratava-se de um
laboratório de ensino, o que garantia liberdade de ação aos alunos e aos
professores, havendo a possibilidade de criação de novos recursos e de novas
ferramentas pedagógicas. As bases que fundamentavam a escola estremeceram a
sustentação do ensino tradicional que se apoiava nos princípios da ordem, da
disciplina e da passividade das crianças(p. 20). Os objetivos deste capítulo são
explorar a estrutura física e administrativa, o contexto e os princípios norteadores da
escola experimental; apresentar o currículo integrado da Escola laboratório, que se
associa, de um lado, à natureza do conhecimento e, de outro, à experiência da
criança; e, por fim, explorar a missão do professor da Escola experimental no
processo de ensino e aprendizagem, e a forma como ele pode auxiliar a criança a
estabelecer o conhecimento e incorporá-lo em suas próprias experiências.

No inicio do século XIX1, o número de escolas progressistas expandia-se em


todo o mundo e, diante disso, reproduziu-se um interesse por parte dos pais e
educadores por uma experiência educacional às crianças que não apresentava
nenhuma possibilidade de ser observada nas escolas tradicionais. Este momento
era oportuno para Dewey colocar em prática seu pensamento pedagógico. A escola
experimental foi um empreendimento cooperativo de pais e professores, realizado
na Universidade de Chicago, no período de 1896 a 1904, quando John Dewey
assumiu a direção dos departamentos unificados de Filosofia, Pedagogia e

1
Segundo, Lourenço Filho (1961), as primeiras escolas novas ou progressistas surgiram em
instituições privadas da Inglaterra, França, Suíça, Polônia, Hungria e outros países, depois de 1880.
Também nesse período, publicaram-se os primeiros trabalhos de observação experimental da
aprendizagem, e foram feitos os primeiros testes de medida das capacidades mentais e de
rendimento do trabalho escolar. Em 1889, os defensores do movimento eram bastante numerosos e
já compunham uma entidade de caráter internacional (p.22).
62

Psicologia. Ela surge da aspiração em desenvolver-se com as crianças uma


experiência educacional mais criativa do que a fornecida pelo sistema vigente.

Segundo Moreira (2002), ao ingressar na Universidade de Chicago em 1894,


Dewey deparou-se com duas correntes, as quais divergiam em relação ao rumo que
deveria seguir a educação escolar. Liderados por personagens importantes no
cenário intelectual da época, esses dois grandes grupos apresentavam, de um lado,
William Harris, defensor dos ideais humanistas e grande incentivador de Dewey para
que ele seguisse na área filosófica, e, de outro, Stanley Hall, precursor da psicologia
experimental e professor de Dewey na Universidade de Johns Hopkins (p.76). Nesse
conflito, o filósofo estadunidense procurou ficar neutro, evitando posicionar-se em
qualquer das duas direções. Interpretando as ideias presentes nessa conjuntura,
entre o naturalismo de Hall e o intelectualismo elitista de Harris, Dewey procura,
então, desenvolver, na Escola laboratório, um novo conceito de educação.

Como um laboratório para os departamentos de Pedagogia e Psicologia, foi


na Escola laboratório que as teorias educacionais de Dewey e suas implicações
psicológicas e sociológicas foram elaboradas, testadas e avaliadas com o apoio de
pais, alunos e colegas da instituição. Dewey fez a escola possível, não só por sua
atitude objetiva e impessoal, mas, principalmente, pela fé na capacidade crescente
tanto da criança, quanto do professor. O respeito à opinião de cada um dos
envolvidos - experientes ou não - contribuiu para o desenvolvimento do caráter
criativo do trabalho realizado na escola. O método experimental foi utilizado em
todas as áreas de estudo.

A principal hipótese era que a própria vida, especialmente as ocupações e


associações que servem às necessidades do homem deveriam fornecer a
experiência para a educação das crianças. As salas de aula da Escola de laboratório
eram lugares de testes, onde os professores - especialistas nos temas específicos -
procurariam enriquecer a vida da criança, através das experiências individuais,
tornando-a um processo de preparação cada vez mais real para o futuro.

O autor parte do princípio de que a liberdade de se expressar em ação é uma


condição necessária para o crescimento, assim como a satisfação e a estabilidade
emocional. A aprendizagem apresenta-se como a capacidade crescente da criança
para atender novas situações, através de hábitos de ação que validam o aspecto
63

social do seu caráter. Sendo assim, a aprendizagem - uma questão principal para o
professor - foi vista pela educação tradicional como uma questão secundária para a
criança, um subproduto de sua atividade. À vista disso, o currículo foi elaborado a
partir da relação com as necessidades imediatas dos interesses das crianças em
crescimento, nos diferentes níveis psicológicos, no período de desenvolvimento da
vida.

3.1 A história da Escola

A chegada de Dewey em Chicago marca definitivamente sua entrada no


terreno educacional. Esta cidade já era reconhecida por suas experiências
inovadoras no campo da educação. Havia a formação de um ambiente favorável
para que a educação infantil se afastasse dos modos tradicionais, em direção a
algumas de suas instituições. Citamos como exemplo: a aplicação de jardins de
infância nas escolas públicas pela Chicago Free Kindergarten Association, a Hull
House, conduzida por Jane Addams2, os métodos inovadores para a educação
primária e a formação de professores na Cook County Normal School, desenvolvida
por Francis Parker. Dewey visitou essas e outras escolas que, através do trabalho,
procuravam fugir do currículo tradicional mais formal e mais teórico, visando a
traduzir concretamente as deficiências e as condições da vida democrática.

Dewey chegou em Chicago com a ideia de estabelecer uma escola


experimental. Tinha claro em sua mente a visão de uma escola onde o centro e a
origem pudessem ser um tipo de atividade efetivamente construtiva, direcionando o
trabalho em duas direções: de um lado, a dimensão social; e de outro o contato com
a natureza, de onde é fornecida a matéria prima da aprendizagem. Ele defendia,
diante das autoridades universitárias, uma escola que - mantendo o trabalho teórico
relacionado com as determinações da prática - pudesse constituir o componente
2
Jane Addams (1860-1935) é parte da primeira geração de mulheres americanas a obter um diploma
diploma universitário, no seu caso, de Rockford College, no Illinois. Hull House era uma das casas de
abrigo e atividades sociais e culturais de Chicago, onde se reunia toda espécie de pessoas. Sua
função principal era o desenvolvimento da educação de adultos, a coleta de dados sociais, assim
como contribuir para a melhoria das condições sociais e industriais locais, sem distinção de crença ou
meio social, sendo fundada e conduzida por Jane Addams. Dewey, a partir de 1889, passou a
integrar o conselho diretor da Hull House e, após 1894, tornou-se parte do corpo docente como
professor convidado e atuou também proferindo palestras nessa instituição.
64

fundamental de um departamento de Pedagogia, que era o elemento fundamental


de todo o sistema. O apoio de Harper, o qual já lutava a favor de uma reforma
educativa em Chicago, foi fundamental. Este, segundo Abbud (2011), era um dos
responsáveis pela introdução da educação infantil como disciplina universitária, que
incluía a reforma na formação em jardim de infância entre as preocupações da
universidade(p. 49).

Quando Dewey volta-se para o estudo da infância e da educação infantil,


havia dois movimentos disputando ideias entre si. De um lado, o movimento Child
Study, iniciado por Stanley Hall3 e, de outro, o movimento kindergarten4 froebeliano,
froebeliano, inspirado nas ideias de Friedrich Froebel5. O convite de Harper a Dewey
Dewey fazia parte de um movimento de transformação e de reformas educacionais
para reavaliar o programa kindergarten em Chicago. Dewey entra no debate com
suas formulações próprias, visto que a criança passa a ser o assunto central da
maioria de seus trabalhos nesse período, uma vez que ele já supervisionava a
unidade subprimária da Escola Laboratório, com argumentos fundamentados, não

3
Stanley Hall (1844-1924), com sua psicologia experimental, elaborou estudos sobre o
desenvolvimento infantil. Aplicando a teoria da evolução de Darwin ao estudo do desenvolvimento
mental das crianças no jardim de infância, Hall observou que os resultados da pesquisa não poderiam
ser atribuídos a uma suposta superioridade intelectual dos lares de onde provinham, mas estavam
relacionados com o trabalho realizado nas instituições. A conclusão geral de Hall conduzia à hipótese
de que o ambiente é uma variável decisiva na educação e, assim, dava suporte, reforçando a
importância dos jardins de infância nas áreas urbanas. Segundo Abbud (2011), diferentemente dos
educadores românticos, que interpretavam a natureza da criança como já explicada, Hall defendia
que era preciso recorrer ao conhecimento da experiência direta sobre o que as crianças acreditavam,
sentiam e sabiam, para que a educação pudesse ser adaptada às necessidade e ao desenvolvimento
de cada um (ABBUD p. 51). Nesse sentido, a teoria de Hall, aplicada na Pedagogia, abarca a
possibilidade de avaliar a civilização a partir da possibilidade de crescimento das crianças, e a escola,
por sua vez, pela maneira como a ela se ajusta ao crescimento natural dos seres humanos.
4
Segundo Galiani (2014), os jardins de infância, fundados entre 1860 a 1870 nos Estados Unidos, de
de cunho privado, eram destinados, inicialmente, a imigrantes alemães e tinham por finalidade
preservar a língua e a cultura alemãs. Aos poucos, foram se expandindo para todo território
americano. Em sua fase de expansão inicial, destaca-se Elizabeth Peabody (1804-1894), educadora
norte-americana que fundou, em 1860, a primeira escola destinada a crianças abaixo de cinco anos,
e se inspirou no modelo pedagógico de Froebel (1782-1852) e na forma de organização das escolas
infantis da Alemanha. A segunda fase de expansão dos jardins da infância foi financiada com
recursos públicos e atraiu o interesse de muitos educadores. Destacam-se, nesta fase, algumas
personalidades importantes no projeto de divulgação e expansão das ideias froebelianas: William
Harris (1935-1909), Susan E. Blow (1843-1916) e Alice Putnam (1841-1919)(p. 160).
5
Friedrich August Froebel (1782-1852), filósofo, educador protestante alemão, desenvolveu suas
teorias arraigadas em pressupostos idealistas, inspiradas no amor à criança e à natureza. Em 1840,
na cidade de Blankenburg, fundou o primeiro jardim de infância, que era constituído por centro de
jogos e organizado segundo seus princípios, destinado a crianças menores de seis anos. A proposta
era um ambiente onde as crianças pudessem estar livres para aprender sobre si mesmos e sobre o
mundo.
65

apenas na teoria, mas também nos resultados empíricos, que já começavam a gerar
discussões.

A inauguração da Escola experimental da Universidade de Chicago


aconteceu no dia 13 de janeiro de 1896. Fundada por John Dewey e William Harper,
este último diretor da Universidade naquela ocasião, foi a primeira escola primária
da Universidade de Chicago, ficando conhecida como Escola Dewey ou Escola
Laboratório/LabSchool. Iniciou-se em uma pequena casa com 15 crianças. No
próximo ano,em um local mais espaçoso, havia 25 crianças. Até o final deste mesmo
ano, totalizava 40 crianças. Em 1898, o número aumentou para 60 crianças e, em
1899, já eram 95. No primeiro ano da escola, as crianças tinham idades entre 6 e 9
anos. A partir do segundo ano, as idades variavam entre os 4 e os 13 anos. A
entrada de crianças pequenas no segundo ano só foi possível com a ajuda de
amigos que construíram um jardim infantil para funcionar nos mesmos princípios da
escola.

As despesas da escola6, no primeiro ano, foram entre 1.300 e 1.400 dólares.


No ano de 1899, aproximou-se de 12.000 dólares, sendo que 5.500 vieram de
propina7, 5.000 foram doados por amigos interessados na escola e os 1.500
faltantes foram angariados no decorrer do ano para que a escola pudesse funcionar.
A média de despesa com cada aluno manteve-se a mesma desde a criação da
escola, sendo de 120 dólares, aproximadamente. Nesse ano, especificamente, a
escola teve uma despesa maior devido à mudança para um novo prédio, que
precisou de reparações e alterações, bem como devido ao aumento do número de
professores. Para o ano de 1900, foi esperado em torno de 120 crianças e uma
despesa de 2.500 dólares, dos quais 2.000 equivalem ao aumento de propina.
Embora o custo da criança à escola seja o dobro da média da mensalidade
requerida pela instituição de ensino, não houve pretensão, por parte dos
organizadores da escola, de que a Universidade aumentasse essa propina para
cobrir as despesas. Ao contrário, a educação elementar, tanto quanto a mais

6
Esses dados fazem parte do registro estenográfico de uma palestra apresentada por John Dewey
no encontro da Associação de Pais da Escola Elementar Universitária, em fevereiro de 1899, e foram
incluídos na obra A Escola e a Sociedade e A Criança e o Currículo (1899), juntamente com as
demais conferências proferidas por ele diante de um público de pais e outros interessados.
7
O termo propina utilizado no texto refere-se aos valores pagos pelos pais e/ou responsáveis pelos
alunos, ou seja a mensalidade escolar.
66

avançada, requer doações. Dewey argumenta que ―há todas as razões para se
dever gastar o dinheiro livremente quer na organização e manutenção do trabalho
de base em educação, quer nos estádios mais avançados do ensino‖(DEWEY,
2002, p. 142).

O modelo de educação aplicado na escola envolvia não somente os alunos e


professores, mas exigia também participação ativa dos pais e da comunidade. Além
de contribuírem com a manutenção da escola através das propinas e doações, estes
também apresentavam sugestões e informações, de forma que a experiência
gradativamente alargava-se, tornando a escola uma ampla empresa comum que
incluía pais, professores e alunos. Segundo Abbud (2011), a associação de pais era
organizada e mantida exclusivamente pelos pais dos alunos e preservava um
programa assíduo de encontro, sendo seus relatórios analisados por especialistas
de fora da escola e suas ideias e opiniões discutidas nos diálogos abertos
organizados por pais e professores para os devidos debates a respeito dos métodos
e resultados da escola. Havia ainda um comitê da associação de pais, que
representava os interesses educacionais, e seu principal objetivo era apresentar as
críticas e as sugestões aos professores e à direção(p. 96). O trabalho educacional
desenvolvido pela associação de pais, devido sua afinidade aos princípios e sua
simpatia pela escola, foi responsável pela aproximação dos pais com a escola, e
isso apoiava a proposta original, que era de levar a vida da criança para a escola e
trazer a vida escolar para os lares, sem interrupções. Esse motivo levou Dewey a
reconhecer que o esforço cooperativo de professores, pais e crianças foi o principal
agente impulsionador do crescimento e do sucesso da escola.

Com o crescimento, a escola, nos anos de 1900 a 1902, alcançou o número


de 140 alunos e, do mesmo modo, houve um aumento na equipe de ensino. Eram
33 integrantes, sendo que 10 eram assistentes e estudantes da Universidade de
Chicago, trabalhavam em torno de 3 horas por dia e recebiam ajuda financeira da
instituição. Em 1901, a escola foi renomeada como Escola de laboratório, devido à
Universidade de Chicago ter mantido a segunda Escola Elementar Universitária e
nela ter incorporado o Instituto de Chicago, que era uma escola privada dirigida por
Parker.
67

Para uma melhor organização, algumas formalidades foram necessárias.


Nesse sentido, Ella Flagg Young8 tornou-se supervisora e Alice, esposa de Dewey,
diretora. Ambas tinham o desafio de introduzir uma maior organização intelectual,
sem que isso afetasse a liberdade individual dos professores. No final do terceiro
ano, já se fazia necessário um currículo mais departamental, por isso ele
apresentava as seguintes subdivisões: jardim de infância, História, Ciências e
Matemática, Ciências domésticas e industriais, treinamento manual, Arte, Música,
idiomas e cultura física. Cada uma delas foi coordenada por um diretor qualificado,
com formação social, técnica e com experiência de vida, para que - utilizando os
dados de seu campo especial - pudesse lidar intelectualmente com os problemas
encontrados nas atividades desenvolvidas em sala de aula.

Em 1902, Dewey assume o lugar de Parker como diretor do ex Instituto de


Chicago, nomeado de Escola de Educação da Universidade. Em 1903, há um
declínio financeiro nas duas escolas primárias universitárias e estas são unificadas,
a contragosto de Dewey. Durante os últimos anos de Dewey em Chicago, os
conflitos entre ele e o presidente da Universidade aumentaram consideravelmente
em questões relacionadas à administração da escola. Segundo Dewey (1939), o
Instituto de Chicago - escola de treinamento para professores que desenvolvia um
trabalho prático com as crianças - havia sido fundado para dar continuidade ao
trabalho de Parker, livre das influências políticas que o impediam na instituição do
condado de Cook. Em 1901, este instituto juntou-se à Universidade. Nesse caso,
não houve conflito, pois Dewey não tinha interesse em escola de formação de
professores. Porém, o autor aqui estudado ausentou-se por um curto espaço de
tempo e o presidente determinou a fusão da Escola Experimental com a escola
ligada ao antigo Instituto, que, já nesse período, fazia parte da escola de educação
da Universidade. Esta aliança não previa a manutenção do tipo de trabalho realizado

8
Conforme Moreira (2002), Dewey recebeu influências importantes de três mulheres no campo
educacional. A primeira delas foi sua esposa, mãe de seus filhos, Alice Chipman, que foi professora e
coordenadora da escola experimental. A segunda foi Ella Flagg Young, aluna de Dewey, colega de
trabalho na Universidade de Chicago. Ella foi a primeira mulher a se tornar superintendente do
sistema escolar de Chicago e presidente da Associação Nacional de Educação. Sem a sua
colaboração, provavelmente muitas das reflexões de Dewey sobre educação não teriam alcançado a
profundidade e a consistência que chegaram. A terceira figura feminina foi Jane Addams,
organizadora e líder da Hull House.(p. 50). Foi de Jane que Dewey adquiriu a convicção de que a
democracia é um meio de vida moral e humano e não tanto instituição política. Para homenageá-la,
em nome da grande amizade que os unia, Dewey deu seu nome a uma de suas filhas, que nasceu
em Chicago.
68

na Escola Laboratório, tampouco o corpo de professores, os quais tanto se


dedicaram, enfrentando obstáculos devido à escassez de fundos. A direção da
escola de Parker, quando soube que Dewey não havia sido consultado sobre a
decisão de fusão das duas escolas, nem que sua escola estava abandonada,
ofereceu-se para fazer alguns ajustes. Os pais e amigos que deram apoio financeiro
à escola, juntamente com a Associação de Pais organizaram-se e protestaram
vigorosamente contra o abandono da escola, criando um fundo para garantir sua
continuidade. Personalidades, educadores de todo o país escreveram à
administração da Universidade, pedindo seu apoio. Francis Parker estava
seriamente doente, e esse foi o principal motivo para a transferência do Instituto
para a Universidade. Com a morte de Parker, a fusão das escolas e a atitude de
indiferença e hostilidade à escola, por parte do presidente, levaram Dewey a
renunciar em 1904. Depois de tomar a decisão, Dewey escreve para James e para
um velho amigo da Universidade de Columbia, informando-os sobre o acontecido (p.
34).

Para Knoll (2014), há vários autores que vem revisando o período em que Dewey
esteve em Chicago e as questões que envolvem a escola como governança e
administração escolar. A partir da diversidade de documentos mantida na
Universidade de Chicago e na Sociedade Histórica do Estado de Wisconsin, é
possível inferir que a renúncia de Dewey foi uma grande tragédia, porque, tanto
Dewey, como Harper eram bons homens e o malogro aconteceu apenas por
circunstâncias institucionais e erros de julgamento. Talvez, se Dewey tivesse ficado,
teria mais tempo para aprofundar seus estudos em educação, ensino e treinamento
de professores, porém, por outro lado, ele não tinha muito talento para questões
administrativas, sendo possível que seu erro tenha sido aceitar a diretoria. A saída
prematura de Dewey permitiu que outros interpretassem, aplicassem e, na maioria
das vezes, distorcessem suas ideias no campo pedagógico. Até hoje, as verdadeiras
razões da saída de Dewey não são conhecidas. Na verdade, há uma tendência, até
os dias atuais, de favorecimento a Dewey e desvantagem de Harper em toda uma
sucessiva geração de educadores e historiadores (p. 204).
69

3.1.2 Finalidade e Filosofia da Escola

A Escola de Laboratório foi um experimento que integrou a Universidade de


Chicago. Como qualquer outro laboratório, seus principais objetivos eram expor,
testar, verificar e criticar princípios e declarações teóricas. Segundo Dewey (2002),
inicialmente, a escola elementar tinha duas particularidades: primeiro, com relação a
instrução das crianças que lhe fora confiada e, segundo, diz respeito à Universidade
de Chicago, pois a escola estava sob a responsabilidade e integrava o trabalho
pedagógico da Universidade (p. 143).

Foi reconhecido que Dewey era o autor das ideias e princípios que foram
estabelecidos na escola. Os professores ficaram responsáveis pela conduta
educacional, pela administração, seleção de conteúdos, implementação de
programas de estudo e instrução das crianças. Tudo aconteceu em um
desenvolvimento gradual, a partir de princípios e métodos educacionais, sem regras
fixas, sem ideias prontas. Havia somente quatro questões essenciais que
amparavam a iniciativa da criação da escola. São elas:

(a) O que fazer e como poderia ser feito para criar uma relação de
proximidade entre o ambiente doméstico, a vida da criança e a escola, para que ela
não seja um lugar onde a criança vá somente para aprender determinadas lições e
que seja possível romper as barreiras que dividem a vida na escola do restante do
cotidiano da criança? Com isso, Dewey não quer dizer que a criança tenha de
estudar na escola apenas o que experienciou em casa, mas que ela deva ter o
mesmo comportamento e o mesmo entendimento, tanto em casa, quanto na escola.
Tinha como objetivo fazer com que o mesmo interesse que a criança tem nos jogos
e nas ocupações da casa e da vida ela apresentasse em ir para a escola e para
desenvolver as atividades escolares. Isso quer dizer que os princípios norteadores
da ação da criança devem ser os mesmos, seja na escola ou em casa. Dewey
entende que ―é uma questão de unidade relativa a experiência da criança, aos seus
motivos e objetivos atuantes, e não uma questão de divertir ou atrair a
criança‖(DEWEY, 2002, p. 144).

(b) O que poderia ser feito no sentido de inserir conteúdos, em História,


Ciência e Arte que fossem proveitosos e tivessem significado verdadeiro para a vida
70

da criança e também representassem, independentemente da idade da criança, algo


que valesse a pena obter, seja uma competência ou mesmo um conhecimento? O
autor americano defendia que o valor do estudo pudesse ser o mesmo, tanto para
criança pequena, quanto para o jovem universitário. Embora muitas mudanças
tenham ocorrido no currículo tradicional, Dewey aponta que, a partir de algumas
investigações, em torno de 80% dos primeiros três anos de vida da criança na
escola são gastos com a aparência e não com a essência da aprendizagem. São
gastos em aprender a lidar com símbolos de aritmética, escrita e leitura. Dewey não
quer dizer com isso que essas deliberações não sejam necessárias e importantes,
porém não representam o mesmo tipo de evolução na experiência moral e
intelectual da criança que as que são caracterizadas pela verdade real em história e
na natureza ou por um acréscimo do conhecimento referente à existência e ao belo.
Destarte, o que ele quer desvendar é o quanto pode ser dado à criança que, de fato,
tenha valor para ser disponibilizado, seja no tocante ao conhecimento do mundo que
a cerca e da sua dinâmica ou do progresso social e histórico, ou ainda da habilidade
de expressar-se numa multiplicidade de formas artísticas. Nessa linha de
investigação, Dewey pretendeu dar sua maior contribuição à educação em geral,
pois, segundo ele, a partir de um entendimento especificamente educacional, esse
foi o problema principal da escola.

(c) Como a instrução formal de habilidades como calcular, ler e escrever


poderia ser realizada com a experiência e a ocupação do dia a dia de uma forma
que as crianças sentissem que tais competências são realmente necessárias? Se a
escola conseguir funcionar desta forma, para Dewey, a criança terá um motivo
estimulante para atingir a habilidade técnica. Ele insiste que isto não representa
dizer que a criança vá aprender a fazer pão e a costurar na escola e a aprender a
contar e escrever em casa. A ideia é que os conteúdos formais sejam apresentados
em doses menores para que não sejam objetos de atenção exclusiva da criança,
assim o jovem será levado pelo que vai fazendo e, aos poucos, sentindo a
necessidade de ir adquirindo aptidões referentes à utilização dos símbolos e da
imediata influência que eles proporcionam. Dewey entende que, em qualquer escola,
quando a criança percebe as razões para o uso dos números e da linguagem, ela dá
um grande passo na direção de garantir essas capacidades, porém, alerta que ela
não conseguirá perceber a causa, se utilizar o símbolo apenas de uma forma geral e
71

remota, pois, ao contrário, precisará desenvolver uma utilização concreta do


símbolo.

(d) como dar o máximo de atenção a cada aluno individualmente? A atenção


individual é assegurada pela organização de pequenos grupos de 8 ou 10 crianças
em cada turma e um número considerável de professores a supervisionar, de forma
sistemática, os êxitos e as dificuldades intelectuais, assim como o desenvolvimento
físico da criança e o seu bem estar. Todos os objetivos e métodos, sejam eles
intelectuais, físicos ou morais, são construídos alicerçados nas necessidades e
capacidades individuais.

Dewey esclarece que trata-se de uma escola de laboratório, embora, por


vezes, fique preocupado que os pais possam pensar que as crianças serão usadas
como cobaias e sejam capazes, o que é compreensivo, de colocar algum tipo de
objeção. Porém, acrescenta ele, ―de fato trata-se de uma escola experimental, pelo
menos assim o espero no que diz respeito aos problemas educacionais e à
educação‖(DEWEY, 2002, p. 146). O empreendimento se propõe a determinar, pela
experiência - e não só pela discussão e teorização - quais dos problemas podiam
ser trabalhados e como é que esse trabalho podia ser desenvolvido.

Westbrook (2010) afirma que a escola teve uma grande importância como
campo de experimentação da psicologia funcional e do pragmatismo deweyano,
porém teve um valor maior ainda como expressão da sua ética e da sua teoria
democrática. A escola, antes de tudo, era um experimento para a democracia, visto
a função social da educação, defendida por Dewey (p. 26). Talvez, por esse motivo,
Dewey tenha tido um grande êxito na criação da comunidade democrática na escola
experimental, onde as crianças participavam da formulação dos projetos, e sua
execução acontecia a partir de uma divisão cooperativa do trabalho e rodízio para
aqueles que assumiam a função de dirigir o grupo. E os professores participavam
ativamente das decisões que influenciavam o caminho da escola pública.
72

3.1.3 Métodos de Ensino e materiais

Para testar e encontrar respostas para os quatro princípios básicos


norteadores da iniciativa da criação da escola, que foram citados acima, Dewey
utilizou-se de alguns meios específicos de uma escola experimental. O currículo foi
contemplado com diferentes tipos de trabalhos manuais e dividido em três grandes
linhas orientadoras: (1) o trabalho com madeira e com ferramentas; (2) a culinária;
(3) o trabalho com materiais têxteis, ou seja, tecer, e coser. O trabalho científico não
é citado aqui, porque já faz parte do desenvolvimento da competência manual e do
treino da mão e do olho, uma vez que, para Dewey ―é impossível para alguém ser
um trabalhador de primeira classe na ciência sem treino de manipulação e de
manuseamento de instrumentos e materiais‖(DEWEY, 2002, p. 146). O trabalho
histórico, particularmente nas crianças pequenas, é introduzido a partir de trabalhos
manuais, no sentido de fazer utensílios e ferramentas. No trabalho artístico, a ênfase
é dada ao desenho, à pintura e à modelagem. E a ginástica se apresenta como
forma de desenvolver o controle moral e intelectual através do corpo. O exercício
físico era praticado uma hora e meia por dia. Grande parte das competências
adquiridas pela criança acontecia através das atividades corporais, até aprender a
trabalhar sistematicamente com o intelecto.

O objetivo principal desse trabalho na escola era direcionar essas atividades,


organizá-las e sistematizá-las de maneira que não fossem tão ocasionais e
itinerantes quanto o eram fora da escola. O maior desafio e também o maior
sucesso da equipe da escola foi fazer com que as formas de atividades práticas
funcionassem integralmente de uma maneira definida e contínua, transportando de
uma competência a outra, de uma dificuldade intelectual a outra. A escolha de
trabalhos como carpintaria, culinária, costura e tecelagem não foi por mero acaso,
mas porque esses trabalhos manuais envolvem competências diferentes e exigem
diferentes tipos de atitudes intelectuais por parte da criança, além de representarem
algumas das atividades principais do cotidiano do mundo fora da escola. Como
exemplo, temos a construção de uma casa, a necessidade de alimentos e roupas, a
mobilidade pessoal, a vida doméstica e a troca de bens.

Os órgãos do sentido - o tato e a visão - a capacidade de coordenar a mão e


a visão recebem uma atenção especial. Há também um apelo contínuo ao raciocínio
73

aplicado para as articulações entre meio e fim, ao treino em rotinas diárias, à


habilidade e limpeza no tratamento das ferramentas e dos utensílios, como também
em fazer as coisas não pelo acaso, mas sim de uma forma sistemática. Logo, para
Dewey, essas ocupações práticas criam um contexto, em especial nos grupos mais
novos para posteriores estudos. O conhecimento de química ela adquire na cozinha,
a agilidade com os números e com as bases da geometria ela adquire na carpintaria.
Na tecelagem e na costura, desenvolvem os conhecimentos geográficos, a partir dos
conhecimentos teóricos, e, pela História, a criança pode perceber as origens e como
se desenvolveram várias invenções e ainda como foram seus efeitos na vida social e
na organização política.

Devido às dificuldades de organização e sistematização do trabalho cientifico


para criação de um currículo integrado, foi sugerido, nos dois primeiros anos de
funcionamento da escola, um tema geral. Dewey escolheu o tema civilização.
Segundo Moreira (2002), a ideia era que as crianças se envolvessem em atividades
básicas das quais elas dependiam e conhecessem as várias maneiras que essas
práticas assumiriam no decorrer do tempo no processo civilizador, para que, dessa
forma, fossem levadas a observar a complexidade da estrutura social que envolve a
produção das casas, dos alimentos, das cavernas pré-históricas, desde a Idade da
Pedra, dos Metais, até nossa atual civilização. O tema organizador atuou em dois
sentidos: de um lado, no que se refere ao desenvolvimento da humanidade, a vida
social, conhecimento e técnica; e , de outro, o desenvolvimento da própria criança,
habilidade, conhecimento, uso de capacidades. Devido a inúmeras atividades
poderem ser relacionadas com a ideia de civilização, o maior problema desse
método foi a necessidade de encontrar o cerne do tema anunciado. Sendo assim,
predominou o espírito de liderança de Dewey, valendo-se da criatividade dos alunos
e professores que estavam empenhados em organizar um currículo para a escola
experimental. Foi a partir dessa proposta que surgiu a ideia das ocupações, que são
consideradas por Dewey como o componente de centralização do currículo(p. 96).

A escola, funcionando como um estágio intermediário entre a casa da criança


e a sociedade, dava início ao processo de ensino e aprendizagem através daquilo
que é familiar à criança. Para Mayhew & Edwards (1956), todas as atividades
desenvolvidas com necessidades essenciais e contínuas da vida, como casa, roupa
e comida, converteram-se no eixo do desenvolvimento do currículo. ―Com esses
74

elementos de unificação, toda a vida, seja em casa, na escola ou na comunidade,


era vista como uma só, e com o mesmo e contínuo processo de mudança‖(p. 24).
Da mesma forma, tanto a criança pequena, como o adulto, foram reconhecidos
como um todo orgânico, sem desconsiderar o processo individual de cada um. Essa
história de vida corporativa da escola a tornou um organismo vivo e continuamente
em crescimento que englobou todos os seus membros, tanto menores, quanto
maiores.

3.1.4 As ocupações

Os conhecimentos científicos e as capacidades técnicas da humanidade se


desenvolveram, segundo Dewey (1979), em suas primeiras fases, dos problemas
fundamentais da vida. Da necessidade prática de manter a saúde e a atividade,
surgem a anatomia e a fisiologia; da necessidade de medir as terras, de fabricar
máquinas que poupem o trabalho, de construir nascem a geometria e a mecânica; a
astronomia é vinculada ao cálculo do tempo e à navegação; das carências da
medicina e da agronomia, surge a botânica e a química é possível que seja
associada a diversos ramos industriais, como metalurgia, tinturaria, por exemplo (p.
213). A indústria moderna, por sua vez, é praticamente uma aplicação da ciência,
pois, a cada ano - com a transferência das descobertas científicas para a invenção
industrial - reduz-se o controle da rotina e do empirismo mais rude. Esses fatos
apresentam uma importância de valor essencial para o campo educacional.

As escolas, também seguindo uma visão mais utilitária do que pedagógica,


aderiram a um número considerável de empreendimentos ativos, agrupados, em
geral, sob o nome de trabalhos manuais que incluíam jardinagem, excursões, e
diversas artes gráficas. O que Dewey (1979) detectou, na educação de seu tempo,
com relação a essas atividades, foi que o problema mais urgente ―talvez seja o de
organizar e por em mútua conexão essas matérias, de modo que se tornem
instrumentos de formação de hábitos intelectuais vivos, persistentes, eficientes‖(p.
214). Já é reconhecido que, nas tendências infantis, essas atividades aproveitam o
que há de mais primário e inato, apelando para seu instinto realizador e, sendo
assim, se constitui uma oportunidade para que se exercite a função social segura e
75

eficiente de si mesma. Porém, Dewey entende que elas também podem ser
utilizadas para exposição de problemas específicos que necessitem ser
solucionados por reflexão e experimentação pessoal e pelo alcance de conteúdos
definidos de aprendizagens capazes de levar futuramente a noções científicas mais
aprimoradas. A simples atividade física ou habilidade manual não garante resultados
intelectuais, alerta Dewey. Os manuais ensinam pela rotina, pela imposição e pela
convenção, tanto quanto acontece com as matérias e seus respectivos livros. O que
Dewey sugere é o planejamento de um trabalho inteligente e ininterrupto em
jardinagem, tecelagem, cozinha, coisas simples de ferro e madeira, em que o
resultado inevitável seja, não só um acervo de aprendizagem de importância prática
e cientifica com as matérias de estudo, mas, principalmente, a familiaridade da
criança com métodos de investigação e prova experimental. Nesse sentido, essas
ocupações construtivas que estão presentes em sala de aula, também conhecidas
como projetos, precisam preencher certas condições para serem consideradas
educativas.

Antes de conhecermos essas condições, faz-se necessário esclarecer o que


Dewey entende por ocupação.

Por ocupação não se entende todo tipo de trabalho atarefado ou exercícios


que podem ser dados à criança de forma a mantê-la afastada da indisciplina
ou da preguiça quando está sentada na sua cadeira. Quando falo de
ocupação refiro-me a um modo de atividade por parte da criança que
reproduz ou ocorre simultaneamente a um certo tipo de trabalho que é tido
na vida social. Na Universidade da Escola Elementar estas ocupações são
representadas pelos ateliers onde se trabalha com madeira e com
ferramentas, pelas cozinhas, costura e trabalho têxtil. O aspecto essencial
na psicologia da ocupação é o de que mantém um equilíbrio entre as fases
práticas e intelectuais da experiência (DEWEY, 2002, p. 115).

Sendo essas ocupações ativas, elas se expressam através dos órgãos dos
sentidos e envolvem também uma observação constante dos materiais,
planejamento e reflexão continuada, de maneira que o lado prático possa ser
realizado com êxito. A ocupação, vista nessa perspectiva, deve ser diferenciada
minuciosamente do trabalho que educa, sobretudo, para um oficio, pois, nesse caso,
o fim encontra-se em si mesmo, ou seja, no desenvolvimento que acontece a partir
da relação sucessiva de ideias e da sua materialização na ação e não na sua
76

função instrumental. Dewey reforça que, quando o trabalho se reduz a simples rotina
ou hábito, perde seu valor educacional. Quando não é fornecida à criança uma
responsabilidade intelectual na separação dos materiais e dos instrumentos que
combinam melhor, nem a oportunidade para que a criança pense no seu projeto de
trabalho e descubra como corrigir seus próprios erros, também, enquanto for
pensado mais em resultados externos do que nos estados morais, mentais e no
desenvolvimento que envolve o processo de atingir um resultado - embora essas
práticas sejam nomeadas de trabalho manual - não é possível dizer que são
ocupações. A ideia de ocupação que o filósofo estadunidense defende objetiva
recorrer para o máximo de consciência em tudo que é feito. Para isso, a criança
necessita ser mentalmente rápida e atenta a todos os aspectos, associando a
experiência, a organização e a reinvenção pessoal do trabalho têxtil ao
desenvolvimento histórico, pois, este é quem aprofunda o trabalho desenvolvido,
satisfazendo-o com os valores apresentados ao recapitular a vida social.

Dewey entende que as ocupações são de grande interesse para a criança.


―Fora da escola, uma parte significativa das atividades criativas das crianças são
simplesmente tentativas ao acaso e em miniatura de reprodução das ocupações
sociais‖(DEWEY, 2002, p. 118). Ele acredita que o tipo de interesse que nasce com
essas ocupações é totalmente saudável, estável e de natureza educativa, por isso,
ao utilizar as ocupações no currículo, está assegurando, segundo ele, a melhor
forma de apelar para o interesse espontâneo das crianças, como também é a
garantia de que o professor não está a enfrentar um prazer transitório e imediato. É
por esse motivo que uma das condições necessárias para que as ocupações
tornem-se educativas é o interesse. Como será apresentado mais adiante, todos os
interesses se desenvolvem a partir dos hábitos ou dos instintos, e esses partem de
um instinto original. Sendo toda ocupação entendida como a aproximação das
relações essenciais do homem com o mundo em que vive, com o objetivo de manter
a sobrevivência da espécie, não é admissível supor que interesses que possuem
essa história implícita possam ser desvalorizados.

Além do interesse, uma segunda condição é o valor inerente da atividade. É


preciso saber que tipo de ação ou objeto o inclui, se é transitório ou abrange o
pensamento. A atividade pode ser útil na perspectiva do adulto, mas, se as
consequências forem o prazer imediato em atividades triviais, estas não serão
77

educativas. Uma terceira condição necessária é que a atividade necessita


apresentar problemas que despertem novas curiosidades, exijam busca de mais
informações, que induzam a mente a fazer indagações pela observação, leitura,
consulta a outras pessoas que entendem do assunto. Uma ocupação tem
continuidade, não sendo uma sucessão de atos desligados, pois é uma atividade
ordenada sucessivamente, onde cada movimento enriquece e simultaneamente
impulsiona para frente o que o antecedeu. É de responsabilidade do adulto olhar a
direção que segue a experiência da atividade, ver se uma etapa da realização irá
sugerir alguma coisa a ser examinada e feita.

Na escola experimental, os alunos foram divididos em 11 grupos por idades, e


os projetos eram diversos e centrados em distintas profissões históricas ou, ainda,
contemporâneas. As atividades das crianças menores, entre 4 e 5 anos de idade,
concentravam-se na cozinha, costura, carpintaria, tudo que tivesse relação com
suas vivências em suas casas e, no entorno delas, foi denominado de ocupações
domésticas, faziam caminhadas, ficavam atentos às casas das aves, insetos,
animais, falavam sobre onde os pássaros estavam indo nessa época do ano,
pintavam com tinta e lápis de cor as folhas caídas das arvores, pois estavam no
outono. Assim, suas expressões foram dando pistas de talentos individuais e a
repetição das experiências domésticas fez com que, aos poucos, as crianças fossem
construindo diálogos sobre seus lares e suas famílias. Além disso, a imaginação das
crianças construiu o palco das visitas diárias do leiteiro, verdureiro e carteiro. Nessa
idade, toda ideia vira drama, diz Dewey. O grupo das crianças de 6 anos de idade
tinha uma média de 17 crianças, o cômodo onde eles estavam instalados era um
dos melhores da casa, havia um viveiro, um aquário com muitos seres vivos, plantas
e animais coletados pelas próprias crianças. A socialização acontecia na troca de
ideias e planos e na dramatização de cada ocupação que estavam realizando. Tinha
quadro negro, mesa de areia, espaço livre para jogos. Segundo Westbrook (2010),
eles construíram uma fazenda de madeira, plantavam trigo e algodão, e o que
colhiam transformavam e vendiam no mercado. As cavernas construídas pelas
crianças de 7 anos serviam para o estudo da vida pré-histórica. O trabalho dos
navegantes fenícios, de Marco Polo, Colombo, Fernão de Magalhães e Robinson
Crusoé prendiam a atenção das crianças de 8 anos. Aqueles que tinham 9 anos
centravam a atenção na história e geografia local, e a história colonial era
78

pesquisada pelas crianças de 10 anos, desenvolvendo a construção de uma réplica


de moradia de seus antecessores. Os alunos de mais idade direcionavam sua
atenção mais para os experimentos científicos de anatomia, eletromagnetismo,
economia, política e fotografia. Embora a história e a geografia ainda fossem
fundamentais para eles, concentravam-se bem menos nos períodos históricos. Os
pré-adolescentes, com idade de 13 anos, precisavam de um lugar para fazer suas
reuniões, pois haviam criado um clube de debates, e essa necessidade os levou a
construir um edifício de dimensões significativas(p. 23).

Especificamos abaixo um exemplo de atividade relatado por duas


professoras1 que ensinaram na escola experimental. As crianças de 6 anos que
construíram a fazenda que citamos acima basearam-se nas experiências adquiridas
em atividades domésticas, na escola de jardim de infância, quando centraram seus
afazeres nas ocupações úteis do lar.

Muito do trabalho numérico estava relacionado à construção do trabalho de


manutenção feito em sua fazenda ou em conexão com ela. A fazenda de
mesa de areia precisou ser dividida em vários campos para semear trigo,
milho, aveia. Precisaram pensar também onde instalariam o celeiro e a
casa. Para isso, as crianças utilizaram uma régua de um pé como unidade
de medida e começaram a entender o que significava um quarto, uma
metade. Embora as divisões não fossem tão precisas, chegava perto o
suficiente para permitir a delimitação da fazenda. Conforme iam
descobrindo o meio pé, o quarto de pé, a polegada, o trabalho deles ia
tornando-se mais eficaz. (..) A construção da casa precisou de quatro
postes para os cantos e seis ou sete ripas da mesma altura. As vezes as
crianças se esquecia de manter a borda esquerda da régua no lado
esquerdo da ripa, de modo que as medições precisavam ser repetidas duas
ou três vezes até ficarem corretas. O que eles fizeram de um lado da casa,
precisaram repetir no outro lado e, naturalmente na segunda vez, o trabalho
adquiriu mais rapidez e precisão (MAYHEW&EDWARDS, 1956, p.83,
tradução nossa).

As atividades ocupacionais tinham duas direções. De um lado, o estudo


científico dos materiais e processos que exigiam sua realização. De outro, sua
função na cultura e na sociedade. O interesse temático pelas ocupações propiciou a

1
A obra The Dewey School – The Laboratory School of the University of Chicago (1936), escrita por
Katherine Camp Mayhew e Anna Camp Edwards, professoras da instituição, com o apoio de Dewey,
foi o primeiro livro escrito sobre a escola experimental. Nele, elas descrevem o experimento
educativo com riqueza de detalhes, apresentando as provas do sucesso conseguido por Dewey e
seus colegas, ao colocarem em prática suas teorias.
79

formação manual e a investigação histórica, como também o trabalho nas disciplinas


de matemática, geologia, física, biologia, química, artes música e idioma. Para
Westbrook (2010), Dewey deixou claro que a criança vai à escola para fazer coisas,
como cozinhar, costurar, trabalhar a madeira e fabricar ferramentas, mediante ações
simples de construção e, desse contexto, surge, como consequência dos seus atos
as articulações para os estudos de leitura, escrita, e cálculo. A leitura, por exemplo,
era ensinada para a criança somente depois que ela reconhecia a sua utilidade para
resolver problemas de suas atividades práticas. Nesse sentido, livros e leituras são
considerados, para Dewey, especificamente como ferramentas(p. 24).

Podemos entender até aqui que, através das ocupações: (1) a essência da
escola é renovada, tendo a possibilidade de associar-se com a vida através da
experiência direta e, assim, convertendo-se em uma comunidade, em miniatura,
‗uma sociedade embrionária‘; (2) que a terra é a sede permanente das ocupações
do homem e que, sem essa relação, o mundo seria algo menor. É a fonte de
alimento, abrigo e proteção, cultivo de fonte de luz, calor e eletricidade, grandes
paisagens que alternam rios, oceanos, planícies e montanhas. Por esse motivo, a
unidade de todas as ciências encontra-se na geografia e sua importância está no
fato de apresentar a terra como sede permanente das ocupações; (3) que na escola
as ocupações devem funcionar não como atividades práticas e ocupações rotineiras,
mas como centros ativos de descoberta científica sobre os materiais e os processos
naturais, que são os pontos de partida para a compreensão do desenvolvimento
histórico do homem.

3.2 O curriculum e a vida da criança

O desenvolvimento do currículo na escola laboratório, segundo Mayhew &


Edwards(1956), pode ser reconhecido em dois períodos. Entre 1896 e 1898, as
práticas foram, em maior número, experimentais e guiadas pelas premissas teóricas
das hipóteses, de uma visão quanto à natureza da criança, do conhecimento prático,
de determinados domínios de interesse e experiência da criança no uso do método
cientifico. Já no segundo período, compreendido entre 1899 e 1903, houve uma
revisão nos métodos que foram bem sucedidos, e estes foram mantidos(p. 39).
80

A preocupação da escola era em desenvolver um programa, uma experiência


de vida cooperativa e mutuamente útil, para despertar na criança a consciência de
interdependência e ampará-la na prática, realizando os ajustes necessários no
aprimoramento da ação. Sendo a criança a primeira preocupação da escola, as
bases do currículo, seus princípios gerais e suas premissas teóricas foram
fundamentadas, de acordo com esses propósitos e a orientação dessas práticas.
Para Dewey, o motor da atividade educativa está nas atitudes e atividades
estimulantes e impulsivas da criança. Nesse sentido, todas as atividades
espontâneas da criança são eficazes para uso educacional.

Segundo Dalbosco (2010), a relação pedagógica autoritária e vertical é


incompatível com os ideais da escola deweyana. A crítica de Dewey ao conceito
estático da mente - o qual nos detemos no capitulo anterior - o direcionou não
somente a sustentar sua posição epistemológica contrária a ideia de conhecimento
como aplicação de entidades puramente mentais para as coisas a serem
conhecidas, mas também o conduziu à análise das teorias educacionais tradicionais,
principalmente as questões do ensino como transmissão e da aprendizagem como
memorização de conteúdos. Dewey não aceita que o aluno aprende passivamente,
o processo de aprendizagem precisa estar baseado no fazer, por isso ele dá tanta
importância aos jogos e às brincadeiras na educação infantil (p. 56).

O plano de estudos precisava ser participativo e realista, partir da experiência


vivida pelos alunos, incluir nas lições muito mais do que fatos e datas. Era preciso
procurar a compreensão do que é ensinado, como também buscar entender os
objetivos e as consequências do que é aprendido. Necessário, para o autor, um
currículo que conduza ao crescimento integral do ser humano, que desenvolva
habilidades que ultrapasse as barreiras de uma área especifica e converta-se em
algo que a criança pode aplicar em qualquer circunstancia e área do saber. A vista
disso, há determinadas habilidades e capacidades básicas que foram desenvolvidas
na escola. São elas: a investigação cientifica, a linguagem, a arte e a estética, os
jogos e as brincadeiras, o saber humanístico e a educação ética e religiosa.

O método científico experimental é a expressão do pensamento reflexivo -


conceito este que abordamos com mais detalhes no primeiro capitulo - que tem seu
primeiro passo na observação e converte-se em guia para a ação. A reflexão faz a
81

criança reorganizar e reconstruir a experiência, dar-lhe sentido através da linguagem


e dos signos, faz com que ela compreenda as condições em que o problema surgiu,
pois - como já foi dito anteriormente - não é possível separar experiência e
pensamento. As habilidades na arte e na estética auxiliam a criança a reconhecer
as qualidades dos sentimentos, a controlá-los e a expressá-los. O significado que a
criança dá para a experiência, através da arte, o que lhe acontece o que ela sente, o
que ela percebe é a perfeita integração do organismo com o ambiente, pois,
segundo Barrena (2010), quando a criança se dedica a uma atividade artística
selecionam-se as experiências e organizam-se de forma a prolongar, melhorar e
purificar a experiência perceptiva (p. 154).

Levar em conta o corpo, por um lado e, de outro, ensinar a criança a utilizar


adequadamente o tempo livre são dois aspectos que se relacionam e são essenciais
à formação. Essa é a função da habilidade dos jogos e das brincadeiras. O
dualismo cartesiano entre mente e corpo, cujo assunto tratamos no primeiro
capítulo, é fortemente combatido nas ideias da escola deweyana. O ser humano é
uma unidade, portanto o corpo precisa ser atendido na educação buscando saúde e
vigor, respeitando a mobilidade física dos alunos. A energia que a criança dispensa
na forma de jogo ou de brincadeiras não é um entretenimento, na maioria das vezes,
e sim a exposição das forças inerentes que deve exercitar e desenvolver. Quanto ao
conhecimento humanístico, não aparece como uma habilidade oposta ou
incompatível com a ciência, mas como um conhecimento sobre o homem a ser
realizado precisamente com espírito científico. A criança que desenvolve essa
habilidade aprende a imaginar a situação de outros seres humanos, aproxima-se
dos outros como almas e não como instrumentos utilitários ou como obstáculos para
seus próprios planos.

Dewey vê a educação como um processo para descobrir quais valores são


dignos de serem perseguidos como objetivo. Conforme Barrena (2015), a habilidade
desenvolvida na educação ética e religiosa parte da ideia de que os alunos devem
ser ensinados a olhar primeiro para o que realmente preferem e, depois, compará-lo
com o que prefeririam em circunstâncias ideais. É preciso ensiná-los a procurar o
idealmente preferível, a refletir sobre os valores, sobre as experiências que
valorizam muito, sobre suas emoções, sobre o que amam, o que odeiam, o que
respeitam etc. A ação correta é aquela que o conduz ao maior bem. O caráter é algo
82

que se forma a partir de uma série de hábitos que conduz a criança ao


crescimento(p. 187). Isto posto, no que se refere às habilidades desenvolvidas na
escola, é possível afirmar que o principal objetivo do psicológico ou individual é
conseguir um desenvolvimento progressivo dessas capacidades, com a devida
consideração às diferenças individuais e incluir uma base física de saúde e vigor, o
gosto estético refinado, a competência para usar de forma satisfatória seu tempo
livre, a capacidade de pensamento crítico e independente, como também o domínio
de instrumentos e processos que permitem o acesso aos produtos acumulados
pelas culturas passadas.

3.2.1 Os impulsos

A formulação do currículo originou-se da seguinte hipótese: como utilizar as


tendências individuais da criança, seus impulsos originais para comunicar-se com tal
domínio gradativo e habilidade para, assim, ajudá-la a cooperar com crescente
eficácia para a vida de seu grupo? Para isso, Dewey estabeleceu uma classificação
básica dos impulsos que a escola motiva, e os agrupou em quatro categorias: o
impulso social, o construtivo, o investigativo e o expressivo.

O instinto social das crianças se manifesta na comunicação, na interação


pessoal e nas conversas. A criança de 4 ou 5 anos, diz Dewey, é egocêntrica.
Sempre que um novo assunto é abordado, ela diz que já viu ou ouviu sobre ele. O
horizonte dela não é amplo, ―uma experiência tem de afetá-la de forma imediata,
caso contrário ela não se mostra suficientemente interessada em compará-la ou
relacioná-la com as experiências doutras pessoas‖(DEWEY, 2002, p. 46). E, sendo
assim, o interesse limitado da criança pequena é passível de se expandir
indefinidamente. Por esse motivo, Dewey destaca o instinto da linguagem como
sendo a maneira mais simples de expressão social da criança, por conseguinte, o
mais importante recurso educativo.

O instinto de fazer representa o impulso construtivo. Esse impulso que a


criança tem para fazer coisas exprime-se pelas brincadeiras, pelos movimentos,
pelos gestos e o faz de conta, que se traduzem depois nas modelagens de
materiais, dando forma concreta e solidificação definitiva. Todas as artes
83

expressivas, como pintura, desenho, etc. podem ser incluídas sob o impulso
construtivo. Segundo Dewey, essa expressão, que é originada nos impulsos sociais
e construtivos da criança, são - na realidade - refinamentos dos mesmos. Essas
expressões são agrupadas em partes separadas de atividades artísticas para fins de
convivência. Elas resultam em contribuições úteis entre o trabalho e o lazer. A
sensação de ter ajudado se transforma e aumenta a estimativa da criança em seu
próprio poder. Assim, gradativamente, o modo de agir inovador torna-se habitual e
resulta em um desenvolvimento da experiência, que - continuamente refinada e
enriquecida - aumenta a cada dia para a criança e para o grupo. O instinto de
investigação da criança surge da combinação entre o impulso construtivo e o da
conversação. Não há diferença entre um trabalho feito na carpintaria e a ciência
experimental. As pesquisas que as crianças são capazes de desenvolver, seja no
campo da física ou da química, não apresentam como objetivo elaborar conceitos
técnicos ou conquista de verdades abstratas, mas o que elas querem e gostam é de
mexer nas coisas e ver o que acontece.

O instinto artístico apresenta-se, na concepção de Dewey, como uma quarta


categoria, que desenvolve o impulso expressivo da criança. Ele origina-se dos
instintos construtivos e comunicativos. O instinto social relaciona-se com o impulso
artístico, porém, na maioria dos casos, em crianças pequenas, pelo desejo de
representar, de relatar. Dewey relata um exemplo relacionado com o trabalho têxtil
de coser e tecer. Para estimular o impulso construtivo, as crianças montaram um
tear primitivo na oficina. Em seguida, surgiu a vontade de criar algo com o tear. O
professor mostrou alguns cobertores fabricados pelos índios, e as crianças
começaram a desenhar estilos de cobertores indígenas, dentre eles foram
escolhidos os que mais se identificavam com o trabalho proposto. Com poucos
recursos, as próprias crianças definiram as cores e as formas para finalizarem os
cobertores. As crianças puderam perceber, a partir da análise do trabalho, que os
fabricantes de cobertores precisavam ser meticulosos, pacientes e perseverantes.
Nesse momento, para Dewey, revela-se o espírito artístico da criança. Para além de
mostrar disciplina, domínio de conhecimentos históricos e dos princípios de noção
técnica, eles mostraram a sua capacidade de transmitir corretamente uma ideia.
Acontece assim a ligação entre o instinto artístico e o instinto construtivo.
84

Os interesses na conversação, na comunicação, na descoberta das coisas ou


investigação, na construção ou no ato de fazer coisas - juntamente com o interesse
na expressão artística - tratam-se de talentos naturais, do recurso não investido, a
cuja realização está sujeito o crescimento ativo da criança. Dewey considera que

[...] todos os interesses se desenvolvem a partir de instintos ou hábitos, os


quais, por sua vez, se baseiam num instinto original. Não se deve concluir
que todos os instintos tenham o mesmo valor ou que não herdemos muitos
instintos que necessitam mais de transformação do que de satisfação de
forma a terem alguma utilidade na vida. Mas os instintos que encontram
uma saída e expressão consciente na ocupação estão destinados ser de
um tipo particularmente fundamental e permanente. As atividades da vida
estão por necessidade orientadas no sentido de colocar os materiais e
forças da natureza sob o controle de nossos objetivos; a torná-los tributários
para com os fins da vida (DEWEY, 2002, p. 118).

Os hábitos ou instintos, segundo o autor estadunidense, são a chave para o


crescimento. No entanto, é impossível seguir por vários caminhos ao mesmo tempo,
ou obedecer aos inúmeros impulsos. Por esse motivo,há uma questão que passa a
dominar o processo e guiar a ação, permitindo, assim, que os outros impulsos atuem
como secundários: o hábito de refletir.

De acordo com o que foi referido no capítulo anterior, para Dewey, o hábito é
produto da vida em sociedade e se expande na vida social através da experiência
por meio de ações. Ele afirma também que, em uma situação instável, o sistema de
hábitos ativa a inteligência, que, pela ação, reestabelece a harmonia. Dessa forma,
utilizando o exemplo citado por Dewey, sobre a atividade de fabricação dos
cobertores, podemos inferir que, enquanto o instinto faz apelo ao lado social, o
interesse da criança nas pessoas e nas suas ações pode ser expandido ao mundo
mais amplo da realidade.

De acordo com Moreira (2002), o hábito de refletir, que se desenvolve a partir


da vida da criança, apresenta alguns fatores que podem variar de pessoa para
pessoa, mas existem algumas linhas gerais que podem ser aproveitadas. São elas:
a curiosidade, a sugestão e a ordem(p. 145). A curiosidade é o motor principal da
interação do organismo com o meio, ou seja, da criança com o ambiente em que
vive. Esse processo de interação é o que constitui a estrutura da experiência. Não
há uma faculdade chamada de curiosidade. Cada órgão sensitivo ou motor da
85

criança busca oportunidade de ação e para agir, reclama um objeto. A curiosidade é


a soma de todas essas disposições com direcionamento externo. É ela o princípio
fundamental da ampliação da experiência, sendo assim, o motor curiosidade é o
componente primordial das causas que se desenvolverão em ato de pensar
reflexivo.

O segundo fator que se apresenta no hábito de refletir é a sugestão. Dewey


reconhece que nada na experiência é isolado, e tudo ocorre em união com outros
objetos, acontecimentos ou qualidades. A experiência presente contém sempre
elementos complexos, não uma sensação única. A esse respeito, Dewey cita o
exemplo do pássaro. Uma criança pode estar absorvida na contemplação de um
pássaro, para sua consciência. Nesse momento, não há nada além do pássaro.
Porém, em algum lugar o pássaro está na árvore, no chão, pode estar cantando,
voando, comendo. A experiência do pássaro não é uma sensação única, pois há
muitas qualidades incluídas e que a ela se relacionam. Isso quer dizer que toda vez
que a criança vir um pássaro pensará em algo que não esteja no momento presente,
semelhante a da experiência anterior.

Transformar sugestões em reflexão exige um terceiro princípio, o da ordem.


É através da ordem de ação que as pessoas conseguem alguma ordem de
pensamento. Os adultos, normalmente, têm suas carreiras, suas profissões, e isso
firma o alicerce estabilizador em torno do qual organizam-se conhecimentos,
crenças e hábitos para o alcance e verificação de conclusões. A criança precisa,
desde cedo, ser educada com bons hábitos intelectuais, pois ela não tem uma
organização de suas atividades como o adulto. O pensamento reflexivo só acontece
quando o fluxo de pensamentos se torna uma sucessão ordenada que já apresente
as ideias anteriores e se direciona por uma questão ou problema. Moreira (2002)
acrescenta que a demanda dessas três forças para o desenvolvimento do
pensamento reflexivo é o que conduz Dewey a pensar em atividades que despertem
a curiosidade das crianças, o direciona a estabelecer condições para aproveitar o
fluxo de sugestões vindas da experiência e a trabalhar com questões que favoreçam
uma certa ordem na sucessão das ideias ou sugestões (p. 147).
86

3.2.2 Estágios do crescimento

Na organização do ensino fundamental, foram identificados por Dewey três


períodos. Estes, todavia, são graduais, e as crianças não ficam cientes das
mudanças. Esses estágios subdividem-se em grupos. O grupo I e II comporta as
crianças de 4 e 5 anos e o grupo III, as de 6 anos. Este, segundo Dewey é o
primeiro estágio de crescimento. Ao estágio de transição pertencem os grupos IV e
V, em que estão as crianças de 7 e 8 anos. No segundo estágio de crescimento,
estão as crianças de nove anos, no grupo VI. E as de 10 anos, no grupo VII. Aqui,
aparece um segundo estágio de transição, que atende o grupo VIII para as crianças
de 11 anos e o grupo IX para as crianças de 12 anos. O grupo X, para alunos de
treze anos e o grupo XI para alunos de 14 e 15 anos, pertencentes ao terceiro
estágio de crescimento.

O primeiro período1, que se inicia aos 4 anos e se estende até 8 anos e meio,
meio, aproximadamente, é caracterizado, segundo Dewey, pela ―diretividade dos
interesses sociais e pessoais e pela diretividade e prontidão das relações entre
impressões, ideias e ações. A necessidade de uma expressão motora é imediata e
imperiosa‖(DEWEY, 2002, p. 91). Nessa etapa, há uma conexão íntima entre a vida
escolar e a casa da criança e seu entorno. Não há formulação intelectual, reflexão
consciente ou comando de métodos técnicos. A criança está mais ocupada com as
condutas sociais e ações como fazer e contar. Com o crescimento contínuo das
responsabilidades da criança e da complexidade do trabalho, poderão surgir
problemas, sendo necessário domínios de métodos especiais. Os conteúdos
escolares, para esses anos, são definidos em função das fases de vida e das formas
como estas se conectam com o meio social da criança e, dentro do possível,
direcioná-la a ser capaz de expressar o aspecto social através de brincadeiras,
jogos, ocupações, histórias, imaginação e conversação. Dewey esclarece que

1
No projeto original da Escola Experimental de Chicago não estava contido um jardim de infância,
visto que Harper não acreditava que seria possível relacionar as raízes froebelianas com os objetivos
científicos de um laboratório, ou seja, ele não via possibilidades de o currículo do jardim de infância
levar as crianças à experimentação. Somente dois anos depois, com a insistência de Dewey e a
ênfase no estudo da psicologia da criança, é que esse grupo é incluído na escola.
87

[...] o material encontra-se muito próximo das vivências da criança, ou seja,


da vida familiar e dos locais nas redondezas de sua casa; a seguir o
material começa a prender-se a aspectos ligeiramente mais remotos,
nomeadamente a ocupações sociais (principalmente aquelas que se
relacionam com a interdependência da cidade e do campo) e mais tarde
estende-se à evolução histórica das ocupações típicas e das formas sociais
que se relacionam com elas. O material não é apresentado como uma lição,
nem como algo que tem de ser aprendido, mas como uma coisa que deve
fazer parte da experiência da criança, através da sua própria atividade,
tecendo, cozinhando, indo as compras, moldando, fazendo peças de teatro,
conversando, discutindo, contando história, etc (DEWEY, 2002, p. 92).

Essas ações são concretas e se constituem em maneiras de atividade motora


e expressiva. E, quando são destacadas, elas dominam o programa escolar para
que possa ser mantida a relação estreita entre o saber e o fazer, que é uma
característica desse período da vida da criança. Dessa forma, a escola não pode ser
para a criança, um local à parte, mas sim um local que relembre as fases peculiares
da sua experiência fora da escola, para que estas sejam enriquecidas, ampliadas e
reformuladas.

De acordo com Abbud (2011), o programa do grupo I, II e III era flexível e


variava de acordo com as estações do ano e os eventos especiais. A ordem das
atividades também não era rigorosa, porém procurava sempre alternar atividades
individuais e atividades em grupos. A única regra fixa era intercalar um período de
relaxamento entre o período dos interesses mais focados, para que a criança não
ficasse ocupada muito tempo com o mesmo trabalho. As aulas desses grupos eram
na parte da manhã, das nove horas até as onze e quarenta e cinco minutos, e a
programação iniciava com trinta minutos de trabalhos manuais 2, depois trinta
minutos de canções e estórias. Logo em seguida, enquanto a sala era arejada e
preparada para o lanche, as crianças faziam trinta minutos de caminhada e jogos3.
Após o lanche, havia representação dramática e ritmos. Abbud acrescenta ainda que

2
Inclui-se em trabalhos manuais: trabalhos construtivos, brincadeira com blocos, desenho, pintura,
modelagem em argila, trabalho na areia, excursões e passeios.
3
Do ponto de vista semântico, o termo do inglês play, to play merece especial atenção. Huizinga
(2000) esclarece que, etimologicamente, a palavra deriva do anglo-saxão plega, plegan, significando
originariamente ‗jogo‘ ou ‗jogar‘, mas indica também um movimento rápido, um gesto, um aperto de
mãos, bater palmas, tocar instrumentos musicais e todos os tipos de exercício físico. Nas principais
línguas europeias - spielen, to play, jouer, jugar - significam tanto jogar, como brincar. Na língua
portuguesa somos forçados, a todo momento, a escolher entre brincar ou jogar, um ou outro desses
dois vocábulos. Esse ato sacrifica a exatidão da tradução dada à unidade terminológica, que só
naqueles idiomas seria possível(p. 31). Na pesquisa os termos ‗jogar‘ e ‗ brincar‘ são incluídos na
mesma categoria.
88

o jardim de infância deveria introduzir a criança na sociedade, afirmando, ―as lições


começavam com os aspectos da vida social que ela vivia e compreendia, passando
do lar e das relações com os parentes para as relações similares em outras famílias,
e dai para os lares de outras crianças‖(ABBUD, 2011, p. 91).

O objetivo do segundo período, que pode estender-se dos 8 anos e meio até
os 12 anos, é reconhecer e responder às mudanças que se verificam na criança.
Essas mudanças deslocam-se - desde o reconhecimento da criança na possibilidade
de resultados definitivos, percorrendo pela necessidade de vigiar sua conduta - até o
alcance das competências fundamentais para atingir esses resultados. Aqui,
acontece o reconhecimento de regras de ação que, do ponto de vista educacional,
aplicam-se diretamente ao conteúdo escolar, visto que este precisa diferenciar a
tênue unidade da experiência em fases típicas características, selecionando-as, de
modo que a criança conheça a importância do controle sobre suas tarefas e seus
métodos de pensamento e ação para concretizar seus objetivos maiores.

Aqui neste período, há um destaque maior para garantir a capacidade de


escrever, ler, numerar, manusear, para além de si mesmo, na relação aos
comportamentos mais práticos da experiência. É dada, nessa fase, uma atenção
mais consciente às maneiras corretas de fazer as coisas, nos meios de atingir os
resultados, diferente do simples ato de fazer em si. Este período acentua os
procedimentos do trabalho e da ciência, sendo especial para assegurar o
conhecimento das regras e das técnicas do trabalho. A vertente social desse período
acontece a partir da apresentação da história americana, principalmente o período
de colonização, como ilustração de um exemplo de coragem, paciência, genialidade
e reflexão contínua, em face aos obstáculos, pois trata-se de um material vívido e
humano, onde a criança contempla suas capacidades construtivas e representativas,
desenvolvendo e expandindo assim a sua consciência. O objetivo principal é obter
conhecimentos sobre os processos sociais utilizados para promover resultados
sociais. Por esse motivo, não há interesse em englobar toda a história americana em
uma ordem cronológica. O que é feito, nesse caso, é apresentar uma variedade de
condições geográficas e climáticas, mostrando os vários problemas encontrados e
também algumas tradições históricas, costumes de diferentes pessoas. A
apresentação da grande quantidade de detalhes ajuda a criança a dar vida aos
materiais e não somente tratá-los como informação meramente histórica. Dewey
89

(2002) entende que é assim que os processos e resultados sociais tornam-se


realidades. E, além disso, o reconhecimento pessoal e intenso da criança para com
a vida social estudada, característica do período anterior, une-se agora a uma
identificação intelectual: a criança se posiciona na interpretação dos problemas que
precisam ser resolvidos e redescobre, tanto quanto possível, maneiras de solucioná-
los(p. 93).

A relação meio e fim é enfatizada em todas as linhas de trabalho. A ciência,


para que haja uma exposição mais bem definida, é apresentada por Dewey a partir
de duas vertentes: a geográfica e a experimental. Se o trabalho histórico, como foi
apresentado antes, depende da observação do mundo natural como fonte de
recursos e geração de problemas, é necessário que haja uma atenção especial a
trajetos naturais de viagens, rios, montanhas, flora e fauna. As viagens de campo
são associadas a este conhecimento, para que os dados utilizados pela capacidade
construtiva da criança possam ser preenchidos pela sua observação ao reproduzir
ambientes longínquos. Nessa perspectiva, a atividade da criança é diretamente
produtiva, e suas experiências são formas ativas de ação, quase como suas
brincadeiras e jogos.

De outro lado, a vertente experimental da ciência trata dos processos que


induzem a resultados frequentemente reconhecidos pelo homem. Aqui, a criança
começa a perceber que os materiais ou as ações podem ser manipulados para dar
origem a um determinado resultado. Sua atividade, então, deixa de ser produtiva e
passa a ser investigativa. Constituindo-se o objetivo pela descoberta de fatos e pela
verificação de princípios, é necessário que se diferencie este estudo da
experimentação em um sentido científico, pois o que prevalece neste é o interesse
prático. Dewey esclarece que é um estudo de ciência aplicada e não de ciência
pura. O desenvolvimento dessa etapa de estudo aconteceu a partir de aspectos
importantes da vida colonial, como por exemplo: tingir roupas, fabricar sabão e
velas, extração de cidra e vinagre, que levam ao estudo das combinações químicas
de gorduras, óleos e outros de metalurgia básica. A partir dessa mesma vertente, é
iniciado o estudo da física. No uso de transferência de energia em rodas que giram
sobre si próprias nos teares, para o uso dos princípios mecânicos no cotidiano, são
utilizadas fechaduras, balanças, campainhas e telégrafo. Nas artes, a prática está na
relação da proporção do espaço e do volume com o equilíbrio e o efeito da
90

combinação de cores e contrastes. Na culinária, os princípios da composição da


comida e as consequências das ações sobre esses elementos são levados em
consideração para que a criança possa inferir suas regras específicas. Na costura,
é introduzido, a partir da construção de roupas de bonecas, os métodos de corte,
marcação e adaptação, assim como técnicas de dar pontos.

É necessário uma atenção especial nesse aumento de linhas de trabalho e de


interesses, pois o natural é que a criança seja levada a uma maior individualidade e
independência em diversos estudos. No tocante a essa questão, Dewey
compreende que é preciso encontrar o equilíbrio entre, de um lado, a separação e o
isolamento, e, de outro, a mistura e atenção a muitos pontos ao mesmo tempo, sem
a correta ênfase e diferença de cada um. Para ele,

[...] o primeiro princípio entende o trabalho como algo mecânico e formal,


separando-o da experiência de vida da criança e de uma influência efetiva
que possa ter no seu comportamento. O segundo torna-o difícil e vago e
deixa a criança sem um controle definido sobre o seu poder ou sem uma
consciência clara dos objetivos. Talvez seja só nesse ano que os princípios
específicos da relação consciente entre meios e fins emerjam como
princípio unificador desse período; e espera-se que a sua ênfase em todas
as linhas de trabalho venha a ter um efeito unificador e decididamente
cumulativo sobre o desenvolvimento da criança (DEWEY, 2002, p. 95).

Passamos a falar agora dos símbolos de linguagem, incluindo os associados


às quantidades, que representam um dos pontos essenciais para ampliar e
controlar a experiência e que a escola tradicional envolve mais de sessenta por
cento do tempo das crianças nos primeiros cinco anos de escolaridade. A estas
matérias Dewey dá um duplo sentido social. Estas são instrumentos de busca
intelectual que a sociedade desenvolveu no passado e representam a chave que
abrirá para a criança a abundância do capital social, indo muito além dos recursos
oferecidos pela experiência individual limitada da criança. Nessa questão, Dewey
alerta para os erros cometidos pelo ensino tradicional, que não valoriza as condições
citadas acima com a adaptação do trabalho a elas.

Para solucionar esse problema Dewey, indica que é necessário dar à criança
uma quantidade maior de atividade pessoal em afazeres, construção e
experimentação, conversação e expressão, para que a sua singularidade - moral e
91

intelectual - não sejam subtraídas por uma porção exagerada de experiências dos
outros que os livros representam. É preciso que a criança crie problemas, interesses
e motivos, a partir da experiência mais direta, vulgar e pessoal, para, somente a
partir dai, recorrer aos livros, onde buscará a solução. Caso contrário, a utilização do
livro será sem interesse, sem atenção, sem atitude questionadora, o que levará a
dependência do livro e o enfraquecimento da vitalidade do pensamento e da
pesquisa. Outra necessidade que Dewey aponta é a de conduzir as experiências
mais pessoais de maneira que a criança seja guiada a sentir vontade de explorar e
de dominar os instrumentos sociais tradicionais. Tendo motivo, as crianças recorrem
a esses instrumentos de uma forma inteligente, resultando em um desenvolvimento
de seu poder e nunca em uma obediência servil. Para evitar que os símbolos de
linguagem sejam apenas substitutos em segundo plano ou convencionais da
realidade, o filósofo insiste que é preciso que a criança tenha, na sua experiência
direta e vital, uma variedade de contatos e familiaridade com realidades físicas e
sociais. Ao solucionar essas dificuldades, o estudo da linguagem, da literatura e do
cálculo não consistirá em uma combinação de exercícios mecânicos e de interesses
passageiros.

O terceiro momento compreende até os 13 anos de idade. A habilidade


adquirida nesse período é empregada na aplicação de problemas de investigação e
reflexão, o que conduz a criança ao reconhecimento do significado e da necessidade
de generalizações. Acontece quando a criança tem razoável familiaridade, de uma
forma consideravelmente direta, com diferentes modos de realidade e maneiras de
atividade. Ao dominar esses instrumentos de pensamento, pesquisa e atividade
próprios para essas fases da experiência, a criança consegue dominar determinados
estudos direcionados a objetivos técnicos e intelectuais. Ela é capaz de tomar a
busca por si mesma, tornando-a, de certa maneira, realmente um estudo. Para
Mayhew & Edwards (1956), é possível afirmar que, se o primeiro período direcionou
a criança aos interesses sociais e pessoais, como também, às relações entre
impressões, ideia e ação, o segundo a introduziu ao controle da leitura, escrita,
números, manipulação de materiais, como instrumentos de investigação. Neste
período, então, a criança está pronta para certa quantidade de especialidades sem
riscos de isolamento ou artificialidade(p. 54).
92

3.2.3 A imitação, o brinquedo, o trabalho e as atividades afins

O primeiro interesse de uma criança pequena é dominar o corpo. Devido à


sua natureza, seu principal problema é convertê-lo em instrumento que a ela
possibilite uma adaptação confortável e satisfatória ao seu meio físico e social. A
criança precisa aprender quase tudo, ver, ouvir, pegar, andar, balançar-se e muito
mais. Embora as reações instintivas dos seres humanos sejam superiores a outros
animais, sabemos que essas reações tendem a ser imperfeitas, se não forem
dirigidas e combinadas inteligentemente. Após pouquíssimo treino, diz Dewey
(1979), o pintinho, que acaba de sair do ovo, já é capaz de comer seu alimento com
tanta destreza como em qualquer idade posterior, mesmo que esse ato envolva uma
coordenação complexa dos olhos e da cabeça. A criança, de outro modo, necessita
de meses para alcançar os objetos que vê, ajustar-se e pegar os objetos com
precisão e carece de uma longa prática para determinar se um objeto lhe é acessível
ou não. Para um total êxito, é necessário que haja observação e seleção dos
movimentos apropriados e que sua coordenação seja direcionada a um objetivo.
Mesmo que de uma forma mais simples, mais rústica, essas operações de escolha e
coordenação consciente já constituem o pensar. À vista disso, Dewey entende que o
desenvolvimento do controle físico não é uma aquisição física e sim uma aquisição
intelectual(p. 204).

Assim como nos primeiros meses de vida, a criança precisa adaptar-se às


condições para aprender a usar o corpo, assim como o ajustamento social é de
extrema importância. Suas relações com o meio físico são reguladas por pessoas e,
rapidamente, a criança percebe que as pessoas são mais importantes que todos os
objetos que a circundam. Para que esse ajustamento social seja atingido, Dewey
(1979) entende que o instrumento mais importante é a linguagem. O
desenvolvimento da linguagem, juntamente com a adaptação das atividades da
criança às das outras pessoas e em conjunto com estas, é a característica
indispensável da vida mental. As grandes linhas da vida mental começam a se
esboçar por volta dos 4 ou 5 anos de idade quando seu grupo de atividades alarga-
se indefinidamente ao observar o que os outros fazem e tentarem entender e
executar. As ocupações dos adultos que rodeiam a criança servem de estímulo
direto e fazem parte do seu meio natural, impressionando os olhos, o tato e o
93

ouvido, ainda que, nesta idade, a criança não compreenda diretamente por meio dos
sentidos os significados que dirigem suas atividades. Dewey não tem dúvida de que
as realizações de uma geração formam os estímulos que dirigem as atividades da
seguinte. Não fosse assim, ―a história da civilização se escreveria na areia e cada
geração teria de procurar por si, penosamente e se pudesse, um caminho que a
arrancasse à selvageria‖(DEWEY, 1979, p. 205). Quando a criança aprende a
compreender e falar palavras, na verdade, são muito mais do que palavras, ela
adquire um hábito que lhe revela um novo mundo.

É importante salientar também que a imitação das atividades dos adultos pela
criança não é apenas o único meio que faz seu pensamento progredir rapidamente.
Fosse assim, aprenderíamos com os papagaios e não precisaríamos nos dar ao
trabalho de pensar. Para alguns psicólogos e educadores, os atos que reproduzem a
ação dos outros são adquiridos por simples imitação. Todavia, para Dewey (1979), é
muito difícil a criança aprender pela imitação consciente. Por outro lado, não se pode
dizer que é inconsciente, pois assim não seria uma imitação. As palavras, gestos,
atos de outra pessoa se harmonizam com um impulso já ativo e indicam um
determinado modo de expressão adequado. Um fim, onde esse impulso encontrará
a sua realização. Sendo assim, havendo um fim específico, a criança contempla as
pessoas da mesma forma que observa os acontecimentos naturais para que possa
encontrar novas sugestões quanto ao meio de executá-lo. Aquele que observa a
criança pode pensar que o ato foi adquirido por imitação, quando, na verdade, foi
adquirido pela observação, seleção, experimentação e comprovação através dos
resultados. É só através desse recurso que pode haver disciplina da inteligência e
proveito educativo.

Essa liberdade de experimentar, que, para muitos, parece apenas uma


repetição automática dos gestos dos adultos, é o que Dewey contrapõe á visão
mecanicista presente no esquema estímulo-resposta, desenvolvido em seu ensaio
sobre o arco reflexo, que apresentamos no capítulo um, onde a ação é vista como
um todo. O enunciado de Dewey a esse respeito em Democracia e Educação (1936)
é apresentado da seguinte forma
94

[...] suponhamos que uma pessoa joga uma bola para o lado de uma
criança; esta a apanha e a joga em sentido contrário, e o brinquedo
continua. Neste caso o estímulo não é a vista da bola, nem do companheiro
de brinquedo. É a situação – o jogo da bola. A resposta não é apenas rolar
a bola para trás; é fazê-lo de modo que o companheiro possa pegá-la e
devolvê-la, a fim de que o brinquedo continue. O padrão ou modelo não é o
ato da outra pessoa. Toda situação requer que cada qual adapte seus atos,
tendo em vista o que a outra pessoa fez e vai fazer. Pode surgir a imitação,
mas seu papel é subalterno. A criança tem interesse próprio; deseja
conservá-lo desperto. Ela pode então observar o modo por que a outra
pessoa apanha e segura a bola, com o fim de aperfeiçoar seus próprios
atos. Ela imita os meios, porque o deseja, e em benefício próprio, como
parte de sua própria iniciativa: conseguir jogar bem (DEWEY, 1936, p. 59).

Também, a criança quando está brincando pode subordinar a situação real a


um significado ideal. Se a sua boneca quebrou e sobrou só uma perna, a criança
passa a tratar a perna como tratava a boneca inteira, lavando-a, deitando-a e
acariciando-a. Uma pedra pode ser uma mesa e um cabo de vassoura, um cavalo.
Como a parte substitui o todo, a criança reage não ao estimulo presente nos
sentidos, mas sim aos significados sugeridos pelo objeto em questão, pois, quando
ela brinca, constrói-se um mundo de significações, uma reserva de conceitos, que se
mostra essencial em toda a operação intelectual. Para Dewey, há os brinquedos
mais fantasiosos, que, na maioria das vezes, sofrem adaptações e geram vários
significados, como também os brinquedos mais livres, dominados por algum
princípio de unidade e coerência, ou seja, apresentam, principio, meio ou fim. O
jogo, assim como o ritmo, a competição, a cooperação - que fazem parte da maioria
dos brinquedos - apresentam regras que coordenam os atos pormenores.

Mais importante que o próprio brinquedo é a vontade de brincar. Essa é uma


atitude do espírito, enquanto aquele trata de uma manifestação exterior transitória da
atitude de brincar. No entanto, para que a tendência do brincar não decline em
fantasia arbitrária, não crie paralelo ao mundo real, um mundo imaginário, faz-se
necessário que a criança desloque-se, lentamente, da atitude do brincar para a
atitude do trabalho. Essa relação que Dewey faz com o brinquedo e o trabalho
apresenta uma importância essencial nas atividades da escola experimental. No
desenvolvimento da criança, pelo curso natural, em determinada idade, elas já não
se agradam dos brinquedos de faz-de-conta, já que os estímulos não são suficientes
para produzir uma reação mental que a satisfaça. É muito mais agradável e satisfaz
95

mais a exigência mental um carrinho parecido com um de verdade, do que fazer de


conta que qualquer coisa que ela tem na mão é um carrinho.

Conforme Moreira (2002), é importante não confundir a distinção psicológica


entre brincar ou jogar e trabalhar, com a distinção econômica. O trabalho é
considerado como uma atitude mental visto de dentro e analisado em referência à
educação (p. 154). Destarte, Dewey (1979) define trabalho como ―o interesse em
materializar de modo adequado uma significação (sugestão, propósito, fim), em
forma objetiva, por meio de materiais e processos apropriados‖(DEWEY, 1979, p.
209). A partir das significações adquiridas e formadas durante o brincar, a criança
pode ajustar o desenvolvimento da atividade, buscando fazer com que ela seja
aplicada a determinadas coisas. Quando alguém, seja criança ou adulto, constrói
algo seguindo as ordens dos outros, trata-se de uma atividade exterior, uma
repetição mecânica, sem pensamento algum, não havendo atividade reflexiva. O
trabalho - enquanto ação inteligente - é, para Dewey, altamente educativo, pois
constrói significações ininterruptamente e ocorre a sua verificação em condição real.
Tanto o trabalho, quanto o brinquedo, representam um interesse pela atividade em si
mesma, porém, no brinquedo, há um interesse mais de acaso, de capricho ou de
determinação de outra pessoa, enquanto que, no trabalho, a atividade se enriquece
por levar a criança a um fim, a alguma coisa. Sendo assim, o produto não é o que
define o valor do trabalho, já que ele deve ser avaliado pela perspectiva da
invenção, da observação e do engenho exercitado pela criança.

A conexão estabelecida por Dewey entre o brincar e o trabalhar possibilita


distinguir com mais clareza um e outro, sem limitar a uma oposição entre produto
(trabalho) e processo (brincar). Enquanto o trabalho é uma atividade onde o
interesse se mantém pela continuidade das fases da ação, o brinquedo é uma
atividade que decorre momento a momento. Mesmo que ambas atitudes possam
ser livres, as condições econômicas tendem a modificar essa relação, transformando
os jogos em excitações ociosas para a classe mais rica e o trabalho em esforço
desagradável para os menos favorecidos. Ao combinar trabalho com o jogo, em sua
qualidade, temos a arte.

As noções erradas sobre utilidade e imaginação são as responsáveis pela


oposição entre brinquedo e trabalho. A atividade doméstica e outras afins são
96

menosprezadas e tratadas como utilitárias. Excluem bonecas, trens, barcos,


máquinas, não consentem que as crianças lavem pratos, cozinhem, cortem e
costurem roupas de boneca, fabriquem seus próprios brinquedos, porque dizem que
isso elimina a imaginação e submete a criança a interesses materiais e práticos.
Enquanto que reproduzir simbolicamente a vida dos animais, a relação pais e filhos,
as atividades do soldado, do professor, do operário, garantem à criança o exercício
de grande valor, tanto intelectual, quanto moral. Para Dewey, há vários erros nessa
maneira de pensar. Primeiro, que a imaginação saudável trabalha sempre com a
realização mental do que é sugerido, nada que não seja real. O exercício da criança
não é fuga para a fantasia, mas sim uma forma de expandir e completar aquilo que é
real. Em segundo lugar, a ideia do educador de que a reação da criança refere-se a
verdades morais e intelectuais, porém o que acontece de fato são, na maioria, das
vezes, reações físicas e sensoriais. E, por fim, aqueles que se opõem ao brinquedo
como fator educativo julgam-no como diversão, e os que contestam as atividades
diretas e úteis confundem ocupação com trabalho.

Como já foi apresentado anteriormente, Dewey acredita nas atividades


expressivas ou construtivas da criança. Amaral (2008) esclarece que essas
atividades são centrais para estabelecer ligações entre as disciplinas do currículo
escolar e as atividades sociais que - dentre elas, além dos trabalhos manuais -
estão incluídas as brincadeiras, jogos e representações teatrais. Para além dos
livros didáticos, o educador estadunidense aqui estudado acredita que o sucesso na
educação depende da relação que se estabelece na criança entre os interesses, as
atividades instintivas e as experiências sociais (p. 100). Ao destacar a importância
educacional do brinquedo e do trabalho, Dewey está reafirmando o vínculo entre o
viver e o aprender, a educação e a experiência, o pensamento e a imaginação, a
interação social e o desenvolvimento da criança.

3.3 Professor: o líder intelectual de um grupo social

O currículo desenvolvido na escola experimental exigia dos professores


diversos conhecimentos específicos e muita criatividade em cada matéria, para que
fosse possível construir com os alunos atividades que pudessem ser aproveitadas
97

para o desenvolvimento de conceitos científicos. Como vimos anteriormente, o foco


principal da escola, segundo o pensamento deweyano, são as ocupações ativas,
sendo assim toda a aprendizagem de um conceito precisa iniciar com uma
atividade. Para Moreira (2002), a matéria pode ser vista por duas perspectivas: de
um lado, o lógico e de outro, o psicológico. Analisada pelo aspecto lógico, é uma
estrutura tida como adequada, mantendo-se por princípios internos que se
relacionam. Nesse caso, os fatos já são apresentados como descobertos e
sistematizados, e a matéria de estudo é entendida como algo prático. Assim, o
desafio para a escola é analisar se as teorias que servem de argumento se
sustentam. Pela perspectiva psicológica, a matéria é considerada como uma
maneira de viver uma experiência. A matéria de estudo deixa de ser um
agrupamento de fatos que podem ser teorizados e ordenados, para ser uma via pela
qual as crianças possam pensar e sentir o mundo(p. 93). Ao dar uma maior ênfase
ao aspecto psicológico, Dewey alerta que as matérias de estudo, quando mantém
uma relação com a experiência que a criança já tem, transformam-se em um
dispositivo essencial de aprendizagem, que até então era desprezado pela
educação tradicional.

Ao analisar o processo de ensino e aprendizagem pela perspectiva da criança


e não somente como transmissão de conhecimentos válidos por si mesmo, Dewey
propõe o que ele chama de revolução copernicana na educação. Era preciso que a
escola abandonasse a ideia de que o professor e o conteúdo eram o centro do
processo e estavam acima dos alunos. Segundo ele, na velha escola, o centro da
gravidade estava fora da criança, encontrava-se nos manuais, no professor, em toda
a parte, exceto nos instintos e nas atividades imediatas da criança. Sendo assim, a
escola não é um lugar onde a criança viva. Há tanto a dizer sobre os estudos e tão
pouco a dizer sobre a vida dela. A transformação a ser introduzida na educação é a
transferência do centro de gravidade. ―É uma mudança, uma revolução, não muito
diferente da que Copérnico iniciou ao transferir o centro astronômico da Terra para o
Sol. No caso em análise, a criança converte-se no Sol em volta do qual gravitam os
instrumentos da educação; ela é o centro em torno do qual estes se
organizam‖(DEWEY, 2002, p. 41).

Para Dewey, o ensino tem uma função ativa, tanto para o professor, quanto
para a criança. O professor tem a missão, através de suas ações, de organizar o
98

ambiente e as atividades de aprendizagem dos estudantes, ajudá-los a


estabelecerem o conhecimento e incorporá-los em suas próprias experiências. À
criança fica a função de questionar, buscar informações e compreender aquilo que
os sensibilizam, assim como desenvolver-se no entendimento e na habilidade de
lidar com suas vidas e participar de maneira produtiva na sociedade. O professor é o
líder intelectual do grupo, porém não em virtude de um cargo, como chefe ditatorial,
mas por causa de seu mais largo e mais profundo acervo de conhecimentos e de
sua experiência amadurecida. Por isso, ele tem a função de definir como a disciplina
da vida deve chegar até a criança, como também as avaliações. Os exames são
úteis somente na proporção em que analisam a aptidão da criança para a vida social
e apontam o local onde eles poderiam ser mais frutíferos e poderiam também
receber mais auxilio.

Vimos anteriormente que o interesse é uma condição para que as atividades


da criança sejam educativas, pois funcionam como sintomas indicadores a serem
interpretados. Nesse sentido, entendemos que levar em conta os interesses da
criança representa que nenhuma forma de ensino pode ser pensada sem que as
experiências das crianças sejam respeitadas. São os impulsos nativos e atuais, os
interesses e as experiências que, juntos, formam o estímulo dos recursos que o
professor precisa aprender a se relacionar, para poder desenvolver seu trabalho
pedagógico. Por isso, para Dewey, o educador precisa ser extremamente
competente, dando conta de algumas questões que, segundo ele, são
imprescindíveis para um trabalho de excelência: (a) compreender o que adquiriu
com sua própria experiência passada; (b) entender que toda experiência humana é
social, ou seja, envolve contato e comunicação; (c) ser capaz de julgar quais
atitudes são úteis ao crescimento contínuo e quais são prejudiciais; (d) possuir
simpatia e compreensão pelas pessoas como pessoas, para que assim tenha noção
do que se passa na mente dos que estão aprendendo; (e) por fim, acima de tudo,
saber utilizar as condições físicas e sociais do ambiente para delas retirar tudo que
contribua de alguma forma para um corpo de experiências saudáveis e válidas.

Os objetivos didáticos de Dewey tornaram-se realidade na prática diária dos


professores com quem atuou. Já vimos que ele reconhecia o conhecimento
acumulado pela humanidade. Percebemos que o estudioso notava que as crianças
precisavam ter acesso aos conhecimentos de ciências, história e artes, e que elas
99

tinham de aprender a ler, escrever, contar, expressar-se e pensar cientificamente.


Os professores, uma vez por semana, reuniam-se para examinar e planejar o
trabalho. Sentiam-se um pouco limitados com relação a críticas devido à presença
de Dewey, mas, mesmo assim, desempenhavam função ativa, no que diz respeito à
elaboração do programa escolar. Na escola laboratório, a tarefa fundamental dos
professores era realizar atividades, como o cultivo de um jardim ou visitar uma
fazenda, pois estas serviriam para apresentar os conceitos, por meio de uma
sucessiva distinção das matérias. Seria uma maneira de incluir, aos poucos, os
conteúdos e atividades no conjunto de conhecimentos sistematizados, pois Dewey
considera que a criança parte de um entendimento mais geral e gradativamente vai
concentrando-se no mais específico.

Considerando que toda a criança é, por natureza, pesquisadora, e um dos


propósitos da escola é utilizar a curiosidade da criança e inspirar o pensamento
experimental através do método de investigação, as atividades desenvolvidas na
escola de laboratório exigiam que o professor fosse, acima de tudo, criativo. Como
ensinar as crianças a lidar com suas próprias vidas, a dirigir suas próprias ações de
forma que as suas experiências se convertam em uma ação inteligentemente
dirigida?

3.3.1 O desenvolvimento da capacidade de pensar

Na escola experimental, os professores identificaram três etapas principais.


Em primeiro lugar, era preciso deixar que as crianças entrassem em contato com as
coisas; em seguida, deixar que a criança se volte para os outros para que haja uma
interação social e ela tenha a oportunidade de somar as suas experiências com as
das outras crianças; em terceiro lugar, a criança perceber que as respostas dos
outros não bastam e, assim, estimular uma curiosidade intelectual que a levará a
buscar em sua mente as suas próprias respostas.

Dissemos anteriormente que o ato de pensar constitui-se em um fim


educacional, visto que ele transforma uma ação instintiva em ação inteligente, ou
seja, torna o individuo capaz de coordenar suas atitudes e seus objetivos, atraindo
para o seu entendimento as implicações dos inúmeros sentidos de atuação. Além
100

disso, o ato de pensar estabelece linguagens para indicar antecipadamente as


consequências e, assim, encontrar maneiras de aproximar-se ou de afastar-se.
Observamos também que pensar enriquece as coisas de sentido e que o
pensamento, quando é pensado reflexivamente, concede uma importância muito
maior, uma condição diferenciada aos objetos e fenômenos físicos. Vimos ainda que
esses valores não acontecem sozinhos. É preciso que o pensamento seja orientado
por um educador atento e cuidadoso, pois caso contrário,ele pode desenvolver-se
por caminhos obscuros e guiar a criança em direção a crenças que não são
verdadeiras.

Para ensinar a pensar, o professor cria condições que despertem e guiem a


curiosidade da criança, para que, assim, estabeleçam-se conexões que promovam o
fluxo de sugestões e coerências lógicas. Embora possa parecer que ensinar a
pensar seja algo abstrato, há algumas maneiras concretas que o professor pode
desenvolver seu intento. Primeiramente, a criança precisa aprender a esclarecer os
conceitos, ou seja, estar familiarizada com uma ideia para que possa aplicá-la de
forma correta, compreendendo-a para além de seus disfarces, para que assim possa
relacioná-las com outras ideias e examinar suas consequências antes mesmo de
seus resultados práticos. Buscar métodos alternativos e complementares de
pensamento também inclui ensinar a pensar. A criança deve aprender a raciocinar
logicamente, pois isso a ajudará a superar as limitações diante de situações
problemáticas. Também é preciso desenvolver as capacidades de análises e
sínteses, o que permite que a criança examine uma ideia antes de atuar e unificar as
coisas. É tarefa do professor ensinar a criança a examinar as situações com clareza,
a prever e considerar as possibilidades, a tomar decisões, pesando as
consequências e não as deduzindo de algo prévio.

Barena (2015) afirma que, para Dewey, ensinar a pensar inclui que o
professor coloque-se a pensar coletiva e individualmente. Os mestres devem treinar
e desenvolver suas mentes, porque a ciência da educação não se encontra nos
livros, nem na sala de aula, tampouco no laboratório, mas nas mentes que dirigem
as atividades educativas. O professor precisa pensar e fazer pensar em suas aulas,
excluir delas atividades e costumes que atentem contra a independência intelectual
e o autocontrole que a criança deve adquirir. Como exemplo, podemos citar: o
professor avalia as respostas rápidas da criança, sem dar tempo para que ela reflita
101

ou critica o que está errado e não valoriza o que é positivo, e, ainda, olha apenas se
houve resultado do problema, não observando se houve aprendizado ao resolver o
exercício (p. 79). Portanto, especialistas que saibam gerar conceitos e atitudes
positivas, bem como desenvolver o pensamento, serão necessários já a partir das
primeiras séries.

Dewey insiste que as crianças precisam educar o espírito para desenvolver


bons hábitos de pensamento, sendo que esses hábitos se desenvolvem a partir de
um estoque de recursos de potencialidades, pois não é possível impor a alguém o
poder de pensar. Não podemos ensinar ou ser ensinados a pensar, mas é
necessário aprender como pensar bem, principalmente como adquirir o hábito geral
de refletir. Esses hábitos crescem de tendências inatas originais. Por esse motivo,
compete ao professor tentar descobrir algo da natureza do conhecimento primário
que constitui seus princípios, pois é deles que partem o desenvolvimento do hábito.
Às vezes, o professor piora a situação, tentando impor um hábito externo, não
natural e isso só o faz perder tempo e energia. Perguntar à criança como estuda,
quais são seus hábitos, quando precisa enfrentar um novo tema - seja de uma
matéria de estudo ou de uma decisão pessoal em um plano ético - ajuda as crianças
a tornarem-se conscientes de seus próprios hábitos mentais para poder melhorá-los.
Sendo assim, só haverá aprendizagem verdadeira, se a criança for ensinada a
pensar. Caso contrário, o professor terá transmitido uma informação já memorizada
por ele, e isso seria ver a educação como um material próprio de segunda mão, ou
seja, não se trata de transmitir à criança a informação necessária, como fatos e
datas, por exemplo. Ensinar a criança a pensar é fazê-la examinar, por si mesma,
como poderiam ser as coisas e quais consequências se derivam de como elas são.
É fazer com que sua mente participe do processo de aprendizagem. Dewey acredita
que

[...] ensinar é como vender mercadorias. Ninguém vende, se ninguém


compra. Seria ridículo um negociante que dissesse ter vendido muitos
artigos, embora ninguém tivesse comprado nada. Mas haverá, talvez,
professores que, sem cogitar do que aprenderam os alunos, julguem terem
tido um bom dia de ensino. Existe a mesma exata equação entre ensinar e
aprender que entre vender e comprar. O único meio de fazer que os alunos
aprendam mais é ensinar verdadeiramente, mais e melhor. Aprender é
próprio do aluno: só ele aprende, e por si; portanto, a iniciativa lhe cabe. O
professor é um guia, um diretor; pilota a embarcação, mas a energia
102

propulsora deve partir dos que aprendem. Quanto mais conhecer o


professor as experiências passadas dos estudantes, suas esperanças,
desejos principais interesses, melhor compreenderá as forças em ação que
lhe cabe dirigir e utilizar, para formar hábitos de reflexão (DEWEY, 1979, p.
44).

Em síntese, o que Dewey quer dizer é que o professor precisa preocupar-se


mais com os pensamentos e os hábitos de investigação da criança, do que com os
conhecimentos adquiridos. O professor não está na escola para formar certos
hábitos na criança ou impor determinadas ideias, mas sim como um membro da
comunidade para separar quais influências que impressionam a criança e apoiá-la
nas respostas apropriadas a essas influências.

A criança desenvolve o hábito de investigação a partir da curiosidade, e isso


acontece sob a influência de estímulos sociais. Como já foi dito, essa curiosidade sai
do plano orgânico e social, convertendo-se em intelectual quando surge o interesse
de ela descobrir por si mesma as respostas e as interrogações nascidas do contato
com pessoas e coisas. No estágio social, a criança se interessa mais por perguntar
do que por saber a resposta. O problema fundamental para o educador é utilizar,
para fins intelectuais, a curiosidade natural de exploração física e de interrogação
verbal. Poderá consegui-lo, caso busque uma sequência de ideias intermediárias,
objetos e ações, ligando-as umas às outras para atingir o fim desejado. É dever do
professor proteger o ser em desenvolvimento contra as condições que provoquem
excitações momentâneas e desinteressadas, além de evitar dogmatismos no ensino,
que criam a impressão de que não há mais nada a ser descoberto, pois tudo que era
necessário já foi visto. O espírito investigativo da criança precisa ser muito bem
administrado pelo professor, caso contrário a curiosidade que fez nascer o apetite a
ser saciado transforma-se em um fardo para o aprendiz.

Outra questão para a qual Dewey chama a atenção é que o professor não
faça diagnóstico quando a criança tem algum tipo de incapacidade para reagir às
lições em sala de aula. Esses casos podem ter reações mais rápidas e vivas quando
o assunto parecer valer a pena para eles, ou seja, cabe ao professor apresentar a
matéria a partir de um contexto diferente, utilizar métodos diversificados. Muitas
vezes, quando a criança é repreendida pelo professor - por sua lentidão, por não
responder imediatamente, sendo chamados de tapados - sofre de julgamentos
103

prematuros. Para Dewey, ―o brilho de uma resposta dada de pronto pode não passar
de efêmero clarão‖(DEWEY, 1979, p. 52). Quanto mais profundo desce o senso do
problema, da dificuldade, mais determina a qualidade do pensamento que se
processa. Todo e qualquer hábito de ensino onde o professor estimula a criança a
deslizar pela superficialidade do problema para ter uma aula bem sucedida, ou ter
condecorado seus conhecimentos, corrompe o método original da educação do
espírito.

3.3.2 A direção da experiência

Além do treino do pensamento, outra questão de suma importância para os


professores na escola de laboratório era a forma como deveriam conduzir as
experiências individuais das crianças. É visto que, para Dewey, ―há conexão
orgânica entre educação e experiência pessoal‖(DEWEY, 1976, p. 13), porém o fato
de se acreditar que a educação se completa pela experiência não torna toda
experiência educativa. Eis uma importante e árdua missão do educador, sobre a
qual falaremos a seguir.

A primeira etapa do ato de pensar é a experiência. E, na prática educativa,


essa ação não pode ser vista como algo separado da experiência com possibilidade
de cultivo isolado. É indispensável uma situação prática real para a fase inicial do
ato de pensar. A educação tradicional oferece muitas experiências, tanto para as
crianças, quanto para os professores, mas, em grande parte, erradas. Elas
deseducam, segundo Dewey, pois não aplicam os princípios necessários para
examinar o que acontece após a experiência. Quando uma experiência distorce o
crescimento para novas experiências posteriores, ela é prejudicial à educação. São
vários os exemplos que o autor estadunidense apresenta como experiência
contraproducente ao processo educativo: ao produzir dureza, insensibilidade,
incapacidade de responder aos apelos da vida, restringe a possibilidade de
experiências mais ricas, podendo, também, aumentar a destreza em uma atividade
automática, mas habituar a criança a certos tipos de rotina, fechando o caminho
para novas experiências. Pode ser agradável de imediato, porém, por atitudes
descuidadas, pode impedir a criança de que se tire dela tudo que pode dar. Além
104

disso, podem ser desconexas umas das outras, pois mesmo agradáveis, não se
articulam entre si. Cada experiência pode ser intensa, interessante, mas sua
desconexão pode desenvolver hábitos dispersos. A consequência desses hábitos é
a incapacidade, no futuro, de controlar as experiências, pois elas são recebidas
como fontes de prazer ou de dor, e isso gera uma falta de domínio de si mesmo.

Todos esses exemplos relacionados à experiência, citados por Dewey,


acontecem na educação tradicional. O problema ao qual Dewey se refere não é a
falta de experiência, e sim o caráter defeituoso destas, e a falta de conexão com
futuras experiências. Diante disso, não basta insistir na necessidade da experiência,
nem em tarefas do tipo de experiência. Tudo vai depender da qualidade da
experiência por qual a criança passa. Os aspectos dessa qualidade são: o imediato,
que pode agradar ou não; e o mediato, que se refere a sua influência sobre
experiências posteriores. Este último, com relação ao efeito que produz a
experiência, a ocorrência representa um desafio para o educador. Assim, Dewey
anuncia que o compromisso do professor é ―de dispor as coisas para que as
experiências, conquanto não repugnem ao estudante e antes mobilizem seus
esforços, não sejam apenas imediatamente agradáveis, mas o enriqueçam, e,
sobretudo, o arme para novas experiências futuras‖(DEWEY, 1976, p. 16).

Para seguirmos adiante é necessário relembrar que quando falamos em


aprender por experiência não nos estamos referindo ao termo utilizado na linguagem
popular. O processo da experiência envolve agente e situação, influindo-se
mutuamente um sobre o outro. Para além de um processo orgânico, a experiência
só será significativa, caso haja reflexão consciente, a qual só se completa com o
elemento de percepção, de pesquisa e de análise, direcionando a criança à
aquisição do conhecimento e tornando-a apta para dirigir as experiências presentes
e futuras. Toda vez que a experiência for reflexiva, que a criança atentar no antes e
no depois do processo, o resultado natural é a aquisição de novos conhecimentos.
Para Teixeira (2010), a experiência educativa é essa experiência inteligente, em que
há participação do pensamento, através do qual é possível perceber relações e
continuidades que até então não tinham sido percebidas. Dessa forma, a
experiência alarga os conhecimentos, enriquece o espírito e, na sequência, da um
significado mais profundo à vida (p. 37). Educar-se é crescer no sentido humano.
Por essa razão que Dewey define educação como o processo de reconstrução e
105

reorganização da experiência pela reflexão, e esta habilita as pessoas a melhor


coordenar a direção das experiências futuras, sendo que essa definição torna a
educação como um fenômeno direto da própria vida.

Sempre que houver necessidade de discriminar entre as experiências que


tenham valor educativo e aquelas sem valor, faz-se necessário aplicar o princípio da
continuidade, que Dewey denomina de continuum experiencial. Para ele, esse
termo, ao ser interpretado biologicamente, corresponde ao mesmo princípio do
hábito. Como já vimos anteriormente, o princípio do hábito é bem mais amplo do que
simples ações rotineiras, pois envolve a sensibilidade e as formas como cada
pessoa recebe e responde às condições com que se defronta na vida, compreende
a formação de atitudes emocionais e intelectuais. Isto posto, é possível afirmar que o
hábito representa que ―toda experiência modifica quem a faz e por ela passa e a
modificação afeta, quer o queiramos ou não, a qualidade das experiências
subsequentes, pois é outra, de algum modo, a pessoa que vai passar por essas
novas experiências‖(DEWEY, 1976, p. 26). E o principio de continuidade da
experiência significa que, independentemente de qual seja a experiência, ela sempre
obtém algo das experiências passadas e altera de alguma forma as experiências
ulteriores. As experiências podem afetar para melhor ou para pior as atitudes que
irão contribuir para a qualidade das futuras experiências. Dewey entende que, em
ambas, há crescimento, entretanto, para ser educativa, ela precisa ser contínua.

Quando uma experiência desperta curiosidade, fortalece a iniciativa e produz


desejos e propósitos suficientemente intensos para guiar a criança aonde for preciso
no futuro. A continuidade funciona de modo bem diferente. Para Dewey,

[...] cada experiência é uma força em marcha. Seu valor não pode ser
julgado senão na base de para que e para onde se move ela. A maior
maturidade de experiência do adulto como educador o coloca em posição
de poder avaliar cada experiência do jovem de modo que não pode fazê-lo
quem tenha menos experiência. Sua tarefa é, pois, ver em que direção
marcha a experiência. A importância de ser mais amadurecido
desapareceria, se em vez de usar a sua maior penetração para ajudar a
organizar as condições de experiência do imaturo, recuasse disto sob
qualquer pretexto (DEWEY, 1976, p. 30).
106

Dewey alerta ainda que, quando o professor não leva em conta a força do
movimento de uma experiência, analisando-a e direcionando-a dentro do percurso
de seu desenvolvimento, ele não está sendo leal ao princípio da experiência. E isso
pode acontecer, caso o educador não atente para as seguintes questões. Primeiro, o
professor não tem compreensão do que adquiriu com sua própria experiência
passada; também o educador, por ser mais amadurecido, precisa ter simpatia e
compreensão para com o jovem ao lidar com problemas em termos morais, pois o
mestre precisa entender que toda experiência humana é social e envolve contato e
comunicação. O professor precisa exercer a sabedoria para que não seja imposto
um controle externo, sendo capaz de analisar quais atitudes condizem ao
crescimento contínuo e quais prejudicam a criança. A última e mais difícil questão é
possuir a capacidade de simpatia e compreensão pelas pessoas como pessoas,
para que, assim, seja qualificado a ter um entendimento do que passa pela mente
daqueles que estão aprendendo. A falta dessas qualidades nos professores e pais
torna muito difícil conduzir com sucesso um sistema educativo baseado em
experiência de vida.

O professor não pode tratar a experiência como um processo interno da


criança. A experiência tem um lado ativo, que modifica de alguma maneira as
condições objetivas em que elas acontecem. Há fontes fora da criança que fazem
surgir a experiência e a alimentam regularmente. E, a primeira responsabilidade do
educador é, antes mesmo de estar atento as condições do meio que forma a
experiência presente do aluno, identificar nas situações reais que características
conduzem a experiência que leva ao crescimento. E, ainda, saber como se apropriar
das condições sociais e físicas do local para delas retirar tudo que seja capaz de
contribuir para um conjunto de experiências saudáveis e autênticas.

Há ainda um segundo princípio que Dewey considera fundamental para


interpretar uma experiência, em sua função e sua ação educativa: a interação. É
este quem atribui direitos iguais aos dois fatores da experiência citados acima:
condições internas e condições objetivas. Continuidade e interação não podem ser
separados. ―São, por assim dizer, os aspectos longitudinais e transversais da
experiência (..) ao passar o indivíduo de uma situação para outra, seu mundo, seu
meio ou ambiente se expande ou se contrai‖(DEWEY, 1976, p. 37). Aquilo que ele
aprendeu em uma determinada situação transforma-se em instrumento para
107

enfrentar o próximo acontecimento. Esses dois princípios unidos mostram a


dimensão do valor educacional da experiência. O educador precisa estar atento à
situação em que a interação se processa. Quando Dewey fala em condições
objetivas, ele trata do que faz o educador e da forma como faz, as palavras que fala,
o tom que as fala, os equipamentos, livros, aparelhos, brinquedos, jogos, ou seja,
todos os materiais e estímulos com que a criança entra em interação e também a
ordem social coletiva em que a criança está envolvida. Quando Dewey diz que as
condições objetivas são as que estão sob o domínio do educador de organizar e
conduzir, isso subentende que ao professor ―(..) cabe o dever de determinar o
ambiente, que, entrando em interação, com as necessidades e capacidades
daqueles a quem vai ensinar, irá criar a experiência educativa‖(DEWEY, 1976, p.
39).

Isto posto, podemos inferir que, ao associar a reflexão à experiência, o autor


alerta os professores sobre a necessidade de abandonar a ideia de que o pensar é
uma faculdade simples e imutável. Eles precisam reconhecer que as coisas
adquirem significação de diversas formas para as crianças e que os aprendizes
diferem entre si. O pensamento não é apenas um mecanismo, uma máquina que
reduz tudo a um mesmo produto, mas uma capacidade de organizar e conectar as
sugestões peculiares ativadas por coisas específicas. Ou seja, toda atividade é
intelectual, desde o estudo de uma língua, o aprender a cozinhar e o desenhar, não
por sua natureza, mas pela sua função, pela sua capacidade de provocar e orientar
uma investigação e uma reflexão significativa. Dewey indica ainda que o professor
que estuda inteligentemente as operações mentais peculiares e os efeitos
conjunturais da escola sobre essas operações terá total confiança em escolher os
métodos de instrução, tanto no sentido restrito, quanto técnico. Caso contrário, os
melhores métodos técnicos produzirão, na melhor das hipóteses, um resultado
imediato à custa da formação de maus hábitos. Em razão disso, insistimos na
importância fundamental, para o educador, na observação constante e cuidadosa
dos interesses da criança, pois eles mostram o estágio de desenvolvimento que a o
estudante alcançou, e, assim, o professor pode tomar o cuidado de não reprimir os
interesses da criança, nem enfraquecer sua curiosidade e seu alerta intelectual.
4 Considerações finais

O desenvolvimento do pensamento filosófico educacional de John Dewey é


extenso e complexo, por esse motivo optamos por apresentar a pesquisa em dois
capítulos distintos. Nosso propósito central foi investigar os princípios educacionais
que envolveram a epistemologia de John Dewey. Elucidar que a teoria do
conhecimento de Dewey e sua teoria da educação estão conectadas e se sustentam
uma a outra. Apontar que a epistemologia instrumentalista de John Dewey passa a
tomar forma e se definir como uma teoria geral da educação a partir de suas
experiências com a escola laboratório da Universidade de Chicago. E, por outro
lado, expor como a aplicabilidade das suas ideias pedagógicas, nessa escola,
contribuiu para a construção de sua teoria do conhecimento. Para atingirmos o
objetivo proposto, partimos da ideia principal do autor, que é a necessidade de
reconstruir a filosofia. Nesse capítulo, que é também a primeira parte da pesquisa,
julgou-se necessário analisar as teorias do conhecimento, a partir de algumas
correntes filosóficas que consideramos essenciais no desenvolvimento dessa
reconstrução. Dewey rejeita toda a teoria dualista. A separação da teoria e da
prática, do saber e do fazer, da mente e do mundo, que demarcou a Filosofia, desde
o período dos gregos, afastou-a dos problemas humanos concretos, por isso ele
reconheceu ser necessário uma reconstrução e desenvolveu uma nova abordagem
sobre o conhecimento. Entendendo que a investigação de Dewey partiu de uma
psicologia funcional, consideramos destacar alguns aspectos dualistas que
influenciaram o autor: (1) o pensamento racionalista do período grego, mais
especificamente o de Platão, o qual vê a razão como a principal fonte de
conhecimento e o mundo em que vivemos como apenas uma sombra passageira,
ilusória. Essa concepção, refutada mais tarde por Aristóteles, é, para Dewey, a
origem dos antagonismos entre experiência e verdadeiro conhecimento; (2) ainda,
apresentando a mesma estrutura do dualismo platônico, no período moderno, surge
Descartes, com a ideia de separação entre matéria, vida e mente. Para Dewey,
109

isso não é admissível, visto que os fenômenos mentais interagem com um


componente físico, que é o sistema nervoso; (3) o empirismo e a ênfase na
experiência humana. A ideia de experiência desenvolvida por Locke apresentou
erros internos e causou complicações, entendendo a mente como um instrumento
passivo e maleável por muitas impressões derivadas dos sentidos. Ele aponta para
uma separação entre mente e corpo e, como consequência, a única coisa que
alguém pode conhecer são as ideias. Hume, apesar de aprofundar as reflexões de
Locke, ainda deixa em aberto a noção de uma mente passiva. Dewey, ao contrário,
entende a mente, não como uma tábula rasa, mas como a capacidade de
compreender e modificar, de forma ativa, as convicções para que todas experiências
vividas tornem-se efetivamente importantes.

Dentro desse mesmo capítulo, ainda no trabalho de reconstrução da Filosofia


com o qual Dewey se propôs a desenvolver uma nova abordagem epistêmica,
analisamos o desenvolvimento das ideias da escola pragmatista - da qual Dewey foi
um dos fundadores - o delineamento do caráter instrumental do conhecimento
nas ideias de Charles Peirce e William James. Os pragmatistas eram unânimes
quanto à rejeição a todos os dualismos que permeavam a Filosofia. Também, todos
eles reconheciam que a inteligência humana referia-se a um conhecimento derivado
da experiência, porém isso não era suficiente para reuni-los em um único
movimento, porque cada um deles explorou a natureza da investigação inteligente
com o olhar de seus próprios interesses acadêmicos. A esse respeito, Dewey fez
questão de esclarecer os mal-entendidos, definindo os principais objetivos dos
movimentos do pragmatismo e do instrumentalismo como movimentos filosóficos.
Entendemos que, reajustando e reformulando algumas ideias conflituosas que
permeavam o pragmatismo de James e Peirce, o pensamento deweyano destacou-
se entre os pragmatistas, por ter intuído que a mesma inteligência, aplicada a razão
humana, que teve sucesso na ciência, deveria ser utilizada em todos os setores da
vida do homem comum, ou seja, em questões sociais, éticas e educacionais.

Até aqui ficou claro que a teoria do conhecimento de Dewey desenvolveu-se


questionando os dualismos que marcaram a Filosofia. Na segunda parte deste
capítulo, propomo-nos a investigar a trajetória intelectual do autor para que fosse
possível compreender de que maneira o instrumentalismo educacional deweyano foi
tomando forma. Identificamos que os argumentos de Dewey, para resolver os
110

antagonismos que vimos na primeira parte, foram apresentados por uma teoria que
ele chamou de continuum experiencial ou teoria da continuidade. Segundo nosso
entendimento, seus argumentos para a transformação da teoria do conhecimento
são: (a) a preservação da continuidade entre o indivíduo e o mundo, que
acontece a partir das impressões sensoriais enviadas para o cérebro, que organiza
essas informações e capacita o organismo para ações futuras, ou seja, o sistema
nervoso é a parte do organismo que exerce interação entre o conhecimento e a
reação motora, e o cérebro tem a função de manter ininterrupta a reorganização da
atividade para permanecer a continuidade; (b) a criatura viva é parte do mundo e,
como ser vivo, está a adquirir experiências, participando das atividades desse
mundo a qual pertence, portanto o conhecimento é uma forma de participar dessas
atividades sem ser um simples observador desinteressado; (c) o desenvolvimento
do método experimental é a maior razão para a transformação do conhecimento. É
pelo método da descoberta e da verificação que o indivíduo adquire conhecimento e
tem certeza que este não é uma simples opinião. O método científico experimental
é uma experimentação de ideias, é intelectual e fecundo, embora possa não trazer
resultados imediatos, pois o indivíduo aprende com suas ações erradas, quando
seus esforços são refletidos de modo verdadeiro. Estes três argumentos
desenvolvidos por Dewey elucidam que o surgimento de algumas concepções
inovadoras no âmbito cientifico - como o desenvolvimento da Psicologia baseada na
biologia, as ideias evolucionistas de Darwin e o caráter instrumental do
conhecimento - contribuíram para a definição de sua postura epistemológica.
Compreendemos que a epistemologia de Dewey começa a tomar forma, desde
muito cedo, nos interesses pelos problemas sociais e no sentimento de separação
entre Deus e natureza e alma e mundo. Os interesses pelas ideias de Hegel e de
Darwin surgem no mesmo período. Imaginar um mundo que tivesse a mesma
natureza harmoniosa do ser vivo e buscar argumentos para justificar essa visão de
uma unidade orgânica universal marcaram seu pensamento por toda a vida.

Dessa inspiração, surge a definição de alguns conceitos que para Dewey


fizeram a diferença na escola experimental. São eles: o interesse pela experiência e
o reconhecimento de que ela é o início de qualquer ato de reflexão possível. A
atividade reflexiva não se sujeita a qualquer domínio que não seja determinada pela
experiência de organizar o mundo concreto, de acordo com as necessidades da vida
111

humana e, também, é acrescida pela capacidade do individuo de ajustar-se às


condições oferecidas pelo ambiente. John Dewey e William James, juntos,
investigaram as fronteiras da mente, estabelecendo um novo modelo de
entendimento cognitivo de caráter naturalista, definindo que a mente é a responsável
por tomar decisões e controlar o comportamento humano. Esse método ficou
conhecido, na Psicologia, como funcionalismo e foi amplamente explorado na Escola
laboratório. Por fim, quando Dewey reconstrói a lógica formal, ele aprofunda a
humanização da ciência e deixa claro que a origem de todas as formas lógicas é
tanto biológica, como cultural e tem início no processo de investigação. Essa
necessidade humana surgiu a partir da maneira como o homem utiliza o modo de
pensar e em que ele se fundamenta para guiar a sua vida com inteligência e obter
os conhecimentos necessários. Um dos elementos do ato de investigar é o
pensamento reflexivo, citado anteriormente, que, para Dewey, constitui-se em um
fim educacional.

Na segunda parte da pesquisa, representando o segundo capítulo da


dissertação, tratamos de analisar a escola experimental criada por Dewey, na
Universidade de Chicago, empreendimento este que deu a ele a oportunidade de
colocar em prática suas ideias no campo pedagógico. A ideia da escola como uma
sociedade em miniatura representava que ela seria estabelecida como um grupo de
pessoas que compartilham o rumo do curso da vida humana através da resolução
de problemas. Essa visão era contrária à escola tradicional, que focava no incentivo
à passividade, a massificação mecânica das crianças e a uniformidade de
programas e métodos de estudo. Nossas análises identificaram alguns conceitos-
chave como fio condutor para um melhor entendimento, no que diz respeito à
epistemologia deweyana aplicada a sua teoria educacional. Por isso, ressaltamos
alguns pontos que, no nosso entendimento, tornou a Escola laboratório uma das
escolas mais criativas e progressistas do seu tempo, destacando-se das outras por
sua aprendizagem de caráter instrumental baseada na experiência do cotidiano da
vida da criança.

Os impulsos e os interesses psicológicos naturais da criança eram


utilizados para atingir a sua atenção. O hábito ou impulso é produto da vida em
sociedade e evolui na vida social por meio das experiências através de ações. Há
plasticidade no desenvolvimento desses hábitos. Por esse motivo, é ela, a
112

plasticidade, juntamente com o recurso da inteligência, que faz a diferença entre a


aprendizagem e o adestramento. Considerar os interesses da criança é levar em
conta toda e qualquer experiência da mesma, caso contrário nenhum método de
ensino funcionará. O sucesso ou o fracasso do professor encontra-se na forma
como ele trabalha os interesses, a experiência e os impulsos naturais da criança. É
dele a missão, através de suas ações, de estruturar o ambiente e as atividades de
aprendizagem dos estudantes, ajudá-los a estabelecerem o conhecimento e
incorporá-los em suas próprias experiências. A função da criança é de questionar,
buscar informações e compreensão daquilo que a sensibiliza, assim como
desenvolver-se no entendimento e na habilidade de direcionar suas vidas e
participar de maneira produtiva na sociedade. A matéria de estudo, analisada pela
perspectiva psicológica, é considerada como uma forma de viver a experiência,
deixa de ser um agrupamento de teorias sistematizadas e passa a ser um caminho
no qual as crianças vêem e sentem o mundo. E essa relação entre criança e
experiência apresenta-se como um instrumento essencial de aprendizagem que a
educação tradicional não deu a importância devida.

As atitudes e práticas sociais. O projeto pedagógico elaborado na Escola


laboratório apresentava como princípio que o aprender é uma experiência social.
Embora a ciência ocupasse um lugar central, a educação era vista por Dewey como
preparação moral antes mesmo da preparação intelectual, razão pela qual as
crianças precisavam incorporar hábitos de cooperação social. As atividades
construtivas eram o núcleo da escola e dirigiam o trabalho para duas direções:
a dimensão social e o contato com a natureza, que fornece a matéria prima da
aprendizagem. Sua preocupação era de romper as barreiras que dividem a vida da
criança na escola do restante do seu cotidiano, inserir os conteúdos que tivessem
um significado real na vida do aprendiz, que fossem proveitosos pra ele obter,
estimular a habilidade técnica e também assegurar que as crianças iriam receber a
atenção individual através da organização de pequenos grupos e um número
razoável de professores supervisionando-as. Com a criação da comunidade
democrática, as crianças participavam da elaboração dos projetos e, para executá-
los, havia uma divisão cooperativa do trabalho, e aqueles que dirigiam o grupo
faziam rodízio. Para Dewey, os trabalhos manuais, divididos em linhas orientadoras,
eram responsáveis pela maioria das competências adquiridas pelas crianças e
113

exigiam atitudes intelectuais diferentes por parte delas. Todas as atividades


desenvolvidas com necessidades fundamentais e regulares da vida, como casa,
roupa e comida, transformaram-se no núcleo central do desenvolvimento do
currículo. Crianças e adultos faziam parte de uma organicidade, porém sempre
considerando a individualidade de cada um. A escola, com essa história de vida
corporativa, tornou-se um organismo vivo e continuamente em crescimento de todos
aqueles que a frequentavam. Experiência e reflexão também funcionaram como
princípios norteadores na organização e administração escolar. Uma escola com
trabalho de base em uma organização social cooperativa de professores, conforme
Dewey, não poderia ter divisão hierárquica entre administração, supervisão e
professores.
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