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Para referência a este artigo, citar:

LOPES-ROSSI, Maria Aparecida Garcia Lopes Rossi. Pronomes oblíquos no português


do Brasil: gramática normativa e variações de uso. Taubaté: Universidade de Taubaté,
2006. Não publicado.
É proibida a reprodução deste artigo sem autorização da autora.

PRONOMES OBLÍQUOS NO PORTUGUÊS DO BRASIL:


GRAMÁTICA NORMATIVA E VARIAÇÕES DE USO

Maria Aparecida Garcia LOPES-ROSSI ∗


Universidade de Taubaté - UNITAU

0. Apresentação do artigo

Este artigo comenta as características dos pronomes oblíquos do português de acordo


com o uso prescrito pela gramática normativa e as características desses pronomes na fala
coloquial. Da comparação entre a gramática normativa e o uso popular é possível perceber
dificuldades e caminhos para o ensino e aprendizagem desse tópico gramatical numa concepção
descritiva e produtiva de ensino. Ficará claro pela leitura do texto que a gramática normativa
ignora que certas formas dos pronomes oblíquos estão fora de uso há décadas, que a língua
falada coloquial apresenta outra gramática com relação aos pronomes oblíquos e que a língua
escrita formal usada na imprensa brasileira determina um certo padrão formal culto que se impõe
com sucesso e não coincide exatamente com a norma padrão.
Dessa forma, a abordagem do assunto nas aulas de língua portuguesa exige do professor
um bom senso na reflexão sobre todas essas possibilidades e na seleção dos casos e das regras
que deve apresentar aos alunos, numa seqüência didática que parta dos casos mais freqüentes e
necessários à sua produção textual. Os exercícios aqui propostos sobre o assunto visam levar o
aluno a refletir sobre o uso e as possibilidades oferecidas pela língua nos níveis informal e
formal e a praticar o uso formal (padrão) da língua. São exercícios numa concepção descritiva e
produtiva de ensino, inicialmente, para depois chegarmos numa concepção normativo-
prescritiva. Ficam, assim, descartados desses exercícios iniciais de análise lingüística, como
propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN -, quaisquer exercícios que exijam apenas
conhecimento da metalinguagem gramatical, memorização ou preenchimento de lacunas, como:
Grife os pronomes oblíquos das frases abaixo; Complete corretamente com o pronome oblíquo.

1. Pronomes pessoais retos e oblíquos não reflexivos


1.1 Funções

Os pronomes pessoais retos (do caso reto) e oblíquos não reflexivos (do caso oblíquo) e
suas funções são apresentados no quadro a seguir, de acordo com a gramática normativa do

∗Doutora em Lingüística pela UNICAMP; Mestre em Lingüística Aplicada pela PUC/SP; Professora do
Programa de Mestrado em Lingüística Aplicada e do Departamento de Ciências Sociais e Letras da
Universidade de Taubaté - UNITAU. lopesrossi@uol.com.br
português. É necessário fazer referência aos pronomes pessoais retos para abordar o assunto dos
pronomes oblíquos porque, como será detalhado a seguir, na linguagem coloquial os pronomes
retos assumem o lugar dos oblíquos em muitos casos. Isso é um dos fatores de dificuldade para
o aprendizado da norma padrão dos pronomes oblíquos. Outro é uma estratégia de apagamento
do pronome pessoal reto, resultando num vazio na posição de objeto, que tem sido cada vez mais
freqüente no português brasileiro atual.
Esses aspectos de variação sociolingüística são muito fortes no português do Brasil, como
já demostraram várias pesquisas, entre elas Duarte (1985). Precisam, pois, ser considerados para
entendermos melhor a dificuldade de uso da norma padrão e as alternativas da fala coloquial
(popular).
Outra característica importante do português brasileiro é que o pronome você, definido
pela gramática normativa como pronome de tratamento, é usado como pronome pessoal reto há
muito tempo e também assume a posição de pronome oblíquo em alguns casos. Esse pronome,
no entanto, não aparece no quadro de pronomes pessoais apresentado pelas gramáticas. Para
completar essa situação de discrepância entre o que registra a gramática normativa e o que se usa
diariamente no português do Brasil, não podemos deixar de citar que sintagmas nominais como a
gente, o pessoal, a turma, a galera, entre outros, têm presença marcante na posição de
pronome pessoal reto e oblíquo para as 1a e 3a pessoas do plural.
Vejamos inicialmente o que diz a norma gramatical sobre o uso dos pronomes pessoais
oblíquos não reflexivos. Em seguida faremos considerações sobre as variantes populares para
esses casos. Nesta primeira parte do estudo, não faremos considerações sobre a colocação dos
pronomes em relação ao verbo (ênclise, próclise, mesóclise) porque as estratégias populares de
alternativas ao uso de pronomes oblíquos independem dessa posição do pronome. Interessa-
nos contrastar bem o sistema pronominal da norma padrão e os da fala coloquial.

1.2 Pronomes pessoais de acordo com a gramática normativa do português


Os pronomes pessoais têm a capacidade de identificar de forma pura a pessoa gramatical,
como comenta Neves (2000). Eles são os seguintes:

Pessoas gramaticais a que Pronomes pessoais retos Pronomes pessoais oblíquos não
se referem: reflexivos
(função interacional) função na oração: (função na oração)
1a - quem fala sujeito de verbos em objeto direto e indireto do verbo
a
2 - com quem se fala forma finita
3a - de quem se fala e também átonos tônicos
* complemento em clíticos ao V não clíticos ao V,
alguns casos usados com preposição

singular 1a pessoa eu me mim, comigo


2a pessoa tu te ti, contigo
3a pessoa ele, ela * o, a, lhe ele, ela
plural 1a pessoa nós * nos nós, conosco
2a pessoa vós * vos vós, convosco
3a pessoa eles, elas * os, as, lhes eles, elas

Quadro 1. Pronomes pessoais de acordo com a gramática normativa do português

* O pronome pessoal reto pode ser objeto direto quando:


a. antecedido de todos ou só ou seguido de mesmos, próprios, outros. Ex. Vimos todos eles ali.
b. seguido de um numeral. Ex.: Convidaram nós três.
c. precedido de preposição. Ex.: Orai por nós. Não há discordância entre elas.

2
Num esquema, a representação dessas funções dos pronomes pessoais numa frase canônica
do português brasileiro é:

Sujeito Objeto
Eu Me
Tu Te
Ele Verbo O, a, lhe
Nós Nos
Vós Vos
Eles Os, as, lhes

E por que um esquema aparentemente simples traria dificuldades para o uso?


Porque temos variações populares para esse paradigma de uso formal (padrão) dos pronomes
oblíquos. Observe as seguintes possibilidades de uso popular dos pronomes pessoais retos no
lugar de oblíquos.

Quando José estava brincando na praça,


Sujeito Pronome reto
oculto Verbo eu na rua.
viu você na rua.
(ele) ele na rua.
nós na rua. /a gente
vocês na rua.
eles na rua.

Além dessa possibilidade popular de usar o pronome pessoal reto, há outra, também
popular, de deixar um vazio na posição do objeto. Observe nos exemplos abaixo a norma padrão
e as duas possibilidades populares. O objeto vazio está representado por [ ]:
Todos lá em casa foram viajar nas férias, menos meu pai.
Eu cheguei primeiro e meu pai foi buscar-me na rodoviária. (norma padrão)
Eu cheguei primeiro e meu pai foi buscar eu na rodoviária. (popular)
... foi buscar [ ] na ... (popular)

Tu chegaste primeiro e meu pai foi buscar-te na rodoviária.


(na maior parte do Brasil não usamos o “tu”)

Você chegou depois e meu pai foi buscá-lo na rodoviária.


Você chegou depois e meu pai foi te buscar na rodoviária.
... foi buscar você...
... foi buscar [ ] na ...

Pedro chegou à noite e meu pai foi buscá-lo na rodoviária.


Pedro chegou à noite e meu pai foi buscar ele na rodoviária.
... foi buscar [ ] na ...

Eu e minha mãe chegamos primeiro e meu pai foi buscar-nos na rodoviária.


Eu e minha mãe chegamos primeiro e meu pai foi buscar nós na ...
... foi buscar [ ] na...
... foi buscar a gente na ...

3
Vós chegastes primeiro e meu pai foi buscar-vos na rodoviária.
(Na maior parte do Brasil não usamos o “vós”)

Vocês chegaram dois dias depois e meu pai foi buscá-los na rodoviária.
Vocês chegaram dois dias depois e meu pai foi buscar vocês na ...
... foi buscar [ ] na ...

Meus irmãos e minha irmã chegaram por último e meu pai foi buscá-los na rodoviária.
Meus irmãos chegaram por último e meu pai foi buscar eles na ...
... foi buscar [ ] na...

Podemos observar – ainda sem levar em consideração a posição em que se encontra o


pronome oblíquo – que as opções populares ao uso do pronome oblíquo átono recebem
apreciação diferente pelos falantes escolarizados. No caso dos exemplos acima temos:

Norma padrão Variantes populares


+ aceitação – aceitação

Meu pai foi buscar-me na... ... foi buscar [ ] na... ... foi buscar eu na....
Não o irrite. ... não irrite [ ] ... ... não irrite ele...
Não nos irrite. ... não irrite [ ] ... ... não irrite nós...
... não irrite nóis....

2 Dados de pesquisa sobre o uso do pronome oblíquo de terceira pessoa no português do


Brasil

Duarte (1989), em pesquisa sobre variação sociolingüística no uso de pronome clítico de


3ª pessoa com falantes de São Paulo, observou que na realização do objeto direto correferente com
um substantivo, o português brasileiro tende, com freqüência cada vez maior, a substituir o pronome
oblíquo átono de 3ª pessoa (o/a) pelo pronome pessoal do caso reto (ele/ela), por um substantivo,
ou por uma categoria vazia (objeto vazio, nulo, oculto). A autora só pesquisou os pronomes de 3a
pessoa (o, a, os, as) independentemente da posição que ocupavam nas frases analisadas – se são
enclíticos, proclíticos ou mesoclíticos não importa, foram todos denominados apenas "clíticos".
As possibilidades observadas nos dados são:

variável variantes
[clítico] Eu fui ao aeroporto buscá-lo. (padrão)
pronome pessoal [pron. reto] Eu fui ao aeroporto buscar ele. (popular)
oblíquo átono
de 3ª pessoa [substantivo] Eu fui ao aeroporto buscar o João.
(padrão)
[vazio] Ah, o João? Eu fui ao aeroporto
buscar [ ] (popular)

Um dos objetivos da pesquisa era buscar os contextos lingüísticos e extralingüísticos que


atuam na realização da variável. Os dados analisados foram: 1º corpus - 50 informantes divididos
por nível de escolaridade e faixa etária; 2º corpus - quatro horas de gravação de novelas e quatro
horas de gravação de entrevistas formais.
4
Cômputo geral das 1974 frases em que aparece uma das variantes do pronome pessoal
oblíquo de 3a pessoa, segundo as variantes:

Variante número de ocorrência %


clítico 97 4,9
pronome ele/ela 304 15,4
vazio 1235 62,6
substantivo 338 17,1

total 1974 100,0

Observa-se claramente pelo quadro acima que a fala não privilegia o clítico (o que vem
atestar o seu desaparecimento), mas evita o pronome lexical ou reto (ele/ela), preferindo os
substantivos e os vazios.

Os fatores de natureza lingüística que atuam na realização da variável também foram


observados na pesquisa. Um dos condicionamentos estudados pela autora foi o condicionamento
morfológico (tipo de verbo). Isso é interessante para nos mostrar os contextos em que o pronome
oblíquo da norma padrão aparece com mais facilidade e os contextos em que ele parece ser mais
raro, por isso mais estranho aos nossos ouvidos. O quadro abaixo é útil para essa percepção e para
nos orientar na elaboração de exercícios que comecem pelos contextos de maior ocorrência dos
pronomes oblíquos.
55 ocorrências seguem Verbo no infinitivo
[clítico] 3 seguem outro tipo de V
39 precedem V num tempo simples do indicativo
00 com imperativo, tempos compostos, gerúndio
[pron. reto] com todas as formas, principalmente com tempos simples, imperativo e
loc. verbais
[subst.] com todas as formas verbais
[vazio] com todas as formas verbais

A pesquisa de Tarallo (1983), já comentada no estudo dos pronomes relativos, e essa


pesquisa de Duarte (1989) mostraram que a variação nas relativas está diretamente relacionada ao
sistema de variação encontrado no sistema pronominal do português falado no Brasil. Assim, é
provável uma co-ocorrência dos tipos de opções para pronomes oblíquos e para pronomes relativos,
como mostram os pares de frases abaixo, formulados por Mary A. Kato, antes da pesquisa de
Tarallo:
1. a. Eu descasquei as laranjas e Pedro as comeu.
b. Encontrei a revista cuja capa estava rasgada.

2. a. Eu descasquei as laranjas e Pedro comeu elas.


b. Encontrei a revista que a capa dela estava rasgada.

3. a. Eu descasquei as laranjas e Pedro comeu [ ].


b. Encontrei a revista que a capa [ ] estava rasgada.

3 Resumindo o que vimos até agora:


Para o uso correto do pronomes oblíquos átonos, devemos primeiro identificar os
contextos em que eles devem aparecer. Isso pode causar dificuldade porque no português
coloquial deixamos esses pronomes vazios.

5
O teste seguro para saber se o contexto permite um pronome desse tipo é repetir, na
posição de complemento do verbo, o substantivo a que se refere o texto. Se fez sentido, pode-se
usar o pronome oblíquo para evitar a repetição do substantivo. Veja:

Coloque a carne-seca em água fresca e deixe na geladeira.


Coloque a carne-seca em água fresca e deixe a carne-seca na geladeira.
... e deixe-a na geladeira.

Coloque a banha numa panela grande, leve ao fogo e doure o toucinho. Retire e
reserve.
Coloque a banha numa panela grande, leve a banha ao fogo e doure o toucinho. Retire
a banha e o toucinho e reserve a banha e o toucinho.
... leve-a ao fogo... Retire a banha e o toucinho e reserve-os.

Os atestados de freqüência já estão prontos. Retire na secretaria.


Os atestados de freqüência já estão prontos. Retire os atestados de freqüência na
secretaria.
Retire-os na secretaria

Na mesma panela, doure também o frango. Retire e reserve.


Na mesma panela, doure também o frango. Retire o frango e reserve o frango.
Retire-o e reserve-o .

Repare que o último exemplo apresenta uma repetição de pronomes numa


seqüência de verbos. Isso é necessário?
Dos gramáticos consultados, apenas Cunha e Cintra (1989) e Almeida (1997) comentam
esse caso. Eles, no entanto, têm opiniões diferentes. Como veremos, fica ao usuário da língua a
opção de seguir um ou outro autor. Vejamos o que eles prescrevem.

4 Da opção de não repetir pronomes oblíquos

Como já comentamos anteriormente, a gramática normativa do português não admite


pronome vazio na posição de objeto do verbo, como é comum na linguagem popular. Nos
textos anteriores, embora publicados em uma revista de grande circulação, observamos várias
ocorrências de pronomes oblíquos vazios, portanto, errados de acordo com a norma culta
(padrão) da língua. Alguns desses casos são:

Junte os cubos de carne-seca e refoque [ ] rapidamente, apenas para dourar um pouco.


Junte a salsinha picada, o orégano e a xícara de água. Logo em seguida, acrescente o
requeijão e o creme de leite. Deixe derreter [ ] e espere que os ingredientes se incorporem [a
quê?] Salgue [ ] e apimente [ ].

Cunha e Cintra (1989, 296) afirmam que "podemos empregar um só pronome como
complemento de vários verbos quando estes admitem a mesma regência". Os autores, no
entanto, só recomendam omitir pronome se estiver anteposto ao verbo, como em:

Só Roberto me viu e [ ] cumprimentou.


 Se o pronome for enclítico ou mesoclítico, deve ser repetido, como em:

Viu-me e cumprimentou-me.

6
 Se os verbos apresentam regência diferente, o pronome não pode ser omitido, como em:

Só Roberto me viu e me deu as costas. (= me viu e deu as costas para mim)


* não aceito: Só Roberto me viu e deu as costas.

Almeida (1997, p. 468) também comenta a possibilidade de omissão de pronome


repetido, mas não faz restrição ao fato de estar proclítico ou enclítico. Essa posição só determina
se é o primeiro ou o segundo pronome que deve ser omitido. Ele afirma:
Quando complemento comum, o pronome oblíquo pode vir anteposto ao
primeiro verbo, principalmente se algo o atrai: Eu o vi e saudei.1 , Não o
quero nem desejo. ou posposto ao segundo: Apanharam a cobra,
dizendo que iriam engordar e comê-la.

Complementando a explicação, afirma: "Não há necessidade de repetir o pronome: Ele se


rasgava e desfazia em elogios. A medicina tanto se aprofundou e expandiu."

Resumindo o que afirmam os autores citados:

Quadro resumo sobre a omissão de pronomes como complemento de vários verbos


de mesma regência

Cunha e Cintra (1989): omissão de pronome repetido só em próclise


pron. verbo .... [ ] verbo...

Almeida (1997): omissão de pronome repetido em próclise e ênclise


em próclise, omite-se o segundo pronome  pron. verbo ... [ ] verbo...
em ênclise, omite-se o primeiro pronome  verbo [ ] ... verbo pron. ....

Concluímos que, nos casos de omissão de pronome dos textos lidos, os dois pronomes
poderiam aparecer. Se, por questão de estilo, o usuário da língua preferir, pode omitir um dos
pronomes.

Se for caso de próclise, aparece o primeiro pronome, omite-se o segundo.

Se for caso de ênclise, temos uma divergência entre os dois autores que abordam o
assunto:
 Almeida (1997), que permite omissão nos dois casos, autoriza o seguinte uso de
pronomes no trecho tirado de um dos textos analisados:
Coloque os cubos numa panela, cubra[ ] com água e cozinhe-os durante umas 2 horas e
meia – na panela de pressão, perto de 35 minutos. Retire [ ] e reserve-os.

Junte os cubos de carne-seca e refoque-os rapidamente, apenas para dourar um pouco.


Junte a salsinha picada, o orégano e a xícara de água. Logo em seguida, acrescente o

1
Interessante notar que nesse exemplo o autor afirma que algo atrai o pronome oblíquo. Só pode ser o pronome
pessoal do caso reto. Essa é uma colocação muito típica do português brasileiro. No entanto, no capítulo de
colocação pronominal, quando expõe os casos em que há atração do pronome, permitindo a próclise, o autor não cita
os pronomes pessoais retos, conforme quadro que apresento na seção 9.1.

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requeijão e o creme de leite. Deixe-os derreter e espere que os ingredientes se incorporem
Salgue [ ] e apimente-os.

 Cunha e Cintra (1989) autorizam a omissão dos pronomes apenas nos casos de
próclise. No exemplo, pelo fato de as orações iniciarem-se com verbo, não há
contexto para próclise. Todos os pronomes deveriam ser repetidos. O texto ficaria:

Coloque os cubos numa panela, cubra-os com água e cozinhe-os durante umas 2 horas e
meia – na panela de pressão, perto de 35 minutos. Retire-os e reserve-os.

Junte os cubos de carne-seca e refoque-os rapidamente, apenas para dourar um pouco.


Junte a salsinha picada, o orégano e a xícara de água. Logo em seguida, acrescente o
requeijão e o creme de leite. Deixe-os derreter e espere que os ingredientes se incorporem.
Salgue-os e apimente-os.

Voltando aos procedimentos para usar os pronomes oblíquos de acordo com a


norma padrão:

1. Identificar o contexto em que há um complemento do verbo e em que se pode


usar um pronome, conforme estudamos até agora (pode haver um vazio na forma
popular)

2. Saber se em que posição em relação ao verbo o pronome deve ser colocado


(antes, no meio ou depois), como comentaremos a seguir.

5 O posicionamento dos pronomes oblíquos átonos em relação ao verbo de acordo


com a gramática normativa

5.1 O que dizem os gramáticos

Pesquisando as gramáticas normativas, observamos que há os gramáticos mais


tradicionais – talvez possamos dizer "as edições mais antigas das gramáticas" – e a gramática de
Bechara (2003), que é a versão mais recente de uma gramática normativa. Bechara parece
assumir uma posição um pouco mais flexível que as outras gramáticas em relação à colocação
dos pronomes oblíquos quando afirma: “Daremos aqui apenas aquelas normas que, sem exagero,
são observadas na linguagem escrita e falada das pessoas cultas.”. (p. 587) As orientações do
autor, no entanto, referem-se às regras sobre a não-posposição do pronome átono a verbo, em
vários casos, e à não-anteposição do pronome ao verbo em início de período. Todos os outros
casos de próclise, que são a tendência geral do português do Brasil e que geram as principais
dúvidas, não são mencionados pelo autor. 2

2
Critérios que Bechara (2003) sugere para a colocação dos pronomes pessoais átonos em relação a um só
verbo:
1. Não se inicia período por pronome átono:
Sentei-me, enquanto...
Querendo parecer originais, nos tornamos ridículos...  repare que o autor refere-se ao início do
período, não da oração subordinada. No início dessa, ele não vê problema em usar o pronome.
2. Não se pospõe, em geral, pronome átono a verbo flexionado em oração subordinada:
Confesso que tudo aquilo me pareceu obscuro.
Se a visse, iria logo pedi-la ao pai.

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A partir dessas observações, considero que, em se tratando de apresentar as regras da
gramática normativa, devemos considerar a opinião dos vários autores. É o que procuro
apresentar nos quadros a seguir.

5.2 O que diz a gramática normativa sobre a colocação de pronomes oblíquos átonos em
relação ao verbo

Os pronomes oblíquos átonos podem assumir três posições em relação ao verbo (V):
antes, no meio ou depois dele. Cada caso de colocação pronominal depende de certas
condições citadas a seguir. O uso dos pronomes de forma padrão exige o conhecimento disso.

Antes de comentar essas regras, no entanto, é importante ressaltar que esse padrão
descrito pelas gramáticas normativas é baseado, em grande parte, no Português Europeu. Por
causa de diferenças de entonação, ritmo, sintaxe, o Português Brasileiro Moderno vem
apresentando um padrão diferente e muitas das regras da gramática normativa nos soam muito
estranhas. Autores mais modernos e parte da grande imprensa propõem o uso de regras
adaptadas ao Português Brasileiro, como veremos.
Observe no quadro 2 a seguir o que prescreve a Gramática Normativa (com base nos
exemplos de escritores clássicos, seguidores de um padrão de Português Europeu).

 Se houver intercalação que exija pausa antes do verbo, o pronome pode vir enclítico:
Mas a primeira parte se trocou por intervenção do tio Cosme, que, ao ver a criança, disse-lhe entre
outros carinhos...
3. Não se pospõe pronome átono a verbo modificado diretamente por advérbio (isto é, sem pausa entre os
dois, indicada ou não por vírgula) ou precedido de palavra de sentido negativo:
Sempre me recebiam bem.
4. Não se pospõe pronome átono a verbo no futuro do presente e futuro do pretérito (condicional). Se não
forem contrariados os princípios anteriores, ou se coloca o pronome átono proclítico ou mesoclítico ao
verbo.
Os infiéis... contentar-se-ão, talvez, com as riquezas...
5. Não se pospõe ou intercala pronome átono a verbo flexionado em oração iniciada por palavra interrogativa
ou exclamativa:
Quantos lhe dá?
Essas são as orientações do autor.
Com base nisso, podemos pressupor que em todos os outros casos o pronome deve ser posposto ao verbo
(enclítico). Isso, no entanto, é estranho considerando-se a tendência do português brasileiro atual (veja comentários
sobre uso de pronomes pela imprensa). Creio que o autor não esclareceu bem o leitor sobre como realmente usar o
pronome oblíquo de acordo com a norma padrão e "sem os exageros" da gramática tradicional.

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ÊNCLISE PRÓCLISE MESÓCLISE
(Pronome oblíquo depois do (Pronome oblíquo antes do (Pronome oblíquo no meio do
verbo) verbo) verbo)
Com verbo no futuro do
• É a posição • Quando houver palavras presente ou futuro do
pretérito se não houver
considerada básica ou expressões que elemento que atraia o pronome.
pela gramática atraem o pronome. Calar-me-ei.
normativa porque os Veja quadro detalhado na O torneio iniciar-se-á no
domingo.
pronomes oblíquos página seguinte. Os Convencê-lo-ei a voltar.
são complementos exemplos não foram
verbais. Ex.: colocados aqui por falta
Contaram-me que você  Não se usa mesóclise se
de espaço. houver palavra ou expressão
chorou.
Se o tempo melhorar, vou- que atraia o pronome. Veja
• Com verbo no futuro do quadro a seguir.
me embora. presente ou futuro do
As reuniões do Congresso pretérito, quando não inicia
iniciaram-se ontem. oração. *
Eu me calarei.
• Ocorre sempre que o verbo
inicia a oração, exceto se * Não são todos os gramáticos que
estiver no futuro do apresentam essa possibilidade de
presente ou futuro do próclise. Almeida (1997, p. ) dá
pretérito (condições ao essa possibilidade. Bechara (2003, p.
lado). 589) também o faz. Alguns citam a
Dê-me o livro. possibilidade de próclise com esses
• Ocorre se entre a palavra tempos verbais apenas nas formas
de valor atrativo e o verbo proparoxítonas, como:
houver pausa ou Nós lhe perdoaríamos.
Nós nos derramaríamos.
intercalação.
... flor que, disse ele, chama-
se dália... • Com oração iniciada por
objeto direto:
• Com verbos no infinitivo
A grande notícia te dou eu.
O fato de eu tratá-lo bem...
Depois de esvai-ser em ...
• Com verbos no infinitivo,
• Com verbo no infinitivo
com preposição
precedido por preposição
O fato de eu o tratar bem...
por, quando os pronomes
Depois de se esvair em ...
forem o, a, os, as.
... por fazê-los...
 Com verbo no infinitivo
impessoal, mesmo se
houver partículas atratoras:
Sem nunca alcança-lo.
Por não amá-lo.

Quadro 2: Regras para colocação dos pronomes oblíquos átonos em relação ao V

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A próclise ocorre numa série de casos em que há palavras ou expressões que atraem o
pronome oblíquo. Observe o quadro a seguir.

PRÓCLISE
(Pronome oblíquo antes do verbo)

Quando houver palavras ou expressões que atraem o pronome, como:

• palavras e expressões negativas: Não me aborreça.


• advérbios (indicam dúvida, lugar, modo, tempo, intensidade, afirmação). Depois eu os
procuro. Sempre se julgaram superiores.
• pronomes relativos (que, quem, qual, cujo, onde, quando). Cada qual se ajeite como
puder.
• pronomes indefinidos (alguém, algum, diversos, qualquer, quem quer que, vários, poucos,
tudo....) Poucos o viram no trabalho.
• conjunções subordinativas (que, quando, se, porque, embora, conforme, segundo,
enquanto, quanto mais... mais, logo que ... ). Embora lhe tenha avisado... Quanto mais os
governos se omitem, mais os assaltos se alastram.
• pronomes demonstrativos (“este”, “esse”, “aquele” e suas variações). Isso me agrada.
• pronomes interrogativos. Quem te falou a respeito do caso ?
• verbo no gerúndio precedido da preposição em . Em se tratando de dicionário, este é o
melhor.
• frase que exprime desejo ou exclamação. Deus nos proteja!
• frase com infinitivo pessoal precedido de preposição. Por se acharem infalíveis,
caíram no ridículo.
• conjunções coordenativas: não só... mas também; quer... quer; já...já; ou... ou; ora...
ora.

O que a gramática normativa NÀO diz, mas observamos pelos exemplos:


• pronomes pessoais do caso reto
• sujeito lexical
Esses dois últimos casos exigem comentários porque os gramáticos não citam esses
pronomes e o sujeito lexical como elementos que atraem pronome oblíquo. No entanto,
citam exemplos, em pontos diversos de suas gramáticas, com próclise em casos desse tipo,
como:
Eu me lavo. (Cunha, 1977, p. 391)
O capitão lhe garantira... (Cunha e Cintra, 1989, p. 293)
Ele me é favorável. (Almeida, 1997, p. 176)
Eu o vi e saudei. (Almeida, 1997, p. 408)

Quadro 3 – Regras para uso de próclise

Ainda sobre os dois últimos casos do quadro anterior, é interessante observar que Cunha
e Cintra (1985, p. 307-308), comentando a colocação dos pronomes átonos no Brasil, afirmam
que, principalmente no colóquio normal, há preferência para a próclise. Citam:

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• a preferência pela próclise mesmo em orações não iniciadas por palavra que exija ou
aconselhe tal colocação: O usineiro nos entregava o açúcar... (J. Lins do Rego)
Eu me sento na rede.

Embora citem autores consagrados, os gramáticos não incorporam essas colocações nas
regras da gramática normativa. Fica o registro, mas não a anuência dos autores para esse uso na
forma padrão da língua. Na linguagem jornalítica, como veremos a seguir, a próclise nesses
casos é aceita como norma.

5.3 O que podemos concluir dessas prescrições

Observamos que a próclise é exigida numa grande quantidade de casos. Se


considerarmos, embora os gramáticos não o façam explicitamente, que sujeitos pronominais
(pronomes do casos reto) e lexicais atraem o pronome no português do Brasil, teremos a
possibilidade de próclise em praticamente todos os casos de orações com sujeito preenchido. A
mesóclise também pode ser substituída pela próclise.
O esquema para o português do Brasil fica resumido a: S pron. obl. V ...

A ênclise ficará restrita a orações iniciadas por verbo ou com pausa ou intercalação antes
do verbo: V- pron. obl. ... ; ... (pausa/intercalação) V- pron. obl. ...

Nesse caso, não se justificam mais todas as regras de colocação de próclise a partir do
conceito de "palavras que atraem o pronome". As características fonéticas do português do
Brasil atual, bem diferentes das do português de Portugal, levaram a mudanças significativas no
que se considera uma colocação pronominal eufônica. É o que já assume a imprensa.

5.4 Para refletirmos sobre a inconsistência da gramática normativa, em alguns casos, e


sua relutância em reconhecer mudanças no português do Brasil

Devemos deixar claro, no entanto, que embora o esquema comentado tão resumido para
uso de pronomes oblíquos no português do Brasil possa ser depreendido dos vários exemplos
que os próprios gramáticos citam, explicitamente a gramática normativa não assume isso. Para
efeito de concursos ou provas que exigem a observância estrita da gramática normativa, é preciso
seguir as prescrições dos quadros apresentados.
A grande impressa atual, como comentamos, simplificou muito o esquema da gramática,
assumindo um padrão brasileiro de colocação pronominal, como veremos a seguir.

6. A colocação dos pronomes oblíquos de acordo com manuais jornalísticos

No Português Brasileiro Moderno, como já comentado, muitas das colocações prescritas


pela gramática normativa soam eruditas demais, pedantes ou artificiais (forçadas). A linguagem
usada pela imprensa é um ótimo referencial para análise do português padrão escrito porque,
como afirma Perini (1996, p. 26), existe uma linguagem padrão utilizada em textos jornalísticos
e técnicos (como revistas semanais, jornais, livros didáticos e científicos), linguagem essa que
apresenta uma grande uniformidade gramatical, e mesmo estilística, em todo o Brasil.

Veja as orientações que têm sido dadas a profissionais da imprensa:

Manual de Redação e Estilo de O Estado de São Paulo:

12
• sobre próclise com pronome pessoal do caso reto: dá essa colocação como opcional à
ênclise, como em: Ela disse-me. ou Ela me disse. Recomenda, no entanto, a próclise. (p. 69)
• sobre mesóclise: “Por estarem hoje mais ligadas à linguagem erudita, convém, sempre que
possível, evitar essas formas.” (p. 69) “... devem ser evitadas no noticiário (conserve-as, no
entanto, em artigos e comentários assinados.” (p. 239)
• em locuções verbais com verbo no infinitivo: “... a colocação do pronome depois do
infinitivo é a preferível (dizer-lhe, procurá-la).” (p. 69)

Manual de Redação e Estilo da Editora Abril, p. 55. (Repare como as regras são
reduzidas ao mínimo. Os grifos são meus.)
• “Guie-se pelo ouvido. A regra básica para a colocação dos pronomes oblíquos átonos é a
eufonia, ou seja, a elegância e suavidade na pronúncia. Assim, quando possível, procure
usá-los antes do verbo.” E quando antes do verbo não é possível? Com futuro do presente
e futuro do pretérito (casos de mesóclise) e no início da frase. Sobre a mesóclise, no entanto,
veja o que diz o Manual: “Fuja da mesóclise (pronome no meio do verbo). Embora
gramaticalmente correta, é forma estilisticamente pedante...”
• “Nas locuções, deixe o pronome solto entre um verbo e outro...”

Revista Imprensa, setembro de 1993, p. 66. Coluna de Josué Machado.


• sobre a melhor posição para o pronome no Português do Brasil: a melhor posição do
pronome é antes do verbo.
• não inicie frase com pronome oblíquo.
• o pronome em geral vai bem depois do verbo com locução verbal no infinitivo (“O padre
insistiu, mas Collor não quis confessar-se para não horrorizá-lo.’’ ) O infinitivo também
aceita bem o pronome anteposto (... mas Collor não quis se confessar...)
• “Quem não se lembrar das boas leituras de Machado de Assis e Graciliano Ramos, na
dúvida, deve antepor os pronomes aos verbos; é quase certo que errará menos.”
• pouco interesse têm as formas com mesóclise. “Deve dar-se um jeito de colocar o pronome
antes do verbo: Nós lhe daremos . ”

Comparando o uso prescrito pela norma e o efetivamente usado pela imprensa, podemos
concluir que para a colocação adequada dos pronomes oblíquos átonos no Português Brasileiro
atual, em textos formais, porém menos cerimoniosos ou para ou público em geral, não há
necessidade de decorar as regras dos quadros das páginas anteriores. Ficou claro que o nosso
padrão, na maior parte dos casos, é o pronome oblíquo antes do verbo quando houver sujeito
preenchido. Basta lembrar que na língua escrita o pronome oblíquo é rejeitado no início de
frase. A mesóclise está mesmo banida. Uma forma de fugir da mesóclise é usar uma locução
verbal em vez de um verbo simples: “O torneio vai iniciar-se no domingo” ou “... vai se iniciar
...” em vez de “... iniciar-se-á...”. Por esse motivo, também parece descabido exigir dos
alunos, desde o primeiro contato com o tema, o domínio de todas as possibilidades. Algumas
devem se estudadas apenas para a compreensão de leitura de textos antigos ou muito formais,
que certamente não serão produzidas pelos alunos.
Chegamos, assim, ao mesmo esquema de uso de pronome oblíquo formulado a partir das
observações dos gramáticos:

próclise: S pron. obl. V ...


ênclise: V-pron. obl. ...
... (pausa/intercalação) V-pron. obl. ...

13
6 Dificuldades adicionais ao uso da ênclise

Além da falta de familiaridade com o pronome enclítico, pelo uso restrito no português do
Brasil, uma outra dificuldade para a colocação pronominal pós-verbal (ênclise) das formas
pronominais de 3a pessoa – o, a, os, as – é o fato de que há casos em que há alteração no final da
forma verbal pelo acréscimo de pronome oblíquo. São três casos, como citado e exemplificado
abaixo, que se justificam por questões fonéticas. Vejamo-los:

• Finais R, S, Z desaparecem antes de LO, LA, LOS, LAS, como em: tê-lo, perdê-las
• Finais ÃO, ÕE, AM, EM usam-se com NO, NA, NOS, NAS, como em: põe-na, vêem-nos
• Final MOS perde o S antes de “nos” e “vos”, como em: comprometemo-nos (Isso não
ocorre com "te" e "lhe".)
• Palavra EIS e os pronomes NOS e VOS, como em: A prova do crime? Ei-la aqui. O
motivo de seu gesto? O tempo no-lo dirá.

Repare que fica mais fácil entender esses casos, que são bastante formais e raramente usados,
se compararmos a forma popular (que não está de acordo com a norma padrão) com a forma padrão
culta da língua. Vejamos:

Finais R, S, Z desaparecem antes de LO, LA, LOS, LAS


Forma popular Forma padrão culta da língua
• comer ele ........................................ comer + o  comê-lo
• contar ela ......................................... contar + a  contá-la
• cortamos elas .................................. cortamos + as  cortamo-las
• fiz eles ....................................... fiz + os  fi-los

Finais ÃO, ÕE, AM, EM usam-se com NO, NA, NOS, NAS
Forma popular Forma padrão culta da língua
• dão ele ....................................... dão + o  dão-no
• põe ela............................................ põe + a  põe-na
• calam elas ................................... calam + elas  calam-nas
• pedem elas ................................... pedem + elas  pedem-nas

Final MOS perde o S antes de “nos” e “vos”


Forma padrão (com preposição) Forma padrão (sem preposição)
• damos a nós ................................... damos + nos  damo-nos
• abrimos a nós ................................. abrimos + nos  abrimo-nos
• fizemos a vós ................................. fizemos + vos  fizemo-vos
• contamos a vós .............................. contamos + vos  contamo-vos

Palavra EIS e os pronomes NOS e VOS


Forma popular Forma padrão
• A prova do crime? Eis ela aqui. Eis + a  ei-la
• O motivo de seu gesto?
O tempo nos dirá ele.
... dirá ele para nós nos + o dirá  no-lo dirá

14
7 Por que essa diferença na colocação pronominal prescrita pela gramática normativa
e na realizada no português brasileiro coloquial?

Estudos lingüísticos modernos sobre o tema apontam causas de natureza prosódica para a
mudança no sistema pronominal brasileiro, em relação ao europeu, como comenta, entre outros
autores, Vieira (2001).
Em termos bem simplificados, a explicação é a seguinte: os pronome oblíquos,
especialmente os átonos, não têm força fonológica para atuarem como um vocábulo
independente. Por isso são chamados de “clíticos”, ou seja, precisam estar anexados
(cliticizados) a outro vocábulo fonológico mais forte do que eles, assumindo o ‘status’ de uma
sílaba desse vocábulo. A gramática normativa assume isso porque assume o padrão do português
europeu. No português europeu, pelas características prosódicas da língua (o que popularmente
chamamos de sotaque), o clítico se liga à esquerda, ao verbo. Em geral as frases apresentam
sujeito vazio (oculto) e as flexões verbais são mantidas, logo, o verbo é o elemento mais forte
para atrair o pronome. VERBOpronome. Por isso o português europeu nunca começa frase
com pronome, pois o pronome (sendo fonologicamente fraco) não teria onde se “segurar” .

Quando há outros vocábulos fonológicos fortes antes do verbo, como palavras negativas,
advérbios, conjunções e todas aquelas classes de palavras citadas no quadro 3, o pronome pode
ficar antes do verbo (proclítico) porque estará fonologicamente apoiado nessas palavras.
ADVÉRBIOpronome Verbo.

O português do Brasil, pelas mudanças fonológicas e pelas quais passou, permite outra
colocação pronominal porque nossos pronomes átonos não são mais tão fracos fonologicamente.
A pronúncia das nossas vogais é mais acentuada. Repare que os portugueses pronunciam que e
nós pronunciamos que ou qui. Nossas flexões verbais não são mais tão fortes (simplificamos os
finais dos verbos, “comemos” os “ss”. Isso é compensado pelo uso do pronome reto como
sujeito, para marcar a pessoa verbal. O ritmo da nossa frase é diferente. Tudo isso contribuiu
para que nosso verbo não fosse mais um forte atrator para o pronome e este, sendo
fonologicamente mais marcado, pudesse ficar mais livre na frase, antes do verbo, até iniciando
frase: PRONOME verbo.

8 Colocação dos pronomes oblíquos em locuções verbais

Há regras também para o posicionamento dos pronomes com locuções verbais (verbo
auxiliar + verbo principal). Nesse caso, é preciso observar se há alguma palavra que atrai o
pronome para antes do verbo auxiliar, conforme quadro 2 apresentado anteriormente. Em não
havendo tal palavra, é preciso observar a forma em que se encontra o verbo principal (infinitivo,
gerúndio ou particípio).

A seguir, temos o quadro das prescrições para uso de pronomes com locuções verbais.

15
Se a locução verbal não vier precedida de Se houver partícula que atraia o pronome– caso
partícula que atrai o pronome: de próclise do quadro anterior:

• verbo auxiliar + verbo no infinitivo ou gerúndio • verbo auxiliar + verbo no infinitivo ou gerúndio
pronome depois do auxiliar  devo-lhe dizer pronome antes do auxiliar  não lhe devo dizer
devo lhe dizer Ninguém me vinha acompanhando
vinham-me acompanhando ou
vinham me acompanhando pronome depois do verbo principal 
ou não devo dizer -lhe
pronome depois do verbo principal  Ninguém vinha acompanhando-me
devo dizer -lhe
vinham acompanhando-me

• verbo auxiliar + verbo no particípio • verbo auxiliar + verbo no particípio


pronome depois do auxiliar  havia me queixado pronome antes do auxiliar 
havia-me queixado não me havia queixado
(em nenhuma hipótese o pronome fica depois do (em nenhuma hipótese o pronome fica depois do
particípio) particípio)

Em resumo: Em resumo:

aux. - gerúndio palavra aux. gerúndio -


atratora

aux. - infinitivo aux. infinitivo -

aux. - particípio aux. particípio

= posição em que pode aparecer


o pronome oblíquo

Quadro 3 - Regras para posicionamento do pronome oblíquo átono nas locuções verbais

9 Uso dos pronomes LHE, LHES

Os pronomes LHE, LHES são formas do objeto indireto. Substituem a ele, a eles, a você,
a vocês; formas também aceitas pela norma padrão, porém mais comuns, menos formais.

(1) Faço tudo para meus filhos, mas nada lhes agrada (= nada agrada a eles).
(2) Você está vendendo seu carro? Vou lhe fazer uma proposta. (= vou fazer a você)
Vou-lhe

(3) Vocês digitaram o trabalho? Agradeço-lhes o favor. (= Agradeço a vocês o


favor.)

10 Os pronomes ME, TE, SE, NOS, VOS, LHE, LHES com SENTIDO possessivo

16
Os pronomes pessoais átonos ME, TE, SE, NOS, VOS, LHE, LHES podem ser usados
com sentido possessivo. Um exemplo de Bechara (2003, p. 182) é:
Tomou-me o chapéu. = Tomou o meu chapéu.

Desses, no entanto, o que mais se encontra na grande imprensa, com esse sentido
possessivo, é o LHE. É considerado um bom recurso de estilo o uso de lhe, lhes no lugar de seu,
sua, seus, suas (dele, dela, deles, delas). Lembremo-nos de que recurso de estilo é
OPCIONAL; as frases abaixo também são da norma padrão. Apenas fica claro que o
uso de lhe, lhes as torna mais formais.

a. Cumpriu-lhe a vontade. (= Cumpriu a sua vontade / ... a vontade dele.)


b. Os investidores estrangeiros desanimaram. O governo frustrou-lhes as esperanças
de lucro fácil. (= O governo frustrou as suas esperanças de lucro fácil. / ... as
esperanças deles)
c. José chorou. As lágrimas que lhe corriam dos olhos também me emocionaram.
(= As lágrimas que corriam de seus olhos também me... / ... que corriam dos
olhos dele... )
(4) José e Maria choraram. As lágrimas que lhes corriam dos olhos também me
emocionaram. (= As lágrimas que corriam de seus olhos também ... / ... que
corriam dos olhos deles...)
(5) Apertou-lhe as mãos. (= suas mãos / as mãos dele)

11. Uso de pronome oblíquo com verbo de ligação

Como explica Almeida (1997, p. 176), verbos de ligação completam-se com o


predicativo. Tais verbos, no entanto, podem ter predicativo determinado ou completado por uma
palavra que pode ser substituída por um pronome oblíquo, como em:
Pedro é bom para o pai.
Pedro lhe é bom.
Ele é favorável a mim.
Ele me é favorável. 3

12. Falta de uniformidade gramatical

Na linguagem coloquial, costumamos usar VOCÊ(S) como pronome pessoal, porém


misturado com formas oblíquas de segunda pessoa. Isso não é aceito na linguagem padrão
(formal) por falta de uniformidade gramatical, pois o pronome VOCÊ deve ser usado com as
formas verbais e pronominais de 3a pessoa. Observe os exemplos:

2a pessoa: Tu és ... Conheço-te de algum lugar. Tu te pareces com... Esse é teu livro.
3a pessoa: Ele é ... Conheço-o de algum lugar. Ele se parece com... Esse é seu livro.

VOCÊ  referência à 2a pessoa do discurso, mas com formas verbais e pronominais de


3a pessoa:
Você é ... Conheço-o de algum lugar. Você se parece com... Esse é seu livro.

3
Novamente é interessante notar que nesse exemplo há próclise com o pronome pessoal do caso reto. No entanto,
no capítulo de colocação pronominal, quando expõe os casos em que há atração do pronome, permitindo a próclise,
o autor não cita os pronomes pessoais retos.

17
Exercício: Identifique nas frases abaixo os pronomes que demonstram falta de uniformidade
gramatical. Passe as frases para o padrão formal do português do Brasil.

(1) Se isso te incomoda, lembre-se do ditado: os incomodados...


(2) Você sabe que a única coisa que te peço é para...
(3) Você nunca pediu a sua mãe para te levar lá?
(4) Já te falei que se te pegarem o azar é seu.
(5) Lemos os seus livros e gostaríamos de te conhecer.

13 Erro de concordância

Há problemas de concordância verbal que resultam de um engano por causa de um


pronome oblíquo de terceira pessoa próximo ao verbo. O aluno pouco familiarizado com os
pronomes oblíquos pode concordar o verbo com o pronome (que é objeto direto, portanto, não
concorda com o verbo). É o que ocorre nas frases abaixo.
Para corrigi-las, faça o teste de uso do pronome oblíquo na forma popular (ele, eles, ela,
elas) para perceber melhor a concordância verbal. Depois use o pronome de acordo com a
norma padrão.

(1) Os vocábulos apresentam uma variação que os tornam mais complexos.


teste: ... uma variação que torna eles mais complexos. (forma popular)
... a variação torna eles (os vocábulos) mais ... (forma popular)
sujeito verbo  concordância verbal entre esses termos

norma padrão: ... uma variação que os torna mais complexos.

(2) A palavra apresenta variações que a torna mais complexa.


(3) Os plurais apresentam uma variação que os tornam mais complexos.
(4) Tinham de parar numa esquina e esperar que alguém os ajudassem.
(5) Alguém deixa cair várias revistas e não conseguem levantá-las.
(6) Quem não os conhecessem apostaria que se trata de um harmonioso casal.

14 O pronome oblíquo na função de sujeito da oração infinitiva

Além dessas formas e funções principais dos pronomes oblíquos, há que se registrar
outro caso no português do Brasil atual. É o do pronome oblíquo átono na função de sujeito
de uma oração infinitiva que constitui objeto direto do verbo junto ao qual o pronome átono
se coloca como clítico. Alguns exemplos desse caso citados por Neves (2000, p. 453) são:

Deixe-me falar-lhe de minha felicidade. (= deixe que eu fale...)


Faça-o subir, tenha a bondade. (= faça que ele suba...)
Mande-a voltar. (= mande que ela volte)

Na língua falada, e muitas vezes na escrita, por falta de conhecimento da norma padrão,
usamos:
Deixe eu falar...
Faça ele subir...
Mande ela voltar...

18
A gramática normativa determina que se use pronome oblíquo nesse caso, uma vez que
ele ocorre na oração subordinada objeto da oração principal.

15 Contração de dois pronomes oblíquos átonos

Outro caso a se considerar é o de os pronomes oblíquos átonos LHE, ME, TE, NOS,
VOS poderem se contrair com os pronomes oblíquos átonos de terceira pessoa - O, A, OS, AS.
Assim, contraem-se o pronome que ocupa a função de objeto direto e o que ocupa a função de
objeto indireto. Por ex.:

lhe + o = lho; lhe + as = lhas


me + o = mo; me + a = ma
te + os = tos; te + a = ta
nos + a = no-la; nos + os = no-los
vos + o = vo-lo; vos + as = vo-las

Sabe aquele livro de capa amarela?


José deu o livro para mim.
... deu-o para mim ou
... deu-me o livro. ou
José deu-mo.

Sabe aquele livro de capa amarela?


José deu o livro para ela.
... deu-o para ela ou
... deu-lhe o livro. ou
José deu-lho.

Um exemplo tirado de uma notícia do Jornal de Notícias (de Lisboa), de 31 de janeiro de


1998:
“O meu filho tinha escondido a bebida e o pai queria que ele lha desse. Foi, então, que se
pegaram, mas eu não vi o que aconteceu, porque me estava a lavar noutra divisão, ali ao lado.”

No português do Brasil não ocorre mais esse tipo de contração pronominal. Podemos
encontrá-lo em textos mais antigos e no português europeu. Do ponto de vista do ensino, vale a
pena conhecê-lo para compreensão de leitura. Não se justificam exercícios de uso dessas formas
para impor o uso, mesmo em textos formais.

16 Algumas exemplos do uso de pronomes oblíquos átonos no português europeu atual.


Atente para a uniformidade gramatical com “tu”.

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Nome Encantado.

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Bibliografia

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Saraiva, 1997.
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Revista e ampliada. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2003.
CUNHA, Celso F. da. Gramática da Língua Portuguesa. 4o ed. Rio de Janeiro: FENAME, 1977.
CUNHA, C. F. da; CINTRA, L. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1989.
DUARTE, Maria Eugênia L. Clítico Acusativo, Pronome Lexical e Categoria Vazia no Português
do Brasil. In: TARALLO, F. (Org.). Fotografias sociolinguísticas. Campinas: Pontes, 1989. p. 19-
34. (Resumo da Dissertação de Mestrado de 1985)
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MARTINS FILHO, Eduardo L. Manual de Redação e Estilo de O Estado de S. Paulo. 3o ed.
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PERINI, M. A. Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática, 1995.
SACCONI, L. A. Não erre mais. 13o ed. revis. e aum. São Paulo: Atual, 1990.
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VIEIRA, Sílvia Rodrigues. Português Brasileiro, Português Europeu e a colocação dos pronomes
átonos: uma questão prosódica? Boletim da ABRALIN, v. 26, n. especial II. Fortaleza, 2001.

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expressamente vedado qualquer tipo de reprodução com fins comerciais sem prévia autorização da
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