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Copyright

© 2022, Joane Silva


Silva, Joane

A HERDEIRA INESPERADA DO VIÚVO

1ª Ed.

Brasília - DF, 2022

Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.

Todos os direitos reservados.

É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma

ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos

xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem permissão de seu editor.

A violação de direitos autorais é crime previsto na lei nº. 9.610, de 19

de fevereiro de 1998.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e

acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor, qualquer


semelhança com acontecimentos reais é mera coincidência. Todos os direitos

desta edição reservados pela autora.


AVISOS

Este livro possui linguagem crua e cenas de teor sexual. Não

recomendado para menores de 18 anos.



SINOPSE
Sem saber, o viúvo frio e solitário engravidou a irmã do seu

melhor amigo.

Após perder a mulher que amava, Daniel Fonseca fecha o coração

para quaisquer sentimentos. Agora sua vida é o trabalho e ele se sente bem dessa
forma, mas algo inesperado acontece e o faz mudar todos os seus planos.

Em uma noite fora de controle, o empresário dorme com uma

desconhecida e acorda sozinho na manhã seguinte. Cheio de culpa por acreditar

que traiu a memória da falecida esposa, o viúvo acredita que a melhor coisa que
sua amante misteriosa fez foi partir sem se despedir e sem dizer seu nome,

afinal, ele não pretendia voltar a vê-la, considerando que a noite que tiveram não

foi nada além de um erro.

Anos depois, o homem tem uma surpresa ao ser apresentado para a

irmã mais nova do seu melhor amigo. A jovem não é apenas o fantasma do
passado que nunca deixou seus pensamentos, mas também a mãe de uma linda

menina que tem os olhos iguais aos seus. Quando a suspeita surge, Daniel sente
um misto de ternura pela doce menina e raiva da sua mãe.

Entre fugir e fazê-la confessar seus erros, Daniel sabe que qualquer
escolha que fizer trará consequências, porque a irmã do seu melhor amigo não é
apenas um erro, ela é a sua maior fraqueza.
EPÍGRAFE

Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém

estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

Clarice Lispector
SUMÁRIO


SUMÁRIO
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
EPÍLOGO
LEIA TAMBÉM
SOBRE A AUTORA
PRÓLOGO

DANIEL
Enquanto a alegria, o agito e a vivacidade das pessoas que me

rodeiam zombam da minha cara, pergunto-me o porquê de ter saído do meu

quarto para vir até esta boate, agindo como um garoto de dezoito anos que ainda

pode se dar ao luxo de apenas se divertir sem se preocupar com a vida.

Eu realmente não deveria estar aqui, não quando tudo o que sinto vai

de encontro ao que as pessoas procuram em um lugar como este. Ao terminar de

entornar o meu terceiro, ou oitavo, copo de cerveja, sinto-me ainda mais

contrariado por ter decidido vir fazer negócios em São Paulo, na cidade em que

tudo acontece rápido demais e onde ninguém se importa com um cara que

perdeu tudo. Pelo menos, tudo o que era importante na sua vida.

Por que alguém deveria olhar para mim? Não é como se eu fosse a
pessoa mais sociável do mundo, muito menos um homem que se importa com
outras vidas além da sua vazia e miserável.

A pior parte de tudo isso é sentir olhares femininos sedentos por um

toque, ou apenas o carinho que eu não poderia dar nem mesmo se quisesse. Na
verdade, eu até poderia, mas faz um ano que optei por não fazer nada que possa
despertar qualquer misto de prazer e alegria em mim. Fiz uma escolha por não
merecer ser feliz depois de perder uma parte do meu coração. Ela se foi, e

mesmo que a lógica insista em dizer o contrário, não consigo deixar de sentir

culpa.

Lembro-me como se fosse hoje do dia em que a Karen entrou em


minha vida e tudo mudou para melhor. Eu era um homem rico e mulherengo que

não estava nem um pouco disposto a se aquietar com alguém. Eu simplesmente


gostava de sexo e saía pela cidade comendo a maior quantidade de bocetas

possível. Então uma loira doce entrou na minha vida e ela nunca mais foi a

mesma.

Nós nos conhecemos na casa dos meus tios durante um almoço em

família. Ela estava presente porque era a melhor amiga da minha prima Antônia,
uma amiga que ela mencionou diversas vezes, mas que nunca tive interesse de

conhecer, apesar de ter transado com mais amigas dela do que poderia contar nos

dedos.

Foi naquele almoço que nos conhecemos, que iniciamos uma

conversa e um flerte totalmente descontraído. Desde então, nos tornamos


inseparáveis e eu me apaixonei perdidamente pela primeira e única vez. A parte

do namoro, noivado e casamento foi tão natural que cheguei a acreditar que o
destino havia nos unido.

Uma bobagem, eu sei. Mas realmente pensei que ficaríamos juntos


para sempre.

Para todos que nos viam de perto, e até mesmo de longe, éramos o
casal perfeito e não parecia haver nada que pudesse atrapalhar o amor e a

felicidade que construímos ao longo de dois anos de namoro, mas a vida logo

mostrou que perfeição não existe quando descobri que minha amada esposa
escondia um segredo importante de mim.

Ela nasceu com um problema cardíaco e decidiu que não era

importante me contar a respeito, já que estava lidando bem com a doença há

anos. Aparentemente, minha mulher se enganou, considerando que um dia se

sentiu mal e por causa disso acabei descobrindo o seu grande segredo.

A nossa primeira briga foi motivada pela descoberta, mas a perdoei


no mesmo dia, pois estava tão apaixonado que me sentia incapaz de ficar

afastado da minha mulher durante muito tempo.

Namoramos durante dois anos e fomos morar juntos depois de um


ano de relacionamento. Pedi sua mão em casamento no nosso segundo

aniversário de namoro e depois de alguns meses nos casamos.

Foi um ano de felicidade conjugal, dias em que me senti o homem

mais feliz do mundo, porque sabia que a sorte havia sorrido para mim. Mudei
tanto por causa da Karen que passei a não reconhecer o homem mulherengo e

descompromissado que havia sido antes dela.


Se soubesse que a minha felicidade poderia estar com os dias
contados, eu não teria feito as escolhas que fiz. Eu não teria desejado ser mais

feliz do que já era, pois sinto que foi a minha ambição que tirou tudo o que me

importava no mundo.

Mesmo com as pessoas dizendo que era muito cedo e que nós dois
precisávamos curtir um pouco a sós antes dos filhos, minha esposa e eu

estávamos loucos para termos o nosso primeiro herdeiro. Então nós dois
ignoramos a intromissão das pessoas que nos cercavam e fomos ao médico para

sabermos se o problema cardíaco não seria um risco para a sua vida e do

possível bebê.

Mesmo querendo muito ser pai na época, eu sabia que jamais tentaria

algo se suspeitasse que tudo poderia acabar da forma que acabou. Mas fomos
assegurados de que a minha esposa poderia ter uma gravidez tranquila e sem

riscos para ela ou para o bebê se seguíssemos as recomendações médicas e ela

fizesse o tratamento necessário.

O período de gestação foi mágico para nós dois. A confirmação da

gravidez veio três meses depois do início das tentativas e ficamos tão felizes que
passamos a dedicar todo o tempo livre ao nosso filho. Como pais bobos de

primeira viagem, fizemos cursos, fizemos compras e decoramos o quarto do


bebê com as nossas próprias mãos.

Eu fui a cada consulta, senti cada toque e o amei desde o primeiro


instante.

Lembro-me como se fosse hoje do dia em que ela entrou na sala de


cirurgia para fazer o parto e de como seus olhos estavam brilhando. Ela deu

entrada na maternidade sorrindo para mim e aquele foi o último sorriso que

ganhei da mulher que eu amava. Foi a última vez em que a vi viva.

Eles disseram que a parada cardíaca foi uma fatalidade que poderia
ter acontecido com uma mulher sem quaisquer doenças pré-existentes, mas

nunca pude convencer a minha mente e coração disso. Não posso seguir em

frente sem lembrar que perdi a minha esposa e o meu filho de uma única vez.

Como se fosse um castigo por algo imperdoável que fiz, não consegui nem

mesmo ver o meu bebê com vida.

Eles partiram sem mim e tenho pesadelos quase todos os dias com a

imagem da terra sendo jogada sobre os seus caixões. Sempre que visito suas

lápides, sinto uma pontada de dor tão aguda que o fôlego me falta. Sempre que

vejo pessoas felizes, sinto que estou traindo as suas memórias pelo simples fato
de desejar ser capaz de esquecer do homem vazio e triste que me tornei por pelo

menos alguns minutos.

Então eu me tornei um homem que poucos querem ter por perto e


passei a me dedicar totalmente ao meu trabalho. Antes de conhecer a Karen, a
minha vida era o meu restaurante e as baladas nos finais de semana. Depois que

a amei passei a dividir o meu tempo, mas tudo voltou ao normal quando a perdi.
Não faço nada além de trabalhar e sinto que é disso que preciso para esquecer

que ainda estou vivo e que tenho um coração que sangra no peito.

Por pensar apenas nos meus restaurantes de comidas típicas locais,

tomei a decisão de expandir meus horizontes e abrir filial em uma das maiores

capitais do país. A escolhida da vez é a capital de São Paulo e, entre um


compromisso e outro, acabei reencontrando o Carlos quando cheguei na semana

passada, um velho amigo que conheci durante os meses em que morei aqui para
fazer uma especialização em comidas japonesas um ano antes de conhecer a

minha esposa. Ele é mais do que um conhecido, Carlos se tornou o meu amigo

mais próximo e isso nunca mudou.

Carlos era aquele que combinava perfeitamente com o meu lado

festeiro e foi ao seu lado que conheci todas as baladas daqui. Nós não perdemos
contato um com o outro depois que voltei para o Espírito Santo, e foi por isso

que aceitei o convite para almoçar com os seus pais assim que cheguei há alguns

dias.

O senhor e a senhora Botelho são pessoas muito gentis que me

trataram como alguém da família todas as vezes em que estivemos juntos. Ainda
não tive a oportunidade de conhecer a irmã adotiva, considerando que ela nunca

está em casa, mas meu amigo fala tanto dela que parece que a conheço
intimamente.

Não que algo na sua personalidade me interesse. Apenas rio das


histórias que o Carlos conta, assim como riria de uma irmã adolescente se eu

tivesse uma.

Mas não é sempre que gosto do Carlos. Agora, por exemplo, o odeio

por ter me feito vir até aqui. Ele sabe da minha história, é esperto o suficiente

para perceber meu estado de espírito sem que eu precise abrir a boca para dizer
alguma coisa, mas hoje tomou para si a missão de tentar me alegrar.

Eu não só não disse que nada seria capaz de aplacar a sensação de

que a minha alma está sendo rasgada a todo instante há doze meses como aceitei

um dos seus muitos convites para sair. Fiz com a intenção de o fazer perceber

que é inútil continuar tentando me tirar do fundo do poço.

Agora estou aqui sozinho e lambendo as minhas próprias feridas


enquanto bebo. Pelo menos, posso respirar aliviado por ele ter pensado somente

com a cabeça do pau e desapareceu atrás de um rabo de saia cinco minutos

depois de termos chegado.

Por outro lado, estou há uma hora sem sair do lugar. Por mais que

beba, não consigo sentir que estou bêbado o suficiente. Também estou farto de
ignorar olhares cobiçosos de mulheres que não me interessam. É por isso que

opto por manter a minha cabeça baixa, como se tivesse algo muito interessante
para olhar no balcão do bar.

Sinto o momento exato em que a atmosfera muda à minha volta.


Primeiro sinto o cheiro quase cítrico com algo doce, um cheiro que faz os pelos
invisíveis da minha nuca se arrepiarem no mesmo instante. A reação imediata
me faz sentir vontade de levantar a cabeça e encarar a mulher que acabou de

sentar-se na cadeira que estava vazia ao meu lado no balcão do bar, mas me

seguro para não fazer parecer que estou a fim de a conhecer.

Quando termina de se ajeitar ao meu lado, ela fica tão quieta quanto
eu e isso chega a ser reconfortante de certa forma. Sei que é uma mulher, pois

esse perfume bom jamais poderia ser confundido com algo masculino.

Nós dois passamos vários minutos lado a lado sem nos movermos,

tão quietos que outros poderiam acreditar que não estamos respirando. Mas

chega um momento em que a curiosidade me vence, então levanto a cabeça de

forma discreta e viro o rosto em sua direção.

Sentindo o meu movimento, a mulher também se move e olha

diretamente dentro dos meus olhos. Sou pego de surpresa pela beleza de uma

jovem de pele clara, olhos e cabelos castanhos até onde posso ver no lugar pouco

iluminado.

A moça é realmente linda e eu não poderia deixar de notar, porque


mesmo o meu estado miserável não me deixou cego. O que causa estranheza é

pensar que já vi muitas garotas bonitas como ela e nenhuma causou qualquer
reação em mim. O que realmente chama a minha atenção são os olhos
vermelhos, que denunciam o fato de ela ter acabado de chorar, e a profunda

tristeza que identifico no seu rosto.


Convivo com a dor todos os dias e não desejo o mesmo para
ninguém, mas algo em mim se regozija e se sente aliviado por saber que não sou

o único quebrado em um lugar que apenas pessoas felizes deveriam frequentar.

— Martino, sirva uma taça de cerveja para mim, por favor — a

mulher pede, sem tirar os olhos de cima de mim.

— Cerveja? Você nunca perde nada tão forte — o barman fala e me


deixa saber que ela é uma frequentadora assídua.

— Eu sei, mas hoje quero algo diferente. — Por alguma razão, a sua

frase soa maliciosa para os meus ouvidos.

— Tudo bem, uma cerveja saindo para a moça mais linda deste lugar

— diz o rapaz paquerador. Sinto vontade de chutar a minha própria bunda e

revirar os olhos como uma criança com tanta besteira.

Quando ficamos sozinhos novamente, ou mais sozinhos que

conseguiríamos ficar em um lugar lotado, seguimos trocando olhares e eu não


sei por que estou fazendo isso. Passei vários minutos me lamentando e sofrendo

para fugir das mulheres, mas agora estou aqui: tornando-me alvo de uma que
parece jovem demais até para estar em uma boate.

— Por que você está me olhando? — ela questiona, quebrando o

silêncio entre nós.

— Acredito que posso fazer a mesma pergunta para você, não é? —


devolvo, encontrando um pouco de diversão no seu narizinho empinado. A
garota parece destruída emocionalmente, mas continua linda e altiva.

— Você é muito bonito e eu não sou cega. Agora é a sua vez de

responder a minha pergunta — fala, sem desviar o olhar do meu quando o

garçom coloca a sua bebida no balcão.

— Você também é muito linda, mas não estou interessado. — Estou


agindo como um babaca ao falar desta forma quando a garota nem ao menos

demonstrou interesse em mim, mas prefiro me precipitar a ter que lidar com mal-

entendidos mais tarde.

— Quem disse estou interessada? Só para você saber, acabei de

flagrar o meu namorado me traindo com uma das minhas amigas e quero
distância dos homens. Inclusive de você.

— Estava chorando pelo babaca?

O que essa garota está fazendo comigo? De repente, o homem que


foge de conversas fiadas com pessoas estranhas está puxando assunto. Esse não

sou eu.

— Pois é, aqueles dois traidores nem merecem as minhas lágrimas.

— Eles realmente não merecem — comento, ao pedir mais uma

cerveja.

— Você também não parece estar bem. Retribuirá o meu gesto e me


contará por que parece incapaz de sorrir?

— Hoje é aniversário de um ano da morte da minha esposa e do meu


filho — conto. Não falo sobre isso com muitas pessoas, mas estou fazendo isso

com ela.

Prefiro acreditar que não tem nada de especial com o fato e que a

garota é apenas a pessoa certa no lugar certo para um momento de desabafo.


Talvez eu estivesse precisando disso. Além do mais, duvido que volte a vê-la

depois de hoje.

— Eu sinto muito — diz com sinceridade. A expressão no seu rosto

fica ainda mais triste quando coloca a mão em cima da minha para me consolar,

mas a afasto no mesmo instante, como se o seu toque fosse venenoso.

Preciso dos seus ouvidos, não do seu consolo.

— Também sinto — declaro, e fico totalmente sem reação quando a

jovem mulher se levanta da cadeira e me abraça pelo pescoço.

Sem saber como reagir, estendo os braços e envolvo a cintura fina


em um abraço tão apertado quanto o que está dando em mim. Pela primeira vez

em um ano, sinto algo aquecer meu coração e meu corpo. São reações tanto
físicas quanto emocionais que não deveriam estar aqui.

Sinto uma vontade quase insuportável de empurrá-la para bem longe


de mim, porque está totalmente errado, mas não consigo fazer isso. Faço o
oposto ao enterrar o nariz no espaço entre o seu pescoço e ombro, deixando que
o seu cheiro penetre minha alma pelo tempo que o alívio que sinto agora tiver

que durar.

Não há nada de romântico e especial acontecendo. Somos apenas

duas almas desesperadas que se esbarraram pelo caminho.

Quando tiro a cabeça do seu pescoço e fito os belos olhos, olhos que
jamais deixaria de reconhecer, o meu coração pulsa mais forte pela forma sincera

como me encara. Mas a desconhecida, cujo nome prefiro não saber, realmente

me surpreende quando segura meu rosto com suas mãos pequenas e

simplesmente me beija.

Reajo de imediato ao jogar minha cabeça para trás e afastar o seu


corpo do meu.

— Você está maluca, menina?

— Eu... pensei que poderíamos distrair um ao outro — afirma. Ela


pelo menos se dá ao trabalho de parecer sem jeito.

— Não podemos. Estou sofrendo pela minha falecida esposa e você

não merece ser usada por mim.

— Eu estou sofrendo pelo chifre e também estaria te usando —

declara, novamente chegando perto de mim.

De repente, a jovem mulher consegue a proeza de fazer com que eu


me sinta tentado. Isso nunca aconteceu e preciso acreditar que não é sobre ela,
mas pela ideia de sentir-me vivo pela primeira vez em muito tempo, mesmo que

a maior parte de mim saiba que não mereço nada disso.

— É melhor você ir embora — digo como um covarde que quer fugir

da tentação e das ideias que a linda desconhecida fez surgir na minha mente.

A garota mostra que é teimosa quando não só não me obedece, mas


também quando insiste em não me deixar sozinho com a minha solidão. Então

começamos a conversar como pessoas que se conhecem há mais tempo do que

alguns minutos e muito rapidamente passo a me sentir ligado a ela de alguma

forma.

Naturalmente, como aconteceria se a nossa situação fosse outra, ela


se aproxima perigosamente de mim e eu não a afasto. O meu corpo não tenciona

de pavor quando toca no meu peito de maneira distraída, e muito menos afasto a

cabeça quando aproxima a sua e rouba mais um beijo. Um beijo que correspondo

desta vez ao segurar os cabelos da parte de trás da sua nuca e enfiar a língua na
boca macia.

Obviamente, nós dois já estamos bêbados demais para pensarmos

com coerência ou para nos arrependermos de alguma coisa agora, mas ainda
assim termino o beijo quente e pergunto:

— Você tem certeza? — Espero que ela realmente esteja entendendo


todas as implicações por trás do meu questionamento quando balança a cabeça
confirmando.

Um pouco tonto pela bebida alcoólica, pelo seu corpo macio, boca
gostosa e cheiro bom, esqueço-me da dor de outrora e até mesmo do meu nome

quando entrelaço as nossas mãos e a levo para um quarto de hotel.

Quando me livro de suas roupas e meto na sua boceta sem parar

durante toda a noite, faço sem ter certeza se estou vendo o seu rosto ou o rosto
da minha falecida esposa, mas sou capaz de reconhecer e de me sentir

especialmente excitado pelo som dos seus gemidos. Eu transo com a garota até

não conseguir mais mover o meu corpo sobre a cama e com ela não é diferente.

Só paramos quando encho sua boceta com a minha porra pela última vez já perto

do amanhecer.

Quando o meu corpo tomba suado sobre o colchão, olho para o teto

do quarto de hotel e sorrio com satisfação como há muito tempo não fazia. Neste

momento, sou incapaz de sentir culpa ou de lembrar-me o porquê de esse ter sido

o maior erro da minha vida.

Ao puxar o seu corpo e a abraçar de conchinha, sou levado pela


sensação de que tudo voltou aos eixos, mas o meu mundo realmente desaba pela

manhã quando acordo com a cabeça quase explodindo de tanta dor por causa da
ressaca.

Lutando para abrir os olhos, me sento na cama e levo algum tempo


para entender que estou sozinho em um quarto de hotel cinco estrelas. Ao afastar
o lençol de seda da minha cintura, quase surto quando percebo que estou pelado.
E mesmo se não estivesse, o cheiro de sexo seria o suficiente para denunciar o

fato de eu ter transado ontem à noite.

Então flashs rápidos e confusos começam a pipocar na minha mente

com tanta intensidade que me fazem levantar apressado e desabar de joelhos


com a cabeça enfiada na privada para vomitar até as minhas tripas. Quanto mais

lembranças da madrugada surgem, mais vomito.

De forma patética, começo a chorar desesperadamente por ter traído

a memória da Karen no aniversário da sua morte. Ao sentir que não tenho nada

para colocar para fora, levanto-me novamente e paro na frente do espelho para

lavar o meu rosto, mas mal consigo encarar o meu reflexo.

Cometi um erro muito grande ontem à noite ao me permitir fraquejar

e viver momentos de prazer que não merecia. Queria poder arrancar o seu cheiro

e a sensação do seu toque da minha pele, queria poder esquecer-me de tudo o

que fizemos durante a madrugada. Mesmo que os meus pensamentos sejam


confusos e que esteja tendo apenas flashs da quantidade obscena de sexo que fiz,

sei que jamais poderei esquecer-me desse erro. Sobretudo, jamais esquecerei do
seu rosto.

A mulher que foi minha ontem à noite era apenas um rosto


desconhecido que eu prefiro não voltar a ver, mas não tenho a menor dúvida de

que seria capaz de reconhecê-la em qualquer lugar do planeta e sob quaisquer


circunstâncias.

Como poderia esquecer a causadora do maior erro da minha vida?


CAPÍTULO 1

MARIA
SEIS ANOS DEPOIS

Quase todos os dias lembro a mim mesma de que devo ser grata pela

vida que tenho e realmente sou na maior parte do tempo, mas tem dias que o
exercício de gratidão falha miseravelmente.

Hoje, por exemplo, é um desses dias. Depois de tantos anos morando

nos Estados Unidos com a minha filha, voltei para o Brasil e já sinto que minha

vida está de cabeça para baixo. Desembarcamos há apenas duas horas e

rapidamente entrei no meu modo habitual de cadela descabelada, que anda de


um lado para o outro sem parar para tomar uma água.

Sempre que o estresse vem, faço mais um dos meus exercícios de


abrir um pequeno sorriso e lembrar-me que também preciso ser grata pelo meu
trabalho como assessora do Calvin Derek, um dos cantores de pop rock mais

famosos da atualidade. Foi a sua fama que me trouxe de volta para o meu país
depois de longos anos o seguindo pelo mundo.

Com toda a minha vida dentro de caixas e malas, tenho um


apartamento para organizar e uma filha para cuidar. No entanto, estou aqui,
agindo como uma babá, em vez de fazer um trabalho mais sério do que perseguir
um homem de vinte e oito anos que se comporta como se tivesse quinze.

O pior de tudo é que tenho quase certeza de que a culpa é minha. Se

eu não gostasse tanto do Calvin e se ele não tivesse se tornado mais do que um

mero empregador, eu teria mais pulso firme e não o deixaria brincar de esconde-
esconde comigo quando temos coisas importantes para resolver. Como, por

exemplo, responder perguntas para a repórter que ele quer conquistar e agendar
uma entrevista com a emissora local para falar da turnê que começará na semana

que vem.

— Você tem certeza de que ele não está atendendo o celular? —

pergunto para a Mila, minha assistente e amiga que muitas vezes suporta minhas

crises de estresse. Não que eu desconte nela, mas imagino que deve ser um saco
ser os meus ouvidos o tempo todo.

— Eu já liguei mais de dez vezes, querida — ela fala e me olha de

um jeito que não deixa dúvidas de que está sentindo pena de mim.

No seu lugar também sentiria pena de mim, afinal, tenho uma filha
que precisa da minha atenção neste momento, mas não posso ficar com ela

agora. Tudo porque o idiota do Calvin decidiu se esconder como uma criança
fugindo da mãe.

— Aquele idiota! Você quer apostar quanto que ele saiu correndo
atrás de um rabo de saia? — pergunto para Mila, ao jogar-me no sofá do
escritório que alugamos para o período em que ficaremos aqui no Brasil.

Aqui será o nosso QG, onde algumas decisões a respeito da carreira


do meu astro serão tomadas. O lugar mostrou-se ideal para ele quando descobri

que ao lado do escritório havia um estúdio de gravação para os ensaios do Calvin

com a banda.

Fora a fuga do cara, tudo a respeito da nossa vinda para a turnê no


Brasil foi minimamente planejado para que não houvesse erros. Sei disso porque

eu mesma cuidei de todos os detalhes. Na prática, apesar de ser apenas a

assessora de imprensa, cuido de praticamente tudo o que diz respeito ao homem,

embora ele tenha toda uma equipe por trás dos sorrisos que aparecem na TV e

nas fotos que são tiradas por fãs quase todos os dias.

Apesar de ser cansativo, e até mesmo estressante, a depender do que

ele aprontará no dia, Calvin é mais do que justo e me paga não só o que mereço

por cobrir suas merdas, mas muito mais do que qualquer outra pessoa no meu

lugar receberia. Eu sei que nem tudo na vida é sobre dinheiro, mas a minha
origem e o que eu poderia ter me tornado se não tivesse sido acolhida por pais

amorosos aos cinco anos de idade me fazem dar valor a tudo o que tenho,
sobretudo ao dinheiro. Tenho ciência de que muitas outras meninas deixadas em

orfanatos não tiveram a mesma sorte.

— Eu não tenho a menor dúvida de que ele viu uma garota que

chamou sua atenção e foi atrás dela sem pensar que poderia estar nos deixando
como duas idiotas plantadas aqui. — Assim como eu, Mila já está acostumada

com a falta de responsabilidade do Calvin, mas ela tem pouca paciência, ao

contrário de mim.

Aos trinta e cinco anos, dez mais velha do que eu, minha assistente

gosta de dizer que está em uma fase da vida que não tem mais saco para
bobagens. É por isso que não se poupa de falar tudo o que pensa a respeito do

Calvin na cara dele. Ela o enfrenta sem medo de perder o emprego não só por ser
corajosa, mas também por saber que eu jamais permitiria que Calvin a mandasse

ir embora. Não deixaria por não suportar injustiças e por não conseguir me

imaginar sem a minha melhor amiga.

Não que Mila corra algum risco, considerando que o astro do rock

não poderia viver sem suas doses diárias de provocações que deixam a ruiva
maluca.

— Quando aparecer, direi a ele exatamente o que penso sobre o fato

de nunca ter aprendido a pensar com a cabeça de cima, em vez de se deixar guiar
pela cabeça daquele pau gasto. — Mila solta uma gargalhada pelas minhas

palavras e eu a acompanho.

É sempre assim: nós nos estressamos por causa do nosso chefe


irresponsável, porém, lindo e gostoso, mas acabamos rindo do nosso próprio
estresse no final. Fazemos isso por sabermos que é assim há anos e que nada

mudará.
— Por favor, querida, tente ligar mais uma vez — peço, depois que
paro de sorrir como uma doida. — Ela deve estar agoniada esperando no carro.

Eu disse que voltaria dentro de cinco minutos.

Calvin e eu combinamos de virmos do aeroporto até aqui em carros

separados. Ele viria em um carro com a banda e eu viria com a Mila, minha filha
e sua babá em outro veículo. Para a minha surpresa, o homem não estava aqui

quando cheguei há alguns minutos.

Agora a minha bebê está mofando dentro do carro. Aposto que está

fazendo birra com a pobre Nica por estar estranhando o lugar diferente. Minha

filha passou seus cinco anos de vida viajando de um país para outro

constantemente e já deveria ter se acostumado com a rotina, mas ela não se

acostumou.

Tammy só fica bem em lugares novos depois que eu a abraço por um

tempo e explico que não precisa sentir medo. Passo vários minutos mostrando

fotos dos mais belos pontos turísticos dos países por onde passamos para a
pequena. Antes de seguirmos para o próximo, a levo para passear nos lugares

que mais chamam sua atenção por fotos.

Desta vez não estou com ela quando mais precisa de mim e a
vontade que sinto agora é de matar o maldito Calvin por ser tão irresponsável.
Ele diz que ama a minha filha, mas não é isso que parece quando me mantém

longe dela por causa das suas bobagens.


No fundo, sei que estou sendo levemente mais dramática do que
deveria com a situação e que tudo isso é para mascarar a pontada de medo que

sinto por estar de volta ao meu país. Estive algumas vezes com os meus pais e

meu querido irmão mais velho nos últimos anos, mas foram visitas rápidas que
me trouxeram a sensação de segurança.

Desta vez, sabendo que a turnê pelo país durará três meses e que

viverei semanas e mais semanas com medo de esbarrar no fantasma do meu


passado, tenho a sensação de que não conseguirei viver em paz, que não poderei

andar pelas ruas sem olhar para trás o tempo todo, esperando que um homem

sem rosto e sem nome surja do nada como um vilão de filmes de terror para tirar

de mim o meu bem mais precioso.

Pelas circunstâncias em que ela foi concebida, mas principalmente


por ser a minha doce menina, Tammy é o ar que eu respiro e não sei o que seria

de mim se a perdesse por alguma razão.

— Por que as mulheres mais lindas da minha vida parecem tão


emburradas? — Calvin entra sorrindo e falando. Quase caio do sofá quando me

levanto em um pulo rápido.

Como se não tivesse feito nada de errado, o filho da puta tem um


sorriso rasgado no seu belo rosto, cujos olhos verdes e cabelos loiros levam
mulheres a cometerem loucuras, mas apenas mulheres que não sabem que ele

não vale o que o gato enterra. Apenas as que não sabem que Calvin Derek não se
aquietaria com uma mulher nem se a sua vida dependesse disso.

Ele tem todas que deseja... Quer dizer, nem todas. Calvin nunca teve
a Mila, a única mulher que seria capaz de o levar a cometer loucuras por uma

noite de prazer. Diferente das outras, ela é vacinada contra o seu charme barato.

Sim, estou falando da minha assistente e melhor amiga, que é sete anos mais
velha do que ele e o trata como uma criança que gosta de fazer arte.

Se a minha amiga é um livro aberto para mim a respeito de quase

tudo, ela se fecha como uma ostra quando se trata do nosso chefe e não faço

ideia se a ruiva o despreza ou se o deseja em silêncio. Embora a curiosidade me

mate, procuro não me meter no assunto, porque conheço o Calvin e sei que ele

partiria o coração da Mila dois minutos depois de entrar na sua calcinha.

Seguiria em frente sem considerar o fato de ela ser o meu braço direito e sua
amiga, apesar de ambos negarem.

— É sério, meninas. As caras feias de vocês estão me assustando. —

O que mais quero agora é ir até o homem e socar a sua cara de pau, mas ele tem
a minha pequena Tatá em seus braços e ela está toda animada com um sorriso

rasgado no rosto, enquanto brinca com os seus fios de cabelos loiros e sedosos.

Ela não deveria estar assustada?

Soube que não teria nenhuma chance contra Calvin quando ele olhou

para a minha filha ainda na maternidade e sorriu para ela. Eu nunca tinha visto
os olhos do meu chefe e amigo brilharem, mas eles se iluminaram para uma bebê
recém-nascida e foi naquele dia que parei de negar sua aproximação e nos
tornamos amigos.

Jamais esquecerei de como ele estendeu a mão para mim e me tirou

daqui quando mais precisei. Calvin estava interessado em mim como mulher

quando nos conhecemos, mas o tempo o fez perceber que funcionamos melhor
como amigos. Apesar de ainda flertar comigo o tempo todo, o astro do rock

aprendeu a ser meu amigo acima de qualquer coisa.

Por o amar, pela gratidão e pelo carinho que demonstra ter pela

minha filha, não consigo ficar brava com o Calvin por muito tempo. É por isso

que ele apronta e sempre aparece com o mesmo sorriso e cara de pau que

rapidamente me fazem esquecer que estava com vontade de o esganar segundos

antes.

— Corte a sua merda, porque ela não funciona com a gente — Mila

começa dando uma bronca e minha filha arregala os olhos. Ela está tão irritada

com Calvin que nem se deu conta de que falou uma palavra feia. É assim que
Tatá se refere aos palavrões.

— Tia Mi, você acabou de falar uma palavra feia — como não deixa

passar nada, a pequena comenta com os olhos arregalados.

— Perdoe a sua tia, princesa. Ela acordou com dor de barriga hoje,

mas o tio Calvin tem um ótimo remédio para fazê-la se sentir bem.
— Está dodói, titia?

— Eu... — A sempre segura Mila está constrangida por causa de uma


criança e mal consegue falar. Por sua vez, Calvin continua provocando.

— Ela está dodói, mas não é nada sério, pequena. Eu tenho certeza
de que uma injeção fará com que a ruiva se sinta bem.

— Injeção? Eu não gosto de tomar injeção, não é, mãe? Dói um

pouco e sempre choro. — Balanço a cabeça acenando positivamente, mas o meu

coração erra a batida quando penso na bobagem que Calvin falará. Ele não tem

filtro.

— A injeção que aplicarei na sua tia não doerá — ele fala e pisca

para Mila, que fica com o rosto vermelho. Só não sei se é de raiva ou de

constrangimento.

— Leve a Tatá para tomar uma água, por favor? Eu preciso falar com

o Calvin rapidinho — peço, ela balança a cabeça e se aproxima dele. Meu chefe
não tira os olhos dela e muito menos o sorriso sacana do rosto. Definitivamente,

Calvin não tem jeito.

Apaixonada pelo tio Calvin, como gosta de o chamar, minha menina


beija o seu rosto, antes de se jogar nos braços da Mila.

Quando as duas deixam o escritório e ficamos a sós, elimino a


distância entre nós e o encaro de perto.
— Onde você estava? Nós não tínhamos combinado que viríamos
direto para o escritório? — O homem não se abala e continua com o maldito

sorriso. Queria poder abrir sua cabeça para colocar um pouco de bom senso.

Maria, você está com os nervos à flor da pele. Desde quando as

gracinhas do Calvin te afetam a esse ponto?

— Tive que fazer um desvio. — Essa é toda a justificativa que


Calvin tem.

— Um desvio? Eu apostaria um braço que você não se deu ao

trabalho nem mesmo de sair do carro. Deve ter pegado a aeromoça com quem

estava flertando e transado no banco de trás, enquanto seu motorista silencioso

dava voltas e mais voltas pela cidade. Vai dizer que estou errada?

— Garota, a forma como você me conhece chega a ser bizarra.

— Deveria ser uma coisa boa? Eu realmente te conheço como a

palma da minha mão, mas não sei se gosto muito de tudo o que sei sobre você.

Isso é mentira, Calvin tem defeitos, mas as suas qualidades são


infinitamente maiores e eu o amo como amo meu irmão.

— Sabia que você fica infinitamente mais gostosa quando está brava
comigo? — ele fala, corta o curto espaço entre os nossos corpos e me abraça. Eu

coloco minhas mãos no seu peito duro e o empurro para longe de mim. Não
estou com paciência para sua tentativa de me ludibriar desta vez.
— Você não conseguirá me distrair, Calvin. Só decidimos passar
aqui porque você tinha que responder algumas perguntas para aquela repórter

chata de celebridades. Uma entrevista que você insistiu em conceder por

acreditar que assim terá mais chances de conquistar a mulher sem mover um
dedo. Por que não leva seus compromissos a sério?

— Pode me dizer por que está tão estressada? Sei que te fiz perder

dez minutos do seu valioso tempo, mas não precisa agir como se eu tivesse
faltado ao compromisso do ano, porque você sabe que não era. Remarcarei a

bendita entrevista, está bem assim?

— O problema não é esse, Calvin — digo, ao respirar fundo.

— Sei que não é. Você está estranha e quero que me conte o que te
abalou tanto. Nem parece a minha amiga toda controlada de sempre. — Mais

uma vez, ele vem com seus braços de polvo para me abraçar e eu deixo desta

vez.

Talvez eu esteja carente de um abraço amigo, ou um pouco de

conforto de alguém que me conhece tanto quanto me permito ser conhecida.

— Não é nada.

— Tem a ver com o pai da sua filha? Eu sei que você não fala sobre

ele com ninguém, mas imagino que ele mora aqui no Brasil, estou certo?

Ele faz suposições certeiras por ter me levado para fora do país
quando eu já estava grávida de três meses. Calvin e eu nos conhecemos de forma
inusitada, mas até hoje tenho a sensação de que o encontro foi preparado pelas

mãos do destino. A ajuda providencial que eu estava precisando naquele

momento.

— Como você acabou de dizer, não quero falar sobre ele —


respondo de forma dura, desvencilho-me do seu abraço e caminho em direção à

porta. — Não deixe de ligar para a sua repórter, está bem? Arrume um pretexto
e peça desculpas por ter dado um bolo nela. Irei para casa arrumar a minha

bagunça e mais tarde te ligo para combinarmos os seus próximos passos.

— Tudo bem, mamãe — ele provoca, ao jogar uma piscadinha

sacana para mim. — Deixe-me saber se estiver precisando de alguma coisa.

Você sabe que sempre estarei aqui.

— Eu sei — afirmo com vontade de chorar, mas engulo o nó na

minha garganta e deixo o escritório.

Após uma viagem curta de dez minutos do escritório para o prédio,


finalmente entro no apartamento com a minha filha. Animada depois de eu ter

passado os dez minutos da viagem falando sobre todas as belezas que

encontraremos no país onde eu nasci, Tatá solta a minha mão e vai saltitando

para explorar todos os cômodos do nosso novo lar.

Aqui será o nosso refúgio pelos próximos três meses. Depois disso,
sairemos do país novamente, então voltarei a me sentir segura para continuar

vivendo a minha vida previsível, mas feliz da forma como eu havia planejado.

O que quero nas próximas semanas é fazer o meu trabalho e

aproveitar um pouco os meus pais sem me apavorar com a possibilidade de

encontrar-me com o homem sem rosto com quem transei há seis anos. O

desconhecido que saiu da minha vida tão rápido quanto entrou, mas que deixou

sua marca.

Embora ele tenha me dado o meu melhor presente, estou bem com o

fato de não saber nada a respeito da sua identidade. Não espero e não quero o

reencontrar, nunca quis realmente. Com tudo o que há em mim, prefiro continuar
fingindo que não tenho guardada comigo cada lembrança da forma como me

tocou e de como me fez sentir a mulher mais desejada do mundo. Foi assim... até
que ele me chamou pelo nome de outra.

Depois de uma noite intensa de sexo, acordei pela manhã com uma
ressaca terrível e com o corpo cheio de marcas e chupadas causadas pelo seu

toque duro. Mas todas as sensações boas desapareceram quando me lembrei do


exato momento em que começou a implorar pelo nome de outra mulher

enquanto metia na minha boceta.

O que sinto pelo pai desconhecido da minha filha é um misto de

medo de ser encontrada com as lembranças boas que me perseguem quase todas

as noites quando deito minha cabeça no travesseiro. Também sinto mágoa por ter
sido usada. Lembro-me vagamente de ter sugerido isso quando ainda estávamos

no bar, mas não o usei em momento algum.

Eu sabia com quem estava transando, vi o seu rosto e senti o seu

toque, não o toque do meu ex traidor.

Não recebi o mesmo em troca, então decidi sair do quarto sem me

despedir. Não fiz por vingança, mas por vergonha e tenho certeza de que foi
melhor assim, embora saiba que teria agido diferente se passasse pela minha

cabeça que ficaria grávida.

Sinto-me fora do meu juízo sempre que me lembro que estava tão
bêbada que não faço ideia se usamos camisinha uma única vez em tantas transas.

Fui inconsequente e poderia ter saído daquele hotel com muito mais do que um
bebê na barriga.

— Mamãe, aqui é legal. — Meu anjinho volta correndo e abraça as


minhas pernas. Eu estava perdida em devaneio há vários minutos, parada no

meio da sala tomada por caixas e nossas malas, mas ela surgiu e me puxou de
volta. — Meu papai vai gostar de ficar aqui com a gente quando voltar da longa
viagem que está fazendo, não é?

— Sim, meu amor. Ele vai — digo, ao agachar-me e abraçá-la bem


apertado, como se a minha vida dependesse do seu calor. Na verdade, acho que

ela depende.

Quando Tammy cresceu o suficiente para entender que era diferente

das outras crianças que tinham um pai e uma mãe, tive que mentir para ela e
disse que o seu estava fazendo uma longa viagem a trabalho. Desde então, para o

meu completo desespero e sentimento de impotência, ela tem perguntado pelo

pai com mais frequência do que eu gostaria. Está ficando cada vez mais difícil

manter a farsa.

Ela tem cinco anos e o meu coração parte sempre que penso em
partir o seu ao revelar que o seu pai não existe. É nisso que acredito,

considerando que não faço ideia de quem o homem é ou de onde está agora.

Como uma jovem mulher que foi inconsequente o suficiente para


arrastar-se bêbada até um quarto de hotel com um desconhecido igualmente

bêbado, tentei o encontrar assim que descobri que estava grávida, mas as minhas
informações eram tão ridículas que a busca rapidamente mostrou-se infrutífera.

Recordo-me de ter depositado no barman a minha maior esperança,


mas fiquei frustrada quando ele disse que aquela foi a primeira vez que o homem

apareceu por lá. Quando liguei nos dias seguintes, ouvi que o meu amante
secreto não retornou à casa de shows.
Desde então, vivo com a minha filha como uma mãe solteira, mas
sempre com a impressão de que o fantasma do passado surgirá a qualquer

momento para cobrar por um erro que nós dois cometemos. O meu lado racional

sabe que algo assim não acontecerá, porque o Brasil é grande demais para que eu
esbarre justamente na única pessoa que não desejo voltar a ver.

Sei que estou sendo egoísta por desejar que ele nunca apareça na

minha frente, mas tudo o que aconteceu e a forma como vivi os últimos anos me
fazem sentir que a Tatá é só minha.

— Por que está chorando, mamãe? — ela pergunta quando se afasta

dos meus braços. Eu não tinha notado as lágrimas.

— Só estou feliz por estar aqui com você — declaro.

— Nunca ficarei longe de você, mamãe. Somos inseparáveis, lembra

do que você me disse?

— Como eu poderia esquecer? — falo, sorrindo entre lágrimas.

É uma mistura de amor com tristeza e impotência por saber que não
poderei dar o pai que ela tanto quer. Mesmo se eu quisesse, não saberia como.


CAPÍTULO 2

MARIA
Depois de três dias tentando controlar a bagunça no meu novo lar e

lidar com o ânimo exagerado da Tatá, finalmente vi o meu apartamento habitável

e então vim fazer a primeira visita após minha chegada.

Por mais que ame os meus pais tanto quanto amo meu irmão Carlos,

eles moram em casas separadas e eu tive que fazer uma escolha sobre qual deles

visitar primeiro. Os meus pais reclamaram, mas não consegui deixar de ver

primeiro o homem que me fez sentir amada e segura pela primeira vez quando

eu era criança.

Eu tinha apenas cinco anos quando Armando e Sônia foram até o

orfanato onde eu fui deixada por minha mãe biológica, uma mulher que era

viciada em drogas e que me deixou para ser adotada. Quando fiquei mais velha e
senti curiosidade para saber mais acerca do meu passado, mamãe me contou que
a mulher que me colocou no mundo morreu de overdose quando eu tinha oito

anos de idade. A identidade do pai biológico é um mistério que nunca quis


desvendar.

Sônia e Armando, um casal de classe média que já tinha um filho de


quinze anos, decidiu que só um herdeiro não seria o suficiente. Como não
poderiam mais gerar seus próprios filhos por causa de uma doença que fez Sônia

tirar o útero, eles optaram pela adoção. Apesar de terem ido até o orfanato com a

intenção de se candidatarem para adotar um bebê, eles me contaram que se

apaixonaram por mim à primeira vista, assim como me apaixonei por eles.

Jamais me esquecerei do misto de alegria com apreensão quando

deixei o orfanato segurando as mãos dos meus dois novos pais. Eles me
contaram que tinham outro filho e hoje eu entendo que tive medo de o meu

irmão não gostar de mim, ou que sentisse ciúme por ter que dividir a atenção dos

pais.

O que aconteceu foi o exato oposto. Assim que entrei pela porta da

bela casa dos meus pais pela primeira vez, fui pega nos braços por um garoto de
quinze anos de idade. Ele me abraçou e girou-me no ar com seu sorriso

contagiante. Desde então, Carlos tem sido o meu super-herói.

Embora eu não goste de classificar pessoas e sentimentos, sou capaz


de afirmar sem medo de errar que até o nascimento da minha filha, Carlos era a

minha pessoa favorita no mundo. Hoje, ele ainda continua no topo dividindo
espaço com sua sobrinha.

Enquanto o vejo abraçando a sobrinha na porta do seu apartamento,


da mesma forma que fez comigo quando me viu pela primeira vez, tenho a

sensação de estar revivendo a cena de vinte anos atrás. O meu peito se enche de
amor e eu sei que sempre me sentirei segura enquanto tiver o meu irmão e

melhor amigo na minha vida. Tudo bem que ele pode ser superprotetor às vezes

e que ainda está chateado por eu ter me negado a dizer quem é o pai da Tatá, mas

isso não diminui em nada os meus sentimentos.

No começo foi difícil esquivar-me das suas perguntas. Como não


queria o decepcionar, optei por não revelar o nome do pai da sua sobrinha, em

vez de o surpreender com a notícia de que na verdade nunca soube sequer o


nome do homem. Meu irmão não me criou para ser essa pessoa irresponsável e

eu prefiro que ele continue acreditando que não sou.

— Eu estava com saudade, titio Carlos — Tatá fala, enquanto sorri e

deixa o rosto do meu irmão todo babado pelos seus beijos molhados.

Apesar de eles não conviverem tanto quanto gostariam, os dois se

adoram e faço questão de fazer chamadas de vídeo para que conversem e se

vejam quase todos os dias. Além do Calvin, meu irmão e meu pai são as únicas

figuras masculinas na vida da minha pequena.

Eu também estava com saudades de você, meu amor — ele devolve,


ao colocá-la novamente no chão. A sapequinha passa pelo Carlos e corre para a

sala, então fica de joelhos e abraça o dócil golden retriever. Ele mostra o seu
cachorro para ela todas as vezes em que fazemos chamadas de vídeo e a menina
é simplesmente apaixonada pelo animal que nunca havia visto pessoalmente.

Tatá costuma dizer que o animal é seu e meu irmão não ajuda em
nada quando não nega suas palavras.

— Que bom que agora estamos juntos, meu amiguinho. Você é muito
mais bonito do que quando o titio me liga. A gente não vai mais se separar. — A

sua carência escancarada deixa o meu coração um pouco apertado. Também

sinto preocupação e medo de ela se apegar não só ao cachorro, mas a tudo que
há neste país.

Desde o começo o plano é voltar para os Estados Unidos com o

Calvin. A minha vida é lá e não tenho nada para fazer aqui quando os três meses

da turnê terminarem.

Meus pensamentos, que sempre me levam para um estado de

apreensão, fazem o sorriso no meu rosto murchar. Volto a olhar para o meu
irmão que está parado na porta me encarando com curiosidade.

— O que foi? Por que está me olhando desse jeito? — indago.

— Estou me perguntando quando você deixará esse olhar confuso de


lado para abraçar o seu irmão preferido — Carlos brinca, faz com que um sorriso

se abra no meu rosto e me deixa ver que ele continua sendo o mesmo de sempre.

É simplesmente impossível continuar sendo outra além da Maria


despreocupada e leve quando estou na presença desse homem. É por isso que

deixo tudo o que não seja a minha felicidade por estar na sua frente de lado e
abro um sorriso antes de jogar-me nos seus braços
Assim como fez durante toda a minha vida, o homem me gira no ar
com uma facilidade que faz parecer que peso meio quilo. Sinto-me levemente

tonta quando sou colocada no chão, porém, mais feliz do que me lembro de ter

estado nos últimos anos.

— A gente precisa conversar — Carlos afirma.

— Pela forma como você fala até parece que não nos ligamos
praticamente todos os dias.

— Você sabe que não é a mesma coisa, pequena. Por ligações você

pode mentir para mim quando te pergunto se está tudo bem, mas sei que não será

capaz de fazer o mesmo pessoalmente, pois te conheço como jamais sonharia em

conhecer outra pessoa — declara, ao puxar-me pela mão como se eu fosse uma
menina e levar-me para o sofá.

Seu apartamento é limpo e bonito. Até parece que existe uma mulher

por trás de tudo isso, mas tenho certeza de que não é o caso, considerando a sua
alergia a relacionamentos.

Aos trinta e cinco anos, meu irmão é um solteiro convicto que sai
para pegar mulheres todos os finais de semana e nem pensa em se casar em

algum momento. Apesar de ser um mulherengo, ele é um bom filho e um bom


irmão.

— Por conhecer-me tão bem, você deveria saber que não tem nada
acontecendo e que tudo o que sinto é cansaço da viagem. Além do mais, sua
sobrinha tem mais energia do que cinco crianças juntas — assevero, deixando de

mencionar que o fato de estar no mesmo solo que o pai da minha filha tem me

deixado em um estado constante de tensão.

Não sei os motivos que me levam a sentir-me assim, mas algo grita
na minha cabeça que o homem está mais perto do que imagino.

Alheia a conversa de adultos, Tatá está sentada no chão da sala

brincando com o seu mais novo melhor amigo. Ela é tão carinhosa que sinto até

pena do cachorro que terá que se acostumar com seus beijos e abraços

constantes.

Mas pela forma como abana o rabo e passa a língua na sua


mãozinha, o animal não parece nem um pouco incomodado.

— Se você está dizendo, acreditarei na sua palavra. Agora me diga

se pretende tirar um tempo para aproveitar a companhia da sua família, ou se


precisará passar três meses agindo como babá de um homem adulto.

— Meu irmão, não fale assim. Você sabe que é o meu trabalho —
falo para defender o Calvin, porque só eu posso me irritar com o astro.

— Você é assessora de imprensa, não a mãe dele.

— Ele é uma boa pessoa, Carlos. Tenho certeza de que vocês se


tornarão amigos agora que passarão mais tempo juntos.
— Até parece que o astro do rock seria amigo de um reles mortal.
Não que eu queira isso, já estou bem servido de amigos.

— Você tem amigos? Eu pensei que todas as suas amigas fossem

mulheres — provoco, como a irmã pentelha que sempre fui.

— Tanto tenho que você conhecerá um deles hoje.

— Eu vou? Por quê? — pergunto, levemente alarmada e não faço

ideia do porquê. — Você deveria ter me avisado, porque não vim arrumada para

conhecer ninguém — afirmo, ao passar a mão pelos meus cabelos. Como se isso

fosse transformar-me de gata borralheira a Cinderela em um piscar de olhos.

Por mais que Carlos e eu sejamos próximos, ele é dez anos mais

velho, então nunca fui amiga dos seus amigos. Não que o seu lado ciumento

fosse permitir de qualquer forma.

— Ele veio do Espírito Santo para São Paulo na semana passada para

passar uns meses e eu aproveitei a ocasião para marcar um almoço para vocês
dois. E você está linda como sempre, minha irmã.

O que está acontecendo aqui? Carlos jamais me apresentaria a um

amigo seu por livre e espontânea vontade.

— Nós dois quem? Seja mais específico. Você tem tantos amigos.

— Tenho muitos colegas, mas só um melhor amigo que se chama

Daniel Fonseca. Já falei com você a respeito dele várias vezes, não se lembra?
— Vagamente. Ele não é o chefe de cozinha renomado que possui
restaurantes por todo o Brasil?

— O próprio! Eu iria apresentar vocês dois há seis anos quando

Daniel veio a negócios, mas ele desistiu de abrir o restaurante em São Paulo e

voltou para casa na mesma semana. Em seguida, você foi morar nos Estados
Unidos e a chance de se conhecerem foi perdida.

— Tem certeza de que está bem de saúde? Não estou entendendo a

sua súbita vontade de apresentar-me um dos seus amigos quando sempre fez

ameaças para que ficassem longe de mim.

— Se tivesse tido a chance de conhecer o Daniel, saberia que ele é

diferente — declara, e suas palavras me deixam curiosa.

— Diferente como? Ele sai com duas mulheres por semana?

Realmente é diferente de você, que deve trazer uma por noite para a sua cama —

brinco, ele arqueia a sobrancelha.

— Daniel é um empresário rico e bonito que deve atrair mais

mulheres do que o seu astro do rock idiota, mas também é um viúvo que nunca
superou a perda da esposa. Ele tem todas, mas não quer nenhuma e eu sinto pena

de toda e qualquer mulher que se ilude com a hipótese de fisgar aquele ali. Isso
jamais acontecerá.

De repente, suas palavras me fazem lembrar de outro homem que


estava sofrendo pela perda da mulher que amava.

Eu sempre tive curiosidade a respeito das amizades do meu irmão,


mas é a primeira vez que Carlos diz algo sobre um deles que realmente chama a

minha atenção.

— Como pode ter tanta certeza disso? Não foi você que me ensinou

que o impossível é apenas uma questão de perspectiva?

— O Daniel perdeu a esposa há sete anos, minha irmã. No entanto,

ele permanece tão apaixonado e devoto que parece ter acontecido na semana

passada. Você sabe que esse papo de amor monogâmico não é para mim,

também sabe que não tenho razões para não acreditar nos sentimentos, porque os

vejo de perto através dos nossos pais há trinta e cinco anos. Mas mesmo se não
tivesse os nossos velhos para darem o exemplo, eu acreditaria que o amor existe

por causa do Daniel. Nunca vi nada igual.

Ainda não conheço o homem, mas a forma como o meu irmão falou
deixou-me tocada e repentinamente ansiosa para saber mais a seu respeito. Não

sou uma pessoa romântica e nem mesmo tive uma grande paixão aos vinte e
cinco anos de idade, mas o amor através de outras pessoas sempre me comove,

embora eu não acredite que algo tão sublime acontecerá comigo algum dia.

— Tem certeza de que ele virá? — É a primeira coisa que falo depois

de tudo o que meu irmão me contou.


— Tenho. Daniel confirmou, e ele é tão certinho que considera um
crime faltar a um compromisso.

— E quanto ao almoço? Onze horas da manhã e não estou vendo

nenhuma panela no fogo. Não que você seja capaz de descobrir como ligar um

fogão.

— Quando você adquiriu essa boca tão esperta, garota? — Carlos se


aproxima, curva levemente o corpo sobre o meu e então escorrega seus dedos

longos pelas minhas costelas. Os meus olhos crescem e meu coração dispara,

porque não sou capaz de lidar com cócegas.

— Cócegas não!

— Então peça desculpas por esse ataque gratuito aos meus dotes

culinários.

— Por que eu pediria desculpa por falar a verdade? — Não consigo

calar a minha boca quando se trata do Carlos.

— Foi você quem pediu, maninha.

Meu irmão mais velho começa a fazer cócegas em mim e, como


sempre, gargalho e contorço o corpo jogado sobre o sofá. Como não poderia
deixar de ser, a pequena entra na brincadeira e traz companhia. Enquanto

caramelo late e abana o rabo, sou atacada por quatro mãos. Eles só param
quando estou chorando de tanto rir.
Apesar do momento de tortura, sinto-me leve e verdadeiramente em
paz ao lado das duas pessoas mais importantes da minha vida. Quando a

brincadeira termina, Tatá volta a se entreter com seu amigo e eu começa a contar

um pouco a respeito da minha rotina para o meu irmão, apesar de ser apenas uma
repetição, considerando que estamos sempre em contato.

Perto do meio-dia, a moça que ajuda meu irmão nas tarefas de casa e

no preparo das suas refeições chega e se dedica ao almoço. Quando Carlos sai
para comprar algumas bebidas e sobremesas, aproveito para levar Tammy para

tomar banho e se preparar no quarto de hóspedes.

Não é o evento do ano e não me escapou a informação de que

teremos apenas mais um convidado além de nós três, mas, ainda assim, quero

que a minha filha e eu estejamos apresentáveis perante o melhor amigo do meu


irmão. Para receber o título de melhor amigo de Carlos Botelho, Daniel com

certeza deve ser alguém especial.

Visto a minha princesa com um dos seus vestidos floridos levemente


armado e prendo seus cabelos lisos e castanhos em um rabo de cavalo no alto da

cabeça. Ainda animada por causa do cachorro, a criança escapa de mim para
correr atrás dele menos de dois segundos depois de ouvir que está pronta. Não

tenho nem mesmo certeza se ouviu a recomendação para que se mantenha o


mais limpa possível.

Quando chega a minha vez, demoro um tempo maior na ducha de


água morna e tomo cuidado para não molhar os meus cabelos. Aqui no banheiro

não tem um secador e os fios ficariam muito piores do que já estão se os

molhasse e deixasse para secarem naturalmente.

Com uma toalha enrolada no meu corpo, saio do banheiro, pego a

bolsa na cama e tiro a única peça de roupa que trouxe comigo. Como uma mãe
prevenida, sempre saio com peças de roupas reservas para a minha filha e para

mim. Quase nunca é necessário usá-las, mas não dá para saber quando coisas
imprevisíveis acontecerão. Hoje fui surpreendida com um convidado repentino e

especial de alguma forma para o almoço.

Embora eu esteja tentando convencer-me de que não estou

especialmente preocupada com a minha aparência e saiba que o homem nem

mesmo olhará para mim, se sua devoção pela esposa for tão real quanto Carlos
pensa, fico animada por ter colocado um vestido justo, curto e de um ombro só

dentro da minha bolsa.

A peça me deixa especialmente atraente, então aproveito para


completar o visual com cabelos presos em um coque frouxo, maquiagem leve e

brincos de argolas. Para os pés, contento-me com a minha rasteirinha. Uma que
uso com tanta frequência que não faço ideia de como ainda não se deteriorou.

— Até que você está bem para o melhor amigo do seu irmão — falo
com um sorriso no rosto na frente do espelho.

Como em um filme, o sorriso começa a morrer no meu rosto quando


percebo que esqueci do resto do mundo quando coloquei os meus pés dentro
deste apartamento. Apreensiva, como se fosse descobrir que minha vida virou de

cabeça para baixo, caminho apressada até a cama, reviro a bolsa e pego meu

celular.

Deixo escapar um suspiro de alívio quando vejo que não tem


nenhuma notificação de mensagem ou ligação do Calvin. Aparentemente, está

tudo bem. Não que o seu silêncio me conforte, mas confio na Mila e sei que ela
teria ligado ou enviado um sinal de fumaça se o nosso menino de ouro estivesse

aprontando uma das suas.

Depois que termino de me arrumar, pego o celular e saio do quarto.

Quando chego à sala, sou recebida pelo cheiro maravilhoso de comida e

imediatamente sinto o meu estômago protestando de fome. Sou acostumada a


alimentar-me nos horários mais errados possíveis, mas parece que o meu corpo

sentiu quando cheguei a um lugar mais calmo e com possibilidade de me fazer

mudar um pouco os meus hábitos alimentares errados.

Entro na cozinha para perguntar se a mulher precisa de alguma ajuda,

mas ela sorri com simpatia e diz que está tudo sob controle. Ao deixar a cozinha,
saio em busca da minha filha e a encontro brincando de jogar bolinha de papel e

esperar que o cachorrinho caramelo a pegue na varanda.

Apesar do meu aviso, tem uma mancha de terra, provavelmente da

pata do caramelo, no seu vestido florido. Opto por não me importar com isso,
afinal, estamos na casa do seu tio e o nosso convidado é apenas um homem que

não deve ser muito diferente do Calvin. No meu ponto de vista, os homens são

quase todos iguais e só mudam de endereço. Sei como lidar com cada um deles.

Minha forma de lidar com o sexo oposto é manter-me o mais distante

possível. Apesar de não ter me mantido celibatária depois que fiquei com o pai
da minha filha, tive poucos encontros sexuais nos últimos anos e nenhum foi

memorável o suficiente para demover-me da ideia de não levar relacionamentos


a sério.

Nunca houve uma razão específica para tal escolha. Só sinto que

ainda não conheci um homem capaz de me fazer sentir vontade de renunciar à

minha independência para dividir a vida. Não saí com alguém que tenha chegado

perto de me deixar com vontade de apresentar a minha filha e tenho a sensação


de que essa realidade está longe de mudar. Pelo menos é o que parece,

considerando que todos os homens são iguais para mim.

Perto de uma da tarde, Carlos entra no apartamento carregando


várias sacolas de mercado nas mãos. Caminho até ele com a intenção de o

ajudar, mas paro como uma estátua de cera quando percebo que ele não está
sozinho.

Um homem de cabelos pretos está parado na porta logo atrás dele,


mas mantém a cabeça baixa e os olhos no celular. Ele ainda não notou a minha

presença, mas eu notei a sua, porque é impossível não sentir o cheiro bom de
perfume masculino. Também é impossível não me sentir impressionada com a

sua altura.

Quando Carlos termina de entrar, o homem moreno o segue. Ainda

de olho no celular e ainda sem notar a presença de qualquer pessoa ao redor.

Meu irmão vai até a cozinha, deposita as sacolas em cima da bancada americana
e volta para perto de mim. Estou parada no mesmo lugar como se fosse incapaz

de me mexer.

As minhas mãos estão levemente suadas e o meu coração acelerado.

Por algum motivo, estou sedenta para que o visitante levante a cabeça e me

deixe olhar em seus olhos. Algo me diz que em poucos segundos terei uma

grande surpresa e não sei mais se o almoço será tão agradável quanto imaginei

que fosse ser.

De uma maneira bizarra, considerando que não vi o seu rosto ainda,

tenho a impressão de que conheço o homem de algum lugar.

— Daniel, sei que é viciado no seu trabalho e que reles mortais são

insignificantes demais para um homem como você, mas a minha irmã está
parada na sua frente e eu gostaria que parasse de olhar para a porra do celular e

prestasse atenção nela. — As palavras do Carlos, que são uma mistura de


sarcasmo com a verdade nua e crua, fazem com que o nosso visitante finalmente
coloque o celular no bolso e erga a cabeça.

Quando Daniel olha diretamente para mim, sinto a força das minhas
pernas me abandonando e agradeço imensamente por ter meu irmão abraçando-
me pelo ombro, pois eu seria capaz de cair dura no meio desta sala se não fosse

por ele.

O sangue gela nas minhas veias e o meu coração dispara tão

rapidamente que não tenho a menor dúvida de que essa é a sensação de quase
morte. Sem piscar ou fugir do seu olhar, percebo que Daniel me olha da mesma

forma e que também não pode esconder a surpresa. O homem com certeza me
reconheceu.

Carlos estava animado com a ideia de nos apresentar, mas isso é

porque ele não sabe que o seu melhor amigo não só me conhece como também é

o pai da minha filha.

É claro que é ele. Eu não poderia esquecer-me desse olhar nem em

um milhão de anos. Dentre todas as pessoas que existem no mundo, o amigo

mais próximo do meu irmão tinha que ser o fantasma do meu passado?

Agora que ele está na minha frente, percebo que eu não estava louca

e realmente tinha razões para temer pisar em solo brasileiro. Ele me encontrou
rápido demais, embora duvide que estivesse procurando.

— Mamãe, você não vai acreditar no que o caramelo acabou de


fazer...

Sinto o mundo desabar quando Tammy entra correndo na sala e toma


a atenção do Daniel para si. Ele olha para mim e então percebo o momento exato
em que constata a verdade.


CAPÍTULO 3

MARIA
Se a minha atitude não me fizesse parecer uma louca, eu pegaria

minha filha e sairia correndo deste apartamento agora mesmo. Mesmo se eu não

tivesse certeza de que esses olhos são os mesmos que me fitaram com desejo

naquela noite há seis anos, a forma como Daniel está olhando para minha filha

sem piscar não deixa a menor dúvida de que o homem sabe exatamente quem
sou.

Pela forma fria como me encara, apesar de o seu olhar suavizar

sempre que volta a atenção para a pequena, que está parada no meio da sala o

fitando com curiosidade, ele também não está nem um pouco feliz com o

encontro. Eu posso até mesmo sentir as engrenagens do seu cérebro juntando


peças e chegando à conclusões que me colocarão em apuros. De repente, ainda

que ele não tenha nem mesmo aberto a boca, sinto que o meu maior pesadelo se
materializou de maneira repentina bem na minha frente.

— Daniel, meu amigo, como deve estar imaginando, essa garota é a


minha irmã mais nova que você não teve a oportunidade de conhecer, porque ela

escapou antes para os Estados Unidos e levou a minha pequena espoleta na


barriga. — Meu irmão parece muito satisfeito e eu me sinto mal por deixá-lo

aquém do que está acontecendo entre mim e o seu amigo.

Como se estivesse se obrigando a esboçar alguma reação, o homem,

que parece mais bonito do que há mais de seis anos, limpa a garganta com

pigarro, dá dois pequenos passos em minha direção e para muito próximo de


mim. Por motivos que prefiro ignorar, sinto meu corpo tremer pela proximidade

e pelo calor que o seu está emanando.

— É um prazer te conhecer, Maria. O seu irmão fala muito de você e

agora finalmente posso te dar um rosto. — Apesar das palavras parecerem

lisonjeiras, e talvez fossem se tivessem saído da boca de outra pessoa, o homem

faz parecer que não poderia estar mais arrependido de ter ouvido falar sobre

mim.

Comigo não foi diferente, já que o Carlos me fez saber da existência

do seu melhor amigo por anos sem nunca ter falado a respeito do seu luto

prolongado por causa da perda da esposa. Até agora há pouco, meu irmão não
havia mencionado algo a respeito do estado civil dele e não entendo o motivo.

Até meu irmão mencionar a viuvez do amigo minutos atrás, eu não

me recordava porque o meu amante estava triste naquela noite. Agora que
lembrei e que todas as peças estão se encaixando, sinto-me ainda mais usada,
porque ele com certeza estava vendo o rosto da falecida esposa enquanto

transava comigo. Agora lembro-me claramente de quando o Daniel disse no bar


que era aniversário de um ano da morte dela e eu fui a sua válvula de escape em

um momento de completa vulnerabilidade. Eu também estava na fossa e

completamente bêbada, mas não posso fingir para mim mesma que não estive

com ele e apenas com ele durante toda aquela madrugada.

Todas as vezes em que as lembranças inoportunas daquela loucura


surgem na minha mente, é esse rosto que vejo com total nitidez. Se Daniel

parecia bonito nas minhas lembranças um pouco pálidas pelo tempo decorrido e
pela quantidade de bebida no meu sangue naquela época, agora ele é

simplesmente perfeito. Tão lindo que poderia perfeitamente ser um modelo de

passarela em vez de empresário de sucesso.

Alto, muito alto. Maxilar forte. Cabelos escuros e olhos castanhos

esverdeados. Ele é lindo.

— Minha irmã, pare de encarar o Daniel. Acho que você está

assustando o nosso convidado — Carlos comenta em tom de brincadeira ao

abraçar-me novamente pelo ombro e acabo acordando para a realidade.

Merda! Por que não posso simplesmente sair correndo daqui e fingir
que esse encontro não aconteceu?

— Perdoe-me, ainda estou um pouco cansada por causa da viagem e


do fuso horário — declaro, meu irmão me olha com uma sobrancelha arqueada,

dizendo-me que eu não poderia ter inventado uma desculpa mais idiota do que
essa.
Por me conhecer como a si mesmo, ele sabe que tem alguma coisa
acontecendo e que estou apenas inventando uma desculpa para minha distração e

a forma estranha como estou agindo na presença do seu amigo que, em tese, eu

não conhecia até poucos segundos atrás. — É um prazer te conhecer também.


Como você já sabe, sou a Maria — apresento-me, ao estender a mão e sentir o

seu aperto firme. O homem me segura por mais tempo do que deveria e encara-

me mais intensamente com os seus olhos frios.

Farejando o clima estranho, Carlos pigarreia. Daniel solta a minha

mão e dá alguns passos para trás, como se não suportasse ficar muito perto de

mim. Então somos dois, porque tudo que eu queria neste momento era estar com

a minha filha a um oceano de distância deste homem.

Sua atenção desvia de mim e vai para a criança novamente. Sinto um


nó se formando na minha garganta e minha vontade é de abraçar minha pequena

e nunca mais a soltar, apenas para garantir que nem ele e nem ninguém possa a

tirar de mim. Mesmo se ele quisesse, algo assim jamais aconteceria. Prefiro

morrer a pensar em uma realidade em que eu não esteja presente para Tammy.

Existe a chance de o Daniel não ter notado a semelhança dos seus


olhos com os olhos da minha filha e tudo isso seja apenas criação da minha

cabeça, depois de ter passado tantos anos com medo de ele simplesmente surgir
do nada. Parece que estou me perdendo na minha mente e não posso me entregar

assim.
Eu não vou!

— Mamãe — Tammy me chama, acreditando que está sussurrando


para que apenas eu a escute, mas a realidade é que ela está falando para que

todos os presentes na sala ouçam. — Quem é esse moço que estava segurando a

sua mão? Eu o achei bonito. É mais bonito do que o tio Calvin, mas o tio Calvin
não parece mau e esse homem parece. Ele está bravo com alguma coisa?

Com o rosto pegando fogo de vergonha, ergo a cabeça novamente e

olho para o Daniel, que está constrangido e deixando claro pela primeira vez nos

poucos minutos em que está aqui que é um ser humano com sentimentos. Antes

do comentário constrangedor da minha filha, ele parecia tão comedido e imóvel

que eu estava começando a me perguntar se não era um robô.

— Querida, não fale assim dele — obrigo-me a defender o amigo do

meu irmão, tudo em nome da diplomacia. Mas a verdade é que eu mesma estou

pensando como uma criança e acreditando que Daniel é um homem mau.

Por que ele não fala nada?

— Desculpe, mamãe, eu não queria aborrecer a senhora.

— Querida, você sabe que não me aborrece. Eu só quero que você se


lembre daquilo que a mamãe te falou sobre nunca julgar as pessoas sem

conhecê-las. Tenho certeza de que você conhecerá o amigo do seu tio e gostará
dele — digo, ao curvar o meu corpo e dar um beijo na sua bochecha gorda e
rosada. Carinhosa, Tatá segura os dois lados do meu rosto e deixa um beijo
molhado na minha bochecha.

Depois que sai da minha frente, minha menina educada vai até o

Daniel, joga a cabecinha para trás para conseguir o ver melhor e então começa a

encarar o homem com curiosidade aberta. Daniel não se move e não sei se
continua respirando. Se a forma fria como me olhou ficou escancarada logo de

cara, neste momento não faço ideia do que passa pela sua cabeça.

— Me desculpa por ter falado mal de você — ela fala com

humildade e o meu peito se enche de orgulho pela criança que criei sozinha, mas

com muito amor e devoção.

— Não precisa pedir desculpas, querida — Daniel parece mais


relaxado quando abre um meio sorriso e se ajoelha para ficar com a cabeça na

altura da minha pequena. — Outras pessoas também pensam que sou mau, mas

elas mudam de ideia quando me conhecem. Espero que você também mude e se

torne minha amiga, princesa. Você quer ser minha amiga?

— Eu quero, você é amigo do meu tio e ele só é amigo de pessoas


boas, não é, mamãe?

— É claro, querida.

— Você também é muito bonito, Daniel. Os seus olhos são como os


meus — a menina fala com o seu jeito inocente, sem fazer ideia de que suas
palavras são recebidas de maneiras completamente diferentes por três adultos.

Quando olho para o lado, meu irmão está alternando o olhar entre
mim e seu melhor amigo, mas ele logo balança a cabeça, como se estivesse

querendo eliminar qualquer ideia maluca que surgiu na sua mente. Mal sabe que

talvez não esteja tão errado assim e que a semelhança que a sobrinha notou não é
apenas coincidência.

— Espero que você goste dos seus olhos — o homem fala da

maneira mais leve que consegue por saber que está lidando com uma criança,

mas sou capaz de sentir as vibrações do seu corpo e tenho certeza de que está se

segurando para não se levantar, vir até mim e esganar-me apenas pela

possibilidade de ter perdido cinco anos da vida de uma filha que ele não sabia da

existência. Faria isso sem se questionar se sou culpada ou inocente da sua perda.

Qualquer pessoa que soubesse que ficamos juntos há seis anos não

teria a menor dúvida acerca da paternidade da Tatá, considerando que os olhos

dos dois são praticamente iguais e com colorações incomuns demais, do tipo que
não se encontram em muitas pessoas. O meu irmão, por exemplo, está se

questionando neste exato momento, mas ele se debate com a possibilidade por
acreditar que não chegamos remotamente perto um do outro antes de hoje.

— Eu gosto dos meus olhos, Daniel. Eles são diferentes dos olhos da
mamãe, mas acho que pareço com meu papai.

— O seu papai? — o empresário pergunta com interesse ao erguer


rapidamente a atenção para mim e depois voltá-la novamente para a minha filha.

Fico desejando que um buraco se abra debaixo dos meus pés para
que eu me esconda e nunca mais saia, mas sei que não existe a menor chance de

fuga para essa situação. Era por isso que eu sentia tanto medo de deparar-me

com ele quando colocasse os meus pés no país. Eu sabia que seria como juntar
dois mais dois.

— Sim, papai está viajando. Mas sei que me ama e que um dia se

cansará de trabalhar e ficará um tempo ao meu lado.

Por ironia do destino, Daniel brotou em uma fase que Tatá está

adulta o suficiente para começar a questionar por que nunca viu uma foto sequer

do suposto pai. Nem sei como ela ainda não perguntou.

Merda! Cada palavra sua é um golpe baixo, filha.

Você finalmente está na frente do seu pai, mas não faz ideia do

problema no qual me meti.

— Tenho certeza de que ele te ama, porque é impossível que alguém


não ame uma menininha tão educada e linda como você — Daniel declara, então

Tatá se joga em seus braços e o abraça pelo pescoço.

O gesto da menina o surpreende, mas também surpreende a mim,

pois apesar da minha filha ser uma menina muito doce e bastante sociável, ela
não sai distribuindo abraços, sobretudo em pessoas que acabou de conhecer. Se
fez isso, significa que gostou muito do Daniel.

Era óbvio que ela gostaria dele. Ainda que o homem pareça um
bloco de gelo sempre que o olhar desvia rapidamente para mim, ele ainda é o seu

pai biológico e talvez seja verdade a fala de que o sangue sempre fala mais alto.

— Você é muito legal, Dan. Ainda bem que eu aprendi com minha

mamãe que não devo julgar as pessoas sem conhecer. Achei que você fosse mau,
mas é tão bom quanto o meu tio Calvin.

— Quem é o tio Calvin? — Já sentindo-se à vontade, como se não

tivesse acabado de conhecer a garota, Daniel se levanta e a pega em seus braços

fortes... Muito fortes.

Toda serelepe com seu novo amigo, a traidora mirim tem um sorriso

de orelha a orelha para o belo homem.

— No começo ele era apenas o chefe da mamãe, mas agora o tio

Calvin também é o nosso amigo, não é mamãe?

— Sim, querida — respondo, e sou premiada com mais um olhar


gelado.

Sei que tudo isso não tem nada a ver comigo e que o homem só está
reagindo por causa de um senso de proteção e responsabilidade com a filha que

ele nem sabia que existia até poucos minutos atrás. Na verdade, Daniel não tem
nem mesmo como ter certeza de que ela é sua.
Olhos idênticos não querem dizer nada, não é mesmo?

— Sabia que o tio Calvin é um cantor muito famoso que pede a


mamãe em casamento quase todos os dias quando nos visita?

Sim, ter uma filha é saber que ela me constrangerá nos momentos
mais inesperados possíveis. Por outro lado, por que eu deveria me sentir

constrangida por ela estar falando dos pedidos de casamento que o Calvin faz?
Obviamente, meu chefe faz apenas para me provocar, mas se fosse sério o

Daniel não teria nada a ver com isso.

— Ele pede? — meu irmão pergunta para colocar lenha na fogueira e

deixar-me ainda mais sem jeito.

— Pede, mas mamãe sempre diz que se casará com ele no dia em

que a galinha ciscar para frente — a resposta da sobrinha faz o Carlos soltar uma

gargalhada. No entanto, seu melhor amigo continua agarrado a minha filha e

olhando-me como se quisesse me trucidar aqui e agora.

Qual o problema desse filho da puta? Ele pensa que é quem?

Acha mesmo que tem o direito de ficar me olhando como se eu fosse

a culpada por todas as desmazelas do mundo?

Até parece que chamei pelo nome de outro homem enquanto estava

transando com ele. Até parece que eu escondi a sua filha de propósito. Se esse
homem tivesse alguma noção de quem sou, ele saberia que eu jamais esconderia
minha filha do próprio pai, não depois de ter sido deixada em um orfanato. Não
depois de ter passado os primeiros anos da minha vida desejando ter pessoas que

me amassem.

— Minha irmã, o que está faltando para você se render ao charme do

seu astro do rock? — Eu sei que Carlos só está dizendo isso para me provocar.
Ele prefere me ver solteira para sempre a pensar em mim com um homem que

troca de mulher como quem troca de cueca.

— Talvez eu me renda — declaro com o intuito de provocar o

Carlos, mas a única coisa que consigo é receber dois pares de olhos me fitando

com irritação.

— Não brinque com isso! Será que podemos parar com essa
conversa? Eu estou morrendo de fome — a fala do meu irmão faz com que eu

respire aliviada por saber que pelo menos por enquanto estarei livre das

tentativas da minha filha de deixar-me em maus lençóis e dos olhares assassinos

do seu pai.

Mesmo quando nos sentamos à mesa para servirmos o almoço,


Tammy não consegue desgrudar do Daniel. Ele também não parece incomodado

com o seu grude e isso a deixa ainda mais disposta a ficar por perto. Enquanto
almoçamos a deliciosa refeição preparada pelas mãos de fada da ajudante de
cozinha do meu irmão, é a pequena quem dita o assunto e o ritmo da conversa.

Vez ou outra, engasgo-me com comida quando ela revela fatos a meu
respeito que o homem que está sentado na minha frente não deveria saber. Ela
não precisava dizer que não tenho namorado e que fujo de todas as tentativas que

a Mila faz de levar-me para sair nos finais de semana.

Não é bem assim. O seu olhar de criança não entende que prefiro

passar mais tempo com ela a deixá-la com uma babá para ir atrás de sexo fácil
nas casas de shows que minha assistente gosta de frequentar. Tammy poderia

agir como qualquer outra criança e fazer birra para passar mais tempo comigo,
mas a sua carência por um pai a faz ter esperança de que eu possa encontrar

alguém que consiga fazer esse papel para ela.

A minha filha já tem cinco anos e acredito que no fundo já estava

começando a perder as esperanças de que o suposto pai fosse voltar para ficar

junto dela. Por ironia do destino, o pai que tanto esperou está sentado ao seu lado
enquanto tagarela.

Enquanto a pequena faz um relatório sobre a minha vida, o chefe de

cozinha dá toda sua atenção para ela e quase faz parecer que o Carlos e eu não
estamos presentes.

Quando todos nós nos sentimos satisfeitos, levantamos da mesa e

caminhamos para os sofás. Como não poderia deixar de ser, porque o seu novo
melhor amigo a fez se esquecer de mim, a pequena segura a mão do pai e se
senta ao seu lado no sofá da sala do meu irmão. De imediato, caramelo corre

para ela e deita a cabeça nas suas pernas.


— Ele está com sono, mas não consegue se afastar da Tatá — Carlos
comenta, então tiro o meu olhar indiscreto do moreno bonito, que parece ainda

mais tentador sentado ao lado de uma criança. — Acho que está na hora de

colocar esse pequeno traidor para descansar — sem sentir vergonha de deixar-
me perceber que está com ciúme da própria sobrinha com seu animal de

estimação, meu irmão fala e se levanta.

Ele caminha em direção a área de serviço e caramelo sai correndo


atrás. Como o cachorro se tornou o único capaz de afastar a garota do Daniel, ela

sorri com doçura para ele e para mim, depois sai correndo atrás do tio e do

golden retriever.

Fico com um sorriso estampado no rosto, mas ele se desfaz quando

percebo que o fantasma do meu passado e eu ficamos a sós na sala. Com as


mãos cruzadas sobre o meu colo, fico com a cabeça abaixada olhando para as

minhas unhas durante alguns segundos, mas o meu lado rebelde não me deixa

ficar quieta durante muito tempo.

Quando ergue a cabeça e olha diretamente para mim, Daniel já não

parece o mesmo homem que até agora há pouco olhava para minha filha com
doçura. Sem dizer uma única palavra, ele faz com que eu me sinta a pessoa mais

errada do mundo, tão pequena que eu poderia simplesmente pedir desculpa por
existir.

Mas ele não sabe quem sou, e definitivamente não sou essa pessoa
que abaixa a cabeça e toma todas as culpas e dores do mundo para si. Daniel

pode até estar disposto a fazer o jogo do mudo comigo, ou até mesmo condenar-

me sem que antes eu possa abrir a boca para conversar sobre aquela noite, mas

não permitirei que me trate assim. No que depender de mim, não vestirei uma
carapuça que não me serve.

— Vai ficar parado me olhando como se estivesse vendo o diabo na

sua frente? Ou dirá o que está passando pela sua cabeça? Você sabe quem eu
sou, não sabe? — faço a última pergunta, porque nunca é demais assegurar que

não estou ficando maluca e colocando expressões que não existem no seu rosto.

— Claro que sei, você é a irmã mais nova do meu melhor amigo — o

homem fala, perco a paciência e levanto-me do sofá para ir atrás daqueles dois.

Não ficarei aqui perdendo meu tempo com esse idiota.

Assim que dou as costas, Daniel segura meu braço com firmeza e

vira o meu corpo em sua direção, obrigando-me a encará-lo de perto.

A sua presença, o toque e proximidade me fazem sentir tantas coisas

que é até difícil de classificá-las. Mas não posso negar que estou sendo
diretamente atingida pelo cheiro bom e calor do seu corpo. Daniel é alto e

naturalmente forte, tão lindo com seus olhos que são uma peculiar mistura de
castanho com verde que até me faz sentir como se não convivesse com homens
belos e famosos há anos.

Há também a sua contida energia de perigo que deveria fazer-me


recolher minhas garras e esconder-me das suas vistas, mas tudo que sinto agora é
uma imensa vontade de o desafiar para mostrar que também posso ser um bloco

de gelo.

— Você é a irmã do Carlos, mas também é aquela garota com quem

transei quando estava bêbado há mais de seis anos, não é?

— Até que você tem a memória boa para alguém que estava tão
alcoolizado que não sabia nem mesmo com quem estava fazendo sexo — falo

em tom de desafio e o aperto da sua mão no meu braço, que me deixa colada ao

seu corpo, chega a ser doloroso.

— Primeiro eu te encontro aqui e descubro que é irmã do meu

melhor amigo. Em seguida fico sabendo que tem uma filha e que a menina tem
os olhos idênticos aos meus. Vai começar a falar, ou terei que descobrir que tipo

de jogo está fazendo do meu jeito?


CAPÍTULO 4

DANIEL
Não sei se faz apenas alguns minutos ou horas que estou com o

corpo da garota contra o meu, encarando o seu rosto à procura de respostas para

o soco inesperado no estômago que acabei de receber. Audaz como poucas

pessoas se atrevem a ser comigo, Maria Botelho me encara de frente e não sei ao

certo se sua atitude me irrita ou me instiga.

Como aconteceu há seis anos, essa mulher está me levando ao

extremo da incoerência pois mesmo tendo algo muito importante martelando na

minha mente e que precisa ser tratado com ela, ainda tenho cabeça para pensar

nela como alguém que é mais do que uma maldita dor de cabeça.

Vi a irmã do meu melhor amigo apenas uma vez, mas ela foi a única

pessoa capaz de desviar-me do meu caminho. Agora mesmo, depois de anos


lutando para manter-me são e controlado, apenas levando a vida da melhor
forma possível, ela está tirando a minha paz de espírito e me deixando

completamente perturbado não só pela ideia maluca que está passando pela
minha cabeça, mas pelo fato de prender o meu olhar no seu rosto o tempo todo.

De repente, com essa mulher colada contra o meu corpo, não por
vontade própria, sinto mais calor do que senti em todos esses anos. Sinto tudo o
que não deveria sentir, tudo o que não senti porque escolhi viver dessa forma.

Tracei planos, e não permitirei que essa garota que nem ao menos conheço

ressurja na minha vida sem mais nem menos e bagunce tudo o que estava em seu
devido lugar. A única coisa que quero dela é uma resposta e não sumirá da minha

vista sem que me faça saber o que preciso ouvir.

O fato de ela ainda ser cheirosa, de ter o corpo tentador e um dos


rostos mais belos que já vi na minha vida não importa, porque a noite em que

nós dois nos perdemos no corpo um do outro foi um erro que não pretendo

repetir. Um erro tão grande que me tornou um celibatário, ainda que o meu corpo

venha sofrendo com necessidades físicas e naturais que precisam ser satisfeitas,

sobretudo agora.

— Você vai falar agora, ou ficará me olhando até decorar cada linha

do meu rosto? — Decidido a acabar logo com isso, para quem sabe esquecer a

sensação de que o seu corpo está incendiando o meu, uma reação tão forte como

outras mulheres não conseguiram tirar de mim em momento algum desde que
fiquei viúvo, volto a pressioná-la.

Quanto mais rápido Maria der a resposta que quero, mais rápido

sairei daqui para colocar a minha cabeça novamente no lugar.

De repente, o fantasma do passado não só surgiu na minha frente

como trouxe uma possibilidade que parece surreal demais até mesmo para ser
cogitada. Ela tem uma filha, uma menininha linda de cinco anos de idade, se eu

não estiver enganado. A criança tem os cabelos escuros como os meus. Até aí,

não há nada de especial, considerando que cabelos pretos não são uma

exclusividade das pessoas da minha família. O que realmente me deixou


completamente chocado no momento em que a garota surgiu na sala foi a cor

dos seus olhos.

Se cabelos pretos são comuns, a coloração castanha esverdeada dos


nossos olhos não são. Olhos tão parecidos com os meus que me deixaram

assustado com a semelhança. No mesmo instante, sentindo meu coração

disparado e com um filme sobre como perdi a minha esposa e meu filho

passando pela minha cabeça, acreditei que aquela garota fosse minha filha e

ainda não mudei de ideia.

Apesar de ter sido carinhoso logo de cara, algo que não acontece

com frequência, porque prefiro manter distância de crianças para não pensar na

idade que o meu filho teria se eu não tivesse o perdido, realmente não sei como

me sentir quanto a possibilidade de ela ser minha.

No momento só preciso de respostas. Respostas que a garota parece


incapaz de me dar quando não abre a boca e continua me encarando

praticamente sem piscar seus enormes olhos castanhos, esse narizinho pequeno e
arrebitado e a boca rosada de lábios grossos em formato de coração.

— Eu estou perdendo a paciência com você. Responda a minha


pergunta!

— Pergunta? — a mulher fala, completamente atordoada ao balançar


a cabeça e tentar escapar do meu agarre. Disposto a não ceder, não só não a

deixo ir como a aperto ainda mais contra mim.

Estou em uma missão aqui e não me importo com o fato de o seu

corpo tentador estar junto do meu de uma forma que outras mulheres não ficam.

— Qual é o seu jogo? — Os seus olhos se tornam ainda maiores

quando acorda do transe e começa a assimilar a pergunta. Sei que existe um

pouco de medo que ela não consegue conter no meio da sua atitude corajosa.

Se está com medo é por saber que tem motivos. Essa mulher precisa

entender que não sou um homem com quem as pessoas brincam. E sejam quais

forem seus motivos para mentiras e mistérios, irei descobrir um por um. A

deixarei tão exposta para os meus olhos que a garota sentirá como se estivesse

nua.

— Você sabia quem eu era quando nós nos conhecemos naquele bar?

— Que tipo de pergunta é essa?

— O tipo de pergunta que qualquer homem faria se reencontrasse


uma foda casual e bêbada. Uma foda sem qualquer importância que tem uma

filha. Uma criança cujos olhos não poderiam ser mais parecidos com os meus.
Fale a verdade, garota.
Caralho!

Tenho ciência de que não estou fazendo a abordagem certa, mas ela
tem algo que me tira do sério e isso acontece desde a primeira vez naquele

maldito bar, um lugar onde eu não deveria ter ido para começo de conversa.

Aquele foi um erro que me atormenta até hoje e não sei como

redimir.

— Falo se eu quiser. E adivinha só? Não quero falar — Maria me

enfrenta sem esconder o tom de irritação quando se aproveita do momento em

que sua filha volta com o tio para sala e se livra do meu agarre. Ela vai até a

menina sem olhar para mim.

Eu fico parado no mesmo lugar, mas o meu olhar acompanha sua

fuga. Ele não consegue se afastar da sua figura esbelta, principalmente da bunda

bonita quando a mulher se curva para pegar a menina em seus braços e abraçá-la

bem apertado, como se estivesse com medo da criança sumir em um passe de


mágica.

— Filha, vamos? Temos que ir para casa agora — ela afirma, mas a
menina balança a cabeça negativamente de um lado para o outro.

— Vamos ficar mais um pouco, mamãe. Eu ainda quero brincar com

o caramelo e com o Dan — a pequena argumenta, parecendo madura demais


para sua pouca idade, e o meu coração bate acelerado por motivos mais nobres
do que todas as emoções que sua mãe suscita em mim.

Faz tempo que me convenci de que filhos não farão mais parte da
minha vida. Mas agora que ter uma herdeira tornou-se uma possibilidade,

começo a pensar que não seria tão ruim ter alguém para aplacar um pouco da

minha solidão. Um pequeno ser que teria o meu sangue e que de forma alguma
eu poderia culpar pela traição que cometi há seis anos.

— Filha. A mamãe tem que trabalhar, lembra? Além do mais, o tio

Calvin disse que iria conhecer o nosso apartamento e tenho certeza de que você

está com vontade de brincar com ele também, não está?

No momento em que Maria cita o nome do tal Calvin, a garota para

de balançar a cabeça de um lado para o outro e se conforma com a ideia de que


irá embora agora. Apesar de nada a respeito da vida amorosa dessa mulher ser da

minha conta, senti-me incomodado com tudo o que ouvi a respeito da sua

relação com o babaca do rock. O idiota que a pede em casamento quase todos os

dias.

— Tudo bem, também gosto do Calvin e quero brincar com ele — a


pequena fala, então vem correndo para mim e olha para cima.

Para ficar na sua altura, agacho-me na sua frente e mais uma vez sou
surpreendido com um abraço quentinho. Sentindo-me estranho pela segunda vez,

tenho a sensação de que o gelo em volta do meu coração está começando a


derreter lentamente por sua causa. Ainda que exista a remota possibilidade de ela
não ser minha filha, eu não poderia manter-me frio, porque essa menininha é a
coisa mais preciosa do mundo.

Se tenho alergia a crianças, essa parece ser a minha cura. Como ela,

eu gostaria que pudéssemos passar mais tempo juntos, porque algo em mim

clama para que a gente se conheça melhor.

— Você promete que vai me visitar? — sua fala aquece meu coração,
então desvio o olhar dela para sua mãe, que está balançando a cabeça de um lado

para o outro, implorando para que o negue o pedido de alguma forma.

Tenho certeza de que tudo o que Maria não quer é uma visita minha.

— Eu prometo — falo, fingindo não perceber que Maria está me

matando com um olhar. Ao seu lado, meu melhor amigo apenas assiste a cena

sem dizer uma palavra sequer. Ele está atento, mas posso jurar que ainda não

entendeu o que está rolando aqui. Aposto que notou a semelhança entre mim e

sua sobrinha, mas nega a possibilidade por ter certeza que eu jamais ficaria com
outra mulher depois da morte da Karen.

Carlos tentou de todas as formas fazer-me superar o luto, mas chegou


um momento em que ele se cansou e entendeu que eu não queria e não iria

esquecer-me da única mulher que amei. O fiz entender que mulher nenhuma
poderia substituir a Karen e que eu não estava interessado em fazer sexo sem

sentido somente para aliviar a natureza do meu corpo.


Aconteceu uma vez, e ele nem imagina que foi com a sua querida
irmãzinha, que pode ou não ter engravidado de mim. Mesmo que não tenha a

conhecido antes, meu amigo nunca escondeu o cuidado e proteção com ela e não

faço ideia de qual será a sua reação quando descobrir o que aconteceu entre a
gente há alguns anos.

— Vamos, mamãe? Não quero deixar o tio Calvin me esperando por

muito tempo. — Depois de dar um beijo no meu rosto, minha pequena vai até a
mãe e segura sua mão.

Quando o Carlos acompanha as duas até a porta, Tammy dá tchau

para mim acenando com a mãozinha. Sua mãe por sua vez não olha em minha

direção antes de sair e eu deixo que um sorriso de canto surja no meu rosto. Sua

atitude não me abala, porque sei que ela pode até fugir, mas que não conseguirá
se esconder de mim.

Quando ela simplesmente sumiu no ar como se aquela noite tivesse

sido somente uma mera alucinação, não pude sentir nada que não fosse alívio e
não fiz a menor questão de ir atrás para descobrir sobre a sua identidade. Mas

desta vez é diferente, há muito mais em jogo e eu seria capaz de ir até o inferno
para buscá-la, caso tentasse escapar.

— O que estou vendo no seu rosto é um sorriso? Se eu não estivesse


vendo com os meus próprios olhos não acreditaria. Você passou os últimos anos

me fazendo acreditar que era incapaz de sorrir, mas bastou ver aquelas duas que
os seus dentes apareceram.

— Quem poderia imaginar que um homem como você poderia ter


uma irmã e uma sobrinha tão belas? — Devolvo a provocação para tirar meus

pensamentos daquela mulher.

— Elas realmente são lindas, o que me surpreende é você ter

percebido isso. Vou até pegar uma bebida para a gente — meu melhor amigo
fala, vai até a geladeira e pega duas garrafas de cerveja. — Vem, vamos nos

sentar. Acho que você não está bem.

Carlos é um corretor de imóveis bem-sucedido que se tornou meu

amigo quando estive em São Paulo a negócios há muitos anos. Embora ele seja

um solteirão convicto que preza pela quantidade em vez da qualidade nas suas
conquistas, também é um homem bom, muito melhor do que eu jamais sonharia

em ser. Ele é devoto à família e faz questão de falar sobre seus pais e sua irmã

quando entra em contato comigo através de ligações.

Agora que estou parando para pensar, lembro-me de ele ter

mencionado que sua irmã tinha uma filha algumas vezes, mas o fato passou
batido até o momento em que vi Maria e a pequena na minha frente. Quando ele

avisou que nos apresentaria hoje durante o almoço, disse a mim mesmo que
tentaria ser gentil com ela, ou pelo menos o mais gentil que eu conseguisse.

Quem poderia imaginar que a tão falada irmã do meu melhor amigo
seria justamente o meu maior pecado? Quem poderia supor que o belo fantasma
que nunca deixou meus pensamentos se tornaria mãe da garota que tenho quase
certeza de que é minha filha?

Agora que Carlos e eu estamos a sós, terei a chance perfeita para

fazer algumas perguntas e sanar um pouco das minhas dúvidas, embora eu saiba

que o exame de DNA seria a prova mais contundente e incontestável da minha


paternidade.

— Então aquela moça que tem uma filha linda é a sua tão famosa

irmã adotiva? — comento, tentando parecer despreocupado para fazê-lo falar.

Carlos já gosta de falar normalmente, quando é pressionado ele abre a boca sem

remorsos.

— É, sim. Minha irmã, que é uma das mulheres mais importantes da


minha vida.

— Fale-me um pouco dela.

— Por que você iria querer saber algo a respeito da Maria? Se eu não
te conhecesse bem, diria que está interessado nela.

— Eu não estou. Só parece que ela tem uma vida interessante demais

e fiquei curioso.

— Bom, de certa forma a vida dela realmente é interessante. Maria

sempre foi uma pessoa doce, mas forte quando preciso. Quando tinha dezenove
anos ela descobriu que estava grávida da Tammy, conheceu Calvin Derek em um
bar onde ele estava fazendo um show e duas semanas depois partiu para
trabalhar nos Estados Unidos como assessora de imprensa dele.

— Então o tal astro do rock é o pai da sua sobrinha?

Merda! Será que eu entendi tudo errado?

— Não, ela nem o conhecia quando descobriu que estava grávida.


Quando partiu para trabalhar nos Estados Unidos, minha irmã estava com três

meses de gestação.

— Quem é o pai da sua sobrinha? Ela disse que ele está viajando a

trabalho.

— Não está. Essa é a história que a minha doce irmã conta para a

filha sempre que ela pergunta a respeito do pai. Apesar de nunca ter tido um pai,
Tammy sente falta e a coisa fica pior a cada dia que passa. Maria parece

preocupada com isso todas as vezes que a gente se fala — Carlos comenta, ao

levar a garrafa de cerveja à boca e ingerir um longo gole. Percebo que a situação
o incomoda muito.

— Onde o homem está? — pergunto mais uma vez, a essa altura já

me sinto incapaz de preocupar-me com a possibilidade de o Carlos desconfiar do


meu interesse.

— Ela não sabe. Pelo menos, eu acho que não sabe. Os meus pais e
eu insistimos muito para que Maria nos dissesse o nome do homem que a
engravidou e depois fugiu, mas ela nunca foi capaz de dizer. Passei muito tempo
acreditando que minha irmã estava tentando proteger o idiota, mas hoje penso

que Maria não sabe quem é o pai da minha sobrinha. Provavelmente, Tammy é

fruto de uma noite de bebedeira e sexo desprotegido com desgraçado qualquer.

Apesar de a parte do desgraçado atingir-me diretamente, sinto-me


satisfeito por tudo o que acabei de ouvir. Eu realmente não estava errado ao

suspeitar da sua irmã e agora estou mais certo de que sou o pai daquela criança
esperta.

Por um momento, enquanto estava com os pensamentos um pouco

confusos por causa da sua presença sufocante, cheguei a pensar que ela havia

escondido a menina de mim de propósito, mas estou começando a acreditar que

Maria é a maior vítima em toda a história. Provavelmente, ela não sabia quem eu
era e não esperou pelas consequências da loucura que nós dois cometemos

quando estávamos bêbados.

A mulher, que na época era um pouco mais do que uma menina,


criou uma criança sozinha e não posso calar o sentimento de admiração que

acaba de despertar em mim. Admiro pessoas corajosas e Maria Botelho agiu


com coragem ao colocar uma menina tão linda e aparentemente bem-cuidada no

mundo.

Se a minha admiração por ela nasceu tão forte quanto uma rocha, o

meu desprezo por mim mesmo triplicou de tamanho. Eu impus a realidade de ser
mãe solteira para uma mulher que naquela época não passava de uma garota.

— Você está bem, Daniel?

— Por que não estaria? — questiono ao dar de ombros, quando tenho

todos os motivos para não estar bem.

— Você tem que me dizer. De repente ficou com o olhar perdido e


uma expressão séria. Se existe um coração dentro do seu peito que te fez ficar

penalizado com a história da Maria, saiba que não precisa, porque ela soube se

virar muito bem sendo uma mãe maravilhosa e uma profissional bem-sucedida.

Talvez seja melhor para a minha sobrinha que não conheça o pai e tenho certeza

de que ela entenderá quando souber e puder compreender a verdade.

— E quanto ao chefe dela? Será que ele não tenta fazer esse papel na

vida da sua sobrinha? — Sinto-me incomodado só de fazer a pergunta. Nem

conheço o homem e já não gosto dele.

— Calvin Derek não passa de um cara mimado que tem o mundo aos
seus pés, mas não posso negar que sou grato pelo que fez pela minha irmã.

Calvin faz bem para ela. Está na cara que o idiota gosta das duas e me sinto
melhor sabendo que Maria tem alguém para a proteger quando estou longe e não

posso.

Suas declarações fazem minhas entranhas se revirarem, porque não


quero outro homem fazendo o papel de proteger aquelas duas.
O quê?

No que estou pensando?

Meu foco é a criança. Isso é tudo com o que preciso me preocupar.

Depois que não houver mais nenhuma dúvida pensarei no que fazer, mas a única
certeza que tenho é a de que Maria Botelho não é e nunca será nada além da

suposta mãe da minha filha. Ela não poderia ser mais do que isso, pois mesmo se
eu quisesse mudar a realidade, estou vazio há muito tempo.
CAPÍTULO 5

MARIA
Depois do almoço na casa do meu irmão, vim fazer a mesma cortesia

para os meus pais. Estou aqui há mais de uma hora e já recebi diversos olhares

estranhos da minha mãe. Não posso julgá-la por isso, pois sei que ela está

percebendo que a filha que está na sua frente agora não é a mesma que criou e

conhece de uma vida inteira.

Os meus pais moram em uma casa grande com um belo jardim na

grande São Paulo. No momento, papai está agindo como um avô babão com sua

neta, enquanto sua esposa permanece ao lado, também tentando se integrar a

dupla inseparável, mas ela não consegue estar cem por cento com eles, pois

metade da sua atenção fica em mim.

Enquanto os outros se divertem na piscina, estou sentada em uma


cadeira confortável debaixo do guarda-sol. Finjo que estou trabalhando quando
na verdade estou tentando esconder minha tensão. Tensa o suficiente para não

conseguir forçar um sorriso sem que os meus pais e minha pequena percebam
que não é sincero.

Estou me sentindo tão desconfortável nos últimos dias que não


consigo nem mesmo me estressar com as saídas repentinas e flagrantes com

mulheres que o Calvin tem proporcionado para perfis de fofocas no Instagram.

Por mais que a minha vida trabalhando para o Calvin não possa ser

considerada tranquila, não imaginei que fosse ficar desse jeito pelo pai da minha

filha, que deveria ser apenas um fantasma que nunca me alcançaria. Não de
verdade. Então o encontrei há alguns dias, muito mais perto do que eu poderia

imaginar, e não consigo mais pensar em outra coisa.

Tentei manter a compostura pelo tempo que aquele encontro durou

na casa do meu irmão, mas a forma como Daniel me olhou e falou comigo antes

de eu ir embora me deixou confusa, com medo e, por mais que eu não queira

admitir, mexida. Não que ele tenha sido galanteador ou algo parecido, então isso

significa que sou atraída pelo perigo de alguma forma.

Desde então a minha cabeça está uma bagunça total, uma luta entre

temer seus próximos passos no que diz respeito a minha filha e a vontade de

saber mais sobre ele. O meu corpo, meu coração e minha cabeça me puxam para
lados opostos e a batalha tem sido exaustiva. Todos os dias tento me consolar ao

repetir sem parar que é normal que eu esteja sentindo qualquer coisa além de
preocupação e medo com a chegada desse homem na vida da minha filha.

Não poderia ser diferente, considerando a forma como a gente


transou loucamente em uma noite em que mal sabíamos dos nossos próprios

nomes. Não posso negar que ainda sinto uma pontada de dor que chega a ser
fisicamente incômoda quando lembro que não era comigo que Daniel realmente

estava, que todos aqueles toques e olhares não eram para mim, mas nem mesmo

essa dor é o suficiente para aplacar a curiosidade e o meu desejo de ficar mais

perto. Desejo que rivaliza com o instinto de sobrevivência que grita na minha
mente para que eu corra.

Além de eu estar confusa, há também a teimosia que não me

permitiria correr nem se a minha sobrevivência dependesse disso. Não recuo e


não me deixo ser ameaçada, não até que eu me veja obrigada a dar alguns passos

para trás em nome da minha filha, que é o meu bem mais precioso.

— Consegui enxergar a fumaça saindo da sua cabeça de onde eu

estava na piscina — dona Sônia diz quando se senta na cadeira ao meu lado.

Deixo escapar uma longa respiração ao pegar meu copo com suco de morango e
gelo e tomar um grande gole para refrescar não só meu corpo, mas também os

meus pensamentos.

Ao meu lado, minha mãe fica me olhando com curiosidade, talvez


tentando adivinhar o que passa pela minha cabeça. Ela sempre fez isso e sabe

quando tem algo me incomodando por ser uma mãe amorosa e atenta com a filha
que trata como se tivesse saído do seu próprio ventre. Os meus pais são tão bons

que é muito difícil lembrar-me que não sou filha biológica dos dois.

— Deve ser porque está fazendo muito calor hoje — brinco para

tentar disfarçar, mesmo sabendo que não conseguirei enganar a mulher esperta.
— Algo está te incomodando, minha filha? Tenho sentido você
estranha desde a hora em que chegou.

— Estou bem, mamãe. É apenas o período de readaptação depois de

anos sem voltar aqui — declaro, dando a mesma desculpa que contei para o

Carlos. Mas a verdade é que não tive qualquer problema para adaptar-me ao meu
país.

Por causa da minha rotina agitada com Calvin e a criação da Tatá,

contei com a compreensão e apoio dos meus pais, que me visitaram várias vezes

para matarem a saudade de mim e da neta. Então quase não tive que voltar

durante seis anos e me senti bem com isso.

— Eu te conheço, Maria Botelho. Sei que não é só isso, mas


esperarei até que esteja pronta para me contar sobre o que tem preocupado essa

sua cabecinha linda e te deixado com pensamentos tão distantes. Você sabe que

pode contar comigo, com seu pai e seu irmão para tudo, não sabe?

— Claro que sei, mamãe. Vocês são o meu ponto de equilíbrio,

sempre foram e sempre serão. Não sei o que teria sido de mim se a senhora e o
papai não tivessem me pegado naquele orfanato quando eu tinha cinco anos de

idade.

— Algo me diz que você teria sido essa garota independente e

brilhante de qualquer forma. Você nasceu para ser o que é hoje, meu amor.
— A senhora diz isso porque é minha mãe — falo, ela sorri ao negar
minhas palavras com a cabeça.

Quando dona Sônia se distrai para prestar atenção no esposo e na

neta que estão dando braçadas na piscina, fico a olhando e imaginando como

seria se eu pudesse dividir o meu fardo com ela. Neste momento, pergunto-me
como teria sido a minha vida se eu não tivesse guardado o segredo sobre a

concepção da minha filha durante todos esses anos.

Os três saberiam o que fiz e entenderiam um pouco o porquê de eu

não ter feito nenhum esforço para voltar mais vezes ao Brasil. O problema é que

os três também saberiam que fui irresponsável a tal ponto que poderia ter me

colocado em sérios problemas se não tivesse encontrado um homem como

Daniel no meu caminho naquela noite. Não quero que as pessoas que eu mais
amo se decepcionem comigo.

Sei que em algum momento, e algo me diz que ele está mais perto do

que imagino, terei que falar sobre aquela noite e a respeito da certeza de que o
melhor amigo do Carlos é o pai da Tammy, mas essa conversa não acontecerá

hoje, porque não me sinto nem de longe preparada.

Depois do almoço em família, Calvin me liga e se convida para vir


fazer uma visita para os meus pais, que o adoram e tratam quase como se fosse

um filho. Como não tenho motivos para negar, aceito que venha e o homem

chega vinte minutos depois. Sua presença efusiva faz parecer que ele trouxe
mais dez pessoas para dentro da casa dos meus pais além de si mesmo.

Apesar de ter dito que viria depois do almoço, Carlos ainda não está

aqui. Vejo no encontro a oportunidade para o aproximar mais do meu chefe. Eles

mantêm uma implicância saudável e mútua que começou no instante em que se

conheceram. Tudo porque meu irmão ficou enciumado quando decidi aceitar a

proposta do Calvin e me mudei para os Estados Unidos.

Rapidamente meu chefe se junta ao papai e a Tatá perto da piscina.

Como um bom amigo, ele desiste de beber cerveja perto da minha filha. Como

não poderia deixar de ser, e é isso que tem feito durante todos esses anos a partir

do dia em que o conheci, o bom humor e vivacidade do meu astro do rock me


contagia e me faz soltar gargalhadas das suas besteiras. Alguns minutos depois,

Mila também chega a casa dos meus pais e a festa se torna quase completa.

Quando eles começam com as provocações mútuas, aproveito para


entrar no meu antigo quarto e colocar um biquíni preto. Depois desço para entrar
na bagunça com minha amiga e nosso chefe bonito e galanteador. Por sua vez,

Tatá fica completamente nas nuvens quando os dois começam a disputar sua
atenção. Aproveitando um dos poucos momentos em que estou livre da agenda

de compromissos do Calvin nas mãos, mergulho na piscina e começo a dar

algumas braçadas para colocar as aulas de natação de quando eu era criança em

dia.

Meu irmão finalmente chega quando estou perto da churrasqueira


conversando com o papai e quase desfaleço pela surpresa de ver que ele trouxe

companhia. Ao seu lado está o moreno bonito e sério que tem me feito perder o
sono nos últimos dias, quer dizer... nos últimos anos.

O meu coração acelera, mas algo muito particular nas minhas

entranhas é atingido quando percebo o quanto ele fica sexy e mais jovial com

seus óculos escuros estilo aviador. E mesmo que seus olhos estejam cobertos,

tenho a impressão de que está olhando diretamente para mim e subitamente fico
tímida e com vontade de cobrir o meu corpo.

Bom, talvez eu devesse ter escolhido um biquíni menos ousado.

Quase como se tivesse lido a minha mente, Daniel ergue a mão e tira

os seus óculos do rosto assim que o pensamento me ocorre. Depois de prender os


óculos na gola da sua camisa de botão, o homem volta sua atenção para mim e

mede o meu corpo da cabeça aos pés bem lentamente. O que realmente me deixa
louca e confusa é que ele não faz isso como qualquer outro homem faria.

Daniel me encara com uma expressão bem séria. Não, é pior do que
isso, ele faz como se quisesse me partir em duas e não é no bom sentido, com
algo envolvendo nossos corpos nus, suados e ofegantes sobre uma cama.
Embora pareça um homem contido, seus olhares tão intensos me deixam

completamente sem prumo, então peço licença para o meu pai, vou à mesa com

guarda-sol, pego a minha canga e amarro na cintura para sentir-me menos


despida. Em seguida, e sem olhar para trás, apresso o passo e entro na casa.

Um pouco ofegante, chegou à cozinha, aproximo-me da pia e ligo a

torneira. Depois de molhar minhas mãos, levo-as até minha nuca e a toco na
tentativa de me refrescar. Menos de um minuto depois, sem que tenha dado

tempo de acalmar os meus ânimos depois daquela encarada no jardim, sinto uma

presença poderosa atrás de mim. Nem preciso olhar para trás para ter certeza de

que se trata da última pessoa com quem eu gostaria de ter uma batalha travada

agora.

Ele se aproxima por trás, tão perto que seria impossível não sentir o

calor do seu corpo ou seu cheiro viciante que não mudou desde a noite em que

ficamos juntos. Quer dizer: a noite em que ele sonhou que estava com a falecida

esposa. Será que Daniel ao menos se lembra do que fez?

— O que você está fazendo aqui? Começou a carreira de


perseguidor? — indago, sem olhar para trás.

— E você? Pensei que não fosse uma pessoa covarde.

— Talvez eu seja. Mas não tem como você saber, já que não me
conhece em nada.
— Posso não conhecer, mas não precisei disso para colocar um bebê
na sua barriga — a menção a minha gravidez é o suficiente para me fazer reagir

quando me viro de frente para o encarar. Arrependo-me quando percebo que ele

está mais perto de mim do que parecia.

Agora os olhos castanhos esverdeados frios estão alternando passeios


entre a minha boca e meus olhos. E embora eu me sinta doente com a sua

presença pelas complicações que ela trará para minha vida, tudo sobre Daniel, e
o fato de estar perto assim, faz nascer uma pressão inesperada entre as minhas

pernas. Algo que não acontece há muito tempo. Talvez desde a nossa única noite

de sexo.

Mesmo bêbada, o álcool não foi capaz de esmorecer a imagem de

nós dois juntos que minha mente guardou. Foram as lembranças do melhor sexo
que já tive que tornaram todos os outros pálidos e sem graça, insossos o

suficiente para terem me feito passar longe de um compromisso sério em todo

esse tempo.

— Bebê na minha barriga? Não sei do que você está falando.

Enlouqueceu?

— Garota, se eu fosse você não brincaria comigo — o homem fala


em tom de ameaça e sem paciência, Daniel está ficando mais tenso. Irritar as
pessoas até levá-las ao limite é um dom que eu tenho. — Você não gostaria das

consequências disso.
— Está me ameaçando? Tenho certeza de que o meu irmão não
gostaria de saber disso — declaro, ciente de que estou sendo infantil na minha

resposta, mas não sei como rebater de outra maneira.

— Diga a ele. Mas não se esqueça de contar que você engravidou de

mim, depois de ter se entregado de tantas maneiras que o fato de eu ter te


engravidado nem deveria ser uma surpresa — Daniel fala daquele episódio com

tanta tranquilidade. Até parece que para ele o que fizemos não foi nada.

Age assim porque realmente não foi. Daniel não estaria nem mesmo

olhando em minha direção se eu não tivesse algo que o interessa. A parte madura

e sensata está gritando na minha cabeça para que eu acabe com isso de uma vez

e diga a verdade, mas o outro lado teimoso, que age como diabinho no meu

ombro, me para. Se eu der o que esse homem quer, trilharei um caminho sem
volta e me colocando inteiramente em suas mãos para fazer o que quiser com a

minha vida. Sim, a minha vida, porque Daniel está interessado na minha filha e

ela é o meu mundo.

— Não me ameace usando meu irmão — digo com irritação, dando-

me conta da minha incoerência logo em seguida. Algo que Daniel não deixaria
passar.

— Foi você quem começou trazendo-o para a conversa. É melhor


que o mantenha fora disso, porque no momento o assunto só diz respeito a nós

dois.
— Não temos um assunto — afirmo, tento puxar o braço e ele aperta
com mais firmeza, quase a ponto de me sentir dor.

— É apenas a segunda vez que te encontro depois daquela noite e já

estou totalmente sem paciência com a sua infantilidade, garota. Pare de agir com

uma adolescente e converse comigo. Você tem ideia do que está fazendo?

— Não, eu não faço — falo com ironia, depois respiro fundo. — Sei
o que é ter uma filha que pergunta pelo pai praticamente todos os dias, então não

seja arrogante ao exigir respostas.

— Por que você está falando como se a culpa fosse minha? Está

querendo dizer que eu realmente sou o pai da sua filha?

Pois é, a minha cabeça quente me fez praticamente confirmar a

resposta que eu estava tentando negar a ele.

— Eu não disse isso.

— Sim, você disse. Sobre você ter criado a menina sozinha até

hoje...

— Ela é minha — interrompo, Daniel finge que não ouviu.

— Não pode me culpar por isso quando eu não fazia ideia de que

havia te deixado grávida. Não pense nem mesmo por um segundo que eu teria
ficado longe dela por vontade própria se soubesse da sua existência — declara.

Acredito em suas palavras, pois mesmo que tenha se tornado incapaz


de amar alguém, Daniel parece um homem sério que leva a sério suas
responsabilidades. Ele não deixaria uma filha sem pai de propósito.

— É melhor a gente parar com essa conversa, porque aqui não é o

lugar e nem a hora. — Tento novamente desvencilhar-me do seu toque e desta

vez Daniel me liberta.

— Precisamos nos encontrar a sós — ele fala.

— Tudo bem, verei minha agenda e te ligarei assim que puder —

falo, empurro seu peito de leve e dou alguns passos na tentativa de escapar, mas

o homem segura meu braço novamente e puxa meu corpo para o seu ao abraçar-

me com um braço forte pela cintura.

Levemente sem fôlego e mexida por causa da pegada forte, ergo a

cabeça para encarar o rosto belo bem de perto. Daniel faz o mesmo, mais uma

vez alternando o olhar dos meus olhos para a minha boca.

— Quem te disse que tudo tem que ser nos seus termos?

— É melhor a gente acabar com isso, porque alguém pode chegar e


entender tudo errado.

— Entender errado? — Ouço a voz do meu irmão atrás de mim e


quase desfaleço.

— Não é nada. — É tudo que tenho para dizer antes de aproveitar a

distração do Daniel para soltar-me e finalmente fugir da sua presença.


Eu sei que não tem como fugir dele e da verdade que está mais do
que escancarada, mas preciso de um pouco de paz para pensar. É claro que darei

um jeito de entrar em contato com o pai da minha filha para realmente conversar

como uma pessoa adulta, mas antes preciso preparar meu espírito e pensar em
todas as possibilidades para neutralizar qualquer tentativa sua de me enfrentar.

Depois do encontro intenso e da conversa nada tranquila, tento voltar

a agir com naturalidade e sorrir para as pessoas que estão à minha volta, mas
tudo que consigo é parecer forçada. Por outro lado, Daniel nem mesmo finge que

está prestando atenção em qualquer pessoa que não seja em mim.

Noto sua presença e os seus olhares o tempo todo e não tenho certeza

se o que sinto é incômodo ou uma dose de expectativa que não tem nada a ver

com o assunto pendente e que diz respeito a filha entre nós.

No fim da tarde, Tammy escorrega na grama e chama a atenção de

todos para si quando começa a chorar desesperadamente. No mesmo instante,

todos os presentes na casa dos meus pais correm para a minha filha, mas Daniel
e Calvin são mais rápidos e chegam até ela antes. Os dois se curvam ao mesmo

tempo para pegarem a menina nos braços e suas mãos acabam se chocando antes
mesmo de tocarem a criança chorosa.

Como em uma cena de filme, ambos levantam as cabeças e se


encaram. No primeiro instante, nota-se que não é uma troca de olhares amigável

e fica claro para que qualquer um possa ver a rivalidade acaba de surgir.
Era apenas isso que estava faltando. Se não bastasse todos os
problemas que terei que enfrentar, Calvin ainda está se envolvendo na história

como mais um.

Com os olhos banhados pelas lágrimas, Tatá olha de um para o outro

e surpreende a todos quando estende os bracinhos para o Daniel.

Isso não pode ser real!

Tudo bem que ela tenha gostado dele logo de cara, mas só se viram

uma vez e a garota conhece o Calvin e o adora há anos. Pela sua expressão, nota-

se que nem Daniel esperava por isso.

Eu não poderia negar essa paternidade nem mesmo se quisesse,

porque ela está escancarada até mesmo nos mínimos detalhes.


CAPÍTULO 6

DANIEL
No primeiro ano da morte da minha esposa fiz um esforço além das

minhas forças para continuar respirando. Era o máximo que eu conseguia fazer

para não me entregar a depressão e aos desejos de juntar-me às pessoas que

perdi. Segui em frente da forma que deu e fiz pelos meus pais, não por mim.

Naqueles meses eu mal tinha forças para levantar-me da cama.

Então vim a São Paulo para dar início ao projeto de abertura de mais

um restaurante e acabei transando com a irmã muito jovem do meu melhor

amigo. É óbvio que eu não sabia disso na época, mas sua identidade chega a ser

algo pequeno perto da realidade em que traí a memória da minha esposa no dia

do seu aniversário de morte. Maria foi uma espécie de escape, embora eu lembre
até hoje de ter estado confuso entre o que estava vendo e sentindo durante todas

as horas em que me permiti sentir o prazer que acreditava não merecer.

Voltei para casa quase imediatamente depois do ocorrido, por que

permanecer mais tempo aqui tornou-se inviável, mas levei comigo mais dor e
culpa do que poderia suportar. Então seguir em frente com esses sentimentos

enraizados dentro da minha mente e coração, sempre sentindo que seria


impossível algum dia esquecer-me daquela noite.

Sempre que eu dormia, as lembranças de nós dois vinham até mim


em sonhos e eu não enxergava ninguém além da garota, eu não sentia nada além

da maciez do seu corpo e do cheiro do seu perfume. Por um momento tive

esperança de que o fato de ter bebido mais do que deveria me faria esquecer de
quase tudo relacionado ao que vinha considerando um dos maiores erros da

minha vida.

Mas a realidade mostrou-se o contrário da expectativa e eu tive que

seguir em frente lidando com sentimentos confusos e contraditórios. A minha

vida é o meu trabalho há anos, não consegui nem mesmo fazer sexo depois

daquela noite, mas agora sinto que minha vida deu um giro de noventa graus e

tenho muito mais coisa com as quais lidar do que me sinto preparado.

Depois que me surpreendi com a presença da minha amante

desconhecida na casa do meu melhor amigo, não consigo mais pensar em nada

que não seja nela e na sua criança. A ideia de que sou o pai ficou enraizada na
minha mente e é uma surpresa que eu tenha conseguido segurar-me sem ir até

ela para a pressionar por respostas até hoje.

Mas até a minha calma e paciência tem limites, então decidi agir
quando entrei em contato com meu melhor amigo e dei um jeito de me
aproximar da sua irmã novamente. Quando ele disse que seus pais estavam

oferecendo um almoço de boas-vindas para garota, consegui ser convidado e


cheguei a casa dos seus pais sem fazer ideia de como agir com ela ou sua filha.

Se uma parte minha quer ser dura e fazer as coisas de uma forma que
resolva meus problemas muito mais rápido, outra pede cautela por saber que

posso perder algo importante se der um passo errado. Mas a verdade é que é

muito difícil manter a calma e não fazer as coisas do meu jeito quando Maria
consegue ser tão completamente irritante e infantil.

Quando noto sua tendência para desafiar-me sem pensar na resposta

que terá de mim, também percebo o quanto ela é jovem e bem mais nova do que

eu. Então sou obrigado a respirar fundo para não esperar mais maturidade do que

uma mulher da sua idade poderia ter.

A abordagem que fiz na cozinha também foi um erro de cálculo.


Mesmo que eu estivesse ansioso para falar a respeito da minha suposta filha, não

deveria ter a segurado quando não vestia nada além de um biquíni preto muito

pequeno. Peças ínfimas que deixaram pouco para a imaginação, embora

mulheres praticamente despidas não tenham feito nada por mim nos últimos
anos.

Então Maria chegou com a sua atitude irritante e causou muito mais

do que irritação em um homem como eu, que há muito tempo acredita que não
tem mais uma gama sequer de desejo sexual. Nós dois discutimos como
adolescentes, algo imperdoável para um homem de trinta e seis anos, mas estava

ciente do calor do seu corpo o tempo todo. É pior do que isso, gostei de sentir o
cheiro do seu perfume misturado ao aroma do sol em dia de verão.

Por um momento, tudo sobre Maria Botelho me tentou e eu quis


mais. Quis estar mais próximo da mulher para desvendar a sua alma, quis que

seu calor me queimasse e afastasse o frio que não me deixa em momento algum.

Também desejei poder chamar a sua filha de minha filha. Quis tudo quando não
mereço nada.

Perdi o direito de desejar ou de lutar por algum tipo de felicidade

quando minha esposa e meu filho partiram. Ainda assim, estou aqui no hospital

no início de uma noite de domingo esperando por notícias da minha filha. Uma

filha que não esperava, mas que desejo com todas as minhas forças que

realmente seja minha, pois mesmo que eu saiba que não tenho esse direito, o seu

sorriso e gesto de confiança ao erguer os bracinhos e pedir colo quando se sentiu


ferida fizeram renascer a força que pensei que houvesse morrido para sempre.

Com ela em meus braços, não pensei antes de caminhar apressado

em direção ao meu carro com a intenção de levá-la até a emergência para cuidar
dos joelhinhos ralados. Usando somente uma saída de praia por cima do biquíni

indecente, Maria correu atrás de mim e tirou a filha dos meus braços, mas entrou
no banco do carona e permitiu que eu as trouxesse até aqui.

Agora Tatá está sendo cuidada por um profissional enquanto espero


pelas duas na recepção. Comigo está o Carlos, juntamente com seus pais e uma

ruiva que não faço ideia de quem seja. O idiota tatuado que tentou socorrer a
pequena no meu lugar também veio. Ele teria agido como um super-herói se ela

não tivesse escolhido a mim. Sei que tudo isso é uma bobagem e que ajudar a

menina era mais importante do que uma disputa de mijos, mas não posso fingir

que não senti antipatia pelo cara no instante em que o vi.

Sempre que olho para ele, que também me encara com um sorriso
irônico e olhar de curiosidade, lembro-me da criança dizendo que ele pede sua

mãe em casamento praticamente todos os dias. Por alguma razão, isso me deixa
estressado, mas não tanto quanto a ciência de que esteve com a mulher e minha

filha durante todos esses anos, enquanto eu não fazia ideia de onde Maria estava,

ou de que a nossa noite havia tido consequência.

Sempre com um sorriso no rosto, o roqueiro do qual já tinha ouvido

falar por alto, mas que nunca dei importância porque sua música não faz o meu
estilo, monopoliza atenção dos senhores Botelho e até mesmo do meu melhor

amigo, que definitivamente não gosta muito do chefe da sua irmã.

Quando Maria sai da sala sozinha, todos param de conversar e olham


para ela, inclusive eu, que estava há quinze minutos parado em um canto apenas

observando o movimento ao meu redor e sem me enturmar com meu amigo e


sua família.

— A médica está terminando de fazer o curativo — a garota fala e


todos nós ficamos calmos. Tudo bem que foi apenas uma queda, algo que é

comum para todas as crianças saudáveis, mas quem disse que o coração entende
a razão?

Maria se aproxima dos seus pais depois de dar o aviso e mal olha em
minha direção. Ela diz alguma coisa e depois vai para o outro corredor. Imagino

que esteja indo buscar um copo com água no filtro e aproveito que todos estão

distraídos em suas próprias conversas e vou atrás dela. De repente, sinto que é
impossível estar no mesmo lugar que essa mulher e não ficar automaticamente

muito próximo a ela, seja para brigar ou apenas para olhar em seus belos olhos.

— Por que você me seguiu? — ela indaga de costas para mim e não

faço ideia de como sabe que sou eu.

— Queria saber se você está bem depois do susto com a pequena.

— Não foi a primeira e não será a última vez que ela cai e rala os

joelhos. Qualquer pessoa que convive com crianças sabe disso.

— Você está certa — falo de forma mansa, tentando quebrar sua

resistência a mim. Tudo o que não quero fazer agora é discutir com essa mulher.
Mas acho que estou me iludindo, porque nós só não discutiremos se não

estivermos no mesmo lugar ou próximos o suficiente para pularmos na jugular


um do outro. — Posso levar vocês duas para casa?

— Não precisa se preocupar em desviar seu caminho. O Calvin se

ofereceu para dar uma carona para nós três. Se não fosse com ele, eu iria com os
meus pais ou com o Carlos.
Tudo bem, entendo que os acontecimentos possam ter deixado a
garota com os nervos à flor da pele, embora tenha acabado de dizer que está

acostumada com coisas do tipo acontecendo, mas não quero e não vou ficar

parado enquanto ela me coloca para fora da sua vida e da vida da minha filha.
Maria não me manterá no escuro para sempre, mesmo que seja necessário que eu

faça as coisas do jeito mais difícil.

— Não me afaste, Maria — peço, ao dar dois pequenos passos para


frente e parar com o corpo a um centímetro de distância do seu. Como tem feito

desde o almoço na casa do Carlos, a mulher enlouquecedora ergue a cabeça e me

encara com seus olhos castanhos e o narizinho arrebitado apontado para cima. —

Você não conseguirá fazer nada além de tapar o sol com uma peneira. Posso

perfeitamente dar o tempo que você precisa, porque sei que não deve ser fácil

estar nessa situação, mas só farei isso se sentir que está disposta a falar comigo

em algum momento. O problema é que você não está.

— Eles me odiarão se descobrirem o que fiz naquela noite.

— Você não fez nada de errado. Apenas agiu como uma jovem

mulher que estava descontando a frustração de uma decepção amorosa na


bebida.

— Você não entende... —

— Posso entender se você tentar me explicar — afirmo. Como se


tivesse vontade própria quando se trata dessa mulher, minha mão envolve sua
cintura em um abraço que deixa os nossos corpos colados pela segunda vez no
mesmo dia.

Estamos em um hospital, um lugar público o suficiente para

corrermos o risco de sermos vistos por algum conhecido que poderia entender

tudo errado, mas no momento não consigo me ater a esse risco. O que importa é
falar com Maria e senti-la próxima de mim assim.

— Minha família se decepcionaria comigo. Carlos ficaria chateado e

talvez até terminasse a amizade de anos que vocês têm. Sei que não posso fugir

disso para sempre, mas a minha cabeça está confusa e não sei como me preparar

para contar que você é o pai — ao terminar de falar, Maria arregala os olhos

igual fez quando conversamos na cozinha da casa dos seus pais. Ela sabe que

mais uma vez disse o que não queria, mas tudo o que eu gostaria de ouvir.

— Você acabou de dizer com todas as letras que sou mesmo o pai da

Tammy? Por favor, seja sincera comigo desta vez. Chega de fazer rodeios e diga

a verdade pelo menos para mim.

— A Tammy é nossa filha e eu nunca tive qualquer dúvida disso. Eu


não estava grávida antes daquela noite e não fiquei com outro depois de você, ou

antes de descobrir que estava grávida. Se a minha palavra não for suficiente, e
entendo se não for, você poderá resolver a questão facilmente quando pedir um
exame de DNA. Realmente espero que você seja um homem decente e não tente

fazer nada para tirar a minha filha de mim, porque isso eu não permitiria e iria
até o inferno por ela.

— Apesar de esse ser o pior lugar para termos uma conversa, quero
que saiba que não pretendo te causar dor e que tenho ciência de que você é a

vítima da história, não a vilã. Você não sabia quem eu era e eu não sabia que

você era irmã do meu melhor amigo. O que importa é o que faremos a partir de
agora.

— Estamos mesmo tendo a nossa primeira conversa decente? — ela

fala com um sorriso tão bonito no rosto que me deixa mexido.

Sempre que reajo à Maria sinto vontade de libertar-me dela e sair

correndo, porque simplesmente não sou essa pessoa que sente algo. Nos

encontramos duas vezes e ela já provou que é a única capaz de tirar-me da minha
zona de conforto sem fazer nenhum esforço. Apenas a sua existência, atrelada ao

que sempre considerei um erro na minha vida, é capaz de deixar-me mais vivo

do que eu gostaria de estar.

— Prometa que não contará para ninguém? — Abaixo a cabeça para

falar no seu ouvido e sua gargalhada vibra contra o meu corpo.

— Interrompo alguma coisa? — A voz do Carlos assusta Maria e

mais uma vez ela se afasta de mim por sua causa no mesmo dia. Ainda olhando
para ela, noto o momento em que seu rosto fica vermelho como um tomate

maduro.
— Não está interrompendo nada — a garota declara e seu irmão
cruza os braços na frente do peito, um sinal claro de que não está acreditando na

sua palavra. Na verdade, ele está desconfiado por não ser a primeira vez em um

dia que nos pega sozinhos e mais próximos do que duas pessoas que acabaram
de se conhecer deveriam estar.

Meu melhor amigo sabe de muitas coisas a meu respeito, mas a

forma como fiquei próximo da Maria está começando a fazer com que se
questione se realmente me conhece. Posso entender, porque nem eu estou

sabendo como reagir às mudanças que a volta da garota para minha vida tem

causado na minha forma de pensar, sentir e agir.

— Será que não estou? Hoje é apenas a segunda vez que vocês dois

se encontram e é a segunda vez que os pego muito próximos um do outro. Qual


dos dois me dirá que porra está acontecendo aqui?

— Eu... Acho que a minha filha já deve ter sido liberada — a garota

fala, olha para mim pedindo desculpa e sai apressada em direção a sala onde a
pequena está sendo atendida.

Talvez seja verdade que a menina está pronta para ir para casa, mas é

óbvio que a espertinha usou o fato como desculpa para fugir do embate com o
irmão, das perguntas para as quais ela não teria respostas, não respostas sinceras.

Agora Carlos está me olhando como se eu fosse o seu maior


adversário e acredito que tenha chegado a hora de contar algumas coisas a
respeito do passado. Não preciso e não quero que meu amigo fique com a
impressão de que menti de alguma forma a respeito do meu luto.

— Estou esperando que você me diga alguma coisa, Daniel. Até

onde sei, a morte da sua esposa e do seu filho te deixou doente de uma forma

irreversível e você nunca foi capaz de se curar. Colocou-se em um buraco do


qual não consegue sair, mesmo que já tenha passado sete anos. De repente, a

minha irmã retorna dos Estados Unidos e te vejo no cangote dela todas as vezes
que olho em sua direção. O que realmente está acontecendo entre vocês dois?

— É melhor termos essa conversa fora longe de um hospital —

declaro e, mesmo desconfiado, Carlos acena positivamente com a cabeça.

— Se é assim que quer, tudo bem. Nós sairemos daqui agora e você
me dará as respostas que procuro, pois mesmo que seja meu melhor amigo, não

permitirei que machuque minha irmãzinha de forma alguma.

— Não é isso que eu quero — declaro.

— Que bom — o homem fala de forma dura e depois vira as costas

para mim. Ele sabe como se controlar nos momentos necessários.

Fico sozinho durante alguns minutos para assimilar o que acabou de


acontecer e em seguida volto para a recepção. Minha filha está sendo o centro

das atenções, mas Tammy parece sentir a minha presença e olha exatamente para
o lugar onde estou quando paro e sorrio para ela. Carinhosa, a menina beija o
rosto do maldito roqueiro e vem até mim.

Não preciso de um exame de DNA para confirmar que essa garotinha


linda é minha filha. A ligação imediata que foi criada quando nos vimos é prova

suficiente.

— Você está bem, princesa? — pergunto com carinho ao agachar-me

e pegá-la em meus braços.

— Estou bem. Você viu como o meu curativo das princesas é bonito?

— Tatá indaga ao erguer a perninha e me mostrar o joelho coberto com gaze e

esparadrapo personalizado.

— Tão bonito quanto você — declaro e dou um beijo na sua

bochecha.

— Você vai me levar para casa? — o questionamento me faz trocar

um olhar com sua mãe, que está ao meu lado observando a nossa interação sem

interferir. Eu gosto da sua coragem, pois mesmo que esteja com medo das
mudanças que a minha presença possa trazer para a sua vida, ela ainda pensa na

menina em primeiro lugar quando não tenta impedir nossa aproximação.

— Agora você irá com a mamãe, mas prometo que te visitarei na sua
casa.

— Promete de verdade, Dan?

— Eu prometo — declaro, minha pequena dá mais um beijo doce no


meu rosto e vai para os braços da mãe.

Eu poderia aproveitar-me do pedido da menina para levá-la em casa


com a Maria, mas a forma como Carlos está me olhando deixa claro que ele não

permitirá que eu fuja da nossa conversa. Eu também não quero fugir, essa é a

verdade.

No fim das contas, o roqueiro tatuado vai embora com a ruiva, que
descobri ser assistente e amiga da Maria, e ela pega uma carona com seus pais.

Sozinho, dirijo até a casa que aluguei para uma temporada de seis meses e sou

seguido pelo meu melhor amigo com seu carro.

— E então? Está na hora de você começar a falar — Carlos diz


quando o mal termino de fechar a porta de casa. De repente, começo a me sentir

um pouco tenso, porque sei de antemão que a conversa que teremos não será
fácil. Na pior das hipóteses, perderei o meu melhor amigo hoje.

— Deixe-me te servir uma bebida primeiro.

— Eu não quero beber, Daniel Fonseca. Preciso que me diga por que
estava abraçando a minha irmã no hospital e antes estava a cercando na cozinha
dos meus pais.

Em pé no meio da sala, respiro fundo. Sabendo que ele não me


deixará em paz até convencer-se de que falei tudo e fui completamente sincero,

começo a contar sobre a história que ninguém além de mim sabia até hoje.

— Lembra-se de quando estive aqui em São Paulo há mais de seis

anos e você insistiu que eu saísse para me divertir em uma casa de shows?

— Como poderia esquecer? Você estava agindo como verdadeiro pau

no cu, com todo respeito ao seu luto.

— Naquela noite em que você me deixou sozinho com as minhas


próprias feridas e foi atrás de mulheres, me sentei no balcão do bar e uma garota

se aproximou. Nós dois começamos a conversar e no fim da noite, mais bêbados

do que deveríamos, fomos para um hotel e fizemos sexo desenfreado e

irresponsável — declaro, Carlos parece confuso sobre a razão de eu estar

contando a história, mas sua ficha logo cai e o homem fica pálido
repentinamente.

— Você não está contando tudo isso para dizer que...

— A sua irmã flagrou o namorado a traindo naquela noite e foi até a


casa de shows para afogar as mágoas. Nós dois nos encontramos e ficamos

juntos. Ela não disse o seu nome e eu não disse o meu. Quando acordou pela
manhã, Maria foi embora sem se despedir e eu não senti nada além de alívio por
não ter que encarar o que considerei um erro.

— Não chame a minha irmã de erro, porra! — Ele exige com os


punhos cerrados, segurando-se para não me socar.

— Ela não é um erro, mas sofri pelo que fizemos durante todos esses
anos.

— Que se foda a culpa que te faz perder o sono, eu quero saber da

minha irmã. O que vai acontecer agora? Vocês simplesmente se reencontraram e

decidiram relembrar o passado? Você vai me desculpar, meu amigo, mas não

desejo um homem como você para a Maria.

— Não a quero como mulher — declaro sem pensar duas vezes,

mesmo sentindo que não é verdade, não completamente.

— Não foi o que pareceu quando estavam tão próximos no hospital.

— Por alguma razão, ela sente muito medo de decepcionar você e os


pais. Maria está com medo de falar sobre a gente e as consequências da noite que

tivemos.

— Consequências?

— Eu sou o pai da sua sobrinha. Soube disso quando coloquei os

olhos em cima daquela criança — falo de uma vez, sem premeditar o soco no
nariz.

— Você vai consertar essa merda e ser a maldita a melhor versão de


si mesmo para aquelas duas, ou esquecerei da porra dessa amizade e acabarei
com a sua maldita vida.

Bom, poderia ter sido pior, não poderia?



CAPÍTULO 7

MARIA
Parada atrás de uma árvore, meus olhos procuram algo no parque e

não sei exatamente do que se trata até que eu realmente encontre. A alguns

metros de distância, vejo o Daniel e a minha filha correndo como se um deles

não fosse um adulto com mais de trinta anos.

A cena faz com que um sorriso surja no meu rosto, mas é só até que

eu perceba que os dois não estão sozinhos. Uma bela morena na casa dos trinta

anos se aproxima, então Daniel a abraça pela cintura e dá um beijo na sua boca.

Ele sorri de uma forma que nunca sorriu para mim. Minha filha corre com os

braços abertos até a mulher do mesmo jeito que faz comigo.

Quando o coração dispara e minha boca fica seca de um jeito ruim,

tento sair de trás da árvore para ir até eles, porque tanto Daniel quanto a Tatá são
meus, mas meus pés parecem chumbados na grama. Quanto mais me esforço,
mais me mantenho firme no mesmo lugar, então o desespero bate e começo a

chorar desesperadamente.

Sinto que estou perdendo os dois e não posso fazer nada para evitar.
Há outra em meu lugar, uma mulher que não sou eu está ocupando espaço na
vida da minha menina e do meu homem e minhas mãos estão atadas. O
sentimento de desespero me faz perder o controle, então começo a gritar para ser

ouvida. Chamo seus nomes incansavelmente até a minha voz começar a falhar,

mas nenhum deles é capaz de me ouvir.

Eles estão felizes sem mim e perceber isso causa uma dor que
equivale a ser apunhalada pelas costas, literalmente falando. A dor que sinto me

sufoca, a minha covardia e o meu cansaço imploram para que eu desista, mas
digo a mim mesma que sou forte e que não desistirei nunca, então continuo a

gritar por eles.

— Não, filha. Não me deixa... — sussurro com a voz rouca e a

garganta dolorida de tanto gritar. — Daniel, você não pode fazer isso comigo...

— Mamãe, você precisa abrir os olhos. — Mesmo que esteja se

divertindo com seu pai e outra mulher, consigo ouvir a voz da minha filha

falando comigo, ela parece tão distante que a dor que me consome fala muito

mais alto e praticamente não consigo a ouvir.

Então tenho uma sensação estranha de estar sendo sacudida de


maneira leve, mas firme o suficiente para me sentar assustada na cama e

despertar repentinamente.

Ao cobrir os meus olhos com as duas mãos, sinto o rosto molhado

por causa das lágrimas e percebo que estava tendo um pesadelo dos mais
terríveis, daqueles que parecem reais demais.
— Filha, o que está fazendo aqui? Quais são as horas? — questiono,
ao segurar o seu pequeno corpo vestido com um pijama fofo e abraçá-la bem

apertado. Eu preciso desse abraço depois de ter me sentido tão desesperada

durante o pesadelo em que havia a perdido.

— O dia amanheceu, mamãe. Vim te acordar porque estou com fome


e fiquei com medo. A senhora estava chorando e balançando a cabeça de um

lado para o outro como se estivesse sentindo dor. — Em sua inocência, ela não
faz ideia do medo que eu realmente estava sentindo.

— Está tudo bem, meu amor. A mamãe só estava tendo um sonho

ruim. Já escovou os dentinhos? — questiono, ao secar as lágrimas e jogar as más

lembranças daquele sonho ruim para o fundo da minha mente.

— Escovei — fala como uma boa menina que me enche de orgulho

todos os dias.

— Então fique aqui na cama que a mamãe escovará os dentes e


tomará um banho rápido. Mais cinco minutinhos e te levarei para tomar café.

— Tudo bem — Tatá fala e volta a se entreter com o tablet que quase
não deixa de lado.

Enquanto tomo banho, volto a lembrar-me do pesadelo, sobretudo da

parte em que me senti desesperada por ver o pai da minha filha beijando outra
mulher. Embora nunca tenha a visto, no pesadelo a mulher que tinha os dois
representava a falecida esposa do Daniel.

No pesadelo eu enxergava a mulher como uma rival, algo que seria


ridículo se acontecesse na vida real. Além de ela não estar mais aqui, não sou

ninguém para sentir ciúme do Daniel. Eu não sou nada para ele e ele não é nada

para mim. Tudo o que temos em comum é uma garotinha de cinco anos de idade.

Depois que tomei coragem e abri a boca para dizer o que Daniel
queria ouvir, ele deu um jeito de conseguir o meu contato com o meu irmão e

passou a falar comigo através de mensagens de texto. Não sei se posso

considerar como mensagens as frases curtas e secas que tem me enviado há uma

semana, mais precisamente desde o dia em que tivemos a conversa no hospital.

Na primeira mensagem, ele avisou que havia pegado o meu número


com meu irmão e pediu desculpas por ter contado a respeito da noite que

tivemos e do fruto da nossa irresponsabilidade. Sim, o homem conseguiu dizer

tudo isso em duas linhas.

Eu disse a ele, em um texto muito mais longo, que não tinha por que

se desculpar. Realmente não tinha, afinal, era uma história que pertencia a nós
dois e eu sabia que nem tão cedo teria coragem para encarar o meu irmão e falar

a verdade. Carlos estava desconfiado e precisava saber que seu amigo e eu já nos
conhecíamos.

Depois que o Daniel me contou sobre ter dito a verdade para o


Carlos, comecei a sentir um frio de nervosismo na barriga, muito medo e
vergonha só de pensar na possibilidade de encarar o olhar de decepção do meu
irmão. Mas ele veio no dia seguinte, abraçou-me e sorriu para mim da mesma

forma de sempre.

Carlos não parecia decepcionado, mas também não desistiu de fazer

um sermão pela minha irresponsabilidade.

Depois do sermão, ele me olhou com uma expressão preocupada e


pediu-me para tomar cuidado com o seu melhor amigo. Carlos falou que mesmo

que goste muito do Daniel, sabe do quanto ele sofreu e de como não superou a

perda da família. Meu irmão deixou claro que não pretende se meter na nossa

relação necessária por causa da menina, mas me aconselhou mais de uma vez a

não, em hipótese alguma, nutrir qualquer tipo de sentimento amoroso pelo viúvo.

Segundo Carlos, e acredito nele o suficiente para manter-me alerta, Daniel me


fará sofrer de forma irremediável se em algum momento esquecer-me das suas

palavras.

Apesar do pesadelo ter me deixado um pouco confusa, já havia


colocado na minha cabeça que não cairei nas armadilhas criadas pelo meu corpo

ou meu coração, que são burros além da compreensão humana. Já determinei


que não irei, nem por um segundo, esquecer qual é o meu lugar na vida do

Daniel.

Depois da primeira mensagem, as próximas que vieram foram todas

relacionadas a Tatá, o que prova ainda mais que ela é o único elo que temos. O
homem parece já estar acostumado com a ideia de que é pai e nem mesmo

chegou a fazer menção ao exame de DNA para confirmar. Embora eu não tenha

dúvidas, mencionarei o assunto, pois não quero que seja algo para ser jogado

contra mim futuramente.

Renuncio a qualquer ciúme ou egoísmo bobo, mesmo ainda tentando


adequar-me à nova realidade de que de repente a minha pequena tem um pai, e

falo tudo o que ele pede para saber a respeito dela. A nossa relação ainda é um
pouco tensa, distante e incerta, por isso ainda não falamos de como nossas vidas

serão daqui para frente.

Pisando em ovos, não chegamos nem mesmo a falar a respeito de

como contaremos para a principal interessada. Não que o assunto seja algo para

ser tratado por mensagens. Como a bola está do seu lado do campo, estou
esperando o seu próximo passo, enquanto tenho pesadelos onde perco minha

filha para ele e seu amor eterno.

— Quem disse que seria fácil agir com maturidade? — falo para o
espelho, enquanto encaro meu reflexo embaçado pela fumaça da água quente da

ducha.

Quando saio do banheiro para vestir minha calça jeans, botas de cano
baixo e a regatinha preta, mal tenho tempo de prender os cabelos no alto da
cabeça e fazer uma maquiagem leve antes de sair apressada do quarto. Mesmo

que minha pequena seja um doce de menina, ela também é capaz de colocar o
apartamento de cabeça para baixo se ficar mais do que cinco minutos sozinha.

Ao chegar à sala, a vejo sentada no tapete brincando com suas


bonecas como um anjinho. Respiro aliviada no mesmo instante e caminho até a

cozinha para preparar o nosso café da manhã.

O meu trabalho tira de mim a chance de fazer pequenas coisas como

tomar café da manhã com meu amor todos os dias, é por isso que aproveito
sempre que tenho a oportunidade e permito que a babá americana durma até

mais tarde. Ela merece todas as regalias por ser tão boa profissional, mas ao

mesmo tempo amorosa e próxima da Tammy.

A mulher bondosa está ao nosso lado desde os primeiros meses de

vida da Tatá e ela a considera como alguém da família. Se saio tranquilamente


para trabalhar todos os dias é somente por saber que deixarei meu bem mais

precioso seguro.

— Vamos tomar café, pequena? — Aproximo-me, seguro sua mão e


a levo para a mesa da cozinha. O nosso apartamento é pequeno, mas grande o

suficiente para as nossas necessidades e conforto.

Depois de deixá-la na cadeira própria para crianças, sento-me na sua

frente e fico a observando com atenção enquanto devora o bolo de chocolate e o


café com leite que Nica e eu compramos no mercado ontem.

Tatá parece normal e sorridente como sempre, mas a conheço tão


bem quanto a mim mesma e sinto que tem algo a incomodando. A prova são suas
perninhas que não param quietas.

— Aconteceu alguma coisa, princesa?

— Ontem eu também tive um sonho.

— Um sonho? — indago, já imaginando o que virá a seguir. Não é a


primeira vez que vivemos a mesma cena.

— No meu sonho, o papai tinha chegado de viagem e levado nós

duas para morar com ele em uma casa muito bonita com jardim. — Muito mais

do que das outras vezes, hoje eu me sinto particularmente afetada por suas
palavras, provavelmente por saber que agora o seu pai está mais perto do que ela

imagina.

Agora sei que tudo o que eu disser não será nada além da verdade.

Eu falarei as palavras para a minha filha sem o peso na consciência que as

mentiras traziam.

— E se eu disser que o seu papai está bem perto de você? —


começo, sentindo um misto de ansiedade com frio na barriga.

— Ele está?

— Está muito perto e você o conhecerá, meu bebê — declaro, ela


fica tão feliz que sai do lugar e se joga nos meus braços.

— Você é a melhor mamãe do mundo!


— Você que é a melhor filha do mundo, meu bebê — falo e meus
olhos ficam marejados de emoção.

Por ela eu seria capaz de qualquer coisa. Por ela não sinto medo de

nada. É por isso que estou mais calma e confiante do que deveria na situação

com o Daniel. Minha filha me faz mais forte sempre.

— Posso contar para a Nica? Ela vai ficar feliz porque conhecerá o
meu papai — Tatá fala, eu aceno positivamente.

— Primeiro veja se ela não está dormindo.

— Está bem. — A garota sai saltitando da cozinha e me deixa com


um sorriso no rosto.

Pelo visto, serei eu a fazer o primeiro movimento para o Daniel.


Preciso falar com ele sobre a conversa de agora para planejarmos o seu encontro

com a Tammy. Sei que minha menina ficará confusa, mas também muito feliz

quando souber que Daniel é o seu tão amado pai. Ela o amou quando o viu pela
primeira vez e fala do homem todos os dias.

Mesmo se eu tentasse não pensar no Daniel de hora em hora, Tatá

frustraria minhas tentativas.

Com um copo de café puro e sem açúcar nas mãos, apresso-me pela

parte de trás da arena onde será o show de abertura da turnê do Calvin. O dia de
hoje está sendo uma correria louca, mas não é nada com a qual eu não esteja

mais do que acostumada.

— Aqui está o seu café — digo para o meu chefe quando entro no

camarim onde está sendo maquiado.

Com o seu jeito irreverente de sempre, o homem não sabe se flerta

com a maquiadora casada, se a aliança enorme no seu dedo for uma dica, ou se

faz o mesmo com a Mila, que não responde e apenas rola os olhos para cima.

Apesar do tom de brincadeira, a tensão sexual da parte do Calvin


chega a ser palpável.

— Obrigado pelo café e por sua presença que enfeita qualquer


ambiente, minha linda. — Agora é a minha vez de receber atenção do idiota

aqui.

Antes que eu tenha a chance de prever o seu movimento, algo que


aprendi a fazer há anos, o doido me agarra pela cintura e me puxa para cima das
suas pernas.

O susto faz com que eu solte um gritinho e meu cotovelo bate sem
querer na sua mão. Ele acaba derramando o café morno em toda sua camisa

social branca. Em vez de xingar como qualquer ser humano normal faria, o

homem solta uma gargalhada estridente e que chama a atenção de todos os


presentes no camarim, inclusive do homem que está de costas depositando uma

bandeja com os alimentos preferidos do Calvin na mesa encostada na parede


esquerda.

Quando o estranho se assusta com o meu grito e olha em nossa

direção, deparo-me com Daniel me encarando com cara de poucos amigos no

colo do Calvin. Imediatamente, levanto-me e ajeito a minha roupa como se

tivesse sido pega no flagra enquanto traía o meu marido. As brincadeiras do


Calvin já fizeram pessoas nos entenderem errado e me colocaram em apuros

parecidos com esse muitas vezes, mas suas ações passam a ter pesos diferentes

quando são feitas na presença do pai da minha filha.

Não que ele saiba dessa informação, e aposto que também não

imaginou que Daniel estaria aqui. Os dois sentiram antipatia mútua quando se
viram e Calvin deixou claro em alguns momentos na última semana que

pretende levar essa bobagem adiante.

Calvin é aberto e totalmente expansivo. O sorriso mora no seu rosto

quase o tempo todo. Daniel é fechado, introvertido e triste. Tão frio que poderia
congelar o verão. Talvez o fato de serem opostos explique a animosidade.

— Daniel?

— Desculpem-me por interromper o momento de intimidade do

casal. Só estou fazendo o meu trabalho.

Que idiotice é essa que ele está falando?

Será que não percebeu que na sala tem mais de cinco pessoas além

dele e que o astro está apenas brincando comigo?

Aliás, qual o motivo do tom passivo-agressivo por trás da frase seca

e aparentemente impessoal?

O problema é que seu jeito de me olhar não é nada impessoal. Parece

querer me sacudir e me abraçar ao mesmo tempo. Contando com a primeira vez

em que estivemos juntos, Daniel nunca demostrou tantas emoções com um único

olhar como agora.

— Daniel...

— Depois a gente se fala — ele diz e deixa a sala sufocante. Calvin


me olha se perguntando o que tenho com o Daniel. Eu também respondo com o
olhar dizendo que não é assunto seu.

Além do Carlos, ninguém sabe sobre o viúvo ser o famoso pai

fantasma da Tatá. É melhor que continue assim até tomarmos algumas decisões.
— Nenhuma palavra — digo com o dedo em riste para o Calvin e a
Mila, embora ela não tenha tentado interferir.

Esperta do jeito que é, aposto que está suspeitando que o melhor

amigo do meu irmão e eu temos um passado e que não é verdade que acabamos

de nos conhecer.

Ao sair, só agora me questionando o porquê de ele estar logo aqui,


olho para os dois lados e vejo Daniel entrando em uma sala. Disposta a falar com

ele, o sigo e descubro que entrou em uma cozinha. Apesar de ter levado café

para o meu chefe, peguei das mãos da copeira e ainda não sabia a respeito desse

lugar.

Quando entro e fecho a porta, vejo Daniel de costas mexendo em


alguns pratos com doces. Como se estivessem acostumados a serem invisíveis,

as duas mulheres, imagino que sejam suas funcionárias, saem da cozinha e nos

deixam a sós.

— O fato de você estar aqui é uma coincidência? — pergunto, o

homem se vira de supetão e me olha com surpresa, como se não esperasse que eu
viesse atrás dele.

— E por que não seria? Não sei se você foi informada, mas sou chef
de cozinha e dono de uma rede de restaurantes com unidades em quase todo o

Brasil. Haverá um show aqui e fui contratado para fazer o buffet do camarim do
seu querido chefe e de toda banda e equipe.
Lembro-me de ter deixado essa parte do planejamento com a Mila e
ela não deve ter percebido que era o meu Daniel.

Meu?

Foda-se!

— Por que está dando uma explicação longa e detalhada como se


não me conhecesse?

— Porque eu não te conheço — declara.

— Conheceu o suficiente no passado. Tanto que me engravidou

— Será que sempre usaremos aquela como um trunfo nas nossas


discussões? — pergunta com ironia e eu percebo que será impossível conversar

com ele.

— Não se preocupe, não haverá mais discussões — digo, viro-me e

abro a porta.

Antes que eu saia, Daniel bate a mão na porta com tanta firmeza que

ela se fecha novamente com um estrondo. Ele está atrás de mim e posso quase
sentir o calor do seu peito nas minhas costas, embora não faça ideia de como
chegou até mim tão rápido.

— Olhe para mim, Maria — pede, eu balanço a cabeça negando.

— Não pensei que fosse covarde — declara, viro de frente e o encaro


com a cabeça erguida.

O meio sorriso de satisfação deixa claro que ele fez de propósito por
aparentemente ter aprendido como me fazer reagir.

— Perdoe-me por ter sido grosso. Eu não sou assim.

— Não me diga que é um doce com outras pessoas.

— Não sou. Apenas mantenho distância.

— Mas não mantém de mim.

— Não como deveria — afirma, não sei o que pensar ou o que sentir,

apesar de não ter deixado passar o fato de ele ter usado a palavra dever, em vez
de querer.

— Ela sonhou com você ontem à noite — digo. Sinto que a Tatá será

um terreno seguro para mim sempre que começar a esquecer-me de ser prudente

com Daniel.

— O que você fez?

— Eu disse que em breve te conhecerá e ela ficou radiante.

— Você e ela estão prontas para isso? — Daniel pergunta, parecendo


que realmente se importa.

— Você está? — devolvo.

— Não sei ao certo como me sentir, mas acredito que está na hora de
tirarmos essa pedra do nosso caminho. Será mais fácil depois disso — ele

explica.

— Tudo bem, vamos continuar mantendo contato pelos próximos

dias enquanto eu a preparo. Saberei quando for o momento certo — falar

justamente com ele sobre isso é estranho. — Se me der licença...

— O que vi naquela sala? — o homem pergunta, antes que eu possa


fugir.

— Não sei do que você está falando. — É claro que sei.

— É amante daquele idiota?

— Você pode ser o pai da minha filha, mas não tem nada a ver com a

minha vida amorosa.

— Talvez eu possa mudar essa realidade mais rápido do que você

imagina. — Suas palavras e olhar são tão intensos que me fazem recuar e sair da
sala sem uma resposta na ponta da língua.

Quando me vejo do lado de fora, tento puxar uma respiração calma e

colocar meus pensamentos em ordem. Não permitirei que Daniel entre na minha
cabeça e bagunce meus pensamentos e sentimentos, porque estou perfeitamente
ciente de que ele é um homem que não tem a menor intenção de seguir em frente

sem deixar o rastro de dor em qualquer uma que ouse se enganar a seu respeito.

Não permitirei que faça isso comigo. Se Daniel é perigoso, posso ser
três vezes mais para fazê-lo recuar e nunca descobrir o quanto aquela noite me
mudou, e não me refiro apenas ao fato de ter me tornado mãe.
CAPÍTULO 8

MARIA
ALGUNS DIAS DEPOIS

Faz pouco tempo que voltei para o Brasil, mas aconteceram tantas

mudanças na minha vida que é quase como se tivesse passado um ano inteiro.
Passei os últimos dias fazendo de tudo para não me lembrar da cena estranha

com o pai da minha filha antes do primeiro show do Calvin, mas falhei

miseravelmente todas as vezes em que deitei para dormir e demorei a pegar no

sono por causa dos pensamentos sobre ele povoando a minha mente.

Não faço ideia do que estou sentindo, mas não gosto nada do fato de
estar vulnerável perante um homem que não quer nada comigo e nem com

mulher alguma. No fim das contas, digo a mim mesma com muita convicção de

que toda a dificuldade para tirar seu olhar da minha cabeça é tão somente pela
carência que estou sentindo.

Embora o sexo não seja uma prioridade na minha vida e que todos
tenham sido apenas satisfatórios depois dele, o meu corpo sente necessidades

como o de qualquer mulher. Como faz tempo que não saio com ninguém para
me divertir, meus hormônios estão me enganando e tornando aquele homem
mais importante do que ele realmente é.

No que se refere a nossa filha, continuamos nos comunicando através


de mensagens e ligações agora. Temos encontrado formas de fazer com que

sempre se encontrem. São encontros que precisam parecer naturais para que não

confundam a sua cabecinha, mas ela se sente feliz todas as vezes que fica junto
com o Daniel. Não importa quem esteja com sua atenção no momento, Daniel

sempre a rouba para si quando surge diante dos seus olhos e quase chego a sentir
ciúme.

Carreguei a pequena traidora durante nove meses, a criei sozinha por

cinco anos e ela simplesmente se apegou a um pai que ainda nem sabe que é

mais do que o seu amigo Dan.

Como meu irmão é a única pessoa que sabe a verdade, os dois

encontros que aconteceram na última semana foram na sua casa. Apesar de ele

nos olhar com atenção o tempo todo e de não conseguir esconder que não gosta

nem um pouco do fato de ter o seu melhor amigo perto de mim, Carlos aceitou
bem a ideia de o Daniel ser o pai da sua sobrinha.

Sei que no fundo ele acredita que eu não poderia ter dado um pai

melhor para ela, mesmo sabendo de todos os problemas do amigo com o luto.
Está bem claro para o meu irmão e eu que o chef de cozinha se torna uma pessoa
completamente diferente quando se trata da Tammy.

Hoje ainda é sexta-feira e em plena dez horas da manhã já estou me


sentindo exausta com a demanda de compromissos que surgiram com a turnê
badalada. Hoje vim trabalhar no escritório e estou há duas horas organizando a

agenda do meu chefe e amigo no computador. Embora eu esteja sozinha, gostaria

de estar com a Mila, ou sendo perturbada pela minha estrela do rock. Só assim
me esqueceria do Daniel e das nossas pendências.

Qualquer coisa seria uma desculpa para o tirar da minha cabeça,

inclusive meu celular que está tocando agora. Ao desbloquear a tela, estranho o
fato de ser uma ligação de casa, considerando que Nica sabe como lidar com a

Tatá e só liga quando realmente precisa de mim. Apreensiva, atendo no segundo

toque.

— Oi, Nica. Pode falar.

— Você checou a Tatá hoje de manhã?

— Entrei no quarto antes de sair para dar um beijo nela. Por que está

perguntando? Aconteceu alguma coisa?

— Ela está com um pouco de febre.

— Estou indo para casa agora — declaro, ao estender a mão e puxar

minha bolsa para perto de mim.

— Maria, não precisa ficar apavorada. Ainda é uma febre leve e só

liguei para te manter informada. Fique aí. Tentarei lidar com a febre e te ligarei
caso ela piore, está bem?
— Tem certeza de que pode fazer isso? Eu não gosto da ideia de
continuar trabalhando quando a minha filha não está bem — declaro. Ela é

minha prioridade, mesmo quando estou cheia de trabalho como hoje.

— Tenho certeza. Você sabe que posso cuidar da nossa garotinha,

não sabe?

— É claro que você sabe, querida. Eu que não sei o que seria de mim
sem você na minha vida.

— Seria a mesma mulher brilhante de sempre. Você é capaz de tudo

quando se propõe a fazer algo.

— Esse elogio merece um aumento de salário — brinco.

— Eu não iria reclamar — ela devolve a provocação e esboço um


sorriso. — Deixe-me ir agora, porque preciso tratar daquela manhosa. Qualquer

novidade te ligo.

Depois que a babá da minha filha desliga, tento retomar minha

concentração no trabalho, mas é simplesmente impossível continuar cem por


cento focada. Mais de duas horas depois, meu celular volta a tocar. Pego o

aparelho com uma mão e começo a guardar os meus pertences pessoais na bolsa
antes de atender.

— Querida, está na hora de você vir para casa. A febre dela


aumentou muito e nada que dei conseguiu baixar a temperatura.
— Estou a caminho. — Desligo e saio da sala. Dirigindo cegamente
e em alta velocidade, ligo para o Calvin e para Mila. Aviso que saí mais cedo e o

porquê de eu ter feito isso. Eles ficam preocupados e me fazem prometer que

ligarei para dizer em que hospital ela está.

— Ei, fiquei sabendo que tem uma princesinha dodói aqui? — falo,

ao entrar em seu quarto e a encontrar deitada e desanimada na cama. Tatá só fica

assim quando adoece.

— Mamãe, estou sentindo muito frio.

— Eu sei, meu amor. A mamãe te levará até o hospital para que o

médico passe um remédio, está bem?

— Tenho medo de médicos, a senhora sabe. Eles são maus e sempre


me fazem chorar quando aplicam aquelas injeções e remédio com gosto ruim.

— Querida, nós duas já conversamos sobre médicos, lembra? Eles


são como super-heróis e tudo o que fazem é para que você melhore depois,

mesmo que sinta alguma dor ou gosto ruim na boca pelos remédios.
— Eu não gosto! — ela volta a repetir ao cruzar os bracinhos sobre o
peito, fazendo birra como uma garota manhosa. Geralmente Tatá é mais

tranquila e não age dessa forma. Mas isso é só até que fique doente.

— E se eu ligar para o titio Carlos e pedir para que fique na sala na

hora que o médico estiver te consultando? Ele é mais forte do que você e do que
a mamãe. Com certeza te protegerá, porque é um super-herói mais forte do

médico. — Tento outra abordagem para a fazer cooperar logo.

Acabei de checar sua temperatura e ela está com muita febre. Não

posso perder tempo sem levá-la de uma vez para que um profissional me diga

por que está se sentindo tão mal.

— Eu amo o tio Carlos, mas meu amigo Dan é muito mais forte do
que ele. Os seus poderes são melhores do que os do médico.

É sério que isso está acontecendo?

Minha garotinha está mesmo escolhendo o pai que conheceu ontem?


Em vez do tio, uma das pessoas que mais adora na vida?

Mas não é o momento de me questionar a respeito disso, é?

— Tudo bem, princesa. Agora você tem que ajudar a mamãe e a


Nica. Te deixaremos pronta e depois te levaremos para o carro, está bem? —

questiono, ela balança a cabeça positivamente. — Prometo que ligarei para o seu
amigo Dan no carro.
— Eba!

— Você está com saudade dele?

— Muita. Ontem sonhei com o papai de novo. No meu sonho o papai

era o Dan.

— Filha...

— E então? Essa princesinha já está pronta? — Nica entra no quarto

antes que eu cometa o erro de contar a verdade para minha filha da pior forma

possível. Depois dos dois últimos encontros, acredito que todos nós estamos

prontos para esse grande passo, mas com certeza não será aqui e muito menos
assim.

— Ainda não. Você sabe como ela fica quando está dodói, não sabe?
— digo, a babá sorri para minha filha que fica um pouco sem jeito.

Em cinco minutos deixamos a Tatá pronta e arrumamos uma bolsa


com alguns dos seus pertences e peças de roupas que levaremos para o hospital.

Quero pensar que não será nada sério, mas sempre estou prevenida quando se
trata dela.

Enquanto dirijo, vez e outra olhando rapidamente para a interação


entre a Tatá e a Nica no banco de trás, tento criar coragem para ligar para o

Daniel e pedir que vá até o hospital. Sei que ele vai querer estar presente, que
isso se tornou tanto um direito quanto um dever a partir do momento em que
soube a respeito da paternidade, mas sinto que estou despejando uma
responsabilidade grande repentina em cima dos seus ombros. É irracional,

principalmente depois de eu ter feito tudo sozinha durante todos esses anos, mas

não posso controlar os meus sentimentos.

Sabendo que não posso mais protelar e que é importante que ele
esteja presente quando a filha for atendida pelo médico pediatra que minha mãe

indicou após a rápida a ligação que fiz, desisto de fazer a chamada e envio um
áudio pelo WhatsApp. Aviso por alto que a Tatá não está bem e preciso que me

encontre no hospital. Em seguida mando a localização e jogo o celular no banco

vazio do carona.

Quando chegamos, pego meu amor em meus braços e a levo

apressada até o doutor Peres. Como é conhecido dos meus pais há muitos anos, e
só quando o vejo de perto recordo-me de que foi o meu pediatra quando eu era

criança, ele não teve problema para encaixar a consulta da Tammy. Levo menos

de cinco minutos para preencher alguns papéis com dados da minha menina e

em seguida ela é encaminhada para o atendimento.

Não deixo de perceber os seus olhinhos procurando pelo pai de um


lado para o outro antes de ser levada. Estou indo logo atrás, mas paro por um

segundo para tentar conter o nó na garganta e a vontade de chorar. Não sei como
explicar o que aconteceu entre os dois, mas minha menina simplesmente criou

uma conexão emocional inquebrável com o homem que a colocou no meu


ventre. Acima de qualquer coisa, sinto-me culpada por não ter notado o quanto

ela realmente sentia falta de uma figura paterna até que ficasse escancarado.

Meu irmão e o Calvin sempre estiveram presentes de alguma forma,

mas eles nunca preencheram esse lugar em seu coração. Embora ela não entenda,

sou sua mãe e noto claramente que é diferente com o Daniel. Tanto é que já
colocou o seu rosto nos sonhos frequentes que tem com o pai.

— Maria. — Ouço a voz dele antes de ter a chance de entrar atrás da

minha filha e do doutor Peres. Olho para trás e por um momento perco o

equilíbrio e o fôlego pelo impacto que sua beleza e presença física causam em

mim. Por mais que eu tente resistir à atração de todas as formas, é irresistível e

mais forte do que eu.

Mesmo sabendo que dificilmente faria algo a respeito das reações

que o meu corpo tem a este homem, estou me convencendo neste instante que

não tem problema algum em sentir, desde que eu apenas sinta a uma distância

segura.

— O que está acontecendo?

— Saberemos agora. Ela entrou no consultório com o pediatra —

falo, entro na sala e o homem me segue.

Tatá está sentada em uma maca enquanto o doutor Peres a examina.


No momento em que ela o percebe, sua expressão corporal muda. Seu rosto se
anima e até os seus olhos ficam mais brilhantes. É uma devoção desmedida e
que não teria qualquer explicação se eu não soubesse que isso se chama sangue

falando mais alto.

— Dan, você veio!

— Claro que vim, princesa. Eu não te deixaria sozinha de forma

alguma — ele afirma com o modo pai amoroso ativado. É uma versão que só a
minha filha tem e não faço ideia se Daniel percebe essa faceta da sua

personalidade.

— Agora que você está aqui não sinto mais medo. Tenho um super-

herói e ele é você. — Surpresa pela declaração aberta e inocente, encaro o

moreno bonito e vejo o momento em que ele engole em seco. É claro que Daniel
ainda não sabe como lidar com todo o amor que a garotinha de cinco anos sente

por ele, mas posso dizer que está se saindo muito bem em demonstrar os seus

sentimentos para ela.

— Se sou seu herói, então prometo que te protegerei de todo mal —

ele faz a declaração e meu útero chega a coçar, metaforicamente falando.

Se eu não soubesse que Daniel tem problemas com relacionamentos,

diria que ele nasceu para ser pai e talvez até mesmo um marido exemplar.
Provavelmente o homem foi o melhor esposo que sua falecida poderia ter

encontrado. Ela deve ter morrido sabendo que amou e foi amada completamente.
— Vocês três moram juntos? — Depois de alguns minutos
trabalhando em silêncio e fazendo-me acreditar que estava alheio a conversa dos

dois, Peres faz a pergunta.

— Não, somos apenas a minha filha e eu. — O homem mais velho

ajeita a postura e recolhe o seu estetoscópio.

— Medi a temperatura corporal dela antes de vocês entrarem e


realmente está um pouco elevada, mas esse primeiro exame clínico não apontou

a causa da febre. Receitarei alguns comprimidos e pedirei mais uma bateria de

exames, mas tenho quase certeza de que a febre é emocional.

— Emocional? — indago sem entender nada.

— Talvez essa garotinha linda só esteja sentindo saudade do pai — o

homem fala olhando diretamente para o Daniel.

Sim, a interação entre os dois fez o médico adivinhar a relação de pai

e filha.

— Ele não é... — Deixo a frase morrer na metade para não dizer uma
inverdade.

Ele não é o quê? O pai da minha filha?

Porque Daniel é o seu pai e eu não consigo acreditar que Tatá


realmente sente sua ausência. Ela não está sentindo saudade de um pai

inexistente cujo rosto nunca viu, sente falta do Daniel, a quem considera um
amigo, o homem que viu somente algumas poucas vezes.

Tentando me convencer de que o doutor está errado, olho para minha


pequena e ela parece culpada. Não que uma criança saiba como sentir culpa. Na

verdade, ela não olha para ninguém além do Daniel. Sabendo que a garota

precisa dele agora, o homem se aproxima e a pega em seus braços.

— Talvez seja isso — digo a contragosto. — De qualquer forma,


esperarei o resultado dos outros exames — declaro, o pediatra balança a cabeça

positivamente.

Ainda estou com os meus pensamentos no que aconteceu durante a

consulta quando saímos do consultório. Ao voltar minha atenção para a pequena,

a vejo com a cabeça deitada no ombro do pai. Está aconchegada de uma forma
que faz parecer que fez isso a vida inteira.

— Posso levá-las para casa?

Minha vontade inicial é de dizer não, mas me recordo do que foi dito
pelo médico e minha resposta muda.

— Não quero te incomodar.

— Eu estava supervisionando o novo restaurante e acabei vindo com


um carro de aplicativo. Posso perfeitamente te levar em casa no seu carro.

Meu irmão me contou que ele retornou a São Paulo basicamente para

retomar o projeto que havia abandonado há seis anos. Provavelmente, tomou tal
atitude depois de passar a noite comigo. Ele quis fugir de tudo o que dizia
respeito a mim.

— Tudo bem. — Aceito, porque não é o momento de agir com

teimosia. Na verdade, não tenho motivos para fazer algo do tipo.

Em silêncio ao lado da Nica, nós três nos encaminhamos para o

conversível que na verdade é um dos carros do meu irmão. Ele me emprestou


pelo tempo em que ficarei aqui no Brasil.

A viagem até o meu apartamento dura vinte e cinco minutos. Se o

clima no banco de trás é leve e pautado por uma conversa animada entre a Nica e

a Tatá, o clima na frente é o extremo oposto. Daniel e eu não conversamos e

agimos como se não nos conhecêssemos, tão tensos que a tensão poderia ser
cortada com uma faca.

Assim que chegamos, destravo o cinto de segurança com a intenção

de pegar minha filha com a babá e sair correndo da presença do Daniel, antes de
conversarmos sobre o que foi dito pelo médico. É irracional, mas sei que falar

sobre o assunto nos levará a tomarmos decisões. Decisões que podem causar
mudanças na vida de nós três e não gosto nem um pouco disso. Antes que eu

fuja, Daniel segura o meu pulso e fala:

— Fica mais um pouco, preciso falar com você. — Contrariada,

balanço a cabeça. Eu não tenho qualquer chance contra esse homem, tenho?
— Nica, você pode subir com a Tatá? Terei uma conversa breve com
o Daniel e subirei dentro de cinco minutos. — A essa altura, Tatá já está

cochilando nos braços da babá. Ela não gosta de dormir durante o dia, mas o fato

de estar doente a deixou baqueada.

Quando as duas entram no prédio, respiro fundo e olho para o


Daniel. Ele me encara de um jeito estranho e confuso, como se estivesse

organizando seus pensamentos e elaborando exatamente o que dirá a seguir.

— Você acha que o pediatra tem razão?

— Sobre ela sentir a sua falta?

— Sim. Também sinto vontade de passar mais tempo com a nossa

filha, mas sou adulto e posso lidar melhor com a saudade. No caso dela talvez

não seja tão simples.

— É bem provável que o doutor Peres esteja certo. Eu carreguei

aquela garotinha no ventre durante nove meses e cuido dela sozinha desde então.
Te garanto que nunca a vi tão emocionalmente apegada a uma pessoa como está

com você. Vocês se viram poucas vezes, mas é algo tão intenso que chega a ser
surreal.

— Provavelmente ela sente que sou seu pai. Assim como soube que

Tammy era minha filha quando a vi pela primeira vez.

— Por que estamos falando desse assunto aqui e agora? —


questiono, aturdida.

— Talvez devêssemos deixar o medo de lado e falar com a menina


de uma vez.

— Não pretende fazer exame de DNA? Eu não tenho a menor


dúvida, mas talvez você não tenha e queira ter cem por cento de certeza.

— Nunca estive tão certo sobre algo e não preciso de um exame de

DNA para provar.

Daniel me deixa sem palavras, algo que não é fácil de alguém

conseguir.

— Tudo bem, podemos fazer um jantar aqui no seu apartamento por

ser um ambiente familiar. Sentaremos e contaremos a verdade. O único


problema é que Tammy passou a vida ouvindo que eu estava viajando a trabalho

— declara, e odeio-me quando sinto minhas bochechas esquentando de

constrangimento. E daí se menti? Fiz isso por um bem maior no final das contas.

— Sinto muito — falo, sem saber exatamente o porquê.

— Você fez o que achou certo — ele afirma e deixa meu coração
leve. — Pode deixar que pensarei em uma boa história para justificar a mentira
que você precisou contar.

— Acredita que saber que você é o pai ajudará a Tatá com a saudade

que sente? Depois de tantos anos ela precisa de muito mais do que alguns
encontros esporádicos e rápidos na casa do meu irmão.

— Eu sei, é por isso que farei um convite.

— Convite? — Realmente não faço ideia do que está passando pela

sua cabeça.

— Eu sei que as nossas vidas estão um pouco bagunçadas no


momento, que você mora nos Estados Unidos e eu estou apenas de passagem por

São Paulo, mas nós estamos aqui agora e temos uma filha em comum. Até

chegar a hora de tomarmos alguma decisão a respeito do futuro e da distância

que existirá entre nós, quero conhecer e conviver o máximo de tempo possível

com ela.

— Você não está...

Não, Daniel não pode estar a ponto de fazer uma proposta como

essa.

Ele quer a Tatá... Ou quer nós duas. Nenhuma das opções é possível.

— Eu gostaria que você viesse morar no meu apartamento com a

nossa filha pelos próximos três meses.

— Não podemos fazer isso, Daniel.

Não posso, não é? Mesmo que uma parte insensata esteja ávida por

mais tempo com ele.


— Por que não podemos?

— Eu poderia citar uma série de motivos, mas o principal deles é que


nós não nos conhecemos e não nos entendemos. Você não pode simplesmente

me convidar para morar na sua casa.

O homem pensa que é fácil e não está considerando o que as outras

pessoas pensariam dessa loucura, inclusive os meus pais, que ainda não sabem a
verdade.

— Sim, eu posso — ele fala. — Não estou te convidando para ter um

caso comigo, Maria. Só preciso da minha filha e ela precisa de você e de mim

neste momento. Seria o arranjo perfeito. Por favor, tente pensar na criança.

— Tudo o que faço na vida é pensando na minha filha, e você não

tem o direito de tentar usar isso como chantagem.

— As palavras significam que pensará na minha proposta? — insiste,

nem um pouco abalado com minha dureza.

Porra! Não há mesmo como escapar.

— Significa que pensarei. Mas antes de tudo diremos a verdade.


Dependendo da reação dela, talvez eu me mude.

Falei sério, realmente sou capaz de fazer qualquer coisa pela minha
menina, inclusive colocar-me à mercê desse homem.

— Independentemente da resposta, preciso te pedir uma coisa.


— Pode pedir, só não garanto que poderei fazer.

— Por favor, não se apaixone. Não sinta nada por mim, porque eu te
daria apenas dores e frustrações.

— Acredite, não existe a menor possibilidade de algo assim


acontecer — falo.

Mas algo me diz que qualquer coisa que possa acontecer estará

completamente fora do meu controle e não tenho a menor dúvida de que Daniel

realmente cumpriria suas palavras de me ferir, mesmo sem intenção.



CAPÍTULO 9

DANIEL
Faz apenas dois dias que a minha filha nos deu um susto e foi parar

no hospital com febre, mas já é a terceira visita que faço ao apartamento onde

mora com a mãe. Na mesma noite em que a trouxe do hospital para casa, a

pequena me acordou no início da madrugada com uma ligação. Ela não

conseguia dormir e eu não pensei antes de correr até aqui.

Naquela noite fiquei no quarto da Tatá e conversei com ela até que

dormisse, mas saí praticamente correndo depois disso. Tudo para não ficar mais

tempo que o necessário perto da sua mãe. As nossas interações ainda são

estranhas porque não sei como agir com ela e acredito que Maria também não

saiba como se sentir em relação a mim. Eu entendo que não é fácil acordar um
dia e ter que lidar com a chegada do pai da filha na sua vida, mas tanto ela

quanto eu teremos que nos acostumar com a nova realidade.

No fundo, por mais que eu não queira admitir, Maria desperta algo

em mim. Não sei se é exasperação ou uma atração indesejada, sentimentos com


os quais não estava mais habituado e por isso não tenho conseguido dormir bem

a noite. Na verdade, faz muito tempo que não tem uma noite tranquila de sono,
mas reencontrar Maria tornou tudo ainda pior.

Para minha total surpresa e sentimento de culpa que chega a ser


doloroso, os pesadelos com minha falecida esposa transformaram-se em sonhos

sobre a irmã do meu melhor amigo. Se antes de dormir eu passava horas

pensando em tudo que perdi, na saudade que sinto da mulher que amei e do filho
que nem cheguei a conhecer, hoje sou atormentado pelas lembranças nubladas da

noite em que estive com a Maria. Também penso no quanto a mulher é linda, no
quanto seu corpo é tentador de uma forma que torna impossível para um homem

não olhar em sua direção. Até mesmo um homem como eu, que acreditava ter

perdido a capacidade de sentir desejo e reparar seriamente no sexo feminino.

Mas eu reparo na garota, muito mais do que gostaria e do que minha

consciência precisa. Tudo isso tem me deixado mais perturbado do que o


normal. Eu poderia simplesmente abandonar o meu projeto para o restaurante

mais uma vez e voltar para o Espírito Santo, o meu lugar seguro, mas minha

filha está entre nós dois e não pretendo desistir de estar com ela.

O fato de a Maria ser tão compreensível, mesmo que eu esteja vendo

seu esforço para não se apavorar a cada encontro que temos, tem me ajudado a
criar coragem e abrir o meu coração para amar o fruto do nosso envolvimento.

Além de toda bagunça que a garota causa na minha mente, ainda há espaço para
a admiração. Mesmo com sua teimosia e as tentativas de me irritar todas as

vezes em que nos encontramos, não posso negar que Maria é forte, bem-
sucedida e independente. Não lembro se algum dia conheci uma mulher como

ela, pelo menos, não uma tão madura e bem resolvida para a pouca idade de

vinte e cinco anos.

Já faz mais de meia hora que estou com o carro estacionado na frente

do seu prédio perdido em pensamentos e buscando coragem para subir. Mesmo


que eu tenha estado com elas outras vezes, hoje é diferente por ser a noite em

que Maria e eu contaremos para a Tatá que sou seu pai. Estou muito nervoso, e
acredito que Maria esteja se sentindo da mesma forma. Apesar de tudo, é algo

que precisamos e quero muito fazer. Amo a menina como não imaginei que fosse

capaz de voltar a amar alguém além das pessoas que me colocaram no mundo.

Além do amor, ela tem feito nascer um forte instinto protetor e

começo a pensar que a proteger será o maior objetivo da minha vida. Com muito
custo, admito que também tenho desejo de proteger sua mãe quando penso no

assunto. Mesmo que Maria e eu ainda não saibamos nos relacionar, gosto dela

mais do que gosto da maioria das pessoas.

— Você tem que fazer isso, Daniel — digo em voz baixa para mim

mesmo, ao tirar a chave do carro e sair do veículo. Entro facilmente pela


portaria, tudo por quê a garota avisou que minha entrada deve ser permitida em

qualquer situação. A subida do elevador parece durar meia hora em vez de


poucos segundos. Antes que eu toque a campainha, a porta é aberta e eu

simplesmente perco o fôlego quando os meus olhos batem na irmã do meu


melhor amigo.

Pecaminosamente linda e gostosa demais para que qualquer homem


com sangue nas veias possa suportar, ela parece diferente das outras vezes.

Agora que não tem a aparência de alguém que passou o dia inteiro andando de

um lado para o outro sem parar, os cabelos castanhos escuros e ondulados estão
soltos e a maquiagem simples torna o seu rosto angelical e a faz parecer bem

mais jovem do que os seus vinte e cinco anos. A parte da tentação fica por conta
da vestimenta.

Como se tivesse esquecido de que temos algo importante para fazer

hoje, a garota usa uma camisa branca folgada que mal alcança o topo das suas

coxas. Elas parecem visualmente macias ao toque. Ao subir rapidamente o olhar

para os seus seios, tenho dificuldade para desviar novamente quando percebo
que não se deu ao trabalho de colocar um sutiã por baixo.

Quando o meu pau ameaça ganhar vida, surge o questionamento

indecente se ela está vestindo algo por baixo da porra da camisa. Se essa não
fosse a Maria e a nossa situação fosse completamente diferente, tomaria a forma

como está me recebendo como uma tentativa de sedução, que claramente daria
certo, mas não é o caso e só posso concluir que essa seja a moda do momento.

Também prefiro acreditar que há no mínimo um short muito curto por baixo da
camisa branca. Não tenho a menor dúvida quanto a ausência de um sutiã, pois

além de eu ter olhado o suficiente, os seus mamilos estão deliciosamente duros


agora.

Desde quando voltei a ter esse tipo de pensamento?

Quando foi que voltei a ter que tentar distrair os meus pensamentos

com outras coisas para não ficar duro na frente de uma mulher?

— Vai ficar parado na porta ou entrará de uma vez? — ela começa


me atacando quando percebe a forma como estou a encarando. Se fosse mais

covarde, aposto que correria até o quarto agora mesmo e trocaria de roupa.

Maria não quer ser alvo de olhares de desejos meus, assim como o

que menos desejo no momento é passar a enxergá-la como uma mulher desejável
com a personalidade, corpo e rosto que me atrairiam facilmente em outra época.

Como dizem os mais jovens: essa garota é totalmente o meu tipo.

Aposto que também é o tipo daquele idiota a quem chama de chefe.

Não suporto a forma como Calvin Derek parece um pavão com aquele sorriso e

mãos bobas que sempre estão dispostas a abraçar alguém. Mesmo que tenha o
visto no máximo três vezes, foi o suficiente para enraizar esse sentimento e não

ajuda o fato de ele parecer sempre preparado para dar em cima da mãe da minha
filha.

A relação deles não deveria ser uma questão para mim, porque não é

da minha conta, mas o fato de me sentir incomodado conta outra história.

— Eu estava esperando seu convite gentil para entrar — provoco-a


com uma gentileza irônica.

É assim que falamos um com o outro na maior parte do tempo, mas


apenas quando a nossa filha não está por perto. Na frente dela fingimos que

somos melhores amigos há anos.

Sem dizer uma única palavra, a mulher escancara ainda mais a porta

do apartamento e dá espaço para que eu entre. Em vez de esperar para fechar a


porta novamente, Maria vira as costas e se afasta de mim. O problema é que a

sua atitude arrogante me leva a encarar a bunda mal coberta pela camisa e meu

pau contraria todas as minhas ordens ao endurecer de forma instantânea.

Por ser algo que não vem acontecendo com frequência, o fato de eu

estar excitado chega a ser doloroso e constrangedor. Se ter me tornado


celibatário nunca pareceu difícil, agora que estou tendo uma ereção me pergunto

quão rápido eu gozaria se voltasse a entrar na boceta de uma mulher. Aposto que

seria na primeira metida.

Pare de pensar bobagens, idiota!

— Preciso usar o banheiro — declaro e, sem esperar pela sua


resposta, deixo a sala.

Ao entrar, apoio as duas mãos na bancada da pia e olho para o

espelho. O rosto que vejo refletido parece diferente do que estou acostumado, o
de agora é claramente de um homem com tesão. O tipo de tesão que um
adolescente teria com a sua primeira paixão. Não sei como me sentir enquanto
encaro os meus olhos: se apavorado ou maravilhado.

Mesmo que eu tenha passado tempo demais impondo a mim mesmo

um tipo de penitência para aliviar a culpa, houve um momento no meio do

caminho em que percebi que já não era algo que eu estava me obrigando a fazer,
porque simplesmente havia perdido a capacidade experimentar todas as

sensações ligadas ao prazer físico e até mesmo ao sentimento de estar feliz.

De repente, duas mulheres entraram na minha vida quase como se

fosse um milagre e tudo começou a mudar muito rapidamente. Agora sei que sou

capaz de amar minha filha e até mesmo acreditar que posso ser um bom pai. De

repente, sinto-me atraído pela única mulher que poderia me fazer cometer um

erro, tanto poderia que cometi no passado.

Talvez tenha passado tempo demais e eu falhe em todas as minhas

tentativas de continuar me martirizando e sofrendo com a culpa inexplicável pela

perda da mulher que eu amava. Não resisti a Maria há seis anos, mesmo tomado
pela dor, e talvez esteja condicionado a não resistir agora e nem nunca.

Merda!

Não posso pensar assim. Não posso, porra!

Pelo menos o embrulho no estômago pelos desejos que estão se


tornando mais evidentes e urgentes fez a minha ereção diminuir. Tudo sobre esse
encontro diz respeito a Tatá e eu não deveria nem mesmo estar pensando na sua
maldita mãe, que possivelmente é muito mais do que assessora de imprensa

daquele cantor.

Quando retorno para a sala, me deparo com mãe e filha sentadas no

sofá de dois lugares. A minha pequena, cujos olhos tão parecidos com os meus
ainda me surpreendem, parece uma princesa com seus cabelos presos com um

laço no topo da cabeça e o vestido branco com bolinhas pretas. Provando que o
pediatra estava certo, o exame adicional não apontou uma causa específica para

a febre. Ela ter melhorado mais rapidamente com a minha presença foi a prova

contundente de que minha filha só estava sentindo a minha falta.

Tammy ainda não sabe que sou seu pai, mas me ama como se tivesse

passado a vida inteira sendo cuidada por mim. O fato por si só me faz
completamente feliz, mas saber que sou capaz de despertar esse sentimento em

uma garotinha torna minha respiração mais fácil.

Talvez, e apenas talvez, eu não seja esse monstro indigno que


acredito ser há anos.

— Você veio me visitar, Daniel! — Ela pula do sofá e corre até mim.

Eu me ajoelho para ficar na sua altura quando abro os braços e a aperto contra o
meu peito. Com os olhos na sua mãe, jogo uma piscadinha. Ela abre um sorriso
de canto e relaxa a postura no mesmo instante. Dará tudo certo. Não tem por que

ser diferente.
— Eu vim. Você está feliz? — questiono quando me levanto com a
criança em meus braços. No sofá ao lado da Maria, ajeito a garotinha nas minhas

pernas. Sentindo-se segura, ela envolve o bracinho na parte de trás do meu

pescoço e sorri para a mãe, que devolve com o sorriso mais bonito que já vi.

Não! Com certeza o seu sorriso não é o mais bonito que já vi.

Como posso pensar assim se o sorriso da minha esposa sempre foi


uma das características que mais chamava minha atenção nela?

— Muito feliz — ela declara. Apesar de eu ter feito uma visita

ontem, Tammy estava com saudades.

Olho para a Maria e pergunto em silêncio se é a hora de começarmos

a conversa. Como se estivesse lendo a minha mente, ela acena discretamente

com a cabeça.

— Pequena, a mamãe e o Dan precisam conversar com você — a

mulher começa.

— Mas nós já estamos conversando — o comentário inocente me


diverte e Maria me fuzila com o olhar.

— Uma conversa séria.

— Igual as conversas de adultos que não posso ficar para ouvir?

— Isso mesmo — sua mãe responde e ela até ajeita a postura em


cima das minhas pernas para parecer que é adulta. Tatá é uma garotinha muito
inteligente para sua idade e todo mérito é da mulher que está ao meu lado. Ela
quase não tinha idade e maturidade suficientes na época em que nossa filha

nasceu, mas foi perfeita na sua criação até aqui.

— Finalmente vou poder ficar na sala para uma conversa de adultos

— fala, nós dois não aguentamos e sorrimos juntos.

— Lembra quando contei que o seu pai estava viajando a trabalho,


mas que um dia voltaria para cuidar de você?

— Eu lembro, mamãe. Espero todos os dias que volte e me abrace.

Sinto tanta saudade. Mas a senhora disse que ele estava voltando, não disse?

— Disse. Mas a mamãe estava enganada e o seu pai não sabia que

havia te colocado na minha barriga. Ele não voltou antes porque não sabia onde

nós duas estávamos, meu amor.

Quando Maria e eu conversamos a respeito do assunto, sugeri que

contássemos tudo o que fosse o mais próximo possível da verdade. É o que ela
está fazendo agora.

— Agora que sabe da gente, ele virá nos buscar? E se o papai não

gostar de mim?

— Ele já sabe que tem uma filha linda. Além do mais, é impossível

que alguém não goste de você, princesa.

— Que dia que o meu pai virá? — Tatá pergunta, Maria faz um gesto
discreto com a cabeça, deixando-me saber que é a minha vez de falar.

— Tatá...

— Dan, você ouviu o que a Maria falou? O meu papai vem me ver

— ela comenta e não lembro de ter a visto tão feliz como agora.

De repente, Tatá me olha de uma forma diferente e o sorriso morre


no seu rosto. Troco um olhar com a sua mãe e ela parece também não entender

sua reação.

— O que aconteceu, princesa? Você está bem?

— Estou feliz, mas sonhei que você era o meu pai. Eu queria muito

que o meu papai fosse você — as suas palavras me emocionam de tal maneira

que os meus olhos se enchem de lágrimas, mas as engulo em seco.

Há quantos anos não me permito chorar? Agora estou aqui, tendo

que me segurar por uma garotinha que me tem na palma da sua mão. Por alguma
razão, mesmo que eu não mereça essa graça, a vida me presenteou com algo de

valor inestimável.

— Princesa, olhe para mim — peço, e ela faz. — E se eu disser que


sou o seu pai?

— Você é? — questiona com os olhinhos esperançosos.

— Sim, sou o seu pai, Tammy. — Seus olhos castanhos esverdeados


aumentam de tamanho, então a garota olha para a mãe em busca de uma
confirmação.

— É verdade, mamãe?

— É verdade. O seu Dan é o papai que você tanto sonhou em

conhecer. Ele soube que você existia e veio correndo te encontrar porque te ama
muito.

— Você me ama, Dan?

— Mais do que tudo no mundo, princesa. Você é o meu presente

inesperado — declaro, então ela sorri e me abraça pelo pescoço durante alguns

segundos. Quando ergo a cabeça para encarar a mãe da minha filha, a vejo com
os olhos marejados e um sorriso que é tanto de alívio quanto de alegria no rosto.

Tudo está acontecendo graças a ela, que é corajosa. Sua coragem


tanto mexe com meu coração quanto me excita.

— Dan é o papai que eu queria. Posso te chamar de pai agora?

— Você deve. Nada me deixaria mais orgulhoso.

— Agora vai morar comigo e com a mamãe?

— É isso que você quer? — pergunto, olhando diretamente para a

Maria. Ela não me deu a resposta definitiva porque estava esperando pela reação
da filha. Agora está claro que é exatamente isso que a menina deseja.

— Sim. Quero ficar junto com o senhor e com a minha mãe. Quero
que vocês dois se casem e que me deem um irmãozinho. Eu sempre quis um

irmãozinho, mas mamãe disse que só poderia me dar um quando se casasse e ela

não quer aceitar o pedido de casamento do tio Calvin.

Maria começa uma crise de tosse e tenho certeza de que é por causa

da palavra casamento e nós dois juntos na mesma frase.

— Se a sua mãe quiser, podemos ficar juntos até que vocês voltem
para os Estados Unidos — falo, preferindo não comentar a respeito de casar-me

com Maria ou sobre ter um filho com ela. Espero que Tatá não insista no

assunto.

As nossas vidas diferentes e o fato de morarem em outro país são

problemas nos quais não quero pensar agora. Ainda temos alguns meses até que
Maria precise retornar, e sei que até lá nós dois daremos um jeito de nos

entendermos quanto a isso.

No momento, não consigo nem pensar em ficar longe da filha que


acabei de descobrir.

— Mamãe, Dan pode vir morar com a gente?

— Se ele quiser, por mim tudo bem. — Percebo que está falando
com contrariedade, mas é incapaz de negar algo que parece ser o melhor para a

filha.

— Você quer ficar comigo e com a mamãe, não é?


— Claro que quero. O que acha de vocês virem para minha casa? Na
propriedade tem um jardim enorme com piscina para você se divertir, pequena.

— Quero ir para sua casa. Nós vamos, mamãe?

— Sim, querida — ela confirma.

— A Nica também vai morar com a gente — a garotinha não está


pedindo, apenas avisando. — Ela cuida de mim desde que eu era um bebê.

— Teremos um quarto para sua babá na casa nova, não se preocupe.

Depois de anos morando sozinho e evitando até mesmo visitas, terei

mais três pessoas junto comigo e não faço ideia de como será a experiência. Pela

minha filha, sei que será maravilhosa. O que me preocupa são as outras duas,

sobretudo a que está ao meu lado e que foi o meu ponto fraco há algum tempo.

— Eba! A Nica está no quarto arrumando os meus brinquedos. Vou

até ela para avisar que precisamos fazer as malas. — Pela forma que age, minha
filha está acostumada a viajar e aparentemente não é uma vida que a incomoda.

Quando Maria e eu ficamos a sós, elimino o espaço que havia entre

os nossos corpos e me aproximo dela no sofá pequeno. Ela foge do meu olhar,
mas ergo sua cabeça pelo queixo e a obrigo a me encarar.

— Já está feito e você não tem motivo para sentir medo agora.

— Quem disse que estou com medo?


— O medo está estampado na sua cara.

— Se você diz — a mulher fala. — Eu não tenho medo de nada,


Daniel Fonseca, muito menos de você.

— Que bom, isso significa que teremos uma boa convivência e


seremos bons amigos.

Por alguma razão, não consigo me imaginar sendo amigo dessa

garota, e não é somente por eu ter enfiado o pau na sua boceta há séculos.

— Não sei se posso ser sua amiga — declara quando suas bochechas

ficam rosadas.

— Posso saber por quê?

— Sei que não significou nada para você e que nem queria estar

comigo naquela noite, mas nada muda o fato de termos ficado juntos. Mesmo

que me irrite o tempo todo com esse seu jeito de foda-se para o mundo, recordo-
me do que fizemos sempre que te olho.

— As lembranças te excitam? — Não faço ideia do que estou

fazendo.

— Talvez, mas apenas porque existe uma parte de mim que está

doente. De outra forma, eu não sentiria nada além de rancor pelo homem que
chamou pelo nome de outra mulher todas as vezes em que transou comigo

naquela maldita noite. — A revelação me deixa em choque e sem palavras


quando nossa filha volta correndo para a sala.

Ela monopoliza a nossa atenção, mas eu não só não consigo me


concentrar nas interações com a minha filha como não sou capaz de esquecer-me

do que Maria acabou de revelar. Tento buscar o seu olhar, mas ela foge de mim o

tempo todo. Fico sem chão e sem acreditar que fui capaz de fazer uma babaquice
tão grande e imperdoável.

Agora que sei o que aconteceu, sinto ainda mais admiração pela

mulher, porque ela teria todo o direito de me tratar como um lixo, depois do que

fiz há alguns anos. Maria está sendo boa para mim, então tomo a decisão de

tentar remediar o meu erro, ainda que pareça imperdoável.

Antes que o nosso arranjo termine, farei com que Maria acredite que
mesmo que eu tenha ficado confuso, culpado e bêbado demais para saber o que

estava fazendo, vi o seu rosto e senti o seu cheiro o tempo todo nos últimos anos.

De alguma forma, não fui capaz de a esquecer em nenhum momento, seja pela

culpa, ou por razões que tentei sufocar até agora.

Não tenho nada que uma garota como ela poderia querer, mas darei
tudo de mim para não a machucar, mesmo que pareça inevitável para um homem

quebrado como eu.



CAPÍTULO 10

MARIA
Os meus pais estranharam a minha atitude quando pedi para que eles

marcassem um almoço em família e que convidassem Daniel que, até onde

sabem, é apenas o melhor amigo do meu irmão. Mesmo assim, nenhum dos dois

fez perguntas e apenas concordaram com o meu pedido. Agora, três dias depois

de termos contado para a nossa filha toda a verdade, estamos diante dos meus
pais e eles esperam que digamos algo.

Meus pais são espertos demais para se enganarem. Ainda que não

fossem, só o fato de o Daniel e eu estarmos sentados lado a lado, e de vez em

quando trocando olhares tensos, já seria o bastante para colocar uma pulga atrás

da orelha de qualquer pessoa.

Ainda tem a minha filha. Ela se jogou nos braços do Daniel assim
que o homem chegou e o chamou de pai algumas vezes na frente dos avós. Eles
não disseram nada, mas não puderam esconder suas expressões surpresas com a

cena que presenciaram. Depois de tantos anos desejando ter um pai e esperando
com ansiedade pela volta da suposta viagem, eu não tinha a menor dúvida de que

a minha pequena ficaria extremamente radiante se um dia a mentira se tornasse


verdade.

Só que ela está mais do que radiante, pois não ganhou um pai
qualquer, mas sim o Daniel, que a enfeitiçou de alguma forma no instante em

que seus olhares se encontraram. Ela não consegue pensar ou falar em outra

coisa que não seja no seu pai. Quando estou em casa, Tatá me pede para ligar
para o homem e sei que faz o mesmo com a Nica durante o dia inteiro.

Tão feliz quanto ela, Daniel tem sido paciente e passa até mais de

uma hora no telefone com a menina. Ele fez visitas rápidas duas vezes depois

que conversamos com a Tatá e não perdeu a chance de me pressionar para que eu

me mudasse de vez para sua casa. Eu disse que estava me preparando e

realmente estava. Também deixei que soubesse que não me mudaria até

conversar com os meus pais, porque seria muito estranho se eu simplesmente


fosse morar com o melhor amigo do meu irmão, um homem que, em tese, não

conhecia até semanas atrás.

Quando falei que marcaria esse almoço, Daniel se dispôs a vir junto
comigo, já que o assunto também lhe diz respeito, e aceitei prontamente. É

sempre bom ter alguém para dividir os problemas. Agora que almoçamos e
devoramos a sobremesa, estamos sendo observados com atenção e o Carlos não

ajuda quando não consegue esconder sua risadinha satisfeita. Ele adora o fato de
nós dois estarmos nos sentindo acuados. Aposto que está vendo isso como

vingança por termos transado um com o outro.


— Eu imagino que haja uma razão especial para estarmos reunidos
hoje — seu Armando comenta.

Nervosa, ainda sentindo aquele antigo medo de decepcionar a minha

família, começo a falar sobre como Daniel e eu nos encontramos em uma casa

de shows há alguns anos, sobre termos bebido além da conta e ido para um hotel.
Fico constrangida quando preciso contar a respeito do que fomos fazer lá,

embora pareça óbvio, então o pai da minha filha abre a boca e me ajuda a não
morrer de constrangimento. Menos contido do que eu, o homem bonito fala com

todas as letras que fizemos sexo várias vezes em uma só noite e que

provavelmente nos descuidamos com a camisinha em uma dessas vezes.

Minha mãe entende rapidamente o rumo que a conversa tomará, mas

meu pai fica olhando para o Daniel com a sobrancelha arqueada e uma expressão
séria. Eu imagino que ele não tem interesse na nossa vida sexual separados ou

juntos. Mas sei que mudará de opinião quando ouvir o resto da história.

Então conto como me senti mal quando deixei o quarto naquela


manhã e não deixo passar a parte em que não sabia nem mesmo o nome do

homem com quem havia ido para a cama. Também abro o meu coração a
respeito de como me senti desesperada e sozinha quando descobri que estava

grávida de um desconhecido por causa de uma noite de irresponsabilidade.

— Filha, nunca entendi a sua recusa em dizer o nome do pai da sua

filha. Passei todos esses anos acreditando que você sabia, mas que estava
protegendo a identidade da pessoa por alguma razão. Agora está me dizendo que

não sabia o nome ou onde o encontrar?

— Sinto muito, mãe. Sei que não há justificativas para o que fiz,

mas não contei porque eu sentia muito medo de decepcionar a senhora e o papai.

Vocês não me amaram e me criaram tão bem para que eu engravidasse da forma
como aconteceu — enquanto falo, tenho a atenção de todos que estão na mesa

em mim.

Daniel não tira os olhos de mim um segundo sequer, pergunto-me se

ele tem alguma noção do quanto foi difícil carregar o fardo de sempre estar com

medo de dizer algo e decepcionar as pessoas que me amam incondicionalmente.

Eu sei que são os meus pais tanto quanto seriam se tivéssemos o mesmo sangue,

mas um lado meu sempre se sentirá compelida a fazer de tudo para não os deixar
sofrer, sobretudo, por minha causa.

Por eles suportei um peso que eu precisava dividir com alguém, mas

não me arrependo das decisões e escolhas difíceis que precisei fazer.

— Sou a sua mãe e o Armando seu pai, Maria Botelho. Você não
precisava ter nos poupado de nada e não nos decepcionaria de forma alguma.

Você é humana e está suscetível a cometer erros como qualquer pessoa, então
nem pense em esconder coisas de nós dois no futuro — mamãe fala com um tom
de voz choroso.

— Não esconderei — declaro de maneira sincera. Ela sempre foi


como uma amiga confidente para mim e até aquela noite eu realmente não tinha
o hábito de esconder coisas.

— Então quer dizer que você é o pai da minha neta? — seu Armando

questiona, mas o seu tom não é manso como o da esposa. Daniel engole em seco

e acena positivamente com a cabeça.

— Curioso, porque ouvi dizer que você era um viúvo muito


apaixonado pela falecida esposa. Também ouvi dizer que havia se tornado

celibatário. Aparentemente, a regra não se aplica à minha filha.

— Papai! — constrangido, Carlos chama a atenção do nosso pai.

Mas ele merece esse tipo de constrangimento por ser um fofoqueiro. Por mais

que os meus pais tenham certa convivência com o pai da minha filha, não sei se
eles deveriam saber sobre como o homem se sente a respeito da perda da sua

família.

— Só estou querendo entender, filho — papai declara e dá de ombro,


agindo de um jeito que o faz parecer inocente.

Sortuda é a minha filha que está brincando no jardim com a Nica e se


livrou da conversa estranha, porém necessária. Depois dos meus pais, o Calvin e

a Mila serão as únicas pessoas que ainda não sabem quem é o pai da Tatá. Mas
em breve eles saberão.

— A sua filha e eu estávamos solitários naquela noite e buscamos o


conforto e a companhia um do outro. Abrimos mão das apresentações e por isso
ficamos anos no escuro a respeito da paternidade da sua neta. Mas a vida nos

colocou frente a frente novamente e agora farei o possível para compensar o

tempo perdido.

— Pelas suas palavras, deu para entender que está disposto a ter uma
convivência próxima com a Tatá, mas e quanto a Maria? Foi apenas um caso de

uma noite? Ou vocês pretendem ser um casal? O que fará quando a Maria tiver
que retomar a vida nos Estados Unidos, Daniel?

— Papai, não acha que está fazendo muitas perguntas?

— Não acho. Sou seu pai e tenho que zelar pelo seu bem-estar.

— A Maria e eu estamos começando a nos organizar agora e

optamos por não ficarmos pensando demasiadamente no futuro. Quanto a nós

dois, não somos um casal, mas espero que sejamos amigos pelo bem da nossa

filha.

Claro! É tudo pelo bem da Tammy.

Repito as palavras em pensamento, uma frase que tenho treinado nos

últimos três dias para fingir que não estou animada para ficar perto dele para o
entender e conhecer melhor. Eu só não sei se quero entender e conhecer melhor

os sentimentos que esse homem desperta em mim.

Se for para ser sincera comigo mesma, tenho que admitir que me
senti atraída pelo Daniel quando eu vi naquele bar. Eu estava com o coração
partido por ter pegado meu namorado transando com uma amiga nossa, mas

sempre apreciei a beleza masculina e a sua causou um impacto muito grande em

mim. Tão grande que esqueci do meu coração partido muito rapidamente.

Na frente dele, fui ousada como nunca havia sido e impus a minha
presença ao seu lado. Lembro-me até hoje de como sugeri que a gente fizesse

sexo e fui rejeitada. Não posso nem mesmo usar a desculpa de que estava
bêbada, porque ainda não tinha bebido suficiente. No fim das contas venci, mas

a vitória teve um gosto amargo no final. Depois de uma filha e de seis anos sem

nos vermos, aquela atração ainda continua aqui.

Não é só sobre a beleza física. Com seu jeito introvertido e o olhar

que quase sempre está triste ou vazio, o viúvo desperta uma curiosidade quase
irresistível, o desejo de entrar na sua mente ou tocar seu coração com minhas

próprias mãos. Algo me diz que morarmos juntos fará com que eu esteja

constantemente em perigo de me magoar, mas a coragem e a teimosia sempre

foram características fortes em mim e elas não me deixariam recuar.

— A neta de vocês e eu mudaremos para a casa do Daniel e


ficaremos com ele nos próximos meses.

— O que?!

Ouvimos um coro que nem se tivessem ensaiado teria saído tão


perfeito. Daniel e eu deixamos claro que não existe nada entre nós e agora
estamos contando que estamos indo morar juntos. Não é como se não houvesse
uma razão muito forte por trás da decisão e é isso que começamos a explicar

para todos com suas expressões de surpresa.

Depois de uma tarde inteira tendo que falar sobre o passado e o

futuro, além de responder perguntas que me deixaram constrangida, finalmente

estou novamente na frente do meu prédio. Ainda bem que o Calvin tem estado

mais calmo nos últimos dias e facilitado a minha vida com isso. Se além de

todos os meus problemas eu ainda tivesse que lidar com ele, já teria

enlouquecido.

Depois de passar o dia inteiro correndo pelo gramado e brincando na


piscina, Tatá se cansou e acabou dormindo contra o ombro da babá durante a
viagem até aqui. Assim que paramos, Nica a pegou nos braços e entrou na

frente. Agora Daniel e eu estamos sozinhos no espaço reduzido do veículo, que


parece ainda menor para nós dois e nossas tensões.

— Não foi ruim — ele comenta.


— Realmente, poderia ter sido muito pior — Daniel dá uma
risadinha. Aposto que está se lembrando de alguns momentos estranhos que

viveu durante a tarde com os meus pais e irmão.

Não deixo de perceber que Daniel tem começado a dar sorrisos

genuínos. Antes ele até tentava, mas parecia quase uma obrigação e nenhum dos
sorrisos alcançavam seus olhos. Com certeza é por causa da filha e espero que

ela seja uma espécie de antídoto para as suas dores.

— Quando virá para minha casa? Você falou que se mudaria depois

que conversássemos com seus pais e fizemos isso hoje — pressiona. Não que eu

precise disso, porque tomei uma decisão e estive trabalhando nela nos últimos

dias.

— Se estiver tudo bem para você, podemos ir amanhã. Todas as

minhas coisas já estão organizadas e prontas para o caminhão de mudança —

falo, mais uma vez o homem lindo mostra o belo sorriso para mim. Meu

coração dispara como se o sorriso estivesse tocando diretamente o meu corpo e


me incendiando.

Será que a minha carência é tão grande que até um sorriso me deixa

com calor?

— Eu não sei como te agradecer por ser tão legal comigo quando não

mereço nada de você — a declaração me surpreende e fico sem palavras por um


segundo.
Só consigo pensar que sei exatamente como poderia demonstrar sua
gratidão.

Porra! Foco, Maria.

— Quero um beijo — como se eu fosse incapaz de preservar minha


sanidade mental, solto a provocação e espero pela reação, considerando que não

posso engolir as palavras.

— Perdão? — O homem parece chocado e está um pouco pálido.

Acredite, meu caro, nem eu sei o que estou fazendo. Por isso eu tinha

medo de ficar tão perto.

Aí está a razão de eu ter certeza de que sairei machucada dessa

história. Quando se trata do Daniel, esqueço-me de agir com normalidade. Foi


assim no passado e aparentemente não mudou no presente.

— Um beijo como forma de agradecimento — digo, porque não


posso agir como uma covarde e fingir que não disse nada antes. Para não ficar

muito estranho, acrescento uma risada ruidosa no final. Talvez o homem pense
que foi apenas uma provocação.

Enquanto gargalho como uma louca, sou observada por um Daniel


que não me deixa saber o que passa pela sua cabeça. Ele me encara com

intensidade até que o meu sorriso morra, então o viúvo me surpreende quando se
livra do seu cinto de segurança e se curva perigosamente perto do meu corpo
para destravar o meu. Agora tenho as minhas costas pressionadas contra o
encosto da cadeira do carona e o seu peito a um centímetro de distância,

enquanto seu rosto fica ainda mais próximo.

Sinto o cheiro do perfume masculino, o calor do seu corpo e o da

respiração contra as minhas bochechas quando passa lentamente a mão pela


minha cintura até alcançar a parte onde o cinto se encaixa. Prendendo a

respiração, mal ouço o clique quando Daniel me liberta da maldita coisa. O


homem me surpreende mais ainda quando bem lentamente passa a acariciar

minha bochecha com a ponta do seu nariz bem-feito. Ele faz isso uma vez e

outra, sinto-me tão completamente atingida que deixo escapar um pequeno som

de gemido.

Não tem nada a ver com desejo e prazer sexual, não ainda. É apenas
a surpresa pelo gesto de carinho para o qual não estava preparada.

— Por que você está fazendo isso? — com muito custo, consigo

fazer a pergunta.

— Por que está me provocando? Não deveria ter percebido que não
sou um homem com quem você gostaria de brincar? — Apesar das palavras

frias, o tom da fala é aveludado. Eu não poderia pensar numa versão do Daniel
capaz de falar assim, como se quisesse me seduzir e me fazer gozar apenas com
sua voz.

— Quem disse que foi uma provocação? Você falou que não sabia
como agradecer e eu te dei uma opção — assevero, ainda incapaz de me apegar
ao bom senso e recuar.

Daniel aprenderá muitas coisas a meu respeito, uma delas é que

nunca recuo. Pelo menos, nunca sou a primeira.

— Então quer que eu te agradeça?

— Quero.

— Com um beijo? — Tenho certeza de que as suas perguntas são

apenas tentativas de me fazerem fugir como uma garotinha assustada.

Daniel também deveria saber que não é bom brincar comigo.

— Com um beijo — reafirmo minhas palavras.

Quando percebe que não me vencerá, Daniel respira fundo e quase

acredito que ele será o primeiro a recuar para continuar mantendo sua máscara

de frieza e o afastamento social até mesmo da mãe da sua filha. Mas em vez de

ser sensato por nós dois, ele simplesmente leva a mão até minha nuca e encosta a
boca na minha.

Por um instante, permanecemos com os nossos olhos abertos nos


encarando e nos respirando mutuamente com os lábios unidos, mas sem se

moverem. Então a intensidade e atração entre os nossos corpos leva a melhor


sobre todo o resto e nos atracamos como se nossas vidas dependessem disso.

Fecho os olhos e começo a sentir tudo o que não tive nos últimos anos. Para um
homem que se privou tanto, Daniel beija bem pra caralho.

A língua envolve a minha com segurança e maestria e eu me deixo


levar pelo domínio através de um simples beijo. O toque das nossas bocas não se

restringe a elas, então um calor insuportável corre pelo meu sangue e alcança o

meio das minhas pernas, levando-me a sentir uma vontade louca de subir em
cima do seu colo e me esfregar até chegar ao orgasmo. Com a entrega que só ele

poderia me dar, imagino o quanto seria gostoso se a gente transasse agora que
estamos sóbrios.

Que delícia...

Que beijo gostoso...

Como eu preciso de mais, muito mais...

Há um redemoinho de pensamentos confusos e ansiosos enquanto as

nossas línguas se buscam. Mesmo sabendo que o beijo complicará tudo entre a

gente, não quero que termine. Eu poderia perfeitamente passar horas e horas
sendo consumida por essa boca e nunca me sentir satisfeita. Eu poderia me

derreter nos seus braços e ainda assim sentir que não foi o suficiente. Eu poderia
repetir a noite em que transamos sem parar aqui e agora.

Mas as coisas não são como quero e muito menos tão simples.

Quando subo a mão pelo seu peito e tento o puxar para cima de mim, Daniel
termina o beijo bruscamente e me encara como se estivesse vendo o seu pior
pesadelo encarnado.

Não estou surpresa com a sua reação e já esperava por ela, mas não
deixo de sentir-me magoada.

— Isso não pode acontecer novamente — o homem fala, ao limpar a


umidade da boca com as costas da mão como se não suportasse a ideia de

continuar com o meu gosto e umidade do nosso beijo nos seus lábios.

Ele está enojado comigo, porque o fiz fraquejar mais uma vez na sua

maldita missão de viver o luto eterno.

— Não se preocupe, já entendi que você não pode simplesmente


pegar o que quer sem depois agir como se tivesse matado alguém.

— Você não entende...

— E não quero entender! Vamos esquecer o que aconteceu e sermos

bons amigos para o bem da nossa filha.

— Você está certa — diz. Odeio o fato de estar concordando comigo.

— Claro que estou. Não se preocupe, você não terá que lidar comigo
pedindo beijos.

— Não estou preocupado.

— Ligarei amanhã para avisar a hora exata em que chegaremos —


Daniel tinha algo a mais para dizer, mas saio do seu carro antes e caminho
apressada para a entrada do meu prédio.

Ainda com o corpo pegando fogo e a boca formigando pelo beijo


intenso e gostoso, sinto que minhas pernas estão um pouco bambas, mas tento

ignorar a tensão entre as coxas e o coração disparado no peito. Na verdade, só

preciso de uma boa noite de sono e um banho gelado para colocar a minha mente
no lugar.

Mais do que nunca, tenho que fazer alguma coisa para matar esse

desejo e atração insana que me ameaçam depois de tantos anos. Talvez esteja na

hora de eu sair em busca de uma conquista fácil e sem graça, se comparada a

tudo que seria se fosse com o homem que realmente incendeia meu corpo.

Tem que ser assim. É isso, ou correr o risco de ter o meu coração
esmagado.

DANIEL
TARDE DO DIA SEGUINTE

— Você finalmente veio, princesa — digo ao abrir os braços para


que a Tammy se jogue. Estou acostumando-me tão rapidamente com a nova

realidade de ter uma filha que às vezes parece que ela sempre esteve aqui.

— Eu vim, papai. Estava ansiosa e a minha Maria disse que demorei

para dormir ontem à noite — ela comenta nos meus braços. Estamos parados no
portão da casa que aluguei há algumas semanas.

Elas acabaram de chegar com o caminhão de mudança e no momento


estou tomado por um misto de emoções.

Apenas observando a minha interação com a filha, a garota de olhos


castanhos e baixa estatura não diz nada. Sua expressão parece uma página de

papel em branco e não faço ideia do que pensar a respeito disso.

Sei que passei a noite inteira tendo pesadelos por causa do beijo que

nós dois trocamos ontem. Não pensei quando me aproximei dela, segurei sua

nuca e comecei a devorar sua boca como se estivesse faminto. Na verdade,

realmente estava faminto e fingia não perceber. Queria poder acreditar que teria

acontecido com qualquer mulher depois de ter chegado ao limite, mas sei que ela
foi a razão da minha entrega e sempre será.

Quando cheguei fui direto tomar um banho gelado, porque estava

dolorosamente excitado. A partir de então, não consegui fazer nada além de


pensar na boca macia e deliciosa da garota. De repente, enquanto tentava

trabalhar no meu notebook para distrair minha mente, comecei a criar fantasias e
a lembrar de nós dois há seis anos naquele quarto de hotel.

Desisti e deixei meus pensamentos correrem. Acabei dormindo no


sofá mesmo, mas fui acordado no meio da madrugada depois de um pesadelo

horrível com a minha esposa e o bebê que tive que enterrar. No sonho, Karen
estava chorando com um bebê morto nos braços e culpando-me por presenciar
minha felicidade ao lado de outra filha e de uma mulher que não era ela.

No mesmo instante, levantei-me do sofá, fui até o painel da televisão


e peguei uma das fotos que tiramos na nossa lua de mel em Fernando de

Noronha. Passei vários minutos em pé olhando fixamente para nós dois juntos e

ainda assim os meus pensamentos continuaram me levando para outra mulher.


Fiquei tão confuso que cheguei a acreditar que enlouqueceria de vez naquele

momento em que me vi dividido entre a dor da perda e o desejo de começar a


seguir em frente para tentar ser feliz. Sempre que o desejo surge, a culpa vem

mais forte e joga na minha cara que não mereço nenhum tipo de felicidade. Não

com a minha filha, não com outra mulher.

Jogado no sofá e olhando fixamente para as lembranças de um

passado em que fui feliz, vi o dia amanhecer e mal consegui lidar com os meus
funcionários no novo restaurante no centro da cidade. Quando Maria ligou

avisando que estava vindo no carro do seu irmão, sendo seguida pelo caminhão

de mudança, deixei tudo e vim para recebê-las.

Agora que estou com minha filha nos braços e olhando fixamente

para sua mãe, não sou atingido pela culpa e tudo que consigo sentir é esperança.
A esperança que acreditei ter enterrado junto com a minha família.

O problema de reprimir sentimentos durante tantos anos é que eles


rompem as barreiras em algum momento e causam um caos sufocante.

— Seja bem-vinda, princesa — digo as palavras olhando diretamente


para Maria. Preciso que entenda que as palavras se estendem a ela. São
principalmente para ela, que está fazendo por mim muito mais do que mereço.

Por falar em merecimento, só agora percebi que no primeiro dia

quebrei a promessa de não a machucar. Tenho certeza de que Maria não ficou

feliz com a forma como foi repelida ontem. Ela ficará fechada como uma ostra
perto de mim e eu não gosto nada de pensar nisso.

Sem dizer uma única palavra para mim, a garota começa a direcionar

os homens que trouxeram seus pertences, indicando onde devem os deixar no

jardim da residência. Maria age como uma verdadeira líder, e essa é mais uma

qualidade para colocar na sua lista. Mantendo distância por não saber como agir

depois de ontem, ajudo-a em tudo até que se instale com a nossa pequena em um

quarto e faça o mesmo pela Nica, uma mulher na casa dos quarenta cujo olhar
bondoso transmite confiança.

Enquanto trabalhamos, a criança e sua babá se divertem no jardim.

Sorrio internamente por ter acertado quando imaginei que minha filha fosse
gostar da casa.

Nem em um milhão de anos eu poderia acreditar que voltaria a viver

em família. Não pensei que fosse ser presenteado com uma filha, muito menos
com uma garota como a Maria, que é o meu tormento, mas também é a pessoa
que está me fazendo sentir todos os tipos de emoções quando já não sentia mais

nada.
Não será fácil mudar os velhos hábitos para seguir em frente, mas
chegou a hora de tentar pela minha filha e por essa mulher que está longe de ser

um erro. Talvez ela tenha sido o meu único acerto depois que deixei de viver.


CAPÍTULO 11

DANIEL
Estou tendo uma boa noite, então o meu sono começa a ser

perturbado pela sensação de que estou sendo atentamente observado por alguém

em pé ao lado da minha cama, alguém me encarando com olhos cheios de ódio.

No início tento me mexer, mas parece que a missão é impossível, por

mais que eu me esforce. Depois de vários minutos debatendo-me, suando e com

a respiração acelerada, finalmente consigo abrir os olhos e sentar-me com as

costas contra a cabeceira da cama de casal. Quando ergo o olhar, deparo-me com

a Karen mais uma vez chorando em silêncio e me encarando com o bebê recém-

nascido e morto nos braços. Ele está todo enrolado em um pano branco, não

consigo ver o seu rosto, mas algo me faz ter certeza de que não está vivo.

— Por que nos abandonou? Você prometeu, Daniel.

— Não... Não abandonei você, meu amor — digo com um nó na

garganta, mas minhas palavras parecem mentirosas até para os meus ouvidos.

— Por que você não nos ama mais?

— Eu amo. Jamais abandonarei vocês.


— Você está mentindo! — a mulher que sempre foi doce fala vários
tons acima do normal e sua voz parece distorcida, como se ela fosse o monstro

dos pesadelos de uma criança.

— Por favor, pare com isso — imploro, sentindo quando lágrimas

grossas rolam pelo meu rosto, enquanto meu coração dói de maneira
insuportável.

— É melhor você parar com isso, antes que machuque aquela mulher

e a menina que você colocou no lugar do nosso filho, um filho que morreu por

sua causa.

— Não! — grito a mesma palavra várias vezes até que realmente

desperto e me sento ofegante na cama.

Então meu quarto é invadido pela Maria. Ela está assustada e com

os olhos arregalados. Faz uma semana que se mudou para esta casa, mas é a

primeira vez que chega perto do cômodo a ponto de estar dentro dele.

— O que aconteceu? Por que você estava gritando, Daniel? — a

garota realmente parece preocupada enquanto balanço a cabeça rigorosamente


de um lado para o outro.

Ela se aproxima e se senta bem perto de mim na cama. Analisa o

meu rosto com cuidado em busca de respostas, e mesmo que eu precise ficar
sozinho, não consigo usar as palavras para pedir que saia.
— Foi apenas um pesadelo. Perdoe-me por ter te acordado — peço,
então meu olhar cai no seu corpo e sou atingido com muita pele sendo mostrada

por causa da camisola vermelha de cetim, que é mais curta do que deveria para

uma mulher que dormirá sozinha.

A visão leva embora metade das palavras que ouvi no sonho e da


imagem assustadora que foi projetada a alguns metros na frente da cama. É

sempre assim: quando ela está por perto todo o resto torna-se desimportante e
fica em segundo plano. Até mesmo os pesadelos que fazem com que eu me sinta

impotente.

— Você não me acordou — declara — Eu estava trabalhando e

conversando com o Calvin a respeito de alguns detalhes para o próximo show no

Rio de Janeiro. Ouvi seu grito da sala e vim checar o que estava acontecendo. Se
quiser conversar, estou aqui para te ouvir.

— Não. Está tudo bem agora — afirmo, porque não tenho qualquer

intenção de contar algo a respeito da perturbação que a sua presença tem


causado na minha cabeça. Não que seja sua culpa. De forma alguma a culpa é

sua. Sou eu que não consigo mais entender minha própria mente.

Além do mais, Maria acabou de me dar algo para pensar. Um


verdadeiro incômodo do qual não posso me esquivar ou fingir que não existe.

— Você é muito próxima do seu chefe, estou certo?


— Que pergunta é essa?

— Não fique na defensiva, só estou perguntando para te conhecer


melhor — falo.

Aparentemente, os meus olhos estão ansiosos para conhecerem


melhor o seu corpo, já que não conseguem desviar das suas curvas na camisola

ínfima.

— Conheci o Calvin em um bar assim que descobri que estava

grávida de você. Conversamos um pouco e nos demos bem logo de cara. Ele foi

a pessoa que me estendeu a mão quando mais precisei e me levou para os

Estados Unidos para trabalhar ao seu lado. Acima de tudo, Calvin é meu amigo.

— Apenas amigo? Pareciam mais do que amigos quando os vi no

camarim.

— Então é disso que se trata? Você é como todos os outros que

acreditam que tenho um caso com meu chefe?

— Não disse isso! E não me olhe assim, porque não conheço vocês
dois e não faço ideia do que esperar.

— Você não tem que esperar nada, porque a minha relação com o
Calvin ou qualquer outro homem não é da sua conta. Já esqueceu que me

desprezou depois do beijo no seu carro.

Tenho a sensação de que ainda lembrará disso daqui cinquenta anos.


— Você fala demais — declaro, começando a me irritar. Maria mexe
comigo de todas as formas, inclusive na sua capacidade de me tirar do sério em

um piscar de olhos.

Sei que não agi certo ao perguntar algo que não me diz respeito, mas

não poderia continuar sem saber do que se trata a sua relação com aquele cara
idiota.

— E você fala de menos. Parece querer muito quando não pretende

dar nada em troca, mas não cairei no seu jogo.

— Tanta irritação só porque perguntei sobre você e aquele cantor?

Talvez goste dele e esteja louca para... — antes que eu termine a frase de

maneira ofensiva, a garota ergue a mão para me agredir no rosto, mas a seguro
no ar.

— Eu não gosto de você! — a mãe da minha filha declara, levanta-se

da cama e me encara com seus olhos que parecem queimar o meu corpo e não é
de uma maneira boa.

— Tudo bem, você não precisa gostar de mim, baixinha — reagindo


como se não fosse eu mesmo, invento o apelido apenas por acreditar que posso a

irritar.

— Não me chame assim!

E o alvo foi atingido com sucesso!


No fundo, sei que estou fazendo tudo isso e gostando da situação
porque é a forma que encontrei para aproximar-me e falar com ela depois do que

aconteceu no meu carro há alguns dias. Apesar de ter se instalado na minha casa

e de ter se acostumado com o funcionamento da propriedade muito rapidamente,


Maria tem me ignorado praticamente o tempo todo e só fala comigo quando o

assunto é referente a nossa filha.

Por sua vez, Tatá está tão radiante de alegria que até parece que está
na Disney. A sua mãe a matriculou em uma escolinha perto de casa, ela sai

durante a semana para estudar e fica comigo o tempo todo quando volta e me

encontra em casa. Se antes o trabalho era a única coisa que me mantinha em pé,

ele tem começado a parecer uma pedra no meu sapato sempre que rouba o meu

tempo para momentos em que poderia estar com a minha pequena. Com ela e

com sua mãe, porque não consigo desassociar uma da outra.

— Baixinha...

— Tomara que o bicho papão dos livros da sua filha te pegue durante
a noite e você não consiga mais dormir até o dia amanhecer — fala. Agora é ela

que está agindo como uma criança.

— Se isso acontecer invadirei o seu quarto e me deitarei na sua


cama.

— Pode deixar que te receberei da forma que merece — Maria fala,


ao jogar uma piscadinha. Pelo pouco que a conheço, ela pode estar pensando
tanto em pedir mais um beijo quanto em jogar um sapato na minha cabeça.

— Aceito o desafio, baixinha. — De maneira vulgar, a garota mostra


o dedo do meio para mim e me faz soltar uma gargalhada ruidosa.

É isso, sua presença me distrai. É como um antídoto para as minhas


dores. Seja bêbado ou sóbrio, Maria sempre me fará esquecer de tudo, menos

dela.

A mãe da minha filha vira as costas para deixar o quarto, mas antes

de sair volta-se para mim e pergunta:

— Você pode ficar com a nossa filha a partir das onze da noite
amanhã?

— É claro, amanhã estarei livre. — Antes eu ficava trabalhando até


não aguentar mais manter os meus olhos abertos, mas estou mudando os hábitos

e faço questão de sempre ter um tempo livre para passar com a minha menina.

Isso não quer dizer que não estou curioso e me coçando para perguntar para onde
a mulher irá às onze horas da noite.

— Obrigada — ela agradece e deixa o quarto.

Depois que Maria me deixa sozinho, fico perdido em pensamentos


sobre ela e não demoro muito para voltar a dormir. Desta vez, e provavelmente a

nossa conversa infantil e sua presença no meu quarto sejam a razão, tenho um
sono tranquilo e sem pesadelos.

Acordo pela manhã e passo o dia no restaurante com os pensamentos

na mãe da minha filha. Dou comandos para os meus assistentes de cozinha, mas
sem ter ideia se estou fazendo a coisa certa. Talvez eu esteja colocando açúcar no

lugar do sal e consiga falir o novo restaurante dias depois da inauguração. Tudo

porque estou preocupado com a saída da garota hoje à noite.

O fato de me importar tanto me irrita além do que eu poderia

entender, mas não consigo matar esse sentimento de que tem algo escorrendo por

entre os meus dedos, figurativamente falando.

— Chefe, a paleta ao molho madeira já está no ponto.

— Obrigado por avisar. — Sim, eu sei qual o ponto ideal para as

minhas carnes, mas de repente comecei a precisar de avisos para não fazer

merda.

Sempre que abro um novo restaurante, fico mais ou menos um mês

trabalhando na cozinha com os funcionários contratados pela minha equipe, que


é especialista em qualidade culinária. Depois retorno para minha cidade e toco o
restaurante sede, o primeiro que inaugurei com a ajuda dos meus pais quando me

formei.
Organizo tudo e em seguida volto para casa com a certeza de que
deixei tudo em seu devido lugar. Foi assim que tripliquei a minha fortuna e me

tornei um empresário reconhecido em todo o Brasil. Desta vez não sinto pressa

de voltar para casa e não carrego comigo a sensação de que os dias estão
passando lentamente. Faz uns dias que não sinto pressa de seguir em frente e

buscar uma nova cidade para abrir outra unidade do meu empreendimento.

Pela primeira vez estou começando a me sentir em casa em um lugar


que não é a cidade onde nasci, cresci e formei minha família há alguns anos. Sei

que é assim porque a minha filha está aqui em São Paulo, mas acredito que me

sentiria de forma semelhante se estivesse nos Estados Unidos, desde que ao lado

da garota e da sua mãe.

Ainda não sei definir o que acontece comigo quando penso ou


quando estou perto da Maria, mas sinto que está tomando proporções tão

grandes que nem o medo será capaz de me parar quando eu começar a agir.

Talvez eu esteja confundindo tudo e o que parece atração seja apenas o começo

de uma amizade. Ou talvez eu realmente a desejo da mesma forma que desejei


podre de bêbado anos atrás. Minha única certeza é de que descobrirei em breve,

mas saber que ela sairá para algum lugar hoje à noite traz a sensação de que
posso estar perdendo algo que sequer foi meu algum dia.

Talvez esteja perdendo alguém que eu nem sei ao certo se quero, ou

como quero.
— A carne daquela panela acabou de queimar — ouço a voz do meu
assistente chamando minha atenção mais uma vez.

— Porra!

Ao chegar em casa às cinco e meia da tarde, passo no quarto da

minha filha, dou um beijo nela e fico ao seu lado durante meia hora no quarto. O

momento em que contamos sobre como foram os nossos dias é o mais

gratificante para mim. É impressionante como assumir que sou seu pai e me
enxergar como tal se tornou a parte mais fácil da minha história com a Maria.

Quando a deixo para tomar banho, faço tudo me perguntando onde

sua mãe está. Sei que a Tatá passa o dia com a babá e que Maria vive uma
correria louca por causa do trabalho como assessora e babá do Calvin Derek,

mas tenho a impressão de que está chegando em casa cada dia mais tarde.

Pode ser que não seja verdade e que eu só esteja mais ansioso do que
deveria para a ver. Não sei se definiria como ansiedade, é mais um frio na
barriga igual ao que sentia quando era um adolescente vivendo a primeira
paixão. Será que é isso que acontece com um homem quando ele passa tantos

anos sem tocar, ou sequer olhar para mulheres com desejo?

Certamente, uma pequena parte da minha obsessão repentina pela

garota tem a ver com o fato de ela ser linda e gostosa além de qualquer

compreensão e a última mulher com quem transei. É claro que isso mexe com a
cabeça de um homem, embora eu tenha acreditado até agora que era imune.

Depois que tomo banho, visto a calça moletom, uma camiseta

surrada e volto para a sala. Ligo a TV em um filme qualquer e pego o notebook

para analisar alguns cardápios novos, mas os meus olhos vigiam a porta como se

ela fosse materializar a Maria a qualquer momento.

Depois de quinze minutos, ela entra em casa com sua bolsa no


ombro, calça jeans e uma camiseta preta cuja estampa é de uma boca vermelha

mostrando a língua.

— Boa noite — Maria cumprimenta.

— Boa noite, baixinha — devolvo, e o apelido a faz rolar os olhos

para cima.

Sem dar-me a chance de continuar olhando, ou de passar pelo


constrangimento de perguntar para onde irá hoje, a mulher passa pela sala e

caminha em direção ao quarto. Eu sigo sentado no sofá e finjo que estou


trabalhando até que volte. Vez ou outra, meu olhar cai no porta-retrato que
guarda uma foto minha com a mulher que amei, mas, diferente de antes, ele não
é mais o bastante para colocar os meus pensamentos em ordem e me fazer

lembrar o porquê de eu ter optado por viver desta forma.

A culpa e o sentimento de perda ainda estão aqui, mas os sentimentos

estão manchados pela presença de duas outras pessoas, presenças fortes que não
me deixam mais ser totalmente aquele homem que passou sete anos se

martirizando e vivendo a solidão autoimposta como forma de castigo.

Às dez e meia, a mãe da minha filha volta para sala não usando mais

do que um vestidinho preto tomara que caia muito justo e que mal alcança o

meio das suas lindas coxas. Nos pés calça sandálias de saltos finos altíssimos e

no rosto uma maquiagem que destaca sua boca com o batom vermelho. Seus

cabelos estão presos no alto da cabeça e nas orelhas Maria colocou brincos de
argolas.

Quando meus olhos passeiam pelos atributos físicos e seu belo rosto,

sinto uma fisgada de desejo no pau, que começa a endurecer de emoção. Então
minha boca saliva pela vontade de chupar seu pescoço, que provavelmente

cheira como o pecado.

— Promete que me ligará se acontecer algo diferente com a nossa


filha?

— Você está indo se divertir? — pergunto, depois de balançar a


cabeça acenando positivamente.
— Não acha que eu mereço?

— Você merece, querida — digo com contrariedade, mas realmente


acredito nas minhas palavras.

Ainda que um lado insano e até então desconhecido queira prendê-la


a mim, sei que não tenho direito algum de fazer perguntas ou de tentar atrapalhar

seus planos. Eu mesmo a afastei e a olhei de forma indigna quando nos beijamos
no carro. Se isso for uma tentativa de esquecer o que aconteceu, Maria está na

sua razão.

Merda! Por que tudo tem que ser tão complicado?

— Obrigada — Maria fala com um sorriso genuíno, então se

aproxima e beija o meu rosto. Seu cheiro bom me deixa trêmulo, mas tento

ignorar.

Aprendi mais uma coisa sobre essa mulher: ela não guarda mágoa

por muito tempo. Não a mereço, mas ela ainda está aqui.

Hipnotizado e duro, fico parado na sala e encarando sua bunda


quando deixa a sala. De antemão, constato que hoje a noite será longa. Desta vez

os pesadelos serão diferentes. Eles já começaram, pois não consigo parar de


pensar no quanto a mãe da minha filha despertará interesse em outros homens.

Ela está tão gostosa com o vestido justo que deixará cada maldito
babaca que estiver por perto com tesão. Quando começo a pensar em uma forma
de trazê-la de volta para mim, respiro fundo e lembro-me que esse não sou eu.

O meu amor sempre foi comedido. Sem ciúme e sem surtos de


possessividade.

Por que estou começando a sentir que sempre fui uma fraude?
CAPÍTULO 12

DANIEL
Embora eu esteja encostado no umbral da porta do quarto da minha

filha assistindo uma cena que não poderia ser mais doméstica entre ela e a Nica,

meus pensamentos estão distantes, mais precisamente onde sua mãe está.

Realmente estou surpreso por estar me sentindo tão estranho, porque

não esperava que a primeira saída por diversão da garota fosse me afetar tanto.

Como e com quem Maria está é tudo em que consigo pensar desde o momento

em que ela passou pela porta de saída e eu poderia perfeitamente me candidatar

ao cargo de namorado ciumento, ou talvez apenas cuidadoso. Só que não sou seu

namorado e de qualquer forma não acredito que desejo ser algo além de um

colega de casa e pai da sua filha.

Tenho que pensar assim!

O lado sensato que sempre me guiou sabe que Maria é jovem demais

e que tem todo o direito de ter alguém, mas a possessividade recém adquirida
grita na minha mente que ela deveria estar aqui comigo e sua filha, ou então que

eu estivesse com ela, independentemente de onde esteja agora.

— Por que não entra para brincar comigo e minhas bonecas, papai?
Nica disse que não consegue fazer a voz do namorado da Barbie, talvez o senhor
possa fazer.

— Pode ser outro dia? O papai está um pouco cansado por causa do

trabalho hoje.

— Tudo bem — compreensiva, ela fala. — A mamãe saiu para se

divertir, o senhor também não vai se divertir?

— Hoje não, princesa — digo, e minha filha mostra o seu sorriso

para mim. Se ela se parece comigo, posso dizer que o seu sorriso é exatamente

igual ao da mãe e ficar perto dela torna a missão de esquecer a garota ainda mais

difícil.

— Maria pode sair com o senhor na próxima vez.

— É uma ótima ideia, pequena — declaro, mas duvido muito que ela

queira fazer algo parecido. Na verdade, não tenho certeza se eu mesmo iria

querer estar em um lugar parecido com aquele do dia em que geramos essa
princesa.

Nunca gostei de lugares cheios, nem mesmo antes de me tornar essa

pessoa.

Enquanto observo minha filha brincando, ouço o toque do meu

celular vindo da sala e vou até lá para descobrir quem está me chamando tão
tarde da noite. É estranho, porque não costumo receber ligações a essa hora. No
mesmo instante, antes mesmo de desbloquear a tela do celular, suspeito de quem
seja e o meu coração fica apertado no peito.

Orgulhosa do jeito que é, além de estar irritada comigo, Maria não

me ligaria se não estivesse acontecendo algo com ela, algo tão urgente que sua

única saída seria entrar em contato comigo, a última pessoa a quem pediria ajuda
na sua lista de prioridades.

Ao pegar o celular e desbloquear a tela, leio o seu nome e atendo no

mesmo instante. — Maria, está tudo bem com você?

— Se está tudo bem comigo? Não estou realmente bem desde que

você voltou para minha vida como um maldito fantasma lindo e gostoso, um

pedaço de mau caminho que tem um pau impossível de esquecer. Por que você
tinha que ter o pau tão bonito? Por que você tinha que foder tão bem?

— O quê?!

Ela está do outro lado da linha, mas não preciso de mais do que
palavras para saber que não está no seu melhor estado. Maria sóbria jamais diria

todas essas coisas para mim, mas uma parte perversa gosta de saber que sua
bunda bêbada tem a língua descontrolada e que está falando tudo o que não

poderia dizer em outros momentos.

Já o meu lado sensato fica extremamente preocupado, então decido


fazer a coisa certa. — Diga onde você está imediatamente, Maria!
— Você é muito arrogante e mandão, sabia? Isso é irritante pra
caralho, mas também é excitante e gosto de imaginar você mandando em mim na

cama. Estávamos tão bêbados naquela noite que você não teria sido capaz de

fazer algo parecido. Teria?

— Responda a minha pergunta, garota! Onde diabos você está?

Depois de cinco minutos me fazendo ouvir suas merdas, que seriam


excitantes se não estivesse preocupado com o seu bem-estar, consigo finalmente

convencer Maria a falar. Assim que termino a ligação, vou até o quarto da minha

filha, dou um beijo de boa noite e digo por alto que estou indo me divertir com a

sua mãe como ela queria. Converso com a babá e ela garante que ficará tudo

bem e que colocará a menina para dormir em breve. Tranquilo por confiar na

mulher, pego as chaves do carro e saio de casa.

Enquanto dirijo, vários cenários passam pela minha cabeça e em

todos eles Maria está se colocando em perigo. Já tive provas mais do que

suficientes de que ela é fraca para bebidas e sua ligação deixou claro que bebeu
o bastante por hoje. Sentindo-me impaciente para suas idiotices, depois de ter

passado o dia inteiro na merda por sua causa, faço planos de entrar na casa de
shows, que é a mesma da noite em que transamos, a pegar e levar direto para a

nossa casa.

Entro no lugar absurdamente cheio e barulhento e não demoro para

avistar a baixinha na pista de dança. Ela está rebolando a bunda gostosa ao lado
de pessoas que provavelmente não conhece. No primeiro minuto fica claro para

mim que não será tão fácil a levar para casa como imaginei que seria.

Por um breve instante, sucumbo a fraqueza de a observar sem que

esteja me vendo. Como não poderia deixar de ser, a garota chama atenção pelo

seu corpo perfeito e a dança extremamente sensual que atrai tanto homens
quanto mulheres para si. É claro que há outras garotas como ela na pista, mas

tenho a sensação de que apenas a mãe da minha filha é enxergada.

Ao mesmo tempo em que me torno um dos seus admiradores,

também sou aquele que deseja a tirar daqui e esconder de todos os olhos que não

são os meus. Essa cena toda me faz finalmente desistir de fingir que a garota não

me atrai de forma tão intensa que me transforma em outra pessoa. Alguém que

talvez seja uma versão bem melhor do homem que tenho sido nos últimos anos.

Quando a música acaba e ela estende a mão para pegar um copo com

bebida de um cara, que imagino que não conhece, entro em ação e a abraço por

trás para deixar claro para qualquer filho da puta que essa mulher não está
sozinha. A abordagem deixa seu corpo tenso, então a giro dentro dos meus

braços para que veja que sou eu. Surpresa, Maria abre a boca e fecha algumas
vezes, antes de conseguir falar palavras coerentes.

— O que você está fazendo aqui, Daniel? — Mesmo bêbada, ela não
perdeu a capacidade de falar, ainda bem. Precisarei dos seus olhos, da sua boca e

dos ouvidos agora.


— Que pergunta é essa? Você estava esperando que eu viesse te
buscar. Foi o que supus quando ligou e começou a falar um monte de coisas que

não gostaria que eu repetisse. Não me diga que não se lembra.

— Bem que eu gostaria. Em minha defesa, você precisa saber que

não sei o que me levou a fazer aquilo — Maria parece mortificada quando
abaixa a cabeça e encosta a testa contra o meu peito. A fim de tocá-la, envolvo

meus braços na sua cintura fina em um abraço possessivo e protetor.

— Talvez tenha sido por causa do álcool no seu sangue?

— É, talvez eu tenha bebido — Maria diz, sorrindo sem motivo

aparente. Apesar da languidez causada pela bebida, ela nunca pareceu tão linda.

— Venha comigo, você está muito tenso e precisa de uma bebida para relaxar
um pouco — a garota declara, desfaz o nosso abraço, segura minha mão e me

puxa em direção ao bar.

Não devo e não quero beber, mas permito que me puxe com a
esperança de convencê-la a se sentar um pouco para se acalmar e depois me

deixar a levar para casa. Quando nos sentamos nas banquetas postadas na frente
do balcão do bar, que parece exatamente igual há seis anos, Maria olha para mim

e volta a sorrir, só que agora de uma forma lenta e dolorosamente sensual.

— Quer saber o que estou pensando?

— Não! — Provavelmente, se trata de algo que nos colocará em uma


situação delicada e que nos levará a cometer loucuras, como parece ser nosso
modo de agir quando estamos juntos.

— Não era nada de mais. Só que estamos exatamente no mesmo

lugar de anos atrás. É quase como um raio caindo duas vezes no mesmo lugar.

Se o final da noite será igual? Veremos — Maria termina seu devaneio com uma
gargalhada.

— O que acha de você ir para casa agora?

— Nem nos seus melhores sonhos, Daniel Fonseca. Eu disse que

viria me divertir e a noite está apenas começando.

— A sua ideia de diversão é ficar bêbada na primeira hora?

— O plano não era esse. Na verdade, vim em busca de sexo fácil,


mas confesso que esses caras não fazem meu tipo. Não que eu esteja na seca, é

só uma forma de me esquecer do homem que desejo. Esse homem é você, mas

acho que já sabe disso.

— Maria... — o seu nome é a única palavra que consigo falar,


porque não tenho resposta adequada para o que ela acabou de dizer. Depois de

engolir em seco, faço o gesto com a cabeça e o barman se aproxima de nós dois.
Peço uma cerveja, Maria tenta fazer o mesmo, mas não permito. Em vez disso,

peço que o rapaz traga uma água com gelo.

— Você é tão certinho que chega a ser irritante.


— Só estou tentando cuidar de você, se ainda não deu para perceber.

— Se realmente quisesse cuidar de mim, cuidaria das necessidades


do meu corpo. Desde que nos reencontramos a minha boceta está piscando e o

que eu mais quero é gozar pelas suas mãos e seu pau e boca... Nunca tive

orgasmos tão enlouquecedores como na noite em que fodemos os nossos miolos.


Agora, mesmo que seja complicado demais, só consigo pensar em você e no

quanto desejo repetir a experiência.

— Maria, por mais adoráveis que suas declarações sejam, tenho

certeza de que você se arrependerá dessas palavras amanhã de manhã — digo,

quando na verdade o meu corpo está reagindo às declarações indecentemente

sacanas.

As palavras, misturadas ao seu cheiro e o calor do seu corpo gostoso

muito próximo do meu, deixaram o meu pau semiereto, apesar de esse ser o seu

estado constante nos últimos dias. Quando a cerveja é colocada na minha frente,

tomo um grande gole para acalmar o meu corpo e o meu desejo de cometer uma
loucura com essa mulher complicada, tão errada, mas ao mesmo tempo tão certa

para mim.

— Você deveria saber que não sou do tipo que se arrepende de algo
que fiz, o contrário é mais fácil de acontecer.

— Maria... — desta vez, seu nome escapa da minha boca como um


aviso.
Foi exatamente assim que aconteceu há alguns anos. Ela se insinuou
e eu neguei, então continuamos conversando e a cada segundo na presença um

do outro a atração entre os nossos corpos foi se tornando maior até explodir em

transas quentes e insanas.

— Daniel... — ela imita meu tom de voz e sorri. Peço que beba sua
água e Maria obedece. Acredito que se hidratará e logo estará um pouco mais

sóbria.

Por outro lado, me distraio com as nossas trocas de olhares que são

intensas e quentes como fogo do inferno, então começo a pedir uma cerveja após

a outra e a beber sem nem mesmo sentir o gosto. Na verdade, o único gosto que

desejo sentir no momento é o da boceta dessa garota maluca, mas que também é

linda e digna de ser admirada.

— Você está bem? — indago em algum momento, sem conseguir

tirar os meus olhos da sua boca, cujo batom vermelho já está levemente

desbotado.

— Na verdade, não estou. Sinto muita vontade de te beijar agora —


ela declara sem rodeio ao levantar-se da banqueta onde estava sentada, se

aproximar de mim e se ajeitar entre as minhas pernas. De maneira automática e


natural, envolvo sua cintura fina com um dos meus braços e a deixo ainda mais
perto e colada no meu corpo.

Maria e eu sabemos que ela não pode colocar a culpa cem por cento
na bebida, já que bebeu água o suficiente para ficar mais sóbria do que estava
quando cheguei há quase uma hora. Suas palavras são única e exclusivamente a

verdade que se passa no seu corpo, mente e coração. A mesma verdade que fez

morada em mim há algumas semanas, embora eu tenha tentado negar de todas as


formas até aqui.

— Isso é uma loucura, baixinha.

— Você me deseja?

— Muito mais do que você poderia imaginar, mas faz tempo que

deixei de correr em busca do que quero.

— Talvez esteja na hora de você mudar a realidade, Daniel. Você

precisa ser feliz, mesmo que seja momentaneamente ou como uma válvula de

escape.

— Não será apenas um beijo — aviso, tão entorpecido pelo seu calor

e cheiro que não consigo mais resistir.

Foi tão intenso que provavelmente eu teria repetido se não


tivéssemos nos perdido na manhã seguinte a nossa única noite juntos.

— Não quero que seja apenas um beijo — ela fala de um jeito safado
quando encosta a boca na minha e me olha nos olhos.

O seu gesto é o suficiente para nocautear-me e levar-me além de

qualquer chance de salvação. Se essa mulher é o meu maior pecado, irei para as
profundezas do inferno sorrindo, desde que a tenha para mim. Sem dizer mais
nada, seguro com firmeza os cabelos da sua nuca e a beijo como um homem

sedento há muito tempo, porque é o que sou. Eu preciso dela, do seu calor e da

sua respiração. Preciso da sua vivacidade e da sua coragem, preciso do seu


corpo, da sua boceta e do seu coração batendo contra o meu. Eu apenas preciso

de Maria Botelho aqui e agora.

Lambendo, chupando e mordiscando sua língua macia, o beijo me


transporta a um estágio de prazer indescritível que exige uma entrega e

satisfação completa. Enquanto a como com a boca, o meu corpo esquenta, o meu

pau fica tão duro que é doloroso permanecer fora do calor do seu sexo pulsante.

— Eu preciso te ter... — Declaro, ao tirar a boca da sua e descer o

beijo para o pescoço que tem o cheiro bom do seu perfume. — A dor de não de
ter para mim está me matando, querida — continuo falando, enquanto minha

baixinha aperta os braços em volta do meu pescoço e praticamente monta em

cima das minhas pernas em pleno balcão de um bar que está cheio de gente.

Como dois adolescentes, estamos dando um show aqui. Não nos

importamos com mais nada além do beijo e o desejo de termos mais do que
isso.

— Então me leve daqui agora, Daniel. Quero ir para o mesmo quarto


da primeira vez. — Apesar de não entender sua necessidade de ir justamente

para lá, aceno com a cabeça positivamente, entrelaço os meus dedos nos seus e
deixo a casa de shows depois de pagar as bebidas.

Embora eu tenha ingerido uma quantidade razoável de álcool, e ele


certamente está me dando uma pequena dose de coragem, não posso fingir que

estou bêbado o suficiente para não saber exatamente o que estou fazendo desta

vez. Hoje sei que estou levando Maria Botelho para um quarto e que será com
ela que passarei a noite.

Ignorando meu próprio carro como medida de segurança, chamo um

veículo de aplicativo e nos beijamos como se nunca fosse ser o suficiente no

curto percurso que o motorista faz até o hotel. Quando chegamos ao quarto,

entramos arrancando as roupas um do outros cheios de urgência. Com apenas as

partes de baixo das nossas vestimentas, dou um passo para trás e ela me olha

com apreensão, como se tivesse certeza do que farei a seguir. Mas Maria está
muito enganada, porque nada me faria voltar atrás agora.

Quero essa mulher como nunca quis nada e a terei tantas vezes antes

de o dia amanhecer, e talvez depois dele, que o meu nome ficará tatuado de
forma permanente no seu corpo. Não faço ideia do futuro que nos espera, muito

menos de como reagiremos a tudo isso depois que terminarmos e a consciência


falar mais alto do que os desejos do corpo, mas aqui agora, Maria Botelho me

pertence e eu darei a ela tudo que tenho sem reservas. Quando acabar, ela saberá
que a amei. Apenas a ela.


CAPÍTULO 13

MARIA
Não acredito que Daniel e eu voltamos para a cena do crime seis

anos depois. Parece até um sonho que estejamos usando apenas as roupas de

baixo e nos encarando cheios de fome, embora ele tenha se afastado e o medo de

ser rejeitada esteja tomando conta de mim.

Eu tentei, juro que tentei fazer o que era certo para acabar com

atração incômoda ao sair sozinha única exclusivamente para encontrar um

parceiro de foda casual, mas, muito rapidamente, percebi que nenhum dos caras

que estavam naquela casa de shows chegariam perto do interesse que sinto por

esse homem. Soube muito rapidamente que estaria me impondo um castigo se

tentasse trepar com um cara sem a menor vontade, tudo para fugir de algo que
não pode ser parado.

Então fiz a loucura de beber e ligar para ele, apesar de eu não poder
colocar toda a culpa na bebida, porque não duvido que teria ligado da mesma

forma, ainda que não tivesse colocado uma única gota de álcool no meu
organismo. Chamei e ele veio. Provoquei e Daniel respondeu. Algo me diz que

desta vez será completamente diferente da outra.


Desta vez, nós sabemos quem somos e as consequências que estamos
dispostos a enfrentar se seguirmos em frente com isso. Já tomamos a decisão e

eu não voltaria atrás de forma alguma, principalmente agora que estou encarando

o seu corpo muito gostoso, que não veste nada além de uma cueca boxer que
marca a frente do seu corpo com perfeição. As lembranças de como ele era

grande e grosso estão pálidas na minha memória, mas elas ainda estão aqui e é

muito bom perceber que minha mente não me traiu e que Daniel ainda é tão

gostoso quanto me lembrava.

Babo o seu corpo e minha boca enche-se d'água pela ideia de o

chupar até fazer com que goze para mim, mas quem realmente sente o efeito da

visão é minha boceta, que está coçando de vontade de ser preenchida depois do

beijo que trocamos no balcão daquele bar. Agimos como anos atrás, mas foi

muito mais gostoso agora.

— Por que você se afastou? — Jogo o momento de admiração aberta

de lado quando me lembro da preocupação anterior. Enquanto estou me

deliciando com a visão do paraíso, talvez Daniel esteja pensando em uma forma
de sair correndo desse quarto para se esconder da tentação.

Tentei fugir quando me rejeitou após o beijo no seu carro, mas

manter-me distante dele o máximo possível dentro daquela casa não foi o
suficiente para amenizar o desejo. Se alguma coisa, ele ficou ainda maior.

— Você é muito mais deliciosa do que nas minhas lembranças e


estou louco para enfiar meu pau na sua boceta e não sair mais de dentro dela,

mas preciso saber se você tem certeza disso.

— Pareço com alguém que está com dúvida? — brinco, antes de me

aproximar até que os nossos corpos estejam a meio centímetro de distância um

do outro e escorregar a mão pelo seu abdômen até meus dedos ficarem em cima
do membro duro, que se contrai com o toque.

— Na verdade, você parece uma mulher muito gostosa e linda que

está pronta para ser fodida por um homem de verdade. Esse homem sou eu e não

pararei até esgotar esse seu corpinho minúsculo e perfeito.

Se o pai da minha filha parece perfeito normalmente, ele se torna

melhor ainda quando envolve minha cintura com seus braços fortes, abaixa a
cabeça e sussurra sacanagens no meu ouvido, para em seguida morder minha

orelha. De qualquer forma, não imaginei que o Daniel, que é sempre distante,

certinho e contido, fosse capaz de agir com tamanha desinibição quando está

com tesão e apenas meio sóbrio.

— Até agora só ouvi promessas — provoco, então seu olhar


escurece, ele me pega em seus braços e me joga sem qualquer cuidado de costas

sobre a cama. Em seguida, Daniel se livra da boxer como se não pudesse esperar
para fazer isso e eu ofego quando vejo o tamanho do seu pau mais de perto.

Ele é grande pra caralho, mas não me assusta. Muito pelo contrário,
a visão faz a minha boceta se contrair e sou obrigada a esfregar uma perna na
outra para aliviar a tensão. A minha calcinha está molhada desde o bar e parece
que fica mais úmida a cada segundo que passo debaixo desse olhar que diz que

me devorará por inteiro.

— Eu te mostrarei agora como gosto de cumprir com as minhas

promessas, querida. — Com o corpo pairando sobre o meu, Daniel não pensa
antes de rasgar a lateral da minha calcinha e exigir que eu abra o sutiã. Disposta

a obedecê-lo desta vez, faça o que pede e jogo a peça no seu rosto. Ele a pega no
ar e leva ao nariz, inalando o cheiro do meu perfume. — Tem cheiro de mulher e

de pecado.

Ansiosa, ergo o tronco e tento o puxar para cima de mim, mas o

moreno tem outros planos e me joga de volta na cama ao dar um empurrãozinho

com a palma da mão grande aberta sobre o meu abdômen.

— Quero te foder, mas antes vou comer sua boceta até gravar o gosto

na minha boca — ele fala, arrasta-se sobre a cama, coloca minhas pernas em

cima dos seus ombros e então começa a me fazer ver estrelas, a gemer e
contorcer-me a cada mordida, lambida e chupada no meu sexo.

Com experiência, Daniel enfia a língua como se estivesse fazendo

com o pau, penetra-me e me faz apertar as coxas na sua cabeça para o obrigar a
ir além. Quando o prazer se torna insuportável, puxo os fios dos seus cabelos e
forço a cabeça contra a minha boceta, enquanto ergo os quadris da cama e rebolo

até deixar o seu rosto belo melado com os fluidos do meu desejo. Quanto mais
eu ajo, mais alto o som dos meus gemidos se torna. Quanto mais fico insana,

mais voraz Daniel se torna.

Enquanto me come com a boca, uma das suas mãos aperta o meu

mamilo excitado, o rola entre os dedos sem parar e me faz sentir um misto de

dor e prazer que pousa direto no lugar onde mais o desejo.

Quando penso em começar a implorar, o homem arrasta o seu corpo


sobre o meu, deixando beijos e lambidas pela barriga até alcançar a minha boca.

Apesar da sua maldade por não ter me deixado gozar, ainda arreganho as pernas

e recebo seus quadris entre elas. Ainda abro a boca e aceito a sua língua, que

busca a minha com fome e me faz sentir o meu próprio gosto. Seu beijo que

sempre exige muito me deixa mais necessitada do que já estava, então começo a

rebolar contra o membro duro e a forçar a entrada de uma vez.

No controle do sexo, do meu corpo e de qualquer vontade minha

neste momento, Daniel firma os meus quadris na cama, segura o seu pau e

coloca a cabeça gorda e robusta contra a minha entrada melada e sedenta.


Quando penso que irá meter de uma vez para me fazer a mulher mais

completamente satisfeita do planeta, meu homem bonito fica imóvel sobre mim,
abaixa a cabeça e olha dentro dos meus olhos.

— Por favor, me diga que você está fazendo controle de natalidade.

— Estou tomando pílulas anticoncepcionais — aviso.


Quando engravidei da nossa filha, eu usava apenas camisinha e
fiquei tão traumatizada que desde então passei a ser muito mais cuidadosa para

evitar quaisquer novas surpresas.

— Que bom ouvir isso, porque preciso te sentir sem nenhuma

barreira.

— Eu também quero — falo, com o meu olhar preso no seu. Ele fica
bem próximo, abaixa a cabeça e me beija mais uma vez. Aparentemente, esse

homem adora me beijar e acredito que ele poderia perder muitos minutos dos

seus dias apenas fazendo isso.

Desta vez, com mais carinho e mais cuidado, embora eu aprecie os

dois modos, ele me beija bem lentamente e com tanta ternura que não deixa de
ser excitante. Até sua língua trabalha com mais delicadeza. Daniel e eu ficamos

vários minutos nos beijando, então ele entra em ação e me estica com seu pau,

que entra bem lentamente, centímetro a centímetro em uma deliciosa tortura.

Quando entra por inteiro, Daniel fica alguns segundos sem se mover,

porque é cuidadoso e não deixaria de perceber a nossa diferença de tamanho em


todos os sentidos. Estou realmente cheia até o limite. Como os outros amantes

que tive antes eram menores, a sensação que sinto é de estar sendo rasgada ou
partida ao meio. Ainda assim, não quero que me deixe. Sei que em seguida virá
o prazer absoluto e indescritível. Sei que será tão bom e que não poderei parar,

ainda que meu corpo implore por descanso.


— Como você é apertada, querida.... — Fala entredentes, segurando
o máximo que consegue. — Você não faz ideia de quanto venho desejando fazer

isso com você. Estou há anos negando esse desejo que está impregnado na

minha pele, esse desejo insano que parece uma doença incurável, mas que na
verdade é a minha salvação.

A cada palavra dita, meu homem tira o membro da minha boceta até

que fique apenas a cabeça, depois mete novamente até deixar apenas as bolas de
fora. Então Daniel encontra um ritmo cadenciado e vai aumentando de

intensidade gradativamente até que eu esteja gritando, arranhando suas costas e o

prendendo pelos quadris com as pernas.

— Assim, Daniel... Me come, porra!

— Não fale assim — ele implora, e sua expressão é de puro

sofrimento. — Eu não aguento mais.... — O homem fode de maneira incansável,

fazendo com que os nossos corpos se chocando produzam sons de tapas que

reverberam pelo quarto.

Agindo como um homem que realmente passou mais de seis anos


sem fazer sexo, Daniel solta um urro de prazer que chega a ser animalesco e

então enche a minha boceta com seu esperma. Ele não espera por mim e eu o
desejo ainda mais, porque simboliza sua entrega total a mim.

— Maria... Porra, sua boceta será minha morte — Daniel está tão
entregue que não percebe o que fez e o quanto meu nome na sua boca significa
para mim.

Mesmo depois de gozar, e com o membro um pouco mole dentro de


mim, ele continua me comendo, só que mais devagar agora. Sentindo-me perto

do limite de uma emoção que precisa ser rompida antes que eu sufoque, seguro

os dois lados do seu rosto e o faço olhar dentro dos meus olhos. Nós dois nos
encaramos de perto, e quando uma lágrima grossa escorre pela minha bochecha

e Daniel entende o que acabou de acontecer aqui, ele mostra um sorriso que
parece satisfeito e triste ao mesmo tempo. Então abaixa a cabeça e lambe a

lágrima da minha bochecha bem lentamente.

— Não chore por mim nunca mais, Maria — pede com ternura, mais

uma lágrima escorre e mais uma vez, enquanto o seu membro endurece

novamente na minha boceta, Daniel a lambe do meu rosto.

Agora focado apenas no meu prazer, meu amante leva a mão entre os

nossos corpos e aperta meu clitóris entre seus dedos. Com o toque e o membro

indo e vindo de maneira cadenciada, chego ao orgasmo mais prazeroso que tive
nos últimos anos. Ele me faz sentir o prazer e as sensações que busquei e não

encontrei em ninguém depois dele. Enquanto meu corpo tremula sobre a cama,
Daniel captura minha boca e, atracados um no outro, como se nunca mais

fossemos nos separar, nos beijamos por mais tempo do que eu poderia contar nos
dedos.

Quando o fôlego acaba e precisamos parar para respirar, encaramo-


nos e sorrimos um para o outro como dois adolescentes, então recomeçamos.

Fazemos sexo em todas as posições possíveis durante a madrugada. Daniel me

pega contra a sacada do hotel e no chuveiro. Terminamos na cama

completamente esgotados e agarrados um no outro. Quando o sono leva a


melhor sobre mim, estou me sentindo a mulher mais feliz do mundo.

Mas quando o dia amanhece e a Maria de seis anos atrás que teve

que ouvir seu amante implorando por outra mulher entra em cena, levanto-me e
não olho para a cama quando visto as minhas roupas e mais uma vez o deixo

sozinho. Provavelmente estou sendo covarde, algo que normalmente não faz

parte da pessoa que sou, mas o medo que sinto de olhar nos seus olhos e ver a

culpa e o arrependimento é um peso insuportável nos meus ombros.

Enquanto o carro de aplicativo trafega e me leva para casa, permito


que um sorriso tímido se abra na minha boca, pois mesmo se o Daniel acreditar

que foi um erro, assim como foi há anos, ainda terei tido uma prova do que é

senti-me verdadeiramente desejada e venerada. No fim das contas, isso vale mais

do que tudo.

Todas as vezes em que olhar para as fotos da sua amada esposa


espalhadas pelos cômodos da casa e zombando da minha cara, terei o gostinho

de saber que com culpa ou dor, Daniel me deseja. Ainda que ele não queira, nós
temos uma filha juntos. Ainda que nunca fiquemos juntos, sempre levarei uma

parte sua comigo nas lembranças desta noite e na nossa menina.



CAPÍTULO 14

DANIEL
Com a sensação de ter dormido durante três dias, o sono tranquilo

que há muito tempo eu não experimentava, desperto com a luz do sol através da

janela que deixa o quarto iluminado o bastante para me incomodar.

Ao abrir os olhos, pisco algumas vezes para me situar, mas o que

realmente sinto é uma dor de cabeça incômoda que me faz lembrar do que

aconteceu ontem e de onde estou. Então estendo o braço para o espaço ao meu

lado, somente para o encontrar vazio e frio, o que denuncia que minha

companhia foi embora há algum tempo.

Fazendo uma careta de dor, ergo o meu tronco e me sento na cama

com as costas apoiadas na cabeceira. Procuro acalmar a respiração e focar em

algo que talvez eu tenha deixado escapar. Para começar, recordo-me que saí de
casa para encontrar a Maria em uma casa de shows, então nós dois começamos a
conversar enquanto eu bebia. Durante aqueles minutos eu só conseguia pensar

no quanto a queria na cama comigo.

Eu estava louco para transar com a garota e nada poderia ficar no


meu caminho. Ela também estava se sentindo da mesma forma, então viemos até
aqui e passamos a madrugada inteira em cima um do outro. Ainda que a minha
cabeça esteja latejando por causa da ressaca, um sorriso bobo se espalha no meu

rosto quando me lembro de tudo que fizemos depois da primeira vez.

Primeiro reagi como um homem que estava há anos sem sexo e gozei

antes dela. Depois a recompensei ao pensar primeiro no seu prazer em todas as


outras rodadas, que não foram poucas se formos pensar que somos humanos que

precisam de um pouco de energia para funcionarem. Eu sabia com quem estava


fodendo, vi o seu rosto e implorei pelo seu nome o tempo todo. Naquele

momento, não havia ninguém senão nós dois e o nosso desejo insano.

O meu coração ficou em pedaços quando a minha garota corajosa e

ousada se emocionou por ouvir seu nome naquele instante, então a desejei ainda

mais e disse para mim mesmo que serei o melhor para ela. Determinei que nunca
mais deixarei Maria se sentir usada dentro ou fora da cama e dei o primeiro

passo em busca do objetivo enquanto estivemos juntos.

Então ela acordou mais cedo e simplesmente virou as costas como se


eu fosse um cara qualquer com quem pode trepar e depois ir embora para nunca

mais encontrar. Ainda que eu sinta uma enorme frustração e a irritação que
consegue ser maior, obrigo-me a ser sensato quando me convenço de que a

garota simplesmente não tinha razões para querer ficar.

Certamente, não dei indícios suficientes de que não agiria com culpa

ou arrependimento quando acordasse e ela não quis correr o risco de se


machucar. Não posso a culpar por isso, posso?

Em vez da culpa e do arrependimento, o que tenho aqui é saudade e


lamento por ter perdido a oportunidade de acordar ou ser acordado com sexo

gostoso. Em vez de culpa e arrependimento, tenho as lembranças de como a

nossa entrega foi total, da química entre os nossos corpos e de como eu não
queria tirar o meu pau da sua boceta, mesmo quando meu corpo estava

totalmente esgotado e precisando de descanso.

Eu acreditava que todo sexo vazio que havia feito antes da minha

esposa era satisfatório, todo prazer que eu poderia esperar. Acreditava que o sexo

calmo e carinhoso com a minha esposa era tudo o que eu precisava. Então estive

com a irmã do meu melhor amigo há alguns anos e percebi que realmente não

sabia o que era o prazer absoluto e sem limites. Fiz sexo com ela durante a
madrugada inteira e nunca me senti tão física e emocionalmente conectado a

alguém durante o ato de transar.

Maria e eu temos a química perfeita, os nossos corpos juntos


produzem tanto calor que poderíamos simplesmente entrar em combustão. Agora

que foi minha enquanto eu estava sóbrio o suficiente para lembrar-me com
clareza de detalhes de tudo o que fizemos e do quanto ela me deixou com tesão,

algo me diz que não poderei mais viver sem as doses diárias dela todos os dias.

Agora terei que sair da minha zona de conforto para conciliar o

passado com todas as minhas dores e a vontade de estar perto, muito perto da
mãe da minha filha.

Ainda não sei definir o que quero e como quero, mas por enquanto é
suficiente que eu saiba e admita para mim mesmo que preciso dela o mais

próximo possível de mim. Preciso de tudo o que Maria Botelho é capaz de dar

para tornar-me um homem minimamente normal, e tenho ciência de que terei


que me esforçar muito mais para fazê-la enxergar que pode ser feliz ao meu lado.

Em algum momento Maria entenderá que ela não é apenas uma válvula de
escape. Ela não é alguém que uso e depois jogo fora.

Da próxima vez, minha garota estará segura o suficiente para não

sentir a necessidade de fugir dos meus braços de maneira sorrateira pela manhã.

Quando retorno para casa já passa das dez horas da manhã. Apesar
de hoje ser sábado e de estar cheio de expectativa para encontrar Maria, como se
não tivesse passado a madrugada inteira dentro dela, não tenho muita esperança

de que ela fique perto tempo suficiente para trocarmos mais do que duas
palavras. A garota é maior de idade e sabe o que fazer com suas escolhas, mas

acredito que faz mais pelo Calvin Derek do que deveria.

Vi o suficiente para entender que a mãe da minha filha fica atrás do


idiota limpando as suas merdas o tempo todo, enquanto perde um tempo
precioso com a nossa menina, ou a oportunidade de viver como uma jovem

mulher de vinte e cinco anos de idade. Não acredito que Maria perceba isso e,

mesmo que me custe admitir, não penso que o babaca se aproveita da sua boa
vontade conscientemente. Ele só é egocêntrico demais para notar o que está

acontecendo à sua volta.

Mas quem sou eu para ter uma opinião sobre isso, não é mesmo?

Sou apenas um homem que se deixou ser escravizado pelo trabalho e

que o usou como uma válvula de escape durante muito tempo.

Quando entro na sala de casa sou surpreendido pela sensação de ter

sido tirado de um sonho muito bom para ser jogado em um pesadelo. O homem
que estava nos meus pensamentos há alguns segundos está na minha sala com a

garota que fodi de todas as maneiras horas atrás. Maria está deitada de costas no

sofá e com a cabeça jogada para trás enquanto o roqueiro, sentado ao seu lado,

faz cócegas por todas as partes do seu abdômen.

Maria pede para que ele pare, mas também gargalha de maneira
sincera e algo se contorce nas minhas entranhas quando percebo que ela nunca

chegou perto de parecer alegre e leve perto de mim. Balanço a cabeça de um


lado para o outro duas vezes, como se isso fosse levar embora o sentimento
repentino de ciúme e possessividade, então solto um pigarro para chamar a

atenção dos dois para mim.


Assim que percebem a minha presença, os dois se ajeitam com as
costas eretas sobre o sofá de três lugares e me encaram como se fossem duas

crianças pegas pelos pais fazendo arte. Minha filha não está por perto, mas ela

bem que poderia ser a empata toques entre eles. Se o idiota me encara com seu
sorriso pretencioso, Maria por sua vez olha para todos os lados, menos para

mim, apesar do seu rosto parecer adoravelmente corado.

Ela bem que tentou esconder com algum tipo de maquiagem, mas
consigo ver a marca do chupão que deixei no seu pescoço. Aposto que

encontrarei vários desses pelo seu corpo se a vir sem roupas. Ontem não queria

apenas tê-la, tive a necessidade de a possuir e marcar como minha. Sinto-me

ganancioso e possessivo no que diz respeito a Maria Botelho e acredito que esses

sentimentos me acompanharão a partir de agora sempre que estiver por perto.

— Estou interrompendo alguma coisa?

— Na verdade, você está — ele fala, eu o ignoro e olho diretamente

para Maria, que não olha para mim de volta.

A partir do momento que a convidei e ela aceitou o convite para


mudar-se, a casa se tornou sua também. Não há restrições e Maria pode trazer

quantas visitas quiser e quando quiser, mas tenho algumas ressalvas quando se
trata de um homem que quer entrar na sua calcinha e que não esconde o desejo
de roubá-la de mim. Não que ela seja minha.

— Calvin!
— Você acabou de interromper o castigo dela por ter escondido que
havia descoberto a identidade do pai da minha princesa.

Minha princesa?

— Então você é o pai?

— Não só o pai, mas o homem que deixou essa marca no pescoço


dela ontem à noite e durante toda a madrugada — faço o comentário babaca e

não me arrependo, não quando ele faz com que Maria pare de agir com covardia

e olhe para mim. Ela me encara com irritação, ao mesmo tempo em que tem o

rosto rubro de vergonha.

— Essa parte ela não me contou — o roqueiro fala em tom

de provocação e olhando diretamente para ela, que ainda tem sua atenção em

mim. — Agora entendo sua cara de menina travessa quando me recebeu no

portão.

— Vocês dois poderiam parar?! — Maria se irrita.

— É curioso, porque pensei que você estivesse com alguém, e a


certeza se tornou ainda maior quando entrei e vi essas fotos suas ao lado de outra

mulher. — Não sei qual é a intenção do Calvin ao fazer o comentário, mas não
deixo escapar o momento em que Maria desvia a atenção para o painel da TV.

Ela encara as fotos e parece incomodada e ressentida com elas. A sua


dor me atinge diretamente, pois essas fotos foram tudo que tive para me agarrar
a um passado onde fui feliz. As imagens que a machucam são meus lembretes de
que não posso e não devo esquecer do que perdi.

— É a minha falecida esposa.

— Sinto muito, cara. Eu não poderia imaginar — o homem fala, e


parece sincero em seu arrependimento.

— Está tudo bem — digo, volto a encarar Maria e ela parece alheia

ao que está acontecendo a sua volta neste instante.

— Bom, chegou a hora de eu ir embora — Calvin levanta-se do sofá,

sacode de leve o ombro da Maria, que volta para a realidade e fica em pé para
despedir-se.

— Depois do almoço te ligarei para falarmos sobre algumas


pendências a respeito do show e da entrevista que você dará para o programa dos

artistas na semana que vem — Maria diz, mas ela parece muito distante daqui.

— Garota, hoje é sábado e você precisa descansar. Está tudo sob

controle e você sabe disso. Se me ligar, não atenderei e será de propósito para te
obrigar a relaxar. Realmente está precisando.

Apesar de ser sem noção, parece que Calvin se importa e presta


atenção nas necessidades da assessora e amiga. Talvez eu estivesse um pouco

errado a respeito dele, mas apenas um pouco. Ainda acredito que Calvin entraria
na sua calcinha se tivesse a chance. Não que eu possa o julgar por isso,
considerando que aproveitei as duas oportunidades que tive.

Apesar de não fazer ideia do que dizer neste momento, fico


esperando quando a garota sai para despedir-se dele no portão. Mesmo que

Maria e eu tenhamos conhecido o corpo um do outro do lado avesso na

madrugada, a nossa relação não tem sido próxima nas últimas semanas e não
posso dizer que nos conhecemos. Ainda não chegamos nem ao menos perto de

sentirmo-nos confortáveis quando estamos próximos dentro desta casa. Mas, se


ela permitir, pretendo remediar isso o mais rápido possível.

Maria retorna, olha rapidamente para mim e caminha em direção ao

corredor do quarto com a intenção de fugir. Mais rápido do que ela, a impeço de

deixar-me ao segurar o seu pulso.

— Não tão rápido, querida — digo, os seus ombros caem e minha

garota solta uma respiração profunda de resignação.

— O que você quer?

— Você não agirá como se não tivesse passado a noite inteira

transando comigo.

— Eu não quero falar sobre a noite de ontem agora — a garota


declara, ainda sem encarar-me.

— Converse comigo, Maria. Por favor, pare de fugir o tempo todo.

— Eu preciso fazer isso — afirma, desta vez ergue a cabeça e olha


diretamente nos meus olhos.

— Por quê?

— Porque estou com meu corpo dolorido e cheio de marca por causa

da madrugada que tivemos e não consigo esquecer. Porque coloquei na minha


cabeça que não devo esperar nada de você que não seja sexo como o que

fizemos ontem à noite, mas ainda me sinto incomodada e machucada quando


vejo que você não se importa com nada que não seja a memória da sua falecida

esposa e filho.

— Maria...

— Pare de dizer o meu nome, por favor. Está tudo bem, Daniel. Não

posso e não quero fazer com que supere a família que perdeu, então deixe-me

um pouco sozinha para que eu possa colocar a cabeça no lugar e entender que

embora possamos fazer sexo outras vezes, não seremos nada além de um caso

sem importância.

Eu não quero que seja assim e Maria precisa saber disso, mas ela está

com as barreiras erguidas e completamente na defensiva agora. Nada do que eu


disser fará com que aceite que podemos tentar e juntos vermos até onde

podemos ir.

— Onde está a nossa filha?

— Nica a levou para passear no parque. Ela nem percebeu que


dormimos fora de casa ontem.

— Pretende passar o dia de hoje descansando? — ela arqueia a


sobrancelha, estranhando a minha pergunta. Embora eu tenha entendido que

Maria necessita de um tempo, preciso saber que ela estará por perto, pois mesmo

estando mais longe do que eu gostaria, o fato de estar ao alcance das minhas
mãos é o suficiente por enquanto.

Não quero pensar no dia em que ela não estará mais aqui. Por mais

que eu tente, algo sempre me leva a lembrar de que as duas moram em outro país

e que em algum momento voltarei a ficar sozinho.

— Provavelmente, considerando que o Calvin me liberou.

Aproveitarei o dia com a nossa filha — ela fala e vira as costas. Como sempre
acontece, babo na sua bunda até que desapareça das minhas vistas.

Agora mais do que nunca ficou claro que preciso fazer muito mais

do que sexo para conseguir a confiança da Maria. Ao voltar a cabeça para trás e
encarar a imagem eternizada da minha esposa através de uma fotografia, peço

desculpas pela primeira vez por estar seguindo em frente sem ela. Acima de
tudo, peço desculpas pela certeza antecipada de que Maria ocupará um lugar

muito importante na minha vida, um lugar ainda mais importante do que o fato
de ser mãe da minha herdeira.

Ainda que eu precise ser perseguido por pesadelos todas as noites,


juntarei os meus cacos pela manhã, derrubarei as minhas paredes e tirarei as
cascas das minhas feridas. Tudo pelo vislumbre de uma felicidade que acredito
não merecer, mas que quero mais do que tudo no mundo. Karen e o nosso

pequeno Davi sempre serão uma parte de mim. O meu coração sempre terá um

espaço para o amor que não pode ser vivido e para paternidade que não pôde ser
aproveitada, mas talvez eu esteja começando a acreditar na possibilidade de

entregar a outra parte do meu coração para a mulher que está fincando morada

em mim aos poucos.

Sem perceber, a irmã do meu melhor amigo está me possuindo tão

completamente que já nem sei mais quem sou e quem eu era antes que o furacão

chamado Maria chegasse e invadisse minha vida.


CAPÍTULO 15

MARIA
UM MÊS DEPOIS

You know I want you


It’s not a secret I try to hide
You know you want me
So don’t keep saying our hands are tied
You claim it’s not in the cards
And fate is pulling you miles away
And out of a reach from me
But you’re hearing my heart
So who can stop me if I decide it’s on my destiny?
What if we rewrite the stars?
Say you were made to be mine
Nothing could keep us apart
You’ll be the one I was meant to find
It’s up to you, and it’s up to me
No one could say what we get to be
So why don’t we rewrite the stars?
And maybe the world could be ours, tonight
You think it’s easy
You think I don’t wanna run to you, yeah
But there are mountains (But there are mountains)
And there are doors that we can’t walk through
I know you’re wondering why
Because we’re able to be just you and me within these walls
But when we go outside
You’re gonna wake up and see that it was hopeless after all
No one can rewrite the stars
How can you say you’ll be mine?
Everything keeps us apart
And I’m not the one you were meant to find
It’s not up to you, it’s not up to me, yeah
When everyone tells us what we can be
And how can we rewrite the stars?
Say that the world can be ours, tonight
All I want is to fly with you
All I want is to fall with you
So just give me all of you
It feels impossible (It’s not impossible)
Is it impossible?
Say that it’s possible
And how do we rewrite the stars?
Say you were made to be mine
And nothing can keep us apart
‘Cause you are the one I was meant to find
It’s up to you, and it’s up to me
No one could say what we get to be
And why don’t we rewrite the stars?
Changing the world to be ours
You know I want you
It’s not a secret I try to hide
But I can’t have you
We’re bound to break and my hands are tied

Como se estivesse fazendo isso para me recompensar por todo o

estresse dos últimos dias por causa desse segundo show aqui no Rio de janeiro,

Calvin está cantando um cover da balada romântica Rewrite The Stars, minha

música preferida do meu cantor preferido. Mas tenho certeza de que esse não é o

caso e Calvin só colocou a canção no repertório com a intenção de fazer

calcinhas voarem em sua direção.

Sorrio com orgulho enquanto ele repete o refrão com sua bela voz,

pois embora seja problemático às vezes, Calvin é um artista de primeira linha e

um amigo que toda garota gostaria de ter. Ele ainda está pegando no meu pé por

causa da paternidade do meu anjinho e me chamando de devoradora de melhores


amigos. O fato de o Daniel ser melhor amigo do Carlos tornou-se uma piada

interna entre o cantor e a minha assistente.

Finjo que não me importo com as provocações, mas a realidade é que


elas só servem para dificultarem a minha missão de manter meus pensamentos
longe do viúvo. Como se meu cérebro tivesse sido reprogramado, não tem um
dia sequer que eu não perca horas pensando nele. É quase como se eu fosse uma
adolescente apaixonada pela primeira vez.

Espera um pouco... Talvez eu seja uma adolescente de vinte e cinco

anos apaixonada pela primeira vez.

Quando transei com Daniel há seis anos, o fato de termos

desaparecido da vida um do outro impediu-me de cometer essa loucura, embora


o sexo tenha sido tão impressionante que não pude apagar da minha mente.

Desta vez não tive como fugir e o fato de viver na mesma casa que o homem não

faz nada que não seja agravar a minha doença chamada “paixonite pelo homem

errado.”

Claro que Daniel Fonseca é lindo e gostoso como poucos são. Ele
também é um empresário rico, bem-sucedido e inteligente. Pude comprovar isso

quando estive com a Tatá no restaurante que abriu em São Paulo e quase gozei

com o sabor esplendoroso da sua comida e o excelente atendimento que a equipe

de garçons e maitre fizeram. Mas nem todas as qualidades são capazes de o


tornar menos inadequado para mim. Tudo porque ele não pode se entregar para

mim. Acredito também que Daniel não quer viver de outra forma, embora coisas
estranhas e diferentes estejam acontecendo nas últimas semanas.

De alguma forma, e faço de tudo para não me iludir com isso, o


homem parece diferente e é praticamente impossível conter a atração persistente

e a paixão que insiste em ficar mais intensa a cada dia que passa, mesmo que não
esteja sendo alimentada. Daniel e eu não voltamos a fazer sexo, mas a forma

como ele me olha me faz entrar em combustão todos os dias e gozar nos meus

próprios dedos na intimidade do meu quarto antes de dormir.

Eu não preciso de nada além das lembranças de nós dois transando e

dos seus olhares para gozar enlouquecidamente. O problema de o usar como


inspiração é que existe o outro lado da moeda que me leva a ficar mais

necessitada dele a cada dia que passa. Quero manter-me firme no propósito de
não me deixar ser usada como válvula de escape para um homem ferido e

incapaz de superar, mas talvez esteja muito perto de ser vencida pela minha

boceta insensata, carente e sedenta.

Um mês depois daquela gostosa noite de sexo, o Daniel que mora

comigo parece ter virado uma chavinha no cérebro e de repente começou a agir
de um jeito estranho. Tão estranho que está sendo difícil manter-me firme na

ideia de que ele não pode e que não quer ficar comigo seriamente. Pois é, sou do

tipo que gosta de compromisso, desde que o compromisso seja com um homem

chamado Daniel Fonseca.

Para começar, a relação com a nossa filha é perfeita. Eles se amam


tanto que não parece que passaram cinco anos separados. O homem acreditava

que estava morto por dentro, mas vejo todos os dias que ele nasceu para ser pai e
que pode dar todo o amor que uma criança precisa. Daniel está atento a todas as

necessidades da Tatá, cuida dela quando não posso estar presente e a mima como
se fosse uma princesinha. Eu peço que não exagere para não a estragar, mas

Daniel sempre sorri e diz que está tudo sob controle.

Tatá está nas nuvens e não consegue mais fazer nada sem contar para

o pai depois. Mesmo tendo apenas cinco anos, ela gosta de o impressionar e

precisa que ele se orgulhe das suas proezas. Se antes a Nica lia suas histórias,
hoje a pequena não dorme antes que seu pai faça esse papel. O apego deles é

algo que tem me preocupado, porque a nossa situação é temporária e a reação da


pequena a separação iminente não será algo fácil de presenciar.

Quem quero enganar? A ideia da separação tem me deixado

melancólica mesmo sabendo que, pelo menos no que se refere a mim, talvez seja

melhor manter distância do Daniel.

Quanto às mudanças que reparei, elas começaram de maneira sutil,

mas perceptível para alguém como eu, que está sempre prestando atenção em

tudo que o homem faz. Quando estamos juntos em casa, ele se mantém o mais

próximo possível e é sempre gentil comigo. Daniel se preocupa com o meu bem-
estar e me pergunta se eu preciso de alguma coisa quando chego em casa depois

do trabalho todos os dias.

Ele faz questão de preparar as nossas refeições quando estamos


juntos em casa no mesmo horário, assim como ajuda-me a manter a casa em
ordem sem que eu precise pedir. Não acredito que esteja fazendo isso para me

impressionar. Antes não o conhecia e não permitia que se aproximasse, então


talvez sempre tenha sido assim.

Essa é a parte fácil de tudo isso. Há também os seus olhares nada


inocentes quando a nossa filha não está presente ou quando a Nica está por perto

e finge que não percebe a tensão sexual sempre pairando no ar. Daniel me olha

com fome e parece muito perto sem realmente estar. Ele pede sem de fato usar as
palavras e o meu corpo fica mais sensível e necessitado a cada dia que passa.

Quanto à parte não sexual, o que realmente me perturba é o fato de

as fotos da sua falecida e bela esposa estarem desaparecendo pouco a pouco de

cima dos móveis e das paredes. É como se ele estivesse tentando se livrar do

passado para provar algo mais para si mesmo do que para mim. E embora sejam

apenas suposições minhas, os seus gestos silenciosos têm me deixado fraca em

todas as minhas resoluções.

Os seus gestos têm pouco a pouco me feito sentir que não sou apenas

um tapa buraco, um corpo disponível que ele usou duas vezes até o esgotamento,

mas nunca alguém que poderia ser levado a sério para o fazer seguir em frente e
ser um homem completo e feliz novamente. Daniel tem agido sem dizer uma

única palavra, mas ainda me sinto insegura, pois tenho medo de tudo ser apenas
invenção da minha cabeça pela vontade de que seja real.

Enquanto ouço a minha balada romântica preferida, penso no pai da


minha filha, no homem por quem sou completamente louca. Queria que ele

estivesse aqui para que pudéssemos ser idiotas como todos os casais que estão
abraçados e se beijando, envolvidos pela canção romântica.

Embora seja complicado por fora, a verdade é simples. Eu só queria


realmente ser como qualquer outra mulher de vinte e cinco anos que é capaz de

criar sua própria família, capaz de amar e saber que é amada de volta. No fundo,

embora tenha passado anos perseguindo a minha independência em uma carreira


de sucesso como assessora de imprensa, o que eu realmente quero é a calmaria

de uma existência tranquila e feliz ao lado das pessoas que amo. Sinto que com
isso não precisarei de mais nada e que minha busca terá terminado.

— Eu tenho certeza de que você não está ouvindo uma palavra

sequer do que está sendo cantado. — Ouço a voz masculina que parece sexy até

mesmo quando ele fala normalmente. Antes de virar a cabeça, concluo que estou

perdendo a razão.

Então realmente volto o olhar para trás e me deparo com o lindo

viúvo que tem me feito desejar tudo com ele.

— O que você está fazendo aqui? — pela forma como pergunto,

pode parecer que não estou feliz por ele ter vindo, mas a verdade é que não
poderia estar mais radiante do que isso.

Será que desejei tanto que consegui materializar o homem na minha


frente?

Mas que bobagem é essa que você está pensando, Maria?


Enlouqueceu, porra?!

— Eu estava livre nesta noite de domingo, então decidi viajar até


aqui para checar se o show do cara é tão bom quanto os fãs dizem — ele brinca e

seu sorriso me faz ficar fraca.

— Diga a verdade, Daniel. Você só está querendo passar um tempo

comigo.

— É, provavelmente seja isso — declara. — Posso ficar com você,

senhorita?

— Você deve — digo.

Em vez de ficar comigo como qualquer pessoa normal ficaria na

situação em que estamos, Daniel me surpreende e deixa bem claro que eu não
estava errada nas minhas suposições quando fica mais próximo de mim do que

deveria. Enquanto curtimos o show do meu chefe, algo que sempre faço como

uma fã comum, em vez de agir como a cabeça por trás de tudo, ele primeiro se
aproxima o suficiente para que os nossos braços se encostem.

Minutos depois, como se soubesse que eu estava ansiando por isso,

Daniel se posiciona atrás de mim e me abraça como um namorado. Eu permito


que o meu corpo relaxe e até encosto a cabeça que mal alcança metade do seu

peito. De maneira despretensiosa, apesar de eu não ter certeza sobre quão


despretensioso ele está sendo, o homem começa a acariciar minha barriga com
movimentos circulares enquanto presta atenção no show do Calvin.

Quando o cantor se despede para a última música, o pai da minha


filha, ou o homem mais gato que vi por aqui hoje, vira meu corpo dentro dos

seus braços para que o encare.

— O que nós estamos fazendo, Daniel?

— Sei que é complicado e que precisamos conversar, mas não

consigo ficar longe de você, garota. Na verdade, preciso de você e estou

enlouquecendo com isso.

Daniel está falando as palavras que eu tanto queria ouvir e me custa


acreditar que não é um sonho. Com coração disparado e uma necessidade que

precisa ser satisfeita com urgência, deixo todo o resto de lado e me entrego sem

medo.

— Leve-me embora daqui — peço, porque nada mais além de nós

importa agora.


CAPÍTULO 16

DANIEL
Horas, dias e semanas foram passando e eu vi uma bola de neve se

formando ao meu redor. Quando percebi, estava pegando o carro e vindo para o

Rio de Janeiro encontrar a garota bonita.

Eu não posso dizer que está sendo fácil, apesar de eu sentir que fica

mais suave a cada dia que passa, mas todos os dias no último mês acordei

disposto a não continuar como estava antes. Acordo disposto a seguir em frente e

ir atrás do que realmente quero e o meu querer fica mais intenso a cada segundo.

Travo uma luta interna sempre que penso em fraquejar e quando


guardo os porta-retratos com imagens da mulher que amei e com quem fiz

planos. Questiono-me por que as coisas tinham que ser assim. Então Maria

aparece diante dos meus olhos e, sem precisar dizer uma palavra, me faz
perceber que a vida precisa continuar. Depois de sete anos vivendo quase como
um fantasma, a vida finalmente está continuando para mim e todas as manhãs

quando me levanto sinto um frio na barriga de ansiedade por saber que não
encontrarei mais o vazio.

Onde só havia vazio e escuridão, agora há uma garotinha de cinco


anos que tem se tornado o coração que pulsa no meu peito. Onde havia só vazio
e escuridão, há uma mulher que me faz respeitá-la, admirá-la e desejá-la mais a

cada nova descoberta que faço a seu respeito. Onde só havia vazio e escuridão,

há uma força motriz que me faz aceitar que posso agarrar a nova oportunidade

que a vida está me dando com firmeza.

Sei que um dia se tornará mais fácil e que não sentirei mais que estou

lutando por uma felicidade que não mereço. Também sei que junto com as
conquistas virão problemas dos quais não poderei fugir, mas enquanto levo a

garota linda para almoçar, vez ou outra desviando o olhar em sua direção, apenas

para a encontrar olhando-me com uma adoração que não mereço, sinto que tudo

valerá a pena.

Sempre valerá a pena se for para ter esse sorriso apenas para mim.

A luta interna comigo mesmo foi a parte difícil do meu plano de

mostrar para Maria que ela é mais do que um sexo espetacular. Foi fácil e até

mesmo divertido tentar provar que a vejo como mais do que alguém que faz
parte de um pacote por ser mãe da minha filha.

Embora me julgasse como um bom esposo para Karen, tudo que eu

fazia era natural e nunca com a intenção de provar alguma coisa. Quando
comecei a fazer isso com esse intuito, passei a perceber o quanto as mulheres
precisam de certas atitudes para se sentirem queridas e valorizadas por seus

companheiros. A troca de olhares com a irmã do meu melhor amigo tem sido
divertida, sobretudo pelos momentos em que ela cora como uma virgem.

Fiz questão de deixar claro o meu desejo por ela, assim como as
intenções por trás da minha proximidade nas últimas semanas. Com os meus

atos, fiz questão de não deixar nenhuma dúvida de que a gente está indo a algum

lugar, embora eu não saiba exatamente para onde. Foi gratificante cada toque,
cada olhar mais demorado e cada conversa despretensiosa e corriqueira que

tivemos. Tudo somou para deixar-me seguro de que não estava lutando sozinho,
porque essa garota nunca conseguiu esconder os seus desejos e a sua vontade de

me possuir, que só não deve ser maior do que a minha vontade de a possuir.

No meio de tudo isso está a nossa menina, que é a cereja do bolo na

rotina que criamos juntos e que tem funcionado com perfeição. Tatá fica com a

Nica quando sua mãe e eu saímos para os nossos respectivos trabalhos, mas
aproveitamos para ficarmos os três juntos na parte da noite e nos finais de

semana como uma verdadeira família. Sim, temos nos tornado uma família.

Embora vivamos dentro da nossa própria bolha na maior parte do


tempo, não deixamos sua família do lado de fora. Como eles já gostavam de

mim antes de saberem que engravidei a filha, os pais da minha garota nos
fizeram algumas visitas nas últimas semanas. Foram encontros leves e naturais

que fizeram parecer que as coisas não aconteceram de maneira não convencional
entre a Maria e eu.

Quanto ao Carlos, ele é quase como um urubu pairando em cima da


minha cabeça, sempre me encarando com olhares ameaçadores. Meu melhor

amigo tem uma forma própria de dizer a verdade através de brincadeiras, mas ele

não me deixa esquecer que está sempre pronto para defender a sua irmãzinha,

caso seja preciso. Carlos não precisa usar as palavras para mostrar que acabará
com a minha raça se eu fizer sua irmã sofrer.

Apesar de eu não ter qualquer intenção de machucar essa garota

perfeita, o fato de ela ser irmã do cara que esteve por perto quando precisei torna
o meu cuidado com seus sentimentos ainda maior.

— O que você quer comer? — indago. Apesar de estarmos indo para

uma área lotada de restaurantes com comidas de todos os tipos, quero que esse

primeiro encontro oficial, e espero que Maria esteja ciente disso, seja do seu

jeito.

— Você — a garota me surpreende e eu solto uma gargalhada.

— O seu desejo será atendido, querida, mas antes nós precisamos


cuidar das outras necessidades para que você tenha energia para o que te espera

mais tarde.

— Isso é uma promessa ou uma ameaça?

— Pode considerar como uma ameaça, se formos pensar que amanhã

não andará normalmente — declaro, e desta vez é ela que gargalha, embora os
seus olhos estejam escurecendo por causa das sacanagens que provavelmente
estão passando pela sua cabeça neste exato momento.

No final das contas, depois de Maria confessar que tem o paladar


levemente infantil, algo que eu já havia percebido a seu respeito, ela escolhe

comer pizza, então a levo a um restaurante que é especializado nas melhores

pizzas do Estado.

Nós dois, talvez ansiosos pelo que acontecerá em breve, mal

conseguimos devorar metade de uma pizza de oito pedaços. Abrimos mão de


bebidas alcoólicas e optamos por refrigerantes. Apesar de não termos

conversado a respeito, estou certo de que pensamos igual sobre o assunto e

necessitamos que desta vez estejamos completamente sóbrios quando ficarmos


juntos.

Permanecemos no restaurante durante quase uma hora e


conversamos sobre a nossa filha. Propositalmente, deixamos o futuro incerto de

lado. Quando saímos do estabelecimento, abraço-a pela cintura e a levo para


caminhar no calçadão de Copacabana, em vez de agir como um homem das

cavernas e a levar direto para um quarto.


É claro que quero mais do que tudo arrancar suas roupas e rasgar a
calcinha com os dentes, porque o último mês sem sexo foi sofrido como seis

anos de total abstinência não foram, mas ainda tenho algo para provar e não farei

isso se deixar-me guiar completamente pelo meu pau.

Com o clima propício para os amantes, Maria e eu caminhamos pela


areia e tiramos os nossos sapatos quando nos aproximamos da beira do mar.

Assim que sentimos a água molhar os nossos dedos em ondas leves que vêm e
vão, paramos de caminhar e ficamos lado a lado de frente para o mar, apenas

observando-o durante um tempo. Há muito para ser dito entre nós, mas neste

momento em que não consigo deixar de olhá-la, dispenso as palavras.

Depois de um tempo tão absorta nas ondas do mar que não percebeu

a forma como eu estava a encarando, a garota bonita finalmente volta o corpo


em minha direção e faço o mesmo.

— Nem os meus melhores sonhos eu poderia imaginar-me aqui ao

seu lado.

— Creio que possa dizer o mesmo, até porque, eu jamais seria capaz
de criar um cenário tão perfeito na minha imaginação. Esta noite, eu, você e o

mar... Tudo parece tão surreal... Tão diferente dos pesadelos que costumam me
visitar durante algumas noites.

— Talvez você precise de companhia na cama. Ouvi dizer que eles


se mantêm afastados quando a pessoa a quem querem atormentar está
acompanhada por alguém.

Essa é a Maria, minha garota jovem e irreverente que é capaz de


fazer um comentário provocativo no meio de uma conversa que deveria ser séria.

Ela sempre faz isso e eu sempre mostro um sorriso involuntário.

— É, talvez eu precise de companhia. Você sabe de alguém que

possa se voluntariar?

— Por acaso, conheço duas pessoas. Tem a sua filha, uma menina de

cinco anos que faria qualquer coisa por você. Há também uma certa mulher

chamada Maria Botelho e ouvi dizer que ela não teria qualquer problema em

deitar a cabeça em um peito forte e cheiroso durante uma noite inteira — ao

terminar de dizer as palavras, a baixinha dá dois pequenos passos e para diante


de mim com a cabeça levemente jogada para trás, porque sou muito mais alto do

que ela.

Maria é direta do tipo que pega o que quer sem pedir licença. Agora,
por exemplo, depois de ter percebido uma abertura e intenções por trás da minha

vinda até aqui, ela está tomando a iniciativa. Por ter me casado com alguém que
era o oposto dela, acreditava que tinha um tipo específico de mulher, mas o fato

de me sentir tão excitado e envolvido com seu jeito de ser mostra que eu estava
errado.

— Pensarei com carinho na sua proposta, docinho. — A intenção do


apelido era a provocar, mas o fato de ela corar, em vez de rolar os olhos para
cima evidencia que gostou e que devo continuar usando.

No fim das contas, por mais que tenha suas vivências e amadurecido
mais rápido do que deveria, Maria ainda é uma jovem como as outras que têm

sonhos românticos.

— Eu gosto muito de você, sabia? Não quero te assustar sendo tão

sincera, mas é a verdade. Esse é o meu jeito, mas também é uma forma de me
proteger. Acredito que ao contar o que passa pela minha cabeça talvez te assuste

e te faça recuar, mesmo que não seja o que quero. Ou talvez eu te faça ir em

frente, mas sempre com cuidado para não me fazer sofrer e depois dizer que não

sabia em que buraco estava se metendo. Aí está a verdade, Daniel Fonseca:

gosto de você. Eu mais do que gosto de você.

“Às vezes faço planos para nós dois juntos com a nossa filha. Às

vezes imagino que realmente somos uma família e que você se tornará mais do

que o pai dela e um sexo perfeito em potencial. Às vezes até mesmo chego a

acreditar que você está colocando sua vida e mente nos eixos para se entregar a
mim da mesma forma que preciso e quero me entregar a você. Te desejo tanto

que sinto medo de mim mesma. Eu...

Antes que Maria tenha a chance de falar mais alguma coisa, agarro-a
pela cintura, a puxo para mim e colo as nossas bocas. Ela fica imóvel e com os
olhos arregalados me encarando.

— Cale a boca. Por favor, só pare de falar, princesa — peço, ao


afastar os nossos lábios minimamente.

O meu coração está acelerado, e os meus olhos estão ardendo pela


vontade quase insuportável de chorar como um bebê aqui e agora na frente dessa

garota especial que voltou para minha vida apenas para bagunçar tudo de um

jeito bom. Uma bagunça que no fim das contas está colocando tudo em seu
devido lugar e finalmente me fazendo voltar a respirar.

As palavras estão me dando tudo o que pensei que não merecia mais

ouvir, mas que passei a desejar com ardor desde que cheguei na casa do meu

melhor amigo e vi a mulher que me fez fraquejar, mas que me deu algo no qual

me agarrar durante os seis anos em que estive no purgatório. Com culpa e dor, as

lembranças de nós dois me mantiveram são, essa é a verdade.

Agora eu simplesmente preciso a devorar. Consumir o seu corpo e a

alma de uma forma que se misturem comigo e que seja impossível de nos

separarmos novamente.

— Eu não mereço você... — falo contra sua boca, prendendo o seu

olhar no meu. Preciso dizer essas palavras, porque Maria simplesmente parece
boa demais para não ser uma invenção da minha mente perturbada.

Nos meus momentos de maior fragilidade nos últimos anos,


realmente cheguei a questionar algumas vezes se ela tinha sido real ou apenas

uma alucinação da minha mente bêbada.


— Não sei se merece, mas estou aqui e ficarei até quando quiser que
eu fique.

— E se eu quiser que seja para sempre?

— Eu ficarei.

— Mesmo eu sendo esse homem difícil e quebrado?

— Talvez as suas rachaduras me façam te desejar ainda mais,

Daniel...

Eu calo sua voz com um beijo que pode dizer mais do que palavras.

Um beijo que serve para selar o que foi dito e o que não foi dito. Um beijo de

entrega, de cura e redenção. Mas também pode ser um beijo apenas por desejo,

uma vontade de possuir que se torna cada dia mais latente. Eu amei muito outra
mulher e o que sinto pela Maria parece tão completamente diferente que não sei

como nomear esse sentimento, mas sei que é intenso, tão intenso que está

ficando gravado na minha pele como uma tatuagem que não pode ser removida.

Seja qual for o nome que se dê a isso que eu e Maria temos, está aqui
e será alimentado. Será vivenciado e experimentado em sua plenitude até tornar-

se maior do que o mundo. Até tornar-se maior do que as minhas dores e os meus
tormentos, porque é disso que preciso. Sei que é.

O toque da minha língua na sua, o cheiro do perfume doce e o calor


do seu corpo pequeno nos meus braços me fazem sentir o homem mais poderoso
do universo. O homem mais pleno e capaz de tudo. A sua entrega e seus gemidos
me fazem esquecer-me da sensatez quando agarro sua coxa e a envolvo na minha

cintura. Então a mãe da minha filha enrola os dois braços ao redor do meu

pescoço e a outra perna no meu quadril. Seguro-a em meus braços e a beijo sem
parar, enquanto o meu pau começa a ficar dolorosamente duro.

Rapidamente, percebo que o beijo não é o suficiente. Então movo-

me com cuidado para não a derrubar e depois sento-me na areia com as pernas
estendidas. Quando termino o beijo para respirarmos, minha garota gostosa e de

lábios deliciosamente avermelhados fica mais confortável no meu colo ao cruzar

as pernas nas minhas costas.

Sem falarmos uma palavra, encaramo-nos durante alguns segundos e

tenho certeza de que o meu olhar está como o seu: escurecido de desejo.

Quando penso em abrir a boca para falar que iremos imediatamente

para o hotel, a garota safada, ainda me olhando de um jeito quente, rebola sua

boceta no meu pau e me faz apertar o maxilar para conter a vontade de gemer
para a lua, ou apenas me conter para não gozar agora sem mais estímulo além de

uma rebolada.

— O que você pensa que está fazendo, Maria? — esforço-me para


falar, porque os meus pensamentos estão voltados para o calor do seu sexo
contra a minha frente.

— O que acha que estou fazendo?


— Aparentemente, está me provocando sem levar em consideração
que sempre responderei às suas provocações. Será que quer mesmo fazer isso

aqui? — indago, ao dar uma mordida no seu lábio inferior gordo.

— Eu adoro quando você me ameaça, sabia? — Rindo na cara do

perigo, a gostosa volta a me beijar com sua língua experiente e me faz gemer
dentro da sua boca ao perder o controle quando eu mesmo começo a mover os

quadris e investir contra a boceta coberta.

Como ela está vestindo uma saia jeans curta, a peça enrolou-se na

sua cintura e deixou as coxas grossas e macias amostra para as minhas mãos, que

não se privam de acariciá-las. Mãos gananciosas que escorregam das coxas para

as bochechas da sua bunda. Quando aperto os lados com força, aproveito para a

pressionar ainda mais no meu pau. Com beijos indecentes, molhados e ruidosos,
Maria e eu começamos a gemer e nos esfregamos um no outro como se

estivéssemos a sós na privacidade de um quarto.

Mas a verdade é que estamos em um lugar público e poderíamos ser


vistos por qualquer pessoa, embora a praia esteja praticamente deserta a essa

hora da noite. Porra! Eu só quero transar com ela aqui e agora sem me preocupar
com quem somos ou com a possibilidade do flagra.

— Maria... — sussurro o seu nome ao afastar a minha boca do


ataque da sua. Preciso ser o sensato aqui, mesmo que o meu corpo esteja

pegando fogo, a ponto de gozar sem antes a sentir do jeito que preciso.
— Estou tão molhada... — a safada dá a informação e depois uma
mordida na minha orelha. Em seguida, desce os dentes pelo meu pescoço e o

chupa da mesma forma que fiz na última vez em que a deixei marcada. Sei que

quer fazer o mesmo agora e estou bem com isso. — Tão pronta para você...

— Nós estamos em uma praia pública... — falo em um fio de voz,


percebendo que eu não poderia me importar menos com isso. Se ainda estou

falando, é apenas como uma tentativa de a preservar.

— Eu quero que me coma agora, amor — no meio da névoa de

tesão, e de uma rebolada que me deixa ainda mais na borda, consigo sentir-me

bem por ser chamado de amor.

Como já estava por um fio, o pedido da Maria é apenas o gatilho que


eu necessitava para fazer o que realmente estava com vontade. Quando seguro os

cabelos da sua nuca com firmeza, puxo sua cabeça para trás e ataco o pescoço

bonito e cheiroso com a boca, dentes e língua. Enquanto Maria geme e se

contorce de desejo nas minhas pernas, faço manobras até conseguir livrar o meu
pau da boxer e da calça de linho. Gananciosa, ela o toma nas mãos e começa a

me masturbar com movimentos de ir e vir vigorosos e experientes.

Eu poderia me deliciar com um orgasmo pelas suas mãos, mas o meu


corpo implora pela boceta, então tiro seus dedos, coloco a mão entre os nossos
corpos e afasto a calcinha toda molhada de desejo para o lado.

Toco na sua carne úmida e Maria morde o lábio inferior para se


conter e não gozar agora mesmo. Manipulo seu sexo sem perder nenhuma das
reações estampadas no seu rosto muito expressivo. Então levanto o braço e

começo a passar lentamente os dedos melados com os fluidos do seu desejo nos

lábios carnudos e rosados. Com os nossos olhares presos um no outro, aproximo


a cabeça da sua e passo a língua bem devagar na boca que tem o gosto delicioso

da sua boceta viciante.

— Você é uma delícia. Eu poderia passar o dia inteiro com a boca


entre as suas pernas, te comendo sem parar e levando a um orgasmo após o

outro. Eu poderia te tornar o meu alimento diário e nunca mais sentir fome —

declaro, ao chupar os dedos que estiveram no seu sexo. Maria, com olhos

escuros de desejo, não perde um movimento sequer de sucção.

Quando afasto os dedos da boca, beijo-a mais uma vez, ao mesmo


tempo em que seguro meu membro em riste e coloco na entrada do seu sexo.

Antes de meter, provoco ao passar a cabeça entre suas dobras gordas e meladas.

Maria não consegue se segurar, então puxa os fios curtos dos meus cabelos até

me fazer sentir dor, enquanto seu corpo parece tenso e a ponto de explodir.

Estivemos juntos poucas vezes, embora a quantidade de sexo possa


ser considerada grande, pensando no quão incansáveis somos quando estamos

juntos, mas percebi que temos um padrão. Se Maria começa com as provocações
até me sucumbir a ela, sou eu que elevo o jogo e a deixo insana de tesão antes de

realmente treparmos.
— Você não disse que queria me comer? Chegou o seu momento,
princesa. Sou seu, tome tudo o que quiser — com minhas palavras, Maria abre

um sorriso safado, segura o meu mastro e o coloca dentro da sua boceta. Ela não

espera, ela não tem tempo para provocações, apenas senta de uma vez até ter
todo o meu pau rasgando o calor do seu sexo, que é deliciosamente apertado.

Minha Maria ofega pela dor inicial de ter-me todo dentro, mas isso

dura apenas um segundo. Só até fincar as unhas nos meus ombros e começar a
sentar. A gostosa me leva ao limite todas as vezes em que sobe até deixar apenas

a cabeça dentro e depois retorna sentando com tudo e rebolando em mim

completamente empalada pelo meu pau sedento.

Com minhas mãos segurando sua cintura com firmeza, sinto-me

hipnotizado com seus peitos bonitos balançando bem diante do meu rosto. As
duas belezas me provocam até que ergo a mão, capturo um deles e levo o

mamilo até a boca. Enquanto Maria senta no meu pau, chupo seu peito como um

bebê esfomeado.

— Como você tem o pau gostoso, Daniel... Você está me rasgando,

porra... — O nosso sexo é uma mistura de dor e prazer em todas as vezes que
fazemos.

A começar pelo fato de ela ser apertada demais para o meu tamanho,
Maria também gosta de me arranhar e puxar os fios dos meus cabelos quando

está no limite do tesão. Eu também não fico para trás e mordisco seu pescoço até
deixar minha marca.

— Assim, querida. Tome tudo que quiser até melar o meu pau com
essa sua bocetinha gananciosa.

Desta vez, Maria está tão entregue que não precisa de nenhum
estímulo a mais para gozar. E mesmo enquanto seu corpo implora por um pouco

de calmaria, tremendo e suando em cima do meu, ela parece incapaz de parar e


continua sentando, tão quente e tão próxima de mim que poderíamos

perfeitamente sermos um só. Quando chega ao orgasmo, Maria me faz gozar

junto e encher sua boceta com esperma.

— Maria! — o seu nome escapa da minha boca uma vez após a outra

enquanto a abraço apertado e despejo-me dentro do seu calor. Seu nome é como
música saindo da minha boca e parece tão certo quanto esse desejo louco que

sempre esteve aqui.

Quando nossos corpos se acalmam, ela continua em cima de


mim, então nos abraçamos apertado e nos beijamos com calma e carinho, como

se tivéssemos feito isso a vida inteira. É extremamente natural e certo. É por isso
que quando o beijo começa a nos acender novamente, a deito de costas na areia

branca e macia, coloco-me entre as suas pernas e volto a meter no seu sexo.

Transamos pela segunda vez com os rostos muito próximos um do

outro. Nos encaramos quase o tempo todo. Permito que me veja e a vejo em
contrapartida. Enquanto levanto e abaixo minha pelve contra a sua, entrando e
saindo de maneira cadenciada na boceta viciante, a forma como me sinto e como
nos encaramos não deixa dúvida de que essa vez é diferente de todas as outras.

Maria e eu estamos fazendo mais do que sexo louco e quente na

praia. Estamos nos amando, nos reencontrando e nos conhecendo mutuamente

da forma que importa. Quando a faço gozar e gozo em seguida, faço sabendo
que ainda não é o fim. Despreocupadamente jogados de costas sobre as areias da

praia de Copacabana, olhamos para o céu e entrelaçamos os nossos dedos.

Por um momento não precisamos de palavras, talvez elas pudessem

estragar tudo o que estamos vivendo e sentindo agora. Mas as horas e os minutos

começam a correr sem que a gente se dê conta, então, entre sorrisos cúmplices e

uma conversa e outra, voltamos a nos amar na areia e no mar, como dois

adolescentes que estão se divertindo sem grandes preocupações com o passado


ou futuro.

Quando ajeitamos as roupas e entrelaçamos nossas mãos para

voltarmos para o hotel onde minha garota está hospedada com a equipe do
Calvin Derek, já não estamos mais enganados e sabemos que algo muito

importante mudou entre nós nesta praia.


CAPÍTULO 17

DANIEL
— Então o príncipe se casou com a princesa e eles viveram felizes

para sempre — termino de narrar a história de conto de fadas para minha

pequena, que sempre aguenta acordada até o final das histórias todas as noites.

Com seus olhinhos baixos de sono, ela tem o sorriso inocente de uma

criança que ainda não sabe das coisas feias do mundo. Enquanto eu estiver aqui

para a proteger, Tammy continuará inocente quanto a isso.

— A princesa sempre se casa com o príncipe no final, papai?

— Acho que sim, filha. O seu pai ainda não leu todos os livros

infantis do mundo, mas todos que li para você terminam com a princesa feliz ao

lado do seu príncipe encantado.

— O senhor é o meu príncipe encantado, sabia?

— Poxa, sinto-me lisonjeado por ouvir isso.

— O que é se sentir lisonjeado, papai?

— Algo parecido com feliz, orgulhoso. Isso quer dizer que fico feliz

por ser o seu príncipe encantado.


Não é exatamente esse o significado, mas é a única forma que a
criança entenderá.

— A mamãe é uma princesa, então o senhor vai se casar com ela,

não é? Príncipes e princesas se casam e são felizes para sempre no castelo do

Príncipe.

Embora sejam palavras de uma criança inocente, seu comentário faz


o meu coração saltar no peito. Mesmo que a nossa filha não fale diretamente,

como provavelmente outra criança da sua idade faria, ela tem prestado atenção

nas nossas interações e proximidade. De vez em quando, deixa-me saber que

gostaria que ficássemos juntos como a família com sua mãe.

— É isso que você quer? — Eu não sei porque estou fazendo essa
pergunta, que provavelmente alimentará suas ilusões, mas ela surge de algum

lugar e escapa da minha boca.

— Eu quero que o senhor e a mamãe fiquem juntos para sempre.


Também quero que vocês façam um irmãozinho para mim. Coloca uma

sementinha na barriga dela, papai. — Não deveria ser assim, mas essa criança
consegue deixar-me sem palavras como nenhum adulto é capaz.

Quando sinto o cheiro de um perfume bom e conhecido para mim,


volto a cabeça para trás e vejo Maria tão surpresa quanto eu encostada no umbral

da porta do quarto da nossa filha. Os nossos olhares se encontram, ela abaixa a


cabeça e procura alguma coisa no chão. Depois manda um beijo para a criança e
vira as costas, deixando-me numa situação difícil com a pestinha.

— Depois a gente fala sobre isso, está bem? Agora quero que você
feche os olhinhos e tente dormir. O papai ficará aqui velando o seu sono. — Sem

saber quão mexido me deixou com tudo o que falou, minha herdeira balança a

cabeça, puxa seu cobertor rosa até o queixo e fecha os olhos.

Permaneço sentado ao seu lado na cama durante quinze minutos,


fitando-a com orgulho e admiração, como verdadeiro pai babão que sou. Ainda

que tenha sido de maneira inconsciente, hoje acredito que algo dentro de mim

sabia que ela estava em algum lugar me esperando. Por isso não desisti de mim

mesmo durante o período em que estive apenas sobrevivendo.

Essa semana, finalmente confortável com a minha nova realidade e


quase livre daquele tormento que parecia eterno, fiz uma ligação e falei com os

meus pais. Eles não puderem esconder o choque quando revelei que tenho uma

filha de cinco anos de idade. Mas logo a surpresa passou e ambos exigiram que

eu a apresentasse. Mostrei minha pequena através de uma chamada de vídeo


para os meus velhos e eles a amaram quase instantaneamente.

Como Tammy é uma criança muito sociável, ela entendeu facilmente

quando expliquei que os dois senhores que viu na tela do celular são tão seus
avós quanto os pais da sua mãe. A partir disso, a pequena começou a tagarelar
com eles e a fazer perguntas sem parar. Antes do fim da primeira chamada de

vídeo ela já estava os chamando de vovô e vovó. Desde então, meus pais entram
em contato quase diariamente tão somente para perguntarem se estou bem e para

passarem alguns minutos conversando com a neta recém-descoberta.

— Tenha bons sonhos, meu amor. O pai te ama muito — declaro, ao

levantar-me da cama, beijar a sua testa e depois deixar o quarto.

Depois que comecei a ler as histórias, a babá passou a se deitar mais

cedo e Maria e eu ficamos com a casa só para nós dois depois das oito horas da
noite. Nada melhor para duas pessoas que não conseguem conter seus olhares e

mãos ávidas por muito tempo.

Faz uma semana que voltamos do Rio de Janeiro como dois jovens

despreocupados e apaixonados. Mesmo depois de sete dias, as lembranças estão

frescas e constantes na minha mente. Assim que voltamos para o quarto de hotel,
minha garota me convidou para ficar com ela e eu nem pensei em negar.

Tomamos banho e transamos mais uma vez no boxe do quarto e, pela primeira

vez, vislumbramos a oportunidade de dividirmos uma cama.

Mesmo com a nossa entrega e conexão na praia, ainda não nos

sentíamos confortáveis para tal gesto de intimidade, então ela dormiu na cama de
casal e eu dormi no sofá que era incrivelmente aconchegante. Na manhã seguinte

acordamos bem e sem culpa pelo que havíamos feito. Como o cantor ainda tinha
um show na cidade vizinha, ela trabalhou durante uma hora para deixar alguns
detalhes preparados para a apresentação e depois saímos para passear na bela

cidade.
Nos divertimos durante o dia inteiro e aproveitamos o show do
Calvin à noite. Preciso admitir que ele é um ótimo cantor, carismático o

suficiente para arrastar multidões. Minha garota perfeita e eu namoramos sem

preocupações durante todo o show do americano, ficamos abraçados e nos


beijamos como os mais jovens estavam fazendo. Ao voltarmos para casa,

seguimos a nossa rotina que parecia igual, mas ao mesmo tempo completamente

diferente.

Assim como retornamos diferentes, a nossa forma de nos relacionar

um com o outro também mudou. Mudou para melhor, muito melhor. De maneira

que se tornou natural, e não apenas uma forma de provar algo para a mulher que

pretendia conquistar, as lembranças físicas do meu passado continuaram

sumindo até não restar nada.

Onde havia porta-retratos com imagens da minha falecida esposa,

agora há fotografias só da minha princesa, de nós dois juntos e até da Maria e eu

sorrindo para uma câmera. Aconselhado pelas pessoas que me cercavam, recorri

a ajuda profissional com terapeutas e psicólogos durante seis anos, mas eles não
foram capazes de me ajudar. Foi vivendo uma nova vida que comecei pouco a

pouco a me sentir acolhido. Comecei a ser feliz e entendi que a esposa e o filho
que perdi não precisam estar em porta-retratos para serem lembrados.

Finalmente entendi que posso simplesmente os guardar na minha

mente e no meu coração sem que machuque a última pessoa que eu desejaria
ferir na face da terra. A família que perdi precocemente sempre será lembrada

com amor e carinho, um amor sem dor que não magoará Maria pela simples

presença em uma fotografia.

Não está sendo fácil ou rápido, mas estou conseguindo respirar sem

sentir dor. Apaixono-me pouco a pouco todos os dias sem sentir que estou
traindo memórias. Acima de tudo, estou me reconstruindo ao lado das duas

mulheres que entraram na minha vida como uma segunda chance sem ser
consumido por pesadelos todas as noites.

Agora, em uma cena completamente doméstica, observo a garota

perfeita enquanto ela seca alguns talheres, parecendo distraída e tensa. Até

mesmo sua mão está um pouco trêmula enquanto trabalha. Mas a culpa é minha,

porque enquanto vivo a minha jornada e processo de cura interior, faço apenas
comigo mesmo e sem dar indícios de que Maria pode realmente esperar algo

concreto, seguro e duradouro de mim.

Não faço por maldade, é apenas por acreditar que as minhas duas
garotas perfeitas me terão inteiro e sem nenhuma dúvida de que sempre estarei

aqui para elas quando me entregar. Se Maria é direta e muito ousada no sexo, ela
tenta ser contida e sensata na hora de mostrar-se quando se trata dos seus

sentimentos por mim. De qualquer maneira, ela nunca pôde escondê-los. Não
poderia nem mesmo se tentasse, e sei exatamente o que espera de mim. De uma

forma completamente escancarada, consigo ler as suas vontades e o medo que


sente de sentir esperança em nós dois.

Sei que estamos vivendo um impasse e que o nosso tempo está


ficando cada dia mais escasso, mas não pretendo deixá-la escapar por entre os

meus dedos. Como se estivesse preparando-me para uma batalha, tenho

guardada comigo a certeza de que farei o que for necessário na hora certa. Irei
para o tudo ou nada certo de que sairei vencedor e que a minha vitória será a

vitória das mulheres que se tornaram o centro do meu mundo sem que eu
estivesse esperando, afastando o medo e todos os motivos que eu tinha para me

esconder.

A verdade é que nunca houve uma chance para mim. Nós tínhamos

que acontecer e o tempo de espera foi apenas uma prova para que eu pudesse

estar preparado quando a hora chegasse.

— Amor, você já secou tanto esse talher que ele está perdendo a cor

— digo, ao colocar minha mão em cima da sua. Quando ergue a cabeça, deparo-

me com os olhos da garota bonita marejados.

— Ei, por que você está chorando? — pergunto, abraçando-a


apertado e distribuindo beijos leves pelo seu pescoço, apenas por saber que isso

a fará soltar algumas gargalhadas involuntárias. Por alguma razão que não sei
explicar, minha Maria sente cócegas no pescoço e até o mais leve toque a faz
sorrir.

Isso é algo que também pode ser usado durante o sexo, porque a
sensibilidade sempre a deixa mais maleável e pronta para mim, para cada beijo,
cada mordida e cada chupada.

— Eu... Não estava chorando, só fiquei emocionada com algo que

lembrei. Deve ser a TPM.

— Não pode ser a TPM, porque o seu período acabou há cinco dias

— meu comentário faz com que a garota erga a cabeça e me olhe com surpresa.

— Como você poderia saber disso?

— Amor, eu sei tudo sobre você. Não percebeu que meus olhos não

conseguem desviar quando estamos juntos? — a resposta que dou faz com que
ela pare de fingir que estava emocionada por outra razão, quando sei

perfeitamente que a causa do choro é o fato de ter ouvido a minha conversa com

a nossa filha, e se entregue as lágrimas que tentava engolir de todas as formas.

— Você nunca me chamou de amor.

— Então remediarei esse erro. Hoje foi a primeira vez de muitas, eu

prometo — declaro, e Maria balança a cabeça.

A verdade é que mesmo que eu esteja me mantendo em silêncio,


tenho permitido que Maria me conheça todos os dias e faço o mesmo. Quanto
mais a conheço, mais envolvido me sinto e tenho mais certeza de que é a única

pessoa que poderia transformar-me com amor. Tinha que ser ela, a minha Maria.

— Eu quero te beijar agora — assevera.


— Pode me beijar agora e quantas vezes quiser, porque sou seu,
baixinha — depois que termino de falar, envolvo sua cintura fina com um braço

e ergo seu corpo o suficiente para a sentar no balcão do armário da cozinha.

Encaramo-nos por um tempo, cheios de paixão e um desejo que

acende como pólvora com simples beijos. Começo a abrir os botões da sua
camisa e agradeço o fato de ela estar usando somente isso, não há sutiã por baixo

ou uma calcinha. Não tenho a menor dúvida de que Maria estava com más
intenções quando tomou banho e escolheu apenas uma peça de roupa.

Quando envolve os braços na parte de trás do meu pescoço e as

pernas nos meus quadris, não ofereço qualquer resistência. Capturo a boca da

minha garota em um beijo no bom estilo intenso e provocante que gostamos. Ela

também entra no jogo e começa abrindo os botões da minha camisa. É apenas


quando desço os beijos do rosto para o seu pescoço que ela se dá conta de que

não precisa necessariamente se livrar da minha camisa agora, então desce a mão

pela minha barriga, abre o botão e o zíper da calça e puxa meu pau para fora da

cueca boxer.

Ainda a beijando, mas com os olhos abertos para não perder


nenhuma das suas expressões quando está sedenta por mim, enfio meu pau na

sua boceta e fico parado durante alguns segundos para que se acostume com a
invasão.

— Foi com essa intenção que você renunciou à calcinha e o sutiã?


— Você gostou, admita.

— Sempre gosto quando a minha mulher age como uma vadia

— Sua mulher? — questiona para me provocar, dá uma reboladinha

com meu pau completamente dentro da sua boceta molhada e quente. Muitas
vezes não precisamos de preliminares e das provocações que podem ser longas,

tudo porque Maria é extremamente sensível a mim e parece estar sempre pronta
para transar.

— Minha mulher. Apenas minha, não de qualquer outro, muito

menos daquele filho da puta do Calvin, que parece criar braços de polvo sempre

que está perto de você.

Se muita coisa está mudando, o meu ciúme do maldito Calvin Derek

continua igual. Por mais que digam que são apenas provocações, o meu lado

possessivo tem certeza de que ele a pegaria para si se tivesse a chance. Quanto a

Maria, ela o trata como um irmão ou uma criança de dez anos de idade.

— Com ciúme agora? — Balanço a cabeça em confirmação porque

não tenho motivos para esconder. — Não precisa.

— Você está certa, por que sentir ciúme se você está aqui, não é
mesmo? Que motivos eu teria para sentir ciúme se sou eu quem está te comendo

neste exato momento?

As palavras irritadas a fazem sorrir, então enrolo os fios longos e


castanhos no meu punho, agarro uma das suas coxas com firmeza com a mão
livre e começo a meter com força na sua bocetinha. Ela não estava tão molhada

quanto costuma estar, mas fica pronta depois de duas metidas quando as minhas

estocadas começam a provocar o barulho de utensílios domésticos balançando


dentro do armário.

— Querido, acordaremos a Nica e nossa filha — Maria fala com

custo, mas estou além do prazer e, por um momento, ignoro suas palavras e meto
com mais força ainda. Quando Maria começa a gemer alto demais e a implorar

para que vá mais fundo e a foda com força, coloco a mão na sua boca, soco mais

algumas vezes até envolvê-la com firmeza, a tirar do balcão do armário e levar

para o meu quarto.

Maria está tão entregue que não percebe a importância do que está
acontecendo quando a jogo de costas em cima da minha cama e me deito entre

suas pernas.

Quando abaixo a cabeça e a beijo de língua, afasto suas coxas para


ficar ainda mais profundamente socado no seu centro pulsante. Começo a meter

e tirar sem parar, ainda tapando a sua boca para que os gritos não acordem as
outras garotas. Quando Maria tem esperanças de que a deixarei gozar, desacelero

e a fodo em outra posição. Antes de termos o tão esperado pico de prazer, transo
com ela de quatro e depois a fodo com seu corpinho suado e delicioso no meu

colo. Então a pego contra parede, porque a transa em pé me deixa insanamente


socado no seu sexo apertado, e terminamos novamente na cama.

Maria goza tão loucamente que me leva ao orgasmo junto com ela.
Estamos nos beijando como se pudéssemos nos comer com nossas bocas. Então

abrimos os olhos e fazemos isso como se pudéssemos olhar a alma um do outro,

como se pudéssemos sentir o que o outro sente. Quando os nossos corpos se


acalmam sobre a cama, suados, trêmulos e lânguidos, ainda fico por um tempo

segurando a minha mulher como se temesse a perder a qualquer momento.

Muito esgotada, Maria se deita de lado e não tenho a menor dúvida

de que a sua mente já está trabalhando. Conheço-a e sei que está pensando

demais e se segurando para não tirar conclusões precipitadas. Mas não

acontecerá, porque Maria é do tipo que pergunta.

Ela precisa de alguns minutos e eu fico a uma distância segura,

esperando pelo seu tempo até ouvir sua voz.

— Você quer que eu vá para o meu quarto? — indaga, mesmo


sabendo que o fato de eu ter a trazido para minha cama é um gesto que fala por

si só.

— Não. Preciso e quero que você durma nos meus braços hoje e em

todas as outras noites — digo o que estava no meu coração há algumas semanas,
então chego com cuidado por trás e cubro seu corpo pequeno com o meu. No

mesmo instante, minha mulher deita a cabeça no meu braço e entrelaça os seus
dedos nos meus quando abraço sua cintura.
Sei que chegará o momento em que palavras serão essenciais, mas
hoje, e talvez apenas hoje, faremos como temos feito durante todo o nosso

relacionamento até aqui, onde as ações sempre falam mais do que quaisquer

palavras.

Agora, por exemplo, ao permitir-me passar a primeira noite ao lado


da minha garota perfeita, estou dizendo que não importa o final do caminho,

porque estamos indo para algum lugar juntos e tenho certeza de que ela pode
ouvir e me entender.
CAPÍTULO 18

MARIA
SEMANAS DEPOIS

Estou me sentindo uma pilha de nervos enquanto assisto a última

passagem de som do Calvin com a banda para o penúltimo show da turnê no


Brasil. Antes de vir para o estúdio, acordei cedo, fiz uma série de ligações para

marcar três entrevistas presenciais e uma por telefone. Então cheguei e ainda tive

que resolver uma série de pequenos problemas, pois embora Calvin tenha uma

equipe gigante, sou eu que faço o serviço de muitos.

Daniel sempre diz que Calvin me sobrecarrega, e mesmo que a gente


acredite que ele não faz por maldade, estou começando a sentir muito o peso do

trabalho extra. Em parte, a culpa é minha. Antes, mesmo lamentando o tempo

perdido com a minha pequena, simplesmente não me incomodava o suficiente


com a sobrecarga de trabalho para reclamar ou tentar mudar alguma coisa.

Calvin não é apenas meu chefe e amigo. Ele também é um homem


justo e faria algo para me ajudar a remediar essa situação se eu pedisse. Penso

em conversar com ele, mas não farei isso agora que estamos prestes a concluir
mais uma turnê de sucesso.
Muitas coisas mudaram e continuam mudando todos os dias desde
que cheguei ao Brasil e não tento nem mesmo fingir que não tem a ver com o

meu relacionamento com o pai da minha filha. Por causa dele, tenho desejado

mais tempo livre para apenas ficar em casa ou para sair e fazer qualquer
programa com a minha família. Por causa do Daniel, minha rotina tornou-se

diferente da que eu seguia antes dele.

Não acredito que tenha nascido para ser como as mulheres que se
dedicam completamente ao lar, aos filhos e marido. Embora as admire tanto

quanto admiro as que vão para o mundo e o conquistam, esse não é o meu

caminho. Poderia até tentar, mas chegaria uma hora em que eu me cansaria e

buscaria o agito e as responsabilidades que me estimulam a sempre fazer o meu

melhor.

Eu só quero um pouco mais de flexibilidade de tempo, que Calvin e

sua equipe não sejam tão dependentes de mim e que eles consigam sobreviver

quando eu não estiver cem por cento do tempo disponível para resolver seus

problemas. No final do dia, sou apenas uma mulher apaixonada e que está no
início de um novo relacionamento. Ninguém contou para eles que as pessoas

apaixonadas são assim? Não sabem que elas precisam alimentar a paixão e
passar muito tempo transando?

Que grande bobagem!

A minha carga gigante de trabalho com o astro do rock não é nem de


longe o maior e mais incômodo dos meus problemas. Se estou pensando nisso

agora é tão somente para tentar esquecer-me do resto e fingir que não tenho um

elefante parado bem no meio da minha sala, figurativamente falando. São tantas

coisas que nem sei por onde começar.

Antes de tudo, tenho que admitir que a felicidade das últimas


semanas ao lado da minha filha e do seu pai é infinitamente maior do que os

problemas.

Algo mudou depois que Daniel e eu estivemos juntos no Rio de

Janeiro, tão entregues quanto poderíamos estar, e a mudança tornou-se mais

evidente nos dias que seguiram, principalmente depois que dormi na sua cama

pela primeira vez e dela nunca mais saí.

Tudo o que eu sabia a respeito do Daniel começou a transformar-se

bem diante dos meus olhos. Saber que ele estava lutando contra si mesmo por

mim e pela nossa filha torna tudo ainda mais especial e deixa o meu coração tão

grande que poderia explodir de felicidade e por um amor capaz de mover


montanhas de tão enorme que está se tornando.

Não foram só os porta-retratos que desapareceram. Não foram só os

seus gritos durante as madrugadas por causa dos pesadelos que deixaram de me
acordar. Aquele olhar vazio e triste foi pouco a pouco desaparecendo e agora o
moreno bonito parece apenas um homem feliz por ser quem é, cheio de

esperanças para o que a vida ainda puder lhe dar. Daniel ainda é reservado e
gosta de observar mais do que falar, mas é completamente aberto e caloroso

quando olha para mim e nossa pequena Tatá.

Os dois construíram uma relação tão bonita de amor e cumplicidade

que às vezes chego a me sentir enciumada. Mas logo caio na realidade e percebo

o quanto estou sendo idiota. Tatá e eu sempre tivemos uma a outra, o contrário
não aconteceu para os dois e eles têm o direito de construírem uma relação para

recuperarem o tempo perdido. Na verdade, amo que tenham se entendido tão


perfeitamente.

Quanto a nós dois, nos comportamos como namorados, apesar de

não ter havido um pedido oficial. Não que eu precise de um, porque ele e eu

fazemos tudo o que os namorados fazem, a começar por sermos exclusivos. Uma

conversa que não foi necessária, porque fazemos tanto sexo que não sobraria
energia em nossos corpos para outras pessoas. Além do mais, passamos todo o

tempo livre juntos, seja sozinhos ou com a nossa menina.

Pouco a pouco, deixamos de agir como se o nosso relacionamento


fosse algo para existir apenas entre quatro paredes e começamos a sair juntos

pela cidade como um casal que tem mais do que uma filha em comum. Meu
homem gato me leva para fazer coisas diferentes nos finais de semana depois

que a nossa filha dorme e os encontros sempre terminam em sexo selvagem.

A minha família não ficou surpresa quando concluiu que estava

acontecendo alguma coisa entre nós dois. Na verdade, papai e mamãe ficaram
contentes com a novidade e sei que eles têm esperanças de que o Daniel me faça

ficar no Brasil. Meu irmão, vulgo melhor amigo do meu namorado,

simplesmente deu de ombro quando sua ficha caiu. Para ele, o pior que poderia

acontecer era o Daniel transar com sua irmã mais nova e ele fez isso quando eu
tinha dezenove anos de idade.

No fundo, Carlos está feliz por nós dois, principalmente por perceber

que o amigo está tão diferente daquele homem que parecia morto por dentro e
sem nenhum motivo para sentir-se feliz ou compelido a seguir em frente. Daniel

me contou que quase não falam sobre mim, mas que o Carlos pediu uma vez

para que fingissem que ele não está comendo sua irmãzinha.

Homens!

— Mais uma vez. — O baterista da banda fala mais alto do que

deveria e me faz saltar de susto quando volto para a realidade com coração

disparado.

Na hora em que paro e realmente me situo do que está acontecendo a

minha volta, percebo que o Calvin simplesmente saiu do ensaio. Deixo escapar
um suspiro de resignação, então viro as costas e caminho até o bebedouro para

pegar um copo com água gelada.

E ainda não chegou a metade do dia...

Depois que tomo água e jogo copo fora, sinto o meu celular vibrando
no bolso de trás da calça jeans. Quando o pego e desbloqueio a tela, deixa um
sorriso surgir no meu rosto ao ler a mensagem que o meu namorado enviou.

Tentando trabalhar, mas pensando em você o tempo todo. Estou

com saudade, baixinha.

Saudades? Estávamos juntos há algumas horas. Devolvo a

mensagem com tom de provocação.

Nem todo tempo do mundo parece suficiente quando estou com

você, garota perfeita.

Embora eu não seja perfeita, Daniel me trata como se eu fosse e me


chama assim quase o tempo todo. Não posso negar que gosto de todos os

apelidos carinhosos que ele inventa. Quem poderia imaginar algo assim? Nem

parece que há algumas semanas não conseguíamos nem mesmo olhar um para o

outro.

Quanto ao texto sobre o tempo não ser suficiente, sinto um aperto


forte no meu coração todas as vezes em que penso no futuro. Depois de tantos

dias e semanas, não dá mais para fingir que não tem um relógio, cujo tempo está
se esgotando, bem em cima das nossas cabeças. Eu só queria que ele dissesse

alguma coisa que me tirasse do escuro.

Quando penso que o trabalho não é o meu maior problema no


momento é porque esse prêmio está nas mãos da minha iminente separação do
pai da minha filha. Percebi que quando a felicidade é muito grande o tempo
passa mais rápido. Em um piscar de olhos as semanas voaram e falta apenas uma

semana para a minha volta para os Estados Unidos.

Calvin tem dois shows aqui no Brasil e então ele não terá mais nada

para fazer aqui. O Astro voltará para casa e irei com ele, porque é o meu trabalho
e minha casa fica bem longe daqui há mais de seis anos. Eu tentaria ficar, desde

que tivesse um motivo muito forte. É claro que esse motivo existe, mas não
posso fazer nada se ele não dá nenhum indício de que deseja que a gente tenha

um futuro juntos.

Obviamente, nossas ações levam a crer que a relação é algo sério.

Daniel me faz pensar que quer a mim e Tatá na sua vida para sempre, mas

preciso que me diga com todas as letras e me peça para ficar, porque talvez o que
sinto em relação ao seu medo da nossa separação seja apenas coisa da minha

cabeça.

Por mais que eu queira, não posso apenas tirar conclusões e esperar
para ver o que vai dar, não quando a nossa filha está envolvida. Não quando o

homem que quero é alguém que até semanas atrás não queria nada disso. Não
posso presumir que ficaremos juntos quando não tenho certeza de que ele está

cem por cento preparado para assumir um compromisso sem prazo para acabar.

Ficar com Daniel é o que eu mais quero porque estou apaixonada,

mas também é pela minha filha que precisa do seu pai. Mas existe um ponto de
interrogação quanto a possibilidade de o meu desejo tornar-se realidade e a

resposta para essa questão só o Daniel poderia me dar. O problema é que a

espera e a expectativa me matam pouco a pouco e eu vivo entre estar

extremamente feliz e extremamente ansiosa e temerosa pelo futuro.

Também estou morrendo de saudade de você, meu amor.

Respondo a mensagem com uma declaração sincera, em vez de dizer


que só depende dele para que tenhamos todo o tempo do mundo.

Eu te adoro.

A mensagem me deixa feliz, mas ao mesmo tempo tão surpresa que


preciso reler as três palavras dez vezes para ter certeza de que realmente entendi

certo.

Todos os dias e de todas as formas possíveis, o pai da minha filha

demonstra que gosta de mim, mas ele nunca disse de forma direta.

Eu te amo.

O meu problema é que sou impulsiva e às vezes faço esse tipo de

coisa. Por exemplo, fiquei tão feliz pelo que li que devolvi com um eu te amo
seco e direto. Só que dizer que me adora é diferente de declarar o seu amor, não
é? Daniel não disse que me ama, porra!

Eu também te amo, minha garota perfeita.

Eu vou desmaiar. Sério, eu realmente acho que estou a ponto de


desmaiar. Olhando para a tela do celular, apenas para ter certeza de que não
estou ficando louca, tento ler o texto novamente, mas minha visão está embaçada

e ficando mais embaçada a cada piscada. Piscadas que parecem longas e

dolorosas.

De repente, começo a sentir fraqueza nas pernas e preciso me segurar


na parede para não cair como uma jaca mole no chão.

Felizmente, há um banquinho preto de três lugares bem na minha

frente, então arrasto-me até ele e me sento. Na verdade, jogo o peso do meu

corpo em cima dele. Tudo bem que fiquei fora de mim de tanta felicidade com o

que acho que li no celular, mas não deveria ter passado mal, deveria?

Não que seja uma novidade que eu esteja me sentindo mal nos
últimos dias. Junto com meu estado de ansiedade, causado pela iminente volta

para os Estados Unidos, comecei a sentir tonturas e enjoos há mais ou menos

duas semanas. Apesar de ser um incômodo, porque não tenho tempo para ficar

debilitada, agi com irresponsabilidade quando abri mão de ir ao médico. Além


de não ter tempo para isso, presumi que o estresse e acúmulo de trabalho

estavam prejudicando a minha saúde e que tudo melhoraria quando chegasse o


final de semana.

Para não os deixar preocupados, tomei cuidado para que o Daniel e a


minha filha não percebessem que eu não estava bem. Depois de dois dias sem

tonturas ou enjoos, cheguei a acreditar que não passaria mal novamente. Mas
aqui estou eu: vendo a parede na minha frente se mover de maneira estranha. De

repente, o mundo está de cabeça para baixo.

Também estou criando algum tipo de alucinação, porque agora a

Mila, que não suporta o chefe e não faz a menor questão de esconder isso dele,

está atracada no homem e o beijando como se fosse arrancar sua cabeça. Por sua
vez, Calvin Derek tem as mãos grandes sobre sua bunda, apertando os lados com

gosto e esfregando seu pinto sujo na minha amiga, que geme sem parar. Até
gemidos estou inventando.

Mas se fosse apenas uma alucinação, por que eu iria querer ver uma

cena de amasso entre a minha amiga e o meu chefe? Não, tem alguma coisa

errada aqui.

— Vocês dois estão tendo um caso? — pergunto, e fico ainda mais

tonta. Ainda bem que estou sentada.

— Maria? — os dois falam ao mesmo tempo e se empurram como se


o outro estivesse com uma doença contagiosa. Até segundos atrás parecia que

queriam se fundir.

— Da última vez que chequei, esse era o meu nome — falo, então

jogo a cabeça para trás e tento respirar com calma. Com os olhos fechados, ainda
sobra um pouco de energia para os irritar. — Se pretendem ter um caso secreto

enquanto fingem que se odeiam, precisam ser mais discretos. Qualquer pessoa
poderia ter visto.
— Maria, você não está bem. O seu rosto ficou pálido — a cada
palavra que sai da boca da minha amiga, sua voz parece mais próxima e mais

alta. — As suas mãos estão geladas.

— Eu ia chegar nessa parte. Não posso ficar brava com vocês por

terem escondido um caso de mim, porque estou passando muito mal e preciso
que me levem para o hospital.

Assim que termino de falar, Mila e Calvin começam a se mover. Ele

me pega em seus braços quando percebe que não conseguirei caminhar com

minhas próprias pernas e me leva até seu carro. No banco de trás do veículo do

meu chefe, mantenho os olhos fechados na tentativa de me sentir melhor e

afastar a sensação de que estou por um fio.

— Quer que eu ligue para os seus pais? — Mila pergunta.

— Avise para o Daniel — peço. Apesar de eu ter passado por isso

sozinha nas últimas semanas, tudo que preciso agora é que ele esteja comigo.

Quando chegamos ao hospital, Calvin usa sua influência e consegue


que eu seja atendida mais rápido. Fico grata por isso. Rapidamente sou levada
por uma médica chamada Bárbara para uma sala de exames e logo os técnicos

começam a me furar. Eles tiram sangue da minha veia e levam para o laboratório

de exames. Como não há uma razão aparente e óbvia para o fato de eu estar me

sentindo mal, pelo menos não para mim, eles precisam eliminar algumas
hipóteses.

Depois de ter meu sangue tirado, fecho os olhos para tentar

descansar, grata pelo comprimido que aliviou o enjoo e tontura que eu estava
sentindo. Quando estou quase sucumbindo à vontade de tirar cinco minutinhos

de cochilo, a porta da sala onde estou é aberta e meu sono vai embora

imediatamente quando sorrio para o Daniel, o homem com olhos e sorrisos

perfeitos.

— Meu amor, a Mila me contou que você estava se sentindo mal e


eu fiquei desesperado. — O seu rosto é pura preocupação quando se aproxima,

curva-se na cama e beija de leve os meus lábios.

— Foi só uma tontura... — falo, Daniel ergue uma sobrancelha e me


obriga a contar a verdade. — Não é a primeira vez que acontece. Tenho me

sentido mal há algumas semanas.

— Por que escondeu isso de mim?

— Eu não queria te preocupar.

— Você é minha namorada, garota. Eu sempre me preocuparei com


você — declara com seriedade, mas sua irritação passa quando sorrio com
doçura. Meu sorriso sempre amolece Daniel Fonseca.

— Desculpa.

— Não faça mais isso, Maria. Perdi anos de vida quando sua amiga
ligou e contou que havia te trazido para o hospital. Você entende que não posso

te perder? Se isso acontecer... — Antes que a mente o leve para pensamentos


tristes e sombrios, a médica retorna com o resultado dos exames e agradeço

internamente pela interrupção.

A mulher encara meu namorado, desvia o olhar e depois olha mais

uma vez. É esse impacto que sua beleza causa no sexo feminino e já estou

começando a me acostumar com isso. Felizmente, Daniel nem percebe que é


cobiçado. Ainda bem, é uma dor de cabeça a menos para mim.

— Aqui está o resultado dos exames — ela entrega uma cópia, eu

abro o envelope e começo a ler sem entender quase nada do que está escrito.

A sensação de desmaio retorna quando finalmente consigo

compreender algo.

— Os resultados dos outros exames mostram que está tudo bem com
a sua saúde, mas foi detectado uma quantidade do hormônio HCG no seu sangue

e isso significa que você está grávida, senhorita Maria Botelho.




CAPÍTULO 19

DANIEL
Sozinho no meu quarto com a porta fechada, me sinto como um

animal enjaulado. Ao mesmo tempo em que quero ficar aqui para me proteger, a

minha alma está se rasgando para ir até o quarto da minha mulher e falar com

ela.

Maria precisa de mim neste momento, mas me sinto incapaz de dar o

que ela necessita. Depois de ter perdido a minha esposa durante o parto, tudo o

que eu não queria e não esperava era ouvir que a minha nova chance de ser feliz

está esperando um filho meu. E embora Maria não seja a Karen e que diga para

mim mesmo que será diferente porque ela já carregou e colocou a nossa pequena

Tammy no mundo, ainda não estou forte o suficiente para agir com naturalidade
a essa notícia inesperada. Ainda não estou forte o suficiente para ouvir que

minha garota perfeita terá um filho e não sentir medo de simplesmente a perder.

Dia após dia, a baixinha tem se tornado essencial como o ar que

respiro. Dia após dia, com a felicidade que sinto ao seu lado, amo-a de maneira
intensa e como acreditei que não fosse voltar a amar. Não sei em que momento

aconteceu, mas simplesmente aconteceu com a convivência e o meu coração já


não é capaz de bater sem esse amor. Eu preciso da minha Maria muito mais do

que ela precisa de mim.

Ela não é a Karen e não me deixará. Esse bebê não é um risco para a

minha felicidade. Apesar de não ter sido planejado, ele não é menos do que o

nosso milagre, a prova que viverá do amor que foi construído dos escombros.

Repito sem parar até convencer-me minimamente.

Mesmo confuso, mesmo ainda sem saber como farei para viver esses

meses com medo de perder o meu amor, vou até ela.

Na vinda até aqui, simplesmente não pude olhar em sua direção ou


segurar sua mão. Não fiz nada do que Maria estava esperando e precisava que eu

fizesse, mas nós estamos juntos e eu posso e irei remediar a situação. Quando

decidi que iria viver em vez de me entregar, fiz sabendo que momentos como

esses existiriam e que eu teria que erguer a cabeça para enfrentar os problemas

de peito aberto. Mas a verdade é que até as coisas que são difíceis se tornam
mais fáceis por causa dela. É gratificante lutar contra os meus monstros quando

sei que a vitória ao seu lado será muito mais saborosa.

A minha garota perfeita me dará mais um filho lindo e não permitirei

que meu medo de a perder me impeça de amá-lo. O amarei, porque esse filho é
nosso. Mais um pequeno fruto do nosso amor.

Ao entrar no seu quarto, deparo-me com a minha garota sentada com


as costas contra a cabeceira da cama e olhando para o nada. Seus pensamentos
parecem distantes, mas ela nota minha presença imediatamente e me olha com a

expressão que não consigo ler. Se Maria geralmente é um livro aberto para mim,

neste momento não faço ideia do que está passando pela sua cabeça, então serei
eu a dar o primeiro passo.

Felizmente, nossa pequena ainda está na escolinha e Nica foi ao

supermercado fazer as compras da semana para as refeições da Tatá. Maria e eu


estamos a sós para uma conversa que não precisa de plateia.

— Querida... — começo, mas perco a coragem quando ela continua

olhando para qualquer lugar, menos para mim. Não acho que esteja fazendo de

propósito para me castigar pela reação silenciosa, fria e distante que tive. Maria

só está alheia e pensativa.

Ela não é uma pessoa insegura, muito pelo contrário, mas se torna

quando o assunto é o nosso relacionamento e a culpa é minha. Isso é algo que

pretendo remediar de uma vez por toda hoje. Realmente não sei o que eu estava
pensando para deixar essa conversa para a última semana antes da sua volta para

casa. Tenho um palpite, e talvez a tentativa de me proteger tenha machucado a


última pessoa no mundo que merece sofrer.

Sem tirar os olhos da sua bela figura, jovem e pequena, sento-me na


lateral da cama com o corpo voltado em sua direção e o mais próximo possível

para a posição em que estamos. Ela ainda não está olhando para mim, mas tenho
certeza de que ouvirá tudo o que direi.

— Sinto muito pela reação que tive. No momento em que ouvi da


boca da médica que você estava grávida, a primeira coisa que pensei foi na

possibilidade de te perder como perdi a minha falecida esposa. Você sabe que ela

morreu durante o parto e naquele momento não consegui enxergar o nosso filho
como uma pessoa, mas um risco para nós dois. Quis te abraçar, mas o medo não

me permitiu. Quis comemorar e me alegrar, mas o medo de te perder foi muito


maior. Eu ainda estou com medo e ainda não quero te perder por nada neste

mundo, mas estou aqui, porque é o único lugar onde eu poderia estar.

“Você é mais do que a mulher que me deu o maior presente que eu

poderia receber. Você é mais do que a garota corajosa e esperta que admiro mais

a cada dia que passa. Você, Maria Botelho, é o meu amor. Sou apaixonado por
você e te amo tanto que meu coração chega a sangrar. Um amor tão profundo

como nunca imaginei que fosse sentir. Meu amor pela minha falecida esposa era

calmo como uma brisa suave, um sentimento que me colocava nos eixos. Meu

amor por você é forte como uma tempestade e um mar revolto. Meu amor por
você me desequilibra de um jeito bom e me desafia a ser a melhor versão de

mim mesmo para te merecer. Mesmo sabendo que passarei os próximos meses
lutando contra as minhas fraquezas, quando afasto o medo sinto-me feliz pela

gravidez, feliz porque é o nosso bebê e eu o amarei como amo a nossa


princesinha.”
Mesmo com a cabeça abaixada enquanto observa os dedos
entrelaçados sobre suas pernas, consigo notar que minha mulher está chorando.

Quando levanta a cabeça e olha diretamente para os meus olhos, sinto um alívio

tomando todo o meu o corpo por perceber que a garota bonita chora de alegria.

As palavras que eu mais queria dizer e que estavam entaladas na


garganta eram as palavras que a minha mulher mais desejava ouvir. Sei que tem

algo muito mais urgente que ela precisa no momento, mas ainda chegaremos lá.

Maria me surpreende quando sai do seu lugar, sobe em cima das

minhas pernas com seus tornozelos em volta da minha cintura e me abraça

apertado. Ela fica com o nariz enterrado no espaço entre meu pescoço e ombro

por um tempo e sinto que poderia passar a eternidade segurando-a em meus

braços desta forma, apenas para sentir o calor da sua respiração, o calor do seu
corpo e as batidas do coração contra as batidas do meu.

Quando ergue o olhar e me encara com seus olhos avermelhados por

causa das lágrimas, mas ainda parecendo adorável, Maria pergunta:

— Você realmente me ama?

— Eu não havia dito por mensagem? — brinco e minha Maria sorri.

— Só mesmo você para falar eu te amo pela primeira vez através de

uma mensagem de texto. Passei mal quando li e cheguei a acreditar que era por
causa da emoção. Quem poderia imaginar que era um bebezinho que veio de
intrometido?

— Não chame nosso filho de intrometido, garota! — provoco, ao


afastar os fios dos seus cabelos do ombro e deixar um beijo ali.

— Realmente ficará bem com isso? Sei que não é fácil para você,
amor. Espero que tente superar e que o ame como ama a nossa menina, mas não

quero que finja que está tudo bem quando não está. — Ela é doce e
compreensiva, mesmo quando não mereço. — Não se tranque dentro do seu

quarto e não me deixe do lado de fora, porque quero estar ao seu lado sempre

que se tornar difícil demais. Quero estar ao seu lado para te dar força quando se

sentir fraco ou quando o medo bater. Preciso estar ao seu lado, porque é isso que

as pessoas fazem quando amam.

— Você me ama? — pergunto.

— Eu não disse por mensagem? — provoca-me usando minhas

palavras. Aposto que se lembra que foi a primeira a dizer eu te amo.

Embora seus sentimentos estivessem tão evidentes quanto os meus, a

mensagem direta e inesperada me surpreendeu. Confesso que também deixei


escapar uma gargalhada, porque é a cara da Maria falar algo assim por

mensagem.

— Eu realmente te amo, Daniel. Acho que te amo há muito tempo e


nem sei como fiquei tantos anos sem te ter. Saber que você é meu me torna uma
mulher plenamente feliz. Eu não quero que essa felicidade acabe. Por favor, não
me separe de você. Diga-me que a gente pode dar um jeito — pede, e sei

exatamente a que se refere.

A sua urgência e desespero me comovem e são os mesmos

sentimentos que estão no meu coração quando penso no futuro próximo.

Tomado por uma onda de amor, orgulho, admiração, desejo e paixão,


sorrio para minha garota perfeita, então começo a abrir lentamente botão por

botão do seu vestido. Quando me livro da peça e a deixo com a calcinha e o

sutiã, a deito de costas na cama e adoro o seu corpo. Começo pelos ombros, subo

para boca e a beijo com ternura durante um tempo. Então esses beijos descem

para os seios e os adoro de uma maneira diferente por saber que em breve

estarão maiores e cheios com o alimento do nosso segundo filho. Lentamente,


minha boca segue o caminho até estar na sua barriga, onde deposito incontáveis

beijos e até coloco o ouvido no seu abdômen como um futuro pai babão.

Até parece que seria possível ouvir as batidas do coração do bebê.


Ele ainda não deve ser maior do que um grãozinho de feijão.

— Eu amo vocês — declaro com ternura.

Só que o momento de ternura termina quando volto a arrastar o


corpo pelo seu com beijos mais ousados e encontro a boca gostosa sedenta por

um beijo.
— Fale que me ama novamente — peço, porque nunca me cansarei
de ouvir. Puxando a respiração com dificuldade, com os lábios avermelhados por

causa do nosso beijo longo e duro, minha mulher segura os dois lados do meu

rosto e, olhando nos meus olhos, declara:

— Amo você. Eu e os seus filhos te amamos — declara-se, eu sorrio


e volto a comer sua boca como se hoje fosse nosso último dia vivos.

O problema da Maria e eu juntos em uma cama é que não podemos

ficar mais do que cinco minutos sem entrarmos um no outro. Rapidamente,

arranco sua calcinha e sutiã, assim como permito que se livre de todas as minhas

roupas. Duro de uma forma que somente ela é capaz de me deixar, tomo seus

seios na minha boca e chupo com avidez até deixar sua boceta tão molhada

quanto possível.

Embora seja mais uma foda do que fazer amor, o fato de termos

falado sobre os nossos sentimentos antes deixa tudo mais intenso e os nossos

desejos mais latentes. Quando já não posso mais esperar e percebo que ela
começou a implorar por alívio, coloco-me entre suas pernas e penetro seu sexo

de uma vez.

Entrar dentro da minha mulher é como chegar ao paraíso, um paraíso


do qual não quero mais desistir. Preciso estar aqui para sempre, assim como
preciso que ela saiba neste exato momento. Antes de começar a mover os

quadris e meter na sua boceta até fazer com que diga o meu nome sem parar,
seguro os dois lados da sua cabeça e obrigo-a a me olhar com atenção.

— Você é minha, sempre será.

— E você é meu.

— Apenas seu.

— Você mora no Espírito Santo e eu moro nos Estados Unidos, mas

pessoas que se pertencem não ficam separadas — Maria fala, um pouco

desconcentrada por eu estar metido na sua boceta.

— Não ficaremos separados, meu amor. Nós ainda teremos essa

conversa, mas quero que você saiba aqui e agora que não haverá separação para

nós dois, nunca mais. A partir de agora, estarei onde você estiver. Seja aqui ou

na puta que pariu, eu, você e os nossos filhos ficaremos juntos como uma
família. Está entendendo?

— Que bom ouvir isso — minha mulher fala, dá uma reboladinha e


me faz ficar mais duro e apaixonado dentro do seu sexo.

— Agora que estamos parcialmente entendidos quanto a isso, vou te

foder para comemorarmos o fato de estar me dando mais um filho. Depois


contaremos para a pequena.

— Sim, depois contaremos — Ela está feliz, mas o seu desejo sexual
já tomou a frente e deve estar com a mente cheia de sacanagens agora.

Não que eu esteja me sentindo de outra forma, só precisava tirar esse


assunto do nosso caminho. Agora poderei amar o corpo da minha mulher
gostosa. Além do mais, precisamos aproveitar o fato de estarmos a sós em casa

em plena tarde no meio da semana.

— Agora mostrarei o quanto te amo, safada — falo, então começo a

penetrá-la lentamente no início. Rapidamente, acelero as estocadas e,


profundamente metido no seu sexo, faço movimentos circulares com os quadris.

Movimentos que a fazem ofegar, implorar por mais e arranhar minhas costas.

— Mais forte... — implora.

— O bebê.

— Vai ficar tudo bem com ele — ela firma, abro ainda mais as suas

coxas e a fodo sem parar.

Os nossos corpos ficam escorregadios por causa do suor e as

respirações erradas se misturam enquanto nos devoramos como se fosse a última

vez. Aqui e agora, nos desejando e nos amando como loucos, estamos
conectando os nossos corpos, almas e corações.

Maria e eu somos apaixonados e nos pertencemos. Tomamos uma

decisão e sinto que estamos fortes e plenamente capazes de levarmos esse amor
adiante.

— Daniel... Eu estou quase lá, amor.

Também no meu limite, levo nós dois para muito perto do orgasmo
quando a deito de lado, puxo uma das suas pernas para o meu quadril e, mais
profundamente metido no seu sexo, agarro um dos seios e o aperto enquanto

acelero as penetrações. Meto com tanta força que o seu corpo sacode e seus

gritos se tornam mais altos no cômodo.

Tendo o corpo esgotado, cheio de adrenalina e o tesão que nunca tem


fim, alago a boceta da minha mulher com minha porra e ainda continuo metendo

depois que os nossos corpos se acalmam. Minutos depois, continuo a beijando


sem a urgência de antes, apenas com amor e devoção.

— Linda, porra! Você é a mulher mais linda que conheci — declaro,

ao passar a ponta do nariz na sua bochecha.

— Seus elogios não deveriam contar. É o meu namorado e será


sempre tendencioso — Maria brinca, e aproveito para a beijar mais uma vez,

porque nunca parece ser o suficiente.

Como se o mundo fora do quarto não existisse, começamos a ficar


animados novamente, mas ouvimos as vozes da Nica e da nossa filha. Então

pulamos da cama e começamos a vestir nossas roupas. Apesar do desespero,


estamos nos divertindo com a cena. Os nossos sorrisos são sinceros e cheios de

esperanças para o futuro que começou hoje com a novidade de que teremos mais
um filho.

Ao entrar na sala, e devo dizer que minha garota está corada e com a
expressão de culpa por ter feito a festa enquanto a filha estava na escola e a babá
no supermercado, encontramos a Tatá toda serelepe, contando para a mulher
sobre seu dia de aula na escolinha. Assim que nos vê, ela para de falar, corre em

minha direção e se joga nos meus braços. Eu aproveito para beijar seu rostinho e

fazer cócegas na sua barriga.

— Por que o senhor está aqui, papai? E a senhora também, mamãe?

— Sua mãe ficou dodói, mas dei o remédio que ela precisava e a
princesa já está curada. — Estou tão feliz que não me importo de usar palavras

de duplo sentido na frente de uma criança, que não entendera nada, e da sua

babá, que entenderá tudo.

— Por que a senhora ficou dodói? — ela faz a pergunta, eu olho para

minha garota e ela acena com a cabeça, dizendo claramente que estou livre para
falar o que quiser.

— Preciso que você e a Nica se sentem no sofá. Sua mamãe e eu

temos uma notícia para dar.

— Eba! — a criança comemora, presumindo com sua inocência que

será uma boa notícia.

Felizmente, é uma notícia maravilhosa.

Ao sentar-se no sofá ao lado da babá, a pequena fica nos olhando

com curiosidade e balançando as perninhas. Também é um sinal da ansiedade


para ouvir a tal notícia.
— Papai, o senhor finalmente vai dar o presente que te pedi?

— Presente? — Pela surpresa da Maria, nossa filha não tem pedido


um irmãozinho com tanta frequência. Não como pede para mim.

— Sim, mamãe. Pedi um irmãozinho ou uma irmãzinha e o papai


disse prometeu que daria — a garota me entrega e Maria me olha com o cenho

franzido.

Pois é, apesar da reação inicial, eu havia feito uma promessa para a

minha filha e geralmente cumpro com a minha palavra. No fundo, mesmo que

não soubesse quando ou como aconteceria, considerando os meus receios, já

havia pensado na hipótese de ter outro bebê com minha garota no futuro.

— Então, papai. O meu irmãozinho está chegando?

— Sim, meu amor. A sua mãe está grávida e seu irmãozinho estará

com você daqui alguns meses.

Quando confirmo o que ela mais queria ouvir, minha filha levanta-se

do sofá, sai saltitando e repetindo sem parar que ganhará um irmãozinho. Depois
ela vem até mim e sua mãe para nos abraçar. Em seguida, faz o mesmo com a

Nica e a chama para irem até o quarto. A criança quer ligar para suas amigas e
contar a novidade. Antes de ir atrás da Tatá, a mulher nos parabeniza e diz que

ficará muito feliz por ter um bebê na casa. Ela ama a minha princesa e tenho
certeza de que sentirá o mesmo pelo seu irmão.
— Só voltei para o Brasil porque o meu trabalho me obrigou. De
repente me vejo apaixonada pelo pai da minha filha e grávida de um segundo

filho. A vida pode surpreender e você me faz feliz, Daniel.

— Você me faz viver, Maria Botelho — devolvo a declaração ao

abraçá-la e beijar sua boca no meio da nossa sala.

Neste momento, tenho certeza de que não importa as decisões que


tenhamos que tomar e não importa para onde iremos, pois desde que estejamos

juntos, nós dois ficaremos bem. Eu ficarei bem, desde que tenha a minha família,

sobretudo o meu amor, a irmã do meu melhor amigo que chegou como uma

desconhecida em um bar e mudou a minha vida quando eu já não tinha mais

esperanças.


CAPÍTULO 20

DANIEL
— Hum... — Seu gemido já é tão conhecido por mim que vem a

sensação de que nunca existiu uma manhã sem que eu tenha o ouvido.

Com meu peito contra suas costas e uma das mãos entre suas pernas,
os meus dedos estão trabalhando no sexo despido, porque minha garota perfeita

dispensa calcinhas todas as noites quando se deita nos meus braços. E depois que

Maria começou a dormir na minha cama, os pesadelos nunca mais me

atormentaram e as noites de sono são tranquilas.

A ausência de pesadelos e o fato de os sentimentos de perda e culpa


estarem cada dia mais suaves são a prova de que eu era o único a criar monstros

na minha própria mente. Eu era o único que em vez de deixar a memória da

minha família descansar, os prendia aqui comigo no meu luto sem fim. Digo a
mim mesmo, e tem sido cada dia mais fácil acreditar que, seja onde estiverem,
Karen e o nosso filho não estão tristes ou me culpando por eu estar seguindo em

frente. Na verdade, depois que tirei a venda dos meus olhos e comecei a deixar
que o amor me transformasse, passei a entender que eles iriam querer que eu

fosse feliz.
Pelo filho que não cheguei a conhecer, pelo meu primeiro amor e
principalmente por mim, venho experimentando a sensação de renascimento ao

lado da família que estou construindo. Ao lado dessa mulher maravilhosa que

me amou e foi compreensiva até quando eu não mereci, descobri o verdadeiro


significado de pertencer. Pertencer a mim mesmo, pertencer a um lugar e

pertencer a alguns amores.

É justamente porque Maria e eu nos pertencemos que sinto a


necessidade de acordar todos os dias a tocando, adorando seu corpo e dando

prazer de todas as formas que conheço para provar que ela é real e a tenho para

mim, ou apenas porque minha mulher é irresistível e não consigo passar muito

tempo longe do seu cheiro e calor.

Maria é como uma droga, é um vício sem cura. Sou dependente


dessa mulher desde o dia em que voltei a vê-la e não quero jamais me livrar

desta condição. Há dois dias descobrimos que seremos pais e há dois dias não

consigo tirar o sorriso do meu rosto.

— Hum... — ela geme outra vez, agora mais alto ao sentir-me

enfiando os dedos entre os seus lábios vaginais. Já estou há um tempo a


estimulando e deixando molhada, porque minha mulher é extremamente sensível

ao meu toque, mesmo quando está dormindo.

Tão sensível que está gozando agora mesmo com o rosto enfiado no

colchão da cama para não gritar alto demais. Maria fica escandalosa no auge do
prazer, mas não se esquece de que é mãe nem nesses momentos e sempre se

preocupa em não deixar que a nossa filha nos ouça. Os músculos da sua boceta

se contraem ao redor dos meus dedos e eu continuo tirando e colocando

lentamente, enquanto seu corpo sofre com espasmos. Só a liberto quando seu
corpo se acalma e ela deixa escapar um suspiro de contentamento.

Viciado no seu sabor e em tudo a seu respeito, levo os dedos até a

boca e os chupo para sentir o gosto na minha língua. O gesto faz com que meu
pau que já estava duro se contraia e lute para escapar da calça moletom e ir

direto para a bocetinha viciante. Por mais que eu queira comer a minha mulher

como a primeira refeição do dia, sei que infelizmente não pode ser assim e que a

garota perfeita ficaria estressada se as coisas saíssem minimamente do seu

controle. Sobretudo, hoje.

Meio dormindo e meio acordada, Maria joga os quadris para trás e

começa a esfregar a bunda contra o meu pau. Mesmo sedento para aproveitar o

presente, firmo seu quadril para que não o mova mais. Antes de agir como um

adulto responsável, abaixo a cabeça, afasto os fios dos seus cabelos castanhos do
pescoço e dou uma mordidinha na carne macia e sempre cheirosa.

— Bom dia, amor.

— Tenho certeza de que você pode pensar em uma maneira melhor


de dar bom dia para sua mulher.

— Você acabou de gozar, Maria.


— Eu quero mais.

— Eu também gostaria de passar o dia inteiro enfiado na sua boceta,


mas o dever nos chama e você está quase atrasado para o astro do rock.

Assim que menciono o idiota, minha garota sai da cama pelada e


gostosa, pega o seu celular para checar as horas e depois o joga na cama. Mesmo

lamentando o fato de ela não poder mais ficar namorando comigo, sinto orgulho
por Maria levar o seu trabalho tão a sério. Ela é uma mulher foda que comanda

um bando de machos que não devem nem mesmo saber como vestirem suas

próprias cuecas. Embora me sinta um pouco encimado por serem homens, o

orgulho é maior.

— Se eu não correr, me atrasarei.

— Eu sei, baixinha. Se não fosse o caso, eu estaria te comendo e

você estaria gritando o meu nome enquanto pedia por mais — minhas palavras

fazem as pupilas dos seus olhos dilatarem de desejo, então ela olha do celular
para mim algumas vezes, dividida entre mim e sua responsabilidade.

Minha mulher gosta de sexo, mas ela fica particularmente fogosa


pela manhã. Segundo suas palavras, o dia só começa e termina bem quando faz

sexo comigo ao acordar. Não posso negar que comecei a pensar da mesma
forma.

— A gente pode fazer isso no chuveiro — fala, e não precisa de mais


nada para que eu também pule da cama e a siga até o banheiro.

Depois do sexo no banho, que realmente a faz ficar atrasada, Maria e


eu nos arrumamos e tomamos um café rápido com a nossa filha e sua babá.

Mesmo com nossos horários um pouco confusos, nos esforçamos para sempre

passarmos um tempo com a nossa filha. As refeições estão fora de negociação e


quando um de nós dois não pode estar com ela, o outro fica para compensar.

Minha garota ainda tem o carro do irmão, mas faço questão de a

levar até o ginásio onde haverá o show de encerramento da turnê nacional do

astro do rock. Depois de despedir-me com um beijo longo, vou até o restaurante

e só fico tempo suficiente para resolver os últimos detalhes para finalmente

deixar os responsáveis por essa unidade darem seus primeiros passos sem a

minha supervisão.

O processo é sempre o mesmo, apesar de eu sentir que esse é mais

especial por estar localizado na cidade onde conheci, reencontrei e amei a

mulher da minha vida. Eu poderia ficar e comandar a cozinha, mas tenho outros
planos para o futuro que talvez se realizem em um lugar distante daqui.

Embora tenha dito para Maria que não iremos nos separar e que

minhas palavras tenham a feito relaxar quanto ao futuro, nenhuma das duas
vezes em que tentamos conversar a respeito de onde devemos morar nos levou a
um entendimento pacífico. Eu moro no Espírito Santo e ela nos Estados Unidos,

um de nós dois precisa ceder e mudar todo o percurso da sua vida em nome do
relacionamento e sei exatamente o que fazer.

Ela não sabe, mas está prestes a ter uma surpresa da qual jamais se
esquecerá. É algo que nunca havia passado pela minha cabeça e que nem

combina com a minha personalidade, mas o meu plano, que já foi combinado

com as pessoas que são importantes para nós dois, é apenas uma pequena
amostra do que seria capaz de fazer pela mulher que amo.

MARIA
Literalmente espiando por trás da cortina, sinto-me emocionada e

com a sensação de dever cumprido, enquanto o astro do rock termina de cantar a


sua última canção para um público com mais de quinze mil pessoas. Fizemos

isso muitas vezes, mas se o fato de a turnê está acontecendo no meu país não

fosse o suficiente para a tornar especial, seria porque desta vez encontrei o amor

da minha vida.

Em questão de semanas, a minha vida mudou completamente e eu


não poderia estar mais grata pelo trabalho que me trouxe até aqui.

Apesar de o fechamento desse ciclo ter me causado apreensão


durante vários dias, a promessa que o Daniel fez de que ficaremos juntos

acalmou o meu coração e sei que posso confiar nele. Por sua causa, tudo o que
sinto agora é gratidão, felicidade e orgulho do trabalho que a equipe do Calvin e
eu fizemos. Apenas sentimentos bons, porque o fim da turnê não é o fim da
minha história de amor com o pai da minha filha. O fim da turnê não é o fim da
família que estou construindo.

A parte de agradecimentos que o Derek faz é sempre a minha deixa

para arrumar um jeito de sair do palco e descansar, mas desta vez ele me

surpreende ao citar o meu nome e sobrenome para milhares de pessoas. Com o


coração aos pulos, fico atenta e ouvindo o que Calvin aprontará.

— Gostaria de agradecer a minha assessora e melhor amiga, Maria

Botelho. O show não seria tão especial se não fosse por ela e seu

profissionalismo. Apareça, querida. Sei que você está atrás da cortina — o

comentário final faz a plateia gritar e sorrir.

Acanhada, embora eu não seja uma pessoa tímida, dou passos


incertos até postar-me ao seu lado, enquanto o fuzilo com o olhar e faço

promessas de retaliação. Eu não estou nem mesmo vestida de forma apropriada

para ser vista por quinze mil pessoas.

— Ela é linda, não é? Mas podem tirar os olhos, porque essa garota

gostosa tem namorado — fala, as pessoas gritam ainda mais. Outras fazem sons
de vaias lamentando a informação.

O que ele está fazendo?

— Sei que eu não costumo demonstrar isso, mas você é uma das
pessoas mais importantes da minha vida. Estou feliz pela sua felicidade e pela
nova fase que está começando ao lado da sua família. Espero ser convidado para
ser padrinho do bebê e do casamento.

Talvez seja a gravidez, mas o seu reconhecimento, sendo falado para

milhares de pessoas, emociona-me e deixa meus olhos marejados. Fico feliz de

saber que Calvin reconhece o meu trabalho não só como profissional, mas todo o
cuidado como uma amiga que quer o seu bem.

Ele entrega o microfone na minha mão para que eu diga alguma

coisa, mas estou um pouco sem reação e só consigo balançar a cabeça para cima

e para baixo, acenando positivamente.

— Agora, gostaria de chamar ao palco o sortudo que conquistou essa

mulher maravilhosa. Com vocês, o nosso famoso chef de cozinha e homem


apaixonado: Daniel Fonseca.

Surpresa, olho para o lado e fico tentada a me beliscar para ter

certeza de que não estou sonhando quando vejo o amor da minha vida vestindo
terno e calça preta enquanto se aproxima de mim. Daniel está sorrindo, um

sorriso tão lindo que nunca deveria deixar o seu rosto. Quando para na minha
frente, ele abaixa a cabeça, segura o meu queixo e beija os meus lábios de leve.

O público presente que assiste pelo telão começa a gritar e eu fico morrendo de
vergonha, embora o coração esteja explodindo de felicidade e orgulho. Orgulho
porque esse homem é meu.

— Olá, meu amor — Daniel sussurra no meu ouvido.


— Por que você está aqui?

— Você já vai saber. — É a única resposta que tenho.

— Galera, fui informado de que o nosso homem romântico tem algo

a dizer para sua amada. Vocês querem ouvir? — Calvin incita o público, que
grita ainda mais.

Depois ele entrega o microfone nas mãos do meu namorado. Daniel

entrelaça os nossos dedos e me puxa mais para o centro do palco. Antes de falar

qualquer coisa, meu homem aponta o dedo para frente e eu me surpreendo mais

uma vez quando vejo os meus pais e o meu irmão segurando minha filha bem na

frente do palco. Minha amiga Mila e as outras pessoas da equipe com quem

convivo há anos também estão perto da minha família. Não entendo o que todos
estão fazendo aqui.

Quando volto minha atenção para o homem da minha vida, ele me

encara com olhos tão cheios de amor e devoção que todo o resto desaparece. Nós
somos as duas únicas pessoas que existem no mundo neste momento.

— Eu poderia ter feito isso de diversas maneiras possíveis,


principalmente estando só nós dois e nossa filha na intimidade do nosso lar. Mas

depois de tanto me esconder e de negar a mim mesmo o que eu precisava, decidi


que seria na frente da nossa família, mas também de milhares de pessoas para

que mais gente testemunhe o que direi agora.


Ele está apenas começando e eu ainda nem sei do que se trata, mas
só o seu gesto de vir até aqui para tanta gente, quando sei perfeitamente que

prefere ser reservado, é uma grande prova de amor.

— Eu te amo e sei que uma eternidade ao seu lado não será o

suficiente para alimentar a minha necessidade de você. Eu não preciso dizer tudo
o que fez por mim, mas você sabe do que estou falando, não sabe? — Balanço a

cabeça confirmando que sim. — Ainda assim, farei um breve resumo para que
os nossos ouvintes entendam. Você me deu tudo quando eu não tinha nada. Deu

esperança, deu forças e me deu uma filha linda. Todos os dias você me dá sexo

gostoso e de ótima qualidade — o último comentário arranca gargalhadas, eu

olho para os meus pais lá embaixo e sinto meu rosto ficando corado. — Por tudo

isso e por te amar como louco, estou me entregando por inteiro a você, Maria

Botelho. Não importa para onde vá, porque irei junto. O meu lar sempre será

onde você estiver.

Meu Deus! Esse homem vai me matar.

As lágrimas de alegria estão rolando pelo meu rosto quando o meu

amor se ajoelha no palco, pega o anel de brilhante no seu bolso e o estende em


minha direção. Para evitar que minhas lágrimas se tornem ruidosas, coloco uma

das mãos na boca e a cubro. Isso só pode ser um sonho muito bom. Logo
acordarei e descobrirei que inventei uma realidade paralela perfeita.

— Case-se comigo, minha garota perfeita. Torne-se a minha mulher


em todos os sentidos da palavra e me leve com você para qualquer lugar. Apenas

diga sim.

É um sonho, com certeza é um sonho.

Eu devo ter ficado pelo menos um minuto inteiro em choque, sem


dizer uma palavra e chorando. O meu homem permanece ajoelhado e a plateia

está em silêncio, cheia de expectativa pela resposta.

— Amor...

— Sim — digo em um fio de voz. Talvez tenha falado baixo demais

e ele não ouviu. Então, quando Daniel volta a ficar em pé, pego o microfone de
sua mão e grito a plenos pulmões.

— Sim! — o grito faz as pessoas gritarem enlouquecidas. Deixo que


o meu homem coloque o anel de brilhante no meu dedo, então me jogo nos seus

braços para que me beije do jeito que só ele sabe.

Felizes e excitados, Daniel e eu esquecemos de onde estamos e

aprofundamos o beijo quando enrolo minhas pernas nos seus quadris. Agora só
quero o beijar, e beijar um pouco mais até não conseguir mais fazer isso. Preciso

o beijar para agradecer por ser esse homem perfeito, por me amar e me deixar o
amar. Se não fossem os motivos anteriores, beijaria porque seu beijo é a melhor

coisa do mundo. Quero o beijar para sempre por ter me pedido em casamento e
tornado meu sonho realidade.
O casamento nunca foi uma prioridade para mim, mas tornou-se
quando me descobri apaixonada por esse homem. Posso ser muitas versões de

mim mesma e me orgulhar de cada uma das minhas conquistas, mas nada se

compara a ser esposa de Daniel Fonseca e mãe dos seus filhos. Essa é a vida que
quero para mim.

— Acho que está na hora do casal encontrar um quarto — Calvin

fala no microfone, e Daniel e eu sorrimos contra a boca um do outro.

Ignorando todo o resto, corremos de mãos dadas para fora do palco e

nos agarramos assim que ele encontra a primeira parede escura. Cheios de calor

e de um amor que parece estar transbordando neste momento, nos beijamos com

fome e até um pouco de violência por vários minutos. Só paramos quando

ficamos perto de tirarmos nossas roupas para transarmos aqui mesmo.

Quando Daniel separa a boca da minha, encaramo-nos longamente e

sorrimos como dois bobos. Por mais que ele tenha se casado e amado antes, essa

é a minha primeira vez, então me sinto como uma adolescente aos vinte e cinco.

— Eu não acredito que você fez isso.

— Faria qualquer coisa por você — Daniel declara, ainda me

segurando com firmeza contra o seu corpo.

— Falou sério quando disse que iria comigo para qualquer lugar? —
Daniel confirma em um gesto com a cabeça. — E se eu decidir continuar minha
vida nos Estados Unidos?

— Então farei as minhas malas e irei com você. Eu só quero estar


com você, meu amor. Posso refazer a minha vida em qualquer lugar e não

sentirei falta de nada, desde que esteja com a minha família.

— Amo você — declaro.

— Você é o meu coração — devolve e me beija mais uma vez. Então

entrelaçamos os nossos dedos e descemos do palco para comemorarmos com os

nossos amigos e minha família.

Enquanto somos parabenizados e abraçados, permito que meus


pensamentos me levem para alguns anos atrás e me lembro do dia em que

abordei um estranho em um bar. Sem perceber, determinei o meu destino e não

poderia ser mais grata por ter sido tão louca naquela noite. Poderia ter sido o

meu pior erro, mas foi o maior acerto da minha vida.

Um horizonte de possibilidades acabou de se abrir diante dos meus


olhos e a única certeza que tenho é de que serei feliz. Haverá momentos

desafiadores, mas ficarei bem, porque encontrei um homem que, assim como eu,
está disposto a sempre lutar pelo amor. Daniel renasceu bem diante dos meus

olhos e eu estava por perto para o amar. Sempre estarei, assim como acredito que
ele sempre estará perto de mim, independentemente de onde estivermos.




CAPÍTULO 21

DANIEL
WASHINGTON – ESTADOS UNIDOS

ALGUNS MESES DEPOIS

— Tem certeza de que você está bem? — ouço a voz da minha sogra.

Ela está sentada ao meu lado em um banco na sala de espera da maternidade.

A minha esposa está na sala de parto dando à luz a nossa filha e eu

fui incapaz de ficar com ela. Maria precisava que eu segurasse a sua mão, no
entanto estou aqui, sendo consolado enquanto sinto medo e temo o momento em

que o médico virá para dar uma má notícia.

— Eu estou bem. Só preciso de notícias da minha mulher e da minha

filha.

— Se acalme, filho. Em breve você terá uma ótima surpresa e será

liberado para conhecer a minha netinha.

A mãe da Maria veio do Brasil para ajudar minha esposa nas últimas
semanas antes do nascimento da neta e agora ela é a única pessoa que permito ao

meu lado para dar-me um pouco de conforto, embora eu esteja alheio a sua
presença quase cem por cento do tempo.

Apesar de o amor ter me mudado, há feridas difíceis de serem


curadas e nunca estive enganado quanto ao que sentiria quando esse momento

chegasse. Mesmo enquanto me sinto tomado pelo medo, ainda me agarro a fé e

digo a mim mesmo que minha mulher está bem, que ela e nossa filha ficarão
bem.

Depois que fiz o pedido de casamento e a turnê do Calvin Derek

terminou, Maria e eu conversamos e decidimos que moraríamos aqui nos

Estados Unidos, onde ela tem uma carreira estabelecida e da qual não gostaria de

abrir mão. Para mim não foi difícil, porque poderia fazer o meu trabalho e

supervisionar todos os meus restaurantes de longe.

Um mês depois, após uma visita ao Espírito Santo para que os meus

pais conhecessem minha mulher e minha filha, mudei de país com as mulheres

da minha vida. Ficamos alguns dias no seu apartamento, mas começamos a

procurar uma casa maior imediatamente. Dois meses depois mudamos para um
condomínio familiar e seguro.

O fato de estar com a minha família fez com que eu me acostumasse

muito rapidamente com o novo país e não senti falta de estar em outro lugar.
Assim que nos estabelecemos na casa nova, minha noiva voltou a dedicar-se ao
seu trabalho como assessora de imprensa, mas antes teve uma conversa com o

Calvin e falou sobre as muitas responsabilidades que estavam a sobrecarregando.


Como a adora e é justo, ele remediou a situação rapidamente e minha garota

perfeita passou a ter mais tempo para ela, para mim e para nossa filha.

Apesar das mudanças no trabalho, da gravidez e de estar adaptando-

se a uma casa nova, Maria manteve a calma e tirou tudo de letra, simplesmente

porque ela é assim: competente, corajosa e muito disposta. Além de tudo, ela
passou os primeiros quatro meses da nossa chegada preparando o casamento.

Estive ao seu lado o tempo todo, sempre ajudando e lembrando de que não
precisa tentar agarrar o mundo inteiro com as mãos.

Se o amor da minha vida me fez renascer, eu ensinei Maria a relaxar

e a delegar tarefas para ter mais tempo de ser feliz.

Com uma cerimônia no campo, Maria e eu nos casamos numa bela


manhã de domingo. Ela conseguiu o lugar com o chefe e eu cuidei da recepção

fornecendo o buffet e todo o resto. Com seu vestido branco e uma tiara de flores

na cabeça, minha garota perfeita estava tão bonita que parecia um anjo. A nossa

filha entrou como uma princesa segurando as alianças e roubou a cena para si
quando beijou a barriga da mãe, antes de correr para os braços da avó paterna.

Dizer sim diante de um padre para a mulher que eu amo foi uma das

coisas mais acertadas que já fiz e todos os dias tenho provas disso. Depois da
cerimônia, os convidados participaram de uma recepção que durou até o início
da noite, mas sequestrei a minha esposa no meio da tarde e fizemos o nosso

primeiro sexo como marido e mulher em casa. No dia seguinte, partimos para
uma viagem de lua de mel e deixamos a nossa filha com a minha mãe, que ainda

ficaria no país por algumas semanas.

Mesmo com a barriga protuberante por causa da gravidez, minha

esposa estava disposta como sempre e acredito que nunca fizemos tanto sexo

quanto naqueles dias. Ela adora transar e a gravidez a deixou ainda mais
insaciável. Mas nossa lua de mel, infelizmente, não se resumiu a sexo e levei

minha esposa para fazer passeios nos pontos turísticos na bela cidade de Veneza
na Itália. Ela comeu sem culpa e não permiti que tivesse neuras com seu peso. A

convenci de que sempre será linda e Maria relaxou.

Quando voltamos, nossas vidas continuaram da melhor forma

possível. Estabelecemos uma rotina adequada e gostosa, mas também

começamos a entender que o casamento não era apenas flores. Tivemos


pequenos desentendimentos, como qualquer casal, mas resolvemos as nossas

diferenças com conversas e na cama com muita foda suado de reconciliação.

A nossa filha ficou ansiosa pela chegada do irmão durante toda a


gravidez. Junto com a Nica, ela ajudou em cada detalhe da montagem do quarto

da minha mais nova princesa e hoje foi difícil a convencer de que não poderia
vir com a gente para o hospital.

Agora Tatá está em casa com a babá, provavelmente esperando


ansiosa pela nossa chegada. Ela sabia que o parto seria hoje e por isso tive

dificuldade para a fazer dormir ontem à noite.


— Daniel Fonseca. — A voz da médica me faz voltar para a
realidade e levantar-me do banco no mesmo instante. Com o coração apertado no

peito, aproximo-me da mulher e espero pela notícia.

— E então, como elas estão? — pergunto, antes que a mulher abra a

boca.

É impressionante como parece que passa uma eternidade até que


diga algo. Dá tempo de eu morrer e ressuscitar mil vezes.

— A sua esposa está bem e sua filha nasceu forte e linda.

Os meus olhos enchem-se de lágrimas, o nó na minha garganta


afrouxa e o aperto no coração se desfaz. Eu não poderia explicar o alívio e a

alegria que estou sentindo agora.

— Você está falando a verdade?

— As enfermeiras levaram sua filha para ser limpa, mas sua esposa
acabou de ir para a sala de recuperação. Se quiser, pode constatar com seus

próprios olhos.

Eu não espero mais nenhuma palavra para correr até o meu amor.
Quando abro a porta do quarto, sou recebido pela minha esposa sentada e ela
sorri imediatamente quando me vê. Maria parece tão linda e forte que não me

seguro e deixo as lágrimas romperem desta vez.

Ao aproximar-se, sento-me ao seu lado e a abraço apertado, com


vontade de nunca mais a deixar ir. Assim que me afasto, beijo os seus lábios
diversas vezes, com selinhos carinhosos que falam mais do que mil palavras

poderiam dizer. Ainda assim, preciso que Maria saiba de tudo. Maria não faz

ideia, e acredito que nunca saberá o quanto o nosso amor realmente me faz bem.

— Obrigado, meu amor. Obrigado por ainda estar aqui e por não ter
me deixado. Eu não sei o que seria de mim se...

— Eu nunca te deixarei, marido — declara, parecendo mais linda do

que nunca. — Não tenha mais medo.

— Não terei, garota perfeita — afirmo, e o meu coração fica leve

quando minha mulher beija meu rosto com carinho para secar os rastros de

lágrimas.

Ela é perfeita para mim. Onde sou fraco, Maria é forte. O que falta

em mim, nela tem de sobra e assim nos completamos.

Alguns minutos depois, a enfermeira traz um pacotinho rosa em seus


braços. Sou tomado pela felicidade e pela certeza de que não sairei daqui com as

mãos vazias desta vez. O final será diferente, porque a vida me deu uma segunda
chance.

A enfermeira se aproxima da minha esposa com a intenção de

colocar a nossa filha nos seus braços, mas ela pede que a entregue para mim.

Quando olho sem entender nada, Maria apenas balança a cabeça e


sorri. Ela me conhece e sabe que preciso ter esse momento com a nossa menina.
O momento que significa mais para mim do que outras pessoas poderiam

entender. Maria é a única que sabe.

Pegar o meu pacotinho rosa nos braços é como segurar a vida com

minhas próprias mãos. Mia acabou de nascer, mas seu tom de pele e a cor dos
seus cabelos me fazem pensar que ela se parecerá com a mãe. Será tão linda

quanto. Meu peito se enche com um amor tão profundo que poderia transbordar.
Quando penso que já não dá mais, sempre encontro espaço para amar mais e

mais, porque a minha capacidade de sentir, que antes era inexistente, tornou-se

infinita.

— O seu pai estava te esperando, Mia. Você tem uma família que te

ama e te protegerá — declaro bem baixinho para os seus olhos fechados. Fico
curioso quando sua boquinha começa a fazer movimentos de sucção e minha

mulher explica que a bebê está com fome.

Quando a coloco nos braços da mãe e Maria começa a amamentar,


simplesmente não consigo desviar o olhar. A cena é perfeita e deveria ser

eternizada.

— Será que os olhos dela serão como os seus?

— Prefiro que sejam como os seus. Tammy já é a minha cópia —

brinco.
— Podemos tentar um menino se a Mia ficar parecida com você.
Tenho certeza de que o menino se parecerá comigo.

— Você quer mais um? — questiono.

— Talvez eu queira no futuro.

— Então você terá — declaro, porque tudo o que senti enquanto


esperava valeu a pena pela plenitude que estou vivendo agora. — Se você quiser,

colocarei o mundo aos seus pés, Maria.

— Colocou o mundo aos meus pés quando me deu você. O meu

mundo é você — declara, eu me aproximo e a beijo.

Como não poderia deixar de ser, Tatá faz a festa por causa da
irmãzinha quando voltamos para casa. Ela começa a seguir a mãe e insiste até

conseguir segurar Mia. Enquanto ela balança a recém-nascida em seus braços


sentada no sofá, minha mulher e eu ficamos parados lado a lado e observando a
cena como dois bobos.

As duas são nossas filhas. Essa é a família que construímos com o


nosso amor que parecia imprevisível, mas que se tornou forte e maior do que

tudo.

Pelas três mulheres da minha vida, quero me tornar um homem

muito melhor do que a minha melhor versão todos os dias.


EPÍLOGO

MARIA
TRÊS ANOS DEPOIS

Apesar de cheio, tenho a sensação de que o lugar não poderia estar

mais vazio e silencioso. Como faço todas as vezes em que saio para me divertir,
sento-me encostada no balcão do bar e peço uma bebida. Estou sozinha e preciso

estar para que o meu propósito seja cumprido.

— Aqui está sua cerveja — diz o barman ao colocar um copo com

bebida na minha frente.

— Obrigada, Ryan — agradeço, depois de ler seu nome no crachá

preso na camisa.

O rapaz está me olhando com curiosidade desde a hora em que


cheguei, mas é somente porque ele não conseguiu enxergar a aliança enorme no

meu dedo. Ele não conseguiria de qualquer forma, considerando que estou com a
mão esquerda escondida no meu colo. Mas o cara não me interessa de qualquer
forma. Na verdade, nenhum homem que está aqui me interessa.

Nenhum além dele...


Eu estava distraída, mas fico em estado de alerta quando uma
presença faz os pelinhos da minha nuca se arrepiarem. Sem pedir licença ou

dizer uma palavra, um homem se senta ao meu lado. Ele está muito próximo e eu

sei que se trata de uma pessoa do sexo masculino por causa do cheiro do seu
perfume gostoso e requintado. A minha cabeça está abaixada enquanto brinco

com o canudo da minha bebida, mas minha boceta se aperta pela presença

poderosa e que não pode ser ignorada.

Como lembro-me de ter acontecido há alguns anos, sinto um desejo

irresistível de ser ousada e o agarrar em minhas mãos para nunca mais deixar

escapar. Porra! Essa situação está me deixando com tesão. Saber qual será o

desfecho depois de ter a vivenciado tantas vezes me deixa tão sensível que eu

poderia dar para ele agora mesmo. Mas preciso seguir o script, não é?

Quando levanto a cabeça e olho para o lado com a intenção de

encarar o homem que agora me faz companhia, deparo-me com uma beleza de

tirar o fôlego e olhos castanhos esverdeados que poderiam me consumir sem me

tocar.

Sem conseguir me conter, saio do meu lugar, chego bem pertinho do


homem gostoso e bonito de arder os olhos e me coloco entre suas pernas. Ele

não se move, não me toca e não diz uma palavra. Apenas me olha com desejo
voraz e faz ameaças implícitas de que acabará comigo quando me pegar.

Preciso que Daniel faça isso, porque a rotina, os anos de casamento,


duas filhas e os nossos trabalhos não foram capazes de diminuírem o desejo e o

amor maduro e inabalável que sentimos um pelo outro. De vez em quando, meu

marido e eu saímos como dois jovens despreocupados e recriamos situações

parecidas com a do dia em que nos conhecemos, embora ele não estivesse feliz
na época.

Nas nossas cenas não somos nós mesmos, apesar de a paixão e o

sexo no final da noite serem. Quando voltamos para casa somos profissionais de
sucesso, pais amorosos e responsáveis, mas aqui somos apenas Maria e Daniel:

despreocupados e em busca de diversão para adultos.

— Você está aqui sozinho? — questiono, fazendo uma voz sedutora

ao passar as minhas unhas pela sua nuca, que se arrepia debaixo dos meus dedos.

Estamos sendo vistos pelo barman e algumas pessoas à nossa volta.

Tenho certeza de que a tensão sexual está deixando algumas calcinhas molhadas

e alguns homens duros.

— Agora não estou mais — declara, então deixa que suas mãos

deslizem para minha bunda e apertem os lados com firmeza, fazendo com que o
meu sexo pressione o seu.

— E se a gente fosse para um lugar mais reservado? — Indago. Sei


que o nosso jogo de sedução deveria durar mais, mas sentir seu pau contra mim

me deixa molhada e não consigo mais esperar.


— Você nem me disse o seu nome — Daniel, o meu marido gostoso
fala.

— Não precisamos de nomes — devolvo. O homem cheiroso morde

o meu lábio inferior e mais uma vez esfrega minha boceta no seu pau.

Com intenções maldosas, fiz questão de vir com vestido e sem

calcinha. Tudo para facilitar o trabalho. Meu marido sabe disso, e embora uma
parte sua se sinta enciumada por imaginar que outros homens podem adivinhar

esse fato, sei que a maior parte se sente estimulada e excitada. O que importa se

outros desejarem se só ele pode me tocar?

— Você está certa garota. Para que nomes?

Ele segura minha mão e me leva para um dos corredores menos

iluminados e menos movimentados da casa de shows que escolhemos para hoje.

Nós nunca vamos para os mesmos lugares e isso torna nossas escapadas mais

excitantes. Fingimos nos encontrar em bares, quando na verdade saímos de casa


juntos e ficamos a viajem inteira nos beijando no carro de aplicativo.

Assim que encontra um lugar apropriado, meu homem me joga


contra a parede, posiciona-se na minha frente e me beija com tanta força que

chega a ser violento. Ele toma a minha língua de maneira incansável, aperta os
lados da minha bunda e se esfrega como se estivesse desesperado. Entregue,

gemo dentro da sua boca e me esfrego de volta.


— Esse lugar é reservado o suficiente para você?

— O suficiente para te deixar me comer aqui — afirmo, Daniel


rapidamente abre o zíper da calça, pega seu membro e mete todo na minha

boceta, que se ajusta ao seu tamanho com maior rapidez do que antes.

Ainda assim, arqueio as costas e ofego quando o sinto me deixando

cheia até o limite. Então meu marido começa a me penetrar com vigor, beijando-
me com amor e paixão. Mesmo criando as nossas fantasias, quando estamos

transando, fazendo amor ou nos beijando com ternura, sabemos quem somos e

dos sentimentos que nos unem.

— Porra! Você está cada dia mais gostosa, meu amor. Eu não me

canso de te comer.

— Eu não canso de dar para você, marido — declaro, com a cabeça

jogada para trás.

Quando Daniel começa a atacar o meu pescoço com mordidas e


chupadas, eu arranho suas costas por cima da camisa e me deixo ser fodida

contra a parede como uma vadia qualquer.

Mas sei que sou mãe de duas princesas e a esposa amada desse
homem perfeito.

— Eu te amo, caralho! Eu te amo. Eu te amo — repete ofegante e


sem parar contra o meu ouvido, possuindo-me por inteiro.
— Também te amo... — falo em um sussurro quando gozo com seu
pau profundamente em mim e uma mordida dolorosa no lóbulo da minha orelha.

Enquanto nossos corpos correm em direção ao prazer máximo de

orgasmos intensos, nos seguramos um no outro como se nossas vidas

dependessem disso. Eu me agarro ao Daniel e ele se agarra a mim, porque nós


realmente somos isso aqui: duas metades de um todo. Dois corações que se

completam e duas almas afins que estavam se buscando de forma incansável.

Seja como pais devotos de duas garotinhas, seja como profissionais

bem-sucedidos ou como amantes que se encontram em corredores escuros para

sexos tórridos, nós ainda somos aqueles que se amam todos os dias e que são

gratos pela vida e pelo presente que foi esse reencontro.

FIM

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SINOPSE

Criada por pais religiosos e ensinada a seguir regras rígidas, Amora

sente que não sabe quem é a pessoa que se tornou.

Quando faz dezenove anos e se muda para outro estado, a garota

conhece a liberdade do mundo cheio de pecados, sensações e tentações que uma

alma sedenta não poderia resistir.

Tudo parece demasiadamente sufocante, até que dois homens entram

na sua vida. Hugo e Luca são como o sol e a lua, o fogo e o gelo, opostos que se

complementam de alguma forma. Opostos que seduzem os anseios do seu corpo,

alma e coração.

Amora não tinha nada e agora quer tudo, mas será que ela está pronta

para homens poderosos, misteriosos e possessivos como os primos Ferrari?

Desejada por eles é um romance quente entre dois homens e uma

jovem em processo de descoberta. Uma história de amor quente, cuja paixão


resiste aos limites impostos.

















SINOPSE
“Ele faz com que eu me sinta indefesa. Tudo nele me afasta. Tudo
me atrai”

Tendo nascido com um problema na perna que torna a sua vida mais

difícil, Sofia se vê obrigada a ir morar com a tia e as primas quando perde seu

pai, a única pessoa que a amava incondicionalmente.

Cheia de sonhos e ilusões, a garota de vinte e dois anos conhecerá


Donovan Magno, um homem frio e cruel, que é considerado o dono de toda a

região, inclusive das terras em que a sua tia mora.

Aos trinta e seis anos, depois de ter perdido a mulher de sua vida,

Donovan é incapaz de amar. Vive pela responsabilidade que tem com o filho de

um ano, embora não consiga deixar de o culpar pela morte da mãe. Ele terá todas
as suas certezas questionadas depois da chegada de Sofia à cidade. Ela é um

perigo para o seu coração, o faz desejar ser mais do que uma casca.

“Ela é a calmaria, eu sou a tempestade. Juntos, somos a ruína, mas


também a cura um do outro.”
























SINOPSE
Pode o amor causar dor?

Aos 19 anos, Ella leva uma vida simples e tranquila e o fato de viver

com tão pouco não é capaz de apagar o brilho no seu olhar, pois acredita que o

seu lugar é onde está o seu coração. Mas tudo muda depois da chegada de Diego
Estrada, filho do maior dono de terras da região, um homem frio e misterioso

que não faz questão de ser cordial com quem está à sua volta. Sua chegada do

transforma o mundo de Ella conhece e sua inocência deixa de existir.

O seu toque causa mácula, a sua voz provoca medo e,


principalmente, a sua alma e o seu olhar lhe despertam arrepios.

Aos 30 anos, Diego pensa ter perdido tudo, até mesmo um pouco da

sua humanidade, e voltar para o lugar do qual partiu tantos anos atrás lhe causa

muito mais do que incômodo. Quando ele conhece a bela e inocente Ella, a

bondade e a ingenuidade da moça provinciana perturbam-no e trazem à tona


desejos que há muito tempo estavam adormecidos.

Pode o amor curar?

Medo e dor. Paixão e erotismo, esta não é uma simples história de


amor.


SINOPSE
O que acontece depois do “felizes para sempre”?

Herdeiro de um império milionário, Antônio Orsini é um homem

que vive de aparências. Frio e atormentado por fantasmas do passado, ele espera

pelo dia em que sentirá que pertence a algum lugar, onde sua vida não será uma
mentira completa. Tudo muda quando se envolve com Beatriz, uma garota 20

anos mais jovem, inocente demais para um homem marcado como ele.

A paixão que os une é intensa. A dependência física e emocional que

um desenvolve pelo outro pode ser mais perigosa do que eles imaginam.

Eles são felizes por quase 1 ano, até que um terrível acidente muda o

rumo das suas vidas.

Uma gravidez inesperada.

Um homem cujas memórias recentes são completamente apagadas.

A descoberta de segredos que colocam em dúvida o amor que


parecia indestrutível.

Até que ponto vale a pena lutar por um amor perdido?



SINOPSE
Marina sempre viveu uma vida perfeita, cercada de luxos e mimos.
Até que, aos seus 17 anos, uma tragédia muda o rumo de sua vida: a perda de

seu pai, único parente vivo e pessoa que ela mais ama, deixando-a desamparada

e sozinha no mundo. E, para completar o pesadelo em que passa a viver, a garota


se vê obrigada a viver sob a tutela de Erick Estevan, melhor amigo de seu pai, de

quem guarda antigas e profundas mágoas.

Erick vê seu mundo inteiro virar do avesso com a chegada da filha

de seu falecido melhor amigo aos seus cuidados. Tendo sua vida inteira
planejada, a adição inesperada não seria um problema, se não fosse o doentio

desejo que sente pela garota que viu crescer.

Marina é agora uma linda e proibida mulher, que assombra seus

pensamentos e desperta sentimentos que o homem tanto luta para suprimir.

Na batalha entre obrigação e desejo, será a razão capaz de definir o


que é certo e errado?


SINOPSE
De uma família feliz e bem estruturada, Luana Aguiar viu o mundo

à sua volta desmoronar quando perdeu a mãe. A garota então ficou aos cuidados

do pai, um homem que não soube superar a perda da esposa e acabou se


entregando a vícios que seriam a sua ruína. Vícios que o levaram a colocá-la nas
mãos de Gabriel Souto, um homem impiedoso e sem coração, como muitos

dizem. A fama de Daniel Souto o precede e, sem que tenha escolha, a jovem se

vê presa ao seu mundo sombrio, cercada de mistérios e luxúria.

Gabriel Souto não pede, ele toma para si, esse é o seu lema de vida.

Não seria diferente quando o assunto é o seu desejo de arranjar uma esposa para

tornar-se um homem respeitado perante a alta sociedade, que não enxerga além
do que quer ver. A oportunidade surge quando o tolo Júlio Aguiar faz a pior

aposta da sua vida e entrega de bandeja exatamente o que ele estava procurando,

poupando-lhe o trabalho de ir à caça.

Uma relação nascida do ódio, um desejo que não pode ser reprimido
e um reencontro inesperado. Será que o amor conseguirá florescer em corações

tão inóspitos?


SOBRE A AUTORA

É maranhense de 29 anos, mora em Brasília, Distrito Federal. No seu


apartamento, ao lado dos pais e um sobrinho, mergulha no mundo da imaginação

escrevendo livros de romances eróticos, comédias românticas e dramas. Com

quase 3 anos de carreira, conta com 12 títulos lançados na Amazon e mais de 50

milhões de páginas lidas pelo Kindle. Títulos como O tutor, Vendida para

Gabriel e Marcada por mim tornaram-se Best-seller na Amazon.

Acompanhe mais informações sobre outros títulos da autora nas

redes sociais.

INSTAGRAM: https://bit.ly/autorajoanesilva

WATTPAD: https://bit.ly/joanesilva

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