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Copyright © 2021 ALBA LUCCAS

Capa: Vitória Maria


Revisão: Leticia Tagliatelli
Diagramação: April Kroes

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens,


lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência.

Todos os direitos reservados.

É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de


qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios
(tangível ou intangível) sem o consentimento escrito da
autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo artigo 184
do Código Penal.2018.
Sumário
Sinopse
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Epílogo
INSUPORTÁVEL...

EGOCÊNTRICO...

ARROGANTE.

Descrições perfeitas do CEO Roberto Rodriguez Mender.

Para ele só existe um jeito das coisas serem feitas, o jeito dele.

Um homem que fundamentou sua vida em sua inteligência e


tino comercial, e foi muito bem-sucedido em sua empreitada. Ele

cultua seu patrimônio e vive sozinho em uma imensa mansão por


escolha própria.

A vida de Roberto muda quando descobre que herdou a tutela

de Flor, a bebê do seu primo e melhor e único amigo desde a


infância, após a morte dele e da sua esposa.

Ellen Souza é uma jovem camareira que ama surfar e vive

cada dia em sua plenitude.


Uma certa manhã depois de surfar na praia de Santos, indo

para o trabalho, ela se depara com um homem com o pneu furado


no meio do nada e sem sinal de celular para pedir um reboque, mas

bastou ele abrir a boca para que ela se arrependesse de ter parado

para ajudá-lo.

Ela troca o pneu e deixa para trás o homem mais insuportável

e esnobe que já teve o desprazer de conhecer.

Mas a vida reuniria Roberto e Ellen novamente...

Após uma armação ela é acusada de um crime que não


cometeu e vê o ricaço esnobe como única alternativa para sair

detrás das grades.

Ela precisa dele...

Ele não gosta de dever favores a ninguém e vê na moça

orgulhosa e atrevida a resposta para lidar com o inesperado

presente que recebeu.

Quando um homem que só pensa em si recebe como herança

uma bebê de poucos meses, ele tem a chance de reavaliar sua

existência vazia e sem propósito, ainda mais com a ajuda da nova

babá que mostra a ele que se tornar pai da noite para o dia foi a

melhor coisa que poderia acontecer em toda sua vida.


https://open.spotify.com/playlist/5U5hNrN7Bs74BAvMsfCnhf?
si=Xt9sW4-wTUWNz_YVv7pWfQ
Dedico esta nova história às leitoras que acreditam
na minha escrita e que deram uma chance a mais
um dos meus livros. Muito obrigada por apoiarem o
meu sonho!
Há pessoas que nos roubam...
Há pessoas que nos devolvem.

Padre Fábio de Melo


ROBERTO MENDER

Quase 7 horas da manhã e estou preso à minha mesa,


resolvendo detalhes para uma reunião que eu nem gostaria de

participar, mas exigiram a presença do CEO da empresa. Algo tão


simples que poderia ser resolvido por uma das cabeças que cuidam

dos setores envolvidos.


Contratei essas pessoas justamente para não perder tempo
com assuntos desnecessários, mas se o cliente exige então não
tenho o que fazer.

Aliás, falando em contratar funcionários, odeio quando alguém

tem apenas uma função e não consegue fazer direito.

Interfono para minha secretária.

— Sim, senhor Mender.

— Joana, venha a minha sala, agora.

— É Amanda, senhor Mender.

— O quê?

— Meu nome é Amanda, senhor.

— Joana, Amanda, não interessa. Venha aqui agora.

Dois minutos depois a secretária entra na minha sala com uma


pasta na mão. Ela se veste bem, toda executiva e com um corpo de
dar inveja, mas não existe beleza que ganhe da eficiência e isso ela

não tem.

— Onde estão os contratos da empresa que terei reunião


daqui a pouco, em São Paulo?

— Senhor Mender, eu juro que coloquei na sua mesa.


— Está achando que sou o quê? Cego, mentiroso, desleixado?
Se estou perguntando é sinal de que não estão aqui. Ao invés deles,
encontrei os contratos que assinei semana passada. Será que para

isso você tem resposta?

— Desculpa, senhor. Acredito que troquei os contratos quando


deixei em sua sala ontem.

— EU NÃO QUERO DESCULPAS. QUERO PESSOAS

COMPETENTES — grito e novamente levo mais uma secretária ao


choro.

Que raiva de pessoas que não aguentam um gritinho.

— Ei, ei, ei. Respira e pare de chorar, tome um lenço. Qual seu

nome mesmo?

— Am... Amanda, senhor.

— É o seguinte, não precisa chorar certo. Agora me traga o

contrato correto. Ele está na sua mesa?

Ela balança a cabeça positivamente.

— Certo, vá e o traga para mim.

Ela demora um pouco procurando os contratos e minutos

depois volta com eles em mãos.


— Esse era o documento que eu queria. Agora que está tudo

resolvido, passe no RH e diga que acabei de demiti-la. A empresa


pagará todos os honorários — digo lendo o contrato.

Segundos depois só percebo que Ana, ou sei lá o nome dela,


ainda está ali quando não ouço a porta batendo.

— Precisa de mais alguma coisa, Ana?

— É Amanda, senhor, e por que fui demitida? Achei que

estava tudo certo.

— Amanda, não é? Preste bastante atenção no que vou te

dizer, você é a vigésima secretária que tive em dois meses. Eu não

tenho paciência para trabalho malfeito, desleixo ou desorganização.

Para ser minha secretária é necessário que tenha atenção, esteja


dois passos à minha frente, que preveja o que vou precisar e que,

acima de tudo, não me faça desperdiçar meu tempo precioso com

besteiras. Tempo vale ouro, principalmente o meu. Não cheguei aqui


pensando pouco, cheguei porque fui além e não aceito menos do

que isso dos meus funcionários. Você não se encaixa aqui, esse é o

motivo. Agora pode sair, tenho muito o que fazer antes da reunião.

— Você é só mais um riquinho metido, que acha que pode

brincar com a vida das pessoas. Não lembra meu nome e nem faz
questão. Um dia vai precisar que alguém o ajude e quando chegar

esse dia espero que essa pessoa seja tão escrota quanto você.

Amanda sai batendo a porta chorando.

O corredor inteiro vê a cena, mas já estão acostumados a isso.

Suspiro e volto aos contratos, pois ainda tenho muito o que ler.

Depois de uma hora de leitura, revisei tudo e estavam em

ordem. Pelo menos posso contar com meu setor jurídico.

Eu me levanto da mesa e vou até a janela, minha sala se

encontra na cobertura de um prédio de vinte e quatro andares, por


isso da janela eu tenho a vista de toda a cidade de Santos.

Toda vez que olho para esta vista incrível, bate um sentimento

de nostalgia.

Quando eu era mais novo, entre 12 e 14 anos, tinha apenas

um amigo, meu primo, Jorge.

Eu nunca me dei bem em Sorocaba, uma cidadezinha do

interior, onde morava com minha mãe. Nas férias íamos para a

fazenda dos meus tios e a única coisa que salvava era a presença
do meu primo.

Minha família sempre foi pobre, mas eu odiava esse negócio


de aceitar a pobreza. Queria muito mais para minha vida, tanto que
não comia em qualquer lugar ou me vestia de qualquer jeito. Eu

poderia ser pobre, mas minha aparência era de um riquinho e, por


isso, sofri muito bullying no meio dos caipiras da cidade.

O meu primo, Jorge, nunca ligou para isso, me tratava como


qualquer outra pessoa e adorava quando eu falava dos meus planos

e do que não gostava dos lugares. Eu me lembro que ele sorria e

dizia: “Primo, você vai longe e eu quero estar vivo para ver tudo

isso”.

Crescemos, nos distanciamos, mas não deixamos de nos falar.

Ele se casou, fui ao casamento como padrinho e conheci sua


esposa, a Martina. Eles eram feitos um para o outro e o considerava

como o irmão que nunca tive.

O tempo passou e, aos 22 anos, abri minha startup que


cresceu e se transformou na empresa que é hoje.

O maior e-commerce de carros de luxo da América do Sul.

Infelizmente, não posso dizer que a vida me ajudou durante os

anos.

Quando eu tinha 24 anos, minha mãe descobriu um câncer de

mama já avançado, tive apenas alguns meses com ela até que

falecesse e levasse com ela um pedaço meu.


Eu não sei quem é meu pai e ele também nunca fez questão

de me conhecer. Pensando bem acho que esse foi o meu primeiro

baque.

Entretanto, segui minha vida.

Meu luto durou uma semana, porque a empresa não poderia


esperar e me joguei com tudo no trabalho. A empresa prosperou

significativamente e colhi os frutos do meu suor, o que eu não sabia

é que a morte cobraria as contas de mais uma pessoa da minha

família.

Aos 30 anos, estava palestrando no TED TALK quando, ao

final da apresentação, recebi a ligação de Martina aos prantos. Ela


me dizia que o Jorge sofreu um acidente de carro e morreu na hora.

Meu chão desabou.

Martina estava grávida de quatro meses e sua filha não teria o

pai, o destino sabia ser cruel.

Paguei todos os custos do enterro e me ofereci para prover a

Martina no que ela precisasse. Ela agradeceu, mas recusou.

Jorge deixou tudo pronto para eventualidades, não sei se ele


aprendeu isso comigo ou eu com ele, mas sempre estávamos

preparados para tudo. Fui embora e nunca mais vi Martina.


Eu me joguei ainda mais no trabalho, agora não tinha nada no

mundo que me prendesse ou que merecesse meu afeto, então


canalizei minha vida para a empresa, a Mender S.A. e o mundo me

devolveu em forma de lucros e crescimento.

Hoje, sou tudo o que sou por não ter desistido ou fraquejado,
mas por ter vencido cada percalço da vida.

Prometi a mim mesmo que não abriria mais meu coração para
ninguém, vou viver para mim, pois seu que posso confiar.

Olho para o relógio e está na hora de sair para a reunião.

Arrumo minhas coisas e interfono para a secretária, depois que a


ligação cai lembro que acabei de demiti-la.

Anotar na lista: contratar outra mais competente.

Peço que alguém interfone para Luiz, meu motorista, e avise

que eu estava descendo.

Pego o elevador e fecho a porta o mais rápido que pude, antes

que outra pessoa entre e comece aquela conversa chata, que não

vai para lugar nenhum e eu não aguento.

Sou uma pessoa que detesta contatos desnecessários.

Chegando no estacionamento, Luiz está a minha espera, então


entro no carro e seguimos para São Paulo.
Todo esse transtorno do contrato e o trânsito infernal de São
Paulo, me faz chegar a reunião às 9 horas.

Pelo menos não estou atrasado.

A empresa é japonesa e pretende entrar no mercado de carros

de luxo, lógico que a Mender S.A. foi a primeira e única escolha,


posso dizer com certeza. Ao final, estavam todos satisfeitos e

assinaram o contrato.

Mais um para a conta.

Finalmente eu poderia voltar à minha empresa e ao ar-

condicionado, não aguentava aquele Sol desnecessário, quente


demais e odeio suar.

Estamos quase chegando na praia de Santos quando Luiz

baixa a viseira do carro e informa que teríamos um engarrafamento,


pois aconteceu um apagão e todos os semáforos estão apagados.

— Bem, infelizmente não há o que fazer. Essa cidade precisa

ser reestruturada e não remendada como acontece sempre.

Depois de vinte minutos parados, o trânsito começa a andar e


ouço o som que arrepia toda minha coluna, o som do pneu

estourando.

Isso não pode estar acontecendo!


— Luiz, não me diga que o pneu furou.

— Desculpa, senhor Mender, mas foi exatamente isso. Deve


ter sido algum prego ou parafuso, não sei, mas o pneu furou e pelo
barulho o estrago deve ter sido grande, nos deixando sem

condições de continuar o trajeto. Terei que encostar no acostamento


e chamar o reboque.

— Arrume isso o mais rápido possível. Não aguento esse calor

e estou com fome.

Luiz estaciona, sai do carro e analisa a situação, depois tenta


ligar para o reboque.

Isso mesmo, tenta, porque logo depois volta a falar comigo.

— Tenho uma péssima notícia, senhor Mender. O telefone está


fora de área, pelo que pude averiguar parece que alguém bateu em
uma torre de celular da região e caiu o sinal junto com o apagão.

— Não acredito nisso! O que você vai fazer? Preciso chegar


na empresa, tenho muita coisa para fazer ainda.

— Senhor Mender, não tem o que fazer, quer dizer, só se eu

sair andando por aí até encontrar algum lugar que tenha reboque,
mas acho difícil com esse trânsito parado. Por que o senhor não sai
um pouco, aproveita para dar uma volta e respirar a brisa de ar
puro? Relaxar um pouco faz bem.

— Luiz, se eu quisesse um psicólogo ou mestre de yoga para

relaxar eu contratava. Eu odeio ficar embaixo desse Sol e suar feito


um porco. Deus me livre! Você vai andando até encontrar algum
lugar que resolva meu problema enquanto espero aqui dentro do

carro, mas o deixe ligado para não sofrer sem o ar-condicionado,


por favor.

— Senhor Mender, me desculpa, mas não vou fazer isso. O

senhor viu o tamanho desta rodovia? São muito quilômetros para


tentar achar o que nem sei se tem.

— Luiz, não reclama, eu te pago muito bem para isso. Se

reclamar mais vou encontrar alguém que faça.

E esse foi meu primeiro erro de uma sequência de


acontecimentos que virão.

— Pode deixar, senhor Mender. Eu me demito, agora ache

alguém que aguente todas as suas frescuras e ordens descabidas.


Quero ver se consegue. Adeus.

Luiz vai embora e me deixa sozinho dentro de um carro de

luxo com pneu furado.


Isso era a pior coisa que poderia me acontecer, eu achava.

ELLEN SOUZA

O despertador toca às 4h:30min da manhã, muito cedo para


alguns, mas para mim é o horário perfeito para aproveitar minha
paixão: o surf.

Eu me levanto sem fazer barulho, meus pais ainda estão


dormindo e eu não quero acordá-los agora.

Organizo minhas coisas para sair devagar de casa, mas como

sou desastrada derrubo meu celular numa poça de água funda, bem
na saída da porta.

Não tenho tempo para sofrer pelo desastre, o Sol não espera,
entro novamente e coloco meu celular dentro do pote com um pouco

de arroz, quando voltar tenho fé que estará seco.

Lá fora, o meu Fiat 147 me espera, meu companheiro de


viagens e aventuras.

Dirijo até a praia de Santos e chego às 4h:40min.

Moro pertinho da praia e é o tempo ideal para preparar a


prancha e entrar no mar.
Tiro a prancha do rack que instalei em cima do carro e sigo

para a areia já vestida com a roupa de mergulho. Passo parafina


nela toda e corro para cair na água.

Essa corrida da areia para entrar no mar é como uma

montanha-russa para mim, o momento em que acelera o coração e


chega a hora do ponto importante.

A água está gelada, mas estou acostumada, afinal são anos

surfando nessas águas e para mim é como andar de bicicleta.

Nado até o ponto calmo, onde eu posso ficar boiando e


olhando o Sol nascer. Este é o motivo para acordar tão cedo, quer
dizer, um dos motivos.

Começar o dia com a visão do Sol nascendo, dentro do mar é


como terapia para mim. Relaxa meu corpo, minha mente e minha
alma.

Essa visão me traz recordações de toda a minha vida.

Minha família sempre foi simples, mas amor não faltava.

Meus pais, Raul e Carina, se conheceram muito novos ainda


no colégio, uma daquelas paixões para a vida toda. Por volta dos 20

anos se casaram e quando minha mãe tinha 22 anos me teve.


Muito nova, eu sei, mas para eles eu era o maior presente do
mundo. Eles me encheram de amor em todos os momentos, mesmo
quando a vida não ajudava com as coisas.

Passamos por situações bem difíceis, tiveram dias que mal


tínhamos o que comer, mas o sorriso no rosto dos dois não deixava
que eu pensasse que algo de ruim acontecia.

Lutaram e cresceram juntos, e aos poucos foram trilhando o

caminho da nossa família.

Cresci jogando bola, ralando os joelhos, andando de skate e


tudo de radical que imaginar. Nunca fui fã de bonecas, maquiagem e

essas coisas de menina, sempre fui do time dos meninos que


adoram carros, até que um dia conheci o surf e me apaixonei
completamente.

Parece que minha infância foi fácil, não é?

Acredite não foi.

Quando fui crescendo, percebi os apertos dos meus pais e vi


muitas vezes minha mãe chorar por não poder dar a mim uma vida

melhor. Cresci na favela e, para mim, seria muito fácil entrar na vida
do crime, mas meus pais fizeram de tudo para que eu tivesse um

futuro.
Minha mãe estudou e se tornou enfermeira, enquanto meu pai
trabalha numa fábrica de montagem de carros. Ambos dão tudo de

si, turnos noturnos, chegam cansados, mas sempre estão juntos, o


amor que sentem um pelo outro cada vez mais forte e o sorriso que
irradia em seus rostos.

Este é o maior exemplo que tenho para mim, o que espero em

qualquer relacionamento: cumplicidade, companheirismo e amor.

Hoje, aos 24 anos, tenho desejo de me tornar bióloga, quero


cursar Ciências Biológicas e viver com os animais que tanto amo,

dentro do vasto oceano. Essa é a minha paixão.

Por isso aceitei o trabalho no American Hotel, um hotel cinco


estrelas para os ricaços que vivem e visitam Santos.

Pam e eu, minha amiga, trabalhamos trocando turnos e uma


cobre a outra, esse é o outro motivo por ter acordado cedo na minha
folga, cobrir o turno dela sem que o supervisor saiba.

Troca de turnos precisam ser aprovadas e ela precisava

urgente porque sua avó passou mal e não tinha com quem ficar.

Não posso reclamar, muito, do meu trabalho, os ricos dão as


melhores gorjetas e é um trabalho com pouco estresse. O problema

é que sempre tem aquele que passa dos limites, que acha que toda
brasileira é prostituta e quer meter a mão onde não deve ou oferece
dinheiro para transar com a camareira.

Ridículos, tenho aversão a esse povo.

O Sol começa a nascer e chega a hora de aproveitar as ondas.


Vou remando até pegar uma delas, me perco neste momento,

mergulho com tudo e esqueço todos os meus problemas.

Impossível ter a natureza tão perto de si e não relaxar ou não


amar tudo isso.

Saio de dentro do mar renovada, são 7h:30min da manhã e

meu turno começa às 10:00 horas.

Ainda tenho tempo, por isso me sento na areia e fico


observado a praia encher de gente, sentindo os raios de som em

meu corpo.

— Olha se não é o peixe de Santos!

Olho para o lado e vejo Rick, namorado da Pam, com seus


amigos.

— E aí Rick, cadê a Pam?

— Tá cuidando da avó. Ela amanheceu bem mal, acho que


vão levá-la para o hospital para saber o que é.
— Caraca, que mal. Coitada da Pam. E você, veio pegar uma

onda também?

— Vim dar um rolê na praia, estou virado desde ontem de uma


festa em que estava. Aproveito e dou um mergulho para acordar o

juízo.

— Ah, entendi, que massa. Vai lá curtir.

Eu não vou muito com a cara do namorado da Pam, acho


injusto ele cair na farra com a namorada em casa cuidando da avó

doente, mas cada um sabe o que faz da vida.

Os amigos do Rick o acompanham e só Jonathan fica. Ele se


senta ao meu lado e continuo observando a praia.

— Você também estava na festa, Jonny?

— Nada. Encontrei o Rick por acaso, estava voltando do meu


turno na fábrica — Jonny trabalha na mesma fábrica que meu pai.

— Nossa, deve estar morto de cansado. Por que não foi para

casa?

— O Rick não sabe aceitar um não, acabou me puxando e


aqui estou, mas não posso reclamar. Estou conversando com um

peixe, isso é raro.

Rimos da piada.
— Todo engraçadinho, piada horrível, mas engraçada. Estava
pensando na vida, nas ondas, no futuro. Você pensa em fazer
vestibular?

— Até penso, mas nem posso. Sou o único provedor de casa,


meu pai vive bebendo por aí e minha mãe não ganha o suficiente
como doméstica, não tenho muita alternativa.

Quando ouço histórias assim me sinto lisonjeada pela vida que


tenho, afinal existem pessoas bem piores que eu. Por isso não
tenho paciência com riquinho que só olha para o próprio umbigo.

— E esse carro aí? Vi aquele Fiat enferrujado e sabia logo que

era seu.

— Nada de enferrujado, isso é uma relíquia, rapaz. É o


equivalente a herança dos ricos para a minha família. Esse carrinho

já andou muito mais que as nossas vidas. É passado de mão em


mão, do meu avô para o meu pai e do meu pai para mim, a quem
diga que veio antes do meu avô. Seu Raul e eu reconstruímos cada

pedacinho dele, buscando peças originais, raras e montando aos


poucos. Levou uns três anos para ficar pronto e ainda faltam
algumas peças que são difíceis de achar ou são muito caras. Um

dia chego lá.


— Queria ter sua vontade de montar algo assim. Isso que é
projeto de vida.

— Pode acreditar. — Olho para o relógio e são 9h:30min da

manhã. — Nem vi a hora passar, preciso ir, senão vou perder meu
turno. Valeu pela conversa Jonny e um conselho, não deixa o Rick

te arrastar para todo canto. Você é um rapaz bom, não perca seu
tempo com quem não tem nada a oferecer.

— Valeu, El. Estou de olho sim.

— Vou indo, tchau.

Nos despedimos e vou direto para meu carro.

Tiro a roupa molhada deixando o biquini, coloco uma toalha no


assento para não molhar, só trocarei de roupa quando chegar ao
hotel.

Mais cedo, percebi que aconteceu um apagão que desligou até


os semáforos, mas agora parece que tudo voltou ao normal.

Ainda bem que só preciso sair depois desse caos, senão

estaria presa no trânsito infernal.

Ligo meu carro e sigo rumo ao hotel, mais um dia comum na


minha vida.
Isso até que eu avisto um riquinho fazendo sinal para que eu

pare.

Não vou mesmo, tenho mais o que fazer, mas ouço a voz do
meu pai na minha consciência, “se puder ajudar, ajude... Nunca se
sabe quando vai precisar.”

Que raiva!

Encosto um pouco mais à frente e desligo o carro. Algo me diz


que vou me estressar a esta hora da manhã, mas agora não tem o

que fazer.

Vou tentar ajudar um riquinho metido, tudo o que eu menos


queria hoje.
ROBERTO MENDER

Já havia se passado uma hora, uma hora completa da minha


vida jogada fora simplesmente porque o motorista resolveu

enlouquecer.

Meu Deus, eu mereço!

Não se encontram mais funcionários como antes.


O Sol está cada vez mais quente, já tinha tirado o paletó, mas

o calor me corrói de dentro para fora.

É, definitivo, estou no inferno, não tem outra explicação.

Como alguém pode gostar de viver neste calor?

Meu carro com o pneu furado, o celular não funciona e agora

tenho uma pizza horrível de suor debaixo do braço.

Nojento!

É inadmissível que o CEO da Mender S.A. esteja assim.

Por Deus, espero que não passe aqui nenhum cliente meu,

pois seria o fim.

O engarrafamento já tinha passado e o trânsito está livre, só

eu que ainda estou preso.

Tentei buscar sinal, mesmo que em vão, então percebi que o

único jeito seria pedir que alguém parasse e me ajudasse.

Confesso que meu medo era que parasse um assaltante, mas

minha vida já estava terrível e não tinha como piorar...

Ou tinha.

Enquanto faço sinal com o polegar para que alguém tenha dó

de mim, um carro, que deveria ser proibido de andar na rua, resolve


parar.

Eu e minha boca grande!

Não tem como piorar, Roberto?!

Certeza de que vai me assaltar.

O carro parece um ferro velho, mais antigo que meu avô. Nem
sei como é possível que ainda funcione.

Pior ainda é a motorista que desce dele, uma mulher que só

chamei assim porque precisa ser de maior de idade para dirigir, mas

o tamanho é de uma criança de 14 anos. Baixinha e já está com a

cara de irritada, eu nem falei nada ainda e ela já vem assim.

Mas não vou reclamar, foi a única que parou.

— Olá, bom dia. Você poderia me emprestar seu telefone?

Preciso chamar o reboque.

— Bom dia, qual o problema do seu carro?

— Não precisa se preocupar com o problema dele, o reboque

o levará e resolverá tudo. Só preciso do celular mesmo, por favor.

Qual é a dificuldade de fazer o que eu pedi?

Foi algo simples.

— Hum... Entendi. Você é mais um daqueles.


— Como assim, mocinha? O que é mais um daqueles?

— Primeiro; não me chame de mocinha, eu não dei essa

liberdade. Segundo; você é daqueles riquinhos metidos a besta, que

acham que sabe tudo e no fundo não sabem de nada. Quer tudo
resolvido apenas chamando alguém, não sabem fazer nada além de

explorar os funcionários e gastar dinheiro.

— Agora eu que digo, não dei essa liberdade a você. Como


assim eu não sei fazer nada? Como você pode deduzir isso?

— Uma simples pergunta, você já trocou um pneu alguma vez


na vida?

Certo, ela estava na frente deste joguinho.

Já não gostei desta menina, se fosse minha funcionária já teria

demitido.

Infelizmente, para sair daqui eu preciso da ajuda dela.

— Se eu soubesse trocar já teria feito. Não tenho medo de

sujar minhas mãos, só escolho não fazer. Para que sofrer se eu


posso pagar alguém que faça? Pense positivo, estou movendo a

roda da economia, empregando pessoas e tudo mais. Agora, você


vai parar de me julgar e me ajudar ou terei que voltar a pedir ajuda?
— Sabe qual é a sua sorte? É que fui muito bem-educada. Se

eu te deixar aqui, meu pai me mata, porque ele me ensinou a não


julgar ninguém pelo que tem ou deixa de ter. Então façamos o

seguinte, você não sabe trocar um pneu e depende de mim. Fica


quieto e faça o que eu mandar, pode ser?

— Quem você acha que eu sou, deix...

— Shhhhhiii! Se quiser minha ajuda, vai ser do meu jeito. Vai


aceitar?

— Só porque não tenho escolha. O que você quer?

— Onde está o macaco do carro?

— E eu lá vou saber. Eu não dirijo esse carro, meu motorista


foi embora e me largou aqui.

— Com certeza teve motivo. Já até imagino o que aconteceu,

sua arrogância ganhou vida. Faz o seguinte, sai da frente e me dá a


chave do carro que eu faço as coisas.

— Não seria mais fácil ligar para o reboque?

— É o seguinte, riquinho, meu celular ficou em casa,


provavelmente quebrado. Daqui a pouco preciso estar no trabalho e

você está me atrasando, se continuar assim vou embora e te largo


aqui igual teu motorista fez. Vai ficar quieto?
— Tudo bem, irritadinha.

É cada coisa que eu tenho que passar, só queria uma reunião

por teleconferência, mas não, tinha que ser presencial para me


deixar nesta situação.

Maldita reunião!

Até que ela sabe das coisas, em poucos minutos achou tudo
no carro e já está com outro pneu na mão.

— Segura aqui.

— Você sabe mesmo trocar pneu? Este carro é caríssimo e o

conserto pior ainda. Se quebrar alguma coisa, só sai daqui quando


pagar. Não quero saber se tem condições ou não.

— E vou pagar como? Na tua cama?

Uau, por essa não esperava.

— Quem você acha que sou? Tenho caráter, sabia? Nunca


que iria oferecer uma coisa dessa.

— Não sei, a maioria dos seus amigos riquinhos oferecem


todos os dias a mim e aos meus amigos. E, sim, a homens também,

então não me surpreendo com nada vindo de vocês.

— Você trabalha em quê? Em um prostíbulo?


— Vou fingir que não ouvi isso. Trabalho em um hotel e
respondendo a sua pergunta sobre o carro, sei trocar pneu desde os
meus 10 anos. O meu carro ali, meu pai e eu o reconstruímos com

todas as peças originais. Então, com toda a certeza, sei muito mais
de carros do que você.

— Seria bem mais fácil comprar outro, mas cada um com suas

escolhas. — Enquanto falo, ela troca o pneu com uma agilidade que
nunca vi na vida.

Eu não sei aonde isso irá parar.

— Lógico, vocês tem dinheiro de sobra, o mais fácil é

simplesmente comprar. Quebrou? Compra outro. Viagem? Só se for


agora. Irritou? Desconta no funcionário, é pago para isso. Acham

que conseguem tudo com dinheiro, inclusive comprar vidas, mas

deixa eu te dizer uma coisa, deste jeito você só se rodeia de


inimigos, porque todos os que estão ao seu redor tem interesse em

algo, seja por dinheiro, poder ou influência. Prefiro ser pobre e saber

com quem posso contar do que ser rica e viver sozinha. Pronto,

troquei o pneu. Sabe dirigir, certo?

Ainda me sinto extasiado com o discurso desta garota.


Ela parece ser bem diferente, sabe debater, falar e ainda

defende seu argumento. Se tiver alguém que invista pode chegar


longe, entretanto, ainda precisa melhorar os modos que são

terríveis.

— Eu me recuso a responder essa pergunta, não sou um

tapado e sei dirigir sim. Agradeço a ajuda, quanto quer por isso? —

Vou abrindo a carteira e ela gargalha na minha cara.

— Está vendo, tudo é dinheiro! Nunca passou pela sua cabeça

que eu possa ter feito de boa vontade, para ajudar, sem segundas

intenções? Sem pensar em quanto eu iria ganhar? Fique com seu


dinheiro, minha parte eu fiz. Tenha um bom dia.

— Espera, não vou te dar dinheiro.

Ela para e me olha.

Acho que a olho de verdade pela primeira vez e ela é bonita.

— Esse é o meu cartão, se precisar de algo, basta me ligar.

Você me fez um favor e estou te devendo uma.

Ela olha o cartão e me olha de volta, como quem pensa se

deve levar ou não. Por fim, picota todo o cartão, joga nos meus pés

e depois segue para o carro sem dizer nada.


Ela vai embora, simplesmente assim, enquanto fico com a

tarefa de guardar tudo. Abro a mala, jogo tudo dentro e entro no

carro.

Estou todo sujo e com o aspecto horrível.

Ligo o ar-condicionado e fico ali por alguns minutos, esperando


o ambiente esfriar. Pelo jeito aquela garota não vai sair do meu

pensamento tão cedo.

Fico intrigado com o jeito marrento dela, seus olhos


transmitiam cansaço, mas não deixavam de brilhar. Como uma

borboleta revestida por uma armadura de defesa.

Interessante...

Sempre fui bom em ler as pessoas, por isso sabia o que cada

cliente queria quando pisava na sala de reuniões, mas ela eu não


conseguia entender.

Sigo meu caminho até a sede da Mender S.A.

Entro com o carro na garagem e peço a um dos seguranças

que dê um jeito naquele carro.

Subo até minha sala, por onde eu passava todos me olhavam,

afinal nunca tinham me visto tão péssimo na vida. Sempre prezei

pela aparência impecável e hoje estou um desastre.


Eu me sento na minha cadeira, com a mente acabada e nem é

o horário do almoço ainda.

Ouço uma batida na porta e espero que não seja algum

funcionário irritante.

— Entra.

Fernando, meu braço direito na empresa entra.

— Algum problema, Fernando?

— Na verdade, sou eu quem iria perguntar isso. O que

aconteceu com você?

— Nunca pensei que uma simples reunião fosse se


transformar em toda essa odisseia. Por isso não gosto de reuniões

presenciais.

Conto tudo o que aconteceu a ele, omitindo apenas a parte da

baixinha marrenta. Falei que um homem me ajudou, não vou dar

munição para me acharem fraco também.

— Agora preciso de um terno e um banho. Você poderia ligar

para a loja que eu sempre compro e pedir um terno novo? Eles já

tem meu tamanho e entregam aqui, vão colocar na conta que tenho
lá.
— Pode deixar. E a sua secretária? Vai encontrar outra

quando?

— Por enquanto deixa assim, depois eu penso nisso.

— Você é quem sabe. Olha, uma senhora chamada Olga ligou

e falou que era urgente.

— Deve ser pedindo algo, ela já ligou tantas vezes.

— Ela mencionou que é sobre uma tal de Martina e que é


muito urgente. Vou mandar bloquearem o número.

Martina?

Será que é Martina Alvez?

Será que aconteceu alguma coisa?

— Não, retorne para ela agora e transfira para a minha linha.

— É algum cliente?

— Não, esses são os meus fantasmas do passado.

Fernando sai, me deixando sozinho com os meus


pensamentos que voam para bem longe, para um lugar que eu

preferia esquecer.

Enquanto Fernando providencia meu terno, sigo em direção ao

meu quarto.
Sim, eu tenho um quarto no trabalho, anexo ao meu escritório

e que apenas eu e pessoas contadas a dedo sabem. Não queria


ninguém me perturbando quando finalmente tivesse um tempo para

descansar. Depois que percebi que minha vida se resumia ao

trabalho, solicitei a arquiteta essa adição na planta.

Tiro a roupa e vou direto para a banheira, preciso relaxar um

pouco depois de tudo o que aconteceu, entretanto, minha mente

não para de pensar na ligação da Olga e meus pensamentos me


jogam direto para aquele fatídico dia.

Depois que o meu primo morreu, dei meu número a Martina,

para que me ligasse caso precisasse de algo. Ela ligou, não para
pedir alguma coisa, mas para saber como eu estava. Ela tentou

manter contato, mas como sempre fugi de qualquer coisa ou pessoa

que pudesse me deixar fragilizado, que tirasse minha armadura,


continuei fugindo até que ela parou de ligar.

Depois de dois meses, recebi uma mensagem da Martina me


falando que estava grávida.

Eu não sabia se dava os parabéns ou se oferecia dinheiro para

a situação, afinal uma mulher viúva no interior e grávida é


complicado, mas eu sabia bem lá no fundo, que o bebê era o maior
presente que ela poderia receber. Foi uma parte do meu primo que
ficou com ela, por isso desejei os parabéns e novamente me

coloquei a disposição.

Eu amava Martina como amei meu primo e ela sempre sabia

ser sincera.

— Roberto, não ofereça o que você não pode dar.

— Martina, você fala como se eu não me importasse com

você. Eu me importo e muito, mas o trabalho está muito corrido e


acabo perdendo várias ligações.

— Eu vejo suas palestras na internet, sei que sua vida é


corrida, mas também sei que você foge de mim porque me ver é o

mesmo que mexer nas lembranças do seu primo e isso te assusta.

Eu não tinha argumentos, ela me conhecia.

— Entenda uma coisa, meu caro, você é minha família e da


família a gente não desiste. Acredito em você e confio a minha vida

em suas mãos. Eu não esperava que acontecesse o que aconteceu


com o Jorge e não sei o que será do futuro, mas se algo acontecer a
mim você será o responsável por esse bebê, entendeu?

— Não, definitivamente, não, Martina. Primeiro que nada vai


acontecer a você e segundo que eu não tenho tempo nem para
viver, quanto mais para cuidar de um bebê. Deixa de história, nada
vai acontecer.

Depois disso ela não disse mais nada, porém sempre enviava
uma mensagem me informando das coisas, mesmo que eu não

respondesse.

Foi através das mensagens que descobri que ela teria uma
menina e que se chamaria Flor, nome engraçado, mas bonito.

Ela enviava fotos do barrigão crescendo, normalmente eu via


dois ou três dias depois, mas sempre que olhava para sua foto
sentia um pouco do meu primo ali.

A vida é uma caixinha de surpresa e testa todos os meus


limites.

Martina entrou em trabalho de parto com sete meses de


gravidez, a bolsa rompeu antes do tempo e teriam que tirar a bebê

antes que morresse.

Ela foi para a sala de parto, as duas entraram lá, mas apenas
uma saiu.

O parto foi complicado, Martina perdeu muito sangue,


conseguiram salvar a Flor, mas Martina não resistiu as primeiras 24
horas depois da cirurgia e faleceu.
E onde eu estava?

Do outro lado do mundo, em uma reunião informal com um


cliente, comemorando mais uma conta.

Ligaram para mim diversas vezes e eu deixei claro que não


atenderia ligações naquele dia.

Quando descobri o que aconteceu, voei o mais rápido que

pude. Cheguei no dia do enterro e perdi a chance de ver a Martina


uma única vez. Perdi as duas únicas pessoas no mundo que me
entendiam e sabiam quem era o verdadeiro Roberto Mender, mas

eu não estive presente no pior momento de ambos.

A Flor continuava no hospital, na UTI neonatal, como nasceu


prematura precisava ficar mais um tempo por lá.

No enterro encontrei Olga, a mãe de Martina. Nunca fomos de

falar muita coisa, apenas a cumprimentei e desejei meus pêsames,


depois segui para o hospital para conhecer a Flor.

Ela era a única pessoa que restou, que tinha um pouco das

duas melhores pessoas do mundo para mim e por ela eu estaria


presente tanto quanto fosse possível.

Depois daquele dia, Flor seguiu para ser criada por Olga, sua

avó e eu me joguei ainda mais no trabalho.


Mandava dinheiro regularmente para que ela tivesse a melhor
criação possível, tudo do bom e do melhor. Prometi a mim mesmo

que não perderia mais nenhuma ligação importante e não perdi, até
hoje.

Eu sentia calafrios só de pensar na hipótese de algo ter

acontecido a essa menina também.

Eu me assusto com a batida na porta.

— Roberto, seu terno chegou. Coloco na cama?

— Sim, Fernando, pode deixar na cama. Conseguiu contato

com a Olga?

— Ainda não. Liguei umas três vezes e ninguém atendeu,


agora só dá fora de área.

Inferno!

— Cancele todos os meus compromissos de hoje e prepare o


meu jato.

— Qual o destino?

— Deixa que eu informo ao piloto. Pode ir, se precisar de algo

me ligue, mas apenas se for uma emergência.


Se a ligação não funciona, então eu irei pessoalmente

descobrir o que aconteceu.

Saio do banho e visto meu terno. Faço uma mala pequena


para alguma eventualidade e sigo para a garagem, onde outro

motorista já me espera. Fernando deve ter solicitado outro à agência


terceirizada.

Seguimos para o aeroporto, sou dono de um dos galpões onde

meu jato fica estacionado.

Chego e o piloto já está a minha espera, esse é o tipo de


eficiência que eu espero dos meus empregados, por isso Fernando
é o meu braço direito.

— Boa tarde, senhor Mender, para aonde vamos?

— Siga para Itaperuna, lá existe um aeroporto regional que


temos livre acesso.

— Certo, senhor.

Entro no jatinho e a comissária de bordo me aguarda. Ela é


muito bonita e foi escolhida por Fernando para, provavelmente, me
ajudar com a vida amorosa, mas eu não tenho tempo para nada

então sempre ignoro isso.


Não que não tenha um pouco de diversão, quando sinto
necessidade pago uma acompanhante e satisfaço meus desejos
carnais.

Mas aquela baixinha irritada ficou na minha mente e não tenho


a mínima ideia do motivo.

Aproveito para almoçar enquanto não chegamos ao destino.

Depois de toda a correria estou morrendo de fome.

Após duas horas de voo, finalmente chegamos naquela cidade


do interior. Não vou mentir que eu tinha orgulho de voltar e olhar
aqueles caipiras que tanto riram da minha cara, pois agora eu sou

dono de uma empresa gigante e eles continuam na vidinha de


sempre.

Coitados.

Desço do jatinho e um carro está a minha espera, novamente

Fernando deixando tudo pronto.

Entro e dou o endereço da Olga, agora saberei o que


aconteceu para ela me ligar.

Levo alguns minutos para chegarmos a casa simples e


arrumada, onde meu primo e Martina viviam e agora ficou para a
Flor.
Um detalhe que esqueci de contar, alguns dias depois do
funeral da Martina, um advogado entrou em contato comigo

solicitando que eu comparecesse a leitura do testamento. Não sabia


o que a Martina deixou para mim e deveria ser algo simples, mas eu
fui por ser ela, somente por isso.

No dia estava apenas Olga e eu.

Para a mãe ela deixou algumas cabeças de gado e um


dinheiro que tinha guardado. Quando chegou a minha vez, a coisa
simples que eu esperava, na verdade, era a coisa mais importante

da história.

O advogado continuou lendo o testamento.

“Para Roberto Mender, pensei muito nesta decisão.

Roberto, lembra que te falei que confiaria minha vida a

você?

Não foi simplesmente por falar, você é a pessoa mais


importante para Jorge e eu. Entretanto, você não é mais aquele

menino sorridente, que brincava conosco, mesmo que


sonhasse com sua empresa.

Seu sonho se tornou realidade e o preço que você pagou

por isso foi a sua felicidade.


Irônico, não é?

Um sonho que rouba a felicidade ao invés de dar.

Você hoje é um homem impecável, mas seu coração está


congelado e apenas uma pessoa pode entrar e descongelar
esse lindo coração.

Se Jorge estivesse aqui apoiaria o meu desejo.

Roberto Mender, para você deixo meu tesouro mais


precioso, um que nada no mundo pode chegar aos pés e que
nada pode comprar. A você deixo a guarda total da minha filha,

Flor Alvez Rodriguez.

Espero que ambos aprendam um com o outro e que


saibam o que é amar.”

Sim, acho que os hormônios subiram a cabeça da Martina


enquanto escrevia esse testamento.

Só pode!

Eu não conseguia cuidar de mim mesmo, imagina de um bebê.

Quando ela fez aquela promessa naquele dia, achei que era
mentira, não pensei que algo fosse acontecer e que ela colocasse
isso em um papel, tanto que fico petrificado e Olga indignada.
— Como assim, minha filha, deixou minha neta para ele?

Impossível. Eu sou a avó, é meu direito.

— Desculpa, senhora, mas esse foi o desejo da Martina e, por


lei, preciso cumprir.

Recobro minha consciência.

— COMO ASSIM, EU TENHO A GUARDA DE UM BEBÊ???

— É justamente isso que estou dizendo. Você não é capaz de


cuidar de ninguém, é só mais um riquinho metido que só pensa no

próprio umbigo.

— Olga, cuidado com o que diz. Licença, existe algo que


posso fazer para passar a guarda para essa senhora irritante?

— Não, senhor Mender, a responsabilidade é toda sua.

Enquanto Olga reclama e xinga com tudo o que pode eu


coloco meu cérebro para funcionar.

Penso, penso e talvez tenha encontrado uma solução.

— Olga, silêncio, por favor. Se eu a contratar como babá,

posso deixar a Flor com ela?

— Pode, mas saiba que o que acontecer será sua culpa. Se a


bebê sofrer algum mal ou for prejudicada, você será preso.
— A avó não fará nada disso, não é, Olga?

— Exato, vou cuidar muito bem da minha neta.

— Então estamos resolvidos.

Depois daquele dia segui o meu rumo e combinei que enviaria

dinheiro para a Flor, desde que Olga cuidasse muito bem dela.

Isso aconteceu até hoje.

Bato na porta da casa e uma Olga, toda bem-vestida e cheia


das joias abre.

Meu dinheiro está muito bem empregado nela e não na Flor,


pelo que percebo.

— Roberto?! Você veio até aqui?

— Lógico, você não atende o telefone. Achei que aconteceu

alguma coisa e vim direto ver como a Flor está.

— Ela está bem, deitada no berço.

Entro na casa e tudo é do bom e do melhor, uma repaginada

geral, com o meu dinheiro. Já a Flor está em um berço de segunda


mão, com roupas velhas e brinquedos horríveis.

— Olga, combinamos que você cuidaria muito bem da Flor.


Vejo que o dinheiro que mandei foi direcionado a você e não a ela.
Que tipo de avó você é? Por isso a Martina não a deixou com você.

— Deixa de reclamar que eu cuidei quando você não quis e ela


é um bebê, nem sabe a diferença de nada.

Flor tem cinco meses.

— Isso é inadmissível, você me ligou para quê? Para pedir


mais dinheiro?

— Não começa, Roberto. Liguei porque queria te dizer que não


posso mais cuidar da Flor. Vou me casar mês que vem e entre um
casal recém-casado não existe espaço para o filho dos outros.

— Ela é sua neta, filha da sua filha e não uma estranha. Como

você pode tratá-la assim?

— Ah, meu querido, cada um com seus problemas e ela é


problema seu.

— Olga, você sabe que não posso cuidar de uma bebê.

— Você é rico, arrume a melhor babá para ela, simples assim.


Agora pode ir embora, a mala dela já está arrumada, somente

algumas besteirinhas, você compra tudo novo lá. Vá logo que o meu
noivo já está chegando, não quero confusão.

Estou em uma situação ridícula, não consigo pensar em uma


solução e desta vez teria que levar a Flor comigo.
Olha que eu nem sei como pegar em um bebê.

Tiro a menina do berço, a choradeira começa e Olga enfia uma

chupeta na boca dela, mas algo me diz que isso não irá durar muito.

Eu nem quero olhar na cara daquela mulher, saio sem a mala


e entro no carro, depois comprarei tudo novo.

Nem sei por onde começar, o que comprar para uma criança
ou como cuidar.

Como vou encaixar a Flor na minha rotina se nem namorada


tenho por falta de tempo?!

Seguimos para o avião, entro com ela no jatinho e peço que


fosse o mais rápido que pudesse de volta a Santos.

Não dá dez minutos de voo e ela começa a chorar.

Ela chora de um lado e eu enlouqueço de outro.

Martina, por que fez isso comigo?!

Sei que a Olga seria uma péssima cuidadora da menina, mas


não tinha nenhuma outra pessoa?

Uma amiga, uma tia, sei lá...

Veio com esse papo de descongelar meu coração e amor, mas

essa menina quer um peito com leite e isso com certeza não tenho.
Ao ver meu desespero a comissária de bordo se aproxima.

— Licença, senhor Mender, me desculpa a intromissão, mas


vejo que está com problemas para cuidar da bebê.

— Flor é o nome dela e, sim, muitos problemas. Nem sei por

onde começar e ela só faz chorar. Como se sabe o motivo do


choro?

— Ela deve estar com fome, senhor. Tenho uma filha de cinco

anos e nessa idade o choro geralmente ou era cólica ou fome. Ela


estava chorando antes?

— Não, ela estava caladinha e deitada no berço até eu pegá-


la.

— Então é fome. Se quiser posso preparar uma mamadeira


improvisada, pelo menos até pousarmos.

— Por favor, ficarei muito grato.

A comissária sai e volta minutos depois com o que deve ser

uma garrafa com um bico dosador, improvisando uma mamadeira.

— Pronto. O bico dosador é de borracha e a garrafa de


plástico, já que não é permitido vidro no avião. Acho que deve servir,

usei o leite normal de caixa que tinha. O senhor quer alimentá-la?


— Não, pelo amor de Deus, não. Pode dar a mamadeira, por
favor? Você deve saber mais do que eu.

— Certo. — Ela se senta em uma das poltronas e pega a Flor

com uma delicadeza e agilidade que eu nem sei como foi.

Num piscar de olhos ela estava tomando a mamadeira e logo


depois arrotou e caiu no sono. Eu deixo a comissária com ela e me
levanto para tomar um drink, preciso de álcool.

Pousamos e agradeço muito a comissária.

Sigo com uma Flor silenciosa e relaxada, ela bem que poderia
viver assim, não é?

Chegamos e já passa das 18 horas, anoiteceu e nem percebi.


Assim que desço do avião entro no carro e sigo para a empresa.

Pego o elevador privativo e de lá interfono para o Fernando me


esperar na minha sala.

Assim que entramos, ele está de cabeça baixa e diz:

— Roberto, você tem uma ligação import... O que é isso? —

Se assusta quando me vê com Flor.

— Um bebê, Fernando, não está vendo.

— Lógico que estou vendo, mas porque tem um bebê aqui?


— Depois eu explico. O que você estava dizendo?

— Você tem uma ligação importante, é a segunda vez que


ligam. Acho que é algum cliente do Japão querendo falar com você.

— Transfira imediatamente para mim aqui e pode ir.

Puta merda!

Segunda vez com o cliente do Japão, eles são muito pontuais


e prezam muito por isso, afinal tempo é dinheiro.

Vou melhorar a situação.

Fernando sai ainda espantado com a Flor, certamente depois


teria muitas perguntas a serem respondidas.

O telefone toca e atendo.

Converso com o cliente e tiro suas dúvidas, essa coisa de fuso

horário é o pior.

Quando desligo o telefone, a Flor já está dormindo em meus


braços. Olhando-a assim, calma e calada, ela é linda, tem os olhos

da mãe e o cabelo do pai.

Sinto uma ponta de nostalgia e saudade dos dois, mas


espanto o mais rápido que posso.
Coloco a Flor no quarto e vou dormir, amanhã será um novo
dia e a mesma agitação de sempre.
ELLEN SOUZA

Entro no carro e dou a partida no meu Fiat 147 o mais rápido


que posso.

— Que cara chato e irritante. É sempre essa arrogância,


sempre desmerecendo as pessoas que ele acha que estão abaixo

dele.
Pior foi que ele ainda me ofereceu o seu cartão, como se eu

soubesse quem ele é e sua importância no mundo, pelo menos foi


melhor do que o dinheiro que me ofereceu antes.

Eu me senti uma prostituta que precisava ser paga, me poupe,


pelo menos não faço ideia do seu nome, então minha mente vai

deletá-lo fácil.

Meu pai sempre diz que ninguém sabe o dia de amanhã, não
espero nunca precisar e não faço questão de guardar tudo que

talvez me sirva depois, ao contrário do meu pai não tenho essas

crenças e superstições.

— Não acredito que vou me atrasar e tomar uma bronca por

causa daquele idiota?!

Estaciono, entro correndo no hotel, vou direto para o vestiário

dos funcionários e me troco o mais rápido que posso, entretanto,

não foi mais rápido que o meu supervisor que já me esperava do

lado de fora do vestiário.

— Bom dia, senhor Afonso, já estou subindo, somente estou

guardando algumas coisas.

— Você está atrasada, deveria ter começado o trabalho vinte

minutos atrás.
— Senhor Afonso, por lei tenho direito a quinze minutos de
tolerância, então só me atrasei cinco minutos. Libera, por favor. O

trânsito estava horrível, a energia faltou, foi uma loucura só.

— Você sabe que as coisas não funcionam assim. Para que os

hóspedes tenham o melhor, nós precisamos de duzentos porcento

do nosso sangue e você nem consegue dar os cem porcento.

— Olha, façamos assim. Fico mais vinte minutos depois do

meu turno para compensar o atraso. Pode ser, por favor?

Já estou implorando porque tudo o que eu menos preciso é

perder meu emprego.

Ele me olha dos pés à cabeça, como se a sua aprovação


dependesse da quão arrumada estou.

Preciso estar impecável e ainda bem que o uniforme é fácil de

colocar.

Depois de um tempo analisando e anotando alguma coisa, que

eu juro que deveria ser só rabiscos, ele diz:

— Suba, está liberada com o acréscimo de vinte minutos, e

Ellen?

— Sim, senhor.
— Mais um atraso ou falta, você será demitida. Não faço

favores ou caridade, você já está cobrindo a Pamela, então não


abuse da minha bondade.

— Eu não me atrasei tantas vezes assim e muito menos posso


ser demitida desta forma.

Senhor Afonso me olha extremamente irritado.

— Mas vou prestar muita atenção para não repetir.

— Pode ir e não quero que isso se repita, entendeu?

— Pode deixar, senhor. — Vou saindo o mais rápido que posso


antes que ele se irrite ainda mais com meu desaforo.

Eu não consigo não falar a verdade, tenho um filtro mental

defeituoso, por isso sempre afasto as pessoas que não entendem e


que acham grosseria.

Espero que a Pam consiga levar a avó ao hospital e tudo dê


certo. Mais tarde ligo para ela, agora tenho um turno de 8 horas e 20

minutos para cumprir.

Passo o dia na rotina de sempre do trabalho, limpo os quartos,


arrumo tudo para o próximo hóspede ou para alguém durante uma

grande estadia. Fujo dos ricos metidos e enxeridos, e ameaço com


a polícia aqueles que passam dos limites e acham que podem

passar a mão nas camareiras.

Depois de algumas horas chega meu intervalo e sempre vou


para o telhado do hotel, o trabalho pode ser horrível, mas a vista é

espetacular.

Lá de cima eu tenho direito a calmaria e ainda posso almoçar

sem ser interrompida.

Estou aproveitando meu almoço quando um cara, aparentando


uns 25 anos e usando farda do hotel, acho que é recepcionista,

atende uma ligação e começa a falar alto, para todo mundo ouvir.

Quando vou dar um grito para falar mais baixo, ouço o nome

do Rick, o namorado da Pam. Estranho, porque ele nunca veio aqui


e não tinha como fazer amizade com os funcionários, já que sempre

dizia que detestava hotel de grã-fino.

Estou sentada longe da porta, um grande armário de energia


do hotel me esconde e até ali não sabia que era sorte.

A conversa continua:

— Rick, você tem uma nova oportunidade hoje. Vai ter troca de
turno às 20 horas, você vem e durante os dez minutos da troca

consegue andar pelo hotel inteiro sem ninguém perceber.


Ainda pensava que podia ser outro Rick, mas dada minhas
desconfianças da sua vida noturna, não duvidaria muito que fosse
ele na ligação.

— O quarto é o 1444, ala VIP, cobertura. Deve ser peixe

grande, porque desde que chegou gastou muito e sem pena.

Silêncio e depois ele volta a falar:

— Uhum, pode deixar. Te espero na área de carga/descarga.

O cara desliga o telefone e vai embora.

Eu não queria que fosse o Rick para não magoar a Pam e

porque eu seria testemunha contra ele se fosse verdade, mas uma


coisa é certa um roubo irá acontecer.

Ajeito minhas coisas e me preparo para voltar para meu turno.

Encontro um broche dourado com um helicóptero, esse deve


ser daqueles que te dão de brinde no voo, acho que deve ser de

algum hóspede. Melhor descer e entregar direto ao senhor Afonso


para que coloque no setor dos achados e perdidos.

Desço ainda com a história do roubo na cabeça, não posso


permitir que aconteça e parece que teve outros, afinal o cara falou

outra oportunidade.

Preciso ver isso melhor.


Encontro o senhor Afonso no primeiro andar do hotel.

— Senhor Afonso, encontrei este broche caído no corredor,

deve ser de algum hóspede.

Ele pega da minha mão e analisa bem, tenho a impressão de


ser de ouro, mas não tenho contato com isso para saber identificar

assim.

— Trouxe para que coloque no setor dos achados e perdidos.

É aí que uma coisa muito estranha aconteceu.

Normalmente, o objeto é colocado em um saquinho do hotel e


levado para o setor, mas o senhor Afonso coloca direto no bolso

dele.

— Senhor Afonso, se quiser eu mesma levo. Basta que

autorize.

— Não, não precisa. O que você está insinuando? Que eu vou


roubar o broche? Faça-me o favor, garota.

— Me desculpe, não foi isso que quis dizer e tenho outro


problema para relatar.

— Agora não, volte ao trabalho e no final do expediente você

me fala, é algo urgente?


— Não, mas é algo que possa...

— Não quero ouvir. Se não é urgente então não importa. Volte

logo, antes que dê uma advertência por não trabalhar direito.

Volto ao trabalho, tentando pensar em algo que possa fazer,

mas nada vem à mente.

Estou limpando um dos quartos, quando Verônica, uma das


camareiras e conhecida nossa fala comigo.

— Ellen, ei, garota?! Ei!! Está me ouvindo, não?

Saio dos meus pensamentos e noto a Verônica ali.

— Ah, oi, Verônica, desculpa. Não te vi chegando.

— Só pode, está com a cabeça nas nuvens. Que bicho te

mordeu?

Penso em contar, mas tenho certeza de que pensariam que

sou louca.

Um negócio desses acontecendo em um hotel de prestígio

aqui não seria um escândalo, diversos ricos roubados e não

notaram.

Só que dessa vez é diferente, eu descobri o que estava

acontecendo e não conseguirei ficar quieta, mas precisarei agir


sozinha.

Meu medo é que fosse pega, por isso tudo precisa ser

pensado.

— Só pensando na Pam e na família dela — desconverso.

— Ah, é por isso que você está aqui e a Pam não. Pensei que

ela tinha sido demitida, ainda bem que não foi isso. Espero que

esteja tudo bem.

— Eu também, mas vamos seguir nosso trabalho antes que o

carrasco apareça e deixe a gente trabalhando até amanhã aqui.

Carrasco é o apelido carinhoso do senhor Afonso.

Depois que a Verônica vai embora, penso no que deveria fazer

e como poderia ajudar. Pam e eu sempre almoçávamos juntas e se


ela estivesse aqui teria me feito procurar por todo lugar quem era o

funcionário e porque esse quarto, mas ela não estava e tudo isso

precisava de duas pessoas.

A Pam era mais altruísta, se preocuparia mais em entender, já

eu quero logo denunciar e ver o culpado preso.

Por isso, vou seguir o que ela faria e descobrir se é o Rick que

conheço.
Rodo por todo o hotel, pelos lugares que tinha acesso e todos

os quartos eram de pessoas diferentes ou estavam vazios.

Depois de duas horas nesse entra, limpa e sai, estou morta e

só penso no fim do turno.

Todos largaram suas obrigações, vem a troca de turno e eu

fico, teria que largar e correr para não chegar muito tarde em casa e

acordar meus pais. Ou eu chegava na hora ou preferia dormir na


casa de Pam ou outra amiga, assim não os incomodava.

Casa pequena, qualquer barulho acorda o mundo.

Quando já estou perto de largar minhas obrigações, o carrasco

vem se aproximando e meu medo de que ele diga que tem mais um

trabalho, no final do expediente, é concretizado.

— Ellen, estamos com pouco pessoal por enquanto e o andar

VIP pediu uma limpeza adicional.

Por essa eu não esperava.

Será que o destino estava contribuindo?

— Eu não tenho acesso a esse andar.

— Hoje tem, vá logo que eles pediram com urgência.


Aceito sem nem pensar duas vezes, pois preciso descobrir o

que está acontecendo.

Certamente eu chegarei tarde e dormirei na casa da Pam.

— E sobre aquele assunto que eu queria falar?

— Depois da limpeza, anda Ellen.

— Qual é o número do quarto?

— Quarto 1444. Acelera que faz dez minutos que pediram.

Ele vai embora enquanto eu sigo para matar minha curiosidade


e descobrir a verdade.

Ao chegar na frente do quarto, bato na porta umas duas vezes

até que alguém apareça para abrir, mas preferia que não tivesse
aberto a porta.

Parado à minha frente está um homem grande e gordo, com


um roupão do hotel e espero que não venha com gracinhas.

— Com licença, boa noite. Foi aqui que pediram uma limpeza

de quarto adicional? — digo firme para barrar qualquer liberdade.

— Sim, pedi, vocês demoraram muito. Sem querer derrubei

vinho no tapete e sujou um pouco no caminho para o banheiro


quando fui me limpar. Limpe tudo, por favor.
Entro no quarto e tudo está uma zona.

Encontro o lugar sujo e começo a limpar até sentir o homem se

aproximar, me rodeando. Ele não vai resistir e vai soltar uma

gracinha, mas para o meu plano funcionar preciso me conter e ficar

calada. Que problema, viu?

— Você é muito bonita.

— Senhor, peço que evite comentários que fogem do âmbito

profissional.

— Foi só um elogio.

— Agradeço, mas melhor não continuar...

Ele se aproxima mais.

Inferno!

— Qual é o seu nome?

— Ellen, senhor.

— Prazer, Ellen, muito prazer mesmo. Já pensou em ser

modelo?

— Não, senhor. Tenho tempo para isso não, preciso trabalhar.

— Se você quiser, eu posso te ajudar. Conheço vários donos

de agência e você nem precisa passar por todo o começo ou pagar


algo. Te ajudo de bom grado.

Estou só esperando a pegadinha.

— Não gosto de aceitar coisas assim dos hóspedes. Todos os

funcionários são instruídos a não aceitar nada e agradeço a

proposta, senhor.

— Ninguém precisa saber. Você só precisa me encontrar aqui

no dia que marcarmos e pronto.

Sabia que nada era de graça.

Viro as costas para sair e não falar nada errado, mas não o

vejo se aproximar. Somente sinto sua mão em meus quadris e se


esfregando em mim.

— Com uma bundinha dessas, fará muito sucesso no meio do


entretenimento.

Rapidamente saio de perto dele, com muita raiva por ele ter
tocado em mim.

— O senhor pode ser hóspede aqui, mas ainda tenho meus

direitos. Eu não dei permissão para me tocar e nunca daria, então


mantenha suas mãos sujas longe de mim. Depois volto para

terminar a limpeza.
Junto todas as coisas e começo a me preparar para sair o
mais rápido possível. Saio correndo em direção ao senhor Afonso.
Ele é carrasco, mas é impossível não entender que isso claramente

foi um caso de assédio.

— Senhor Afonso, tive um problema no quarto 1444.

— Já estou sabendo, mocinha. O cliente me ligou informando


que você foi mal-educada com ele e o destratou na frente da

esposa.

Que esposa?

— Você é funcionária do hotel e representa a instituição, tome

cuidado com suas ações.

— Como assim? Eu sou assediada e tenho que sair como


errada?!

— Assediada?

— Ele passou a mão em mim e se esfregou no meu corpo sem


minha permissão.

O senhor Afonso tira os óculos e se aproxima.

— Ellen, ouça bem este conselho. Coisas assim acontecem o

tempo todo, para estar nesse trabalho você precisa aceitar, ficar
calada, sair educadamente e pronto.
— Mas, senhor...

— Mas nada. Você já largou, pode ir embora e pare de


perturbar o meu juízo.

Frustrada, sigo direto para o vestiário.

Estou terminando de me arrumar quando vejo o namorado da


Pam, Rick, passar pelo corredor.

Tinha até esquecido dele, tamanha foi minha raiva.

Aproveito que o senhor Afonso foi conferir o turno que iria


entrar e segui o Rick.

Ele segue para o quarto 1444, o mesmo quarto que o

recepcionista falou no telefone. Rick bate na porta e ninguém


aparece, então abre a porta com um dos cartões do hotel que não
sei como conseguiu.

É assim que ele sempre tinha dinheiro paras as coisas.

Eu me aproximo para saber o que estava acontecendo, ele faz


a limpa no quarto enquanto o cara dorme super apagado.

Não sei como ele conseguiu isso.

Perdida em meus pensamentos, dou bola fora e Rick me vê.


Corro o mais rápido possível, mas não consigo ser mais veloz
que o telefone.

Assim que chego nos armários para pegar minhas coisas,


senhor Afonso se aproxima com dois seguranças do hotel.

Ainda cheguei a pensar que ele acreditou em mim e que os

seguranças eram para o 1444, iludida eu sou.

— Senhorita Ellen, recebemos uma denúncia anônima de que


estaria acontecendo um roubo no hotel e viram uma moça com a
sua descrição. Precisarei revistar sua bolsa.

O Rick deve ter feito isso, mas não vão encontrar nada.

— Eu não roubei nada. Nunca fui ladra e nunca vou ser. Isso é
palhaçada, eu vou embora.

Minha saída é bloqueada e o senhor Afonso aproveita para

arrancar minha mochila do braço, estou com ela desde que saí do
vestiário atrás do Rick.

— Eu nunca pensei que isso aconteceria aqui. — Senhor

Afonso vasculha minha bolsa e então encontra minha coleção de


souvenir. — Não é ladra? Isso que vamos ver.

— Isso é um absurdo. Eu posso processar o hotel por assédio

moral, sabia? Vocês estão cometendo um grande erro.


Os seguranças permanecem me segurando e todo mundo do

hotel começa a se aproximar para saber o que está acontecendo.

Esta foi uma das minhas maiores vergonhas, mas não


imaginava que iria piorar.

Senhor Afonso mostra um relógio de bolso revestido a ouro e

que eu nunca vi na minha vida, mas que aparentemente estava


dentro da minha mochila não sei como.

— Se não é ladra, o que é isso então? Seu salário não é

suficiente para comprá-lo.

— Isso não é meu. Eu nem sei como foi parar aí, alguém deve
ter colocado na minha mochila. — Olho ao redor procurando o Rick

e nada.

— Agora me explique, senhorita Ellen, se você não é ladra


porque tem um relógio caríssimo na sua bolsa e que não te

pertence?

— Eu não sei, mas eu nunca roubei nada. Eu não preciso


disso, por favor, acredita em mim.

Neste momento, percebo que as coisas não vão bem para o

meu lado. Estou quase aos prantos, pois cadeia é algo que nunca
cogitei.
— A resposta sempre é essa. Vou devolver o relógio ao dono
do quarto e quanto a você, que aproveitou o turno para roubar, vai
direto para a cadeia, conhecer gente da sua laia.

Eu nunca tive chance, pois seria minha palavra contra a dele e


a minha nunca teria validade.

Ainda não consigo entender como aquilo foi parar na minha


mochila.

Quando saio sendo escoltada, vejo o senhor Afonso com um


sorriso sarcástico e depois o recepcionista do mesmo jeito.

Será que eles estavam trabalhando juntos?

Essa seria a única explicação.

Não acredito que me ferrei deste jeito.

Devolvem minha mochila e chamam a polícia.

Sou algemada e levada na viatura, uma das maiores


humilhações da minha vida. Seguro o choro o máximo que posso,

mas algumas lágrimas insistem em cair, de raiva, ódio e medo.

Chegamos à delegacia, sou levada para dentro, fazem minha


ficha e tiro a foto tradicional com a plaquinha. Colhem minhas

digitais, fazem uma revista só para saber se eu não tenho armas e


sou colocada na mesma cela que as prostitutas detidas e outras
mulheres.

Eu não sabia como seria o meu futuro agora ou como seria

minha vida com essa ficha de presidiária.

Eu me sento em um canto e abaixo a cabeça, tentando pensar


em algo, mas nada vem à mente. Eu não quero ligar para meus

pais, eles não tem como pagar a fiança e ficariam desesperados.

Melhor pensarem que eu fui dormir na casa de alguém e


esqueci de avisar, pelo menos por enquanto.

Um policial aparece e avisa que serei interrogada, pelo menos

irão ouvir o que eu tenho a dizer.

Sou levada para aquelas salas de interrogação e pouco tempo


depois um policial entra com uma pasta, provavelmente com meus

dados.

— Boa noite, Ellen Souza. Que baita problema você se meteu,


hein?

— Foi só um relógio que apareceu na minha mochila, que nem


fui eu que roubei, precisa mesmo de tudo isso?

— Um relógio? — Ele abre a pasta. — Desde o ano passado,


investigamos roubos em grandes hotéis, que se tornaram
frequentes. Os hóspedes falavam que sentiam uma forte sonolência
e quando acordavam tudo de valor tinha sumido. Segundo o hotel,

consta nos registros o uso do cartão do próprio quarto, o que não


levanta suspeitas quanto ao acesso, mas não foram eles. O ladrão

tinha tudo para passar despercebido, nesse caso quem melhor do


que um funcionário do hotel, melhor ainda uma camareira que tem
acesso a todos os lugares.

— Você está muito enganado. Eu nunca roubei ninguém e não

tenho acesso a todos os andares. Só fui para o andar VIP porque o


senhor Afonso me mandou e tenho certeza de que ele está

envolvido.

— Você então diz que não roubou e que um dos culpados é o


seu chefe? Desculpa, Ellen, mas as coisas não estão boas para
você.

E você não acha que já percebi isso.

— Isso estava na sua mochila e só agora outras pessoas


tocaram nela.

— Como vocês estão levando isso tudo a sério, hein? Eu

nunca fui presa, por que mentiria agora?


— Todo criminoso teve sua primeira vez por inúmeros motivos,

garota. Existem provas suficientes para levá-la a julgamento e será


dos grandes. Você ganhou atenção de toda a capital com esses
roubos e despertou a raiva de pessoas influentes. Se eu fosse você,

pediria ajuda a quem quer que fosse, pois vai precisar — o policial
diz e sai.

Fico me xingando mentalmente por não ter guardado o

número, nem o nome que eu tinha daquele arrogante.

QUE ÓDIO!

Volto para a cela e, antes do policial sumir, faço um pedido.

Não tenho para onde correr.

— Eu tenho direito a uma ligação, só uma. Deixe-me fazer


agora, por favor?

Ele pensa um pouco, mas deve ter deduzido que eu não

oferecia perigo.

— Vamos logo, vou te algemar primeiro.

Sou algemada novamente e saio da cela.

— Não precisa passar horas aí, viu? Fala rápido.


Disco o número da minha casa enquanto o policial me olha
todo desconfiado.

O telefone toca algumas vezes, já deveriam estar dormindo,

quando já estava desistindo meu pai atende.

— Alô? — diz com a voz de sono.

— Pai? Pai, é a Ellen.

— Oh, minha filha, achei que estava dormindo na casa da

Pam. Está tudo bem?

— Não, pai, não está. Eu me meti em uma encrenca e não


tenho a mínima ideia de como sair. — Enquanto minha voz vai

ficando chorosa, a voz do meu pai começa a ficar preocupada.

— Ellen, você consegue voltar para casa? Venha que


resolvemos aqui, se quiser vou te buscar, só me diga onde está.

Eu tento ser forte, mas o medo está ganhando.

— Sinto muito, pai, mas desta você não pode me salvar.

No fundo, ouço a voz da minha mãe perguntando o que


aconteceu.

— Ellen, estamos preocupados, filha. O que aconteceu de tão

grave?
— Fui presa, pai. Me incriminaram no trabalho, colocaram um
objeto de um cliente na minha bolsa e agora estão me culpando

pelo roubo de um monte de hotéis que aconteceram da mesma


forma. Não tenho como sair e meu julgamento será logo. — Ouço
minha mãe chorando e meu pai a acalmando.

Meu coração se parte em milhões de pedaços, sempre quis


ser a filha que dá orgulho a eles e que os incentiva a continuar uma
jornada de trabalho exaustiva.

Nunca quis dar trabalho ou entristecê-los e isso dói mais que o

medo em mim.

— Olhem, vou conseguir sair dessa. Nunca quis deixá-los


tristes, isso eu nunca pensaria que aconteceria. Me desculpem, por

favor. Juro que não fui eu, juro que não roubei. Meu julgamento é
daqui a dois dias, não precisam vir.

— Filha, acreditamos em você. Vamos tentar te ajudar com

algo, encontrar algum advogado, não sei, mas vamos te ajudar.


Estaremos no julgamento.

O guarda sinaliza informando que o tempo acabou.

— Preciso ir. Amo muito vocês.


Desligo o telefone e volto para minha cela. Eu me sento no

canto mais afastado e, pela primeira vez, choro com todas as


minhas forças e coloco para fora tudo o que está entalado.

Uma das meninas que estão na cela me oferece um lenço.

— Olha, não sei o que aconteceu, mas você não parece deste

mundo do crime. Respira fundo, não se entrega e acredita que


quem é bom tem um toque especial do destino. Ele vai te ajudar. —
Ela então volta ao seu lugar e fico perdida em meus pensamentos.

ROBERTO MENDER

Passo o dia seguinte trabalhando. Entrevisto algumas


secretárias, mas elas são ainda piores que a última.

Como não se pode encontrar alguém de qualidade em uma


cidade tão grande?

Vou precisar importar empregados?

Ainda tinha o problema da Flor...

Preciso contratar uma babá para ficar com ela, mas minha
cabeça está preocupada com a integridade da bebê.
Tenho os melhores profissionais da segurança em casa, mas

qualquer descuido pode ser fatal.

Uma das funcionárias do andar me vê com a Flor, que chora


devido a agitação da empresa e se oferece para ajudar. Ela informa

que é mãe, então sabe o que fazer.

Dou uma quantia para que compre o necessário para o dia da


bebê e um bônus pela ajuda, pelo menos eu conseguirei trabalhar.

Estou preocupado com a empresa, muitos problemas


aparecendo ao mesmo tempo e meu tempo não dá conta de cuidar
de tudo.

Chego em casa cansado, com a Flor a tiracolo. Ela, pelo jeito,

gosta da minha presença, porque sempre fica calma comigo.

Coloco a menina um pouco no berço para que eu possa ver


alguma coisa do trabalho, mas ela começa a chorar.

— Flor, minha querida, não posso passar o tempo inteiro com


você. Preciso gerenciar minha empresa. O Fernando tem me
ajudado muito, mas não posso deixá-lo sozinho. Preciso analisar

contratos e olhar coisas que precisam de muita atenção. Você pode


me ajudar?

Flor olha para mim e volta a chorar.


Minha sanidade está quase no fim, conversando com uma
bebê e perdido. É então que me lembro que o Fernando tem
sobrinhos e sempre cuida deles quando a irmã viaja.

Ligo para ele.

— Fernando, preciso da sua ajuda.

— Ouço gritos no fundo, algo relacionado a Flor?

— Exato. Preciso saber como você faz com seus sobrinhos,


para que fiquem quietos.

— Tem um programa infantil muito bom. Vou olhar o canal aqui


e te mando por mensagem.

— Obrigado, meu amigo.

Vou trocando os canais, somente enquanto Fernando não

manda o número certo e vejo uma reportagem que me surpreende.

Somente agora tenho tempo para ver algo na TV e no jornal


está a foto da baixinha irritada que trocou o pneu do meu carro.
Aumento o volume, descubro que ela está sendo acusada de roubar

inúmeros hotéis e que amanhã à tarde ela terá uma audiência para
definir se ela aguarda o julgamento na prisão ou em liberdade.

Apesar de não conseguir ler essa mulher, eu sabia que ela não

era do crime.
Quem é criminoso tem um jeito diferente de se portar, anda
desconfiado, não recusa dinheiro e definitivamente não tem aquele
carro velho.

Ainda disseram que ela terá uma defensoria pública, sei que
essa defesa e nada é a mesma coisa, por isso ela iria perder feio,
afinal o promotor quer sangue.

Fico triste por ela, deveria ter ficado com o meu cartão.

Volto para o escritório e tento trabalhar, mas minha cabeça


agora só pensa nela e se precisa de ajuda.

Odeio ter essa consciência mole, mas a verdade é que eu


devo a ela e esse deve ser o jeito do destino me forçar a pagar a

dívida.

Ligo novamente para Fernando.

— Já te mandei o canal por mensagem.

— Fernando, preciso de algo urgente, assunto sério. Quero


que você descubra o horário da audiência do caso do roubo dos
hotéis, afirmaram que tem uma pessoa presa e estão atrás da
gangue. Acione um dos nossos melhores advogados nesta área.

— Você conhece essa mulher?

— Conheço e preciso pagar uma dívida. Não pergunte nada.


— Você quem manda, vou preparar tudo então.

— Ah, diga ao advogado para adiantar a ficha dela hoje e


encontrá-la amanhã cedo com tudo o que tiver. Quero que ela, no

mínimo, fique solta enquanto o julgamento corre. Se tiver fiança eu


pago.

— Pode deixar. — Desligo o telefone e coloco o canal de

desenho para a Flor.

Ela realmente gosta e é hipnotizante.

Apesar de tudo, nada tirava a marrenta da minha cabeça.

Amanhã nos encontraríamos novamente e quero ter certeza se

não consigo ler suas intenções. Ela aguçou minha curiosidade,


como muitos não fazem há muito tempo e com certeza não é
previsível.

Estou ansioso por este encontro.

— Senhorita Ellen Souza, amanhã nos encontraremos e cada


um terá um nome. Quero saber como é o seu jogo de interesses e
quanto está disposta a me recompensar por essa dívida, nada

pequena, que vou resolver para você.

Pego minhas coisas e aproveito para trabalhar enquanto a Flor


está entretida, daqui a pouco eu preciso dormir para estar amanhã
cedo no trabalho e ir ao julgamento depois.

Com certeza vou sonhar com essa mulher.


ROBERTO MENDER

No dia seguinte deixo a Flor com uma babá de uma agência


conceituada, com todos os empregados e seguranças da casa, além

do sistema interno de câmeras.

Dificilmente ela fará algo contra a bebê, mas o medo ainda

existe.
Será que isso é ser pai?

Viver com medo do que pode acontecer?

Felipe foi logo cedo encontrar a Ellen, explicou a sua situação

e suas possibilidades, inclusive me relatou como foi a conversas dos


dois.

— Ellen, com a defesa pública atual eles farão o máximo que


puderem. Porém, o máximo deles não é nem o mínimo da

promotoria, que está louca para colocar as mãos na gangue e acha

que você é a chave. Sua melhor chance é comigo.

— Mas eu não tenho dinheiro para pagar por seus serviços.

— Não se preocupe, já está tudo acertado, basta que você


aceite a defesa. E, antes que pergunte, meu chefe é o mocinho da

história.

Felipe disse que ela ainda pensou, mas aceitou o advogado

logicamente, assinou os papéis e eles discutiram o caso.

O julgamento será às 14 horas, por isso vou direto da empresa

para encontrar o advogado no fórum.

Apesar de ser uma simples audiência, fechada para a mídia,

alguns repórteres já estão por perto para acompanhar o início de

tudo.
Coloco os óculos escuros e desço do carro, por sorte não
pensam que eu tenho ligação com o caso, um problema a menos.

Quando encontro Felipe, ele me explica o caso e a defesa,

perfeito como sempre. Eu sou bem assessorado nesta área, tenho

orgulho dos funcionários que demonstram um bom intelecto.

Não sei como a Ellen irá reagir ao me ver, com base no nosso
primeiro encontro creio que ela vai achar que quero aparecer.

Não importa, vou lá, pago minha dívida e ponto final.

Um pouco depois que chego, ela passa por mim.

Ellen está muito assustada e parece que tinha chorado a noite


toda.

Estou aqui apenas para pagar minha dívida, mas ainda sou

humano e tenho compaixão, por poucas pessoas, mas tenho.

A audiência inicia às 14h:15min e o tempo todo a promotoria

quer culpar a Ellen de qualquer forma, usando todas as


prerrogativas para que ela prossiga presa.

Por sorte, a ficha da Ellen é impecável o que a ajuda muito na

situação.

Assisto tudo do fundo da sala do julgamento, para que ela não

me veja e tire conclusões precipitadas.


O julgamento corre como imaginei, com a promotoria usando a

desculpa dela ser pobre e ter acesso para roubar, a conversa


sempre é a mesma.

Eu sempre alterno o olhar da acusação para Ellen que está


horrorizada com o que dizem sobre ela.

Um casal, um pouco mais a frente está com feições

preocupadas.

Será que eram os pais dela?

Se forem, não quero nem imaginar o sofrimento por ver o filho


assim.

Isso lembra minha mãe, que fazia de tudo para que as


pessoas não nos julgassem e que eu tivesse uma infância feliz.

Acho que era por isso que sempre me levava para o interior, já que
meu primo era o único que me entendia.

— Meritíssima, minha cliente nunca cometeu nenhum outro


crime antes de hoje, nem multa ela tem. Ela é ré primária, tem

endereço fixo, tinha um trabalho de carteira assinada e foi demitida


por causa desse equívoco. Existem testemunhas que podem atestar

sua boa-fé. Peço apenas que considere tudo o que falei e a libere
para esperar o julgamento em liberdade. Nos dê tempo para provar

que tudo isso foi um grande mal-entendido, um erro.

O juiz pede um recesso, para que pense no veredicto.

Normalmente, seria dito tudo de uma vez, mas com a


proporção que tomou o juiz precisa pensar direito no que fazer para
não ser acusado de ser tendencioso.

A Ellen sempre olha para trás, com um semblante triste e

derrotado, e de onde eu estou ela não consegue me ver.

Pela defesa, o juiz daria um habeas corpus pelo menos.

Ele volta e a libera conforme eu imaginei, mas em breve ela

voltará a se apresentar de acordo com o decorrer da investigação.

Bem, minha parte está feita.

O advogado tem liberdade para garantir a fiança e ela será


solta.

— Senhor Mender, aguarda aqui por enquanto, vou falar com o


juiz para saber mais detalhes sobre o decorrer a partir de agora.

Ellen e sua família estão menos preocupados.

Gosto de vê-la sorrir novamente e ganhar aquele ar de


mandona. Levanto e vou saindo antes que pudéssemos nos
encontrar, mas não funciona como eu pensei.

— Ei, ei, você de terno azul.

É lápis-lazúli.

— Espera aí, eu acho que te conheço de algum lugar.

Não tem mais para onde correr, me viro lentamente e ela me


olha com um semblante surpreso.

Achei que teria irritação, mas não encontrei em seu olhar, pelo

contrário, gratidão.

Será que vi certo?

— Foi você quem mandou o advogado, não foi?

— Eu tentei sair sem que você me visse e me acusasse de

querer aparecer como bonzinho na frente das câmeras. Eu vi sua


foto no jornal ontem e sabia que estava encrencada. Trouxe um dos

meus advogados para ajudá-la na defesa e garantir sua liberdade.


Feliz?

— Depois que eu rasguei seu cartão, o que deu em você para


querer me ajudar mesmo assim?

— A defensoria seria engolida e você estaria na prisão por

sabe-se Deus quantos anos mais. Eu resolvi pagar o favor que


fiquei devendo a você e agora estamos quites.

Há um momento de silêncio.

Ninguém fala mais nada e a situação começa a ficar

constrangedora.

Olho para o relógio e está na hora de ir, pior que nem sei os
meus compromissos sem uma secretária.

— Olha, vou embora. Desejo paz na sua vida. Adeus.

— Obrigada.

Ouço um sussurro.

— O que você disse?

— Obrigada. Sem você eu realmente estaria pior. É difícil para

mim depender da ajuda de qualquer pessoa, ainda mais de um

estranho. Já perdi meu emprego, quase fui presa e a única pessoa


que pode me ajudar foi um babaca que encontrei em um apagão.

Não estamos quites, eu estou te devendo um favor. Não é por

obrigação, é por gratidão mesmo, posso não demonstrar, mas


reconheço quando tentam me ajudar.

Ela está muito sem jeito em precisar admitir isso, eu também

ficaria.
Acho que tenho essa empatia, essa vontade de entendê-la

porque em algumas partes eu me vejo nela.

Uma ideia acendeu em minha mente quando ela falou que

estava desempregada e me devendo.

— Eu talvez tenha uma proposta para você.

— Mas já? Você tem anotado o que vai pedir as pessoas?

— Terminou o sarcasmo?! Voltando ao assunto, passe o

número do seu telefone para o Felipe, o seu advogado. Vou


organizar as coisas e, assim que estiver tudo certo, ligo para você.

Tome o meu cartão e desta vez não jogue fora.

Ela sorri e guarda o cartão.

— Obrigada.

Faço um gesto com a cabeça, como aceitando o

agradecimento e sigo meu caminho.

Saio rapidamente e só tenho um vislumbre da Ellen abraçando


os pais enquanto eu viro o corredor.

Entro no carro com uma sensação de dever cumprido e, ao


mesmo tempo, uma nostalgia, uma saudade da época em que tinha

minha mãe comigo, meu primo e a Martina.


Por mais que eu não goste, preciso admitir que eles me deram

um presente importante.

A Flor é fruto deles e eu preciso prestar mais atenção na


menina.

Se a Ellen não aceitar o cargo, a primeira coisa será encontrar


uma babá fixa para cuidar da Flor.

Estou acostumado a sempre contar comigo mesmo e não será

diferente agora.

Passo o dia enfiado em trabalho até que recebo uma ligação

da babá da Flor, espero que não tenha acontecido nada.

— Mender falando.

— Senhor Mender, a Flor não para de chorar por nada neste


mundo. Já tentei de tudo e não sei o que está acontecendo.

— Pelo amor de Deus, eu a contratei em uma das agências de


babás mais caras e conceituadas e você me diz que não sabe lhe

dar com choro de bebê?

— Isso está fora do normal, senhor. Já verifiquei tudo que


poderia estar incomodando-a e ela não consegue parar, fica abrindo

e fechando a mãozinha, como se chamasse alguém, não sei o que

acontece. Acho melhor o senhor vir até aqui.


— Eu não posso largar o trabalho no meio do dia.

— Eu entendo que o senhor é ocupado, mas a bebê precisa de

alguém que ela se sinta segura, talvez esse seja o problema. Eu

ainda sou uma desconhecida para ela.

Maldita hora, Olga!

Maldita hora!

— Ok, ok! Daqui a pouco chego aí. — Desligo o telefone e ligo

imediatamente para o Fernando.

— Fernando, vou precisar sair mais cedo. Trabalharei de casa,

qualquer coisa direcione as chamadas para o meu celular.

— Aconteceu alguma coisa?

— Nada que eu não consiga resolver. — Assim espero.

Arrumo minhas coisas, vou em direção ao carro e informo ao

motorista que deve seguir para minha casa, desde que Flor chegou,

ir para casa tem se tornado algo obrigatório.

Espero que quando chegar a Flor já tenha se acalmado.

Chego e ouço de longe o choro da bebê que berra loucamente.

Desço do carro agoniado com os gritos.

— Ela ficou assim o tempo todo?


— Sim, senhor e não para, estou com medo de que faça mal a

ela tanto choro desesperado. Tente pegá-la no colo.

Eu sou um desastre nisso, mas não tem o que fazer.

Entrego minhas coisas ao mordomo, pego a Flor e como por

um milagre ela começa a se acalmar, ainda fica soluçando um


pouco, mas os gritos cessam quase que instantaneamente.

— Acho que a Flor se apegou ao senhor. Ela parou até de ficar

com a mãozinha abrindo e fechando.

Era só o que me faltava, tenho certeza de que o Jorge e a

Martina estão rindo de onde quer que estejam, porque agora sou
manobrado por um bebê.

Ela chora e venho correndo, haja paciência.

Vou até o escritório e monto as coisas que preciso para

continuar o trabalho. Peço para que a babá traga, com ajuda do

mordomo, o berço até meu escritório, se Flor só fica comigo então


vai ficar me olhando trabalhar.

Com tudo montado, a coloco no berço e troco de roupa por

outra mais confortável.

Flor continua sentada e me olha de dentro do berço.


— Azar o seu, mocinha. Foi inventar de querer ficar apegada a

mim, pois agora vai ter uma visão monótona do que é a vida adulta.
Aproveita e vá aprendendo logo cedo, assim pode ficar milionária

que nem eu.

Cheguei ao fundo do poço, estou conversando com uma bebê.

Eu me concentro no trabalho o máximo que posso, entre

diversos “gugus dadás”, além de brinquedos jogados em mim,


consigo adiantar algumas coisas.

Já passa das duas da manhã e eu preciso dormir, pelo jeito a

Flor não dormirá longe de mim, então resolvo pedir que levassem o
berço para o meu quarto, assim dormiremos tranquilamente.

Acordo às 5 da manhã, meu horário habitual. Não tenho o


costume de dormir muito e gosto de aproveitar o dia ao máximo.

Pensei que acordaria sozinho, mas quando olho para o lado

um par de olhos cinza já me observa, em pé no berço.

— Bom dia, Flor. Pelo jeito você já tem no sangue o hábito das

pessoas que gostam de aproveitar o dia. Está com fome?

Recebo um monte de gritinhos e “gugu dadá” no meio, acho

que foi um sim.


— Como eu não falo a língua dos bebês, então vou acreditar
que você quer comer. Vamos descer para que eu fale com a

cozinheira, ela deve saber fazer uma mamadeira para você.

Quando a pego sinto um mau cheiro.

Não acredito, você deve ter feito a festa nesta fralda, afinal ela
está com um fedor horrível.

Como consegui dormir com você assim, ao meu lado?!

Desço a escada rapidamente e Marlene já está na cozinha, a

minha espera.

— Bom dia, senhor Mender — ela me cumprimenta antes de


ver o pacote que eu carrego como se fosse uma bomba prestes a

estourar.

— O que aconteceu e quem é essa bebê?

— História para outro momento, Marlene. A Flor precisa


urgente de uma troca de fralda e uma mamadeira, eu não sei fazer

nenhum dos dois e ainda não encontrei uma boa babá. Você
poderia me ajudar, por favor? Se precisar a recompenso com um
bônus no fim do mês.

Marlene pega a Flor com uma agilidade nata, essa entende de


crianças.
— Não se preocupe senhor Mender, pode deixar que vou levar
essa bebê linda e entrego de volta com um cheirinho que vai dar
sentido ao nome.

— Muito obrigado.

— Seu café da manhã já está pronto.

Ela sai com a Flor, enquanto eu me sento e relaxo o cérebro.

Gosto de me alimentar com calma, acredito que é um dos


poucos momentos de paz que tenho no dia, antes de começar a

rotina agitada que tenho.

Marlene retorna com Flor cheirosa, me entrega e vai preparar


a sua mamadeira.

Flor não para quieta e fica o tempo todo querendo roubar


comida do meu prato.

— Calma, mocinha, o seu está quase pronto.

Marlene me entrega a mamadeira.

— Desculpa, mas não sei fazer isso.

— É super fácil, precisa aprender essas coisas senhor Mender.


Ela vai ficar aqui por um tempo?

— Acho que vai ser a nova moradora da mansão.


— Então, com certeza, precisa aprender. Veja, apenas coloque
o bico na boca dela e incline só um pouco, o resto ela mesmo faz.

Sigo os conselhos de Marlene e a Flor começa a tomar seu

leite. Depois de terminar a mamadeira, eu já vou me levantar


quando Marlene me dá outra lição.

— Senhor Mender, se deseja não ser vomitado, precisa fazê-la

arrotar e não chacoalhar muito o bebê. Coloque-a deitada em seu


ombro e dê batidinhas leves nas costas dela até que arrote.

Eu, todo sem jeito, faço o que ela diz e a Flor arrota mesmo.

Não me sentia tão feliz por ter conseguido fazer algo,

aparentemente difícil, desde que tive a ideia da empresa.

— Flor, você está me deixando muito empolgado com essa


nossa relação, pelo jeito tem muito o que me ensinar, garota.

Esqueço da regra de não chacoalhar, levanto demais a Flor, a


sacudo e recebo um gorfo no ombro, não é uma sensação boa.

Marlene tenta conter o riso, enquanto eu tento não vomitar

também.

— Muito engraçadinha, Marlene. Ainda bem que não estava


usando terno, vou subir e me arrumar. Preciso ver o que faço com
essa mocinha durante o dia.
Por causa da agonia de ligar para alguém e tentar achar uma
babá de última hora, coisa que não encontrei, já são 8 da manhã e

eu ainda estou preso em casa.

Acho que terei que trabalhar daqui hoje, por isso ligo para
Fernando para avisar.

— Fernando, se precisar de algo ligue para o meu celular ou


para minha casa. Trabalharei por aqui hoje.

— Certo. Tudo ok com você e com a Flor?

— Tudo certo, só não encontrei uma babá de confiança e

preferi ficar por aqui. Peça que redirecionem todas as chamadas do


meu escritório para cá também, por favor.

— Pode deixar, manda um beijo para a pequena.

— Obrigado, Fernando — digo e desligo.

Ele realmente é um excelente amigo e braço direito. Se não


fosse por sua ajuda, eu já estaria com problemas sérios na
empresa.

Ontem, solicitei que providenciassem outro berço, precisa de


um no meu quarto e outro no escritório, para que não tivesse
problemas em ter que levá-lo de um lado para o outro. Pedi também
alguns brinquedos e pelúcias, se bem que não sabia nada da sua

saúde, se era alérgica ou se tinha problemas médicos.

Isso precisa entrar na lista de coisas urgentes.

Entro no escritório, coloco a Flor no berço, ela brinca com


alguns brinquedos que compro e agarra uma lula de pelúcia, pelo

jeito gostou mesmo.

Começo a trabalhar e, um tempo depois, recebo uma ligação.

— Bom dia, gostaria de falar com Roberto Mender.

— Ele mesmo, quem fala?

— Mender, é a Ellen, você me pediu para ligar sobre uma


proposta de emprego. Uma luz no fim do túnel, finalmente alguém
ouviu meus pedidos.

— Sim, Ellen, estou lembrado. Você pode vir aqui no meu


endereço? Qualquer coisa mando um carro te buscar.

— Não se preocupe com o carro e posso sim, onde fica?

Passo o endereço a ela.

— Quando quer que eu vá, Mender?

— Se puder agora, será perfeito.


— Vou desconsiderar o desespero em sua voz e vou me ajeitar
para ir. Acho que chego daqui a uma hora.

— Certo, até mais. — Desligo já esperando que viesse a tarde,

raramente alguém é pontual.

Continuo meu trabalho que nem vejo a hora passar até que
ouço uma batida na porta.

— Entre.

— Senhor, uma senhorita está no portão informando que veio


ao seu pedido.

Será que é a Ellen?

Abro a câmera do portão principal e vejo de longe que é ela,

naquele carro velho enferrujado.

Olho para o relógio e realmente tinha se passado uma hora.

Ela é pontual, já gostei dessa característica.

— Mande-a entrar.

— Sim, senhor.

Pouco tempo depois, encontro a Ellen parada na entrada da

casa, aparentando estar impressionada e meio perdida.


— Bom dia, Ellen, achei que viria mais tarde. Dificilmente
alguém diz um tempo de chegada e chega de verdade.

— Bom dia, sempre sou pontual, não gosto de deixar ninguém

esperando.

“Ela até parece eu falando”, penso sorrindo.

— Por que o sorriso?

— Por nada. Vejo que o Alfred já lhe deu as boas-vindas.

Ellen olha para meu mordomo e o cumprimenta direito.

— Venha, vamos conversar no meu escritório.

Ela sobe a escada de dois em dois degraus e acelera o passo,


com certeza elegância e delicadeza estão fora do seu livro de vida,

bem diferente das mulheres que convivi até agora.

— Alfred? Bem original da sua parte.

— Sou fã de quadrinhos. Não posso fazer nada.

Ela revira os olhos.

— Preconceito com nerds, senhorita Souza?

— Nada contra, só não curto muito essa vibe.

— Isso porque viu a cultura nerd da forma errada.


Quando entramos no escritório, Flor grita e sorri, como se
desse as boas-vindas.

Ela é uma bebê inteligente.

— É sua filha? Você é casado?

— Não é minha filha e sou casado com o trabalho. A Flor é


filha do meu primo, ele e a esposa faleceram e tiveram a brilhante

ideia de deixarem a guarda dela para mim. Ontem descobri que,


estranhamente, a Flor se acalma comigo e morre de chorar com

outras pessoas. Até coloquei um berço no meu quarto para que ela
dormisse sem choro. Agora estou preso a ela.

— Ela é linda. Você nunca cuidou de um bebê?

— Não sei nada sobre bebês, aprendi recentemente como

segurar um.

— Eu já fui babá quando era mais nova. Posso pegá-la?

— Pode, só não garanto que ela ficará calada.

Flor parece escolher a dedo as pessoas.

Ellen a coloca no braço, a menina sorri e começa a balbuciar


sua linguagem própria, enquanto brinca com as mexas de cabelo da
mulher.
— Você também sabe fazer de tudo um pouco, não é? Como

ela ficou calada com você?

— Isso se chama viver, Mender. Já trocou a fralda dela?

— A Marlene, minha cozinheira, me ajudou hoje pela manhã.

Parecia que tinha um bicho morto ai dentro.

— Cozinheira? Você não tem aptidão nenhuma com crianças?


Sobrinhos, filhos de amigos?

— Nunca fui de socializar com adultos, somente o necessário,

imagina com crianças. Como você já está agarrada com a Ellen e já


vejo que as duas se derma muito bem, poupou uma etapa da
entrevista, a chamei para ser a babá dela. Vamos sentar e eu

explicarei minha proposta.

Ellen se acomoda à minha frente e eu me sento em minha


cadeira.

— O que eu preciso é muito simples, senhorita Souza. Preciso


de uma babá que cuide da Ellen 24 horas, meu trabalho é muito
corrido e pesado. Cada minuto do meu tempo é precioso e só de

trabalhar em casa hoje, sem ter me preparado para isso, possa


estar perdendo detalhes importantes para minha empresa.
“Então, você viverá aqui, na mansão, comigo e com a Ellen.
Durante o dia trabalharei, mas a comunicação será aberta para você
sempre. Durante a noite, chego do trabalho e você poderá me

contar se houve alguma coisa durante o dia.

“Vou passar a minha agenda para que saiba onde estarei. Seu
trabalho envolve:

“Cuidar da Flor e de tudo o que ela precisa durante o dia;


Levá-la ao médico e marcar consultas e vacinas, tudo relacionado a
sua saúde; Cuidar do lazer e das atividades lúdicas que ajudam o

bebê a se desenvolver; A alimentação e sono são imprescindíveis


para o seu crescimento saudável; Pesquisar melhores escolhas e
professores, podem ser de ensino em casa, para que a Flor

aproveite ao máximo o seu cérebro; Entre tantas outras coisas.


Você pode ter ideias, me passar e discutimos sobre isso.”

— Espera um pouco, deixa-me ver se entendi, praticamente

vou morar com você e a Flor? E quando ela estiver dormindo ou


com tempo livre? Crianças podem ficar sem fazer nada.

— Sim, você vai morar aqui porque acredito que fica mais fácil
devido a locomoção no trânsito, além da Flor precisar sempre de

você. Você terá tempo livre, basta ficar de olho nela. Poderá fazer o
que quiser e o que precisar basta informar que será providenciado.
Você aceitaria o emprego?

Ela me encara, como se pensasse se vale a pena e se

tentasse ler minha mente. Por fim, suspira fundo e responde.

— Aceito o cargo de babá, mas se eu ver que não funciona


bem para mim, então precisarei... Gostaria de ter tempo de folga

para surfar nos fins de semana, se possível, isso me ajuda a limpar


a mente e renovar as energias para a semana.

É a resposta que eu queria ouvir.

Eu me levanto da cadeira e começo a ir em direção a porta.

— Me acompanhe, por favor. — Quando já vou saindo, lembro.


— E traga a Flor, por gentileza, antes que ela abra o berreiro
novamente.

Ellen volta, pega a Flor em seus braços e ela, claro, ama a


ideia de passear por aí.

Seguimos pela mansão até chegar no corredor dos quartos.

— A esquerda está o meu quarto e a direita estão todos os


outros quartos da mansão, um grande corredor em que você pode
escolher qual será o seu. Eu nunca chegarei em seu quarto para
nada, temos telefone em cada um deles e você pode falar comigo

digitando o meu ramal, que darei a você.

— Eu vou precisar usar fardamento ou algo assim?

— Não, você está livre para usar essas suas roupas estranhas.

— OK, mas quero tudo por escrito, em um contrato que

protege os meus direitos. Não quero promessas vazias, quero algo


concreto e que vale na justiça. Nunca se sabe... — Essa última
parte deve ser a lição aprendida no julgamento.

— Sim, assim que fecharmos o negócio podemos assinar o

contrato.

A Flor começa a ensaiar um choro e se sacudir, Ellen tenta


acalmá-la, mas dessa vez ela não quer papo e começa a pedir meu

braço.

A pego e ela se acalma.

— Pelo jeito ela não vai conseguir ficar muito tempo longe de

você. Como será quando viajar a trabalho ou precisar ficar muito


tempo fora?

— Quando chegar o momento a gente vê isso. Tudo certo,


então?
— Só mais uma coisa: Quanto ao meu julgamento, como

faremos quanto a isso? Preciso do advogado para dar continuidade,


ainda não estou livre.

— Não se preocupa com isso, já estou com a área jurídica

trabalhando nele neste momento. Você será apresentada a todos


logo.

— Então, por mim, tudo certo. A Flor é um anjinho e será

maravilhoso cuidar dela.

Isso porque não viu os berros desta garota, haja garganta para
um bebê.

— Só preciso buscar minhas coisas em casa.

— Não se preocupa, peço para que uma equipe traga o que


precisar. Faça uma lista e diga quando seus pais estarão em casa
que ele vão buscar. Seria bom você informar as novidades a eles,

antes que pensem que algo sério aconteceu. Você já começa agora.

— Certo, então preciso avisar mesmo.

— Quanto ao dia, acordo às 5 da manhã todos os dias, se

precisar de algo me diga até às 7 da manhã, depois só ligando para


mim. Seja bem-vinda a minha mansão, senhorita Souza e espero
que este nosso contrato transcorra bem, sem problemas.
— Também espero, senhor Mender.

Apertamos as mãos e algo me diz que não será tudo tão calmo
assim, só não sei se é de forma positiva ou negativa.
ROBERTO MENDER

Desperto todos os dias às 5h da manhã, não porque amo


acordar cedo, mas por necessidades físicas e de saúde.

Há um tempo, tive um colapso nervoso que quase custou


minha carreira, minha sorte foi que ninguém percebeu.
Estava no escritório e comecei a sentir falta de ar, suar frio e o

coração acelerado, já estava imaginando meu primo vindo me


buscar para a morte.

Saí o mais rápido que pude, fui direto para meu médico e
entrei no consultório como quem estava na última fase da morte.

— Doutor Ribeiro, me ajude, estou infartando.

Depois disso desmaiei e acordei na ala VIP do hospital, onde

os ricos ficavam para não serem incomodados pela imprensa.

Estava meio desorientado, mas a agonia tinha passado, então


doutor Ribeiro entrou no quarto e veio falar comigo.

— Bem-vindo ao mundo dos vivos, Roberto. Como está se

sentindo?

— Estou melhor. O que aconteceu comigo? Infartei de

verdade?

— Não, algo mais simples e tão poderoso quanto. Você teve


uma crise de ansiedade que evoluiu para um transtorno de pânico.

— Ansiedade? Só isso.

— Nada de só isso. Eu te avisei que sua rotina era pesada,

que seu corpo e mente não suportariam por muito tempo. Se você
não diminuir o ritmo e arrumar uma forma de canalizar todo o
estresse, você infartará de verdade. Isso é sério, Roberto.

Depois desse dia tive medo de morrer por algo tão simples

como estresse. Procurei diversos tipos de ajuda, reavaliei minha

rotina, redistribui minhas tarefas, mesmo detestando e passei a

regular meu sono.

Hoje, a rotina voltou a loucura de antigamente.

Tenho meu braço direito para diminuir a carga, mas ainda é

uma correria. Quanto sinto algum sinal do ataque de ansiedade

acontecendo, tento aplicar algumas técnicas, trancado, onde

ninguém possa perceber esse sinal de fraqueza.

Tomo uma ducha, me arrumo e desço para conferir se Ellen

está acordada com a Flor. Encontro as duas tomando café da

manhã na cozinha, Ellen com Flor no colo, dando sua mamadeira e

tomando um café preparado por Marlene.

Antes de chegar, já ouço de longe as vozes das duas,

conversando animadas e vem um daqueles sentimentos


nostálgicos, de família na cozinha, conversando com barulho feliz.

Duas semanas se passaram e a Ellen está bem ajustada a

Flor. As duas se entendem muito bem, porém a Flor ainda não


deixou que eu passasse muito tempo longe.

O tempo maior em que fico sem vê-la é de 24 horas. Se eu

não aparecer nesse tempo, ela começa a chorar e vai piorando à

medida que eu não apareço. Por causa dela, resolvi readequar


minha rotina para evitar chegar muito tarde em casa.

Acabei me apegando ainda mais a Flor, tanto que minhas

saídas para o trabalho já estão marcadas por vê-la pela manhã e


ouvir sua risada.

Percebo que Ellen já está preparada para nossa reunião mais


tarde, ela gosta de acordar cedo também e gosto cada vez mais das

suas atitudes.

— Bom dia, vejo que amanheceram empolgadas e cheias de


energia. Marlene, coloca o meu café no copo para viagem, por favor,

preciso sair o quanto antes.

— Certo, senhor.

— Bom dia, Mender

— Bom dia, Ellen, e pode me chamar de Roberto.

— Hummm, prefiro Rob, pode ser?

Eu não sou muito adepto a apelidos, mas não iria ser o chato
que arruma confusão por uma besteira.
— Por mim não tem problema, só evite me chamar assim na

empresa para que não tenham a ideia errada. Dormiram bem?

— Sim, fazia tempo que eu não tinha um sono tão relaxante na


vida. A Flor acordou poucas vezes e sempre que tomava a

mamadeira, voltava a dormir. Foi bem tranquilo.

— Hoje, vamos encontrar os advogados da empresa para

começarmos a preparar tudo o que precisamos para ganhar seu


julgamento. Ainda não marcaram a data, mas não podemos esperar.

Essa notícia diminui a alegria dela e fica pensativa, mas

infelizmente precisava ser dito.

— Não se preocupe, vamos arrumar alguma solução. Vamos

sair agora para não haver atrasos demais na empresa.

Nos ajeitamos, a Flor vai para a cadeirinha e seguimos para o


carro.

O motorista novo pega a chave do carro com o Alfred e vai em


direção ao veículo. Fernando se cansou da minha demora, fez uma

seleção de motoristas, encontrou um que achou suficiente e o


contratou para mim.

— Siga para a empresa — digo a ele.


Seguimos o caminho tranquilamente, ele realmente é um bom
motorista e não tem dificuldades em dirigir um carro caro desse.

Para mim, já estava aprovado pela inteligência e direção


cuidadosa, Fernando sabe escolher.

Enquanto isso, Ellen olha através da janela, quando passamos

pela praia. Ela tem um olhar esperançoso e de quem sente falta.


Ainda não consigo entendê-la por completo, mas já percebo alguns
traços e estou gostando disso.

Não sei nem quanto tempo faz que eu digo o que gostei de

algo em alguém, não de forma profissional, mas pessoal.

Mas o sorriso dela me deixa feliz, interessante.

São 8 da manhã, sinto o celular vibrar e é Fernando me

ligando, então atendo de primeira.

— Pode falar, Fernando.

— Nunca te vi chegar no escritório mais do que 7 horas da


manhã e agora já são 8 horas e nada de você aparecer. O que está
acontecendo, Roberto? Preciso me preocupar?

— Sem alardes, já estou a caminho da empresa.

— Certo, fico no aguardo então. Até logo.


Logo depois a Ellen me pede o telefone para ligar para os pais.

— Você pode me emprestar o aparelho? Está cedo e eles

devem estar chegando agora do turno da madrugada.

— Fique à vontade. — Dou o telefone e ela faz a ligação.

Quando atendem, seus olhos se iluminam e me sinto vendo


um espelho. Eu ficava do mesmo jeito quando falava com minha

mãe.

— Mãe, está tudo bem por aí?

“Que bom, estou bem também, a Flor é uma graça.”

“Eu sei, mãe, mas preciso pagar uma dívida. Depois volto ao

meu sonho.”

“Também te amo, manda um beijo para o pai. Bom sono para

vocês”

Ela desliga o telefone e me devolve, me deixando intrigado

sobre esse sonho, mas questiono depois.

Chegamos na garagem do prédio da Mender S.A. às 8:30 da

manhã, foi até rápido para quem estava do outro lado da cidade.

— Parabéns pelo começo do dia. Nunca cheguei tão rápido na


empresa, considerando a distância que estávamos.
— Obrigado, senhor Mender. Sei como evitar lugares parados,

horário de engarrafamento e alguns detalhes que facilitam no


horário.

— Muito bem, obrigado. — Eu me viro para sair do carro e sigo


meu caminho.

Ellen vem atrás de mim com a Flor no bebê conforto adorando

a viagem, chegou a hora dela conhecer a loucura que é a minha


empresa.

Subimos de elevador direto para o andar da minha sala, depois


eu farei um tour com ela pela empresa, mas agora eu terei que

analisar o que precisa da minha atenção e o que eu tenho de tarefas

para o dia.

Mostro a ela o andar, como as coisas funcionam e seguimos

para a minha sala.

— Essa é a minha sala, onde passo quase todo o tempo em

que estou na empresa.

— Uau, é enorme. Acho que cabe umas vinte pessoas, fácil


aqui dentro.

— Na verdade, ela foi projetada para ter reuniões desse tipo


aqui também. Existem outros detalhes nela, eu criei a ideia e a
arquiteta deu vida a tudo.

— Ficou muito bonito, de verdade.

Isso é porque as cortinas estão fechadas, mas depois eu

mostraria a ela a vista. Agora precisava trabalhar.

— Ellen, vou precisar me concentrar nas coisas, para ver o

que atrasou nesse meio tempo e o que preciso fazer. Vai ser um dia

agitado, vou deixá-la aqui no escritório e fico indo e voltando, pois

tenho várias reuniões marcadas. Se precisar de alguma coisa como


comida ou água, ligue 1295 que é o ramal do Fernando. Aqui tem

uma TV e vocês podem ficar assistindo algo. Sua reunião é a tarde,

não se preocupe.

— Pode deixar, Mender. Vá fazer suas coisas que eu cuido da

minha pequena aqui.

Fico olhando para as duas e saio do escritório com a sensação

de que queria ficar mais com as duas. Estou amolecendo demais,

Ellen nem é minha família.

Talvez esse joguinho de casinha está começando a me afetar

demais.

Bem, deixo isso para depois, agora é focar no dia.

Entro na primeira de muitas reuniões que tenho pela frente.


O restante da manhã passou relativamente rápido e voltei ao

escritório às 12h:20min.

Encontro Flor tomando sua mamadeira e Ellen agarrada com o

celular, com o fone de ouvido. A chamo algumas vezes, mas ela não
me ouve, então vou para frente da sua visão.

— Oh, olá Mender! Me chamou muito?

— Um pouco, mas você estava bem imersa no que fazia.

Como a Flor se comportou?

— Ela está muito bem, gostou da mudança de cenário. Dormiu

um pouco e só acordou para comer.

— Ótimo, então chegou a hora de nós dois almoçarmos.

Vamos comer em um dos restaurantes que fica na parte térrea

do prédio. São galerias alugadas que geram lucro para nossa


empresa, é bom reaproveitar tudo o que pode.

Eu peço sem olhar o cardápio, já a Ellen olha tudo com

cuidado.

— Ellen, algum problema?

— Mender, aqui é tudo caro, não teria algum lugar mais barato,

não? Lembre-se que ainda não recebi meu primeiro salário.


— Essa é por minha conta, peça o que quiser.

Ela fica menos preocupada e faz seu pedido. Pede o famoso

executivo, pensei que ela pediria algo supercaro, mas mesmo eu


pagando, escolheu o que era normal.

Sempre me surpreendendo.

Depois que almoçamos voltamos ao nosso andar.

Chega a hora de falarmos com os advogados e descobrirmos


uma maneira de manter a Ellen fora da cadeia.

A reunião acontece na minha sala, coloco a Flor em um canto


perto de nós e os quatro convocados para a reunião entram, Felipe,

que foi ao julgamento da Ellen; Carlos, que é responsável por

procurar brechas na lei para que estivéssemos preparado se tudo

desse errado; Juan, que é detetive particular, quem acha as pistas e


vai atrás daquilo que a justiça não vê; E, por último, André, ele é a

cabeça das coisas, quem pensa fora da caixa e monta planos.

— Senhores, boa tarde. Temos um caso prioridade e esse será

um dos nossos maiores desafios. Dessa vez não estamos no meio

corporativo, estamos lidando com um caso de crime e a justiça

pegou a pessoa errada, mas querem fazer dela a culpada de


qualquer forma. Aqui está a ficha dela.
— Pelo que vejo não tem nada demais na ficha. 24 anos, ré

primária, camareira. Não parece estar envolvida em um crime. Qual


o crime mesmo? — Juan pergunta.

— O que foi televisionado, dos roubos nos grandes hotéis

daqui. Aliás a ré é ela, Ellen Souza — Felipe diz e todos a olham


como se visse pela primeira vez.

— Desculpa, mas qual a relação de vocês dois? Preciso


perguntar, porque se estiverem juntos o caso vai ser ainda mais

complicado, principalmente para a empresa.

— Não estamos juntos, Carlos, mas a Ellen me ajudou em um


momento difícil e devo a ela sua liberdade, é o que precisam saber.

— Certo, Ellen, o que você lembra do dia do roubo.

— Estava almoçando no telhado do hotel, um recepcionista

entrou e atendeu uma ligação. Ele não me viu, mas ouvi que ele deu

dicas ao ladrão para entrar, horário e como ter acesso as coisas.


Falou que seria o roubo no quarto 1444 da área VIP. Depois que ele

saiu, segui para o meus afazeres e tentei avisar ao senhor Afonso,

mas ele não quis me ouvir e me mandou seguir meu trabalho. Ele
me disse, no final do turno, que o quarto 1444, o mesmo número de

quarto que escutei na ligação, pediu uma limpeza e só tinha eu para


ir. Segui para o quarto, mesmo que eu fosse limpar algo fora do
expediente. Cheguei lá e o hóspede passou dos limites comigo.

— Passou como dos limites? Desculpa, senhorita Ellen, mas


precisamos saber todos os detalhes.

Essa parte eu não tinha noção e me deu muita raiva ouvir.

— Ele... Se esfregou em mim quando me abaixei para limpar a

sujeira do chão. Mandei que ele me largasse e ameacei denunciar,

ai ele me largou e mandou eu sumir.

Queria poder dar um murro em todo homem assim, no mínimo.

— Saí e fui direto para o vestiário, isso já aconteceu algumas


vezes no hotel, mas nunca nos ouvem. Enquanto me trocava, vi o

Rick, namorado da minha amiga que também é camareira passando

pelo corredor, mas ele nunca teve acesso.

“Fui atrás dele, vi o quarto 1444 aberto, me aproximei e


consegui ver o hóspede apagado na cama enquanto o Rick reunia

tudo que tinha valor. Ele me viu, por isso eu corri e tentei avisar ao
gerente, mas quando cheguei o senhor Afonso me acusou de roubo
e vasculhou minha mochila, tirando um relógio de ouro de lá.

“Juro que nunca vi aquilo na minha vida.


“Fui escoltada pela polícia e tenho certeza de que vi o senhor
Afonso e o recepcionista com um sorriso de satisfação no rosto,
como se tivessem planejado tudo aquilo.”

— Esse Rick, você sabe o que ele faz da vida? — André

pergunta.

— Ele não tem emprego certo, vive fazendo bico aqui e ali,
mas já o vi andando com gente barra pesada, acho que está metido

com o tráfico também.

— E a sua amiga, certeza de que ela não sabe quem ele é?

— A Pam não sabe de nada, ela nunca faria isso e muito

menos com a avó doente. Nós somos simples, mas não somos
ladras. — Ellen está exaltada, nervosa com a situação.

— Ellen, eles precisam fazer todas as perguntas, mesmo que


seja difícil, só assim saberão como proceder — digo e ela se acalma

um pouco.

— É que é difícil. Você leva uma vida certa, não se mete com
nada errado e tem sonhos, objetivos de vida. Aguenta emprego e

chefe ruim, tudo para um dia melhorar de vida. Até que alguém
resolve destruir tudo por ganância, eu só quero minha liberdade,
viver em paz. Só isso — diz aos prantos.
Eu não sei o que dizer, tenho vontade de abraçá-la, mas
abraçar alguém que eu não tenho intimidade é estranho e muito
mais estranho na frente de todos.

— Pessoal, vamos fazer uma pausa. Pesquisem essas


pessoas e busquem tudo o que a justiça sabe sobre os roubos,
talvez exista um padrão — digo.

Todos concordam e saem.

Eu me aproximo da Ellen e ofereço um lenço para as lágrimas.

— Ellen, sei como é ter objetivos e sonhos e ninguém acreditar


em você. Começar a não ter esperança de que um dia você vai

realizá-los. Ninguém acreditou em mim, até minha mãe achava que


era um sonho distante, ela me amava e não queria que eu sofresse,
mas o meu primo Jorge acreditou em tudo o que eu dizia e me deu

força, energia para que prosseguisse lutando. Eu serei para você o


que meu primo foi para mim, acredito no seu potencial, sei que é

inteligente e vai longe. Não desista, ok?

Ela concorda.

— Vamos, deixa eu te mostrar uma mágica, a mais importante


nesta sala. Garanto que vai te animar. — Olho para o relógio e está

quase na hora.
— Duvido muito.

A levo até o vidro da fachada e abro as cortinas. Toda a visão

de Santos se abre a frente da Ellen e ela tem uma expressão que eu


não sei definir. Ela está surpresa, maravilhada, mas uma lágrima
desce do seu olho esquerdo. Ela se aproxima do vidro e continua

observando cada detalhe do magnífico pôr-do-sol ali, enquanto eu a


observo.

— Desta vez estou confuso. Você gostou ou não gostou? Vi

uma lágrima descendo dos seus olhos, foi de emoção?

— Puta merda! Com toda certeza foi. Que vista incrível! Daqui
consigo ver o mar e a cidade e todos que estão abaixo parecem

formigas, esse pôr-do-sol parece feito especialmente para este


andar. Como você consegue trabalhar com isso tão perto de você?
Eu passaria o dia todo sentada no chão observando.

— Eu sei como é a sensação. No início passava mais tempo

aqui, depois comecei a diminuir a frequência e o tempo. Hoje fico


apenas para ver o pôr-do-sol, que também é um show à parte.

— Parabéns, Mender, você conseguiu me surpreender de

verdade.
Não sei o motivo, mas fico orgulhoso com essa afirmação e

com vontade de fazer mais vezes.

Ficamos parados, olhando a vista, até que o Sol começa a se


pôr e os olhos dela brilham outra vez, mas agora ela chora de

verdade. Sei que choro é esse, é de felicidade, mas também de


desabafo, de colocar para fora todo o sofrimento que vinha
acontecendo.

Ela foi forte demais até o momento e eu queria ser para ela
alguém com quem pudesse contar.

Pela primeira vez, espontaneamente, abraço uma mulher que


eu não tenho intimidade nenhuma e ela me abraça de volta.

Ficamos um tempo assim, mergulhados em pensamentos, até


que ouvimos o “gugu dadá” da Flor.

Neste momento acordamos para o mundo e nos afastamos,

como se tivéssemos nos aberto demais um para o outro.

— Bem, daqui a pouco finalizo as coisas e podemos seguir


para casa. A Marlene deve ter deixado algo no congelador,

chegamos e descongelamos a comida.

Ellen concorda de forma silenciosa.


Continuo o trabalho e a necessidade de ter uma secretária ou
assistente é gritante.

Tem hora que eu mesmo me perdia nos inúmeros

compromissos, pelo menos foram com pessoas que não são tão
taxativas, mas alguns clientes não têm uma boa tolerância.

Vou colocar na minha lista de urgência, para resolver essa


situação ainda essa semana.

Olho para a Ellen e ela já está com ar de tédio, quase


cochilando. Já tinha se passado duas horas desde o pôr-do-sol e
chegou a hora de ir para casa.

Arrumo minha mesa, levanto e chamo a Ellen cansada com a


Flor cochilando no bebê conforto.

Chamo o carro e seguimos para casa, com Ellen cochilando na

volta. A deixo dormir, parece tão tranquila, sem os problemas do


mundo real destruindo sua paz.

Eu sinto vontade de cuidar dela, protegê-la do mundo injusto,


mas não sei o motivo.

Não temos nenhum tipo de relação que não seja profissional.

Chegamos na mansão e uma sacudida no carro a acorda, o


que me faz tirar a vista para não parecer que a encarava o tempo
todo.

Descemos do carro, entramos na mansão e dou minhas coisas


ao Alfred.

— Ellen, vamos tomar um banho e trocar de roupa, nos


encontramos daqui uma hora na cozinha, ok?

— Certo.

Ela sobe com a Flor para o quarto e eu vou para o meu.

Acabo descendo mais cedo do que previ e por isso vou


adiantando a comida. Sempre gostei de cozinhar, mas não tinha
tempo, então, aproveitava a hora do jantar para matar minha

saudade da cozinha.

Ellen chega pouco tempo depois, com a Flor nos braços


superanimada e nem um pouco de sono.

— Marlene deixou algo pronto?

— Ela deixou os ingredientes e eu serei o responsável pela


cozinha hoje.

— Você? Desde quando sabe cozinhar?

— Eu sempre gostei da arte de cozinhar, só não tinha tempo


para isso e continuo sem ter. Sempre mato a saudade no jantar ou
ocasiões em que estou mais relaxado de coisas.

— Humm, ok. Vou pagar para ver seus dotes culinários.

A olho e vejo que está usando uma camisa do Nirvana.

— Você não é muito nova para ouvir esse tipo de música, não?

— Prefiro as músicas velhas que as de hoje. Acho que nasci


com uma alma velha.

— Pelo menos teremos assunto, essas bandas são da minha


época e posso te indicar algumas, se quiser.

— Gostei, pode indicar. Agora essa comida demora muito?


Estou com fome.

Ela ainda reclama mais um pouco do tempo de espera, até que


fica pronta minha macarronada. Sei que julgou por ser simples, mas
quando comeu amou tudo.

— Nossa, Rob, você realmente sabe alguma coisa na cozinha.


Parabéns, não cansa de me surpreender. — Sorriu e eu a
acompanho.

Ficamos um tempo conversando sobre coisas triviais e o dia


no trabalho. Nada muito profundo, mas nem por isso não deixou de
ser interessante.
Flor começa a aparentar sono e esse é o sinal do toque de

recolher.

Subimos, Ellen segue para o quarto e eu vou para o escritório,


mas antes que entre a chamo.

— Ellen, Ellen, posso falar com você um pouco?

— Precisa ser agora? Está meio tarde e a Flor está morrendo


de sono.

— Não vou demorar muito.

— Então faz assim, me espera no escritório que eu vou colocar


a Flor no berço e volto.

A espero como pediu e dez minutos depois ela aparece.

— Certo, Rob, o que você quer falar comigo?

— Quando eu estava colocando as coisas em dia, descobri


que precisarei fazer uma viagem para o interior. Um dos nossos
clientes precisa de uma opinião numa carga de modelo novos de

carro e alguns ele quer vender para a minha empresa de carros de


luxo.

— Calma, me diz o que exatamente sua empresa faz?


— Achei que já tinha contado a você. Somos uma e-commerce
de carros de luxo, trabalhamos com aluguéis desses carros para
todas as ocasiões. Nosso diferencial é oferecer a maior segurança

possível enquanto você estiver na estrada. Os carros possuem


chassi reforçado, vidros à prova de bala e muitos outros diferenciais
que os fazem especiais. O carro que andamos hoje é um dos

modelos da empresa. Eu ando com eles para provar que confio no


meu produto.

— Então você vai viajar para este lugar e fazer uma consultoria

e possível compra?

— Isso.

— E por que me chamou para contar isso?

— Vou precisar passar três dias neste lugar e a Flor não passa

mais do que 24 horas longe de mim. Com esse problema, passei o


dia pensando em outras soluções, mas a única plausível que
encontrei foi vocês duas irem comigo na viagem. Flor não fica longe

e você vai cuidando dela.

Ela fica me encarando, como quem analisa a situação e se é


alguma brincadeira da minha parte.
— Juro que não é brincadeira e nem estou tentando nada. —
Prefiro falar logo, antes que o mal-entendido estivesse instalado.

— Eu precisarei vestir alguma roupa importante? Porque não

tenho nenhuma.

— Não se preocupe, você está livre para usar o que quiser. Se


acontecer e precisar de outro tipo de roupa, eu bancarei, afinal a

viagem é minha.

— Teremos quartos separados?

— Logicamente, Ellen! Quem você pensa que eu sou?

— Por mim tudo bem. Só preciso ligar para os meus pais para

avisar que ficarei fora esses dias.

— Pode ligar à vontade. Vou avisar os dias certos para que


você os informe corretamente.

— Bem, era só isso?

— Acredito que sim.

Ela se prepara para sair.

— E Ellen...

Ela se vira e me olha com a mão na porta.

— Qual era o seu sonho? O que falou no carro?


— Ahh, fazer Ciências Biológicas. Estava estudando para o

vestibular, agora a vida preferiu modificar meus pensamentos.

— Você pode estudar aqui se quiser. Só me diga o que precisa


que providencio para você.

— Mais uma coisa para você me dar, não, Mender.

— Eu não vou ter alguém aqui abrindo mão de sonho. Se


quiser continuar no trabalho, precisa aceitar meus termos.

Ela fica intrigada com a forma que a coloco contra a parede.

— Amanhã conversamos sobre isso, Mender.

— Sem problemas. Boa noite.

Sai deixando seu perfume no ar.

Fico perdido em pensamentos e me apronto para ir para o


quarto. Eu me deito e minha mente só pensa nela, no seu sorriso e

na Flor, que se tornou uma parte minha, que eu sentia falta quando
não a via.

Confesso que menti para Ellen, o motivo de querer que a Flor

vá é que eu sentiria muito falta dela todos esses dias.

E da Ellen também...

Mesmo que eu custe aceitar.


ROBERTO MENDER

— Então a Ellen quer ser bióloga. Faz bem o seu estilo, já que
gosta de surfar e ama o mar tanto quanto a terra firme.

Quando estou sozinho no escritório tenho a mania de falar


comigo mesmo, em voz alta. Sempre foi assim, dessa forma não me

sentia sozinho, tinha a mim mesmo e não precisava de outras


pessoas me rodeando, afinal nunca sabia ao certo se estavam

comigo pelo dinheiro ou por mim.

Motivo para também evitar relacionamentos.

É uma vida difícil, apesar das pessoas acharem que dinheiro


resolve tudo.

“Será que funcionaria colocar um berço aqui? Para a Flor vir


me visitar também ou seria muito estresse para um bebê”, sorrio

com o pensamento.

— É, Roberto Mender, parece que você se apegou a menina e


a ideia de ter uma família. Enquanto não atrapalhar os meus

negócios, por mim, posso ter uma família dessas.

Olho para o relógio e quase tomo um susto. Já são 10 horas

da manhã e eu aqui, perdido em pensamentos.

Começo a revisar alguns contratos e documentos, o tempo

passa rápido e alguém bate à porta.

— Entre.

É o Fernando.

— Você não vai almoçar? Já passa das 14 horas.

— Ainda tenho muito o que ver aqui, muita coisa atrasada.


— Como eu te conheço, trouxe o almoço até você. — Entra no
escritório com dois almoços do restaurante que eu gosto, depois

fecha a porta e se dirige a mesa. — Agora largue isso um momento

e venha almoçar comigo. Você não vai ser chefe de nada se morrer

de fome.

Ele tem razão, eu não posso negligenciar minha saúde, se

ficar doente aí que a empresa enlouqueceria de vez.

Deixo os papéis na mesa, me sento de frente para Fernando e

separamos nosso almoço.

— Você sabe o meu pedido preferido?

— Eu presto atenção nos meus amigos, Roberto.

Paro um pouco tentando absorver o que ele disse.

Amigos...

Eu nunca pensei que Fernando nos considerava amigos.

Sei que somos companheiros de trabalho, mas nunca fui de


sair com ele ou manter uma conversa informal fora da empresa.

— Você me considera seu amigo? Não é preciso mais do que

conversa de trabalho para chegarmos nessa fase, não?


— Deixa de história. Trabalhamos juntos há mais de cinco

anos.

Bem, mas na verdade...

— Lógico que você é meu amigo, principalmente porque vivo


mais aqui do que na rua. Onde poderia encontrar outras pessoas
para ter um contato maior e chamar de amigo do que aqui na

empresa?

— Realmente, olhando por essa perspectiva você está certo.


Passarei a dar mais atenção a nossa amizade.

— Relaxa, ok. Eu te conheço e sei que tem dificuldades em


confiar e ter contato humano, então pode deixar que te entendo.

Agora vamos comer que está esfriando a comida.

Almoçamos calados por um tempo.

Depois de trinta minutos termino o meu almoço, como


depressa para poder voltar ao trabalho o mais rápido possível.

Fernando come calmamente, tanto que ainda está na metade


do prato.

Queria ter essa paz de espírito, faz tempo que não relaxo

assim. Acho que só uma intervenção divina para me fazer


desacelerar.
— Fernando, terminei aqui. Vou voltar ao trabalho porque tem

muita coisa para fazer, não ter uma secretária é a pior das coisas,
só assim dá para entender a utilidade do cargo. Você pode continuar

ai sem problemas, não se apresse por mim. — Começo a levantar e


ele faz sinal de que vai falar algo, limpa a boca com o guardanapo e

fala comigo.

— Ainda bem que você tocou no assunto, senão ia passar

direto e esquecer de falar. Enquanto estava ocupado com tanto


trabalho, fiz uma pesquisa e encontrei uma pessoa que pode ser

perfeita para o seu cargo.

— Você sabe que não aceito qualquer pessoa. Essa foi bem
indicada?

— Eu já disse que te conheço, Mender. Fiz questão de


somente separar currículos muito bons e com indicação de

confiança. Tenho três em mãos, mas apenas um me chamou a


atenção na hora. Acho que você vai gostar.

Ele me passa uma pasta com os três currículos e sinaliza a


que gostou. Eu vou direto na sua indicação, para cativar o Fernando

tem que ser boa mesmo, afinal ele é tão exigente quanto eu.
O currículo tem duas páginas, o que é bom e ruim. Quando
realmente tem algo interessante então é acertar na loteria, quando é
apenas invenção, cansava.

Nesse caso, era uma baita loteria.

A secretária executiva se chama Marissa Meirelles, 28 anos.

Ela estudou em uma das melhores faculdades do exterior, tem MBA


em empresas multinacionais, fala quatro línguas e ainda tem
graduação em administração de empresas. Com esse currículo nem

sei por que ainda está sem trabalho.

Fiquei imerso no que leio e Fernando me observa.

— Sabia que você ia gostar dessa. Parece o pote de ouro no


fim do arco-íris.

— Quem a indicou?

— Ruan Lemos, aquele seu cliente, empresário de uma rede


de empresas de investimentos. Ele disse que ela já trabalhou com
ele, mas saiu por preferir algo menos agitado do que a bolsa de

valores.

— Por que ela não tem emprego? Com esse currículo, ela
seria empregada em qualquer lugar.
— Pelo que ele me disse, ela está escolhendo, já que pode.
Está em busca de bom salário e algo que não prejudique sua saúde
mental. Errada ela não está, eu faria o mesmo.

— Vou entrar em contato com ela ainda hoje. Você sempre

salvando minha vida, Fernando, merece um bônus.

Percebo que ele já estava no fim do almoço.

— Agradeço o dinheiro, mas não precisa. Faço isso como


amigo, Mender. Um dia você entenderá. Até lá, estou por aqui. Vou

indo que minha mesa está pior que a sua de trabalho para verificar.

Ele sai e me deixa pensativo com sua última frase, “Um dia
você entenderá. Até lá, estou por aqui.”

Ele me lembrou muito o jeito do meu primo Jorge, que não


ligava se eu devolvia toda a atenção que ele me dava, apenas

estava por perto e me entendia do jeito que eu era.

Saio dos pensamentos, antes que perdesse horas nele e


aproveito para entrar em contato com a secretária.

— Alô, boa tarde. Senhorita Marissa Meirelles?

— Boa tarde, ela mesma. Em que posso ajudá-lo? — Sua voz

é calma e firme, um ótimo requisito para secretárias.

— Meu nome é Roberto Mender, sou...


— Empresário multimilionário de um e-commerce de carros de

luxo, ganhador do seu primeiro milhão antes dos 30 e que coleciona


diversos prêmios e clientes. Sei quem é o senhor.

Confesso que por essa não esperava.

— Parabéns pela sua pesquisa e análise senhorita Meirelles,

só dou um zero por me interromper. Não faça isso com os clientes.

— Desculpa, me empolguei um pouco quando soube quem

era. Sou uma admiradora do seu trabalho.

— Eu ainda não te conheço, mas posso dizer que sou um

admirador do seu currículo. Gostaria de marcar uma reunião com

você, quando seria possível? Estou com uma certa urgência.

— Então, podemos nos encontrar hoje. Estou há quarenta

minutos da Mender S.A., pode ser?

Essa traz soluções rápidas e sem enrolações, gostei.

— Pode ser. Quando chegar, informe que veio para uma

entrevista.

Ela agradece e desligo o telefone.

Admito que fiquei impressionado, fazia muito tempo que uma

secretária não parecia tão eficiente.


Espero que seja eficiente no trabalho tanto quanto mostrou até

agora.

Passam quarenta minutos e meu interfone toca, é o segurança


avisando que ela havia chegado.

Mais um ponto para ela, pontualidade, uma das principais


coisas que eu fazia questão de ver em meus funcionários.

Se ela mostrar ser tudo o que o currículo fala, vai ser

contratada.

Alguns minutos depois, ela bate em minha porta e peço para

entrar. Marissa é loira com cabelo liso, de comprimento mediano,


olhos claros, com seu um metro e setenta, aparentemente, mas o

que realmente me interessa é o seu cérebro.

— Boa tarde, senhorita Meirelles, seja bem-vinda a minha


empresa.

— Obrigada, senhor Mender.

— O seu currículo é, no mínimo, impressionante. O que me

leva a perguntar, Por que não está trabalhando na área se tem


todos esses requisitos? — Faço a pergunta em inglês,

propositalmente, já que seu currículo diz que ela fala inglês,

espanhol, francês e italiano.


— Como tenho o poder de escolha, estou em busca de um

emprego que seja o que desejo, que tenha um bom salário e um


bom ambiente de trabalho — responde em inglês perfeitamente e

troca para o francês em um piscar de olhos. — Nesse momento,

senhor Mender, sou eu quem estou permitindo que me contrate e


não o contrário.

O que ela diz é inteiramente verdade, mas não existe currículo

no mundo que ganhe de alguém com empatia, bom coração e uma


alma gentil. Eu dou muito valor a quem segura os negócios e ganha

o que deseja, mas com honestidade e isso só se sabe com o tempo.

— Pelo menos pude confirmar que você fala bem as línguas

que mencionou. As outras duas não vou testar agora — respondo

em francês igualmente.

— O restante do meu currículo posso dar referências que

confirmem.

Voltamos ao português.

— Não se preocupe. A pessoa que te indicou já é mais do que

suficiente, uma das poucas pessoas que confio.

— Eu garanto, senhor Mender, que entrarei neste seleto grupo.

Afinal, uma secretária precisa saber tudo sobre a vida do seu chefe
para melhor atendê-lo.

Sinto nessa afirmação algo além do profissional, houve um

flerte e, talvez, esse seja um grande problema. Mas esse vou deixar
passar para observar melhor a situação.

— Senhorita Meirelles, você começa amanhã. Chego aqui às 7


da manhã, então você precisa chegar antes para deixar tudo pronto.

Vou fazer com você um tour hoje, para apresentar a empresa e tudo

o que precisa saber. Quando chegar a empresa, precisarei que vá

até a mesa da antiga secretária e pegue as agendas que estarão


por lá, a mesa fica do lado da minha sala. Cada agenda

corresponde a uma necessidade, uma para os compromissos

diários, outra para viagens e outra para compromissos pessoais.


Você deverá lembrar de todas elas e a pessoal, principalmente

essa, não deve ser vista por mais ninguém, entendeu?

— Entendido.

— Você cuidará de todas as informações que devem chegar a

mim e nada pode ser deixado de lado. Um compromisso em que eu


não compareça e nem avise, pode custar o cliente e causar

prejuízos à empresa. Você deve saber como funciona, mas é

sempre bom relembrar alguns pontos. Esse cargo parece simples,


mas é de extrema importância e você está ainda em período de

teste, preciso ter certeza de que saberá lidar com o ritmo da


empresa. Tenha cuidado e muita atenção, por favor.

— Acredito que não teremos problemas, eu sempre cumpro o

meu trabalho de forma impecável.

— Isso quem vai avaliar sou eu.

Ela me olha intrigada, mas eu duvido de todos, principalmente

quem acabou de chegar e algo me diz que ela pode me causar

problemas de alguma forma.

Eu me levanto da mesa e faço sinal para que me acompanhe.

Passo o restante da tarde explicando a ela como funciona a


Mender S.A., quem são as pessoas na agenda de compromissos

profissionais, quais assuntos são mais urgentes e tudo o que

precisa saber para desempenhar seu trabalho amanhã.

— Acho que é isso. Amanhã você verá como é por aqui, bem

mais agitada que a tarde.

— Certo, chegarei por volta das 6 da manhã.

— Perfeito. Siga para o setor de RH, vou interfonar para lá e

informarei da sua ida. Seja bem-vinda novamente, senhorita


Meirelles e espero que tenha um ótimo desenvolvimento profissional
aqui.

— Pode me chamar de Marissa e acredito que vamos ser


ótimos amigos.

Novamente a insinuação.

— Não tenho amigos, Marissa, tenho colegas de trabalho. Em

breve você entenderá meu jeito, não me leve a mal.

— Em breve você mudará, algo me diz que você também me

entenderá melhor, até amanhã. — Ela segue seu caminho.

Fernando parece estar à espreita, somente aguardando ela


sair, porque logo surge para conversar comigo.

Vou andando para minha sala e ele vem atrás.

— Roberto, que mulherão era aquele?

— A secretária do currículo que você indicou — digo


arrumando minha mesa.

— Sério?! Era para eu ter ficado com esse currículo. Você viu

que ela estava toda derretida para cima de você?

— Eu não vou cair nessa, Fernando. Esse clichê de patrão e


secretária já deu, nem vem com ideias.
— Meu amigo, a cada palavra sua o olhar dela brilhava e as
indiretas nem se fala. Impossível você não ter percebido.

— Percebi sim e dei algumas cortadas, não vou deixar que ela
entenda isso de forma errada. Eu quero uma boa secretária que

faça seu trabalho, apenas isso.

— Você ganhou uma secretária boa, muito boa, e deveria


investir. Sua vida amorosa está muito parada, parada até demais.

Só vive para o trabalho, precisa de diversão, meu amigo. Não digo


para se casar e sim aproveitar a vida.

— Eu não fico com funcionários e existe uma regra, que eu

mesmo criei, que funcionários não devem se envolver para não


prejudicar o ambiente de trabalho. Você viola essa lei diversas
vezes e faço vistas grossas, mas eu mesmo não vou fazer isso. E

você se aquiete, antes que minha paciência acabe e faça uma


advertência com direito a aula de assédio sexual no trabalho.

— Você é tão sem graça, Roberto. Parece que só vai ter

diversão quando for obrigado a parar de trabalhar.

— E vai demorar muito ainda. Agora me dê licença que preciso


ir para casa.
— Ei, espera um pouco. Preciso conversar com você sobre
outra coisa. Esse fim de semana meus sobrinhos vão lá para casa,
passar o dia comigo. Queria saber se posso passar um dia na sua

casa, para que conheçam a Flor e brinquem um pouco juntos.


Assim, a gente consegue se ver fora do trabalho um pouco. O que

você acha?

— Não sei, Fernando. Você sabe que aproveito o fim de


semana para colocar as coisas em dia e adiantar outras.

— Você não tem uma babá? Ela cuida deles. E outra, agora a

Flor está em sua vida, você precisa encontrar tempo para passar
com ela, papo sério, Roberto. Você é praticamente o pai da Flor, a
figura paterna em quem ela vai se espelhar, se você não faz parte

do crescimento então quem é você na vida dela?

Ele sabe como me pegar de jeito.

Não tenho nem o que falar, tudo o que ele disse é verdade.

— Você está certo, pode passar lá no sábado. Vou confirmar

com a Ellen, se ela pode ficar para ajudar com essas crianças, afinal
será folga dela.

— Marcado, então. Boa noite e até amanhã — Fernando sai

da minha sala.
“Quem eu sou na vida da Flor?”

Essa resposta nem eu tenho.

Entro no carro e vou direto para casa. Assim que chego entro

na mansão e deixo minhas coisas com Alfred, aproveitando para


perguntar onde estão as meninas.

— Estão na sala de vídeo, senhor. Elas parecem que se

divertiram bastante.

Vou direto para a sala e encontro Flor vidrada em Olaf, do filme


Frozen e a Ellen anotando alguma coisa enquanto olha o celular.

— Boa noite, meninas, como passaram o dia?

Ellen toma um mini susto, mas logo se recompõe. Já Flor fez


um barulho simples e nem me olhou, Olaf é o seu amor.

— Brincamos durante o dia, a Flor dormiu e acordou cheia de

energia. Encontrei a sala de vídeo, com ajuda de Alfred, e cá


estamos. Ela está vendo o mesmo filme pela terceira vez, toda vez
que troco ela reclama. Olaf ganhou a vida dela.

A pego no braço.

— Esta é uma mocinha decidida, quando quer algo quer e


pronto. E você, Ellen, o que está fazendo?
— Ahh, estou estudando um pouco, recuperando o tempo

perdido. Encontrei um simulado e estava respondendo.

— Fazer isso com o celular não é ruim?

— Um pouco, mas consigo dar um jeito.

— Ellen, lembra o que conversamos ontem? Faça uma lista e

entregue ao Alfred, ele irá providenciar o que pedir. Entregue hoje


ainda, vou verificar com ele e antes que fale algo, já disse o que
penso sobre isso e acho que você não quer largar a Flor aqui. —

Uso um pouco de chantagem, é necessário.

— Tudo bem, Rob. Vou fazer a lista. Qual o limite?

— Limite de quê?

— De valor da lista, claro.

— Ellen, sou multimilionário. Eu tenho cara que tenho limites


de dinheiro?! Faça a lista e pronto. — Aproveito para me divertir um
pouco com a Flor que é puro sorriso.

Ela fez uma cara feia porque a tirei de Olaf, mas agora está
tudo certo.

Seguimos para a cozinha para jantar e ficamos os três


conversando besteiras.
Essas noites começam a me fazer sentir melhor do que antes
das duas, o que me faz lembrar...

— Sábado teremos uma visita. Meu... amigo do trabalho,

Fernando, você o conheceu, vai vir com os dois sobrinhos que


também são pequenos. Eles vem para brincar com a Flor e
conversarmos um pouco. Sei que é sua folga, mas você poderia

ficar só neste sábado? Eu pago a sua diária em dobro.

— Relaxa, Rob. Eu só ia estudar um pouco e aproveitar o mar,


mas posso ficar sim.

— Você pode aproveitar a piscina daqui também. Todas as

instalações da mansão estão disponíveis para você e para a Flor.


Acho até que ela adoraria entrar na água as vezes.

— Boa ideia. Acho que vou fazer isso com ela esse sábado. E

seu trabalho como foi?

— Finalmente encontrei uma secretária executiva que esteja à


altura do que preciso. Acho que meu problema de desorganização

vai acabar. — Olho para o relógio. — Nossa, já é tão tarde. Preciso


dormir cedo hoje, porque amanhã vou apresentar o que faltou
mostrar e começamos o trabalho de verdade.

— Certo, boa noite, Rob.


Dou boa noite as duas e sigo para o quarto.

***

A semana transcorre calmamente, Marissa pegou tudo de

forma rápida e já está aplicando melhorias ao trabalho, além de


estar por dentro de tudo.

Ela é perfeita para isso e estou impressionado com sua

agilidade em se adaptar.

Fernando seguia secando a coitada e ela parece ter parado


com as insinuações para mim, agora está bem focada no trabalho.

Tivemos apenas um problema que ela resolveu e eu até passei

a receber agradecimentos por presentes de aniversário e tudo mais.

O trabalho estava divino, como deveria ser sempre.

***

Termino a sexta revigorado e nem parece que a semana foi

lotada de coisas.

Vou direto para casa, não antes de confirmar com Fernando a


ida amanhã para a mansão.

— Você não vai fugir de mim, Roberto. Está confirmadíssimo.


Sigo o meu caminho e o ritual ao chegar em casa, entrar e dar
as coisas ao Alfred, antes de procurar as meninas.

Desta vez não preciso perguntar, encontro as duas


gargalhando muito, no corredor.

Elas estão jogando Twist, o jogo de cores em que você roda o

ponteiro e ele diz o membro do corpo e a cor para colocar no tapete


com bolas coloridas, parece divertido.

— Rob, você chegou. Boa noite!

— Boa noite. Vejo que estão empolgadas.

— A Flor está amando jogar isso.

— Mas é você quem está fazendo tudo por ela.

— Não interessa. Aliás, por que você não vem jogar também?

— Nem começa, Ellen.

— Nada disso, apareceu então vai jogar. Você segura a Flor e

brinca com ela. Vocês são um jogador e eu sou a segunda.

Não acredito que Ellen me convenceu disso.

Tiro o sapato e me aproximo, tudo porque a semana foi muito


boa e estou de bom humor.
Brincamos e fazia tempo que eu não me divertia assim, até

ficarmos quase emaranhados um no outro, tanto que ficamos com o


rosto próximo e senti uma coisa estranha, uma tensão entre nós.

Eu a observo de perto e ela é muito bonita, uma beleza

escondida.

Admito que tenho vontade de tocar em seu rosto, mas logo ela
sai de perto desconcertada e eu também.

Sinto meu coração acelerado e eu só penso em seu olhar.

— Bem, agora estou exausta. Chegou a hora de banho e


cama, para você também dona Flor. Posso pegá-la?

Ainda estou meio desnorteado que chego a esquecer que

seguro a Flor.

— Sim, sim. Também cansei dessa vez, vou para o quarto


tomar uma ducha e cama. Amanhã tem mais diversão com os

sobrinhos de Fernando.

— Verdade. Bem, boa noite, Rob.

— Boa noite, Ellen. — Sigo para o quarto com ela no meu


pensamento.

Algo me diz que sonharei com ela, com certeza.


No dia seguinte, acordo com uma ereção e a Ellen na cabeça.

Sonhei a noite toda com ela, com o seu olhar, a sua pele, o
seu cheiro.

Como isso é possível?

Eu sei que o corpo reage, isso é natural, mas como eu poderia


tê-la assim na mente se brincamos de Twist e pronto?

Nada de mais aconteceu.

Nem as insinuações da secretária foram tão poderosas para

me fazer sonhar assim.

Eu me levanto e tenho que me resolver na mão mesmo, senão


será um dia infernal.

Resolvo meu pequeno problema durante o banho e saio do


banheiro bem melhor.

Estou enrolado na toalha quando a porta abre.

— Bom dia, Rob, eu... — Ellen para de falar e fica me olhando

como se me visse pela primeira vez.

Ela observa meu peitoral e minha barriga até onde a toalha


está.
Eu não malho muito, apenas o necessário, mas tenho uma
vida ativa, então meu corpo é mediano.

— Bom dia, Ellen. Sabe bater na porta, não?

— Mil desculpas, nossa, sério. Eu vim dizer que a Flor está


uma agonia para ficar com você. Desculpa de verdade.

— Já passou. Deixa a Flor aqui na cama que daqui a pouco

saio.

— Certo. — Ela passa por mim sem me olhar e sai tão rápido
que mal a vejo passar pela porta.

***

— É, dona Flor, bom dia para você também. Acho que você
aprontou hoje, hein?! Matando a Ellen de vergonha. Será que ela é
virgem e nunca viu um homem assim?

Flor diz um “gugu dadá”.

— Esqueça o que falei, Flor, você é muito nova para ouvir


essas coisas.

Eu me arrumo no banheiro e a deixo no meio de travesseiros.

Quando saio do quarto com ela, Ellen está na cozinha


preparando uma mamadeira e Fernando chega com os sobrinhos.
— Olá! Bom dia, meu amigo. Pronto para passar a manhã na

piscina?

— Se você diz.

Saímos todos e Ellen leva Flor para tomar o mingau e colocar


o biquini.

Fernando e eu nos instalamos e seus sobrinhos brincam na


grama quando Ellen volta com a Flor, muito fofa usando biquini e
chapeuzinho.

Agora a Ellen, algo me diz que terei mais sonhos, porque

agora sobrou pouca coisa para minha imaginação, ela está


formidável em um biquinho amarelo, que contrasta perfeitamente

com sua pele morena. Ela leva Flor e os meninos para a piscina.

— Roberto, essa é a Ellen? A menina do julgamento?

— Ela mesma.

— Meu amigo, por isso que você não quer mais ninguém. Que

mulher, viu?

— Eu não tenho nada com ela, Fernando, para de tentar me


arrumar alguém.

— Bem, se você não tem então por que aquela deu encarada

nela quando chegou de biquini? Pensa que não vi? Tem algo aí,
sim.

— Tem nada.

— Então eu vou chamá-la para sair. Talvez eu tenha sorte.

— Nada disso, não quero você envolvido com os meus


funcionários. Depois dá problema e eu perco a babá.

— Você e suas desculpas... — Ele coloca os óculos escuros.


— Eu fico aqui observando-a então.

Não vou mentir, isso me deixou com ciúme.

Fernando querendo a Ellen desse jeito e nãos sei porque senti

isso, afinal não temos nada.

O dia passou tranquilo e divertido, e Fernando antes de ir com


os sobrinhos, faz questão de elogiar a Ellen.

— Boa tarde a todos e a você, Ellen — diz beijando sua mão.


— Você estava maravilhosa hoje. Continue assim e meu coração vai
ser todo seu.

— Muito engraçado, Fernando. Vou subindo com a Flor. Tchau


para vocês.

***

Depois de nos arrumar jantamos normalmente.


Quando terminamos cada um vai para seu quarto e a mim,
resta sonhar novamente com ela...

Agora com o seu corpo sobre o meu.

***

O domingo passou tranquilo e a segunda chegou, mas ela veio

com algo estranho, uma sensação.

Não sei.

Vou para o trabalho e, enquanto leio o jornal do dia, vejo um


carro passar correndo, driblando outros. Logo depois algumas
viaturas perseguindo o veículo.

— Parece estar acontecendo uma perseguição, senhor


Mender. Talvez o trânsito fique congestionado e pode causar atraso.

— Certo. Esta cidade sempre com esses problemas.

Seguimos até que o carro pega a outra mão e causa um caos


enorme.

O que eu não esperava era um caminhão que desgovernado


vem em nossa direção.

A sensação ruim era essa.


Mal tenho tempo de piscar e sinto toda a pancada do
caminhão no meu carro, que capota algumas vezes.

Antes de desmaiar, só penso na Flor e quem ficará com ela.

Pela primeira vez, o meu primeiro pensamento não é a

empresa.
ROBERTO MENDER

Ouço vozes conhecidas, tento abrir os olhos e mexer o corpo,


mas não dá muito certo. Sinto minha perna presa e muita dor em

todo o corpo, tanto que começo a gemer e as máquinas começam a

bipar, depois de alguns minutos e passos para todo lado começo a


me acalmar.
Sinto uma injeção em meu braço, acho que me dopam por

algum motivo.

Novamente acordo e acordar é difícil, abro um pouco os olhos

e só consigo ver vultos de pessoas, tudo desfocado.

Ouço a voz de Fernando falando com alguém, como se

dissesse o meu estado atual.

— Ele está bem, o corpo já se recuperou bastante. Os médicos

dizem que agora não tem o que o impeça de acordar, só depende

dele então é esperar. Pode deixar, Ellen, eu vou te informando.

Ellen...

Ela está preocupada comigo?

Tento me mexer novamente e dessa vez não sinto tanta dor

quanto antes, ainda dói, mas tento suportar ao máximo.

A perna continua presa, então tento levantar a mão.

Não consigo muita coisa, tento sussurrar e é melhor.

— Ellen... — digo uma vez e repito até que fica um pouco

melhor.

— Roberto, você está aí? Aperta minha mão se estiver

acordado. — Fernando tenta ver algum sinal em mim e eu só


consigo apertar bem de leve.

O sono ganha e eu apago mais uma vez.

Desta vez é diferente, eu volto para a fazenda da família do

Jorge, onde ficávamos quando éramos mais novos.

Sinto pura nostalgia ao estar ali novamente.

Vou caminhando, mas não há sinal de ninguém. Logo a frente

vejo uma cachoeira e me sento em uma pedra ali perto. Fico

olhando a cachoeira até sentir uma mão pesada em meus ombros.

— Olha quem está aqui. Veio me visitar?

É o Jorge falando comigo, eu só posso estar delirando mesmo.

— Jorge, onde eu estou? O que você está fazendo aqui?

— Você, neste momento, está tendo uma parada cardíaca.

Sofreu um acidente muito feio e está complicado para o seu corpo,

mas não chegou sua hora ainda. Daqui algumas décadas a gente se

encontra. — Ele me empurra na água.

Novamente é hora de acordar, mas agora está bem diferente.

Os olhos parecem pesarem trinta quilos cada.

Forço mais um pouco e consigo abri-los.


A visão entra em foco e posso ver o quarto do hospital. Por

enquanto não ouço vozes e está tudo calmo.

Tento mover a cabeça e olho para o meu lado esquerdo,

sentindo um peso grande no braço.

Vejo que é Ellen deitada em cima dele, como se tivesse


pegado no sono, pois dorme tranquilamente.

Mexo um pouco o braço mais forte até que ela acorda.

Ela sente o movimento e se levanta.

— Oi — consigo falar, embora ainda baixinho.

— Mender, Mender, você acordou? Vou chamar o médico. —


Ela sai correndo e pouco tempo depois volta com um.

Ele faz vários testes comigo, coloca uma luz no meu olho e diz

que vai pedir alguns exames.

Fico com a Ellen sozinho de novo e ela vem até perto de mim.

— Graças a Deus você acordou.

— Cadê a Flor? — pergunto preocupado.

— Relaxa. Eu passo o dia junto dela e a noite minha mãe

assume essa posição enquanto fico aqui. Ela trocou o turno esses
dias.
“Esses dias?”

“Por que ela está falando no plural?”

Tento mover a perna e desta vez pergunto a Ellen.

— Por que não consigo mover minha perna?

— Você passou por uma cirurgia na perna. O carro a prendeu


e fez um estrago grande. Colocaram placa e alguns pinos, não

mexa para não machucar... Como fez antes.

— Acho que foi quando tentei acordar pela primeira vez. E o


motorista?

— Ele está bem, está se recuperando e Fernando em seu


nome autorizou que as despesas de seu tratamento sejam

custeadas pela empresa Mender S.A. Sem contar que a família dele
recebeu uma quantia indenizatória muito generosa por seu provedor

estar nessas condições.

— O Fernando fez muito bem.

Uma enfermeira vem e colhe meu sangue.

Quando ela sai resolvo tirar a dúvida com a Ellen.

— Por que você fala esses dias, no plural?

Ela me olha preocupada.


— Mender, você está aqui há uma semana desacordado.
Sofreu uma parada cardíaca e quase morreu, foi por pouco.

Meu Deus, uma semana eu aqui?

O que aconteceu com a empresa?

Quero perguntar tanta coisa, mas o cansaço bate e paro um


pouco, voltando a dormir.

***

Depois que acordo fiquei mais quatro dias no hospital para


exames e em observação para que a perna se curasse por mais

tempo.

Enquanto estive ali, sonhei diversas vezes com o acidente e as

lacunas que faltavam eu perguntei a Ellen.

Houve a perseguição e o caminhão desgovernado veio em


direção ao meu carro. Recebi toda a pancada do lado da minha

porta e apaguei. Lembro dos bombeiros e paramédicos tentando me


tirar do carro e depois uma dor tão forte que desmaiei novamente.
Eu só não morri por causa da qualidade dos carros de luxo da

empresa. Por serem alugados para clientes importantes, os carros


são preparados para acidentes e coisas desse tipo.
No nosso caso, os vidros são a prova de bala e o chassi é um
dos mais resistentes do mundo.

Foi o chassi que me salvou, ainda bem que só uso o meu


produto.

Como a minha perna ficou destroçada, a cirurgia foi muito

delicada e precisarei ficar três meses de molho em casa. Já estou


preocupado em como vai ser isso e o que vai ser da empresa

comigo afastado por tanto tempo.

Fernando tem conhecimento, mas é diferente.

Espero que essa secretária seja realmente boa.

Toda vez que penso nessa situação, minha cabeça imagina

diversos problemas e ainda não entendo o que aconteceu comigo


enquanto dormia.

Eu lembro de chamar Fernando e depois apagar do nada.

Lembro da fazenda e do Jorge me mandando de volta. Depois

disso eu acordei e fiquei pensando em tudo.

Como prefiro os fatos, acredito que meu subconsciente criou a

visão de Jorge para me trazer de volta, senão eu ficaria por lá com

certeza. Melhor do que acreditar que a alma dele me ajudou em

algum limbo espiritual.


Quando recebo alta, peço para trazerem um dos modelos de

carro que temos e que permite o uso de cadeira de rodas, somente


para que eu possa testar uma teoria.

Trazem o carro, vou para casa nele e não tenho problemas.

***

No dia seguinte, ou seja, hoje decido que o carro será meu e


vou para o escritório, nenhum médico irá me manter longe da minha

empresa.

Ao chegar na empresa, minha secretária toma um choque ao

me ver, mas segue profissionalmente, fazendo o que peço.

Vou até o andar do meu escritório e sigo para minha sala com
Marissa empurrando minha cadeira.

Passamos por Fernando que não acredita no que vê e nos


segue até a sala.

Assim que a porta fecha e ela sai, ele solta.

— Roberto, você está louco? Bater a cabeça causou

consequências permanentes?

— Deixa de exagero, Fernando.


— Exagero?! Você deveria estar em casa, se recuperando de

um acidente sério e está agindo como se tivesse apenas quebrado

uma perna.

— Eu não posso ficar longe da empresa por tanto tempo, você

sabe disso.

— Sabe que tem um time por trás de você, bastante

competente.

— Olha, vamos deixar como está agora e ver no que vai dar.
Se eu perceber que está complicado, vou para casa, ok? Pode ser?

— Só vou concordar porque sei que você não vai embora por
menos que isso. Cabeça dura, como sempre. — Sai batendo a

porta.

Desta vez Fernando está com raiva, nunca o vi assim.

Começo o meu trabalho e vou aos poucos aumentando a

intensidade.

***

Depois de duas semanas me sinto bem, como se não tivesse


nem os pinos na perna.

Esse foi o meu erro...


Eu me viro de uma vez e não calculo direito, tanto que o pé foi

direto vai na parede e me faz delirar de dor.

Volto para o hospital com Fernando desesperado.

O médico analisa e precisa anestesiar o lugar para recolocar o

pino, o que me rende uma baita bronca.

— Senhor Mender, eu achava que o senhor era inteligente.


Quem faz algo assim consigo mesmo?

— Eu não fiz de propósito, doutor. Eu me virei rápido no


trabalho.

— E ainda tem isso. Eu falei para ficar em casa e você tem

trabalhado durante todo esse tempo, não sei como isso não
aconteceu antes. Você sabe a gravidade da sua situação? Se

continuar brincando assim, pode perder a mobilidade do pé. A

fratura pode calcificar errado. Obedeça às ordens médicas.

— Dois meses e meio longe da empresa, doutor? É muito

tempo.

— Três meses, Mender, esse acidente piorou sua

recuperação.

Que ótimo, é tudo o que eu queria...

Voltei à estaca zero.


Saio de lá com Fernando empurrando a cadeira de rodas e vou

direto para casa.

Quando chego, a primeira coisa que Ellen percebe é o pé com


um curativo novo.

— O que aconteceu?

Fernando conta tudo a ela, até o que o médico disse.

Não tive direito nem a privacidade médico-paciente.

— Mender, você não é criança. Seu pé está muito ferrado e se

continuar a fazer coisas assim vai piorar seu estado. Por que não
pensa como adulto?

— Não vou mais falar sobre isso. Todos sabem que não quero

ficar longe da empresa, mas se essa é a única forma, vou me


instalar aqui. Fernando vou fazer uma lista de coisas que eu quero,

fala para Marissa que ela vai precisar vir aqui uma vez por semana

para trazer minhas agendas atualizadas — digo mais diversas


coisas sobre a empresa e ele anota tudo.

Quando termina de anotar tudo, se despede e vai embora

falando que amanhã trará o que pedi.

Agora eu preciso encontrar um lugar confortável para trabalhar.


Com essa perna só me resta trabalhar na cama, para ficar com

a perna estirada. Vou para o quarto para ajeitar as coisas, organizo


almofadas e tudo mais, já na parte da mesa tive problemas por não

conseguir puxar.

Ellen oferece ajuda, mas prefiro tentar sozinho mesmo.

Faço isso por um tempo, até encostar a perna em um dos

cantos da cama, gritar de dor e Ellen vir correndo.

— Você está bem?

— Estou, não precisa ajudar. Vá cuidar da Flor.

— Rob, já chega. Você está doente e desse jeito não vai

melhorar nunca, me deixa te ajudar, para com esse orgulho que não
vai te levar a lugar nenhum.

Confesso que nunca estive na posição de depender de alguém

para andar e é algo horrível.

Eu tinha minha independência completa e agora dependo de

Ellen. Só que não tenho mais condições de negar nada, eu


realmente estou ferrado. Por isso, aceito a sua ajuda e facilito as

coisas.

***
Ellen vinha todos os dias para o meu quarto, eu trabalhava da
cama e ela ficava estudando enquanto cuidava da Flor. Às vezes, a

Flor vinha para a cama e ficava comigo.

No começo ficava bravo com ela pegando papel e

atrapalhando, mas depois me acostumei e comecei a gostar da

companhia.

Ellen cuidava do meu conforto e os curativos e cuidados

ficavam a cargo de um enfermeiro particular que contratei.

Pensei que não me adaptaria a essa rotina, mas até que

consegui trabalhar bem daqui.

As reuniões eram feitas ali mesmo, falava com todos da

empresa e Fernando cuidava de tudo o que acontecia.

Aos poucos eu fui me aproximando cada vez mais das


meninas...

Durante o trabalho conversávamos, ríamos e fazíamos as

refeições juntos. Parecíamos uma família de verdade e isso


começou a aquecer meu coração de uma forma que achei que nada
poderia fazer depois da minha mãe e do Jorge.

Começamos a criar programações juntos, como sexta dos


filmes e terça da comida mexicana.
— Temos que definir os gêneros de cada sexta-feira, senão
você vai colocar uns filmes todo cult e eu vou ficar sem escolha.

— Então façamos assim, cada um escolhe dois gêneros. Eu


quero ficção científica e suspense.

— Eu quero animação e romance.

— Não acredito que você vai me fazer assistir essas coisas.

Flor solta um grito e um sorriso.

— Flor e eu somos um time. Ela também escolheu.

Acho tão perfeita a química daquelas duas.

E assim o tempo foi passando...

As noites de filmes sempre animadas e eu cada vez mais


apegado a situação. Sabia que estava apegado bastante a Flor, mas

achava que a Ellen estava apenas tapando o buraco da mãe.

Isso até hoje...

Estamos assistindo um filme de suspense que escolhi


aleatoriamente, mas é muito chato e nem eu estou com paciência.

Flor dorme no berço e Ellen está sentada em uma cadeira,


encostada na cama.
Quando o filme começa a ficar cansativo, ela coloca a cabeça
na cama e logo pega no sono. Percebo isso quando comento algo e
fico no vácuo.

Olho para o lado e Ellen está apagada.

Eu não tenho intenção em ficar observando-a dormir, mas é


algo magnético. Olho para ela e a penumbra do quarto realça o

clima.

Vejo seu cabelo castanho com leves ondas que emolduram


seu rosto e os olhos fechados, tão inocentes.

Suas bochechas um pouco volumosas que seguem para seus

lábios, duas curvas que me chamam, como se fosse algo que


preciso tocar para ter certeza de que é verdadeira. Lentamente,
aproximo minha mão do seu rosto, de forma a tocar sem que ela

acorde.

Não quero acordá-la, ela está perfeita deste jeito.

Roço meus dedos em seu rosto e parece descarga elétrica o

contato das nossas peles.

Toco de leve e sinto a maciez.

A vontade é de tocar seus lábios, mas é invasivo demais. Por


isso, me afasto e continuo observando como aquele pequeno anjo
dorme, enquanto o filme passa.

Aquela menina me faz sorrir, meu coração acelerar e quando

toco em sua pele eu quero mais.

Demorei a perceber, mas hoje tive a prova concreta de que


estou me apaixonando por essa menina e eu não tenho medo

nenhum disso. Ao contrário, sinto um prazer e curiosidade enorme.

Quero Ellen ao meu lado o tempo todo e a Flor nem se fala. Do


meu lado esquerdo um anjo e do direito um anjinho que ressona em
sua cama.

E eu que jurava que ela só atrapalharia, foi mais como um


possível cupido, já que Ellen só veio para cá por causa dela.

Minha vida está tomando um rumo que nunca pensei que

tomaria.

****

Os dias passam e já tenho uma maior mobilidade, mesmo que


as restrições permanecem.

Fernando sempre vem nos ver, quando pode traz os sobrinhos


e fazemos uma tarde na piscina.

Eu já até ajudo a Ellen nos simulados, fazendo perguntas

enquanto ela responde.


Uma coisa eu percebi, durante todo esse tempo em que estou

doente ou estive internado, ninguém apareceu para ver como eu


estava e nem um presente de melhoras, digo isso dos funcionários e
alguns clientes.

Alguns outros clientes, os mais próximos, mandaram bebidas e


presentes caros com um cartão que provavelmente foi a secretária
quem escreveu.

Era o que eu faria.

Acho que preciso mudar os meus péssimos hábitos.

***

Uma noite, Fernando veio me trazer alguns papéis importantes

e discutir outras estratégias para a empresa, depois disso ficamos


um pouco no escritório conversando besteira.

Passando um pouco o tempo juntos, já que agora mal nos


vemos.

Eu me lembrei da reação dele quando eu negligenciei minha


saúde, algo que demorei a perceber que estava fazendo.

— Fernando, tenho algo para te perguntar faz tempo, mas

nunca sei por onde começar.


— Roberto, eu ainda vou tentar com outras mulheres, mas se
perceber que não tem jeito fico com você. Nos casamos e vamos
viver em Santorini, na Grécia — diz e cai na gargalhada

É um idiota mesmo, viu?

— Nem sei como confiei um cargo tão importante nas tuas


mãos. Você parece que não saiu da 5ª série, com piadas que
parecem de uma criança.

— Você sabe que todo homem sai da 5ª série, mas a 5ª série


não sai de você. E nem me diga que você não é assim. Você é, a
diferença é que prende e esconde para ficar mais adulto. Agora

manda a pergunta.

— Quando eu apareci no trabalho pela primeira vez, ainda


todo machucado, você teve uma reação de raiva que eu nunca vi

antes. O que foi aquilo?

— Você é meu amigo, Roberto. Não posso apoiar a estupidez


que faz consigo mesmo — responde, mas eu sentia que tinha algo

mais.

— Foi diferente. Quando me machuquei você ficou com a


mesma raiva, mas a preocupação e o medo eram palpáveis. Isso
que não entendo, somos amigos de trabalho, eu não frequento sua
casa e sempre sou muito frio. Por que você se importa?

Desta vez ele respira fundo antes de responder.

— Você tem razão. É diferente, mas se para você somos


apenas amigos de trabalho então ambos precisamos melhorar.
Tenho você como um irmão para mim, Roberto. Você começou

aquela empresa e me contratou logo no início, acompanhei sua


trajetória até transformar a Mender S.A. no que ela é hoje.

“Vi suas noites maldormidas ou as que nem dormia. Vi as

alegrias e tristezas, A sua solidão. Você sempre se fechou e nunca


deixou ninguém entrar.

“Eu entendo a sua perda, estive presente junto com você,

porque acompanhei seu luto de camarote e não foi bonito.

“Sei o que o Jorge era para você e respeito que guarde a


memória dele e da esposa, mas o mundo está aqui te esperando
aceitar voltar a viver.

“Fiz do meu objetivo te fazer voltar a vida. Se para você eu sou


um amigo de trabalho, para mim você é meu irmão e não vou te
deixar se acabar por causa de algo que colocou na mente.
“Tudo isso vale de nada quando você está perto de morrer e
percebe que viveu para o trabalho. Tentei te falar isso de forma mais

gradual, em doses homeopáticas, mas não funcionou então aqui vai


o tratamento de choque.

“Estou aqui para o que você precisar, mas não estarei por

perto se quiser fazer mal a si mesmo como fez naquela sala, com a
perna machucada.

“E digo mais, você gosta da Ellen, ela pode ser a pessoa certa

para abrir seu coração.

“Vejo como vocês três combinam, uma família Frankenstein


com cada um vindo de uma ponta, mas que parecem estar juntos

desde o começo.

“Para de olhar para sua mesa apenas e olhe em volta, aprenda


a gostar da vista. Aproveite, enquanto essa vista ainda pode ser

sua, porque a vida não espera, meu amigo.”

Ele toma o restante do seu drink, se despede e vai embora.

Ele me deixa para trás refletindo em tudo que disse e perplexo.

Nunca pensei que o Fernando tinha esse nível de sentimento

por mim.
Nunca pensei que alguém se preocupava comigo assim e fico

surpreso quando uma lágrima cai do meu olho esquerdo.

Dizem que quando cai uma lágrima apenas do olho esquerdo é


o coração que chora. Sempre sou cético, mas dessa vez tenho que

admitir que meu coração sentia um calor enorme por dentro.

Vou em direção ao quarto, o enfermeiro me ajuda e me deito.


A Ellen está de folga e a Flor aqui comigo.

Penso no que fazer com o que eu sinto pela Ellen, penso em

como melhorar como amigo para o Fernando e em como melhorar


como ser humano.

Eu não tenho ideia por onde começar, mas sei que não posso

fazer nada com a Ellen sem saber o que ela sente.

Até lá, eu serei somente o chefe amigo.

***

Agora falta um mês e meio para retirada dos pinos.

Eu conto cada dia como se fosse um prisioneiro em casa, na


verdade, eu sou, mas essa prisão tem as melhores pessoas.

Durante a tarde, Marissa fica de vir na mansão para trazer uns

documentos e a agenda atualizada.


Flor, justamente hoje, resolveu grudar mais em mim e se a
levasse para longe, ela chorava. Ellen fica um pouco até que o
porteiro informa da chegada da Marissa. Então peço que leve Flor,

enquanto Marissa chega.

Ellen sai e quando vejo a chupeta da Flor tinha ficado no


escritório.

Vou empurrando a cadeira, procurando pelas duas e chego


bem na hora que Marissa olha para a Ellen dos pés à cabeça e dá
um sorriso debochado, enquanto Ellen parece furiosa.

Volto para o escritório, prefiro que não saibam o que eu vi.

A Marissa é meu bote de salva-vidas e eu não sei o que


aconteceu, depois sondaria direito.

Ela entra e seguimos a reunião.

ELLEN SOUZA

Desço com a Flor para o térreo, para tentar acalmá-la.

Mostro os quadros e fico brincando um pouco com ela, bem na


hora que a secretária do Rob entra.

Eu nunca a tinha visto, ela sempre vinha quando estava de

folga e não sei o motivo.


— Boa tarde, senhorita Meirelles.

Ela nem responde, apenas joga suas coisas para o Alfred.

Julgando pela capa, ela é o estereótipo das riquinhas metidas,

que acham que são mais especiais e melhores que todas as outras
mulheres. Que tem pedigree para diferenciar e tentam sempre se
dar bem, menosprezando os outros.

Posso ser bastante julgadora, mas esse tipo de gente não me


engana, vi muitas assim no hotel.

Ela vai passando direto quando resolve parar e me encarar.

— Boa tarde.

— Quem é você?

Educação mandou lembrança.

— Trabalho aqui na mansão e sou amiga do Mender. Sou a


babá da Flor.

— Aaahhh, você é a famosa Ellen, que está em julgamento e


Mender resolveu fazer caridade para salvar sua pele.

Agora ela passou dos limites.

— Assim é injusto, eu nem sei seu nome.


— Marissa Meirelles, muito prazer. — Estende a mão e eu a

deixo no vácuo.

Acho que ela não está acostumada a isso, porque fica com
uma cara de raiva enorme.

— Escuta aqui, senhorita Meirelles, posso ser babá, mas tenho

mais educação do que você que chegou aqui no salto e nem falou
com o Alfred, o mordomo, caso você não saiba. Você é secretária e
não rainha e mesmo que fosse rainha, deveria ser mais humilde.

— Garota, olha a língua. Cuidado com esse joguinho que você


começou. — Ela se aproxima mais. — Porque posso ser uma cobra
quando quero e das venenosas. É um recado que espero que você

leve a sério, fique longe do Roberto. — Ela me olha dos pés à


cabeça e dá um sorrisinho de falsidade. — Babá deveria usar um
uniforme, não? Seria mais fácil para diferenciar a criadagem dos

importantes. — Coloca o dedo no rosto da Flor que logo começa a


chorar, depois disso sai rebolando e sobe a escada em direção ao
escritório do Rob.

Ele precisa escolher melhor os funcionários.

Fico extremamente irritada com aquela mulher, por isso vou


para a cozinha pensando em vários xingamentos que seriam
perfeitos para ela.

Não vou mentir que sinto um pouco de ciúme, não sei bem se
é ciúme, mas quando imagino que ela passa o dia todo no escritório
com ele e quando ele voltar vai ser assim todos os dias, dói.

Doeu ainda mais quando ela me mandou ficar longe dele, isso
significa que ela tem sentimentos por ele.

Que raiva estou!

A raiva de imaginar as horas que passam no escritório e eu

não tenho noção do que mais fazem supera tudo. Imaginar o Rob
ficando com essa ridícula é ainda mais doloroso.

Pelo jeito aquilo realmente é ciúmes e estou muito ferrada.

Preparo o mingau da Flor e, enquanto ela come, eu me lembro


de todos os momentos que passamos juntos como família. Como
tudo aquilo parecia tão normal e confortável, e imaginar estar longe

daqui é estranho.

— Não se preocupa, Ellen, isso é por causa da proximidade,


mas quando você passar no curso e for embora, vai seguir sua vida

e nem vai se lembrar dele. Da Flor com certeza me lembrarei, já ele


vai ser um amigo, talvez. Isso se não se casar com a ridícula.
Passam algumas horas até que ouço o salto dela ecoar no
piso.

Vou até a porta da cozinha para espionar um pouco, até a Flor

quer ver, porque está caladinha.

Ela se despede dele no primeiro andar.

— Não se preocupe, senhor Mender, está tudo sob controle.


Quando voltar a empresa estará em suas mãos perfeita. Estou
amando trabalhar com você. — Coloca a mão no ombro dele, se
abaixa para beijar a bochecha dele e se despedir.

Prefiro sair da porta, antes que visse algo que doeria por muito
tempo.
ROBERTO MENDER

— Marissa, não esqueça de passar as informações para o


Fernando também. Ele precisa estar por dentro de tudo. Precisamos

manter a empresa funcionando normalmente. Não quero ver minhas

ações despencando. Estou bastante preocupado com as possíveis


consequências no futuro. Você entende, certo?
— Não se preocupe, senhor Mender, está tudo sob controle.

Quando voltar a empresa tudo estará funcionando muito bem. O


trabalho como secretária executiva da Mender S.A. vem me

ajudando a crescer ainda mais. — Ela coloca a mão nos meus

ombros e se abaixa para beijar o meu rosto, antes de se despedir.

Isso nunca tinha acontecido antes.

Ouço um barulho vindo da cozinha e a porta se fechando.

Será que é a Ellen?

No mesmo instante afasto a Marissa, preciso colocar limites


nesta situação.

— Marissa, o que está fazendo? — Ela fica meio sem jeito.

— Desculpa, apenas ia me despedir de você.

— Não temos essa intimidade para que se despeça de mim

com beijos. Preciso que entenda que temos uma relação totalmente
profissional e ela nunca passará disso. Desde a nossa entrevista

percebi certos comportamentos seus que pensei que passariam

com o tempo, mas vejo que apenas abriram portas para que você

pensasse que poderia ultrapassar certas linhas. Eu sou seu chefe e

você minha secretária executiva, sem clichês de namorico. Estamos

entendidos? — Preciso ser mais firme.


— Sim, senhor Mender. Peço desculpas por ter passado do
limite. Isso não irá se repetir — diz, mas tem uma expressão de

raiva, como se não aceitasse tão bem quanto afirmou.

Essa mulher será um problema futuro.

Quando eu voltar à empresa, preciso olhar mais atentamente o

seu comportamento.

— Ótimo. No próximo deslize irei despedi-la. Agora pode ir,

boa noite.

Ela assente com a cabeça, desce a escada, pega suas coisas

com o Alfred e segue para o carro.

Depois que ela vai embora, sinto um certo alívio. Detesto

essas situações, em que eu preciso ser mais ríspido para mostrar

que certos limites não podem ser ultrapassados.

Olho novamente para a cozinha, para tentar ver a Ellen e a

Flor saindo de lá, mas nada acontece. Espero que ela não entenda

errado minha relação com a Marissa. Não sei por que isso me
preocupa, mas não quero que a Ellen pense que saio pegando as

mulheres em todo lugar.

Dou como finalizado o dia de trabalho e sigo para o quarto.

Aproveito para tomar um banho, com a ajuda do enfermeiro e


espero a Ellen trazer a Flor para brincar um pouco antes de dormir.

Elas demoram mais que o normal, até que entram no quarto.

O clima não está leve como sempre, está estranho.

A Ellen está mais séria que o normal e isso me preocupa.

Meu alerta está ligado.

Ela faz as coisas no automático, colocando a Flor ao meu lado


e ajeitando tudo para que ela brinque em segurança, depois segue

para a mesa para estudar um pouco mais.

O silêncio reina no lugar e seria ainda pior se a Flor não

estivesse tão empolgada com seus brinquedos.

Não aguento e quebro o gelo.

— Como estão os estudos, Ellen?

— Normal — responde monossilábica.

— E como foi o dia hoje com a Flor?

— Foi bom. — Ela segue respondendo sem olhar para mim e


de forma fria.

A única vez que vi isso acontecendo foi quando o Jorge fez


algo que irritou a Martina. No outro dia ela estava uma pedra de

gelo, respondendo exatamente assim.


Foi uma briga daquelas.

— Ellen, fiz algo que te irritou? Se fiz, preciso que me diga

para que possamos conversar. Acho que somos amigos a tempo


suficiente para sabermos que ninguém aqui quer o mal do outro. —

Eu me coloco a disposição, quando não se sabe o que está


acontecendo, melhor assumir uma postura defensiva.

Ela me olha bem, suspira e volta aos estudos.

— Está tudo bem, Rob, apenas tive um dia cansativo.

Já estou relaxado quando vem o bendito, “mas”.

— Mas você, pelo jeito, deveria estar mais animado.

Recebendo beijos da secretária.

Sabia que tinha alguma coisa e isso só confirma minha


desconfiança sobre a porta da cozinha.

— Ellen, você está insinuando que tenho algo com a Marissa?

Isso é ciúme?

— Não estou insinuando nada, Rob, a vida é sua e você faz o


que quiser dela. Aqui, eu sou apenas a babá e logo mais vou passar

no meu curso, se Deus quiser, e seguir minha vida.


— Ellen, acredita quando eu digo que não tenho nada com a
Marissa, estou falando isso porque somos amigos e temos liberdade
para comentar algumas coisas. Ela passou dos limites hoje, algo

que nunca tinha acontecido antes e assim que percebi, cortei a


situação e a alertei. Isso não se repetirá ou ela perderá o emprego.

Ela levanta o olhar, como se analisasse se eu digo a verdade,


depois volta aos estudos, mas dessa vez com um meio sorriso.

Estamos progredindo, agora vamos a parte do ataque.

— E que história é essa que você é apenas babá aqui? Você

trabalha para mim, mas esses últimos dias nos aproximamos e


gosto de pensar que nos tornamos amigos, Ellen. Neste momento,
você me ajuda com a Flor e quero o seu bem, quero te ajudar

também.

— Rob, sério, você não precisa dar explicações.

— Não são somente explicações, gosto de deixar tudo claro.


Você realmente vai embora? Sabe quando? Pergunto para me
preparar com a Flor.

Mentira, perguntei para me preparar para esse momento.

— Eu vou prestar vestibular para algumas faculdades de

outros estados, se eu passar vou precisar morar lá. Sabemos,


desde o início, que isso da Flor é algo provisório. E você já tem sua
vida, todo poderoso com sua empresa. Eu preciso seguir a minha
também. — Ela me olha com um olhar triste, mas de quem queria se

convencer que essa é a realidade e nada pode mudar.

— Entendo, você tem razão. Você precisa seguir o seu futuro e


eu mesmo disse para seguir os seus sonhos. Só espero que saiba

que não é apenas a Flor que sentirá a sua falta, eu também vou
sentir. Você é a pessoa mais próxima a mim, fora os meus

empregados e o Fernando, mas nenhum deles passa tanto tempo


comigo e cuida do meu bem mais precioso hoje. Você sabe disso,

certo?

— Não sabia, mas fico feliz em saber. Também vou sentir falta
de vocês dois aonde quer que eu vá, mas não precisamos nos

despedir agora, certo? Pode ser que eu nem passe em nenhuma

universidade e implore para continuar no emprego de babá — diz


isso com um sorriso apenas no rosto, parecendo por dentro estar

preocupada.

— Você é inteligente, Ellen, é esforçada e sabe o que quer. O


caminho está ai e você está o trilhando, vai conseguir sim, acredite

mais em você. Entenda que a primeira pessoa que precisa acreditar

em nossos sonhos somos nós. Agora, vou confessar que o sono


está chegando, o dia foi pesado. Pode deixar a Flor aqui, eu a

coloco no berço depois.

— Certo. Boa noite, Rob e boa noite para você, Florzinha. —

Ela dá um abraço e um beijo na Flor e vai embora.

Desta vez, eu queria ganhar esse abraço e beijo também, mas

não posso simplesmente mudar da noite para o dia. Pelo menos

agora sei que ela sente ciúme e se tem ciúme tem algo aí.

— Será que vai dar certo, Flor? Será que eu devo realmente

investir?

A Flor me olha com um sorriso nos lábios e um olhar um pouco

sonolento.

— É, também estou com sono.

Eu me ajeito na cama e durmo abraçado com a Flor.

Incrível como ela fica tão bem em meus braços, como se

estivesse no melhor lugar do mundo.

Acordo no outro dia e a Flor já está no berço, acho que a Ellen

passou por aqui.

***
Os dias se passam e chega o momento da retirada dos pinos.

Como a fratura foi gravíssima, depois de retirar os pinos eu

precisarei de fisioterapia e mais alguns dias com a muleta, para não


forçar a perna até lá.

O que me dá esperança é que estou mais perto do que nunca

de voltar a ter minha liberdade.

Fernando me acompanha até o hospital, o médico faz o

procedimento e explica como será a partir de agora.

— Parabéns, senhor Mender. Vejo que depois do susto o

senhor aprendeu que precisa de repouso e cuidar melhor da sua

saúde.

— Depois de tanta bronca que levei e principalmente da dor

que senti, preferi não brincar mais com isso. Doutor, quando posso
voltar a andar sozinho novamente? Quero ter minha vida de volta.

— Entendo sua urgência, mas vamos ter um pouco mais de

calma. Seu corpo precisa de mais tempo para se recuperar


totalmente e, para isso, precisa de repouso. A fisioterapia vai

começar assim que o local dos pinos estiver mais cicatrizado. Ela

começará leve e depois vai progredindo, você precisa dar o seu


melhor, porque esse início incomoda bastante por conta da dor, mas
não desista. Eu não posso estimar ao certo quantos meses, tudo

dependerá da sua evolução.

— Entendi. Obrigado, doutor.

Fernando me ajuda e saímos da sala do médico.

Ainda estou frustrado por levar mais tempo, mas tento me

consolar.

Pelo menos ainda tenho minha perna.

Como agora só depende de mim então vou me empenhar para

passar por mais esse desafio e sei que vou conseguir.

Volto para casa e conto o que aconteceu no médico. Ellen faz


algumas perguntas e eu tiro suas dúvidas.

Ela me encoraja e melhora meu ânimo.

***

Seguimos nossa rotina e programas, até que ela perguntar


quando é o aniversário de Flor, isso é algo que nunca me atentei.

Como não foi apenas um dia feliz, preferi esquecer um pouco o


momento, mas tirei sua dúvida procurando no celular a certidão de

nascimento dela, que Olga tinha me enviado um tempo atrás.

Vejo que o seu aniversário é daqui há duas semanas.


— Nossa, a Flor já vai fazer um ano. Se você não perguntasse,

eu não teria me atentado para isso e o primeiro aniversário é uma

data que merece ser celebrada.

— Temos que fazer uma festa para essa fofura e já tenho até o

tema na cabeça.

— Ellen, não acredito que vamos fazer uma festa de Frozen

com Olaf em todo lugar da mansão. Eu já até enjoei da cara daquele

boneco.

— Você enjoou, mas o aniversário é dela. Deixa de ser

ranzinza. Vai ficar lindo de branco, uma princesa da neve.

A Flor parece entender, porque seus olhos brilham quando a

Ellen fala e ela sorri muito.

— Pelo jeito sou voto vencido. Então, deixo com você os


preparativos, pode contratar o que precisar que eu quero dar o

melhor para Flor. Quero que ela tenha um primeiro aniversário para

ficar na memória.

— Certo, você realmente está empenhado, hein? Só não sei

quem chamar.

— Temos o Fernando com os sobrinhos, não sei quem mais

podemos chamar.
— Eu tenho uma ideia, só não sei se vai gostar.

Fico até com medo, mas resolvo ouvir, então faço um gesto

para que continue a falar.

— Que tal chamar os funcionários que tem filhos? Seria uma


animação só e aqui cabe muita gente. Você pode até limitar por

andar, se quiser.

Confesso que não é uma ideia ruim e ajuda no meu projeto de

ser um ser humano melhor.

— Vou pedir ao RH a lista dos funcionários que declararam ter


filhos e vejo quantos são, se forem muitos eu faço a limitação. Vejo

como proceder com isso. Você fica a cargo dos preparativos e eu

cuido dos convidados.

— Fechado. Flor, meu amor, você terá uma festa da neve em

pleno verão de Santos. Olaf vem só por você.

As duas começam a brincar juntas e eu me pego sorrindo, o

sorriso é algo tão espontâneo e agora nem me assustava mais.

A felicidade já está instalada na minha casa.

***

As duas semanas de preparativos foram muito corridas.


Ellen planejava e pensava em ideias para animar as crianças,
enquanto corria de um lado para outro no telefone com fornecedores

e tudo mais.

Eu fiquei com a lista do RH, analisei e limitei em algumas

pessoas, deixei o convite restrito aos cargos mais próximos ao meu.

São muitos funcionários com filhos e não iria caber aqui em casa,
infelizmente.

Mandei o convite que a Ellen fez no computador e a maioria

aceitou. Achei até incrível, pensei que recusariam por ser algo tão
estranho e ser eu quem convidava.

Chamamos a costureira e ela tirou todas as medidas da Flor, o


vestido seria lindo. Pedi que tirasse as medidas da Ellen também,

ela merecia uma roupa para o dia.

Eu tentei fugir, mas como eu era a figura paterna da

aniversariante então precisei ter uma roupa também.

Quando pensava nesse cargo, não tinha mais medo, pois


sentia uma sensação de gratidão por ter a Flor comigo e por Jorge

confiar seu bem mais precioso em minhas mãos.

A minha relação com a Flor estava cada vez mais próxima, eu


a sinto como minha família e sempre passa em minha cabeça como
irei aguentar ficar longe dela quando voltar ao trabalho.

Fizemos a prova das roupas e pedi que a minha fosse mais


folgada nas pernas, para não machucar.

Ellen não me deixou ver a Flor, falou que seria surpresa.

Eu nem estava tão curioso, mas só pelo fato de não poder ver
comecei a imaginar mil e um vestidos.

Faltava pouco para a festa e quase tudo estava certo.

Bolo, brindes e tudo do Olaf, queria ver o que a Ellen aprontou

criando tudo.

O Fernando, meu amigo, diferente dos outros chamei


pessoalmente.

— Roberto, a Ellen tem as melhores ideias para tema. Só ela

mesmo para pensar nisso, já quero ver como a mansão vai ficar
com tema infantil e você como pai da Flor.

— Até eu estou curioso para ver esse dia. Ellen fez todo o

preparativo e pensou em tudo, não tenho ideia do que ela planejou,


mas deve ter sido algo bem criativo, ela adora essas coisas.

— E vamos ter a tradicional foto de família? Com vocês três?

Vejo que você agora fala nela e os olhos brilham. Tivemos avanços?
— Que tanta curiosidade, Fernando, pare com esses
interrogatórios. Sobre as fotos, ainda não sei como será, Ellen e eu
ainda não nos aproximamos tanto assim para chegar ao nível de

foto de família, mas comecei a me abrir a ideia e falei algumas


coisas para me aproximar mais. Vamos deixar o tempo resolver

isso.

— Certo, não vou ficar em cima, mas quero saber das


novidades. Vou trazer meus sobrinhos, eles vão adorar. Eles
amaram a Flor e sempre me perguntam quando vão vir de novo.

Espero que tenha alguma mãe solteira neste evento, para que eu
paquere um pouco.

— Você só pensa nisso. Não lembro se chamei mães solteiras

e não vá inventar de procurar no RH, contenha-se.

Continuamos conversando sobre trabalho, até que ele vai


embora.

***

O grande dia chega...

A festa começará às 10 da manhã, para que as crianças


também aproveitem a piscina.
Ellen contratou até algumas pessoas para animarem a festa e
outras para cuidarem das crianças dentro da piscina.

Ela pensou em tudo mesmo.

Minha curiosidade maior está na decoração, quero ver aquela


mansão de outra forma. Nunca dei festas aqui e não sei como será.

Outra surpresa foi o Alfred, Ellen descobriu que ele tinha netos

e os convidou. Aliás, elas convidou os filhos de todos os


funcionários da mansão.

Não sei como ela consegue pensar em tudo assim, sempre

lembrando dos outros.

São 9 horas da manhã e eu já estou pronto, apenas esperando


as duas aparecerem.

No lugar da Ellen, vem o Alfred, vestido com roupas normais,

afinal ele é convidado da casa hoje.

— Senhor Mender, a senhorita Ellen pediu para que desça que


ela o encontrará na festa. A Flor está comendo seu mingau agora e

trocando a fralda.

— Ah, entendo, obrigado, Alfred, e divirta-se hoje. Esqueça a


mansão.
— Pode deixar, senhor, muito obrigado pelo convite. Meus

netos vão se divertir bastante. — Ele sai e fico me lembrando de


quanto tempo ele me acompanha e eu nunca pensei em perguntar
da família dele.

Eu precisava mudar minha cabeça mesmo e a Ellen me mostra


a cada dia a necessidade disso.

Espero que o Jorge, onde estiver, esteja orgulhoso da pessoa

que estou me tornando para ocupar o seu lugar no coração da Flor.

Desço a escada com a ajuda do enfermeiro, já que a junção de


muletas e escada ainda é algo complicado.

Vou em direção ao local da festa e me surpreendo bastante.

O local se transformou em um grande parque com o tema


Frozen, com direito a neve falsa no chão, uma mesa temática com
um painel da animação e um bolo incrível. Fora isso, tem espalhado

por todo o espaço brinquedos como cama elástica, piscina de


bolinhas e muito mais.

Parece até um grande parque de diversões.

Fernando se aproxima de mim já elogiando a festa.

— A Ellen superou muito minhas expectativas. Nunca pensei


que saberia organizar tão bem uma festa infantil.
— O mérito é todo dela mesmo, ela realmente nos
surpreendeu. Até eu estou achando incrível o que a mansão se
tornou.

Uma garçonete passa oferecendo drinks temáticos para a


festa, até nisso ela pensou.

Enquanto converso com Fernando, vejo de longe a Marissa se


aproximando e não gosto da sua presença ali.

— Quem convidou, minha secretária? Que eu saiba ela não


tem nenhum filho ou criança para trazer.

— Eu não convidei também, mas ela deve ter visto os

comentários na empresa e se auto convidou. Com o acesso que


tem, passa facilmente pela portaria. Quer que eu peça para ela ir
embora?

— Não precisa. O dia hoje é da Flor, só espero que a sua


presença não incomode a Ellen, que trabalhou tanto para organizar
tudo da melhor forma possível. — Suspiro.

Sei que a Ellen detestará vê-la aqui, mas agora não poderei

fazer nada.

Ela se aproxima de nós dois.


— Bom dia, senhores. A festa está magnífica, senhor Mender,
com a sua grande organização não poderia esperar menos da sua

festa. Está impecável.

— Bom dia, Marissa. Que bom que gostou, depois parabenize


a Ellen com essas palavras, ela vai adorar ser reconhecida. — Vejo
a expressão de Marissa mudar, algo me diz que ela não desejaria

ter elogiado o trabalho da “babá”.

Toda essa implicância é com a Ellen?

Fernando se vira para ir ver os sobrinhos, mas nem sai do

lugar direito e faz o comentário que deixa meu coração acelerado.

— Uau, a Ellen realmente se superou. As duas estão


magníficas.

Eu me viro o mais rápido que posso e dou de cara com duas

princesas lindas. A Flor está vestida toda de branco, como o Olaf,


com pequenas figuras de cenouras na barra do seu vestido. Já a
Ellen me deixa excitado somente em vê-la daquela forma.

Ela usa um vestido que marca todo seu corpo.

E que corpo!

Ela escolheu a tonalidade azul, que combina com o tema da


festa e está deslumbrante com a Flor em seus braços.
Meu coração está acelerado e eu não consigo tirar os olhos
delas.

Ambas seguem para a mesa do bolo com o fotógrafo, para


posicionar a Flor e tirar algumas fotos dela.

Ellen conseguiu me fazer desejá-la vestida como uma

personagem infantil, meu Deus!

— Roberto, juro que eu correria para paquerá-la neste exato


momento se não fosse... — Ele percebe que a Marissa observa a

conversa. — A babá da Flor. Ela está uma gata, até senti um calor.

Fico com ciúme do comentário do Fernando. Não quero


ninguém a desejando, apenas eu, mas será difícil isso com tantos
homens na festa, a olhando como se vissem um grande diamante e

é isso em que a Ellen se transformou para mim.

Eu realmente estou apaixonado por ela, uma grande joia rara.

Eu seria muito burro se perdesse essa mulher.

Ela sorri e eu desejo ser uma abelhinha para posar em sua

boca.

Ela é inteligente, com um coração gigante, aquela que arranca


todos os meus sorrisos. Determinada, não desiste dos sonhos, me

fez ver o mundo com outros olhos, além de ser incrível com a Flor.
Maravilhosa em todos os sentidos e fez o que ninguém conseguiu

em tantos anos, meu coração acelerar desta forma.

Tudo isso e ainda tem o bônus de ser gostosa.

Diversos homens a cobiçam na festa, muitos se aproximam

com a desculpa da Flor, mas percebo que queriam falar com ela.

Ellen, educadamente, sorri e brinca com a Flor, enquanto eu


sigo com ciúme da maioria dos homens desta festa.

É impossível não sentir um sentimento desse, a Ellen foi

responsável por me tornar um homem melhor. Só em saber que a


tenho por perto, eu me sinto feliz.

Impossível não estar apaixonado por esta mulher.

— Fernando, eu quero essa mulher na minha vida, porque ela

já está em meu coração.

Noto que a Marissa me observa, ponderando minha reação em


relação a Ellen, que é quase impossível esconder depois de olhá-la

como eu a olhei, apaixonado.

Pelo jeito percebeu que algo acontecia e não estava satisfeita.

Eu não me importo, comigo ela não terá nada além de

profissionalismo.
Ninguém será capaz de interferir na minha relação com a
Ellen, porque o meu coração já pertence a ela e eu preciso correr
atrás do tempo perdido.

Vou com as muletas, aos poucos, me aproximando das duas.

Ellen me vê e vem me ajudar.

— Mender, por que não pediu ajuda?

— Porque queria chegar aqui sozinho para falar que vocês

duas estão fantásticas. A Flor está uma fofa e você, você está uma
verdadeira princesa. Parabéns, Ellen, por sua roupa e pelo evento.
Você me surpreendeu.

— Muito obrigada. Neste caso, já que está aqui, aproveite e


tire algumas fotos com a Flor, antes que as crianças destruam a
mesa.

Me arrumam uma cadeira e me sento com a Flor no colo,

então tiramos diversas fotos até que o fotógrafo faz a bendita


sugestão.

— Mãe e pai, vamos tirar a foto em família?

— Não somos os pais dela, quer dizer, ele é o pai. Eu sou


apenas a babá.
O clima estranho reina, mas eu não deixarei isso estragar
nosso dia.

— Pode tirar a foto com os três. — Viro para Ellen. — Você é a

babá, mas é a figura materna mais presente na vida da Flor, tanto


que organizou tudo isso. Por isso merece demais estar nas fotos,

vamos.

Ela fica desconcertada, mas sorri e concorda.

Não podemos tirar a foto em pé, mas me sento com a Flor e a


Ellen fica do meu lado. Tomo um pouco de coragem e a abraço,

enquanto seguro a Flor com outra mão.

O amor, assim como os negócios, precisa de jogadas certas


para se aproximar do prêmio.

A Ellen é o meu prêmio, na verdade, eu estou errado.

A Ellen não é um prêmio, porque não existe uma disputa ou


competição.

Ela é a responsável por mostrar que eu tenho um coração, a

pessoa que eu quero que esteja sempre em minha vida, dividindo


todos os momentos e está na hora de jogar com as cartas que eu
tenho.
Tiramos muitas fotos, nos divertimos bastante e fico com as

duas durante quase toda a festa, pois não quero mais ninguém.

Todos amaram a festa e cantamos os parabéns para a Flor


que amou a animação de todos e bateu até palminhas.

***

Quando todos vão embora, ficamos sentados próximos a


piscina, lembrando como foi o dia e sorrindo de diversos momentos.

A Flor adormece em meus braços, foi muita agitação para


minha filha.

Minha filha, nossa!

Eu tenho que me acostumar com isso, porque eu a amo


demais e ela veio para ficar.

— Ellen, volto a repetir, parabéns por tudo. — Pego na sua

mão. — Você organizou a festa de aniversário que a Flor merecia.


Obrigado, de verdade — digo enquanto olho em seus olhos.

Se eu pudesse, teria me aproximado mais, quem sabe até a

beijado, mas essas muletas não facilitam minha vida.

Continuo segurando sua mão, fazendo um carinho.

— Você estava linda, sabia? Chamou a atenção de todos.


— Rob, eu estava vestida de princesa infantil. Isso não é nada

sedutor.

— Acredite, você estava seduzindo meio mundo de homens e


até algumas mulheres. O Fernando babou a festa toda.

— Fernando não conta. Esse seu amigo vai atrás de qualquer


rabo de saia. Falando nisso, vi sua secretária. Ela tem filhos?

— Nenhum, mas não vi problema na presença dela na festa.

Eu mal percebi, meus olhos estavam voltados para vocês duas o


tempo todo. Por muito tempo, me mantive afastado dos meus
funcionários por conta de situações como essa. Certas pessoas não

conseguem discernir os limites, falarei com ela depois.

— Esse comportamento não é padrão, Rob. Ela é exceção, a


maioria dos que vieram se comportaram e não fizeram nada que

mostrasse que estavam abusando da sua boa vontade. Você


precisa aprender a confiar nas pessoas.

— Confiança é uma palavra muito rara em meu vocabulário,


mas tentarei me abrir mais. E você, não convidou os seus pais?

— Eles estavam trabalhando. Aproveitaram para pegar um


turno extra para ganhar um bônus. São teimosos e não aceitam
minha ajuda, dizem que o dinheiro que ganho é apenas para mim.
— Minha mãe também era muito teimosa.

— Você não fala muito dela, aliás, não fala muito da sua
família.

— Sou sozinho, Ellen. Minha mãe, Jorge e Martina se foram. O


restante nem liga para mim, passaram a me notar só pelo dinheiro.
Por isso me afastei, melhor que fiquem longe.

— Agora entendo o motivo de não confiar nas pessoas. Sua


infância foi complicada e não tinha muitas pessoas confiáveis ao
seu redor, que te dessem o exemplo. Só que agora você tem a Flor
como sua família e ela te ama muito. Você tem amigos em quem
pode confiar como o Fernando e tem a mim, que estarei por perto

sempre que puder. Você não está mais sozinho, Roberto Mender. —
Desta vez é ela quem pega na minha mão.

A olho, sob a luz do luar e fico preso na visão.

A Ellen é uma mulher que não precisa de maquiagens ou


tantas invenções femininas, ela é linda pela simplicidade, pelo seu
jeito e personalidade.

Eu não me seguro e coloco uma mecha do seu cabelo, que cai


em seu rosto, atrás de sua orelha.
Minha mão entra em contato com sua pele e sinto novamente
aquele arrepio eletrizante.

Ela é linda e eu estou totalmente apaixonado por esta mulher.

Ela fica desconcertada e fala que levará a Flor para o quarto.

Eu concordo e fico mais um pouco ali, olhando as estrelas e


pensando em como farei para a Ellen se apaixonar por mim.

Ela é tudo o que eu quero e, pela primeira vez, tenho medo de


não conseguir.
ROBERTO MENDER

Depois daquela noite, Ellen passou uns dias me evitando,


acredito que por medo de que eu falasse algo sobre ela ter se

excedido ou que eu quisesse algo mais, não sei.

Não tinha muito o que pensar de real, tudo suposições que me

deixavam ansioso, com medo de que ela se afastasse ainda mais


de mim. Por isso, dei o espaço que ela demonstrava querer e fingi

que nada aconteceu.

Aos poucos ela foi relaxando e voltando a nossa rotina de

sempre. Entretanto, meu corpo parecia não querer mais aquela


rotina, parecia querer mais da Ellen, da sua pele e do seu corpo.

Passei a pedir para ela me ajudar a pentear o cabelo, inventei

que estava com o braço doendo por conta da bengala.

Ela acreditou, me ajudou e esses eram os poucos minutos que

tínhamos juntos.

Minutos esses que ela me tocava e eu a sentia como se

estivesse tocando minha pele.

Tentava conter o meu corpo para que não percebesse o

quanto esse simples gesto me deixava excitado. Era algo

complicado, mas eu conseguiria suportar.

Assim que voltasse a minha rotina normal, a conquistaria.

Minha confiança acreditava, mas meu coração temia que não.

***

Chega o dia em que o médico me falaria se estou liberado

para voltar totalmente ao trabalho na empresa e eu já não sentia


mais mesma empolgação de antes.
Eu me acostumei a rotina junto com a Ellen e a Flor.

Tudo era mais divertido, eu trabalhava e nem parecia que

estava ocupado.

Voltar fisicamente à empresa passou a ser um problema e não

uma solução.

No caminho, pensei como poderia ficar mais tempo em casa e

não tive muitas ideias.

Desta vez vou sozinho, Fernando passou a confiar em mim em

relação a minha saúde, até eu mesmo confiei mais em mim com

isso.

Minha vez chega e entro no consultório.

Assim que eu me acomodo na cadeira, o médico começa a

falar.

— Bom dia, senhor Mendes, como foi a sua recuperação?

— Foi boa, doutor, desta vez priorizei minha saúde e continuei


em casa. Preferi acatar suas ordens para acelerar a recuperação.

— Muito bem, vamos analisar a sua perna.

Mostro como está tudo curado e ele gosta do que vê.


— Agora sim posso te liberar totalmente para o trabalho. Você

só vai passar da muleta para a bengala por um tempo e desta vez


quem dirá se pode andar sozinho é o seu tempo. Vá caminhando e

continue com a fisioterapia, quando não mais sentir dores ao andar


e sentir uma firmeza na perna, então pode deixar a bengala de lado.
Fico muito feliz pela sua recuperação, senhor Mender, demorou,

mas chegamos lá.

— Doutor, tem certeza de que está tudo certo? Eu não preciso


ficar mais em casa para melhorar mais um pouco?

— A meu ver, está tudo certo. Engraçado, o senhor não parece


o mesmo homem que chegou aqui agoniado para trabalhar na

empresa. Aconteceu algo?

Tenho vontade de falar que sim, que me apaixonei e que agora


tenho uma família, que quero passar a maior parte do tempo com

elas, mas isso é informação demais para um médico que tem


cuidado da minha perna.

— Não, doutor, agradeço seu acompanhamento. Obrigado —


Eu me levanto e saio do consultório.

Volto para o carro e peço para que o motorista pare em uma

loja de produtos ortopédicos para comprar uma bengala.


Compro e seguimos viagem, ainda não sei como ficar mais

tempo em casa, já estou desistindo e aceitando a ideia de voltar a


empresa mesmo.

Chego e entro em casa com uma cara meio desanimada. Do

nada, ouço a Ellen gritando boas-vindas para mim, o que não


entendo até ler o cartaz de parabéns pela melhora com direito a
confete e corneta.

— Parabéns, Rob! Chegou o seu grande dia. Não se preocupe

que depois limpo tudo. E aí como foi no médico?

— Foi bem. — Não tinha muito o que falar.

— Sério? Você parece desanimado, é por causa da bengala?

Vai demorar mais tempo para voltar a empresa?

E finalmente surge a resposta que eu queria.

— Isso mesmo, Ellen, a bengala vai me fazer ficar um tempo a


mais em casa. Não quero que me vejam na empresa assim, pode
demonstrar fraqueza.

— Entendi, mas logo você a larga. Bengala não demora muito

com os pacientes, minha mãe sempre dizia que quando chegava


nesta fase era praticamente curado. Ânimo.

Agora eu estou animado.


— Vou subir para ver algumas coisas do trabalho e avisar ao
Fernando sobre a minha consulta. Obrigado por tudo isso, fico feliz
em ser bem recebido assim.

— Deixa de besteira, você sempre será bem recebido na sua

casa — diz sorrindo, sempre linda.

Ela apenas ainda não entendeu que aqui só existem


funcionários e ninguém tem esse nível de intimidade para me fazer
sentir realmente em uma casa.

Sorrio para ela de volta e subo as escadas, já me sinto bem

melhor, mas tentarei retardar minha volta o máximo possível.

Entro no escritório e me sento, pensando no que fazer


primeiro. Já estou livre dos remédios, então vou comemorar com
uma dose de whisky.

Saudade de tomar a minha bebida favorita.

Preciso lavar o cabelo também, ele ficou muito tempo


amarrado por não ter como cuidar bem dele, com toda essa agonia.

Não quero parecer um leão e assustar a todos.

Depois de saborear minha bebida, resolvo ligar para o


Fernando.

— Já iria ligar para você, Roberto. E aí, como foi no médico?


— Ele disse que eu estou bem, mas preciso usar bengala e me
adaptar um pouco com ela antes de voltar à empresa. — Minto.

— Hum, vai ser complicado então. Ia te ligar para avisar que


os acionistas estão no meu pé, querendo saber quando você volta.

Falei que está cuidando de tudo de casa, mas eles são agoniados
com essas coisas, querem te ver aqui no escritório, de olho em tudo.

Tem previsão de quando volta?

Eu não esperava essa dos acionistas e teria que falar um


prazo de qualquer jeito.

— Você consegue duas semanas para mim?

— Não posso prometer nada, mas vou conversar com eles e

explicar a situação. Qualquer coisa te aviso. Estou feliz por você,

finalmente cuidando da saúde e evoluindo bem, daqui a pouco


estará aqui conosco.

— Daqui a pouco, Fernando. — Desligo e fico pensando em

como duas semanas vão ser torturantes para mim.

***

Aproveitei ao máximo o tempo que tinha com as duas e tentei

me manter presente para que os acionistas se sentissem seguros


com a minha distância, mas não importou muito meus esforços e a

ajuda do Fernando.

Depois de uma semana, os acionistas já não tinham mais

paciência e a situação colocou em risco a empresa. Por isso, não


poderia mais adiar mais a minha volta.

Nos primeiros dias, foi extremamente difícil a distância.

Sempre ligava e pedia fotos da Flor a Ellen. Sentia falta das nossas
conversas, dos nossos almoços e brincadeiras. Para compensar

meu tempo fora, passei a ficar até mais tarde no escritório e quando

chegava em casa as duas já estavam dormindo.

Ellen colocou uma cama extra no meu quarto, para poder

dormir perto da Flor enquanto eu não chegava, mas sempre sentia

pena em acordá-la, pois estava dormindo tão em paz.

Apenas a cobria, tocava seu rosto para sentir sua pele e ia

para a minha cama.

Foi uma grande tortura.

Depois fui me acostumando e consegui regular meus horários


para voltar para casa mais cedo. Assim, conseguia dar atenção a

Mender S.A. e chegava a tempo de aproveitar um pouco da Flor e

da companhia da Ellen.
A Flor começou a não sentir tanto minha falta, se acostumou

com meu período fora e isso doía um pouco.

Perceber que eu já não fazia tanta falta na sua rotina, não foi
fácil, mas são coisas da vida adulta e não pude evitar.

Enquanto isso, o julgamento dela ia se aproximando, nosso


time continuava reunindo provas e montando todos os aparatos

legais para protegê-la.

Ouço uma batida na porta e peço para entrar.

— Roberto, a equipe jurídica pediu para você trazer a Ellen

aqui. Eles precisam mostrar a ela algumas fotos para confirmarem


uma teoria, algo assim. Você consegue trazê-la amanhã às 10

horas?

— Acho que sim. Pelo jeito estão fazendo progresso, fiquei


curioso agora. — Olho o relógio para confirmar a hora. — Vai

embora agora, Fernando?

— Só organizar minhas coisas e vou sair.

— Certo, estou saindo também, vou avisar a Marissa para


limpar minha agenda pela manhã. Bom descanso para você.

— Para você também, dá um beijo na Flor por mim e na Ellen

pode dar você. — Ele não pode deixar de soltar algo, como sempre.
Interfono para minha secretária, faço o pedido, ela me

pergunta o motivo e respondo que são assuntos pessoais.

Não quero ela se metendo na minha vida demais, ela sabia da

minha vida o que eu deixava que ela soubesse e a Ellen estava fora
dessa equação.

Entro no carro e vou para casa.

Quando chego, sinto no ar o cheiro de lasanha, meu prato

favorito.

Vou logo para a cozinha em busca da fonte e encontro a Elen

tirando uma travessa do forno.

— Então você sabe fazer uma lasanha?

— Boa noite, Rob. Pois é, aprendi com a minha mãe. Ela tem

um jeito diferente de fazer, muda alguns passos da receita, aí nunca


acompanho nenhum livro, sempre sigo o que ela me disse, mas é

tão trabalhosa de fazer que raramente tenho vontade. Hoje, eu

estava estudando e juro que senti o cheiro da lasanha, então corri

para fazer e você chegou bem na hora que estava tirando do forno.

— Que interessante, fiquei curioso para experimentar agora. E

Ellen, sempre que sentir saudade dos seus pais ou dos seus
amigos, você pode chamá-los para cá. Conversar, mergulhar na
piscina, a casa também é sua. Já falei que aqui você é minha

convidada e eu confio no seu julgamento.

— Obrigada, Rob. É que sou mais reservada com coisas que


não tenho tanta liberdade, mas tentarei ficar mais à vontade e vou

considerar convidar sim. Olha você, todo legal e gentil, nem parece

e o cara que conheci naquela rodovia.

— Não fale muito, ele pode voltar.

Sorrimos juntos, na verdade, ela sorri e eu finjo sorrir, porque


estou aproveitando aquele som que seu sorriso fazia, como seu

rosto se alegrava, é lindo.

Volto ao mundo real.

— Eu vim até aqui falar com você. A equipe jurídica pediu para

que fosse a empresa amanhã, às 10 horas, para identificar algumas


imagens, parece que eles tem uma teoria.

Ela me encara por alguns minutos, como se averiguasse que


eu falei a verdade.

— Sério, Rob? Então estamos em progresso? Não acredito,

esse julgamento está na minha cabeça todos os dias e com a


audiência se aproximando, não tive notícias novas, minha

preocupação estava quase no limite. Espero que isso ajude.


Ouvimos um choro ao longe, Flor resolveu chamar.

Ellen sobe para pegá-la e retorna com ela nos braços.

Nos sentamos e ela separa dois pedaços para nós dois.

Quando eu como o pedaço de lasanha, percebo que ela está

fantástica e eu só penso no próximo pedaço.

— Ellen preciso confessar duas coisas, lasanha é o meu prato

favorito, não disse nada com medo de que a sua não fosse tão boa

e criasse expectativas por um feedback meu.

Ela me olha como se estivesse com raiva.

— Mas tenho que dizer, essa é a melhor lasanha da minha


vida. Você precisa cozinhar mais vezes, eu vou te incomodar muito,

pode apostar.

Conversamos e aproveitamos nossa companhia mais um


pouco antes de dormir. Eu sentia a Ellen mais à vontade comigo,

mais próxima.

Estou louco para dar o próximo passo e partir para o beijo,

mas não tenho certeza ainda.

Um dia terei.
Vou dormir pensando na Ellen, amanhã será um dia junto com
ela, pelo menos a manhã e será muito bom ter as duas comigo.

***

Desta vez, a manhã foi mais agitada que o habitual, com a

Ellen nervosa pelo que saberia do avanço do julgamento e todas as


coisas da Flor para organizar e levá-la para o escritório.

Saímos de casa com a Ellen sentada ao meu lado, balançando

a perna o tempo todo.

Coloco a mão em sua perna para que se acalme.

— Ellen, não precisa deste nervosismo. Vai dar tudo certo, eu


estarei com você o tempo todo, está bem?

Ela concorda e se acalma mais, pelo menos visivelmente.

Chegamos a empresa e entramos no elevador, quando íamos


entrar a Ellen avisa que esqueceu a fralda da Flor no carro e digo
que depois ela pegava.

Se tivesse deixado que ela fosse pegar, não estaríamos presos

agora, mas também eu não teria minha chance.

Na metade do caminho, o elevador para abruptamente, me


arremessando em cima da Ellen. Fico um tempo parado, esperando

algo acontecer, o elevador cair, alguma coisa, mas nada acontece.


— Vocês estão bem?

Ellen checa a Flor e confirma, me deixando aliviado.

Agora é descobrir o problema.

— O que aconteceu, Rob?

— Não sei. O elevador simplesmente parou e apagou, vou

tentar me comunicar com eles pelo interfone de emergência.

Tentei e nada de resposta, confirmando que ele apagou por


completo.

Uso o celular e liguei para o Fernando.

— Roberto, onde você está? Aconteceu outro apagão.

— Então esse foi o motivo. Estou preso no elevador com a


Ellen e a Flor. Já entrou em contato com alguém responsável?

Alguém que saiba quando isso vai se resolver?

— Somente me falaram para aguardar, que será o mais rápido


possível. Não tem muito o que fazer.

Desligo e passo as informações a Ellen.

Depois de uns quinze minutos, nos sentamos no chão do

elevador, pelo jeito irá demorar.


Engraçado que esse momento me lembrou muito quando a
conheci, mas desta vez estamos juntos.

— Nós temos uma atração por blecautes. Cuidado para não

virar fetiche — digo sorrindo e ela gargalha.

— Nossa, Rob. Eu realmente não fiz a conexão com tanta


coisa na cabeça, nos conhecemos em um blecaute, mas desta vez

você está um cara melhor do que naquele dia. Inclusive, falamos


sobre isso ontem à noite.

— Verdade, acho que você é a culpada por atrair o apagão,

Ellen. Pelo jeito, você adora atrair problemas. O blecaute me fez


ficar atraído por você. — Não é a melhor das deixas, mas tinha que
começar de alguma forma.

Ela percebe, fica com vergonha, olha para os seus pés e

desconversa.

— O roubo. Realmente, tenho um dom para atrair problemas,


atrai vocês três no mesmo dia. Engraçado que um deles foi a

salvação de outro e o blecaute uniu tudo. Parece que estou em


alguma comédia romântica bizarra. — Ela sorri.

Isso é o bastante para me fazer encará-la e pensar se essa

não seria a hora certa.


Flor está no bebê conforto, a nossa frente.

Novamente, a mecha cai em seu rosto, minha mão ganha vida

e vai direto colocá-la atrás da sua orelha.

Este movimento não me deixa longe da sua pele, meus dedos


sempre roçam em seu rosto e aquela sensação eletrizante percorre

meu corpo.

Esse é o momento que eu procurava, é agora ou nunca.

Continuo alisando seu rosto e como ela não tira minha mão,
entendo como um convite para continuar.

— Ellen, você entrou na minha vida como um furacão,


remexendo tudo dentro de mim. Confesso que o primeiro sentimento
foi raiva por todo aquele atrevimento, afinal uma estranha teve a

capacidade de me deixar vulnerável, me fazer sentir fraco, trocando


um pneu e fazendo coisas melhor do que eu. Eu sempre fui o
melhor em tudo, na minha mente. Você me mostrou como a vida

precisa ser, como devemos tratar as pessoas e como humildade e


bondade são tão necessárias quanto respeito. Que demonstrar o
que sente nunca será considerado errado ou frágil. Por sua causa,

pude me aproximar mais da Flor, criar uma afeição e desenvolver o


amor que hoje sinto por ela. Hoje sou um pai, acredita? Um pai que
escolhe o caminho para melhorar todos os dias para educar essa

pequena da melhor forma. Tudo isso graças a você. Minha raiva


passou a ser respeito, que virou afeição e carinho, mas não sei
quando esse sentimento se transformou em paixão.

— O que você está dizendo, Rob?

— Estou falando que estou apaixonado pela senhorita Ellen


Souza e aqui tem um coração que bate por você, um coração que

descobri ser capaz de amar por sua causa. Neste momento, tudo o
que consigo pensar é como ter você comigo, não como amiga, mas
como namorada e tenho uma ideia por onde começar. — Eu me

aproximo do seu rosto e começo dando um selinho em seus lábios,


macios e trêmulos.

Dou um, outro e outro até que não me contenho mais e a beijo

de verdade. Um beijo ardente, apaixonado, acelerado, com uma


urgência de quem quer muito mais.

Seu cheiro de cereja e seu cabelo comprido e ondulado tomam


todo o lugar.

Paramos o beijo, ofegantes.

— Rob, você não para de me surpreender e demorou demais


para demonstrar algo. Eu também desenvolvi sentimentos por você,
mas não tinha como falar nada, por medo de atravessar uma linha
que acabasse nos afastando para sempre. Ainda bem que você
aproveitou essa oportunidade e começo a gostar mais de blecautes.

Quando vamos nos beijar novamente, ouço a voz do meu


amigo estraga prazeres.

— Roberto, ei vocês estão aí? Ellen? Trouxe ajuda para


acelerar a saída de vocês.

— Estamos aqui, Fernando, abra logo essa porta, por favor.

Alguns minutos depois, a equipe de manutenção força a porta


e nos tira de lá. Primeiro a Flor depois a Ellen e por último eu.

Já tinham se passado quarenta minutos e nada da energia

voltar.

Seguimos para a minha sala, já estávamos quente com o beijo


e sem o ar-condicionado, o ambiente está ainda mais quente.

Depois de uma hora e meia de apagão, finalmente a energia


voltou e consegui trabalhar.

A reunião da Ellen ficou para às 14 horas e era uma tortura tê-

la tão perto e não poder tocá-la na empresa.

Almoçamos e voltamos para a minha sala.


Eu me joguei no trabalho no tempo que restava da manhã para
tentar não agarrar a Ellen e depois do almoço foi ainda mais

complicado.

O clima ficou estranho depois do beijo, como se a nenhum dos


dois soubesse como começar, então resolvo tomar a iniciativa.

— Ellen, acho que nunca te mostrei uma parte secreta desta

sala. Vem cá. — Pego em sua mão, a Flor está no bebê conforto e
pode esperar um pouco.

Puxo um quadro, aperto um botão, uma porta falsa abre e

mostrou um quarto completo, com direito a suíte com banheira e


uma bela vista da cidade.

— Este quarto eu usava para quando ficava até tarde no

escritório. Sempre corria para cá e dormia, quando me procuravam


na sala e não me viam, achavam que eu estava em casa. Era o meu
momento de paz.

— Você pensava em tudo, hein! Adorei essa coisa escondida

aqui.

Continuamos de mãos dadas, aproveito e me viro para ela.

— Esse pode ser nosso esconderijo aqui na empresa. Sempre

que quisermos ficarmos um tempo juntos, corremos para cá e


ninguém vai saber onde estamos. A Flor vai precisar estar junto,
então o que podemos fazer se limita ao que ela pode ver. Podemos

nos beijar bastante, conversar e ficar abraçados.

Dou outro beijo nela, dessa vez mais quente.

Estamos em pé e tenho acesso a todas as suas curvas.

Se é incrível sentir o corpo da Ellen por cima das roupas,

imagina quando chegar a hora de tirá-las.

Ela é linda e maravilhosa e tudo o que eu quero é passar o dia


sentido o seu sabor.

Ouvimos uma batida na porta, peço um momento e fecho o


quarto para que ninguém descobrisse, depois peço que entrem.

É a Marissa para avisar sobre reunião com o jurídico.

Tenho a impressão de que ela olhou com uma cara de quem

não gostou nada de ver a Ellen ali.

Seguimos para a reunião e a Ellen volta a ficar apreensiva.

— Olá, senhores, boa tarde. Já que estamos todos reunidos,

acredito que podemos começar.

— Boa tarde a todos. Ellen, te chamamos aqui porque o Juan


conseguiu algumas fotos de pessoas que possam estar envolvidas
no esquema de roubo dos hotéis. Queremos te mostrar para que

tente identificar alguém — Felipe explica.

Em seguida, dá três fotos a Ellen que as olha e diz que


conhecia os três.

— Essa primeira foto é o Rick, o namorado da Pam, foi ele


quem entrou no quarto para roubar tudo. Essa segunda é do
recepcionista que ouvi no telhado, foi ele quem ligou para o Rick e

avisou que era o dia para colocar o plano em prática, só não sei o
nome dele. Essa última é o senhor Afonso, meu ex-gerente e o
culpado por me incriminar. Foi ele quem colocou o objeto na minha

bolsa.

— Tem certeza, Ellen. Essa acusação pode mudar o rumo das


investigações.

— Certeza absoluta.

— Então pessoal, temos os principais integrantes da quadrilha,


eles são o cabeça e comandam mais algumas pessoas abaixo
deles. Esse Afonso deve ser o mandante de tudo. Segundo minhas

investigações, em breve farão outro roubo, acho que está na hora


da polícia saber de tudo para pegá-los no flagra.
— Gostei da ideia, Juan. Enquanto isso, o Carlos continua
procurando as brechas, somente para que tenhamos um plano B,
caso algo dê errado. Carlos e Felipe, vocês precisam trabalhar

juntos para coordenar bem a defesa. Senhorita Souza, acredito que


seu caso tem tudo para dar certo e você ter a sua inocência
comprovada. Obrigado pela ajuda, agora é conosco.

Seguimos até meu escritório e, quando entramos, a Ellen


coloca a Flor na cadeirinha. Assim que está livre, eu a abraço e a
giro no ar por estar muito feliz por ela.

Nem posso acreditar que finalmente provariam a sua


inocência, ela merece.

A coloco no chão e a encho de beijos.

— Estou muito feliz, Ellen. — Mais beijos. — De verdade. Vai

dar tudo certo, você vai ver. — Muitos outros beijos.

A Ellen se afasta um pouco para falar.

— Seu entusiasmo é até maior que o meu, mas estou muito

mais calma e feliz agora. Nem acredito que as coisas estão


funcionando, de onde venho as pessoas não conseguem se livrar
dessas acusações, mesmo inocentes. Obrigada pela ajuda, Rob. Se
não fosse você, eu estaria encrencada. Sempre me salvando, quase
um príncipe encantado.

— Não gosto de ser príncipe, prefiro ser rei, vamos concordar

que sou um empresário rei, é mais a minha cara.

Sorrimos e a felicidade nos contagia pelo resto da tarde, troca


de olhares o tempo todo, demonstrando o quanto queríamos estar

juntos, mas o trabalho não esperava mais.

Trabalho o mais rápido que pude para largar logo vamos para
casa.

Jantamos e existe uma tensão sexual no ar.

A Flor pega no sono, a colocamos no berço, saímos do quarto


e seguimos para o quarto dela. Assim que a porta fecha, a agarro e
começo a beijá-la, mas desta vez é um beijo quente, cheio de

desejo e tesão.

Começamos a explorar mais o nosso corpo, passo a mão em


suas curvas até colocar por debaixo da blusa. Sinto sua barriga e

vou subindo até ter acesso ao seu sutiã.

Empurro a peça para o lado e acaricio seus seios, que enchem


a palma da minha mão, o que me faz pensar como será tê-los na

boca.
Quando as coisas estão progredindo, ouvimos o choro da Flor.

No mesmo instante, nos aprontamos e seguimos para o

quarto.

A Flor chora bastante e não consegue se acalmar, até que a


Ellen olha mais de perto e vê a sombra de dentes nascendo.

Esse processo incomoda muito os bebês, por isso ela está


chorosa.

Não tem o que fazer, vamos adiar isso para outra hora, ela é
mais importante no momento.

***

Foi um bom tempo de noites maldormidas, comigo e a Ellen


revezando para ajudar minha filhota durante o processo.

Meu sofrimento ao ver Flor daquele jeito era tanto que eu

trocaria de lugar com ela sem pensar duas vezes, para vê-la bem, e
isso me fazia realmente me sentir um pai.

***

Depois de alguns dias nessa maratona do sono, já estávamos


muito cansados e nem percebemos quando dormirmos um ao lado
do outro, logo após a Flor cochilar.
Acordo sentindo um peso em meu peito e vejo que é o braço

da Ellen.

Ela me abraçou durante a noite e vê-la ao meu lado, dormindo


profundamente me desperta algo que vai além de simples tesão, me

dá uma paz e felicidade por tê-la em minha cama, ao meu lado e


isso é insubstituível.
ROBERTO MENDER

Aproveito que acordei cedo e vou ao banheiro domar minha


juba. Meu cabelo me faz parecer um leão, tudo desgrenhado.

Consigo colocá-lo de uma forma aceitável, volto para o quarto


encontrando as duas dormindo ainda e fico as admirando.
Depois de uma semana, a Flor começou a melhorar, seus

dentes nasceram e os outros não a incomodavam tanto quanto os


primeiros. Tivemos várias tentativas nesse meio tempo, mas sempre

frustradas, o que nos levou a esperar, apenas.

Meu medo era que o nosso possível romance tenha esfriado,

por isso tive uma ideia para alimentar o desejo.

Quando tudo acalmou, minha ansiedade me fazia sentir


urgência, não esperava a hora de tê-la nua em meus braços e poder

estar dentro dela. Só em pensar nisso meu amigo de baixo já se

animava.

Programei um jantar romântico, dessa vez eu cozinhei e

preparei toda a organização, escondido dela, é claro, e isso foi bem


difícil.

Escolhi um sábado para que o trabalho não atrapalhasse,

fechei a porta da cozinha a tarde e avisei que ela só entraria no local

na hora do jantar.

Hoje será o grande dia.

Preciso admitir, fiz quarenta porcento do jantar, o restante

precisei comprar, pois eu tinha uma certa expectativa nas minhas

habilidades, mas não foram correspondidas. A lasanha não ficou


perto de ser chamada de algo que existisse nesse mundo, por isso
recorri a urgência e comprei uma do melhor lugar de Santos, isso

antes de conhecer a da Ellen. Já a entrada eu mesmo fiz e a

sobremesa também.

Saio da cozinha e deixo Albert de olho, impedindo a entrada

dela. Avisei que nosso encontro seria às 21 horas, um pouco depois

da Flor dormir, para que ela tenha tempo de se arrumar caso prefira.

Vou para o meu quarto e escolho um smoking, me preparo

como se fosse a um evento em que nós dois somos os personagens

principais.

A cada minuto que se aproxima, meu desejo apenas aumenta

e eu prometo que irei me segurar durante todo o jantar, afinal ela


merece um encontro desses.

Faltando dez minutos, desço para organizar tudo.

Deixo uma luz ambiente, decoro a mesa e faço um caminho de

rosas até a mesa.

Ainda continua sendo uma cozinha, mas consegui disfarçar ao

máximo e até que o lugar ficou apresentável.

Já posso adicionar eventos ao meu currículo.


Às 21 horas, em ponto, Alfred bate na porta, avisando que a

Ellen já está me aguardando.

Acho que alguém está ansiosa para descobrir o que tem nesta

cozinha.

Autorizo Albert a abrir a porta e fico ao lado da mesa, na parte


final da cozinha.

Assim que ela entra me vê e olha para o chão, então vai

seguindo o caminho de pétalas achando engraçado.

Quando chega perto de mim, quase perco o fôlego, o que já é


comum perto desta mulher.

Ela está usando um vestido tubete preto, que marca todas as


suas curvas, salto alto e o cabelo preso em um coque.

— UAU! Agora você conseguiu me surpreender. Nunca

imaginei que você gostasse desse estilo, mas fica muito bem, fica
perfeito em sua pele.

— Confesso que raramente uso, mas como você falou algo


sobre formal, resolvi tirá-lo do fundo do baú. Agora eu que digo:

UAU! Rob, nunca te imaginei como um homem romântico.

— Geralmente não sou, mas existem algumas pessoas que


valem a pena todo o esforço e dedicação. — Eu me aproximo dela e
dou um selinho. — Boa noite, estava ansioso para te encontrar

novamente.

— Boa noite, Rob. — Ela passa os braços por meu pescoço.


— Também estava ansiosa por estar em seus braços.

— Vá com calma, Ellen, precisamos jantar ainda para termos


energia para a próxima atividade — digo em seu ouvido,

sussurrando, o que provoca arrepios por seu corpo. Eu me afasto e


a conduzo até sua cadeira, afastando para que ela se sentasse,

como um cavalheiro fazia antigamente com as damas, algo que,


para mim, nunca deveria ser abolido.

Quando ela está confortável em seu lugar, passo a fazer o


papel de anfitrião da noite.

— Como seu anfitrião esta noite, irei apresentar os pratos do

seu jantar, cuidadosamente preparados para atender ao seu


paladar. Para a entrada, teremos tortilhas de tomate.

Procurei as receitas mais fáceis para conseguir fazer algo e


tortilhas de tomate é, basicamente, pão e tomate, algo que eu

poderia fazer.

Sirvo a Ellen que gargalha quando vê.


— Não acredito que os ricos comem isso de entrada. Sério,
Rob? Nossa, colocava bem mais fé na culinária de vocês.

— Lembre-se que eu preparei com base no seu gosto, sei que


é louca por tomates e esse tem a sua cara.

Ela me encara com um olhar de ternura, como se agradecesse

por prestar atenção no que ela falava. Mas ela não tem nada a
agradecer, pois isso é o mínimo que eu poderia fazer.

Eu me sento ao seu lado e aproveitamos as tortilhas, que


estão deliciosas, por sinal.

Quando terminamos, ofereço o prato principal que ela vê e fica

surpresa.

— Não, Rob. Dessa vez, o prato foi pensando em você. Eu sei

fazer uma lasanha e até como, mas é o prato favorito da minha


mãe, não meu. Essa você errou.

— Não, senhora, tudo foi friamente calculado. A lasanha foi o


primeiro prato que eu vi você fazendo e é o meu prato favorito, você

está certa, mas o jantar é dos dois, então posso.

— Eu não disse nada, somente constatei um fato.

— Para acompanhar a lasanha, sugiro o vinho tinto Cabernet


Sauvignon da safra de 1980. Estava pegando poeira na minha
adega e achei um momento oportuno compartilhá-lo com você.

— Eu não bebo muito, Rob. Então, uma taça será suficiente

para mim.

— Tem medo de ficar bêbada. O que acontece com a versão


Ellen bêbada?

— Vamos deixar para outro momento, quando nos

conhecermos mais intimamente, para nossa primeira noite quero


estar bem sóbria.

Dou um sorriso de lado pensando nas inúmeras coisas que

quero fazer com ela essa noite.

Seguimos conversando, amo observar seu rosto quando tem

uma expressão alegre e quero conservar essa alegria em seu olhar


para sempre. Quero protegê-la de todo o mal do mundo e tê-la ao

meu lado para sempre.

Quando terminamos o jantar, trago um mousse de chocolate


de sobremesa, já que é muito raro alguém não gostar de chocolate.

Apostei que ela não fizesse parte do grupo raro e graças a Deus

não faz.

Nos deliciamos com todos os pratos e a levo para ver as

estrelas, curtir um pouquinho juntos e criar o clima para a noite.


Quero que tudo seja perfeito hoje, para marcar a vida dela.

Não demora muito até começarmos a nos beijar e a tensão

sexual é palpável. Nos atiçamos com mãos em todo lugar e

aproveito para explorar ainda mais seu corpo.

O seu vestido me dá acesso a todo o seu corpo, por isso o

abaixo para melhor tocar seus seios.

— Rob, alguém pode nos ver aqui!

— Fica tranquila, essa área não tem câmeras, é a minha área


privativa. Agora onde eu estava?

Abaixo seu vestido e posso vê-los claramente sob a luz do

luar.

Ela é linda, por dentro e por fora.

Seus seios são perfeitos e eu não me contenho, começo a

alisar os bicos intumescidos, o que deixa excitado com seu rosto se

contorcendo de desejo e tesão.

A beijo avidamente, já não aguentando mais a nossa distância.

Enquanto a beijo, movo a mão do seu peito e retiro seu


vestido, encontrando sua calcinha ensopada com o líquido da

excitação, o que me fez imaginar como ela deveria estar molhada

por dentro.
Afasto um pouco a calcinha e tenho livre acesso a sua entrada,

mas antes brinco um pouco com o seu clítoris. Só em tocá-lo ela

revira os olhos, então continuo a massagear o lugar com o polegar


enquanto meus dedos se encaminham para a sua entrada.

Passo por cima com os dedos, a excitando ainda mais até o

momento em que introduzo meu dedo que desliza facilmente para


dentro, sendo recebido por uma vagina molhada e quente de tesão.

Ellen delira parecendo não aguentar mais, o que não tem


problema, já que ela poderá gozar quantas vezes quiser e eu estou

amando vê-la desse jeito por mim.

Depois que goza, ofegante, ela se move, me olhando nos


olhos e me dando um beijo urgente.

— Rob, vamos para o quarto... Quero você agora!

Qual homem diz não para um convite desses?!

Na mesma hora, seguimos para a minha cama. Não sem antes


no meio do caminho tirarmos nossas roupas.

O tesão já tinha ganhado todo o espaço e nenhum dos dois


aguentavam mais estar longe um do outro.

Não é apenas sexo, mas a consumação do nosso desejo.


Tiro uma das camisinhas da gaveta, meu membro já está

muito empolgado e deseja loucamente entrar na Ellen, por isso não


é necessário estimulá-lo.

Ellen já me espera na cama apenas com uma calcinha fio


dental que eu farei questão de tirá-la.

Paro um pouco para olhar o seu corpo e é uma visão incrível,

que me deixa louco.

Cada curva da Ellen me encanta ainda mais.

Eu me aproximo da sua lingerie e a tiro com os dentes, de

forma devagar, enquanto ela adora a cena que vê.

Chega a hora e eu já não me aguento mais.

Eu me deito por cima dela e introduzo meu pau em sua

entrada. Estou com tanto tesão que nem percebo um pequeno


detalhe, ela é virgem.

Eu só me dou conta disso depois que coloco tudo de uma vez

e ela grita. Paro na mesma hora, achando que tinha a machucado


de alguma forma e por algum motivo fico desesperado. A olho e ela

tem lágrimas nos olhos, então resolvo retirar tudo de dentro dela, o

que a faz sofrer ainda mais.


— Ellen, Ellen, meu amor, fala comigo. O que foi que

aconteceu? Te machuquei de alguma forma? Como? Pensei que

estávamos indo bem.

— Calma, Rob. Calma — diz entre alguns suspiros por causa

da dor. — Eu não te avisei porque pensei que não precisava, tantas

amigas falaram que não tiveram problemas que eu nem pensei


nisso. Sou virgem, por isso essa dor toda que ninguém me avisou.

Cheguei a ler algo sobre a dor, mas ninguém mencionava que

doeria tanto.

Estou assustado, quero brigar com ela por não ter me contado,

mas agora o importante é o seu bem-estar. Tiro a camisinha e meu

pau que estava rígido está adormecido, não há clima para


continuarmos nada por agora.

— O que eu posso fazer para te ajudar? Uma compressa de

água morna ou fria? Gelo? Remédio?

Ela pega minha mão e tenta me acalmar.

— Rob, me escuta. Isso é algo que precisa acontecer com

toda mulher, meu erro foi não ter te avisado. Agora é esperar sarar,

não se culpe, por favor. A escolha foi toda minha, tive diversas

oportunidades para contar e não falei porque não quis. Acalme-se.


Respiro fundo.

— Você é quem sofre e ainda é quem precisa me acalmar, me

desculpa. Certo, vamos dormir aqui hoje e amanhã será um novo

dia.

Ajeito os lençóis que tem um pouco de sangue e isso aperta

meu coração ainda mais, mas preciso me controlar para ajudá-la a

também não se culpar por nada.

Troco os lençóis e me deito ao seu lado, com sua cabeça em

meus braços e sua perna sobre o meu corpo.

— Como você está se sentindo?

— Dolorida, mas é normal. Agora estou feliz, por estar aqui ao


seu lado e não me arrependo de ter perdido a virgindade com você,

Rob. Você foi a minha melhor escolha.

— Se tivesse me avisado, teria feito tudo de forma mais lenta e


você não sentiria tanta dor, mas entendo o que me disse, é normal

não saber a intensidade da dor, já que ela varia de mulher para

mulher. O importante é que estamos juntos. Vamos dormir, que


amanhã será um novo dia. Boa noite, Ellen.

— Boa noite, Rob.

Nos beijamos e dormimos na mesma posição que estávamos.


Eu nunca gostei de dormir desta forma, mas com a Ellen sinto
uma paz enorme.

Como hoje era nossa noite, contratei uma babá para cuidar da
Flor, que está no quarto da Ellen, então podemos dormir sem

preocupações.

***

No dia seguinte, faço questão de acordar mais cedo para

preparar um café da manhã especial. Preparo tudo o que eu achava


que deveria ir em um café da manhã, ou seja, meu gosto.

Acrescento a bandeja um mini jarro com flores e levo até o


quarto.

Ela ainda dorme tranquilamente, está com o cabelo

desgrenhado, parecendo o meu quando acordo, mas está linda de


qualquer jeito.

Realmente estou apaixonado por ela.

Eu me deito ao seu lado novamente para acordá-la de forma


carinhosa. Beijo sua bochecha, sua testa, seus olhos e sua boca.

Ela acorda sorrindo, não tem melhor forma de começar o dia.

— Bom dia, meu amor. Como dormiu?


Ela se espreguiça e depois se aninha em meu peito.

— Dormi muito bem e você, Rob?

— Não tinha como não dormir bem, com você ao meu lado.

— Pelo jeito acordou com o espírito do romantismo.

— Sempre fui, só não tinha encontrado a pessoa certa que

merecesse todo o meu romantismo. Mas agora eu tenho.

Ela me olha de uma forma apaixonada e me dá um selinho.


Depois disso, vê a bandeja na mesa e fica curiosa.

— Por que tem uma bandeja de café da manhã no quarto?

— Porque meu lado romântico não aguenta ver chances para


demonstrar esse lado. Preparei para você e espero que goste das
coisas que trouxe, porque não tinha muita ideia do que fazer desta

vez. — Coloco a bandeja na cama e ela sorri, falando que amou


tudo o que tinha.

Logo, começa a atacar a bandeja.

Um silêncio ganha o quarto, enquanto ficamos na dúvida se


tocaríamos no assunto de ontem agora ou mais tarde. Mas ela
resolve tomar a iniciativa.
— Pelo jeito, você nunca mais vai querer tocar em mim depois
de ontem. Me desculpe por não ter contado, não foi por mal, só tive
medo de que não me quisesse por ser virgem. Achava que

realmente não doía tanto, mas meu medo maior era que me
rejeitasse. Espero que acredite em mim, Rob.

— Ellen, eu sempre vou acreditar em você e não passou nada

na minha cabeça depois daquele momento, fiquei preocupado em


cuidar de você e fiquei mal por tê-la machucado, fui muito direto ao
ponto. Não pense que eu não te desejo, com certeza quero você.

Os poucos minutos que estive aí dentro me enlouqueceram e quero


muito mais daquele momento, mas a prioridade agora é sua

melhora. Você precisa ficar bem para tentarmos novamente.

“Hoje vou deixar a babá cuidando da Flor, para que você


descanse. Se amanhã ainda não estiver bem não tem problema.
Esperamos até que você melhore por completo. Depois disso,

teremos nossa noite tão aguardada.”

Olho para o relógio e vejo que preciso me arrumar.

Hoje irei mais cedo para a empresa, os acionistas pediram

uma reunião para ter certeza de que a empresa não sofreu nenhum
revés no período em que estive fora.
— Agora, preciso me arrumar para ir trabalhar. Queria poder
passar o dia aqui, mas o trabalho não permite mais essas folgas,

pelo menos por enquanto. Hoje tenho uma reunião importante, mas
podemos conversar durante o dia por mensagem, pode falar a
vontade que assim que puder vejo. Vou sentir falta de vocês duas.

— Dou um selinho rápido em seus lábios e sigo para o banho.

Eu me arrumo e antes de sair do quarto dou um beijo de


verdade nela, um beijo de bom dia. Isso é tão normal para mim que

nem me preocupei se parecíamos um casal de anos juntos.

Aproveito e vou ao quarto da Flor, ela já está superanimada e


louca por uma mamadeira. Converso com a babá e aviso que

preciso que ela fique mais uma diária. Ela concorda e entro em
contato com a agência para acertar os detalhes.

Depois de me despedir da Flor, sigo para a empresa com uma

dor no coração por deixá-las ali.

Hoje será um dia de saudade.

Assim que chego na Mender S.A., a Marissa me aguarda para


passar o relatório completo de como será o meu dia que

particularmente hoje está agitado.


Tenho diversas reuniões durante o dia, com chefes de setores

e estratégia da empresa, tudo para me preparar com dados atuais


para a reunião com os acionistas. Ainda bem que a análise de toda
a empresa concluiu que ou nossos lucros permaneceram intactos ou

subiram de valor, flutuando a depender do momento.

O blecaute também atingiu nossas ações, mas tudo foi


recuperado depois.

Confesso que estou satisfeito com nosso progresso.

Aviso Marissa que irei almoçar e que ela preparasse o material


para a reunião com os acionistas.

Almoço pensando em como seria se a Ellen e a Flor

estivessem aqui. Sozinho assim, me sinto solitário de conversa,


antes era algo normal e até preferível por mim. Já hoje, prefiro a
agitação das duas.

Termino a refeição e subo para olhar o material antes de


qualquer coisa.

Entro na minha sala e peço para que a secretária traga tudo.

Marissa aparece com o material em uma pasta, hoje ela está

vestida com um tubete cinza.


Ela realmente é uma mulher linda, de chamar atenção, mas
não é a minha atenção que ela terá porque meus olhos já são de
uma mulher que me espera em casa e nem namorados somos, isso

que é hilário.

— Espero que tenha almoçado bem, senhor Mender.

— Sim, Marissa, estava tudo certo. Agora vamos direto ao


material, a reunião é daqui a pouco e preciso ter certeza de que as

coisas estão em ordem.

— Está tudo aqui, reuni os dados de todos os departamentos e


tomei a liberdade de produzir um gráfico comparando a evolução do

ano passado para esse ano, no mesmo período.

Analiso o material produzido por ela e está muito bom.

— Muito obrigado, Marissa, isso ajudará e muito, mas não

precisava fazer essas coisas. Seria te dar trabalho demais.

— Senhor Mender, estou aqui para servi-lo. — Ela se aproxima


ainda mais da minha mesa, se sentando de lado nela. — Para
qualquer coisa que precisar.

Sinto a cantada misturada no discurso, mas prefiro pagar de


louco e peço que saia para que eu me concentre.
Não sei se o certo seria colocá-la em seu lugar, mas sempre
buscava evitar confrontos.

Com tudo pronto, sigo para a minha reunião.

Os principais acionistas estão presentes, explico toda a


situação e como foi o nosso progresso. Apresento o material e tiro
todas as dúvidas que surgem.

Chega a vez de Fernando falar, eu me sento e aproveito para


olhar o celular enquanto bebo um copo d’água.

Vejo algumas mensagens da Ellen e abro a conversa sem nem


pensar.

Grande é minha surpresa quando me deparo com uma foto


dela, agarrada com uma banana, como se a estivesse masturbando,
junto com a imagem tem a mensagem, “Quero mergulhar assim em

você, Rob”.

Na mesma hora, coloco para fora o conteúdo que tenho em


minha boca, ainda bem que não molho ninguém, mas assusto a

todos na reunião.

— Você está bem, Roberto? — Fernando me pergunta


preocupado.
— Tudo bem, somente me engasguei tomando água. Podem
continuar, me desculpem.

Todos ficam desconfiados, mas continuam com a reunião.

Respondo para a Ellen, “Desta vez, quase acabei a reunião e


corri para casa. Acho que alguns acionistas me acham louco, mas

diante dessa foto foi difícil não reagir. Quase molhei o Fernando
todo com a água que tinha na boca.”

“Desculpa, pensei que a reunião já havia acabado, não queria

atrapalhar, mas a mensagem é verdadeira.”

“Sare logo, para tentarmos de novo.”

E assim seguiram as diversas mensagens apimentadas entre


nós dois.

Depois que ela começou, era impossível parar. Somente tinha


uma pausa quando eu chegava em casa, aí nos agarrávamos
pessoalmente e o tesão só aumentava.

Nossa vontade de ficar junto só crescia, mas ainda pairava o

medo de machucá-la novamente e eu sentia esse medo vindo da


Ellen também.

Como já tinha experiência na área, precisava ajudá-la a se

livrar do medo para aproveitar o prazer que tudo nos daria.


Dois dias depois do mico que paguei na reunião, estou muito

concentrado no trabalho quando batem na minha porta e apenas


ordeno que entre deduzindo ser Fernando, que eu tinha chamado
algum tempo atrás e ainda não havia chegado.

— Desta vez você demorou, Fernando. O que tanto estava


fazendo? Espero que não envolva nenhuma funcionária da
empresa.

— O Fernando é um verdadeiro mulherengo, esse não


aguenta ver um rabo de saia. Já me sinto triste, por não ter ganhado
nenhuma cantada dele.

Ouço uma voz feminina inconfundível e levanto o rosto na


mesma hora.

A minha frente está a mulher que levou meu coração e a


pequena que tinha ganhado toda a minha vida.

— O que vocês estão fazendo aqui? Eu esqueci alguma coisa


importante?

— Não, eu quis fazer uma surpresa, mas se te atrapalhei

podemos ir embora.

— Nada disso, apenas fiquei surpreso. Ter as duas aqui é


como um antiestresse. Impossível não ficar feliz ao ver essas
belezas da minha vida.

Ellen coloca o bebê conforto da Flor na mesa, para me dar um


abraço decente. Um abraço leva ao contato, que leva ao beijo e não

resistimos, é mais forte que nós.

Fernando entra de uma vez na minha sala, nos pegando no


flagra.

— Ora, Ora, o que temos aqui. Roberto, não falando nada,

escondendo a Ellen de todos, quando na verdade ele era o


interessado na história e nem para contar para o melhor amigo aqui.

Ele nos pegou nos beijando e agora não tem como negarmos

a situação.

— Então você é o meu melhor amigo?

— Achei que já tínhamos definido isso e não tente mudar de


assunto, sei como funciona sua jogada. Quero saber detalhes dos

dois. Bom dia, Ellen, muito bom revê-la. Não precisam ter medo de
que eu fale para alguém ou coisa parecida, eu torcia por vocês dois,

antes mesmo dos dois pensarem nisso. Enxergo casais de longe.

— Não sei se confio na sua opinião, Fernando. Você enxerga


casais, mas até hoje está sozinho.
— O problema, minha cara, Ellen, é que sou homem de várias
mulheres, gosto de distribuir o meu amor. Agora me falem desde

quando estão juntos?

— Nos aproximamos bastante depois da festa da Flor e o


blecaute, quando ficamos presos no elevador, foi a oportunidade

que precisávamos para dar o start. Agora estamos aqui,


caminhando.

— Esse beijo não pareceu o fôlego de quem caminha, mas vou


comprar a história. Estou muito feliz por vocês dois, torço para que

tudo dê certo e sejam uma família de verdade, como já parecem ser.


— Ele me abraça e depois a abraça. — Ellen, minha querida, caso o

Mender não seja o cara certo para você, pode vir até mim que eu
serei o príncipe perfeito.

Ele não poderia deixar de fazer suas gracinhas.

— Não sou do clima de príncipes, Fernando, mas agradeço a

cantada, respondeu minha pergunta. — Ellen sorri e me olha.

— Que pergunta?

— Esquece, Fernando. Trouxe o documento que pedi?

Depois disso mergulhamos no trabalho e terminamos bem na

hora do almoço, enquanto as meninas ficam nos observando.


Chamo Marissa para que abra espaço na minha agenda.

— Boa tarde, senhor Mender.

— Marissa, preciso que deixe livre duas horas depois do meu


almoço, quero um tempo para aproveitar minha família. — Essa
parte sai muito espontânea, mas o que me deixa curioso é o

semblante da Marissa mudar da água para o vinho quando


menciono a Ellen incluída na “minha família”.

— Certo, senhor Mender, mais alguma coisa?

— Não, só isso. Obrigado.

Ela sai e nos deixa a sós.

Seguimos para o restaurante e passamos uma tarde


maravilhosa, com certeza bem melhor do que aquela solidão de

almoçar sozinho.

Assim que voltamos para a empresa, tenho uma ideia de como


ficarmos sozinhos um pouco. Peço ao Fernando para que olhe a

Flor por alguns instantes e ele já deve ter imaginado para o que á,
mas resolve ficar calado.

Ainda bem que ele sabe a hora de não soltar gracinhas.

— Com certeza fico com esse anjo. Vou aproveitar e desfilar

com ela pela empresa, dizem que homens com bebês atraem o
dobro das mulheres. Vou testar essa estratégia.

— Fernando, não use minha filha para arrumar encontros e


cuide bem dela, por favor. Senão, eu te mato bem devagar.

— Sem estresse, cuido sim.

Entramos na sala e vou direto para o quarto secreto.

— Senhorita Souza, o que acha de testarmos o quarto?

— Acho a ideia incrível, senhor Mender.

Desta vez fecho o quarto para ninguém nos incomodar.


ROBERTO MENDER

Não temos sorte mesmo.

Começamos a nos animar, as coisas começaram a esquentar

e algumas peças de roupas voaram antes de sermos interrompidos.

Marissa bate na porta me procurando e como não ouve nada,

começa a bater mais.


Ellen e eu queremos rir de toda a situação, mas precisamos

manter o silêncio para que nosso relacionamento, por falta de nome


melhor, no momento, fosse descoberto.

— Senhor Mender, está aí? Preciso falar sobre um documento.

Quando penso que tudo está perdido, que ela entraria e

estranharia o fato de me ver entrar e mesmo assim não ter ninguém

no escritório, Fernando aparece e salva minha pele.

— Marissa, preciso que você vá até o setor de arquivos e

pegue um contrato para mim. Roberto está descansando um pouco,


com uma dor de cabeça horrível, mas eu já o ajudei e ele pediu para

não ser incomodado.

Marissa vai embora, mas ouço a Flor começar a chorar ao


longe.

— Acho que vamos adiar novamente.

— Não se preocupa, Rob. Vamos conseguir uma hora ou


outra, com certeza vamos.

A abraço e dou um beijo nela, antes de começarmos a vestir

nossa roupa.

Depois de tudo arrumado, saímos do quarto e Fernando está

sentado na minha sala.


— Essa foi por pouco. Desculpem interromper, mas a pequena
cansou de mim.

Flor vai para o braço da Ellen, que aproveita para dar o seu

leite.

— De qualquer forma, obrigado.

— Você fica me devendo um whisky, sabe a marca que adoro.

Agora vou me preparar para fazer o ranking das mulheres que

ligarei. Graças a Flor, estou cheio de telefones. Vou indo. Sempre

bom te rever, Ellen. — Sai da sala super orgulhoso das suas

conquistas.

Fernando é uma comédia.

— Rob, lembrei agora. Preciso de uma folga na sexta-feira.

— Certo, vou providenciar uma babá. Algo em que eu posso

ajudar?

— Não se preocupe. É algo de estudo mesmo, vou aproveitar


e ajudar minha mãe em outra coisa que me pediu. Espero que não

tenha problema.

— Nenhum. Se precisar de mim só avisar.

Estranho a Ellen pedir uma folga para alguma coisa, já que

raramente fica longe da Flor, mas todos precisam de um momento e


ela nunca me pediu algo assim. Deve ser algo realmente

necessário.

***

A semana passa um pouco rápida. Depois que as meninas


forma no escritório, cai de cabeça no trabalho e adiantei muita coisa
da empresa. A saudade batia quase toda a hora, mas já me

acostumava com a sensação de passar aquele tempo longe delas,


tudo com a ajuda da Ellen que sempre mandava zilhões de fotos

das duas durante o dia.

Eu cheguei a achar que não iria gostar de uma vida em família,

algo simples e tão diferente da vida de solteiro. O que não levei em


conta é que nossa cabeça também muda durante o processo e

passa a gostar daquela nova sensação, passa a sentir falta quando


está sozinho e aprecia os momentos com todos, até o barulho da

casa é relaxante.

Essa minha nova rotina era a melhor de toda a minha vida.

***

Finalmente chegou a sexta-feira, o que era bom somente

porque teria o fim de semana livre, mas hoje a Ellen não estará em
casa para me enviar fotos e não sei se voltará para dormir. Ela pediu
que deixasse a babá para a noite também, já que não sabia quanto

tempo iria levar a ajuda que ela foi dar a mãe.

O dia passou e saí do escritório com uma saudade gigante das


duas.

Chego em casa meio triste por saber que a Ellen não estará
me esperando, penso em dar um beijo na Flor e depois dormir cedo.

Entro em casa e vejo algumas pétalas no chão. Não entendo

direito, mas formam um caminho até meu quarto e o Alfred não está
na porta desta vez.

Todos sumiram e apenas tem as pétalas e eu.

Resolvo seguir o caminho e ver no que vai dar, com minha


curiosidade nas alturas.

No caminho afrouxo a gravata e solto o cabelo, preciso relaxar

e de um bom banho.

Abro a porta do quarto e o caminho continua até o banheiro. Já

não entendo mais nada e minha cabeça já forma teorias que eu


quero que virem realidade.

Quando entro no banheiro, uma teoria ainda melhor do que eu

imaginei ganha forma na minha frente.


Ellen está dentro da minha banheira, coberta de espumas e
com uma taça de champanhe nas mãos.

— Boa noite, Rob. Acredito que esteja cansado e desejando


um bom banho.

Prendo meu cabelo novamente, começo a tirar o sapato e

afrouxar minha gravata.

— Boa noite, Ellen. Garanto a você que eu estava desejando

um banho para relaxar, mas agora minha vontade está ainda maior.
— Tiro a roupa por completo e largo no caminho.

Entro na banheira e me sento com a Ellen de costas para mim,

encostada no meu peito. Pego uma taça de champanhe e


brindamos.

— Ao que vamos brindar?

— Vamos brindar a finalmente termos uma chance de finalizar


o que começamos, mas agora da maneira certa e estou louca por
isso faz tempo.

— Eu também, você não tem noção de quanto estou louco

para vê-la nua para mim, gemendo na minha cama. Mas me diga,
como foi que planejou isso tudo? — Coloco a taça em um canto e
começo a massagear seus ombros enquanto distribuo carinho pelo
seu corpo.

— Depois que falharmos de novo, pensei que só funcionaria se


fosse em um lugar calmo e controlado por nós, aqui em casa. Tirei o

dia todo de folga, mas fiquei perto da Flor para ela não chorar tão
cedo. Aproveitei para organizar os detalhes que você viu. Desta vez

quero você por completo comigo, Rob.

— Desta vez, minha cara, vai ser com tudo o que você
merece. De forma lenta, aproveitando cada pedaço seu e meu. Já

vou começar aqui na banheira. Uma coisa que você precisa saber é

que as preliminares é o que alimenta a intensidade do momento. —

Começo a massagear seus seios.

Ellen vira a cabeça para trás, aproveitando o momento. Toco

no bico dos seus mamilos que já estão duros. Massageio cada um e


os aperto, de forma a introduzir um pouquinho de dor no meio do

prazer, algo que leva as mulheres a loucura, na dose certa. Ela

aprova totalmente, pois já geme de prazer e se contorce na

banheira.

— Acho que alguém está com tesão, mas calminha, gata.

Estamos apenas começando — digo em seu ouvido, sussurrando.


Deixo uma mão em seu mamilo direito, enquanto a mão

esquerda desce por sua barriga e para no meio das suas pernas. Eu
me aproximo e ela abre o caminho, como se falasse que permitia

minha passagem.

Começo passando a mão por sua virilha até chegar ao clítoris,

apenas o toco e ela dá uma puxada, como se tocar ali fosse algo

que desse choque nela, um choque de prazer. Aliso seu clítoris,

fazendo movimento circulares que a enlouquecem.

Seus gemidos estão cada vez mais altos, enquanto massageio

com o polegar, descendo um dos dedos para sua entrada. Passo ao


redor e entro com o dedo de uma vez, roubando dela um gemido

louco.

— Eu não vou aguentar muito tempo, Rob. Meu Deus! — Ela


delira de prazer e eu amo assistir aquilo, vê-la louca por mim me

enche de tesão.

— Pode gozar, meu amor. Essa será a primeira da noite, ainda

vem mais. Hoje você vai conhecer como é bom tudo isso.

Alguns minutos depois, ela goza para mim e termina sem


fôlego, com o coração acelerado.
— Chegou a hora de ver todo o seu corpo, vamos para o

quarto.

Ela se levanta da banheira e eu a acompanho. Nos


enxugamos e a pego no colo, levando até a cama. Deito minha gata

e paro para observar cada parte do seu corpo.

É algo lindo e meus olhos brilham imaginando que eu tenho

acesso a tudo aquilo, seus seios arredondados, os mamilos mais

escuros, seu olhar de desejo sobre mim.

— Quero que você solte o seu cabelo, Rob. Gosto dele solto.

Faço o que ela pede.

— Vou te apresentar algo que você ainda não sentiu. — Abro

suas pernas e me aproximo do seu clítoris. — Depois você me diz o

que é melhor: com a mão ou... — Coloco a língua nele e faço os


mesmos movimentos circulares de antes.

Ellen se contorce de prazer e tenta, ao máximo, não fechar as


pernas. Enquanto masturbo seu clítoris com a língua e coloco um

dedo na sua entrada. Tenho uma resposta quase instantânea, ela

goza tanto que coloca muito líquido para fora.

Levo o dedo até minha boca e sinto o seu gosto, irresistível.


Logo depois, levanto e coloco a camisinha, não aguentarei

muito tempo mais. Eu me deito em cima dela e encaixo meu


membro em sua entrada.

— Você tem certeza? Não quero machucá-la de novo.

— Tenho, Rob. Eu te quero demais, estou desejando você

dentro de mim faz tempo.

Com essa confirmação entro devagar, aos poucos para que

saiba quando ela irá sentir dor.

Com tudo dentro dela, não há reações dolorosas, então tudo

certo.

Começo em um ritmo lento que vai acelerando até ganhar uma


velocidade interessante. Confesso que me seguro muito para não

gozar antes que ela aproveite ao máximo.

Ela já geme de prazer, com os olhos fechados.

— Ellen, meu amor, abra os olhos. Quero ver o seu olhar

quando gozar para mim.

Ela abre um pouco tímida, o que me excita ainda mais.

Não demora muito e ela goza, o seu olhar é a última gota que

eu preciso, me levando a acompanhá-la.


Gozamos juntos, algo que é ainda mais incrível.

Saio de dentro dela para me deitar ao seu lado, buscando

recuperar um pouco do ar que me falta.

Depois de me recuperar, vou ao banheiro para me limpar, pego

uma toalha para limpá-la e volto para a cama.

A limpo e depois a aninho em meus braços.

— O que achou dessa vez, sem dor?

— Agora sim, esse é o sexo que eu queria. Cuidado para não

me viciar, senão vai ser todo dia.

— Digo o mesmo, senhorita. Eu acho que já estou viciado no

seu cheiro, agora no seu gosto. Vai ser difícil ficar longe por tanto

tempo. E a minha resposta? Qual é melhor, com o dedo ou com a


língua?

— Impossível escolher um, posso ficar com os dois?

— Gulosa, mas sempre vai ter os dois. Meu objetivo é sempre

ver esse seu olhar de desejo, excitado e louco por mim nesta cama.

Não sei o que você fez comigo, mas estou louco por você como
nunca fiquei por ninguém.

Nos beijamos e ficamos juntos mais um pouco, antes de


dormir.
Ainda bem que é sexta-feira, não preciso acordar cedo no

sábado e ainda podemos transar pela manhã.

***

Acordamos e transamos novamente, pelo jeito o horário que a


Ellen ama é ao acordar, mas eu a queria a qualquer momento.

Depois deste dia, procuramos não desperdiçar tempo.


Qualquer brecha era perfeito para ficarmos juntos.

Eu chegava em casa e já a encontrava no quarto, amarrava o

meu cabelo e fechava a porta.

No escritório, fechávamos a porta e aproveitávamos o nosso

quarto secreto.

Nossa felicidade era tão grande que Fernando vivia dizendo

que íamos dar diabetes nele.

Estava tão imerso em nós que nem percebi o tempo passar, já

faz um mês desde o nosso primeiro beijo e parece que foi ontem.

Eu precisava dar algo a Ellen para marcar esse mês, mas não

sabia o quê. Foi quando Fernando entrou na minha sala e me viu

pensativo.

— Não me diga que está pensando na Ellen? Vocês parecem

um casal de adolescentes apaixonados.


— Você vai sentir isso quando se apaixonar, meu amigo.
Quero ver muito essa cena e te perturbar, mas não estou assim

somente por pensar nela. Vamos fazer um mês esse fim de semana

e queria dar algo especial a ela, só não sei o que dar.

— Já pensou em uma viagem em família? Você pode levá-la à

Suíça, as mulheres amam o lugar e conhecem o famoso chocolate


suíço, além de ter clima para a família e para casal a dois.

— Fernando, você é um gênio. Já vou procurar o que é

necessário para tirar os documentos da Flor e o que a Ellen vai


precisar para viajarmos antes do Natal.

— Posso não ter sorte para a paixão, mas sei conquistar as


mulheres, meu caro. Agora vou voltar ao trabalho — Fernando sai e

eu já estava com o setor jurídico na linha para resolver tudo.

Pedi a Marissa três passagens aéreas para a Suíça e informei

a data calculada perante o tempo estimado que os advogados me


passaram.

Esperei até o fim de semana, quando teria muita coisa

encaminhada, para contar a Ellen.

Chego com uma caixinha de presente e entrego a ela.


— O que é isso, Rob? Não é meu aniversário e não fiz nada
para ganhar algo.

— Você existe na minha vida, isso já é um presente para mim.


Para você, escolhi outra coisa, pode abrir.

Ela abre a caixa e vê chocolates suíços.

— Ainda não estou entendendo e olhe que sou boa em


charadas.

— Completamos um mês juntos essa semana.

— Meu Deus, verdade? Me desculpa, estou estudando tanto


para as provas que nem percebi o tempo passar.

— Não se preocupe, também não senti esse tempo todo, mas

queria dar uma surpresa a você e, com a ajuda de Fernando, pensei


em algo. Vamos fazer uma viagem em família para a Suíça, você vai
conhecer onde fabricam esses chocolates.

Ela me olha muito surpresa, sem acreditar.

— Não acredito! E a questão do meu processo? Eu não posso


sair do país.

— Já falei com a juíza, ela permitiu sua saída comigo como

responsável, então não fuja.


Ela se levanta, me abraça, depois me enche de beijos.

— Obrigada, Rob. Lógico que não vou fugir, quero me algemar


a você e a Flor, vocês são os meus presentes. Vou conhecer a

neve!

— Vou desapontá-la quanto a neve. Essa época, se vê mais


neve nos Alpes, fora que as pistas estão fechadas e só abrem em

dezembro. Porém, podemos conhecer o lugar que é belíssimo.

— Por mim está perfeito, Rob. Já quero ver a Flor toda


empacotada.

***

Foram três meses para organizar tudo, nossa viagem caiu em


outubro e conseguimos aprontar toda a documentação a tempo para
não perder as passagens.

Foi uma agonia para comprar roupas, pensar em tudo para a


Flor, além dos documentos dela, mas foram três meses de
ansiedade.

Nossa primeira viagem em família.

Deixei o Fernando cuidando da empresa, passei tudo para ele


e, quando estava saindo, Marissa me entregou algumas
correspondências.
Perguntei se tinha alguma urgente e ela me disse que eram as
de sempre, sendo assim deixei para olhar quando voltasse.

— Boa viagem, Roberto. Divirtam-se e me mande fotos, quero


ver a Flor toda fofa no frio — Fernando diz assim que nos
despedimos.

— Pode deixar.

Nosso voo saiu no dia seguinte, bem cedinho.

Foram onze horas de voo até Zurique e Flor não gostou muito
de ficar esse tempo todo dentro do avião.

Viajamos de primeira classe, o que facilitou para a Ellen e eu


revezarmos e andarmos com a Flor, tentando distraí-la por um
tempo.

Pedi para a comissária de bordo que esquentasse um pouco o

leite dela e só assim ela tomou e dormiu.

Desembarcamos na cidade e Flor estava bem acordada e


curiosa.

Engraçado ela abrindo e fechando a mãozinha quando sentiu o


vento gelado, colocamos suas luvas e seguimos para o hotel.

Na época da organização da viagem, perguntei a Ellen se

preferia que saíssemos pela cidade ou com algum guia turístico com
pacotes e tudo mais. Ela preferiu apenas andar e conhecer o que

tem ao redor, disse que essas coisas de guia e pacote turístico


deixava a viagem mais cansativa para ela. Eu não tinha objeções, já
conhecia a Suíça e deixei que ela decidisse o que queria ver.

Durante quinze dias passeamos e andamos por todos os


lugares.

Como outubro é o mês das crianças no Brasil, procuramos

lugares bem divertidos na Suíça para levar a Flor e ela ter um


pouquinho do seu mês no exterior. Tiramos várias fotos e mandei
algumas da Flor para o Fernando, que respondia que ela estava

linda, parecia até um tio coruja.

Tiramos momentos para nós dois também, mas ambos


queríamos aproveitar tudo junto com a Flor.

Perto do final da viagem, reservei um restaurante que eu

conhecia e levei a Ellen para um jantar romântico na Suíça.

Chegamos no restaurante e a Ellen roubava olhares de todos,


com toda sua beleza magnífica. Ela usava um vestido longo com um

rasgo na coxa, o cabelo penteado todo para a lateral, com suas


ondulações caindo no ombro.
Eu me sentia um homem orgulhoso por poder estar ali com
essa mulher.

Escolhi uma mesa na parte que tem vista para o lago e ela

amou a vista dos pinheiros ao fundo.

— Esse restaurante é de um conhecido meu. Sempre venho


aqui e deixo que ele me indique o jantar. Se você preferir pode
escolher no menu.

— Fiquei curiosa com a indicação, pode ser para mim também.

Chamo o gerente e peço para falar com o chef que logo


aparece com um sorriso no rosto e me abraçando.

— Como é bom revê-lo, Roberto. Como você está? Soube do

seu acidente.

— Também estou feliz por revê-lo, Alex. Estou muito bem,


totalmente curado. Estava com saudade dos seus pratos. Desta vez,

trouxe alguém para conhecer seu restaurante e apreciar suas


indicações. Alex, conheça Ellen Souza, minha namorada. —
Percebo o olhar curioso da Ellen, porque é a primeira vez que eu a

chamo assim.

— Seja bem-vinda, senhorita Souza. Espero que goste das


minhas indicações e fico muito feliz pelo casal. Conheço o Fernando
há muitos anos e é a primeira vez que o vejo com alguém sério
assim. Parabéns aos dois, vou para a cozinha surpreender vocês,

com licença.

— Então você é meu namorado?

— Exatamente, senhorita namorada. Quis que fosse uma


surpresa, para ver seu olhar surpreso quando eu a chamasse assim.

Gostou ou prefere sem rótulos? Por mim, tanto faz, mas vou sempre
tratá-la como namorada a partir de agora.

— Meu amor, eu não tenho nenhum problema com rótulos.

Gostei sim, só fiquei surpresa. Agora sou namorada de Roberto


Mender, o cara chato do carro quebrado.

Sorrimos ao lembrar de quando nos conhecemos.

— Rob, faz tempo que você é mais do que um encontro casual

na minha vida. Desde o nosso primeiro beijo, você já é algo mais —


diz olhando para mim e alisando a minha mão sobre na mesa.

Eu agarro sua mão e fico feliz por estarmos ali, juntos.

Jantamos uma comida maravilhosa e nos deliciamos com o


vinho indicado por Alex.

Conversamos, sorrimos e aproveitamos a vista para o lago.


A Ellen tomou um pouco mais de vinho e era engraçado vê-la
disfarçando que estava um pouco alta.

Agradecemos ao Alex e voltamos para o hotel. Já que a Flor


estava com uma babá indicada pelo lugar, a noite seria nossa, mas
foi a Ellen quem comandou tudo e confesso que por essa eu não

esperava.

Entramos no quarto e ela tira o vestido, ficando somente de


calcinha fio dental preta, o que me excita na hora.

Ela olha para trás e me chama para a cama.

— Ei, deita aqui que eu quero experimentar uma coisa — diz


soltando o cabelo.

Solto o meu também, lembrando que ela gosta dele solto.

Tiro a roupa e me deito na cama de cueca.

— Quer dizer que hoje é você quem manda?

— Exatamente, agora deixa eu tirar esse empecilho. — Tira


minha cueca e deixa meu membro exposto que já está quase ereto.

Ela adora a cena que vê, tira a sandália e sobe na cama.


Afasta minhas pernas e agarra meu membro com a mão.
Neste mesmo momento, sinto uma onda de choque percorrer

meu corpo.

Essa minha reação é algo que a Ellen esperava, porque ela


sorri e continua me masturbando com a mão. Depois se aproxima e

lambe a cabeça do meu pau, lentamente, o que aumenta minha


excitação e meu membro responde ficando totalmente rígido. Em
seguida, ela o coloca por completo na boca e continua a masturbá-

lo.

Eu sei não aguentaria por muito tempo.

— Ellen, meu amor, está tudo uma delícia, mas se continuar

vou acabar gozando na sua boca.

Ela parece não se importar muito com a informação, acho que


essa era a ideia dela desde o início e eu fico ainda mais excitado.

Aí que não demorou muito mesmo, gozei em sua boca e ela

engoliu tudo.

Esta mulher é incrível!

Estou morto e ofegante quando ela vem em minha direção,


passando a língua nos lábios.

— E aí, gostou?
— Se eu gostei?! Essa foi o melhor oral que já ganhei em
minha vida. Você tem um dom para essas coisas, mulher, ainda
estou ofegante e excitado.

— Então, acho que podemos ter um segundo round.

— Pelo jeito, o vinho te animou de verdade. — Coloco a


camisinha sem nem pensar duas vezes. — Lógico que não vou

reclamar.

Ela se senta no meu pau e entro facilmente nela, pois está


muito excitada.

Desta vez a tenho na minha frente, olho em seus olhos, para

vê-la gozar.

Abocanho seus mamilos e ela geme de prazer, enquanto


fazemos o movimento para cima e para baixo, eu mamo em seu

peito. Ellen goza rapidamente e eu demoro mais um pouco, mas


quando gozo não aguento mais nem levantar direito.

— Agora sim, estou cansada e com sono.

— Você drenou toda a minha força, estou acabado.

— Se demorar mais um pouco, apago aqui mesmo.

Eu me levanto, vou ao banheiro, me limpo e volto para a cama


com uma toalha para limpá-la.
Encontro a Ellen já apagada, relaxada e pelada em minha
cama.

Essa é uma visão que eu quero ver todos os dias.

***

Dois dias depois voltamos para casa, nosso relacionamento


estava ainda mais forte, nossa família estava linda e tínhamos fotos

e recordações para provar nossa felicidade.

Nossa família não poderia ser ameaçada por nada, mas foi.

No dia seguinte voltei ao escritório, Fernando me contou tudo o


que tinha acontecido, me passou os detalhes de algumas

transações e reuniões e me deixou por dentro do que aconteceu


enquanto eu estive fora.

A empresa estava indo muito bem.

Aproveitei para ver as correspondências que chegaram no dia


em que viajei. Algumas propagandas, contas a pagar e uma delas
me chama a atenção, a carta de algum fórum.

Olho o remetente e não me recordo do local, abro o envelope e


à medida em que leio, começo a ter raiva daquilo que ameaça
minha paz.

Interfono para a secretária.


— Marissa, chegou alguma carta desde que eu viajei?

— Não, senhor Mender. Todas as que estão aí chegaram

naquele dia.

— E por que você me disse que não tinha nada de urgente?


No meio das cartas tem uma do fórum, sobre um processo. É sua

obrigação estar ciente das correspondências diferentes que eu não


costumo receber.

— Desculpa, senhor Mender. Eu não percebi, o senhor...

— Não fale mais nada, vou ver o que faço. — Desligo na cara

dela e falo com o time jurídico que ficam de avaliar a gravidade da


situação.

Saio um pouco mais cedo, pois preciso abraçar minha filha.

Chego em casa, vou direto para o quarto, tiro a Flor do berço e


a abraço, o que faz Ellen estranhar minha reação.

— Rob, aconteceu alguma coisa? Você está agindo estranho.

— Lembra que eu te contei que a Flor ficava com a avó antes,

que apenas pegava o dinheiro e dava o mínimo para a menina,


enquanto ela gastava tudo em joias e viagens?

— Lembro, qual o problema?


— A Olga teve a ideia ridícula de me processar. Ela quer tomar

a guarda da Flor.

— Com qual pretexto? É difícil ela conseguir ganhar de você.

— Também acho, mas o que ela alega é que a Flor está em

um lar instável. Que eu não sou capaz de prover algo bom para ela.
Eu não sei qual a gravidade, mas estou com medo de perder minha
filha, Ellen.

Verbalizar aquilo em voz alta faz meu coração disparar ainda


mais, eu não quero pensar que essa possibilidade é real.
ROBERTO MENDER

Outubro passou rápido demais e o dia da audiência de


custódia estava marcada para o começo de dezembro.

Eu me reuni todos os dias com a equipe jurídica para


repassarmos tudo, saber se não estava esquecendo nada ou se

eles não perceberam algo que poderia ser usado contra mim.
Essa audiência não era algo simples, como tantas em que

participei no meio corporativo, essa audiência valia a vida da minha


filha e eu não estava disposto a abrir mão dela sem uma boa briga.

— Senhor Mender, com base nas informações do caso, o que


o outro lado pode usar seria sua relação com a Ellen e a sua falta de

tempo.

— Eu entendo que vivo para o trabalho e que estou me


relacionando com a Ellen debaixo do mesmo teto que a Flor, mas o

que isso tem a ver com prejudicar um bebê?

— Em casos de audiência de custódia, sempre se coloca o

interesse e bem-estar da criança em primeiro lugar. Nesse caso, sua

falta de tempo não ajuda na presença paterna que a Flor precisa ter
e como não é casado, não existe uma figura familiar para ela. A

Ellen ainda é sua namorada, alguém que pode ir embora mais

facilmente que uma esposa e alguém que ainda não foi assumido

em público. Sendo assim, você é um homem solteiro e ocupado,

sem tempo para estar com a filha. Isso pode ser visto como algo
que não contribui positivamente para a Flor.

— Mesmo eu colocando à disposição qualquer profissional e

qualquer quantia necessária para a educação dela?


— Aqui, não se julga valor monetário. O que é julgado é aquilo
que forma o caráter, que contribui para o desenvolvimento da Flor

como pessoa. Sinto muito, senhor Mender. Gostaria de dizer que

não temos preocupações, mas existem detalhes que precisam ser

vistos de perto. Aconselho manter o seu relacionamento em

segredo, por enquanto.

— Por quê? Não posso ter namoradas?

— Pode sim, namoradas que não tenham vínculo empregatício

com o senhor e que não vivam no mesmo teto, junto com a bebê. É

algo muito delicado, entendemos sua insatisfação e desconforto.

Pedimos paciência, para que possamos resolver o mais rápido

possível.

— Meu problema não é paciência, André. Meu problema é

preocupação. Estão ameaçando tirar minha filha de mim e, como se

não bastasse, minha namorada também está em uma situação

complicada, porque atinge a Flor indiretamente. Minha família pode

desmoronar em apenas um dia, minha vida pessoal está nessa

audiência e eu não tenho controle total dessa situação. Quando lido


com empresas, chego sabendo diversas formas de me livrar de

algum problema apenas lendo o cliente. Eu não sei o que a Olga

quer.
— Bem, a única coisa que podemos pensar é que ela quer a

guarda da criança para exigir uma pensão alimentícia para a Flor.


Para voltar a fazer o que acontecia antes, pegar todo o dinheiro e

dar o mínimo a criança.

— Eu não vou admitir isso, nunca. Procure, cavem,

pesquisem. Preciso estar certo de que vamos ganhar essa


audiência e preciso enterrar a Olga de uma vez por todas.

Saio da reunião e vou direto para o meu escritório. A Marissa

faz sinal para falar algo, mas minha cabeça agora precisa de um
gole de whisky e da minha vista da cidade, para me acalmar.

Tudo o que eu queria era a Flor aqui, comigo, abraçá-la e


sentir que está tudo bem, que nada vai tirá-la de mim.

Como se meus desejos fossem atendidos, a Ellen entra no

escritório com a Flor. Tento disfarçar a preocupação, não quero que


ela pense que tem um problema antes de eu ter certeza.

— Que surpresa é essa! Deixe-me pegar essa pequena no


colo, vem cá, Flor. — Tento agir o mais naturalmente possível, mas

abraço a Flor como se alguém a quisesse a arrancar dos meus


braços.
— Rob, não precisa fingir que não está preocupado. Você está

agindo diferente e dá para notar o problema de longe. Teve alguma


evolução no caso da Flor?

— Tentei esconder de você para que não se preocupasse

antes do tempo. Até agora estamos no mesmo, sem nada que


possa dizer que vamos vencer com certeza.

— Não precisa esconder essas coisas de mim, Rob. Estamos


juntos, lembra? Sou sua namorada e, acima de tudo, amiga.

Estamos juntos nos problemas também.

— Eu entendo, meu amor, só não queria arrastá-la para essa


loucura. A Olga é uma víbora, ela quer tomar a Flor de mim para
ganhar uma pensão para o resto da vida e dar o mínimo a ela. Foi

assim que eu encontrei a Flor, foi assim que ela me deu a coitada
sem nenhum remoso. Ela a tratou como um empecilho na sua vida.

Eu não quero que a Flor sofra assim novamente.

— Essa Olga, é a avó legítima da Flor?

— Sim, é a mãe da Martina. A mãe da Flor, que morreu por

causa do parto. As vezes sinto que a Olga culpa a Flor pela perda
da filha e busca uma compensação de alguma forma. Prefiro

acreditar nisso do que a outra opção.


— Que seria?

— Pura maldade contra a própria neta que nem sabe falar

ainda, muito menos se defender.

— Vamos focar no que temos agora, Rob, e a nossa família


unida.

Lembro do que André falou e sinto ainda mais raiva.

— Ainda tem isso. Não podemos assumir nosso namoro,


porque pode prejudicar o julgamento se souberem que estamos

juntos. Como você mora na minha casa como babá, pode pegar mal
para mim e usarem como “um lar que não oferece o melhor para a

Flor”. Saiba que odeio essa situação, queria gritar para todos
ouvirem que estamos juntos. Você sabe disso, não é?

— Rob, quanto a mim não precisa se preocupar. Mencionei


apenas para a minha mãe, nem meu pai sabe que estamos juntos,

muito menos outras pessoas. Fique tranquilo que eu sei o que sente
por mim e entendo a situação.

Eu me sento na minha mesa e percebo que a linha com a


Marissa está aberta.

— Marissa, você está aí?

Ninguém diz nada, acho que ela esqueceu.


Espero que ninguém tenha ouvido o que falamos aqui.

Desligo a linha e retomo a conversa.

— Vou precisar dividir meu tempo entre a Flor e o escritório.

Esse foi um dos pontos mencionados pelos advogados, mas


também é algo que preciso colocar como prioridade. Agora sou um

pai solteiro, tecnicamente. Preciso dar mais atenção a minha filha e


quero participar de todo momento importante da sua vida. Não

quero ser alguém ausente.

— Vamos começar aos poucos, não vamos deixar a audiência

nos enlouquecer. Você é um ótimo pai para a Flor, Rob. A Olga quer

minar sua confiança de qualquer forma, você não pode cair na


armadilha.

— Você está certa. Vou adiantar os trabalhos para voltarmos


para casa o mais rápido possível e voltar a nossa rotina de família.

— Sorrio para as duas mulheres da minha vida.

Sei que não vai ser fácil me controlar até a audiência, mas
estou feliz em ter apoio para esses momentos.

O dia terminou mais calmo do que começou.

Voltamos para casa e nos divertimos bastante, mesmo com

aquelas animações que já faziam parte da minha vida.


Quando você é pai, aprende a se acostumar com muita coisa.

Sorrimos, brincamos e, pouco a pouco, o medo e a insegurança


foram colocados de lado. Depois que a Flor dormiu, fomos para o

quarto da Ellen para namorarmos, uma coisa leva a outra e sempre

acabava com os dois pelados na cama.

Era a melhor forma de terminar nossa noite.

A Flor sempre dormia no meu quarto, então sempre que


queríamos algo mais sensual, íamos para o quarto da Ellen e depois

voltávamos para dormir no meu quarto. Dormir de conchinha com a

Ellen era como apagar toda a preocupação da minha vida, como se


ela fosse meu porto seguro, a pessoa que faltava para completar o

meu mundo.

Ela era o meu mundo.

Os dias foram passando e as visitas das duas ficaram mais

frequentes. A Ellen sempre dava um jeito de me acalmar e de me


dar a chance de passar o dia com a Flor. Em contrapartida, a Flor

amava as saídas, com tantas novidades e pessoas, embora sempre

chorasse quando estava perto da Marissa e não entendia o motivo.

Com tanta coisa na cabeça, nem percebi que em alguns dias seria o
Dia de Ação de Graças.
Não é um feriado muito famoso aqui no Brasil, mas como vivi

boa parte da minha vida viajando e sozinho, acabei desfrutando de

muitos feriados internacionais.

Nunca tive muita coisa para agradecer nesse dia, mas hoje eu

tenho e quero agradecer todos os anos que estão por vir.

Resolvo falar com a Ellen para chamar a sua família para

passar o feriado aqui conosco. Eles poderiam vir para passar o dia e

a noite todos jantariam aqui.

— Ellen, você conhece o feriado de Ação de Graças?

— Já ouvi falar, mas nunca comemorei.

— Bem, é um feriado para dar graças a tudo de bom que se

tem e que aconteceu com você no ano. Eu comemorava muito

quando estava no exterior, mesmo sem ter muita coisa para


agradecer todos os anos. Esse ano eu tenho muita coisa para

agradecer e gostaria de comemorar aqui. Pensei em chamar sua

família para passar o dia e jantar no final da noite, pode chamar


amigos mais íntimos também. Não vamos poder ficar juntos como

casal, mas vamos agradecer a nossa família, o que você acha?

— Gostei da ideia, Rob. Eu já sei quem vou chamar e tenho

muito o que agradecer. Depois do meu julgamento, senti como se


tivesse nascido novamente, mesmo que ainda tenha que provar

minha inocência.

— Espero ter essa sensação depois da audiência, mas até lá

vamos viver um dia de cada vez. O feriado será em alguns dias, é


sempre a última quinta-feira do mês. Você consegue organizar o

menu do jantar e o dia para todos? Durante o dia vou trabalhar, mas

vou trabalhar de casa e fico livre um pouco antes do jantar. Prometo.

Tudo ficou combinado, um pedacinho das minhas tradições

pelo mundo aqui comigo.

Tentei adiantar o trabalho nos dias que antecederam o feriado,

fiquei um pouco mais tarde para concluir algumas coisas e a Ellen

não veio me visitar para dar tempo de organizar as coisas e

convidar a todos.

***

Chego em casa na véspera do feriado e lembro que esqueci

de um documento, por sorte a Marissa ainda está na empresa e

peço que me traga.

A casa está toda decorada, de forma fina e elegante, a Ellen

realmente tem um dom para isso.


Estou no escritório quando recebo a ligação da portaria

avisando da chegada da Marissa, peço para a mandarem direto

para onde estou, afinal ela conhece o caminho.

Marissa sobe e está conversando comigo quando Ellen entra

no escritório, achando que estou sozinho.

— Meu aaaa... — Ela levanta a cabeça e, gaguejando, vê que

a Marissa a encara. — ...adorável patrão, a decoração já está toda

pronta, o jantar já foi combinado e seus convidados receberam o

convite.

— Vai dar uma festa, senhor Mender?

— Não, Marissa. Vou comemorar o feriado de Ação de Graças.

Selecionei algumas pessoas para jantarem aqui no dia.

— Que interessante. Também já comemorei muito quando


estive no exterior com minha família. Esse ano estão todos viajando,

posso vir também? Trago a bebida, sou péssima na cozinha.

— Sinto muito, Marissa. Somente pessoas do meu convívio

pessoal e da minha família participarão. Acho que você entende, é

um feriado de família, mais íntimo.

Ela não parece gostar da minha negativa, mas mantém a pose.


Começo a desconfiar que não observei a Marissa o

necessário, preciso pedir que alguém fique de olho nela.

— Desculpa, senhor Mender. Eu que me excedi me

convidando assim, não se repetirá. Desejo um ótimo feriado a

vocês. Antes de ir, gostaria de pedir um favor. Deixei cair um papel


em algum lugar do carro até aqui, posso falar com a equipe de

segurança para ver nas câmeras se encontro algo?

— Pode sim. — Indico o caminho e ela vai embora.

Minutos depois vejo pelas câmeras ela entrando no carro e

segue seu destino.

— Essa foi por pouco, Rob. Se ela ouvisse eu te chamando de

“meu amor” já imagino a cara que ficaria. Temos que ter mais
cuidado, não podemos arriscar nada.

— Você está certa, esqueci de avisar por causa do trabalho,

mas ainda bem que deu tudo certo. E a senhorita tem o dom para
essas coisas, se não der certo na sua área já pode trabalhar com

eventos.

— Pelo menos tenho um plano B, apesar de ter medo de

realmente não passar.


— Não comece. Você é inteligente e vai conseguir. Eu vou
fazer uma festa quando sair seu resultado. Você verá meus dons de

decorador.

— Hum, fiquei curiosa. Quero ver seus dons na cama. — Ela

se aproxima e me beija.

— Fique fazendo essas coisas, a noite te espera, senhorita

Souza.

Amo essa leveza que eu tenho com a Ellen. Vamos de


assuntos sérios a coisas divertidas em um instante, tanto que eu

nem lembro dos meus problemas. Isso é algo para agradecer

sempre.

***

Na manhã do Dia de Ação de Graças, me viro na cama e a


encontro vazia. Minha namorada havia sumido, acho que foi

supervisionar a chegada de todos e se está tudo certo.

Ellen está uma pilha desde ontem, será a primeira vez que os
pais dela irão me conhecer de verdade e isso a deixa nervosa.

Eu conversei com ela, expliquei que nada aconteceria e que,

se preferisse, eu nem falaria nada que estávamos juntos, mas ela


disse que era normal ficar ansiosa assim. Por isso já imaginava que
acordaria uma pilha.

Flor continua no berço, dormindo feito um anjo.

— Eu te entendo, Flor. É cansativo ser bebê. Espere chegar a

vida adulta, você fica velho falando com outros bebês. — Eu me


levanto e vou tomar uma ducha.

Pelo que a Ellen disse, seus pais serão os primeiros a chegar

para conversarmos um pouco e depois seus amigos.

Desço para tomar o café da manhã e ler o jornal do dia,


encontro minha namorada correndo de um lado para o outro.

— Ei, com licença.

Ela para um pouco.

— Poderia falar com a minha namorada na voltagem normal e


não a eletrificada, por favor.

— Ela respira fundo, como se estivesse acalmando a cabeça.

— Desculpa, meu amor. Estou muito focada para que tudo dê


certo. Essas coisas sempre me deixam assim, agoniada.

— Essas coisas? Então já apresentou muitos namorados aos

seus pais, senhorita Souza? Conte-me mais.


— Rob, não me deixe mais nervosa. — Sorrio e a agarro em
um abraço de urso.

— Vem aqui e deixa de besteira. Eles vão me amar, sempre

soube seduzir os pais.

— Vão te amar como eu te amei na primeira vez que te vi?

— Golpe baixo, sou um homem mudado.

O clima descontraído segue até alguns minutos depois,

quando os meus sogros chegam.

Dou um beijo nela e falo que dará tudo certo.

Ela segue nervosa, abre a porta e eu os deixo a sós por alguns

minutos, conversando e conhecendo a mansão.

Depois a Ellen vem em minha direção para me apresentar aos


pais dela. Confesso que até eu fiquei um pouco nervoso neste
momento, quero causar a melhor impressão possível.

— Bom dia, sou o Roberto Mender, um prazer conhecer vocês.

— Foi você que eu vi no dia do julgamento da Ellen, quando


ela saiu. Ela foi conversar com um homem e eu não sabia quem era,

até agora. Muito prazer senhor Mender, sou a Carina Souza, mãe da
Ellen.
— Olá, sou o Raul Souza, o pai desta garota nervosa aqui. Ela
não está dando trabalho, certo?

— Vocês podem me chamar de Roberto, por favor. E sua filha


nunca deu trabalho senhor Souza, ela é um anjo que entrou na
minha vida desde que nos conhecemos. Sempre salvando minha

pele.

— Você pode nos chamar pelo primeiro nome também, não


temos essas formalidades. Vamos falar sobre o assunto dia? Devo

parabenizar o casal?

— Pai, você e suas manias de ir direto ao ponto.

— Você e sua mãe ficam de segredo. Eu descobri apenas


ontem que a Ellen e o senh... e você estão namorando. Não sei por

que esse segredo? Envolve gravidez?

— Não, nada disso, Raul. Eu tenho uma filha, a história é um


pouco longa, mas resumindo, meu primo e sua esposa faleceram e

me colocaram como o tutor da Flor, filha deles. Ela tem apenas um


ano e vive comigo. A Ellen começou a trabalhar como sua babá,
mas se tornou a presença feminina na vida da Flor e minha

namorada. Só não estamos assumindo publicamente porque recebi,


recentemente, uma carta avisando que terá uma audiência de
custódia. Eu não posso assumir que namoro com a pessoa que

seria a babá da minha filha e mora na minha casa para não


prejudicar o caso. Por favor, não pensem que estou enrolando ou
me aproveitando dela, a sua filha é o meu mundo. Tenho fé que tudo

dará certo e vamos ficar bem. — Somente depois que termino


percebo o tanto que havia falado.

— Essa é a versão resumida? Nossa, estou com medo da

versão original.

Todos caem na gargalhada.

— Roberto, eu acredito nas suas intenções e acho que falo


pela minha esposa também, se a Ellen fala que está feliz, se você a

faz feliz, então é o suficiente para nós.

— E somos família agora. Qualquer coisa que precisar, basta


avisar. O que eu quero neste momento é dar um grande abraço

naquela bebê que cheira igual uma Flor, para dar jus ao nome.

Todos sobem para ver a Flor, que já está acordada e soltando


gargalhadas.

O momento constrangedor havia passado e estamos bem


relaxados.
A campainha toca novamente, duas horas depois, com a
chegada dos amigos da Ellen. Ela chamou a Pam e o Jonathan,
esse eu não conhecia, mas pelo visto conhecia bastante a Ellen,

tanto que mal entra na casa e já a pega no braço, rodando pela


sala.

— Jonny, me coloca no chão, criatura.

— Eu não posso ficar feliz em te ver? Você sumiu do bairro e

da praia, faz tempo que não sei o que se passa, mas acho que está
muito bem, trabalhando numa mansão dessas.

— Jonny, se comporta. Ellen, minha amiga, que bom te ver

novamente. Temos tantos assuntos para colocar em dia. — Pam já


está empolgada com tudo.

— Antes de irmos para a piscina, deixa eu apresentar a vocês

o dono da casa. Esse é o Roberto Mender, meu chefe e essa é a


Flor, a bebê mais fofa do mundo e eu sou a babá dela.

Todos adoram a pequena que se cansa de agitação depois de

um tempo e pede meu colo.

Eu me mantenho o mais distante possível, passeando pela


piscina com a Flor e aproveitando o dia para relaxar.
Tento dar espaço, mas a pequena sempre chora pelo braço da
Ellen, o que me deixa preso por perto. Não faço tanta questão de

estar longe também e só observo a aproximação daquele Jonny,


acho que ele gosta da Ellen.

— Pam, você teve contato com o Rick, depois daquela


confusão do roubo?

— Sinto muito, Ellen. O procurei em todos os lugares, mas ele


sumiu depois que você foi presa. Ele deve saber que foi visto e está
escondido em algum lugar. Eu me culpo até hoje por ter trocado

aquele turno, se não fosse isso você não seria incriminada. Me


desculpa.

— Que isso, Pam. Se não fosse eu, seria qualquer outra

pessoa. Pelo menos tive a sorte te ter alguém cuidando de mim.


Não podemos tirar os olhos do Rick, ele sabe demais sobre esse
esquema e pode ser a chave para acabar com todo o julgamento.

— Estou de olho nele também, minha linda. Vamos te ajudar,


você não está sozinha.

Não gosto deste garoto.

Ele está se aproximando da minha namorada e eu nem posso

falar nada, que situação horrível eu me meti.


Eu me levanto e vou para o meu quarto, prefiro ficar vendo
desenho com a Flor para não me irritar de ciúme.

Roberto Mender não tem ciúme, eu sou muito acima de


qualquer um.

Meia hora depois estou me roendo de curiosidade e louco para

falar que ela é minha namorada. Mas respiro fundo e deixo o tempo
passar.

Ellen vem me acordar com um beijo, eu me levanto perdido na

hora e já é o momento do jantar.

— Nossa, por quanto tempo eu dormi?

— Eu passei aqui por volta das 14 horas e você já estava


apagado com a Flor. A coloquei no berço e nada de você se mexer,

isso se chama cansaço. Agora se levanta, toma um banho e desce


que vamos todos jantar e agradecer por tudo que aconteceu
conosco. Te espero lá embaixo.

Eu ganho outro beijo e ela sai.

Momentos assim não me deixam com vontade de voltar no


tempo e desfazer algo.

São por momentos assim que eu luto todos os dias para

manter e continuar.
Tomo um banho, me arrumo e desço com a Flor.

A mesa está maravilhosa, bem decorada e aconchegante.

Meu lugar é na ponta dela, com a cadeirinha da Flor ao meu


lado e a Ellen do outro.

Todos somos servidos com uma taça para brindar.

— Boa noite a todos. O Dia de Ação de Graças é um dia para


agradecermos os livramentos, coisas boas que aconteceram no
ano, pessoas que entraram em nossas vidas ou que saíram para o

nosso bem. A intenção é agradecer. Eu agradeço por tudo que


aconteceu, agradeço por ter me livrado de um acidente grave e me
recuperado. Agradeço por ter ganhado uma filha quando eu achei

que nem precisava, agradeço por ter conhecido uma pessoa que me
ensina a ser um ser humano melhor todos os dias e agradeço por
ter essa casa cheia de pessoas, quando ela vivia vazia. Por último,

agradeço a bondade do meu primo e a confiança que depositou em


mim para cuidar da sua filha. Nossa filha está bem cuidada e espero

que permaneça aqui comigo. Obrigado.

Depois disso, um por um, se levanta da sua cadeira e


agradece por tudo o que aconteceu no ano, coisas boas, coisas
ruins que deveriam acontecer e por permanecerem com tudo de
bom que tem hoje.

A Pam agradeceu por se livrar do Rick, como imaginei. O

Jonny agradeceu por ter a Ellen como amiga e eu queria ter o poder
de deixá-lo calado.

O jantar foi incrível, todos amaram e no fim da noite foram

embora. Sobrando apenas nós três, cansados e felizes pelo dia.

Ellen se arruma para se deitar, eu já estou na cama fazendo


charme com meu ciúme que eu não queria admitir.

— Foi tudo lindo, não foi?

— Foi.

— Vai ser monossilábico agora? O que aconteceu?

— Pergunte ao seu amigo, Jonny, ele deve ter a resposta para


tudo.

— Roberto Rodriguez Mender, você está com ciúme do Jonny?


Mentira!

— Eu não estou com ciúme, sou adulto para isso. Estou com
um leve desconforto.

Ela se senta no meu colo, golpe baixo.


— Você está com ciúme, sim! Eu vivi para ver isso. Deixa de
besteira, Rob. O Jonny tem uma queda por mim, mas eu nunca dei

brecha. Sempre o vi como amigo e eu não preciso de mais ninguém


se tenho você.

— Hum, sei. Pode repetir isso mais vezes, acho que não ouvi

direito.

— Eu tenho você, só preciso de você e mais ninguém. Ah,


preciso da Flor também. Satisfeito.

— Repita isso todo dia que posso aceitar.

O clima fica mais leve depois do nosso papo ciúme.

— E seus pais, gostaram de mim?

— Meu pai mandou me afastar de você.

Eu já estou assustado quando ela fala isso, mas não aguenta e

começa a rir.

— Eles te amaram, seu bobo. Não se preocupe com isso,


agora vamos economizar energias para o grande dia. Daqui há uma

semana será a audiência de custódia e tenho fé em nós.

Eu também tenho fé em nós, isso até acordar no dia seguinte


com um mutirão de repórteres na entrada da mansão.
Motivo?

Alguém falou demais o que não devia.


ROBERTO MENDER

Tudo na minha vida vira totalmente de cabeça para baixo no


dia seguinte.

Uma dúzia de repórteres já estão rondado a mansão e


impedindo a saída de veículos pelo portão principal.
Cada vez mais chegam outros repórteres e aquilo não parece

ter fim. Eu só queria uma audiência de custódia rápida e sem


dúvidas de quem ganharia, agora não sei se sairei ileso dessa.

Minha cabeça doí, devido a enxaqueca atacada.

Solto o cabelo, pois o coque já incomoda mais do que ajuda.

Vou para o escritório e faço algumas ligações.

Falo com a polícia para tirar todos que estão na minha porta e

depois para Fernando para descobrir quem falou demais e

complicou a vida da minha família.

— Fernando, por que existem tantos repórteres no meu

portão?

— Algumas horas atrás, saiu em um dos jornais de fofoca que

você e a Ellen estão juntos. Estourou com a manchete “Grande

empresário solteiro foi fisgado pela babá” e outras que levam o

namoro de vocês a um grande romance entre diferentes classes e

coisas assim. Não sei quem falou demais, mas existem imagens
que parecem ser do seu circuito interno, com vocês se beijando.

— A minha segurança interna? Impossível! Confio na minha

equipe, escolhi todos a dedo.


— Será que a Olga não seria capaz de comprar algum deles
para fazer o trabalho sujo para ela?

— Duvido muito. Além dos seguranças que ficam na sala de

conferência, possuo um chefe de segurança que monitora todos

eles. Se algo tivesse saído do controle eu seria o primeiro a saber.

— Se não foi da sua casa sobra o escritório, mas as imagens


são daí, por isso que não estou levantando a dúvida de algum

funcionário. Bem, não sei quem pegou e como foi isso, mas com

certeza vai te prejudicar na audiência da Flor, meu amigo. Você

precisa vir para cá o quanto antes e falar com os advogados para

montar um novo plano.

— Vou só terminar de me arrumar e esperar a polícia me


ajudar a abrir um caminho aqui. Acho que levarei a Flor e a Ellen,

aqui elas ficam expostas demais. Não quero piorar as coisas para

nenhuma das duas, elas não tem culpa desse alvoroço.

— Concordo, mas venha discretamente. Devem ter outros

repórteres aqui no prédio da empresa te esperando. Qualquer coisa,


eu posso cuidar das duas enquanto você se reúne com o time

jurídico.
— Certo, obrigado, Fernando. — Desligo o telefone e vou falar

com a Ellen que está com uma cara enorme de preocupação.

Assim que entro no quarto, ela demonstra sua ansiedade.

— Rob, o que aconteceu? Como todo mundo descobriu? E a


audiência, o quanto isso vai prejudicar a Flor? Estou uma pilha de
nervos de preocupação.

Antes de falar qualquer coisa, a abraço até que se acalme e

dou um beijo carinhoso.

— Primeiro, precisamos manter a calma e não deixar o


problema tomar conta. Já falei com Fernando e vou me encontrar
com os advogados para traçar um novo plano. Não vou mentir, a

situação agora está bem complicada para nós e não quero imaginar
a possibilidade de perder a Flor, por isso preciso agir rápido.

— Só de imaginar a Flor indo para os braços dessa avó, que


parece mais uma bruxa, tenho arrepios e medo.

— Eu também, meu amor. — Penso um pouco se devo

perguntar, mas preciso tirar qualquer dúvida. — Ellen, vou perguntar


uma coisa e não quero que tome pelo lado negativo, não estou

duvidando de ninguém, apenas tendo certeza. Você acha que o


Jonny ou a Pam seriam capazes, acidentalmente, de soltar que

estamos juntos? Ou falar algo que desse a entender isso?

— Eu sei que você não está duvidando de ninguém, Rob. Se


fosse eu em seu lugar também faria todas as perguntas possíveis,

mas não acho que foram eles e nem ninguém que conheço. Eles
pouco sabem da nossa vida e meus pais nunca fariam isso com a
própria filha. Você tem alguma suspeita?

— Ainda não, mas sei que foram imagens do circuito interno

que foram vazadas. Preciso tentar enterrar isso de alguma forma.


Hoje, vocês irão comigo para a empresa, ficar aqui é deixá-las muito

expostas e não posso fazer isso.

— Certo, boa ideia. Vou arrumar as coisas da Flor e podemos

ir.

Aprontamos tudo, tomamos nosso café da manhã e ficamos


aguardando a polícia chegar para conter a quantidade de câmeras

que estão a nossa espera.

Saímos com muita dificuldade, todos os paparazzis querendo

tirar uma casquinha da nossa história e minha cabeça só pensava


na Flor.
Assim como Fernando avisou, a entrada do estacionamento da
Mender S.A. está lotada de mais repórteres.

Conseguimos desviar depois de algum tempo e entramos


direto no elevador da empresa. Já no elevador, conseguimos

respirar fundo pela primeira vez.

Pego a mão da Ellen como se esse ato demonstrasse que


estava com ela o tempo todo.

Chegamos no meu andar e sigo direto para a minha sala, com


diversos olhares dos funcionários sobre nós.

Entro na sala e interfono para a Marissa.

— Marissa, preciso que reúna a equipe jurídica imediatamente.


Cancele todos os meus compromissos para hoje, o que puder

passar para o Fernando pode passar.

— Senhor Mender, estou recebendo a ligação de diversos


jornais e revistas requisitando uma entrevista com o senhor. Deseja
marcar com algum deles ou continuo falando “sem comentários”?

— Continue falando essa frase. Quando eu resolver com o

setor jurídico, informo como vamos resolver isso. — Desligo o


interfone com a enxaqueca ainda me perseguindo.

Remédios não mais adiantam, o estresse ganhou.


Assim que todos estão na sala de reuniões, os encontro,
porém não são notícias animadoras.

— Senhor Mender, sinto muito, mas essa notícia complicou


demais o seu caso, porque provou pontos que a acusação levantou.

Agora será sorte algum juiz interver e decidir pelo senhor. Podemos
manter a oratória de que a acusação não cuidava bem da criança,

mas não temos provas disso.

— Que inferno! Era para eu ter denunciado essa mulher


quando peguei a Flor. Fui ter um coração mole e acabei sendo

esfaqueado pelas costas. Perder não está nos nossos planos, é a

vida da minha filha que está em jogo, uma garotinha de um ano de

idade que pode cair nos braços interesseiros de uma velha amarga.

— Vamos fazer o possível.

— Eu quero o impossível, se for necessário. — Saio da sala de

reuniões furioso por tudo que está acontecendo.

Só quero ter paz na vida, mas parece que o mundo me puxa,


aos poucos, para o inferno que me aguarda.

Eu quero ter notícias melhores para a Ellen, mas não consigo


mudar minha expressão de uma possível derrota.

— E aí, o que eles disseram, Mender?


Ela realmente está nervosa, me chamando assim sem

ninguém por perto.

— Ellen, eles vão tentar encontrar uma saída, mas não me

deram muitas expectativas. Afirmaram que a nossa relação piorou o


caso.

— Não acredito, meu Deus, a gente termina, não tem

problema para mim. Eu só quero o bem da Flor, ela não merece


sofrer por causa de ganância e nem de erro nosso.

— Calma! Eu concordo com você, mas terminar nosso


relacionamento agora não vai adiantar de nada, pois já existem as

provas que a acusação precisava para corroborar sua história. O

que podemos fazer é tentar melhorar as coisas na audiência e

procurar algo que possa afetar a Olga.

— Se eu imaginasse que terminaríamos assim, nunca teria

colocado a Flor nessa situação e nem você. Estou arrependida de


ter dado o jantar. Desculpa, Rob.

— Nada disso, não vamos ficar nos desculpando. Isso não foi

culpa de ninguém, mas sim daquela megera odiosa da Olga. Ela só


se importa com o dinheiro.

— E se você oferecer alguma quantia a ela?


— Como tem a audiência em andamento, isso poderia ser

visto como tentativa de comprar a Flor ou piorar o meu caso de

alguma forma. Como os advogados não sugeriram nada disso,


então não seguirei por aí. Vamos ter fé. — Eu tento acalmar a Ellen,

mas no fundo eu estou ainda pior que ela.

Tentei não deixar o medo e a ansiedade me consumirem, tanto


que me joguei no trabalho durante todos os dias que antecederam a

audiência e fiz a grande maioria de casa, para ficar mais perto da

Flor.

Toda noite eu a abraçava, como se alguém pudesse entrar na

casa e arrancá-la dos meus braços.

Confesso que nunca tive tanto medo de algo em minha vida.

Toda a minha escalada para transformar a Mender S.A. no que


ela é hoje parecia coisa boba ao lado de tudo que essa audiência

poderia me tirar. A Olga estava mexendo com a minha família e eu

estou de mãos atadas.

Isso não é reconfortante.

***

No dia que antecede o julgamento não consigo dormir, apenas

fico andando do escritório para o quarto, vendo a Flor dormindo feito


um anjo e pensando na sorte que eu tenho por ter esse pequeno ser

como filha.

Não sei se ela me reconhece como pai, mas eu a tenho como

filha de qualquer forma e quero colocá-la em um potinho e protegê-


la de todo mal.

Nesse tempo, fiz algumas entrevistas e não tive como mentir,

preferi falar a verdade. Disse que Ellen e eu estávamos juntos, mas


foi algo recente e que ela era como uma mãe para a Flor.

Minha casa sempre foi um lar estável e benéfico para o


crescimento dela e eu o pai da minha pequena.

Algumas pessoas simpatizaram comigo, outras apenas

julgaram, como sempre existem dois lados da mesma moeda.

***

O dia do julgamento chega e eu não estou nem um pouco

ansioso.

A Flor fica com uma assistente social, que cuidará dela até o
fim da audiência. Ellen me acompanha e assiste a tudo, enquanto

eu vejo minha desmoronar na primeira fila.

— Meritíssimo, tenho aqui algumas provas dos valores que o

meu cliente enviava para a senhora Alves, enquanto ela cuidava da


Flor. Também tenho comigo outra prova mostrando as

movimentações financeiras feitas por ela, movimentações que não

condizem com os valores que a própria recebe. Provando que ela

desviava o dinheiro enviado para a Flor e gastava em uso próprio.


— Felipe usa uma das nossas poucas cartadas.

— Meritíssimo, devo lembrar que o senhor Mender deixou a


Flor com a senhora Alves por não ter tempo para cuidar da menina,

mesmo ele sendo escolhido como tutor dela.

— Isso foi acordado por ambas as partes com um advogado


presente, além do valor enviado pelo meu cliente, Meritíssimo. Esse

argumento nem deve ser levado em conta.

— Concordo. Vocês possuem algo mais tangível que prove a

negligência com a bebê?

O Meritíssimo está bem inclinado a decidir a nosso favor, até


jogarem uma cartada que eu nem imaginava.

— Temos sim. Aqui, temos um vídeo interno da casa do senhor


Mender mostrando que ele e a babá, Ellen Souza, estavam

namorando enquanto a bebê dormia sozinha no quarto.

— Meritíssimo, essa prova nunca foi aprovada e liberada pelo


senhor Mender, portanto pode ser adulterada ou roubada de um
acervo privado.

— Antes que seja dito algo, temos ainda um áudio do próprio

senhor Mender falando sobre a relação dos dois. Se permitir,

Meritíssimo, posso colocar para todos ouvirem.

— Pode colocar.

O áudio foi uma surpresa para mim e para o Felipe, eu nem


sabia da existência de um áudio desse.

Quando o conteúdo começa a tocar, tenho a impressão de já

ter escutado aquela conversa.

“Não podemos assumir nosso namoro, porque pode

prejudicar o julgamento se souberem que estamos juntos.


Como você mora na minha casa como babá, pode pegar mal

para mim e usarem como “um lar que não oferece o melhor

para a Flor”. Saiba que odeio essa situação, queria gritar para

todos ouvirem que estamos juntos. Você sabe disso, não é?”

“Rob, quanto a mim não precisa se preocupar. Mencionei

apenas para a minha mãe, nem meu pai sabe que estamos
juntos, muito menos outras pessoas. Fique tranquilo que eu sei

o que sente por mim e entendo a situação.”


Essa conversa foi a que Ellen e eu tivemos no dia em que o
interfone estava ligado.

Não acredito que o vazamento veio de dentro da minha própria


empresa!

Estou chocado em como tiveram acesso a isso, a Olga nunca


foi permitida entrar lá. Ela tem algum espião na Mender S.A.

Olho para a Ellen e ela está com os olhos cheios de lágrimas,

pois já entendeu como as coisas pioraram de vez.

— Senhor Mender, depois de todas as provas apresentadas e

esse áudio provando que o senhor escondeu detalhes importantes


que interferem na vida e desenvolvimento da bebê, não tem como

eu tomar outra decisão.

Não, por favor, não faça isso comigo.

Tento gritar, mas não tenho voz.

— A bebê Flor Alves Rodriguez passará a morar com a avó

Olga Alves por tempo indeterminado. Durante esse período, a


assistente social visitará a residência para comprovar se a Flor está
sendo bem tratada. Caso o senhor queira recorrer ou pedir uma

audiência para decidir dias e horários de visita, peço que entre com
um novo pedido. Esta sessão está encerrada.
— Senhor Mender, sinto muito. Eles tinham tudo nas mãos
para ganhar a audiência.

— Não, não pode ser, isso não está acontecendo.

De longe, ouço o choro da Flor ao ser colocada nos braços da

Olga. Ela não quer ir, aquela velha odeia minha filha, isso não
poderia estar acontecendo.

Corro o mais rápido que posso para tomá-la dos braços

daquela megera, mas os seguranças são mais rápidos.

— Me soltem! Eu quero a minha filha. Flor, Flor, minha


pequena, não se preocupe. Papai vai dar um jeito, você vai voltar

para mim. Me soltem!

Eu vejo a Ellen chorando, desconsolada.

Minha família está ruindo.

— Não! Devolvam minha filha, por favor. Eu nunca a maltratei,

somente dei amor. Flor!

Quando eu menos espero, ouço uma vozinha.

— Papaaaaaa, papaaaaaaa.

Entre o choro, a Flor diz sua primeira palavra e é justamente

papai, isso quebra toda a minha força, não importa onde eu esteja, o
que importa é que ela falou e ela me reconhece como seu pai.

Deixo as lágrimas caírem livremente, enquanto grito várias


vezes que iria salvá-la e não desistiria nunca.

São necessários dois seguranças e um enfermeiro, que injeta


um calmante em mim, para que eu pare.

Minha cabeça está leve por conta dos remédios, mas eles não

podem levar minha dor. Minha filha foi arrancada dos meus braços
sem motivo algum, apenas ambição.

Felipe nos leva para o carro, peço para que Fernando fique no
meu lugar na empresa, pois eu seguiria para casa.

Não consigo pensar em trabalho, hoje minha vida foi destruída.

Ellen e eu chegamos em casa com a cara inchada de tanto


que choramos no caminho, a minha dor é a mesma dela porque ela

tem a Flor como sua própria filha. Ela é a única pessoa, neste
momento, que entende o que eu estou passando.

Nos deitamos na cama com a roupa que estávamos, eu a

abraço e ficamos de conchinha, olhando para o berço da Flor,


imaginando que ela está ali, sorrindo e falando a sua língua,
acreditando que se pensássemos que nossa imaginação fosse

verdade, a Flor poderia aparecer ali e voltar para os nossos braços.


Mas isso não aconteceu e adormecemos chorando pela perda
da nossa filha.

***

No dia seguinte, acordo cedo para repassar tudo o que tinha


acontecido.

Analiso as filmagens, interrogo os funcionários e nenhum deles

parecem suspeitos, muito menos conhecem a Olga.

Fernando me liga depois de eu passar o dia todo sem notícias.

— Oi, Fernando.

— Meu amigo, eu nem sei o que falar para você, porque a dor

deve estar enorme. O Felipe me contou o que aconteceu na


audiência e como você reagiu. Como você e a Ellen estão hoje?

— Do mesmo jeito, Fernando. Eu perdi minha filha para uma

mulher que só quer o meu dinheiro, ela está nem aí para a Flor. E
sabe o que foi pior? Antes de ser levada, a Flor chorou muito e falou
“papa” antes de ir. A primeira palavra dela foi em um momento de

desespero, um momento de sofrimento e ela me chamou e eu nada


pude fazer.

— Nossa, Roberto, você não pode desistir, não pode dar o

braço a torcer. Tem que existir alguma forma de revertermos isso.


— Estou tentando pensar em algo, mas nada vem à cabeça.

Eu não vou desistir, a Flor me reconheceu como seu pai e preciso


cuidar dela de qualquer jeito. Não posso abandoná-la.

— Então, me diga como posso ajudar? A Flor é muito

importante para mim também.

— Bem, na audiência surgiu um áudio que eu não sabia que


tinham. Esse áudio é de uma conversa entre a Ellen e eu, falando

justamente sobre a audiência e não poder assumir o romance em


público. Neste dia, lembro de ver o botão do meu interfone ligado.
Se ele apareceu agora, então alguém ouviu e passou para a Olga

de alguma forma, o que significa que temos um espião dentro da


empresa. Você poderia investigar isso?

— Pode deixar, me passa depois o dia e o horário aproximado

que vocês conversaram que investigo aqui.

— Obrigado pela ajuda, meu amigo. Confesso que estou


perdido, as escuras em um jogo que eu nunca pensei que estaria.
Muito bom saber com quem posso contar.

— Comigo, sempre.

Desligamos o telefone e me encosto na cadeira um pouco,


pensando em tudo que aconteceu em um só dia na minha vida.
Tomo um drink para relaxar um pouco e me jogo no trabalho,
até aparecer novas notícias, estou de mãos atadas.

***

Isso seguiu pelos dias do mês de dezembro, tanto que eles

passavam e eu já não sentia.

A Ellen me apoiava, tentava melhorar o clima com algum filme


ou algo assim, mas ambos estávamos travando batalhas internas de

dor e sofrimento. Eu passei a ficar mais recluso no escritório e a


Ellen voltou a dormir em seu quarto.

Tinha medo daquilo tudo destruir o nosso relacionamento

também, mas eu não tinha forças suficientes para lutar duas


batalhas na família.

Sempre que sentia saudade, pegava o travesseiro e o lençol

da Flor e dormia agarrado com os dois, sentindo o cheirinho dela.

Tudo passou tão rápido que Natal já seria em três dias e mal
tive notícias da minha filha, pois a Olga dificultava tudo.

Entrei com um pedido na justiça, para ver minha filha no Natal

pelo menos e consegui autorização para vê-la dia 24, na véspera de


Natal.

***
Chego na casa da Olga com a Ellen, afinal ela também merece
matar um pouco a saudade.

— Vocês chegaram, finalmente. Achei que não viriam mais.

— Boa noite, Olga.

Ellen também deseja boa noite.

— Boa noite ao casalzinho do ano. Tirou a sorte grande, minha


filha, de babá a namorada de um ricaço. Aproveita tudo.

Ellen está com uma cara de quem quer voar na Olga, mas se
contém para não atrapalhar a visita.

A Flor está em um berço um pouco melhor que antes, está

com roupas simples novamente em um colchão nada confortável.

Eu envio dinheiro suficiente para sustentar três casas dessas e


ela não dá para minha filha nem o básico. Mas me controlo.

— Flor, meu amor, olha quem chegou. — A pego no colo e a

abraço, um abraço que eu daria tudo para não largar. — Vim te ver,
minha filha.

— Papa, papa — Ela repete aquelas lindas palavrinhas com

um sorriso gigante ao me ver.

Lágrimas descem por poder ver aquele sorriso novamente.


Ellen brinca um pouco com ela e vou falar com o casal. Olga
agora está casada e o marido é do mesmo nível que ela, um ladrão.

— Olga, com todo o dinheiro que envio, por que a Flor tem
essas roupas e um berço nada confortável?

— Roberto, o mercado subiu muito de valor as coisas. Tento

comprar, mas o dinheiro já não dá.

— Eu envio o suficiente para comprar suas terras, como não


dá?

— Se quiser, envie mais que eu vejo a possibilidade de

melhorar a vida da Flor.

— Você é uma ladra da pior espécie, que rouba de uma bebê.

— Não fale assim com a minha mulher, você está na minha

casa. — Ele tenta me enfrentar, mas se arrepende.

— Então, falarei com você. Se eu investigar sua empresa e


seus bens vou encontrar tudo legalizado? Se eu investigar o
casamento e a conta de vocês, estão com os impostos em dia?

Vocês mexeram em um vespeiro e esqueceram que não existe só


uma vespa, todos vem ajudar. Se preparem, isso não vai ficar

barato.
— FORA DAQUI! FORA DA MINHA CASA OS DOIS. — O

marido da Olga fica com medo e perde a paciência, nos colocando


para fora.

Saímos e depois que estamos no carro, pergunto a Ellen:

— Tudo certo?

— Tudo perfeito e funcionando.

Dei de presente para Flor um urso de pelúcia e nele tem uma


câmera espiã. A Olga me deu a ideia, agora vai se virar contra ela.

Voltamos para casa e tudo está vazio.

Mês passado, tínhamos combinado de decorar tudo e fazer o


melhor Natal para a Flor. Agora o Natal não tem mais graça, tudo
perdeu a graças sem ela.

Quando saímos, ela ficou chorando e me chamando e isso


partiu o meu coração em tantos pedaços que já perdi as contas.

— Rob, vou dormir. Amanhã podemos fazer algo natalino, nem

que seja encher a cara.

— Tá certo, meu amor. Boa noite e obrigada pela ajuda hoje.

— Vai dar tudo certo. Vamos dar um jeito de trazer a Flor de


volta, você vai ver.
Dou um beijo de boa noite e ela sobe para o quarto.

Queria ter essa positividade da Ellen, mas já estou sem


nenhuma.

Vou para meu quarto e fico vendo as fotos e vídeos do

aniversário da Flor. Eu me agarro com a garrafa de whisky e bebo


enquanto coloco para fora todas minha raiva e amargura.

Nada mais funcionava para diminuir a dor, então apelo para o

álcool e é perfeito.

Fico bêbado, dormente e nada mais importa, com a mente


leve. Vou cambaleando bêbado até o quarto da Ellen, me deito ao

seu lado e ela acorda alarmada, com um grande cheiro de álcool no


ar.

Ela acende a luz e vê meu estado.

— Rob, o que aconteceu com você? São quatro da manhã.

Está bêbado?

— Depende do seu ponto de vista, o que considera bêbado?


— digo com a voz embolada.

— Vou fazer um café para você, senão vai ter ressaca


amanhã.
— Não, nada de café. Eu não quero sentir, Ellen. Quero ficar
entorpecido, pelo menos hoje. É Natal e não tenho minha filha

comigo, não tenho minha pequena. Isso é uma tortura. — Começo a


chorar, não consigo me conter com tanta dor dentro de mim.

Ellen se senta do meu lado.

— Rob, o que está acontecendo?

— Tudo, meu amor. Tudo. No começo, deixei a Ellen com a


Olga porque não me importei. Depois contratei uma babá porque
não queria que ela atrapalhasse minha vida. Hoje eu penso como fui

mesquinho, era uma vida, um pedacinho do Jorge e da Martina, e


eu simplesmente a joguei para outra pessoa como se fosse um
objeto. Eu sou um monstro, Ellen. Não mereço minha filha, não

mereço ser chamado de pai. Não mereço o seu amor. Tudo dói, tudo
machuca, quero me livrar disso que me corrói por dentro e não sei
mais o que fazer. — Choro como nunca tinha chorado antes, nem

quando criança.

Sinto como se as lágrimas colocassem para fora toda a minha


dor e eu choro por um bom tempo.

Ellen apenas me deixa chorar enquanto me acalma, em um


certo momento me deito em seu colo e choro até pegar no sono.
Estou cansado, minhas forças se vão e o sono vence.

***

No dia seguinte, acordo na cama da Ellen, passa das 13 horas


e acho que todo sono acumulado foi resolvido. Eu me levanto com
uma baita dor de cabeça, bem na hora em que ela aparece com

uma bandeja de comida e uma bebida que, segundo ela, é uma


receita para curar ressaca.

O gosto é horrível e espero que faça efeito.

Não tenho estômago para comida, mas tento empurrar um pão

com queijo. Já a garrafa de água bebo toda.

Ressaca dos infernos!

— Está melhor?

— Estou setenta porcento bom. Acho que a ressaca vai me

deixar derrubado por alguns dias. Ellen, não lembro de muita coisa
de ontem. Sei que chorei bastante, mas não lembro como cheguei

aqui.

— Rob, você está vulnerável pela perda da Flor e se não


encontrar uma âncora para te amparar nesse momento delicado,
você pode se perder no meio do sofrimento. Eu preciso de você

aqui, a Flor precisa de você para tirá-la de lá e sei que vamos


conseguir. Inclusive, enquanto você estava perdido no que sentia,

conversei com o Fernando e chegamos a uma possível suspeita.

— Sério! Quanto de certeza vocês tem que seja a pessoa?

— Eu falaria cem porcento, mas vou falar noventa e nove só

para ter o um porcento da dúvida.

— E quem é essa pessoa? Vamos falar com ela.

— Vou precisar que você tenha calma, porque temos que ser
inteligentes e não reagir com as emoções.

— Certo, prometo que vou ouvir e não vou estragar tudo.

— Essa pessoa é a Marissa, sua secretária.

A raiva que sobe a minha cabeça é imensa, ela é a


responsável pela minha filha estar longe de mim e vai pagar.
ROBERTO MENDER

— Como é que é? Você está me dizendo que eu contratei a


pessoa que ajudou a tomarem minha filha de mim?

Prometi não reagir com emoções, mas aquilo foi longe demais.

Eu me sentia culpado por estragar minha própria família, eu

contratei a Marissa, eu coloquei uma cobra dentro da minha


empresa e foi eu quem virou as costas e deu a chance da cobra dar

o bote.

— Rob, você me prometeu calma. Existem muitas coisas que

eu preciso te explicar, mas se você continuar reagindo assim eu não


vou falar. E ajeita esse cabelo, você está parecendo um leão

revoltado.

Respiro fundo, caminho pela sala por alguns minutos até que
me sento e tento canalizar a calma de Buda em mim.

Estou tão ressacado e com raiva que esqueci do meu cabelo,


então prendi tudo em um coque, depois cuidarei dele.

— Me desculpa. Estou tentando manter a calma, Ellen, mas

me sinto diretamente responsável pelo que estamos passando


agora. Não sei como reagir a isso e essa dor de cabeça da ressaca

não está ajudando em nada.

— Você prefere que a gente converse sobre isso outra hora,

quando melhorar?

— Não, quero saber agora. Vamos começar do início, me

conte tudo.

— Certo. Depois da audiência, o Fernando ficou muito

preocupado com você, pois sabia o que aquela situação causaria.


Ele tentou te ligar, mas você não quis falar com ninguém. A única
pessoa que dava informações sobre o seu estado era eu e

acabamos conversando mais vezes. Tínhamos as mesmas dúvidas:

como alguém poderia ter acesso ao sistema interno? Como a

conversa da sua sala poderia chegar a Olga? Lógico que alguém da

empresa deveria ter vazado isso, mas quem?

— Eu tive essas dúvidas também, mas entre a dor da perda e


descobrir quem fez tudo isso, não consegui raciocinar o suficiente.

— Por isso tomei a frente junto com o Fernando e colocamos

nossas cabeças para pensar. Não levou muito tempo para

reduzirmos a lista a poucas pessoas. Ou seriam os funcionários da

casa ou os funcionários mais próximos da empresa, mas a pessoa


deveria ter acesso aos dois lados, o que reduzia drasticamente a

lista a três pessoas.

— Você, o Fernando e a Marissa.

— Como eu não pensei nisso antes? Não tive noção do quanto

à perda da Flor me afetou até esse momento. Eu não julguei nada,


fui levado pelas emoções, coisa rara em minha vida.

— Exatamente. Confesso que tive receio em te contar isso,

pedi para o Fernando contar, mas ele disse que eu estava pensando
de forma errada.

— Por que teve receio, meu amor?

— Eu estava na lista, Rob. Pensei que você poderia me julgar

e achar que fiz isso, que prejudiquei você e a Flor. Já tive problemas
com meu antigo emprego, não sei o que passaria em sua cabeça
fragilizada pela perda e tive medo de que descontasse em mim. Não

suportaria ver raiva ou ódio em seu olhar.

Eu não tinha pensado nisso.

Pensei tanto em meu sofrimento, na minha dor, que não parei


para lembrar que outra pessoa também estava sofrendo e ainda
com medo que eu duvidasse da sua integridade. Eu me aproximo

dela e a abraço bem apertado, depois olho no fundo dos seus olhos.

— Ellen, meu amor, eu nunca duvidaria de você. Nem que as


provas apontassem na sua direção. Eu perguntaria somente por
perguntar e, se sua resposta fosse uma negativa, para mim seria o

bastante. Peço desculpas por todo esse tempo em que me viu


sofrer, por todo esse tempo em que teve que guardar sua dor para

cuidar da minha. Fui um tolo por não ver o seu sofrimento, afinal
sente tanta falta da Flor quanto eu. Você conviveu muito mais com

ela, a viu sorrir, a viu chorar. E, mesmo com toda essa dor, você
guardou bem lá no fundo e lutou para descobrir a verdade, para

conseguir trazê-la de volta. Muito obrigada, meu amor... Por tudo.


Sei que sou falho, mas você foi o presente do destino para mim. Eu

te amo, Ellen Souza e já não sei viver sem você.

Aquelas três palavras saem tão facilmente como se eu


dissesse a ela todos os dias, nunca pensei que seria assim, mas se
pensar bem eu já fazia isso todos os dias, só que através de gestos.

Cuidava da Ellen, me preocupava com a nossa pequena

família, desejava o melhor para a sua vida. Somente faltava que eu


verbalizasse o sentimento.

— Você não precisa falar nada de volta, certo? Sei que isso é
algo que precisa ser sentido antes de falado. Apenas saiba que

esse é o meu sentimento e se um dia estiver pronta, estarei aqui


para ouvir.

— Rob, seu agoniado, nem me deixou falar. Eu também te

amo, seu bobo, queria ter sido a primeira a falar, mas você passou
na minha frente e com uma baita declaração. Você foi o presente
inesperado que a vida me deu e nunca fui tão feliz quanto sou com

você. Quero nossa família de volta e vou lutar com unhas e dentes
para isso acontecer. Está comigo?
— Sempre estarei com você.

— Então deixa eu te explicar o plano que Fernando e eu

montamos. É algo que vai precisar de muito estômago seu, porque


você será o protagonista de tudo que pensamos.

— Certo, calma. Como assim muito estômago meu?

— Nosso plano consiste em você fazer a Marissa achar que


quer ficar com ela, sexualmente falando.

— Como é que é?! E você concordou com isso?! Ellen, essa

mulher me jogou no inferno, eu quero matá-la e não namorar com


ela!

— Rob, respira. Calma, eu sei que é pedir demais de você,


mas é a única forma de desmascararmos ela e a Olga. Com as

provas em mãos, podemos provar que tudo não passou de uma


chantagem e que o verdadeiro perigo para a Flor é a Olga e não nós

dois.

Preciso respirar fundo umas três vezes e repetir para mim

mesmo que é o único jeito.

— Eu só vou aceitar isso, Ellen, porque não penso em outra


solução, mas essa situação vai exigir um enorme sangue frio. Não

sei como vou conseguir.


— Uma vez você me disse que era extremamente frio durante
uma aquisição de negócios, porque já tinha todas as cartas na
manga. Dessa vez você tem todas as cartas, agora basta saber

jogar. Pense nisso como uma aquisição, mas o que você ganhará é
a Flor ao invés de uma empresa. Melhorou?

— Colocando dessa forma, eu consigo visualizar melhor as

coisas. Como vai funcionar tudo?

— Eu chamei o Fernando aqui. Na verdade, chamei para te


colocar de volta no eixo, porque já estava preocupada com você,

meu amor. Agora que você voltou ao planeta Terra, vamos esperar o

Fernando para te contar tudo e colocar em prática a Operação

Jardim Completo.

— Operação Jardim Completo? Quem deu esse nome?

— Eu dei. Falta uma Flor no jardim, então a operação é para

completá-lo.

Eu não queria dizer que o nome era péssimo, porque ela falou
de uma forma tão empolgada. Por isso eu me limitei a concordar,

mas a Ellen já sabe quando não gosto das coisas.

— Sei que você detestou, pode tirar essa cara de paisagem,

mas esse vai ser o nome e pronto.


— Se você falou então está falado. Agora vem aqui, quero

beijos e abraços para matar a saudade que sinto da minha


namorada. Ainda estou mal e para baixo, mas o seu plano melhorou

o meu ânimo, me deu esperança.

— Vamos conseguir, Rob. Você vai ver.

Eu acredito na Ellen, mesmo que as estatísticas estejam

contra nós, eu sempre acreditarei nela, porque sei que ela estará
comigo nos melhores e nos piores momentos.

Dou um longo beijo apaixonado e ficamos ali, vivendo nosso


momento por um tempo.

Aproveitamos para comer alguma coisa, colocar a conversa

em dia e tentar sorrir um pouco. Ainda me sinto preocupado e triste


por não ter minha filha comigo, mas sei que logo ela estará em

meus braços.

É estranho sentir essa sensação, pela primeira vez eu estou as

escuras e confio plenamente no meu melhor amigo e na minha

namorada.

***

Fernando chega algumas horas depois e seguimos para o


escritório, preferimos que a conversa seja sigilosa, pois não
sabemos a extensão dos dedos da Olga.

— Fernando, a Ellen me contou um pouco do plano, mas disse

que só falaria o resto com você presente. Agora que estamos todos
aqui, como será isso?

— Primeiro, você terá que se afastar da Ellen.

— Esse plano só me deixa cada vez mais irritado, mas vamos

lá. Por que preciso fazer isso?

— A ideia é que a Marissa pense que você e a Ellen não estão

mais juntos. Que ela te deixou depois que a Flor foi embora, por não

suportar o relacionamento e não ter paciência com a sua tristeza.


Vamos te deixar vulnerável para a aproximação certeira da Marissa.

— Podemos fazer isso com a Ellen morando aqui ainda, certo?

Quando a Marissa vier, basta a Ellen se esconder.

— Acho que pode funcionar, mas todo cuidado é pouco, essa

chance é única.

— Certo, continue.

— A Marissa quer te conquistar de qualquer jeito. O objetivo


dela é se casar com você para ter acesso ao seu saldo bancário.

Descobri, nas minhas pesquisas, que a família dela está quebrada e

ela não sabe viver longe do luxo. Então, atraí-la será muito fácil se
você estiver disponível. Todo o tempo, em seu relógio estará uma

escuta. Vamos gravar toda a conversa em busca de algo para usar


contra ela. Você precisará agir como alguém apaixonado, a levar em

lugares caros e comprar presentes. Você é capaz de fingir isso,

Roberto?

Eu odeio a ideia de ter que bajular essa mulher, mas sou eu

quem pode fazer tudo funcionar.

Coloco a mão no rosto, pensando em tudo que eu terei que

fingir.

— Vou precisar, pela minha filha serei qualquer coisa,

Fernando.

— Tudo bem. A pessoa que ouviu sua conversa na empresa


foi a Marissa, ela tem ligações com a Olga, só não sei ainda como

essa aproximação aconteceu. Quando estiverem juntos, tente

mostrar que tem saudade, que quer uma família com ela. Faça com
que a Marissa confesse. Agora é com você, Ellen.

— Enquanto o Fernando investigava a empresa, investiguei a

casa. Conversei com os seguranças e eles disseram que a Marissa


teve acesso ao sistema de segurança no dia em que disse que

perdeu alguns documentos. Ela te pediu autorização para ir ao


sistema interno e você liberou. Enquanto estava lá, Marissa disse

aos seguranças que você pediu a gravação do dia todo para

analisar algumas coisas. Eles cederam porque ela é a sua

secretária, foi assim que ela conseguiu o vídeo de nós dois como
prova.

— Chamar essa mulher de cobra é insultar as coitadas. Ela é


um demônio. Como foi que eu não vi isso antes?!

— Rob, não adianta. Você não é culpado de nada, é ela que

não tem caráter e vamos conseguir nos vingar dela e da Olga.


Depois que você a conquistar, o próximo passo é trazê-la para cá,

com a desculpa que quer ficar mais à vontade e tudo mais. No seu

quarto terão câmeras para gravar tudo. A seduza e a faça confessar,


só assim poderemos ter a Flor de volta. Se tudo correr como

planejamos, nossa filha estará em nossos braços até o Ano Novo.

— Em tão curto tempo?

— Ela está desesperada, meu amigo. Está devendo para

pessoas perigosas, a Marissa vai querer o dinheiro o mais rápido


possível e fará qualquer coisa que você quiser.

— O plano tem alguns furos, porque tudo depende da minha

sedução fazer esse demônio falar, ainda mais em tão pouco tempo.
Quero a Flor comigo o quanto antes, mas se eu perceber que terei

que alongar o plano para ganhar tempo, o farei. Combinado?

— Combinado. Estaremos com você o tempo todo, Rob. Pode

ficar tranquilo. Se sentir que quer matá-la, dê uma desculpa e saia

para respirar fundo. Sabemos que não será fácil, mas é necessário.

— Eu entendo. Você viu a câmera que colocamos? A Flor está

bem?

— Estou acompanhando. A Olga não a maltrata, mas também

não cuida do jeito que deveria. A Flor está bem, mas merece o

melhor, merece nós dois.

— Vocês colocaram uma câmera na casa da Olga?

— Colocamos no urso que levamos de presente para ela no

Natal. Se a Olga falar besteira, também teremos provas contra ela,

mas quero pegar as duas. Quando começamos?

— Amanhã. Você volta para o escritório com um rosto abatido,

não será tão difícil, agora você já estaria pronto para isso.

Fernando adora me perturbar, pensando bem, lembra um

pouco o Jorge e suas brincadeiras, isso me faz sorrir sem querer.

— Estou de ressaca, ninguém bate em um homem caído, sem


forças para se defender. Tenho vergonha de você.
— Sei. Você não vive sem mim, isso sim.

— Pronto, rapazes. A Operação Jardim Completo começará

em menos de 24 horas. Vamos arrasar com elas.

— Jardim Completo? — Fernando pergunta.

— Apenas aceite, meu amigo. Eu já desisti.

Ellen me olha como quem irá me dar uma bronca, mas depois

começa a sorrir.

Aquele lindo sorriso, confesso que estava com saudade dele.

***

Naquela noite, dormimos juntos. Sem sexo, apenas juntos.

Não estava bem para entregar o melhor que a Ellen merecia,

mas a presença dela me acalmava em todos os níveis. Sentir o seu


corpo junto ao meu era a paz que eu precisava.

Agora precisava estar pronto para aguentar a Marissa junto de


mim.

***

Chego no escritório às 8 horas pontualmente. Antes de entrar


no elevador, solto a gravata, deixo a camisa um pouco aberta e

alguns fios do cabelo fora do lugar.


A ideia é passar a visão que estou transtornado, devastado.

Entro no elevador e, quando vem o aviso do meu andar,


penso, “Hora do show!”.

Assim que caminho até minha sala, os funcionários me olham

espantados, afinal ninguém nunca me viu desse jeito no trabalho.

Passo direto, mas cumprimento Marissa antes de entrar.

— Marissa, venha a minha sala daqui dez minutos, por favor.


— Entro direto e fecho a porta respirando fundo.

Só em ver aquele demônio deu vontade de jogar tudo para o


alto e acusá-la ali mesmo, mas me contive.

A pior hora será agora.

Eu me sento na minha cadeira e deixo papéis espalhados por

cima de tudo. Ela bate na porta, fico com as mãos na cabeça e peço
para entrar.

— Senhor Mender, aconteceu alguma coisa?

— Aconteceu tanta coisa, Marissa. Minha vida está destruída,


tudo que eu tinha como certo se foi, agora só me resta o trabalho.
Preciso que você leve um documento para o Fernando sobre uma

empresa nova. — Finjo que procuro o documento em todo lugar. —


Onde está o documento? Me desculpa, pelo jeito a bagunça atingiu
meu trabalho também.

— Calma, o senhor quer ajuda? Quer conversar?

— Bem, se vamos conversar sobre algo pessoal então me


chame de Roberto, por favor. Sente-se.

— Certo, Roberto. Estou aqui como amiga, o que aconteceu?

— Eu perdi a Flor na audiência de custódia e foi o pior

momento da minha vida até ontem. Confesso que não tenho sido a
melhor pessoa para se ter por perto, bebi demais, chorei, dei
trabalho e a Ellen não aguentou toda a pressão. Ela me deixou,

Marissa. Ela me deixou no pior momento da minha vida, acredita?


Agora estou perdido, não tenho ninguém comigo que me entenda.
— Coloco uma mão no rosto e deixo um braço em cima da mesa, é

a deixa para que ela se aproxime e me toque.

Ela caiu!

— Roberto, não fale isso, você tem a mim. Sei como é perder

alguém que você gosta. E você não deve se culpar, está frágil,
passando por um momento muito delicado. Peço desculpas pelo
que irei falar, mas a Ellen foi insensível e uma péssima pessoa. Ela

não te merece.
Agarro sua mão que está em meu braço.

— Obrigado pelo apoio, Marissa. Você não sabe como é

reconfortante ter alguém com quem contar. Não queria que me


vissem vulnerável na empresa.

— Vamos fazer assim, você tenta descansar um pouco e eu

remarco alguns compromissos. Daqui a pouco venho com um chá


ótimo para acalmar os ânimos. Vamos passar por isso juntos.

— Muito obrigado, de verdade.

Ela sorri para mim e vai saindo quando a chamo novamente.

— Marissa, achei o documento. Pode levar para o Fernando,


por favor. Um minuto de você aqui e já comecei a me encontrar,
precisamos conversar mais vezes, isso se você não se importar com

os meus desabafos.

— Prometo que não vou me importar. Todo mundo precisa de


alguém que esteja por perto. Vou levar o documento, depois eu volto

com o chá.

Ela sai do meu escritório feliz, enquanto estou me contendo


para não voar no pescoço dela.

Assim que ela se vai, ligo para a Ellen, me certificando dessa

vez que o telefone da empresa está desligado.


— Vocês ouviram tudo? E aí, como foi?

— Você foi bem até demais, quase acreditei na mentira. Não


gostei dessa vaca tocando em você.

— Acho que alguém ficou com ciúmes.

— Fique sorrindo muito, Rob. Você voltará para casa e a

minha fúria o aguarda.

— Calma, respire fundo. Não me mate, senão o plano não


funciona.

— Sem graça. Volte para o seu papel de vulnerável, tentarei

não quebrar nada enquanto ouço a conversa.

Desligo o telefone sorrindo.

Estamos no mesmo barco, a diferença é que eu queria matar o

demônio e a Ellen está com ciúmes do teatro.

Trabalho um pouco, enquanto ela não volta.

Quando ela bate na porta, desligo o computador e me deito na


mesa, fingindo que estou dormindo.

Ela bate algumas vezes até que arrisca entrar.

— Roberto, você está aí?

Sinto seus passos se aproximando.


— Ele dormiu, tadinho. Deve ter tido noites maldormidas ou até
sem dormir. — Ela alisa meu cabelo, fazendo carinho. — Não se
preocupe, meu amor, eu estou aqui com você e logo mais você

perceberá que eu sou a mulher certa para estar ao seu lado e não
aquela suburbana pobre, sem educação.

A Ellen deve ter quebrado alguma coisa ouvindo isso.

— Roberto? Roberto, acorde. — Ela me sacode um pouco e

finjo acordar.

— Não acredito que dormi em cima da mesa. Acho que estou


realmente cansado, não durmo bem há dias.

— Trouxe o seu chá. Você tem se alimentado bem?

— Obrigado pelo chá e não vou mentir para você, não lembro
a última vez que tive uma refeição decente. Consequência do álcool

em excesso, quer saber? Você me deu uma ideia. Por que não
almoçamos juntos hoje? Em um restaurante aqui perto, quatro
estrelas. Preciso de uma refeição que me faça ter vontade de comer

de verdade e esse lugar é muito bom. Você me acompanha? Tudo


por minha conta hoje.

— Sério? Se é para te fazer se alimentar bem então vamos.

Podemos ir agora se quiser, já adiei alguns dos seus compromissos.


— Você é incrível, Marissa. Não sei o que faria sem uma
secretária como você. Quer dizer, sem uma amiga como você.

Deixa só eu terminar o chá que você teve o cuidado de preparar e


podemos ir.

— Vou pegar minhas coisas. Te espero no estacionamento.

— Combinado.

Ela sai do escritório e eu jogo o chá fora. Sabe-se Deus o que


pode ter ali, não confio nessa mulher nunca mais.

***

Almoçamos juntos e sou um cavalheiro, sorrimos e

conversamos sobre tudo.

Ela mente sobre a vida dela, eu minto sobre a minha, um


relacionamento saudável.

E assim seguimos o dia...

A convidei para jantar e novamente fingi que nos divertíamos.

Toda vez que encontrava Fernando, ele me olhava com cara


de quem não acreditava no ator que eu era.

Para salvar minha filha da bruxa eu sou capaz de ser qualquer


coisa.
Eu só tenho medo de machucar a Ellen no processo, mas
preciso seguir o plano até atingir nosso objetivo.

***

Seguiram-se dois dias desta forma.

Passei a aparecer com uma aparência melhor, a trabalhar mais


tempo, ficava até tarde e a Marissa se oferecia para ficar também e

já nos tratávamos como amigos íntimos.

Separei algumas coisas da empresa, que somente Fernando e


eu sabíamos, para contar a ela. Assim, eu a fazia sentir que estava

confiando totalmente nela.

Sempre atribuía a minha melhora a atenção que a Marissa me


dava, porque tudo estava melhor graças a ela.

Minha intenção era ganhar tempo para que o grand finale


acontecesse no fim de semana.

O que eu não esperava é que ela fosse sincera comigo.

— Roberto, preciso te contar uma coisa. O que eu vou contar é

algo que escondo de todas as pessoas ao meu redor, mas confio


em você e sei que não me julgará. Minha família está à beira da
falência, meu pai investiu errado e perdeu grande parte dos nossos

bens, depois disso se viciou em jogos e perdeu todo o restante.


Para sustentarmos nosso nível de vida, ele pediu dinheiro

emprestado a pessoas perigosas que estão atrás dele. Meu pai não
se preocupa com a família, mas eu não quero ser pega nesse fogo
cruzado. Não me aproximei de você por dinheiro, juro. Eu me

apaixonei por você, Roberto, e agora tenho uma chance. Antes,


você tinha a Ellen e não quis me meter em seu relacionamento, mas

agora podemos tentar algo. O que você acha?

Depois dessa confissão, tive um pouco de pena da Marissa,


uma pena que passou depressa quando lembrei o que ela fez e isso
é imperdoável, colocar a vida de uma bebê em risco assim.

— Marissa, não tenho muito o que falar além de que sinto


muito. Que família horrível, você não merece sofrer tudo isso. Eu
sentia que você tentava se aproximar de mim antes, mas eu estava

com a Ellen e só tinha olhos para ela. Agora que estou solteiro, não
vejo por que não tentarmos. — Para selar a minha afirmação, dou
um beijo simples na Marissa, nada muito escandaloso.

Fingi que beijava um metal frio, mas ela amou o beijo e sorri
feliz.

Enquanto ela acha que o seu plano está funcionando, é o meu

que está levando o demônio para uma armadilha.


— O que você vai fazer amanhã? Sei que é sábado e se tiver
compromisso tudo bem, mas eu iria te chamar para me ajudar com
um assunto delicado. Preciso reunir as coisas da Flor para levar na

casa da avó dela. Gostaria de me ajudar com isso? Não sei se


consigo sozinho.

— Claro, Roberto. Te ajudo com o maior prazer. Que horas

chego por lá?

— Vou encontrar alguns familiares durante o dia, mas você


pode chegar umas 18 horas? É o horário que volto para casa. Se for

muito tarde, podemos deixar para depois.

— Não se preocupe, o horário está perfeito.

Continuamos mais um pouco conversando, depois seguimos


cada um para sua casa.

Eu não vejo a hora de encontrar a Ellen e beijar a boca de


quem na verdade quero beijar.

***

Entro na mansão a procurando, a encontro no escritório. Ela

estava em uma ligação com o Fernando, ao que parecia, pois falava


sobre o nosso plano.

Entro no escritório e ela conclui a ligação.


— Estava morrendo de saudade do meu amor.

— Estava? Pelo que eu sei, estava beijando a boca da inimiga.

— Juro que foi necessário, eu não queria nada daquilo. Deus

me livre, só em lembrar dá vontade de vomitar.

— Você é um ótimo ator, deveria tentar seguir carreira.

— Também acho, vou mostrar agora como desmanchar o bico

de uma baixinha invocada. — Encho a Ellen de cócegas e ela não


aguenta até se render. — Ei, baixinha, eu te amo. Tudo o que faço
ali é por nós e pela Flor. Não se preocupe.

— Eu sei, mas ainda sinto umas pontadas de ciúmes e dor

quando imagino você com outra.

— Te entendo, mas logo isso acaba e voltamos a nossa rotina.


Você vai ver. Ela mordeu a isca, o final desse circo será amanhã as

18 horas. Estou louco para ver a cara dela quando perceber que
tudo não passou de uma armação.
ROBERTO MENDER

Estava ansioso para ver o desfecho do nosso plano, mas


quando chegou o dia estava morto de medo de errar alguma coisa e

colocar tudo a perder.

Eu repeti o passo a passo mais de dez vezes, só para ter

certeza de que não pisaria na bola, afinal era vida da minha filha

que estava em jogo.


De ontem para hoje nem preguei o olho, quero logo que tudo

isso termine e a paz volte as nossas vidas.

Agora, estou com uma caneca de café olhando a vista do meu

quarto, vendo o Sol nascer.

Não queria acordar a Ellen, de tanto que eu me mexia na

cama, por isso preferi me levantar de uma vez, mas pelo jeito falhei

no plano.

Dois braços me abraçaram por trás, junto com um cobertor

bem quentinho.

— Bom dia, Rob. Vejo que está disposto hoje. Acordou tão

cedo por quê?

— Bom dia, meu amor. Na verdade, ainda é ontem para mim,

não dormir durante a noite e me levantei da cama para não

incomodar seu sono. Eu te acordei?

— Não se preocupe, não foi sua culpa. Na verdade, eu estava


quieta a noite toda, porque não queria te acordar também, mas mal

consegui pregar o olho. Só em imaginar que se tudo der certo, a

Flor estará aqui conosco, em nossos braços, minha ansiedade

enlouquece e o medo também.

A trago para frente e a abraço, ambos precisamos de conforto.


— Chegamos até aqui graças ao plano, precisamos continuar
acreditando nele. Queremos a Flor conosco, mas hoje nosso

pensamento precisa estar voltado para fazer tudo dá certo. Vamos

conseguir, Ellen.

— Vamos sim. A Marissa chegará às 18 horas, você vai vir

direto para cá ou vai para o escritório primeiro?

— Vou levá-la ao escritório e vamos beber um pouco, nos

aproximar mais e depois a trago para cá com a desculpa de arrumar

as coisas da Flor. Já colocou os brinquedos dela aqui?

— Está tudo no seu lugar.

— Depois, me sento na cama e finjo que estou chorando de


saudade. Se bem que com minha situação atual, isso não seria algo

impossível de acontecer. Ela vai me confortar, eu falo que ela é a

mulher mais incrível que conheci e começamos a nos beijar.

Continuo falando que se Flor estivesse aqui, teríamos uma família

completa. Agora é torcer para ela pegar a isca e falar tudo o que

sabe. Vou falar das minhas desconfianças e se ela realmente entrar


no jogo, vai tentar justificar as coisas. Torcendo para que tenha peso

na consciência ainda. Tudo certo? Como fui nos passos?


— Está perfeito, amor. Tenta relaxar um pouco, você precisará

parecer apaixonado.

— Você tem razão. Beijar a Marissa é difícil, mas é preciso.

Vamos tomar um café da manhã reforçado que o dia vai ser tenso.

***

Pouco depois das 8 da manhã, Fernando chega na mansão


com alguns aparelhos eletrônicos que podem nos ajudar ainda mais,

pois está preocupado com o que pode acontecer se algo der errado.
Ele sempre é a pessoa da vibe e sensações e agora diz que sente
que algo pode dar errado.

Tenho muitas coisas para me preocupar do que pensar no que

Fernando sente.

Continuo organizando a casa, as coisas da Ellen passam de


volta para o seu quarto e as da Flor tomam conta do meu.

O escritório tem, agora, algumas câmeras para gravar nossa


conversa e todos os funcionários mais próximos são avisados para

não falar da Ellen em canto nenhum.

O que me resta é esperar a bandida que ajudou a roubarem


minha filha.
Às 18 horas, em ponto, Marissa pede entrada na mansão e

sou comunicado.

Hora do show!

Marissa entra e peço para que seja encaminhada ao escritório.


Ela veio totalmente casual, com o cabelo solto e roupas leves, como
se fosse a um encontro.

Meio doentio achar que juntar as coisas da filha do ficante, que

não concorda com o que aconteceu, é algo legal e divertido a se


fazer.

— Boa noite, Marissa, me desculpe, surgiu um pedido de


documentos de última hora aí fiquei preso aqui. Daqui a pouco saio,

sente-se e beba alguma coisa, fique à vontade para se servir.

— Boa noite, Roberto. Entendo totalmente, sei como é isso de


coisas em cima da hora. Você tem whisky por aqui?

Eu indico o bar e ela se serve de uma dose generosa, parece


nervosa com algo.

— Está tudo bem ou você realmente gosta de whisky?

— Está tudo certo, por que não estaria? Hoje estou com uma

pessoa maravilhosa. Agora, termine logo para podermos ficar um


pouco juntos.
Admito que quero fugir desse momento.

Espero mais uns dez minutos e decido que é hora de

prosseguir o plano, não é possível enrolar mais.

— Pronto, terminei. Vamos lá para o meu quarto, tem uma


mesa em podemos sentar e apreciar a vista enquanto bebemos e

conversamos, o que acha?

— Eu sinto que alguém quer acelerar as coisas, vou fingir que

não é isso e falar que concordo e quero ver a vista.

De onde essa louca tira essas conclusões?

Seguimos para o meu quarto, mas antes pego uma garrafa de


whisky e levo junto com dois copos.

Ela se senta ao meu lado, bem juntinho de mim e se


aconchega em meu braço.

Ficamos por um tempo assim e depois nos beijamos.

Ela volta a encostar em mim e falamos sobre diversos


assuntos da empresa.

Boas ideias a Marissa tem, que pena que não conseguiu

aplicar na empresa da família.


O pai não quer passar a administração para ela e segue
afundando todo mundo.

***

Chega a hora de dar continuidade ao plano.

— Marissa, vamos organizar as coisas da Flor, antes que


fiquemos bêbados demais para isso.

Ela sorri como quem já está ficando alta de tantas doses.

— Vamos. Tinha até me esquecido, onde estão?

A levo até um móvel que fica na frente da minha cama, abro e

todos os brinquedos da Flor estão ali, uma bagunça generalizada.

— Nossa, está uma bagunça essas coisas.

— Eu coloquei assim. Depois que a Flor foi tirada de mim, não

queria ver mais nada dela na minha frente. Coloquei as coisas longe
da minha vista, para nem lembrar do sofrimento.

— Calma, Roberto, as coisas vão melhorar na sua vida.

— Já começaram a melhorar quando você entrou nela,

Marissa. Só que sem a Flor sou incompleto, dói saber que deixei

meu bem mais precioso escapar pelas minhas mãos. — Eu me


sento na cama com a mão na minha cabeça que está abaixada,

olhando para o chão.

Eu pensei que ela me consolaria e falaria tudo, mas apenas

faz uma pergunta.

— Onde vamos colocar os brinquedos?

Espero que isso seja a bebida falando mais alto, com essa
indiferença toda.

— Já vou ver aonde vamos colocar. Sente-se aqui do meu


lado, preciso me acalmar e você faz isso tão bem.

Ela se senta feliz e começa a alisar meu cabelo. Eu me

aproximo dela e a beijo, até que entendo a única coisa que a faria
não querer manter o que acontecia.

No meio do beijo, começo a chorar para que ela entenda.

— Não dá, perdão, Marissa, não consigo. Toda vez lembro da

Flor e um filme roda minha mente. Eu me pergunto quem poderia ter

pegado a fita aqui de casa, quem pode ter passado o áudio do


escritório e a fita para a Olga. Eu até perdoaria a pessoa, mas

preciso dar um fim nisso. Eu fico indignado por não saber essa

resposta e você não é obrigada a ficar do lado de um homem que


vive com as mágoas do passado. Acho melhor terminarmos, eu

preciso estar melhor para tentar algo de novo.

Tenho certeza de que o Fernando e a Ellen não entendem


nada, isso é totalmente fora do que tínhamos ensaiado.

Pelo som dos passos, sei que é a Marissa indo e voltando


como se ponderasse algo.

Agora é tudo ou nada.

— Roberto, preciso te contar uma coisa muito delicada.

— O que aconteceu Marissa?

— Algo que envolve sua filha.

— Você sabe de algo? O que você souber, me conta, por favor.


Já será um alívio saber de algo mais do que sei hoje. — Eu pego na

sua mão, como se confiasse nela.

— Minha família sempre teve esse problema de dívida e

quando começou essa coisa de custódia, a Olga me encontrou e

disse que pagaria uma boa quantia para que eu a ajudasse. Era

uma quantia muito boa que ajudaria nas contas da casa e eu não
pude negar.

— O que você fez, exatamente? Não estou entendendo. —


Quisera eu não entender.
— Eu passei o áudio da sua sala para a Olga. Ela queria mais

e me fez roubar um vídeo mostrando você e a Ellen namorando e se


agarrando pelos corredores. Confesso que tive ciúmes daquelas

cenas e fui motivada por separar vocês, mas só adiantei o

inevitável. Aquela menina não é para gente da nossa classe.

Meu sangue já está fervendo.

— Fingi ter perdido um documento para ter acesso a sala de


transmissão, mas tudo o que queria era o vídeo e consegui. No

outro dia, passei tudo para a Olga e consegui o dinheiro que eu

precisava. Me desculpa, Roberto. Eu realmente precisava e sua filha


está com a avó, não com uma estranha.

Solto da mão dela o mais rápido que posso, não consigo ficar

mais perto dessa mulher.

— Como você pôde fazer uma maldade dessas com uma

criança, visando apenas o lucro no final?! Como pôde ser tão


mesquinha e desalmada?!

— Você disse que perdoaria a pessoa que fez isso. Por que

não me perdoa, Roberto? Eu te amo.

— MENTIRAAA! — grito o mais alto que posso. — Mentira,

para de mentir e mostre sua verdadeira face. Você está aqui por
causa de outra coisa, é algo relacionado ao meu dinheiro, você não

me ama, se me amasse não trataria a Flor como um empecilho.

Quando ela percebe que não tem como fingir mais, muda de
tom e posição e mostra quem é.

— Que pena, Roberto. Eu realmente achei que poderíamos


viver juntos, fingir que éramos felizes como um casal e desfilar pelo

mundo enquanto você sustentava minha família. Fico triste por não

ser assim, agora não tenho muita escolha. — Da sua bolsa

minúscula, Marissa retira um revólver pequeno e aponta para mim.

— Certo, por essa não esperava. Para que tudo isso, Marissa?

— Eu peguei o dinheiro da Flor e coloquei nas mãos do meu

pai que jurou que estava bem dos vícios e tudo seria melhor. Não

deu duas semanas e ele perdeu tudo em apostas. A empresa voltou

à estaca zero e a solução dele é me mandar enrolar e fazer


trambiques para arrumar dinheiro para ele. Já eu vim aqui para me

livrar do meu pai, como ele não vai colocar as empresas em minha

mão eu vou tomar dele. Para isso, preciso de uma grande quantia e
você vai comigo.

Desta vez eu realmente estou ferrado.


Saímos do quarto e penso que nada poderá ser feito, até

passarmos pelo escritório e um taco de beisebol atingir o braço da


Marissa com tudo.

A Ellen me salva e detona com ela.

— Você? Achei que tinham se separado, o que está

acontecendo?

— Você foi pega em uma armação, Marissa. Queríamos sua

confissão para salvarmos a Flor dos braços da Olga. Gravamos tudo

o que você disse e com tantos problemas, acho que seria melhor

fazer um acordo com a promotoria.

— Impossível, eu não acredito nisso.

Dou a volta e abraço a Ellen e o Fernando. Aproveito o

momento e dou um beijo

na Ellen.

— Essa é a mulher que eu quero beijar e estar, não você.

As sirenes da polícia são ouvidas ao longe.

— E parece que a cavalaria está vindo por você, minha

querida.
— Assim que vimos a arma, chamamos a polícia e informamos
um ataque dentro da residência. Eles vieram o mais rápido possível,

mas nos defendemos e por isso você está assim. Dessa vez, é você

quem se deu mal. Roberto, agora vamos que temos que pegar a
segunda peça do quebra-cabeça final.

A polícia chega em casa e entregamos a Marissa junto com a


fita que gravamos dela confessando tudo.

Damos nossos depoimentos e ela segue para a delegacia.

A segunda peça é a gravação do ursinho da Flor, que tem

muito o que falar.

Guardo as gravações ao lado da sala de câmeras, em um

cofre, pois não quero correr o risco de ser roubado de novo.

Enquanto Marissa é escoltada pela polícia, eu ligo para Felipe


para contar tudo o que tínhamos planejado.

Ele não acredita como conseguimos descobrir tudo isso, mas

não pensa duas vezes em largar o fim de semana para trabalhar na


papelada para a reabertura do caso.

Ellen volta da sala de vídeo com a filmagem da Olga em mãos.

— Gostou da aventura, minha companheira de armações?


— Com certeza, já estou pronta para desvendar novos casos.
Devíamos entrar no ramo de detetives.

— Ei, não esqueçam de mim. Sempre tem uma pessoa por


trás que dá todo o auxílio nos bastidores, eu mereço aparecer

também.

— Desculpa, Fernando. Você faz parte do trio de detetives de


um caso só.

Rimos da situação e eu não consigo encontrar outra palavra


que melhor descreva meu sentimento neste momento do que
GRATIDÃO.

É isso que eu sinto por essa família, que sempre esteve


debaixo dos meus olhos e eu nunca me permiti enxergar, até que
uma baixinha invocada, de cabelo solto ao vento, invadisse a minha

vida como um furacão, transformando tudo para melhor.

— Gente, falando sério agora. Agradeço muito por tudo, como


bolaram algo tão maluco e fizeram dar certo, mesmo comigo fora de

razão. Fiquei tão preocupado com a minha dor que fechei os olhos
para as soluções, vocês foram os anjos da minha vida.

— Meu amor, eu faria de tudo para que a Flor voltasse aos


nossos braços. Ela não merece sofrer mais do que sofreu nessa
vida e ainda é tão nova.

— Roberto, você precisa parar de decidir tomar tudo para si,


precisa confiar nas pessoas. Eu sou um grande partido de amigo,

cuidado para não me perder, hein?

— Você perde o amigo, mas não perde a piada, não é? Vamos


todos entrar e comer algo bom, beber e comemorar. A Flor vai estar

conosco ainda este ano.

A noite foi de sorrisos, felicidade, alegria que não sei como


descrever. É o começo de um despertar, eu não mais vivia apenas

para o trabalho, mas agora tinha uma vida e amava tudo aquilo.

Quando Ellen e eu nos deitamos, fico pensando em tudo que


aconteceu, principalmente na Marissa.

— Não consegue dormir? Ansioso pela audiência?

— Desta vez minha cabeça está pensando na Marissa. Em


tudo que ela passou e o que a levou a fazer o que fez hoje.

— Rob, pessoas em situações complicadas, quando se

sentem acuadas, tendem a não pensar direito e dão ouvidos a


primeira ideia que parece boa, por mais que passe longe disso. Vi
muitos amigos escolhendo o caminho mais fácil e se perdendo nele.
— Sabe o que é pior? Se ela tivesse sido sincera desde o
início, eu a teria ajudado. Teria arrumado um jeito de dar a empresa

em suas mãos. Ela é inteligente, saberia reerguer tudo.

— Lembre-se que nunca é tarde para ajudar alguém. Quem


sabe amanhã você tem alguma ideia do que pode fazer por ela?

Agora, se concentre em dormir um pouco que, em breve, a Flor


estará em nossos braços e precisará de atenção com toda aquela
energia.

Beijo minha namorada que, para mim, já é mais do que isso e


vamos dormir.

***

No dia seguinte, conversei com Felipe e ele disse que temos

mais do que suficiente, e que o André atestou tudo e adorou toda a


ideia.

Quanto ao julgamento, apelei para os meus contatos e

consegui um juiz amigo meu para adiantar a audiência, queria


passar o Ano Novo com a Flor de qualquer forma.

Todas as provas foram catalogadas, mas precisavam do

depoimento da Marissa para atestar tudo. A promotoria fez um


acordo com ela para diminuir a pena em troca de colaboração e ela

aceitou de bom grado.

***

O grande dia finalmente havia chegado.

Minha ansiedade toma o controle, novamente, e estou pronto

às 7 da manhã para uma audiência que somente acontecerá às 11


horas.

Desço e tomo um café, tentando relaxar enquanto leio o jornal.

Ellen desce às 8 da manhã e, quando me vê todo vestido,

deduz que eu não tinha dormido muito.

— Bom dia, senhor morcego. Quero ver essa energia quando


a Flor chegar.

— Com certeza, estarei cem porcento carregado. Ainda acho


estranho a sensação de que a Flor vai voltar para casa, me pego
pensando se deixamos passar algo e se isso é apenas ilusão.

— Não começa, Rob. Você nunca foi pessimista assim, agora


coma alguma coisa que o dia vai ser longo e você precisa de
estômago para encarar aquela velha maldita.

— Pelo menos ela terá que trazer a Flor e podemos vê-la um

pouco antes de tudo começar.


— Agora é se arrumar e fazer todas as preces possíveis. Vou
terminar aqui e subir para me arrumar.

Ellen termina o café rápido e veste um conjunto executivo,

para transmitir mais seriedade. Ela fica linda desta forma, mas a
verdade é que eu a amo de todas as formas.

Seguimos para o tribunal e chegamos às 9h:30min.

Melhor do que se atrasar.

Eu não largo a mão da Ellen e nem ela a minha, somos o porto


seguro um do outro. Fernando também veio, pois disse que precisa
ver tudo isso de camarote.

No fundo, estou ansioso para ver a Flor também.

Os pais da Ellen pediram folga para comparecer à audiência e


dar apoio moral. Eu estou adorando ter tantas pessoas ao meu
redor, demonstrando esse carinho e afeto que esquenta meu

coração.

Às 10h:30min, entramos no tribunal e eu tomo o lugar de


acusação desta vez.

Prosseguem os trâmites e a Olga entra com a Flor chorosa em


seus braços. A assistente social fica com ela, como na outra
audiência, enquanto a sessão começa.
— Senhor, eu ainda não entendo por que estou aqui. Isso deve
ser uma manobra deste empresário delinquente para tomar a minha

neta dos meus braços.

— Senhora, se falar mais uma vez sem permissão, será


expulsa do meu tribunal. Advogado, controle sua cliente. Vamos
começar a audiência, a acusação será a primeira a falar.

Felipe abre o caso e informa que temos novas provas para


apresentar ao juiz. Vejo Olga perdida, sem entender nada.

Primeiro, passamos a gravação da Marissa, confessando tudo

e depois mostramos a Olga se vangloriando de todo dinheiro que


tirou de mim.

Ela está sem acreditar, mas logo seu advogado toma fôlego.

— Meritíssimo, não conseguimos confiar nessas provas,

podem ser forjadas, uma atitude desesperada da acusação para


ganhar o caso e tirar a única família que restou da minha cliente.

— Para atestar a veracidade de tudo o que ouvimos, temos

uma testemunha — o juiz confirma. — Quero chamar para depor a


senhorita Marissa Meirelles.

Marissa entra na sala com a cabeça baixa enquanto Olga

quase dá um pulo na cadeira quando a vê, acho que percebeu que


as coisas não vão bem para ela.

— Senhorita Marissa, tudo o que está nesses vídeos é

verdade?

Ela confirma.

— E como você pode provar isso?

— Tenho mensagens e transações bancárias entre Olga e eu

que comprovam isso. Ela me contatou na empresa por saber dos


meus problemas financeiros. Eu aceitei fazer o seu trabalho sujo,
enquanto ela roubava a menina do Roberto. Fiz porque precisava do

dinheiro, mas queria muito que meu pai me amasse o tanto que a
Flor é amada pelo pai. Sinto muito, Roberto.

Desta vez, eu sentia sinceridade em suas palavras e me

lembro que a Ellen me disse que nunca é tarde para ajudar alguém.

— O que vocês tem a declarar sobre isso?

— Meritíssimo, minha cliente está perturbada com tantas


mentiras. Ela e o marido apenas querem viver em paz com a neta,

sem luxos e nada.

— Aqui estão as transações bancárias da Olga que


comprovam que ela está vivendo um nível de vida financeiro bem

maior do que recebe. Fruto do dinheiro que o meu cliente envia todo
mês para a bebê, mas que não é usado para os fins corretos. Pela

filmagem, percebemos a negligência com a criança e a falta de


amor por ela. Peço que considere tudo, meritíssimo.

— A sessão vai entrar em recesso e em vinte minutos

voltamos para o veredicto final. — O juiz sai.

Felipe me diz que tudo está indo mais do que bem e que já é
causa ganha para nós, praticamente.

Saímos do tribunal e a Marissa passa por nós escoltada.

Peço um minuto para conversar com ela.

— Marissa, como está indo?

— Do jeito que uma presidiária poderia ser. Olha, Roberto, me


desculpa por tudo o que fiz, só queria ajudar a minha família e

estava na beira do abismo. A Flor não merecia isso.

— Vamos fazer o seguinte, você cumpre sua pena e fica livre


de tudo isso. Depois, quando sair, me procura que eu te ajudo a

retomar sua empresa, ela será sua e não do seu pai. Se quiser,
também ajudo a mandá-lo para longe. Apenas tente colocar a vida
nos trilhos.

— Sério? Você faria isso por mim, mesmo depois de tudo o


que aconteceu? Eu nem sei o que falar, Roberto.
— Agradeça a única pessoa que você desprezou durante todo
esse tempo, foi a Ellen quem teve a ideia de que eu poderia
encontrar uma forma de ajudá-la ainda.

— Talvez eu tenha crescido sem alguns valores na vida.


Agradeça a ela por mim, por favor. Vou me cuidar e quando sair nos
encontramos. Prometo.

O guarda a leva e eu fico com o coração mais leve, sabendo


que posso ajudar alguém perdido.

O juiz retorna e não demora muito, nós ganhamos a audiência.

Sabia que a chance era de noventa e nove porcento, mas eu

preferia ter certeza depois de ouvir da sua boca.

Finalmente, a Flor volta aos meus braços.

Ela vem chamando papai e é o melhor momento da minha


vida, tanto que não contenho as lágrimas ao abraçá-la.

Ellen e Fernando nos abraçam, todos felizes por nossa


pequena estar de volta.

Marco a comemoração para outro dia, porque hoje quero ficar

o dia inteiro agarrado na minha filha.

Voltamos para casa e meu coração é pura alegria.


Passo o dia com ela, sem tirar os olhos da minha pequena
nem por um segundo. Quero protegê-la do mundo se for preciso.

Enquanto isso, ela é só sorrisos e agora ela quase está andando.

— Acho que chegamos na fase de colocar grade na escada e


tapar as tomadas. A Flor vai ser um furacão assim que começar a

andar.

— Energia não falta na minha pequena. Agora tenho duas


pequenas em casa, Flor e minha baixinha.

— Todo comediante. Você quer que eu fique com ela enquanto

descansa um pouco? Mal dormiu com toda essa situação.

— Não se preocupa, estou cheio de energia. Queria te


agradecer por tudo, por todo apoio e por ter me ajudado a recuperar

a Flor. Se não fosse você em minha vida, não sei o que faria. Eu te
amo, Ellen e meu coração é todo seu, não por causa disso, mas por
causa de tudo o que faz por mim, por nós.

— Eu também te amo, Rob. Você ganhou meu coração tão


rapidamente que fiquei com medo de ser uma paixonite, mas na
verdade sempre foi amor. Obrigado por existir em minha vida. Agora

deixa eu pegar o leite desta bebê maravilhosa e daqui a pouco volto.

A puxo para um beijo depois ela vai para a cozinha.


Não deu nem tempo de voltar, pois quando chegou ao quarto

eu já estava apagado e abraçado com a Flor, que também dormia


apagada e em paz.

Junto de nós dois.


ROBERTO MENDER

Meu Ano Novo é diferente.

Pela primeira vez tenho uma família de verdade para dividir o

momento, uma filha e uma namorada.

Desta vez não viajei para lugar nenhum do país, para passar

as festas com clientes que sempre me convidavam para esses


momentos, eu criei minha própria festa.

Um ano novo, simples com uma ceia para poucas pessoas,

incluindo Fernando.

Dei folga para grande parte dos funcionários, para que


tivessem seu momento de deixar o velho e dar boas-vindas ao novo.

Ellen preparou toda a ceia. Bem, a parte central que é o peru,


o restante resolvi encomendar, senão jantaríamos no dia 02 apenas.

Sorrimos, brincamos, cantamos canções natalinas e trocamos

presentes. Sei que essa coisas são feitas no Natal, mas como não
tivemos um Natal decente nesta casa, juntamos as duas festas em

uma e foi superdivertido.

Na virada do Ano, seguimos até a piscina, pois preparei alguns

fogos para comemorar, coisa fácil porque não queria passar a noite

em um hospital ou coisa pior.

Fizemos a contagem regressiva juntos.

Para mim somos os quatro mosqueteiros e D’Artagnan.

Cinco...

Todos nós estávamos nos meus melhores e piores momentos.

Quatro...
Cada um tem uma virtude que completa o cubo.

Três...

São pessoas que eu depositei minha confiança, mesmo depois

de anos duvidar que voltaria a fazer isso.

Dois...

Minha nova família.

Um...

Pessoas que quero para sempre em meu coração e comigo,

ao meu lado tanto quanto foi possível.

— FELIZ ANO NOVOOOOO!!! — Todos gritamos e

estouramos o champanhe.

Fernando sorri, gira e grita, acho que bebeu demais, mas ele

também é assim na vida, por isso tenho minhas dúvidas.

Ellen sorri e chora (de felicidade, espero) enquanto estou


agarrado com a minha princesa que se assustou e ensaiou um

choro, mas logo se acostumou e foi vencida pela doidice do seu

padrinho, um título que ainda não contei a ele e acho que vai

aceitar, do jeito que paparica a Flor.


Nos abraçamos e seguimos todos para o meu quarto que tem

a melhor vista para aproveitar a queima de fogos que durou uns


quinze minutos.

Não sei por que esse dia é mágico, mas acho que a nossa
vontade de limpar a alma de tudo de ruim que aconteceu conosco.

O mundo não é fácil, sobrevivemos com o máximo que

podemos e existem pessoas que nem isso tem para se aguentar.

A virada de ano traz a esperança de dias melhores e é isso


que eu mais desejo na vida.

Cresci demais nesse ano que passou e isso vou levar comigo,
mas o meu desejo para o novo ano é que seja melhor, nem que seja

um porcento melhor e tenha mais amor que o anterior, para mim


será o suficiente.

Dou um beijo na Ellen e desejo feliz Ano Novo.

— Feliz Ano Novo, meu amor. Temos todo um ano para nos
amarmos ainda mais.

— Feliz Ano Novo, meu riquinho favorito. Pode apostar que

temos sim e para enlouquecer com uma bebê virada.

— Riquinho favorito? Gostei deste novo apelido.

Ela sorri e me beija mais uma vez.


— Vou ligar para os meus pais para desejar feliz Ano Novo. —

Antes de sair dá um beijo na cabeça da Flor. — Deseja o mesmo


por mim.

Olho para o lado e Fernando, nos observa com um olhar sério

e pensativo.

Toda a animação que eu via antes pareceu sumir por

enquanto.

— Que olhar é esse?

— Você sabe quão sortudo você é, certo?

— Pela minha família?

— Por ter essa pequena maravilhosa como filha, lógico, mas já

pensou o quão sortudo é em ter uma mulher que é apenas sua


namorada, entrou na sua vida a pouco tempo, e comprou suas

brigas, cuidou da sua família e te ama tanto que nem é necessário


perguntar, pois o olhar transmite tudo.

— Está observando muito a Ellen, se não te conhecesse já ia


perguntar se estava dando em cima dela — digo brincando, ele

entende e sorri na mesma hora.

— Se tivesse chance, eu tomaria com certeza.

— Mas porque esse assunto agora? Aconteceu alguma coisa?


— Somente pensando na vida, Roberto. Qual foi o seu desejo
de Ano Novo?

— Pedi que fosse melhor que o anterior e com muito amor. E o


seu?

— Pedi a sua vida.

Olho estranho para ele, sem entender.

— Calma, deixa eu explicar melhor. Pedi uma família como a


sua, repleta de amor, carinho e confiança. Uma família que não é

perfeita e isso é normal, mas que não são fúteis, ou se apegam a


coisas sem sentido, sabe? Uma família que o que importa é a

essência acima de tudo.

— Nossa, por essa não esperava. Você é o maior paquerador

que já vi.

— As coisas nem sempre são como parecem ser, meu caro.


Sou paquerador e amo as mulheres, mas no fundo procuro alguém
que me compreenda, procura uma conexão, a atração verdadeira

que é além da física. Procuro alguém que reconstrua meu coração


assim como a Ellen fez com você. Sei que essa pessoa está por aí e

um dia vou encontrá-la, até lá me divirto na vida.


— Você é incorrigível, Fernando. — Eu me aproximo dele e
coloco a mão em seu ombro, estamos de terno para entrar no ano
novo com classe, ideia dele. — Acredite, você é o melhor partido

que qualquer mulher pode ter e tenho certeza de que vai encontrar
alguém que te merece tanto quanto você for merecedor.

— Obrigado, meu amigo. Vamos para mais um ano de parceria

e acabou a conversa séria, quero bebidas e aproveitar esse dia


antes que precise ir até a boate, onde estão me esperando e

cumprir a difícil missão de ficar com duas mulheres que me


chamaram para um trisal.

— Uau, muita informação e duvido que seja difícil. Aproveite

bastante por nós dois.

Enchemos nossos copos e Fernando continua debatendo quão

complicado é dar conta de duas mulheres ao mesmo tempo.

Eu morro de rir com ele explicando enquanto Flor bate palmas

e sorri com toda a palhaçada dele.

Volto minha atenção a Fernando me distraindo, e, quando olho

rapidamente para a Flor, nem acredito.

— Ellen, se vira devagar e não grita, senão vai assustar a Flor

e você vai perder um momento extraordinário.


Ela se vira e coloca a mão na boca para não gritar.

A Flor está andando em direção a um de seus brinquedos

favoritos, seus primeiros passos e em pleno Ano Novo. Tiramos os

celulares dos bolsos e enchemos de fotos da Flor em pé, andando


até seu brinquedo.

Diversos closes.

Depois de uma hora, Fernando sai para continuar a

comemoração na boate que falou. A Flor pega no sono e estamos

bastante cansados com o dia agitado.

Nos preparamos para nos deitar, mas nossa programação não

iria terminar assim.

— Descanse bastante que amanhã tenho uma surpresa.

— Surpresa?

— Vamos ter a nossa virada do ano especial, somente nós

dois. Uma das coisas que quero neste novo ano é dar mais atenção

ao nosso relacionamento. Desde que nos conhecemos e


começamos a estar juntos, sempre existiram problemas. Quero que

tenhamos a tão sonhada paz e viver cada momento, cada memória

de nós dois e a Flor. Amanhã será apenas nós, depois fazemos algo
com ela.
— Certo, senhor Planejador, já contratou a babá?

— Tudo certo. Já deixei todo o cronograma, toda a

programação dela e será apenas durante o dia, voltamos a noite.


Calma, senhorita Controladora.

— Sou precavida. Agora vamos dormir, porque quero ver essa


surpresa logo cedo.

Nos despedimos comigo sorrindo devido a empolgação dela.

Nem fazia ideia do que era, mas já estava empolgada por ser

algo feito por mim. Amo demais esta mulher e não tenho um pingo

de vergonha em falar isso. Se não for coisa de macho, dane-se,


gosto de ser como sou.

***

O dia amanhece com uma Ellen elétrica, tomando café na

mesa e olhando loucamente o celular. Provavelmente a procura de

algo do resultado do vestibular, ela fez as provas em novembro,


antes da Flor ser tomada de nós, mas o resultado só sairá a partir

da metade de janeiro.

E ela sabe disso.

— Bom dia, meu amor. Acredito que o celular não seja uma

caixinha que preveja o futuro e possa trazer respostas que deseja


antes do tempo.

Ela emite um grunhido de insatisfação e encosta na cadeira.

— Odeio esperar, Rob. Essa demora toda para emitir um


resultado, com tanta tecnologia no mundo, já devia ter acelerado

isso.

— Boa ideia, mas se não fizeram é porque ainda não sabem


como fazer ou estão esperando. Quem sabe, no futuro, seja tudo

mais rápido. Agora, cadê aquela empolgação de ontem sobre a

minha surpresa? — Vou me aproximando dela e a encho de


cócegas.

— Não, não, não... Aaaaaahhhh. — Ela sorri loucamente, se

debatendo com as cócegas e chorando de tanto rir, até que pede


trégua.

— Golpe baixo, Rob. E como vai ser essa surpresa? Não estou
vendo nada aqui e acordei cedo demais para olhar lá fora e não ter

nada além do que já tinha.

— Curiosa? Acalme-se. Vou tomar um banho e depois o café


da manhã, aí falamos da surpresa. Você vai me dar isso aqui. —

Tomo o celular dela, sob protestos, é claro. — E vou guardar no

cofre junto com o meu.


— Tudo bem, gênio, e como vamos nos comunicar e saber da

Flor se acontecer algo?

— Vamos usar esses celulares que não acessam internet,


somente fazem ligações. Pronto, estamos totalmente off-line da rede

e on-line para a natureza e o mundo ao nosso redor.

— Como foi que você conseguiu essas relíquias?

— Assim você me ofende. Eram os celulares da minha

adolescência.

Ela faz cara de tanto faz.

— Ellen, vamos lá. Quero que você tenha um dia limpo, livre

de preocupações e que possa se entregar ao momento. Só

podemos fazer isso sem esses celulares perseguidores. Um dia

realmente só nosso é raro demais para desperdiçarmos.

— Certo, você tem razão, meu amor. Agora vá logo se arrumar

que eu quero me jogar com tudo nessa surpresa.

Entro no chuveiro imaginando o quanto ela irá querer se jogar.

Tomo meu café da manhã e organizo tudo para a nossa


partida.

Saímos de casa às 6 da manhã e deixamos tudo pronto com a


babá. Pegamos a estrada e logo chegamos ao ancoradouro
fornecido por um clube que eu sou sócio, onde guardo minha

lancha.

— Não acredito! Claro que você tem uma lancha. É sócio do

clube de golfe também?

— Com certeza, preciso até voltar lá porque faz tempo que não

apareço.

— Desisto, Rob. Você é literalmente um riquinho. Não o culpo,

com todo esse dinheiro me cercaria de luxo também.

— Finalmente, demorou a dar o braço a torcer e falar que o


lado negro da força é tentador também.

— Star Wars? Fica difícil acompanhar suas personalidades:


Rico playboy, riquinho, nerd, pai de família.

— Sou um homem de múltiplas facetas e todas elas são

apaixonadas por você. Estou romântico hoje, agora vamos logo que
quero aproveitar todo o nosso dia.

Falo com o responsável e assino a retirada do barco da


Martina.

Saímos de lancha com destino ao mar aberto, tinha verificado

antes e estaria tudo calmo hoje, pois queria liberdade e privacidade.


Quando chegamos ao nosso destino, coloco a lancha em
ponto morto e solto a âncora.

Ellen segue maravilhada com tudo, observa o ambiente e o


mar, como uma criança com um brinquedo novo.

— Rob, que lugar lindo! Você é incrível, sabia? Só assim para


tirar minha mente daquela nota. Queria ter trazido biquini e material

de mergulho.

— Você pode abrir este assento, por favor. As cadeiras forma


projetadas para serem baús também.

Lógico que pensei nessas coisas, peguei as coisas da Ellen e


separei antes de contar sobre a surpresa, para que não

desconfiasse. Ela encontrou tudo e pulou em cima de mim, me

enchendo de beijos.

— E ainda trouxe uma câmera de mergulho, para tirarmos

várias fotos para recordação.

— Te amo muito, mas vamos logo que não vejo a hora de


nadar neste oceano.

Ellen vai a jato e troca de roupa em um piscar de olhos,

passando por mim já mergulhando com tudo e sentia a felicidade


em seu sorriso.
Ela realmente ama o mar, eu nunca vou entender, mas a amo
e aceito tudo o que ela tem a me oferecer.

Troco de roupa e entro no mar junto com ela.

Encontramos diversas espécies de peixes, corais e até

nadamos com algumas raias. Tiramos fotos em diversas poses e


vários momentos.

Entardece e sugiro que voltássemos ao barco, para não ficar

escuro demais.

Voltamos, nos preparamos para jantar e Ellen coloca um


vestido de crochê, bem praiano e colado ao corpo.

Estou com uma bermuda e a camisa toda aberta. Meu cabelo

está preso em um coque mesmo, tentei secar, mas a juba fugiu do


controle, foi triste.

— Uau! Você sempre me surpreendendo. Está linda, meu

amor.

— E você, com uma roupa tão relaxada, nem parece aquele


cara que vive no escritório. Adorei o look de praia.

Nos beijamos mais intensamente que o normal, algo me diz

que a Ellen também está louca para ficarmos juntos e pelados, mas
quero aproveitar nossos momentos de conversa, por enquanto.
— Vamos fazer um brinde. — Encho duas taças com
champanhe. — Um brinde aos problemas da vida.

— Problemas? Pegou insolação, Rob?

— Sim, aos problemas da vida. Foi por causa deles que


estamos aqui, juntos. Tudo me levou até você e disso não abro
mão.

Ela me olha apaixonadamente e, sob os raios solares, é


impossível não a admirar por completo.

Eu sou um homem de sorte.

Passamos mais algumas horas bebendo e conversando, mas

meu desejo fervilha em meu corpo.

A faço ficar de pé e a beijo de forma intensa e ávida. Ela


entende o que sinto e corresponde do mesmo jeito.

Viro a Ellen de costas para mim, enquanto passo minha mão,

subindo da coxa até os seus seios que já marcam o sutiã de tanta


excitação.

— Sabe o que também amei neste nosso passeio ao mar?

Aqui temos privacidade e posso tirar toda a sua roupa e ver tudo
com a luz da Lua. Podemos transar sem quatro paredes, em um
lugar natural e sensual.
— Rob, eu te desejo e te quero. Demorou até demais.

— Não se preocupa, as coisas vão ser incríveis.

Tiro o seu vestido e a deixo olhando para o mar, desato a parte

de cima do seu biquini e agora ela está com os seios livres. Ela
sente vergonha, mas não se mexe porque está com tesão também.

Tiro sua calcinha e o líquido de excitação pinga da sua vagina.

— Vamos fazer um desafio hoje, meu amor. — Coloco a mão


em seu clítoris e faço movimentos circulares e repetitivos.

Ela se contorce de prazer e geme.

— O desafio é você ter um orgasmo em pé. — O meu dedo

desce do clítoris e segue para sua abertura, onde fica circundando o


lugar e entra de vez a fazendo pular um pouco, de surpresa e
prazer. — Enquanto eu estiver fazendo um oral em você, sua vista

continuará presa ao mar. Não olhe para mim, pode fechar os olhos,
mas quero que você sinta meu toque, minha língua passeando por

tudo, sem nenhuma intervenção luminosa ou eletrônica. Aqui você é


livre para sentir e se fazer ouvir. — Tiro a mão da sua entrada e
sussurro em seu ouvido. — Quero ver você gozando para mim!

Desço até suas pernas e a viro de costas para passar no meio

delas e ficar de frente para sua vagina que é linda sempre, mas
deste ângulo está espetacular.

Começo a provocá-la, colocando o dedo no clítoris e


deslizando por todos os cantos. Depois melo meu dedo em seu
líquido e começo a passar pela sua vagina, a estimulando.

Ellen tenta ficar em pé, mas suas pernas querem fechar e ela

está bamba de tesão. Para não torturar mais, coloco um dedo e


depois dois dedos em sua abertura, fazendo movimentos de entra e

sai.

Ela está quase implorando.

É quando dou o golpe final, abocanho sua abertura, deslizando


a língua por ela e passeando até o clítoris.

Ellen não aguenta muito e goza com vontade em minha boca.


Seu gosto é incrível e a forma como tudo acontece me dá mais
tesão ainda.

Tiro minha bermuda, coloco a camisinha e me encosto em um

dos assentos.

— Ellen, meu amor, eu não vou aguentar muito.

— Eu já ia pedir, saudade de sentir você dentro de mim.

Ellen nem pensa duas vezes, se senta direto no meu pau ereto

e começa a rebolar. Tento segurar até meu limite, mas quanto ela
começa a cavalgar e vejo seus seios balançando é o máximo. Eu
gozo com força e pego seus seios nas minhas mãos. Ela continua e
goza também.

Terminamos os dois acabados, sem fôlego, atordoados de


prazer e felizes.

— Rob, você se superou. Como conseguiu isso? Meu Deus!


Toda vez que olhar o mar agora vou me lembrar disso aqui. Espero

não gozar também.

— Essa foi a intenção. Imagina você estudando séria e do


nada lembrar disso? Duvido não sorrir ou ficar com tesão.

— Seu palhaço!

Nos beijamos para ter forças e nos levantar.

— Que horas são?

— Já está um pouco tarde, acho que devemos voltar. Qualquer

coisa, podemos continuar lá no quarto.

— Não precisa, Deus me livre. Amei tudo isso aqui, mas não
tenho forças para uma segunda rodada hoje ainda. Cansei, morri.

— Graças a Deus! Fiquei com medo que quisesse e eu não

conseguisse comparecer.
Sorrimos juntos da idiotice dos dois e nos levantamos de vez.

Arrumamos tudo e voltamos para casa.

Passa das 22 horas e a Flor está totalmente acordada, pelo

jeito a babá não conseguiu conter a animação da garota.

— Minha filhota linda, se comportou? — pergunto olhando para


a babá.

— Sim, senhor Mender. Embora ela tenha uma energia quase

eterna, mas foi um amor.

— Obrigado.

A babá vai embora e nós dois ficamos no quarto aproveitando

um pouco com a Flor.

Primeiro dia do ano com a melhor família do mundo e a


primeira transa mais incrível da Terra.

Impossível o ano dar errado.

***

Voltamos para a nossa rotina na segunda-feira.

Eu vou para a empresa, para começar os planejamentos de


crescimento e expansão, novos clientes e tudo o que um novo ano
traz.
A Ellen, bem, ela volta a estudar novamente porque quer estar
preparada para uma rejeição. Sem contar que ela ainda decidiu ir

surfar na praia e deixar a Flor um pouco com minha sogra.

Sua cabeça e seu nervosismo ficam ainda pior à medida que


se aproxima o dia do resultado.

A tarde, passo o dia entre reuniões e, finalmente, os acionistas


aprovam meu projeto que vinha sendo preparado há um ano. Uma
expansão para a Mender S.A. com uma filial em outro estado, se

tudo funcionasse bem eles cogitariam abrir uma no exterior. E eu já


tenho a pessoa certa e de confiança para comandar essa nova filial.

No outro dia, marco uma reunião com Fernando na minha sala.

Tinha conversado com Ellen sobre isso e ela me disse que a ideia
era maravilhosa, só ficava triste porque ele ficaria longe de todos
nós, e a Flor o adorava.

Daríamos um jeito nesta distância, mas ele é a pessoa certa.

Depois do almoço, ele vem direto para a minha sala.

— Pronto, Roberto. O que você precisa?

— Desta vez, a reunião será sobre você. Quando você entrou

aqui na Mender S.A., lembra qual era a sua ambição?


— Certo, vou comer a isca. Lembro, porque a ambição

continua a mesma, provar o meu valor e subir de cargo até chegar


no topo. Como sou amigo de quem está no topo, então vou pedir
pelo cargo abaixo. Do que se trata tudo isso, Roberto? Estou

confuso. Me demitir você não vai, sei que não vive sem mim.

— Engraçado, você pensa nas piores situações, mas não


cogita que talvez seu sonho possa começar a tomar forma.

Ele me olha confuso, como se procurasse a conexão até que


esbugalha os olhos sem acreditar e coloca a mão na boca.

— Deixa eu ver se entendi, você está me dizendo que a

Mender S.A. vai precisar de uma pessoa no cargo de chefia da


empresa e eu sou sua escolha? É sério isso?

— Seríssimo. A empresa vai abrir uma filial no Rio Grande do


Sul e precisamos de alguém que exerça a minha função lá. Alguém

de confiança e credibilidade, alguém que eu conheça, por isso será


você. Sei que a distância é complicada, mas...

Eu nem termino de falar, Fernando dá a volta na mesa e me

agarra com um abraço, visivelmente emocionado.

— Obrigado, meu amigo. De verdade, esse é o melhor


presente que poderia me dar. Eu pego um avião toda semana para
visitar vocês, a gente se resolve com isso, mas não largo minha
promoção de jeito nenhum. Nem acredito — diz tudo, olhando para
mim e eu me sinto muito feliz por ter causado essa sensação no

meu amigo.

— Vou te dar algumas instruções do que vem com o cargo, te


ajudar ao máximo até que tudo esteja pronto por lá. A Ellen mandou

parabéns e disse que sentirá sua falta. Ela também avisou que tem
uma surpresa para você hoje à noite. Então, vamos comemorar
essa promoção?

— Com certeza e quero essa ajuda o quanto antes. Acho que


já estou me sentindo corcunda com o peso da empresa nas minhas
costas. Por isso você tem essa postura.

— Ha, há, ha, engraçadinho! Agora volta ao trabalho.

Ele sai super sorridente, lembro que preciso arrumar uma


secretária novamente e a agonia vai começar de novo.

Passo o dia olhando a ficha de clientes, pensando em

estratégias para crescer ambas as filiais, no marketing para atrair


atenção da nova filial. O trabalho é cansativo, mas produtivo.

Quando anoitece, Fernando e eu arrumamos tudo para voltar

para casa.
Chegamos na mansão e tudo está apagado.

— A Ellen jura que eu não sei... — Fico calado e deixo que ele
entre.

Ellen grita surpresa junto com Alfred e a Flor dá seu gritinho


entusiasmado. Na nossa frente, tem uma enorme placa de
parabéns.

Fernando finge que não sabe, para não magoar os


sentimentos da Ellen.

— Nossa! Que surpresa, Ellen. Muito obrigada, você não sabe

o quanto estou feliz com essa promoção, é o cargo da minha vida.

— Deixa de mentira, Fernando. Sei que você já sabia da festa,


por isso contei ao Rob. Ele é complicado de guardar segredos.

— Certo, foi mal. Tentei esconder, mas foi mais forte do que

eu. Só que estou muito feliz, de verdade, pelos seus parabéns. É


muito importante.

— O que você não sabe é o que eu não contei ao Rob, assim

os dois ficam surpresos. Venha até aqui, no meio da sala e puxe


essa cordinha acima da sua cabeça. Garanto que não é nada ruim
ou molhado.
— Vou confiar. — Ele puxa com tudo, dezenas de bebês

pequenos caem em cima dele e uma carta cai junto.

Eu já tinha entendido o que a Ellen fez, o Fernando abre a


carta e vê o convite, quase enlouquecendo.

— Antes que você vá embora, resolvemos te convidar para ser

padrinho da Flor. Ninguém mais que você merece o cargo. Sei que
vai ser corrido o começo e mal vai conseguir vir aqui, mas já está
convidado e agora tem um compromisso sempre com ela. Aceita?

— Ainda pergunta? Aceito sim! Muita felicidade para um dia


só. Muita honra em ser convidado, gente, realmente estou
emocionado agora. Me deixa pegar minha afilhada no braço para já

treiná-la a falar dindo.

Todos sorrimos, comemos doces e conversamos.

Não deixamos ficar muito tarde, mas está bem divertido e


realmente parece que o dia é só felicidade.

Mas repetir essas coisas nem sempre é bom...

Olho para a Ellen e ela está mais calada. Olha o celular como
se estivesse lendo algo, procurando alguma coisa e ficando

nervosa.
Suas mãos estão um pouco trêmulas, então ela olha para cima

e seus olhos estão marejados, não entendo o que aconteceu.

Ela se levanta da cadeira e sobe a escada correndo, sem falar


nada.

Fernando olha preocupado e me encara como se perguntasse


o que aconteceu e eu não sei.

— Vá atrás dela, Roberto. Vai!

Subo a procura da Ellen atrás de uma resposta e com o

coração na mão, apertado e preocupado.


ROBERTO MENDER

Estava tudo indo tão bem, estávamos felizes e recebendo

apenas boas notícias. De repente, a Ellen parece transtornada e

foge da nossa comemoração, algo que não é do seu feitio.

Tinha que ser algo sério para tê-la puxado assim, da felicidade

para a tristeza.
Será que é algo com os seus pais?

Com a melhor amiga, a Pam?

Minha cabeça está um turbilhão de pensamentos e eu estou

parado na frente da porta do meu quarto há uns dez minutos,


tentando tomar coragem para entrar.

Não que eu tivesse medo da Ellen, eu tinha medo de não


saber ajudá-la neste momento.

Nunca fui bom com essas coisas, sempre fui muito prático e

sei que preciso mudar isso se quero que o nosso relacionamento vá


ainda mais fundo.

A Ellen esteve comigo nos bons e maus momentos, agora


chegou minha vez de estar com ela.

Tomo coragem, respiro fundo e entro no quarto.

Vejo a Ellen sentada, observando o mundo pela perspectiva do


nosso quarto. Eu me aproximo, tiro meus sapatos e me sento ao

seu lado. Escolho não falar nada, somente estar ali para ela, caso

precise de mim.

Levam alguns minutos em absoluto silêncio até que ela resolve

falar.

— Eu passei no vestibular.
Isso deveria ser uma boa notícia, certo?

— Devo te parabenizar? Confesso que estou um pouco

perdido, deveria ser uma boa notícia, mas você subiu correndo. O

que aconteceu, meu amor?

Seus olhos voltam a encher de lágrimas e estou ansioso com a

situação.

Pego em sua mão, como se dissesse que estava ali para ela.

— Eu passei para o curso que eu queria, Ciências Biológicas,

mas vou precisar estudar em Brasília se quiser seguir o meu curso,

Rob. Vou ficar longe de vocês. — Ela já está chorando e a abraço

para reconfortar.

— Meu amor, isso se dá um jeito. Você pede transferência

assim que começar as aulas. Eu ajudo com isso.

— Existem regulamentos para isso, Rob. Segundo o

regulamento, eu preciso cursar quatro períodos do curso para então

pedir transferência, tentar na verdade, porque não é garantida. Vou


precisar passar dois anos longe de vocês, eu não quero isso, mas

também não quero abrir mão de algo que me esforcei tanto. Não sei

o que fazer, meu amor. Estou tão perdida. — Ela se deita no meu
colo e eu fico sem resposta, até porque nem eu esperava essa

situação.

Ficar dois anos longe da Ellen é muito tempo e logo agora que

conseguimos enfim ter paz.

A vida gosta de testar o ser humano.

— Vamos pensar estrategicamente. Temos outra solução,


algum plano B?

— Ainda tem a lista de remanejamento. Se me chamarem eu

consigo entrar na universidade daqui, mas é muito complicada essa


lista.

— Calma, não vamos tirar conclusões antes do tempo. Vamos


esperar a lista e, enquanto não sai, pensamos em um plano que

viabilize esse tempo a distância. Ellen, meu amor, você não está
mais sozinha, você tem a mim agora. Não precisa se desesperar,
compartilhe suas dores comigo, quero te ajudar assim como você

me ajudou. Eu sempre estarei aqui para você. Sabe disso, não é?

— Sei, Rob. Eu ainda tenho essa mania de ser muito


independente, às vezes, e acabo querendo resolver as coisas

sozinha. Passei a minha vida inteira assim, fica difícil deixar de lado
certos hábitos. Muito obrigada por subir e me ajudar a me acalmar.

Eu te amo.

Damos um beijo reconfortante.

— Céus, deixamos o coitado do Fernando sozinho na sua


própria comemoração. Somos péssimos anfitriões.

— Somos não. A anfitriã mirim está fazendo as honras,


garanto que ele está babando na Flor e nem percebeu o tempo que

passou. Vamos salvar a Flor daquele maluco.

Descemos as escadas de mãos dadas e a Ellen já ensaia


sorrisos. Assim que eu gosto de vê-la, feliz, e moveria céus e terras
para tê-la sempre assim.

— Fernando, mil desculpas. Não era minha intenção deixá-lo

aqui sozinho. Eu me desesperei com uma situação e... Melhor eu


contar direito... — Conta a situação toda ao Fernando. — E foi isso.

Desculpa, de verdade. Te dando trabalho com a Flor.

— Nada disso. Primeiro, eu serei o dindo dela e não tem

trabalho nenhum, ela é uma lady. Segundo, não precisa se


desesperar, Ellen. Estamos todos juntos, somos uma família e você

não está sozinha. Vamos dar um jeito nisso, agora eu quero comer o
bolo e os doces que tentei me segurar para não devorar tudo
enquanto estavam fora.

Tudo voltou ao normal.

Conversamos e sorrimos bastante, a Flor não aguentou muito


tempo e caiu de sono.

Fernando foi embora e ficamos apenas nós, já cansados


porque estava tarde. Nos aprontamos para deitar e hoje dormirmos

juntinhos, apenas aproveitando a companhia um do outro.

Eu estava preocupado em ficar longe dela, mas não queria que


pensasse nisso e sim na sua aprovação.

***

No dia seguinte, acordo um pouco mais cedo e saio para


comprar um cupcake em uma loja onde sou comprador assíduo.

Amo demais o produto deles.

Compro uma velinha, acendo e fui até o quarto acordar minha


namorada que dorme do mesmo jeito que deixei. Eu me aproximo

dela e canto parabéns. Quando ela abre os olhos, fica em dúvida


sobre o que está acontecendo, mas depois entende e solta um

sorriso lindo.
— Parabéns para minha mais nova universitária. Você vai
salvar todos os animais marinhos do mundo, tenho certeza.

— Você espera muito de mim, Rob. Vamos com calma, ainda


temos muito o que fazer até eu realmente entrar na universidade.

Essa coisa do remanejamento, tem os documentos que pedem que


são inúmeros, o problema só começou.

— Mas hoje, senhorita reclamona, vamos focar no positivo e é

a sua entrada como futura bióloga marinha. Trouxe um band-aid


colorido para rasparmos essa sobrancelha.

— Nada disso.

— Vamos sim. Eu raspei a cabeça quando passei, pior

momento da minha vida.

— Como assim?? Quero fotos.

— Impossível, escondida a milhares de chaves. É um filme de

terror aquilo. Agora vamos a você. — Sigo até o banheiro e pego um


barbeador.

Ellen reclama, mas por fim deixa que eu faça. Depois de


raspar, coloco o band-aid e acendo a velinha de novo para ela

soprar e fazer um desejo.

Agora sim.
Para quem visse toda a cena por fora, teria certeza de que eu

estava mais do que feliz com a ideia da minha namorada ir morar


em outro estado, por cerca de dois anos, mas por dentro, eu estava

um inferno, uma dualidade entre querer que ela seja feliz e alcance

tudo o que deseja e o egoísmo de pensar somente na minha


necessidade em querer minha namorada junto de mim sempre.

A palavra certa é exatamente essa, egoísmo, mas um tipo que

contamina a todos nós em certas ocasiões, o que diferencia é o


caminho que você escolhe tomar. Eu escolhi preservar aquele

sorriso incrível, ajudá-la a ser feliz e perceber que agora é apenas o

início de tudo.

Depois desse dia, procuramos locais par alugar, como resolver

a papelada para ela ir, falamos com o advogado sobre sua ida

afinal ela ainda responde ao processo de roubo, a ajudei a decidir o


que levar e tentei ficar o mais próximo possível.

***

Até que em um certo dia, Ellen me disse que conseguiu uma

vaga no dormitório da faculdade e isso irá polpar dinheiro.

— Eu não consigo entender, você prefere trocar uma casa

inteira por metade de um quarto com tantas pessoas?


— Façamos assim, você vai comigo fazer a visita e verá como

as coisas são. Talvez te ajude a pensar melhor do lugar.

Eu penso em negar, mas é uma boa chance de virar o jogo


para mim, apontando os erros.

— Certo, mas se o lugar for esquisito, você aceita o que eu


quero.

Concordamos e marcamos para o próximo fim de semana.

***

Confesso que tive uma surpresa ao ver o lugar que é até legal,
limpo e com pessoas que pareciam legais, além de sentir um pouco

de ciúmes com o dormitório misto, mas preciso confiar nela.

Ela dividirá o quarto com uma menina que faz o mesmo curso
dela.

A alegria de poder conviver naquele ambiente, ter chegado lá e


ter amigos com o mesmo ideal que você, essa alegria eu conheço e

sei que todos devemos ter.

— Certo, você venceu. Dou o braço a torcer, tive muito


preconceito com o lugar e até que era legal.

— Falei para você, cheio de implicância. E ainda vou poder ter


a experiência completa da vida de uma universitária. Estou tão
ansiosa.

— Pelo jeito então você superou a lista de remanejamento?

— Precisei. Fiz os cálculos e percebi que não tenho chances


de ganhar posição. Só estava adiando a resposta que estava na

cara.

Pego na sua mão.

— Sinto muito, meu amor. Sei que queria ficar aqui. Não se

preocupe, vamos dar um jeito.

Nos abraçamos e dormimos.

***

O tempo passava e eram tantos problemas para resolver e

tanta correria que tempo para namorar se tornava cada vez mais
raro.

Chegávamos em casa cansados e loucos para dormir,

enquanto a Flor ficava sempre com uma babá para agilizarmos as


coisas.

Todas os dias e noites, eu observava um pouco a Ellen ou


tentava gravar o máximo do seu cheiro, para os dias que viriam,

porque sei que terei muita saudade e tentarei me impedir de voar

para cima e para baixo só para vê-la. Foi então que tive a ideia,
poderíamos combinar para um jatinho trazer a Ellen para ficar o fim

de semana conosco, seria o dinheiro mais bem gasto do mundo.

No dia seguinte, conto a ideia para Ellen que não aceitou de


primeira.

— Rob, isso é muito dinheiro só para me trazer aqui e ver


vocês. Não estou dizendo que não terei saudade, mas não quero te

prejudicar por causa disso.

— Meu amor, eu pensei nisso por causa da minha saudade.


Quero tê-la por perto, acompanhando o crescimento da Flor. Dessa

forma, ameniza o tempo que passarei sem você durante a semana.

— Esse dinheiro todo, Rob?

— Isso é barato para a empresa, confie em mim. Agora não

precisamos mais sofrer, achando que vamos passar muito tempo


para se ver. O que sente com isso?

— Estou leve, empolgada e queria agradecer muito a você.

— Aceito demais esse agradecimento, mas estamos na frente

de câmeras. Privacidade sempre é bom.

Seguimos para o quarto da Ellen e vou logo tirando a roupa,

mas ela me impede.


— Nada disso. Eu vou tirar, só preciso que uma peça saia da

minha frente. Sente-se aqui.

— Hum, mandona, gostei. Certo, fico parado.

— Dessa vez, eu que vou te fazer feliz.

Eu nem acredito que isso está acontecendo de verdade. Não é

mito quando falam que homens amam um oral, mas precisamos ser
racionais e deixar que as coisas fluam. Não tinha em minha mente

que isso aconteceria hoje, mas me sentia uma criança ganhando um

doce.

Ellen, abre o zíper da minha calça, afasta minha cueca depois

excita meu pau com as mãos, fazendo movimentos para cima e

para baixo, aumentando a velocidade à medida que eu começava a


ficar mais excitado.

Quando já está totalmente ereto, ela lambe a cabeça do pau e

me olha com um olhar safado.

— Relaxe e goze, meu amor.

Ela abocanha tudo de uma vez me levando às estrelas e

depois voltando para esse momento incrível da minha vida.

Minha excitação está no limite e não irei demorar muito para


gozar.
— Ellen, preciso que você me deixe terminar, senão vou gozar
na sua boca.

Ela faz um sinal positivo como se soubesse e quisesse


continuar.

Meu Deus, que tesão!

Não aguento, gozo dentro da boca dela e nunca foi tão forte.

Olho para ela que engole tudo.

Não sei como, mas já estou excitado de novo.

— Bom dia, meu amor. Esse foi o agradecimento, espero que


tenha gostado. Agora vamos tomar café da manhã, estou com muita

fome.

Ellen sai e me deixa ali, acabado.

Esta mulher tem um poder de sedução sobre mim enorme.

Arrumo forças na vida, me arrumo e me levanto.

Vou sentir saudade de manhãs como essa, de alguém para me


tirar a sensação de ter controle de tudo.

Sempre gostei dessa vida que levamos em família, dos sonhos


e objetivos, das metas e planos que criamos. Eu nunca quis

interromper os sonhos da Ellen, mas vendo agora que ela vai para a
faculdade e vai ficar longe de mim, eu preciso fazer alguma prova
de amor para que ela saiba que a distância não será nada para nós.

Vou pedir a Ellen em casamento.

Exatamente isso...

Vou pedir que ela seja a minha esposa.

Ver Ellen à mesa, junto com minha filha, o carinho que tem
comigo, a química que temos juntos, acho que é isso que falta.

Mas antes de pedir sua mão, vou falar com seus pais, quero

que saibam que os respeito e estão presentes em nossas vidas


também.

***

Falta apenas quinze dias para a Ellen viajar, conversei com

seus pais pelo telefone e disse que era urgente o nosso encontro,
mas que a Ellen não poderia saber.

Eles estranharam, mas concordaram e marquei para daqui

dois dias.

Vou até a casa deles, acho que nunca estive lá, pois a Ellen
nunca me levou na sua casa.
É um lugar simples, mas organizado, parece muito com a vida
que eu tinha quando era pequeno e morava com minha mãe.

— Boa tarde, senhor Mender. Desculpe a bagunça, a casa é

simples, mas garanto que a recepção é boa.

— Boa tarde, gente. Podem me chamar de Roberto mesmo,


estava observando a casa porque me lembra muito a casa que

morei com minha mãe, quando era mais novo. Bateu a nostalgia.

— Ah, então veio também de baixo, que nem a gente?

— Sim, minha mãe me criou sozinha, foi uma guerreira. Meu


pai não conheço até hoje, ele nunca se importou também. Com o

salário que ela recebia, não podíamos fazer muita coisa, mas
éramos felizes.

— E sua mãe, onde está?

— Ela morreu alguns anos atrás, quando eu tinha 24 anos.


Descobriu um câncer de mama já avançado e nada pôde ser feito.

— Me desculpa, Roberto, perguntei por que pensei que ela

ainda te acompanhasse. Sinto muito.

— Não se preocupa, agora sinto apenas saudade dela quando


entro nas lembranças.
— E o que podemos fazer por você? Está tudo bem com a
Ellen? A faculdade?

— Está sim, tudo perfeito. Eu queria conversar com vocês


sobre uma ideia que tive. Eu amo muito a filha de vocês, algo que
achei que nunca sentiria. A Ellen entrou como um furacão no meu

caminho e me encantou. Ela tem esse poder, de ajudar e


demonstrar o que sente somente com o olhar. E o seu sorriso é a
coisa mais linda que eu já vi, eu daria o mundo para preservar esse

sorriso. Eu queria muito que ela entendesse o tamanho do que sinto


por ela, mas as vezes é difícil colocar em palavras. Por isso, pensei
em fazer isto. — Mostro o anel de noivado que comprei para ela.

— Você vai pedi-la em casamento?

Todos estão surpresos.

— Sim, vou pedi-la antes que viaje para a faculdade, mas


antes gostaria de saber se tenho a benção de vocês. É um jeito

antiquado de se pedir em casamento hoje em dia, mas sempre quis


que fosse algo assim, como minha mãe desejou também.

— Com certeza, você tem totalmente nossa benção. Sabemos

como se cuida e se preocupa com a sua filha e quando está com a


nossa filha parece que o mundo ao redor não existe, somente vocês
dois. Até um cego nota. Vai fundo — o pai da Ellen diz, sempre

animado.

— Ufa! Agora que deu tudo certo, vou fazer uma festa de
despedida para a Ellen, faltando cinco dias para ela ir embora e vou

fazer o pedido neste dia. Quero muito que vocês não faltem.

— Pode deixar. Vamos providenciar uma folga, damos um


jeito.

Depois desse momento de ansiedade, tomamos um café com

um bolinho e conversamos sobre diversas aleatoriedades. Eu gosto


dos meus sogros, acho que são a visão que eu queria ter dos meus
pais. Acaba que, na minha mente, se transformaram pais para mim

também.

***

Consigo disfarçar a organização das coisas, deixando tudo na

casa do Fernando. Do jeito que a Ellen é, se fosse aqui ela teria


descoberto rapidinho.

Faço o caminho de pétalas, decoro com frases e fotos nossas

e da família, e para finalizar compro um buquê pequeno para o


pedido, pois ela me disse uma vez que detesta esses buquês
grandes.
Tudo está preparado e a minha desculpa para levá-la a casa
do Fernando, já que a festa inteira é uma surpresa, é que eu preciso
buscar um documento com Fernando antes de ir ao cinema.

Ela acaba acreditando quando falo a ela porque é algo normal


que aconteceria.

Estaciono dentro da garagem do Fernando, para que ela não


veja o carro dos outros. Saímos e vamos direto para a sala.

Assim que ela entra um coro de pessoas gritam


SURPRESAAA!

A Ellen nem acredita que todos estão ali, mesmo assim vai

abraçar cada uma das pessoas que estão ali e já está aos prantos
quando vai abraçar seus pais, admito que é um momento bem
emocionante.

Já o meu pedido, organizei para fazer quando todos


estivessem mais relaxados.

Comemos um pouco e conversamos.

Depois de um tempo vejo Ellen conversando com os pais,

então vou até eles e peço licença a levando para um outro


ambiente, um dos quartos do Fernando. Antes que ela fale algo,
acendo a luz e ela vê o caminho de pétalas de rosa.
— Isso é um presente particular, Rob?

— Digamos que sim. Siga o caminho.

Ela vai seguindo até que chega no closet.

Como o quarto estava vazio e o closet também, me deu


espaço suficiente para pendurar diversos momentos nossos, até um
desenho de um carro quebrado e uma baixinha invocada

consertando.

— Que lindo, meu amor! Você consegue sempre se...

Ellen está de costas para mim até que via e dá de cara comigo
ajoelhado com o anel em mãos.

— Superar? Espero que seja isso. Meu amor, eu tive essa


ideia um dia em que acordei e te vi dormindo. Sabia o quanto
sentiria sua falta, mas cada dia que aproxima a sua viagem, sinto

como se perdesse um pedaço de mim. Você, hoje, é meu chão,


Ellen. Minha base, tudo que eu precisava e não tinha noção.
Quando eu percebi a imensidão do meu sentimento por você,

percebi também que não quero ter outra pessoa na minha vida,
quero você para sempre. Ellen Souza, quer casar comigo?

Ela está visivelmente abalada e eu já pronto para levantar com

um sorriso e colocar o anel.


— Não, Rob.

A mensagem foi tão fora do esperado que não processo, tanto

que me levanto com um sorriso e tiro o anel da caixinha, quando


entendo.

— Como assim não? Você não me ama? Tudo o que

aconteceu entre a gente foi só um passatempo ou algo assim. Tudo


estava tão perfeito, Ellen, mas agora você me diz que não quer se
casar comigo. Não estou entendendo?

— Rob, acalme-se, por favor. Eu te amo e vou morrer de


saudade de vocês dois, mas não posso aceitar um pedido de
casamento feito por uma pessoa que só não sabe viver sem ela,

que não consegue lidar com a saudade ou a falta. Um casamento é


feito com o pensamento em ambos os lados, me casar agora não
está nos meus planos, porque eu preciso ainda evoluir em muita

coisa. Preciso focar nos estudos, na minha profissão, fazer tudo o


que você fez para estar aí. Se eu me casar com você, não terei
tempo para o nosso relacionamento e é muito mais complicado isso,

porque vou me culpar também. Não é que eu não queira, é que


esse não é o momento.

Eu fecho a caixinha profundamente magoado.


Ela só pensa na faculdade e futuro.

E nós?

Não estamos incluídos nesse futuro?

— Rob, fala alguma coisa. Fala comigo.

Não tenho como olhar para a Ellen agora, por isso saio do

quarto o mais rápido que posso e passo pelos convidados da festa.

Como só os pais da Ellen e o Fernando sabiam do pedido, eles


se entreolham, estranhando por não ter um casal feliz.

Eu pego o carro e vou dirigindo sem rumo, até que sinto

vontade de parar em algum lugar.

Vejo um bar a frente e nem penso duas vezes. Entro no


estacionamento, saio do carro e vou direto para o balcão.

— Uma dose de whisky duplo, por favor.

O garçom vem com a dose, ele aparenta ter uns 50 para 60


anos.

— Noite difícil?

— Como você sabe?

— O jeito que entrou no bar e que se sentou aí não parecia de

felicidade. Sem contar que pediu direto um duplo, ou é dose de


comemorar ou de esquecer e você está na vibe do esquecer,
acertei?

Coloco a caixinha na mesa do bar.

— Acabei de ser rejeitado pela minha namorada. Por essa

ninguém esperava, então prefiro me afogar no whisky para esquecer


do que lembrar todos os dias que eu não fui suficiente para ser

escolhido.

— Vou te deixar beber em paz, mas saiba que muitas vezes


não é ser suficiente, mas também é buscar quem nós somos e o
que queremos antes de se entregar a alguém. Toda história tem dois

lados, meu amigo. Lembre-se de sempre ouvir o outro lado da


história.

O garçom sai e me deixa reflexivo, provavelmente está certo,

mas neste momento eu não quero perdoar, eu quero me embriagar.

Já estou na terceira dose dupla quando sinto uma mão no meu


ombro.

— Se quiser confusão, hoje eu não sou um pacifista. Vá


embora, por favor.

— Respira fundo, Roberto. Desse jeito vai quebrar uma mão


até o final da noite.
— Fernando? Como me encontrou aqui?

— Sua memória para algumas coisas é tão boa, mas para


outras, credo. Ainda bem que te conheço e sou teu amigo. Foi aqui

que nos conhecemos, o dia em que me “recrutou” para sua


empresa. Do jeito que falava, parecia o exterminador do futuro

“venha comigo se quiser viver”. Eu te achei bem estranho naquele


dia, estava bebendo em uma das mesas, cheio de papel do antigo
trabalho que me pagava mal e me explorava. Lotado de dívidas e

sem saber o que fazer, quando a resposta se sentou à minha frente.

“— Boa noite, você é o Fernando Linhares?

— Cara, eu não quero comprar nada, não tenho dinheiro nem


para pagar essa conta aqui do bar. Me deixa em paz.

— Eu sou tudo o que você precisa?

— Como é? Eu me sinto lisonjeado, mas também não sou gay.

— Fenando, você está entendendo tudo errado. Eu vim aqui te


oferecer um emprego que tenho noventa e cinco porcento de

certeza de que irá aceitar.

— E os outros cinco porcento?

— Margens de erro e burrice. Veja, sei que seu trabalho é

horrível e você está afundado em dívidas. O que me traz aqui é a


sua habilidade no que faz. Alguns meses atrás, sua empresa

mandou alguns relatórios para a minha e foi a primeira vez que vi


algo da área tão detalhado e bem apresentado. Você é pessoa que
preciso do meu lado. Essa é minha proposta.

Eu abro aquele papel e é mais do que o dobro que eu ganhava

por ano.

— Qual a pegadinha? Isso é impossível.

— Bem-vindo ao mundo onde a mágica acontece, senhor

Linhares. Fico muito feliz em dizer que o impossível é só uma


questão de perspectiva. Amanhã receberá um contrato em seu e-
mail. Fico no aguardo da resposta.”

Você veio e saiu superconfiante.

Eu sonhei, naquele dia, em ser você.

— Adorei sua memória e a história, mas não entendi.

— Você não percebe, mas sua coragem e vontade de chegar

longe é contagiosa. Você me contagiou e cheguei até aqui, agora a


Ellen está contagiada e ela quer ser a melhor na área dela, ela
precisa focar nela e não quer dizer que não te ame, mas que precisa

agora de um amigo e namorado leve, não um casamento. Agora ela


quer o Mender que conheceu e que fique junto, a apoiando. Você

está no lugar errado.

— Ela te falou isso tudo?

— Está na hora de você voltar para o seu lugar, meu amigo.

O abraço, agradecendo por me ajudar a entender.

Depois, sigo para pedir perdão a pessoa que eu nunca quis


magoar.
ROBERTO MENDER

Paro em uma floricultura no caminho, penso em comprar um


buquê, mas sei que a Ellen detesta coisas exageradas, por isso

compro uma flor e volto para casa de Fernando, doido para que tudo

desse certo e que não brigássemos hoje.

Entro e todos já tinham ido embora, acho que não deixamos

um clima muito legal.


Volto ao quarto onde estávamos e a Ellen está sentada no

chão, abraçando as pernas, como ela faz quando está magoada ou


frustrada.

O pior é saber que eu e meu egoísmo foram os causadores de


tudo isso.

Entro no quarto, ela ouve meus passos e assim que me vê se

levanta e vai falar algo, mas não deixo.

— Ellen, deixa eu explicar primeiro, depois você pode fazer o

que quiser.

Ela me olha como se esperasse uma resposta.

— Eu fui muito egoísta em querer curar minha dor usando


você ou um anel como apoio para minha fé em nosso

relacionamento. Um casamento não impede ninguém de nada e

nem dá forças, ele é fortificado pelas pessoas envolvidas e eu

estava totalmente no caminho errado. Isso tudo foi motivado pelo

medo de te perder, você é a melhor coisa que me aconteceu e


agora vai conhecer diversas pessoas da sua idade ou vibe e quem

sabe se não conhece outra pessoa. Fiquei com medo, me desculpa,

por favor.
Paro de falar esperando a bronca, a gritaria e a Ellen indo
embora, mas o que recebo é um abraço surpresa e apertado. Essa

atitude nem cogitei ser uma resposta lógica e ali está ela, me

provando que eu também erro feio.

— Eu tive muito medo de que você tivesse ido embora, Rob.

Pensei que, ao recusar o seu pedido, você nunca mais iria querer

me ver. Eu até cogitei em aceitar, não faria mal nenhum, mas sei
que não seria verdadeira comigo mesma, com os meus

sentimentos. Ainda não estou pronta para esse passo e não é

porque eu não te amo. Eu te amo pra cacete, seu bobo. É que tenho

tanta coisa ainda para priorizar, essa distância não vai mudar o que

sinto porque sei que quero você na minha vida. Só preciso de mais

tempo para o próximo passo. Por favor, diga que entende.

— Eu entendo, meu amor. Agora eu entendo, me desculpe por

sair assim.

Ela me olha nos olhos e a única coisa que penso é que eu

preciso desta mulher na minha cama, mas aqui não dá.

Pegamos nossas coisas e a Flor e voltamos para casa.

Deixamos a Flor com o Alfred e subimos correndo para o

quarto. Mal dá tempo de respirar, as peças de roupa vão ficando no


caminho e chegamos praticamente sem roupa na cama.

Eu observo aquele corpo maravilhoso e admito que nunca

pensei que teria uma mulher dessas, linda e que me ama tanto

quanto eu a amo.

Sou muito feliz com o que tenho hoje.

Beijo minha namorada ardentemente, meu nível de tesão está


nas alturas e eu não tenho muito tempo para as preliminares. A

Ellen também parece estar mais preocupada em estar comigo, pois


vai logo tirando o sutiã e a calcinha.

Ela se aproxima pelada e quase não tenho tempo de colocar a


camisinha depois se senta no meu pau devagarinho, apreciando

cada descida. Estou muito sensível e sinto a parede quente e


deliciosa da sua vagina deslizando sobre mim.

Quando tudo está dentro dela, ela começa a rebolar e depois


cavalgar.

Esse truque é traiçoeiro.

— Meu amor, dessa forma vou gozar rapidinho.

— Eu também, meu amor. Vou gozar...

Ela acelera a cavalgada até que nenhum dos dois aguenta


mais e gozamos juntos, caindo cansados logo após.
Como eu amo estar dentro dela, esta mulher é incrível.

Nos limpamos em uma ducha rápida, pegamos a Flor que

dormia apagada no bebê conforto e a colocamos no berço.

Nos deitamos na cama e apagamos.

***

Faltando alguns dias para a viagem, conferimos se falta

alguma coisa da documentação e apenas falta a liberação do juiz.

— Pelo menos, a audiência caiu antes de você viajar, mas foi


por pouco.

— Espero que dê tudo certo?

— Não vejo problemas e o André também não.

Seguimos para a audiência e, assim como prevíamos, foi algo


apenas para constar. O juiz liberou, mas falou que a Ellen precisava
comparecer semanalmente para se apresentar, senão seria dada

como fugitiva. Eles sabem que namoramos e estou responsável por


ela, mais um motivo para ela voltar toda semana.

Vou vê-la todo fim de semana e nem acredito.

— Estou muito, mas muito feliz por você estar aqui todo fim de
semana para me ver, mas acho que isso arruinará um pouco a sua
experiência. Festas e coisas do tipo só na sexta.

— Por mim, tanto faz. Eu nunca gostei dessas agitações

mesmo. Agora sim, estou aliviada e pronta para viajar. Não tem
nada mais que me impeça de ir. Só a saudade mesmo, que vou

jogar para cima quando estiver aqui e vou grudar nos dois.

— Sim, senhorita.

***

O grande dia chega e com certeza terá muito choro.

Os pais da Ellen se despedem dela assim como os amigos. Eu

a seguro com todas as minhas forças, pois quero que ela tenha
alguém que a dê forças para ir.

— Chegou a hora, Rob.

— Chegou a hora, minha baixinha irritada. Cuidado com o voo


e quando chegar preste atenção nas coisas, não se meta em

encrenca e não esqueça o quanto te amo. — Dou um beijo cheio de


saudade. — E que a Flor a ama também.

— Flor, meu amor. — Pega a bebê em seus braços. — Vou


morrer de saudade de você, juro que vou.

— Vou ficar com ciúme, ganhei menos do que isso.


— Seu reclamão.

Enquanto nós dois estamos implicando um com o outro, a Flor

solta algo para destruir os nossos corações.

— Mama.

Damos um tempo para ver se ela fala novamente e ela repete


olhando para a Ellen.

— Meu Deus, ela me chamou de mamãe. Assim eu não

aguento, não faz isso, Flor.

— Ma... Mama... — Ela contina repetindo e a Ellen se


desmanchando em lágrimas, até eu não aguento.

Abraço as duas e ficamos por um tempo, até ouvirmos a


chamada para o embarque.

— Vamos, meu amor. Senão você perde seu voo.

Ellen segue chorando para o embarque e nós ficamos com a

saudade.

Ela mal entrou nos portões e eu já sinto falta desta mulher.

Volto para casa com a Flor e já não sou o mesmo, tudo parece

deserto, sem humor, algo falta e o vazio completa.

***
Algumas semanas se passaram.

As aulas da Ellen começaram em março e já estávamos na

metade do mês, até agora foi só apresentação de professores e da

turma, mas ela estava bastante animada com tudo. A Flor continuou
a chamando de mama toda vez que a via nas chamadas de vídeo.

Para matar a saudade, recorremos ao vídeo, a qualquer hora do dia

um de nós ligava, a não ser que tivesse aula ou reunião, mas

estávamos sempre conectados.

O primeiro fim de semana que a Ellen voltou foi o mais ardente

e mais doloroso. Tê-la em meus braço novamente e ter que dizer


adeus de novo doía todas as vezes, mas sabia que um dia me

acostumaria e tudo era pelo futuro dela.

Depois de dois meses nessa rotina de vídeo chamada e vai e


volta nos fins de semana, nos acostumamos e passamos a fazer

planos para quando ela viesse. Retornamos a noite do filme e fomos

encaixando as coisas.

Uma semana se transformou em um mês que se transformou

em quase um ano.

O tempo costuma passar muito rápido, quando você foca em

outras coisas e tenta não se apegar ao que está em falta no


momento.

Quase um ano se passou e estamos perto do aniversário de

dois anos da Flor.

Fernando comanda há alguns meses a filial do Rio Grande do

Sul e está muito feliz.

— Bom dia, Fernando. Já se acostumou ao frio?

— Deixa de exagero, Roberto. O frio aqui é normal, nada de


matar. E minha afilhada, como está?

— Louca para passar uns tempos com o padrinho, quer não?

— Desculpa, meu amigo. Meu apartamento é impróprio para

bebês.

— Eu acho incrível como você muda de estado, mas consegue

levar seu lado cafajeste para onde vá. Lembre-se que agora você é

o chefe, hein! Cuidado para não levar nenhum processo.

— Desta vez, estabeleci que só pego mulheres que não

trabalhem na Mender. Assim, evito processo e sou feliz.

— Quero ver quando vai se aquietar de vez.

— Nem tão cedo, meu amigo. Agora vamos voltar aos


relatórios, tenho um encontro daqui a pouco.
Fernando não muda nunca, já até desisti de vê-lo fixo com

alguma mulher.

Discutimos os resultados, falamos dos relatórios, ganhos,

projeções e tudo mais. Estou tão orgulhoso dele, cresceu demais


desde que aceitou o cargo e está fazendo um excelente trabalho por

lá.

Sempre recebendo elogios dos altos chefões.

Finalizamos a burocracia e quase esqueço.

— Fernando, esse fim de semana vamos comemorar o

aniversário da Flor de dois anos. Você está lembrando, certo?

— Com toda certeza, que dindo eu seria? Me respeita que o


meu cargo levo a sério.

— Deixa de palhaçada. Chega cedo para curtirmos um pouco,


faz quase um ano que nós três não estamos juntos no mesmo lugar.

— Verdade. Vou adiantar para ir um dia antes e não correr

risco de nada atrapalhar.

Desligamos a chamada e eu fico refletindo sobre onde

chegamos.

Quando o resultado do vestibular da Ellen saiu, um turbilhão

de coisas aconteceram, parecia que ia dar muita coisa errado e que


seria impossível conciliar tudo. Agora, um ano depois, tudo está

dando certo e funcionando.

Nosso relacionamento está mais forte, o Fernando vai indo


muito bem.

O presente as vezes nos pregam peças tentando desvendar o


futuro.

***

Alguns dias se passam e o aniversário da Flor chega.

Desta vez, quem escolheu a decoração foi a própria


aniversariante e pelo jeito não é muito adepta de princesas

tradicionais.

— Ela escolheu Mulan. Quando perguntei o motivo somente


gritou um iaaaaaaa. Então, não sou um bom tradutor.

— Parabéns, padrinho. Conviver com bebês é aprender tantas


línguas que você nem sabe que existem.

— E ter que decifrar tudo, senão o escândalo é ainda maior —

Ellen diz chegando para se juntar a nós.

Como sempre, ela compra as loucuras da Flor e está vestida

com um verdadeiro quimono japonês.


Não vou mentir, ela está gata e me deixando superexcitado.

— Olha quem apareceu, a futura bióloga marinha. Como está

o curso?

— Está lá e eu aqui, destruída com tanta coisa para estudar.


Porque ninguém fala que ser universitária é tão difícil.

— Porque ninguém estudaria. É tudo para ganhar o jovem —


Fernando diz mais uma das suas teorias, mas até que faz sentido.

Rodamos um pouco pela festa, com a Flor nos braços,

cumprimentando todos.

Seguimos o mesmo padrão da primeira festa, chamando a

todos que tivessem filhos ou crianças e quisesse trazer.

Mais pessoas vieram dessa vez, acho que antes pensaram

que seria uma chatice, mas ai descobriram que somos legais. Tudo

graças a Ellen, porque eu seria chato se organizasse.

Batemos milhares de fotos com a Flor vestida de mini

guerreira.

Fotos dos pais, do padrinho e com as crianças.

Sopramos as velinhas e a Flor brincou bastante com algumas


crianças.
É uma felicidade só, eu não me canso dessas coisas, quero
mais.

Aprendi a amar os gritos, os choros, até as noites


maldormidas.

Conversamos muito e, aos poucos, os convidados foram


saindo.

No final, restou um monte de presentes e Ellen e eu olhando a

piscina.

— Cadê o Fernando? Não o vi se despedindo.

— Ele falou comigo quando você estava se despedindo de


outras pessoas. Disse que conseguiu um encontro e precisava ir

embora.

— Meu Deus, ele não muda nunca.

— Nunca. Tenho certeza de que o Fernando não casa, para


falar a verdade que não arruma uma namorada fixa.

— Eu não acho isso, acho que ele é quem mais precisa de

alguém, mas precisa ser uma mulher decidida e misteriosa. Que


saiba deixá-lo intrigado.

— Vamos apostar? Até o final do seu curso, o Fernando não

estará com ninguém fixo.


— Apostado. Certeza que ganharei, o Fernando aparecerá
com alguém que nem imaginamos.

— Quero ver quem vai ganhar essa aposta. Sim, lembrei que
tenho um compromisso na empresa amanhã. Você poderá ir

comigo?

— Em pleno domingo? Algo sério?

— Na verdade, é um lançamento de uma nova área da Mender

S.A. e só consegui reunir o necessário para amanhã. É um daqueles


eventos formais e queria você ao meu lado, quero exibir como sou
feliz ao mundo, além de você ser linda e maravilhosa e deixar os

outros homens com inveja de mim.

— Eu nem queria rir agora, Rob. Só você para me arrancar


uma gargalhada com essas coisas. Tudo bem, vou sim. Pelo menos

passamos o dia juntos, antes que eu volte para a universidade e as


provas.

— Não vejo a hora dessa agonia toda terminar e ter você perto

de mim, todos os dias, sabia?

— Eu também, Rob. Morro de saudade de vocês dois quando


estou lá. Eu me concentro o máximo possível para passar em tudo e
nada atrapalhar minha transferência.
— Você vai conseguir, tenho certeza.

Eu sabia que ela conseguiria, porque se não funcionasse pelo


método normal, eu me meteria nisso. Impossível ficar calado e

deixar minha namorada longe de mim por tantos anos.

***

No dia seguinte, nos arrumamos e parecemos dois executivos

com aquelas roupas.

A Ellen está linda e irá morrer ao saber o que eu estou


planejando.

Deixamos a Flor com uma nova babá, que contratei assim que

a Ellen foi para a universidade, e saímos de casa às 9 horas, a


coletiva será às 11 horas.

Chegamos e já está repleto de repórteres. Tudo organizado e

um palco para o anúncio que eu farei bem em frente à entrada da


Mender S.A.

— Meu amor, você vai ficar sentada lá em cima, junto com os

outros funcionários. Não se preocupe, é até melhor para preencher


lugares. — Tenho que usar uma desculpa, pois a Ellen odeia
holofotes.
Subimos no palco montado e as outras pessoas, inclusive a
Ellen, tomam seus lugares.

Começo meu discurso.

— Bom dia, pessoal. Desculpem trazê-los em pleno domingo


até aqui, mas estava difícil conseguir todas as peças no mesmo

lugar. A Mender S.A. vem ganhando cada vez mais mercado, com
uma filial no Rio Grande do Sul e já visando outros estados, quem
sabe até países, para as próximas filiais. Entretanto, nesse caminho,

uma pessoa me despertou um novo olhar do mundo. Nós, que


estamos encabeçando a economia, temos em nossas mãos a
responsabilidade por também fazer algo pelo mundo, pelo meio

ambiente. Se não pensarmos nisso agora, que estamos evoluindo,


talvez não tenhamos mais natureza quando chegarmos ao topo. Por
isso, a Mender S.A. anuncia a criação do projeto “O futuro é agora,

o futuro somos nós”. Vamos investir em sustentabilidade, em


melhorias de processos para a nossa empresa diminuir a
quantidade de poluição e reconstituir a natureza.

Recebo inúmeros aplausos e os repórteres tiram várias fotos já


com as mãos levantadas para perguntas, mas eu ainda não tinha
terminado.
Olho para a Ellen e ela sorri feliz.

— Calma, ainda não terminei. Só mais uma coisa, o projeto vai


começar em um ano, com pesquisadores e cientistas encabeçando
todo um novo laboratório, mas queremos também mentes frescas,

com novas ideias e uma nova visão. Por isso, anuncio a primeira
estagiária do projeto, a futura bióloga marinha, Ellen Souza. — Olho
para ela que está imensamente surpresa.

Peço para ela se levantar e cumprimentar, mas ela parece um


robô, morta de vergonha e louca para saber que ideia é essa.

Depois respondo inúmeras perguntas e tiramos várias fotos.

Quando chegamos em casa, sou bombardeado pela minha

repórter particular.

— Que ideia foi essa, Rob? Você podia ter me preparado, eu


nem acreditei quando você anunciou meu nome. Meu Deus, meu

coração está acelerado até agora.

— Tenho certeza de que você pensou que eu te daria o


controle do projeto, estou errado?

— Com certeza pensei nisso. Quando falou de visão nova, já

comecei a suar pedindo que você não fizesse isso. Embora nervosa,
estou muito feliz em ser a mais nova estagiária do programa.
— Eu te conheço, meu amor. Você vai começar de baixo e vai
subir de cargo de acordo com seu próprio esforço, não irei interferir
nisso. Agora é você quem decide se quer chegar longe ou não.

— E como vou fazer para conciliar o estágio com a faculdade?

— Não se preocupe. Levarei um ano para liberar tudo e


equipar o laboratório e o lugar, ainda terei que escolher a equipe e
tudo mais. Depois disso, vai levar um tempo com as pesquisas, é

quando você volta. Em um ano estará aqui e começa o seu estágio,


o tempo certo.

Ela pula no meu colo e me enche de beijos.

— Muito obrigada, Rob. Já tenho tantas ideias, vou


amadurecer tudo para daqui um ano eu estrear de forma magnífica
no meu estágio. Você é incrível, sabia? Não sei o que seria de mim

sem você me dando tanto apoio e me fazendo seguir em frente. Te


amo, Rob.

— Te amo mais, baixinha.

Nos beijamos e eu olho para aquela felicidade.

Ela me conta o que tinha pensado já e tudo o que queria fazer.


Enquanto só pensava em como eu queria chamá-la de esposa,
colocar uma aliança no seu dedo, mas não toquei mais no assunto.
Sei que as coisas precisam andar no tempo certo e quando
chegar a hora, nós saberemos.

O que eu mais quero, de verdade, é tê-la ao meu lado para o

resto da vida. Fora isso, nada mais importa, porque eu me sinto


capaz de qualquer coisa com ela ao meu lado.

***

O tempo passa e chegamos ao Natal.

O Dia de Ação de Graças foi igual ao do ano passado, com


toda a família junta e feliz, mas dessa vez o mais importante seria o
Natal.

Será o primeiro com os três juntos, de verdade. Sem a Olga ou


qualquer outra pessoa para interferir na nossa felicidade.

Decoramos a casa toda, deixamos a árvore para o final, para

decorarmos juntos com direito a muitas fotos em família.

A casa está linda, dessa vez o feriado seria entre nós e os pais
da Ellen. Fernando não conseguiu sair a tempo da filial e iria passar

por lá mesmo, mas ele fez uma chamada de vídeo para mandar
diversos beijos para todos e ver a sua afilhada totalmente fofa
vestida de Elfo.
— Como eu posso perder uma coisa dessas! Amanhã estarei
aí e quero que vocês a vistam assim de novo. Preciso dessas fotos.

Nunca pensei que o Fernando faria o tipo de padrinho coruja,


mas ali está ele.

Trocamos presentes, conversamos e sorrimos bastante.

Meu sogros tiraram diversas fotos agarrados com a Flor.

Foi uma alegria total.

Chegou um momento em que estamos decidindo como tirar a


foto de família, queríamos algo engraçado entre nós três e Ellen e

eu não chegávamos a um consenso, coloco a câmera no sofá e


continuo pensando em ideias com ela.

De repente Flor aparece correndo e nos enchendo de beijos e

essa é a nossa foto em família.

***

Em seguida, veio o Ano Novo e viajamos para o interior do


estado.

Passamos a virada em Campos do Jordão, um lugar frio e


aconchegante, somente nós três e a babá.
Depois da virada do ano, transamos no primeiro dia do ano,

para manter a tradição. Estamos na cama, abraçados, quando a


Ellen me pergunta.

— Rob, você nunca mais tocou no assunto casamento. Eu te

magoei tanto assim?

Viro para olhar em seu olhos ao responder.

— Meu amor, você não me magoou, eu que pensei que


precisava me casar com você por algum motivo idiota e que não

valia a pena. O nosso casamento vai acontecer um dia e pelos


motivos certos, pelo nosso amor, pelo nosso carinho e quando

ambos estivermos prontos. Eu estava, mas não quis aceitar você


não estar e isso foi errado. Não se preocupa, nada mudou entre nós
dois, somente está cada vez mais forte e agora é contagem

regressiva para você estar perto de mim novamente.

— Sim, contando os meses.

Nos beijamos e nunca me sinto tão leve na vida.

Isso é viver com quem se ama, isso é ser feliz.

Passamos o Ano Novo e mais alguns dias das férias da Ellen

viajando, aproveitando ao máximo até que ela precisou voltar para a


universidade.
Nos despedimos mais uma vez, mas agora a cada despedida
tínhamos um sorriso, porque era uma semana mais perto do fim da
agonia.

O ano passou rapidamente, com a Ellen imersa nos estudos e


nas provas.

O tão aguardado julgamento aconteceu e teve um fim

satisfatório para ela. Com a ajuda das provas que tínhamos os


investigadores descobriram que o ex-namorado da Pam, o Rick,
estava por trás de tudo e era um dos cabeças de uma quadrilha que

operava em conjunto em diversos hotéis. Nesta quadrilha incluía o


ex- gerente do hotel, Alfredo, e o recepcionista.

A maioria fugiu, inclusive Rick, mas muitos deles foram presos

e Ellen foi inocentada de todas as acusações.

Enquanto o tempo passava eu estava organizando tudo para


que o projeto corresse junto com o cronograma, tudo dentro do
planejado. Além disso, a casa precisou passar por ajustes para a

nova fase da Flor, onde ela achava linda as tomadas e queria


colocar o dedo dentro de todas elas. Eu enlouqueci tapando todas e
colocando cantos emborrachados para evitar acidentes em quinas

de móveis. Ela estava empolgada com tudo, inclusive com a parte


de fora da casa. Por isso, coloquei uma rede em toda a piscina para
evitar tragédias.

Esse ano nada poderia acontecer de errado e quero minha

filha segura.

Ellen voltou para casa, em um dos últimos fins de semana,


louca com os estudos e vi sua agenda aberta na mesa do escritório.

Segundo o calendário, a resposta para a transferência dela já


deveria ter saído, mas se ela não disse nada ainda é porque não
sabia.

Estava curioso e coloquei na minha agenda para entrar em


contato com a universidade.

Na segunda-feira, falo com o setor acadêmico e descubro que

a transferência da Ellen foi negada. Quase dei um grito no telefone,


mas precisava manter a compostura. Perguntei o motivo e ninguém
sabia me dizer, mas como não fico sem respostas, pedi para a

secretária, a que substituiu a Marissa, encontrar quem era o reitor e


tudo sobre ele.

Descobri que ele desviava fundos da universidade para

proveito próprio, nada de novo, mas também descobri o motivo do


problema, então decidi ligar para ele.
— Bom dia, gostaria de falar com o reitor, diga que é urgente.

A secretária pergunta quem eu sou e nem pensou duas vezes

quando disse o nome.

— Senhor Mender, bom dia. Que surpresa o senhor entrar em


contato comigo, em que posso ajudar?

— Senhor Arthur, estou com um problema com uma de suas


alunas, a Ellen Souza. Ela está cotada para ser minha primeira
estagiária no projeto que vou lançar em breve e pediu transferência

para estudar aqui no estado, mas soube que a transferência foi


negada e não me disseram o motivo. O senhor pode me explicar?

— Deixe-me verificar, só um momento. Senhor Mender, peço

desculpas, mas um aluno importante precisou ser transferido de


última hora. O senhor entende, certo?

— Você diz o filho de um empresário do ramo do açúcar que


foi pego traficando cocaína? Sim, entendo quem é ele, mas não vou

admitir que uma aluna excepcional não possa ser transferida e


tenha seu futuro mudado. Aprove a transferência dela também, por

gentiliza.

— Sinto muito, mas não posso fazer isso, existem regras sobre
a quantidade de alunos e eu não posso...
— Você pode e vai, porque se não fizer isso vou colocar nos

jornais a corrupção em que está envolvido, a forma com que usa as


verbas educacionais e as transfere para a sua conta. Gostaria disso,

senhor Arthur?

Há um silêncio na ligação.

— Pode deixar, senhor Mender, providenciarei com urgência a


aprovação da transferência da aluna. Estamos resolvidos?

— Só mais um detalhe, você vai devolver o dinheiro que


roubou da universidade e eu estarei de olho, se não for devolvido ou
voltar a roubar, pode apostar que sua carreira acadêmica está

acabada. Tenha um bom dia.

Desligo o telefone, agora estou tranquilo.

Não é nem 10 da manhã e já tinha acabado com um caso de


corrupção, estou orgulhoso de mim mesmo.

Não contei nada a Ellen, se ela soubesse ficaria furiosa porque


interferi e queria que ela me contasse a surpresa.

***

Espero até o fim de semana e assim que nos encontramos ela

pula em meus braços.


— Rob, aprovaram minha transferência. Eu poderei estudar
aqui e vamos acabar com essa agonia de ponte aérea. Nem
acredito, estou tão feliz. Não te contei antes por que queria fazer

surpresa.

— Nem acredito, meu amor. Finalmente deu certo. Você se


esforçou muito para isso, mereceu tudo. Vamos comemorar hoje. —

Faço o meu maior papel de ator da vida.

Finalmente, minha família estará unida mais uma vez, foram foi

longos anos de espera, mas a espera funcionou.

Por ela, eu esperaria o infinito. Ainda bem que não foi preciso
tanto tempo.
ROBERTO MENDER

Assim que Ellen chega de viagem, com as últimas coisas da


mudança do dormitório, ela é tomada por uma enorme surpresa. Em

segredo, organizei uma festa de boas-vindas com sua família, seus

amigos e o Fernando por vídeo chamada, pois ele me fez segurar o


tablet para participar também.

Alfred abre a porta e é uma enorme gritaria.


— SEJA BEM-VINDAAAAAAAAA!

Depois do susto inicial, Ellen cai no choro e comemora com

todos nós.

Nós sentíamos saudade, mas ela deveria ser a mais aliviada


por tudo dar certo, afinal era ela quem estava em um ambiente

estranho e conhecia poucas pessoas, já que todo fim de semana

precisava voltar para casa.

Deixo que todos a abraçassem e, por fim, ela vem correndo

até mim e me dá um longo beijo seguido por um abraço bem forte.

— Rob, você não cansa de me surpreender, não é?

— Eu amo vê-la assim, feliz e sorrindo. Gosto ainda mais de


como fica quando não sabe o que está acontecendo. — Começo a

rir dela e levo um beliscão.

— Um dia será a minha vez, vou te surpreender e você não vai

nem esperar.

— Duvido muito, minha cara. Estou sempre vários passos à

frente, mas pode tentar. E aí? Como é estar de volta? Vai sentir

saudade da universidade de lá?

— Não vou sentir, porque sempre pertenci aqui. Estar de volta

é estar em casa e não existe outro lugar em que eu queira estar.


Incrível como ela sempre tem uma resposta na ponta da
língua.

— Certo, senhorita boa de resposta, agora vamos aproveitar

sua festa. Temos muitos anos pela frente para implicar um com o

outro.

Conversamos com todos e brincamos.

A Flor está numa felicidade só, agora está montando seu

vocabulário e já fala algumas frases, outras somente nós dois

conseguíamos traduzir por costume. Eu me sentia aprendendo uma

nova língua mesmo, mas adorava vê-la balbuciando palavras.

Depois do momento de descontração, a Ellen já caiu dentro do


projeto para começar o estágio.

Ela precisava aproveitar suas férias para entender tudo o que

acontecia e não se atrapalhar quando voltar a estudar.

Eu tenho muito orgulho da pessoa que está ao meu lado,

esforçada, luta pelo que quer, carinhosa, uma mãe perfeita para a
Flor. De certa forma, a Ellen lembra muito o meu eu do passado.

Quando comecei a Mender foi exatamente assim, lutando e

correndo atrás de tudo.


Os dias foram passando e todos os dias a Flor ficava com a

babá enquanto Ellen e eu íamos juntos para a empresa.

Nos despedíamos quando chegava no seu andar e eu seguia

para o meu escritório.

***

Um certo dia estou trabalhando em alguns papéis quando o


interfone toca.

— Senhor Mender, o senhor Felipe está aqui para te ver.

Peço que o mande entrar.

Não sei o que ele quer, mas estou curioso.

— Bom dia, senhor Mender.

— Bom dia, Felipe. Aconteceu alguma coisa?

— O senhor pediu que eu ficasse de olho no caso da Marissa

também. Acontece que ela vai ser solta hoje, por causa do bom
comportamento sua pena foi diminuída em alguns meses. Precisa

que eu faça algo, marque uma reunião com ela?

— Faça esse favor para mim, mas quando marcar a reunião


não diga que sou eu. Envie uma mensagem informando que um
amigo deseja encontrá-la.
— Pode deixar. — Felipe sai da minha sala e eu interfono para

a Ellen.

— Ellen falando.

— Meu amor, preciso conversar com você, pode falar?

— Posso sim, o que aconteceu?

— A Marissa sairá hoje da prisão, teve a pena reduzida por

bom comportamento. Eu fiz uma promessa a ela no tribunal,


lembra? Prometi que a ajudaria quando saísse, por isso marquei

uma reunião para amanhã, você quer ir também?

— Não, Rob. Vá apenas você, ela se sentirá mais à vontade.

Depois me conta o que aconteceu.

— Certo, te amo. — Desligo o telefone e ligo para o André.

Peço que ele organize todas as informações sobre a empresa


do pai da Marissa, pois eu quero saber se conseguirei comprá-la.

Depois de algumas horas ele me informa que a empresa está


à venda há um bom tempo, mas que ninguém quer comprar por

causa do montante de dívidas que virá junto. Peço para ele agilizar
a compra.

Felipe me informa que conseguiu marcar com Marissa para o


dia seguinte, o que me dá tempo suficiente para efetivar a compra
da empresa.

***

No dia seguinte, na hora marcada, vou até o restaurante me

encontrar com a Marissa. A vejo de longe, e ela não mais parece a


secretária impecável que trabalhou comigo, agora parece uma

mulher que perdeu as esperanças e eu espero devolver pelo menos


um pouco disso, mas quero ter certeza de que ela mudou e fez o
que me prometeu, seguir um novo caminho na vida.

Eu me aproximo da mesa, ela me vê, fica um pouco surpresa e

disfarça tomando sua bebida.

— Boa tarde, Marissa. Como você está?

— Boa tarde, senhor Mender, estou bem. Levando a vida como

posso e você? Achei que já estaria casado.

Eu também, mas não vou falar nada porque só diz respeito a


Ellen e eu.

— Não precisa de pressa na vida. Vamos direto ao assunto,


recebi sua avaliação e vi que você realmente se empenhou em

mudar. Melhorou, agiu de acordo com a lei e foi uma detenta


exemplar.
— Eu fiz de tudo para cumprir minha parte, espero que confiar
na sua palavra não tenha sido um erro.

— Não se preocupa, Marissa. Eu cumpro minhas promessas,


mas preciso que você seja sincera comigo. Você está bem

fisicamente e mentalmente para esse desafio? Vou te entregar uma


empresa com dívidas, vou pagar todas para comprar a empresa,

mas você precisará pagar a mim para tê-la em seu nome. Está
pronta para comprar uma briga com a sua família?

— Nesse tempo em que fiquei presa ninguém da minha família

foi me visitar. Eu não tenho família, senhor Mender. Eu confio em

mim e pode apostar que pago minhas dívidas.

A observo e vejo, no fundo dos seus olhos, aquela chama

voltando a brilhar, só espero que ela não vá mais para o lado da

vingança do que pela justiça.

— Acredito, só uma coisa, apenas um conselho, vingança

todos nós queremos, mas não faça nada que possa se arrepender

depois. A linha que separa a justiça da vingança é muito tênue. —


Eu me levanto para ir embora e me lembro de algo. — E saiba que

você não está sozinha, eu sou seu amigo. Meu advogado passará

os detalhes da reunião para a compra da empresa. — Vou embora


deixando uma mulher um pouco mais viva, diferente da que tinha

antes, o que já é um avanço.

Felipe consegue marcar a reunião com todos os papéis em

mãos, alguns dias depois.

Acho que a Marissa somente acreditou que eu cumpriria minha

palavra quando viu tudo sendo resolvido.

***

Volto para casa, cansado, mas feliz por ter terminado tudo do
jeito que eu queria, com a justiça sendo feita.

— Ellen, cheguei. Onde vocês estão?

Ellen sai da cozinha com a Flor caminhando empolgada,

quando me vê ela corre para os meus braços e eu babo, eu me

tornei um pai coruja, totalmente.

— Cadê a filhota de papai?

Flor começa a rir sempre que eu converso com ela com outra
voz, então a levanto e a faço voar como um avião no ar.

— Deu tudo certo com a Marissa, Rob?

— Foi complicado, mas deu sim. Chegamos para falar com o

pai dela e ele não sabia que ela já havia saído da prisão. Quando
soube que eu comprei a empresa e coloquei no nome dela, ficou

furioso e quis passar do limite, avançando nela. Eu a protegi e disse

que sempre estaria de olho, que ele seria um funcionário da


empresa da filha para pagar as dívidas que fez e se saísse da linha,

eu que o colocaria na cadeia. No final, saiu da reunião revoltado,

mas não tem o que dizer. Marissa chorou muito no final e pediu um

milhão de desculpas por tudo o que fez, assim como a você e falou
que ela tem uma dívida eterna conosco, que no momento que

precisar estará disponível. Bem, agora será um longo caminho para

endireitar a empresa e pagar tudo, mas confio na capacidade dela.

Ellen vem em minha direção, me dá um beijo e um abraço.

— Adoro seus beijos, mas esse tem algum motivo?

— Somente agradecendo por você estar sempre pronto para

lutar pelo que é justo e dar espaço as mulheres neste mundo. Eu te


amo, sabia?

— Hummm, não sei. Pode falar de novo?

— Eu te amo, te amo, te amo infinitamente.

— Acho que estou começando a entender.

Terminamos a noite felizes, em família e agradecendo por tudo

que passamos, foi isso que nos uniu e nos tornou mais fortes.
Os dias foram passando, depois as semanas, meses e quando

menos esperamos se passaram anos.

A Mender S.A. progredindo sempre, agora com filiais nos EUA

e na Europa. Fernando implementando as filiais pelo Brasil,


comandando cada vez mais e com o posto de meu braço direito

intacto, como sempre.

Ellen e eu estávamos perto dos cinco anos de relacionamento


e a Flor com quase 6 anos, uma garota com opiniões fortes e que

sabe o que quer. Muito orgulho da minha filha, esforçada na escola

e ansiosa por aprender tudo o que estiver ao seu alcance. Isso sem
contar ver seu cabelo ondulado que voava pela casa quando ela

corria e a Ellen ia atrás, para tentar conter o furacão.

Nossa, nunca achei que minha paz estaria nesse caos, nesse
tipo de caos.

Eu sorria ao vê-las juntas, me sentia completo, com a vida


perfeita e tinha medo, claro que tinha. Medo de que algo

acontecesse e me roubasse a felicidade, como aconteceu com o

meu primo, mas sei que não posso deixar esse medo ganhar força.

Preciso viver no presente e o futuro só Deus sabe.


— Amor, como andam as coisas da sua formatura? Tudo certo

para esse fim de semana?

Assim como o tempo passou, a Ellen também conseguiu


vencer a universidade e se formar no tempo do curso. Ela estagiou

e estudou, deu o máximo de si e se destacou dentro do laboratório

do projeto que criei alguns anos atrás.

Nunca duvidei da sua capacidade, por isso preparei o melhor

presente para o final.

— Sim, Rob. Tudo certo. Vamos ter a cerimônia e o juramento

nesta sexta-feira e no fim de semana podemos fazer a nossa

viagem de comemoração. Nossa, nem acredito que cheguei até


aqui. Quando comecei o curso, senti como se precisasse um

caminho sem fim, tudo parecia distante. Agora, olho para trás e nem

parece que se passaram cinco anos da minha vida e agora sou uma

bióloga marinha. A vida é engraçada.

Realmente, como as coisas mudam em tão pouco tempo.

Um tempo atrás, eu salvei o amor da minha vida de ser presa

por algo que não cometeu e agora ela está livre de uma vez por

todas, inocentada.
— Com a liberdade em mãos, bióloga marinha praticamente

formada, agora você pode ir aonde quiser. Decidir o seu destino. O


que tem em mente?

— Por enquanto, nada, mas sei exatamente onde quero estar

e é aqui, com você ao meu lado e a Flor com nós dois.

— Mamãe, Papai, o passarinho está perto da piscina,

precisamos salvá-lo. Me ajudem, por favor.

— Certo, meu amor. Vamos ajudar o passarinho.

Quem manda aqui, de verdade, é a Flor, é um consenso entre


os pais e o padrinho.

Nós só fingimos que não é assim para conter a mini fera.

Eu me levanto sorrindo indo atrás do meu pequeno pedaço do

paraíso.

***

A festa de formatura foi perfeita e a Ellen estava maravilhosa.


Ela foi a oradora e o seu discurso emocionou a todos, inclusive a

mim.

Festejamos, curtimos muito e bebemos à vontade.


Adiei nossa viagem por alguns meses, precisava de tempo
para organizar algumas coisas e ainda faltava eu dar o meu

presente.

Chamo minha namorada em um fim de semana, para ver algo

no projeto, consigo enganá-la com alguns documentos.

— Pronto, agora estão organizados. Poderíamos fazer isso em

casa, não?

— Não, porque precisa ser na empresa para que a posse seja


oficial e ter uma testemunha no lugar.

Fernando entra e assusta a Ellen, que não esperava sua


presença.

— Fernando? Mas você estava atolado de coisas, rodando o

país pelas filiais. Eu não estou entendendo o que está


acontecendo?

— Então, meu amor. Você se formou e eu ainda não dei o seu

presente e acho que não existe lugar melhor do que onde estamos
para poder falar isso para você. — Entrego uma pasta com
documentos em suas mãos. — Cuide como uma filha, trabalhe

todos os dias para fazê-la crescer e coloque muito amor no que faz,
porque problemas aparecerão, mas você não irá desistir, pois sei
que acredita no seu trabalho. O projeto, que se transformou em
startup, “O futuro é agora, o futuro somos nós” é seu, está
totalmente em suas mãos. Parabéns, bióloga Ellen Souza.

Ellen olha para o Fernando batendo palmas depois para mim

com um olhar pasmo, como quem não está acreditando no que está
acontecendo.

— Nada disso, Mender. Não aceito este presente, esse

investimento, tudo. Isso custou uma fortuna e não é para ser meu.
Você sabe como sou.

— Sei tanto como você é que já previa que iria rejeitar, por isso

coloquei essa pasta em suas mãos. Você, minha cara, assinou um


contrato para começar o estágio anos atrás, mas não leu as letras
miúdas. Nela, coloquei a cláusula que se você se formasse dentro

do tempo do curso, se tivesse boas avaliações nos relatórios de


estágio e se decidisse ficar aqui, no estado, a startup passaria a ser
sua em caráter imediato. Agora é sua.

— Eu posso processar, não sabia disso.

— Pode tentar, mas sei que não vai gastar esse tempo todo,
sabendo que vai acabar aceitando no final. Lembre-se das cláusulas

que acabei de falar, não lhe dei de forma arbitrária. Você estudou
muito para se formar, você se dedicou bastante ao estágio, e por
último me confirmou que está bem aqui. Pensei nessa última
cláusula porque não queria prendê-la aqui, queria que fosse da sua

escolha. Tudo isso, foi você quem conseguiu.

Ellen reflete sobre tudo o que eu disse, fica um tempo lendo os


documentos e tentando entender como saiu de uma bióloga para

uma empresária bióloga.

Sei como é esse sentimento, de vez em quando me lembro


dele, de quando senti quando era jovem.

— Roberto, a champagne vai ficar quente. — Fernando diz nos


trazendo de volta à Terra.

Eu me aproximo da Ellen para conversar e acalmá-la.

— Meu amor, não precisa enlouquecer ou ter medo. Fernando

e eu estaremos com você, esse caminho será trilhado em conjunto


até que você se sinta bem no seu cargo. Apenas foque no bem que
vai fazer ao mundo, o resto a gente dá um jeito.

Ela então se vira e me abraça, chorando de felicidade.

— Obrigada por acreditar tanto em mim... Obrigada por tanta


coisa que nem sei contar... Obrigada simplesmente por existir.

A abraço bem forte, feliz com suas palavras.


Do nada, a champagne estoura e tomamos um susto.

— Parabéns, Ellen! Uhuuuuu. Vamos tomar logo essa

champagne, não aguentei esperar vocês, conversam demais —


Fernando diz virando uma taça. — Vamos logo.

Comemoramos e conversamos um pouco.

A Ellen está radiante, com todo o futuro que a espera.

***

Alguns meses passaram e não demorou muito para que ela


assumisse o controle e começasse a fazer mudanças na startup.

Muito empenhada, às vezes ficava noites acordada,

imaginando como deveriam ser algumas coisas.

Eu não me importava com a sua dedicação, porque já estive


nesse nível dela, mas comecei a ficar preocupado com a sua saúde.

Acordava vomitando, enjoava fácil com as coisas, vivia com


sono, não comia direito. Ela me dizia sempre que estava tudo bem,
mas não parecia assim.

Teve uma noite que a peguei chorando e não entendia o

motivo. A questionei e ela me disse que estava bem, mas que


passaria uns dias com os pais, pois sentia saudade e queria

conversar com a mãe.


Comecei a ficar preocupado se o problema não era o

relacionamento e se ela estava mal por estar comigo.

Sei que é loucura, mas para quem não tem respostas o que
restam são as teorias.

Entre idas e vindas entre as casas e a minha preocupação

quase na base da loucura, a Ellen resolve conversar comigo, sem


que sejam coisas triviais.

— Rob, posso falar com você um instante?

— Claro, meu amor. Entre — Estou trabalhando no escritório.

— Pensei em viajarmos, o que acha? Fazer aquela viagem da


minha formatura que adiamos, somente nós três. Podemos viajar

pelo estado mesmo, assim não ficamos longe demais do trabalho e


podemos curtir um pouco como família.

Com certeza eu topo, isso é uma ideia maravilhosa para a


gente se reaproximar e eu entender mais do que está acontecendo.

— Estou dentro. Pode ser neste fim de semana?

Ela confirma e me diz que quer conhecer Serra Negra, lugar


interessante. Na mesma hora eu marco a viagem e planejo tudo.

Estou ansioso para resolver esse problema.


***

Viajamos e ficamos em uma pousada maravilhosa, próxima a


um campo de flores de lavanda.

Eu amo aquela flor e a paisagem é magnífica.

Organizamos nossas coisas, andamos um pouco ao redor e


fomos conhecer um pouco mais do lugar.

À noite, jantamos na própria pousada e experimentamos uma

receita da família da dona do lugar, que por sinal está deliciosa.

Está tudo perfeito, a Ellen sorri e se diverte.

Acho que foi o ambiente opressor do trabalho, sei como é essa


pressão horrível que sentimos.

Seguimos para o quarto um pouco tarde, mas estava ansioso


pelo outro dia.

***

No dia seguinte, acordo e percebo que estou sozinho na cama.

Chego a pensar dormi demais, mas olho no relógio e percebo


que está cedo ainda.

Eu me visto e quando estou para sair do quarto, vejo Flor


parada na porta.
— Bom dia, papai. A mamãe me disse para entregar esse
cartão ao senhor e que precisa seguir as regras certinho, sem

trapacear.

— Bom dia, Flor. Certo, vou seguir. — Estranho, mas vou topar
o jogo.

A carta pede para que eu siga o caminho de pétalas de flores e

que, quando visse uma cadeira, se sentasse e assistisse o tablet.

Super normal criar algo assim, espero que a dona da pousada


não se assuste com as nossas loucuras.

Desço, encontro o caminho, sigo certinho e encontro a cadeira

virada para o campo de lavanda. Eu me sento e ligo o tablet que


está pausado em um vídeo da Ellen.

Agora eu não sei se estou mais curioso ou preocupado.

Dou play no vídeo.

“Olá, Rob.

Você deve estar super perdido agora e sem entender nada,


não é?

Calma que tudo vai se ajustar.


O destino é algo muito engraçado, nos conhecemos e nos
odiamos, mas não paramos de pensar um no outro desde aquele

dia em que eu troquei seu pneu e você, todo pomposo, não desceu
do pedestal nem para agradecer.

Novamente nossos caminhos se cruzaram com a minha

audiência e você aparecendo para me salvar.

Naquele dia você agiu como um cavaleiro branco, mas se


escondeu atrás da armadura de um homem que não tem

sentimentos.

Mas eu já via sentimentos em você ali.

Vi quando me ajudou no tribunal, quando me ofereceu ajuda


no momento que eu mais precisava, quando a Flor ganhou seu

coração e tudo isso enquanto o nosso relacionamento crescia.

Você sempre foi o meu cavaleiro branco, meu amor.

Eu falei que certos compromissos só podem ser assumidos

quando estamos no mesmo momento.

Hoje é esse momento, você pode se levantar da cadeira e


olhar para trás agora.

Te amo.”
Aquela declaração foi linda e arrancou uma lágrima minha,

mas me viro curioso e nada me preparou para aquilo.

Ajoelhada com uma caixinha de alianças nas mãos, está


minha namorada e eu não consigo falar nada.

— Hoje, Rob, estou no mesmo nível que você sempre esteve.


Hoje, posso me entregar por completo, pois não existe algo que
possa atrapalhar a nossa família. Você entrou no meu coração da

forma mais divertida da vida e provou que ódio é capaz de se


transformar em amor, basta que você esteja disposto a conhecer
mais sobre a pessoa. Obrigada por ter paciência, por ser meu

mundo e me ajudar a criar o meu. Desta vez, sou eu quem estou


ajoelhada para te fazer uma pergunta, Roberto Mender, quer se
casar comigo?

Nesta hora eu já estou encharcado de lágrimas, choro feito


uma criança com tudo aquilo, mas é um choro de felicidade.

Vou até a Ellen, a ajudo a se levantar, a abraço e digo em seu

ouvido.

— Sim, mil vezes. Quero me casar com você desde o dia em


que te pedi e esse sentimento não mudou. — A beijo com vontade e
colocamos as alianças. — Agora ódio é uma palavra muito forte.
Rancor de leve.

Sorrimos com a piada, mas parece que a surpresa não tinha

acabado porque a Flor vem em nossa direção com uma caixa.

— Flor, meu amor, que caixinha é essa?

— É para abrir, papai, com a gente aqui. Abre, abre.

Com tanta insistência abro e encontro um par de sapatinho

amarelo de bebê, um teste de gravidez e no fundo da caixa uma a


mensagem, “Parabéns, papai.”

Meu coração quase para e preciso me sentar no chão.

Não, não acredito, é muita coisa para um dia só!

— Calma. Ellen, isso quer dizer o que eu estou pensando?

— Se você está pensando que será papai de novo então sim!

— Ebaaaaa, vou ter um irmãozinho ou uma irmãzinha!

Isso é demais para mim e me acabo no choro.

Ellen me abraça e fico ali um tempo, em seu colo, chorando de


tanta felicidade.

Eu terei outro filho e a mulher da minha vida me pediu em


casamento, nossa!
Respiro fundo e então algumas coisas fazem sentido.

— Quer dizer que o enjoo, a falta de apetite e o excesso de


sono era o bebê? E o seu choro, as idas para a casa dos seus pais?

— Eu chorei naquele dia vendo algumas fotos nossas e fiquei


emotiva. Então fui para a casa dos meus pais porque minha mãe é
enfermeira e estava me ajudando. Eu também pensei que um filho

agora, tudo de novo, poderia não ser o que você queria.

Eu a olho como se não tivesse lógica isso.

— Calma, minha mãe conversou comigo e me explicou que

você foi até eles pedir a benção para nos casar e falar coisas lindas.
Isso me fez enxergar que, não importa o que aconteça, estamos
juntos.

— Nada me faria ficar longe de você, minha baixinha invocada.

E um filho nosso é o melhor presente do mundo. Você não tem


noção de como me fez duplamente feliz.

Ficamos mais um pouco ali, mas o que queríamos de verdade

era estarmos sozinhos em uma cama. Por isso, voltamos para casa
rapidinho, não sem antes deixar a Flor com a babá que Ellen
contratou para termos uma tarde só nossa.

Entramos na pousada e corremos para o quarto.


Tiro minha roupa, fico de cueca e amarro meu cabelo para que

não atrapalhe enquanto Ellen tira a roupa, mas peço para que deixe
a lingerie. A agarro, a encosto na parede, a pego e ela cruza as
pernas no meu quadril.

— Senti muita falta do seu corpo — digo massageando o bico

dos seus seios.

Não demora muito e abocanho um deles com tudo enquanto


ela geme loucamente. O chupo, coloco os dedos por dentro da sua

calcinha e circulo a entrada da sua boceta apenas uma vez e ela


está totalmente lubrificada. Entro com os dois dedos e começo a
excitá-la com movimentos, entrando e saindo com os dedos. Com

ela ainda presa a mim, vou em direção a cama e a deito.

— Meu amor, que tal inovarmos hoje. Queria te ensinar uma


nova forma de prazer. Você topa?

— Confio em você e quero muito te ter dentro de mim.

— Você vai ter, só preciso que fique de quatro.

Tiro seu sutiã para ver seus seios balançando enquanto a


pego por trás. Depois retiro sua calcinha e passo lubrificante.

— Isso é para facilitar o que vamos fazer.

Ela consente.
Passo lubrificante no meu pau e vou em direção a sua outra

entrada. Quando encosto, Ellen me olha um pouco assustada, mas


para ela relaxar volto a estimular seu clítoris e sua entrada, ela vai

ficando cada vez mais excitada e aos poucos, vou introduzindo meu
pau até que o coloco por completo.

Ellen gemeu e é percebo que é prazer.

Começo o movimento ritmado, para frente e para trás, depois

acelero e a Ellen enlouquece, tanto que não demora muito e ela


goza para mim. Acelero ainda mais meus movimentos e não
demoraria muito eu gozaria também.

Ellen começa a gemer mais e a se excitar, com os dedos no


seu clítoris, até que goza pela segunda vez e eu não suporto ver
aquela cena, gozo com tudo o que tinha.

Caímos na cama, cansados e mortos, felizes sem dúvida


nenhuma.

— E aí? Gostou?

— Essa precisa entrar na nossa lista de posições.

— Temos uma?

— Agora temos. Te amo.

— Eu também te amo.
Ellen se encosta no meu peito e pega no sono.

Eu aproveito para olhar aquela mulher dormindo, a visão que


eu terei todos os dias da minha vida e não existe outra que eu

quero.

Estou, enfim, no meu próprio paraíso, com os amores da


minha vida.

Hoje, sei que isso é tudo o que eu sonhei em ter durante toda
a minha vida.
ROBERTO MENDER

...

— Flor, minha linda, olha o seu irmão, por favor.

— Ele está bem, mãe, só está chorando porque quer andar

pela casa e está preso no berço. Posso tirá-lo?


— Não, o deixa aí. Só fica de olho para que não faça nenhuma

besteira. Cadê o seu pai?

— Ensinando o dindo a trocar um pneu, desde que ele

aprendeu só quer fazer isso agora.

Escuto as duas mulheres da minha vida conversarem, então

volto para o que estou fazendo.

— Fernando, você só precisa de jeito e apoio para tirar os

parafusos.

— Cara, eu nunca vou conseguir aprender isso.

— Vai por mim, aprenda antes que passe vergonha na rua.

Finalmente aprendi a trocar esse negócio, depois de oito anos

com a Ellen.

Hoje é o nosso aniversário de casamento, mas precisamos ir a

uma palestra sobre os avanços da startup da Ellen e o que a


Mender S.A. pensa em fazer mais na frente, coisas que eu jogaria

para o alto para podermos comemorar em paz.

Quatro meses depois que a Ellen me pediu em casamento, e

não tinha a mínima vergonha em falar isso, nos casamos em

Campos do Jordão, um lugar aconchegante e com paisagens lindas.


Queríamos que não demorasse tanto para a Ellen poder ter a
experiência de um casamento sem um barrigão de grávida.

Um pouco antes do casamento, fomos fazer o ultrassom e

descobrimos que teríamos um menino, foi outra choradeira de

ambos. Ellen tinha a desculpa dos hormônios, eu era pura emoção

mesmo.

Tudo era choro para mim agora, filhos fazem isso com os

homens também.

O Lucas nasceu e tivemos muita preocupação se a Flor se

sentiria excluída ou se teria problemas com o irmão mais novo, mas

novamente ela se mostrou bem à frente da idade. Ela amou o irmão

desde que o conheceu, sempre cuidando e por perto.

Eles brigavam por besteiras as vezes, assim como qualquer

criança, mas o amor sempre prevalecia e ela nunca reclamava

quando pedíamos para ela ficar de olho nele.

A encontramos, uma vez, ensinando sobre o perigo da piscina

e sobre passarinhos na água, a coisa mais linda que já se viu.

— Rob, estamos atrasados.

— Vamos andando, obrigado por cuidar deles, meu amigo.


— Isso nem é trabalho. Assistir filme e série com uma menina

inteligente e um menino que dorme em dez minutos. Sou padrinho


das melhores crianças do mundo e padrasto de outra melhor ainda.

Lembra da nossa aposta, se o Fernando viria a formatura com


alguém?

Ele não veio e a Ellen lavou a louça por quinze dias. Foi o

melhor momento da minha vida, esse tipo de aposta só acontece


entre casais que moram juntos, louça sempre é uma briga, apesar

de termos empregados para fazer isso.

Mas ele não deixou de nos surpreender.

Primeiro, me pediu um convite extra para o nosso casamento e

juramos que era só uma nova mulher, mas era a namorada do


Fernando.

Uma mulher normal, bem diferente das top models que ele
saía. Não acreditamos quando ele apresentou, achamos até que era

uma brincadeira. Ainda bem que a Juliana já conhecia a fama do


Fernando e levou na esportiva.

Ela é linda e a Ellen ficou amiga dela rapidinho. Elas

conversam bastante já que é agrônoma e podia ajudar em uma


outra ideia que a Ellen teve.
Agora estão trabalhando juntas.

Para completar o pacote, a Juliana tem um filho de 8 anos, 5

anos na época do casamento. Filho dela com o ex-marido. Esse


pacote nunca passou na nossa cabeça em ser o tipo do Fernando,

ele então contou como ela o ganhou.

“— Estava no bar, depois do expediente, jogando sinuca e

paquerando algumas gatas.

Leva uma cotovelada da Juliana.

— Garotas do bar, quando essa mulher chega e fala,


“cinquenta reais que eu coloco a bola 12 naquela caçapa”. Eu
duvidei, é lógico. Ela estava vestida com um terninho e uma calça

social, nunca que pensei que teria uma vida. Apostei... E perdi. Ela
colocou não só encaçapou essa, mas outras bolas, me causando

um prejuízo de trezentos reais naquela noite. Depois desse dia, a


convidei para sair e achei que não teria mais truques na manga,

mas a cada encontro descobria uma coisa surpreendente sobre ela.


Meu coração não teve dúvidas. E esse garoto aqui, me ganhou no
mesmo dia. Você me fez ficar mole com crianças, Roberto.

— Eu nada, foi a Flor. Estou muito feliz por você, Fernando.

Chegou sua vez, quando o coração quer a gente simplesmente


aceita. Não tem como recusar.”

A partir daí, nós quatro não nos largamos mais.

O filho da Juliana virou amigo da Flor e vivem colados.

O Fernando já tomou o cargo de padrinho do Lucas para ele e

nada de falar o contrário, ele era e pronto.

Seguimos para o local da palestra, enquanto eu só pensava na

hora que tudo ia acabar e eu poderia comemorar com minha mulher.

Quando chegamos, a Pam já estava na entrada, esperando a


Ellen.

No casamento, a Pam e o Jonny estavam bem próximos, o


que não demorou muito para evoluir para um namoro e agora estão

noivos e felizes. Ellen contratou a amiga para ser sua secretária, ela
disse que não precisava de alguém cheio de tantas habilidades

como eu precisava, então a amiga era perfeita para o cargo.

— Ellen, você será a próxima e depois o senhor Mender. A


Marissa está apresentando as palestras.

Depois que eu ajudei a Marissa, ela lutou com todas as suas


forças para chegar além e foi. Conseguiu reestruturar a empresa,

pagou as dívidas que tinha comigo e ainda demitiu o pai, quando o


pegou roubando de novo.
Agora, sua empresa está ganhando credibilidade no mercado,
novamente, e ela mais do que feliz por isso.

Sua gratidão foi verdadeira, pois sempre nos chama para tudo
o que planeja.

— Agora, tenho a honra de chamar o palco a bióloga marinha

que vem revolucionando o mercado com a sua empresa, ganhando


terreno para a sustentabilidade e pensando em melhorias para o

futuro do mundo. A mulher que posso chamar de amiga, recebam


com aplausos a senhora Ellen Souza Mender.

Ellen sobe ao palco e fica bem à vontade, ela já está

acostumada com esse tipo de evento. Antes de começar a falar, ela


abraça a Marissa e sorriem juntos de alguma coisa, então pega o

microfone.

— Boa noite, pessoal. Esta pessoa que me chama de amiga,

roubou meu pote de pipoca e não devolveu até hoje. Cuidado com

seus amigos.

Todos riem e ela começa a brilhar.

Ellen discursando é como ouvir uma melodia, uma voz que


encanta, seduz e te envolve.

Eu não me canso de vê-la se apresentando.


— Cuidado para não babar com a boca aberta assim. —

Marissa se aproxima de mim.

— Boa noite, Marissa. Você está muito bonita.

— Obrigada, Roberto. E entendo você ficar de boca aberta, ela

parece que nasceu para isso, para falar com o público e encantar

pessoas. Quando a vi, pela primeira vez, julguei a capa e esqueci o

conhecimento.

— Pois é, minha cara. Eu também cometi esse erro e ela me

ensinou lições muito valiosas, até hoje ainda aprendo com ela. Nós
pensamos que, por sermos mais velhos, sabemos mais e devemos

ser sempre seguidos, mas esquecemos que todos devem ter o

direito de ser ouvido, de evoluir, de poder adquirir conhecimento e

de chegar sempre mais longe.

— Foi pela minha visão reduzida que tive da Ellen que estou

começando um projeto para ajudar jovens carentes a terem


qualidade de ensino e poderem mostrar o seu potencial junto ao

mercado de trabalho. Ela inspirou a todos nós.

— Errado, Marissa. O certo seria “ela continua inspirando a


todos nós”. Acho que minha vez está chegando, vamos para o

palco.
Caminhamos em direção ao palco e esperamos a Ellen

terminar seu discurso que é finalizado com a plateia batendo palmas

em pé.

Agora eu tenho que lutar para chegar ao mesmo nível.

Ela desce do palco e me deseja boa sorte.

— Palestra incrível, como sempre, Ellen. Para fechar a noite,

nada melhor que uma casadinha de família. Vamos receber o CEO

da empresa Mender S.A. que, hoje, já possui filiais em diversos


estados brasileiros e até no exterior. Uma salva de palmas para

Roberto Mender.

Subo ao palco e olho para aquela plateia.

Eu adoro estar ali, me lembra muito o TED Talk que eu

participava quando era mais novo.

Toda vez que subo em palco, imagino Jorge e a Martina na

primeira fila, batendo palmas e sorrindo para mim.

— Boa noite, pessoal. Assim fica difícil, se equiparar ao

discurso da minha esposa, ela é profissional nisso. Mas uma coisa


sei que consigo a atenção de vocês. Hoje, exatamente hoje, é o

nosso aniversário de três anos de casamento. Eu conheci a mulher

da minha vida oito anos atrás e nunca imaginei que seria ela que
roubaria meu coração e entraria como um furacão na minha vida.

Não imaginei que seria ela quem me daria a família que eu sempre
sonhei. Estamos a apenas três anos casados, mas parece uma

eternidade de tanto que nos conhecemos. Meu conselho para vocês

é arrisquem, saiam da sua zona de conforto, vivam a vida e


aprendam tudo o que quiserem. Acima de tudo, deem o valor as

pessoas não pelo que aparentam ou pela conta bancária, olhem

para elas como se olhassem sua alma, conheçam e se permitam a

ser conhecido. Não há nada melhor do que se achar, quando você


pensa que tudo está perdido. Eu te amo, meu amor e a louça é

minha hoje, eu juro.

Todos riem e aplaudem minha declaração.

Viro e começo minha palestra para que acabe o mais rápido

possível e eu possa aproveitar a noite com a minha esposa.

Não sei o que esperar do futuro, ele é incerto e escorregadio,

por isso o que eu faço é viver o presente da melhor maneira que eu


puder e deixar o passado no passado.

Eu me permito sentir, amar, compartilhar.

Cometi um erro em achar que seria mais seguro esconder tudo

isso.
O que pode ser mais seguro que confiar em seus sentimentos,

em seu coração e ter ao seu lado alguém que te mostre o melhor

ser humano que você consegue ser?

Se eu aprendi algo com a minha linda família é que dinheiro

nenhum pode se comparar ao quanto eu me sinto feliz e privilegiado

por ter quem eu amo ao meu lado.

Então, ame com todas as suas forças e esse amor vai te fazer

voar sem tirar os pés do chão.


https://www.instagram.com/albaluccas
Sempre a Deus, acima de tudo.
À minha amada família com quem eu sempre posso contar.

A todos as leitoras e leitores maravilhosos que apoiam minha

escrita.

A Leticia Tagliatelli pelo trabalho sempre impecável de revisão.

À April Kroes da AK Diagramação por seu incrível trabalho de


diagramação.

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