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0. Apresentação do artigo
Os pronomes pessoais retos (do caso reto) e oblíquos não reflexivos (do caso oblíquo) e
suas funções são apresentados no quadro a seguir, de acordo com a gramática normativa do
∗Doutora em Lingüística pela UNICAMP; Mestre em Lingüística Aplicada pela PUC/SP; Professora do
Programa de Mestrado em Lingüística Aplicada e do Departamento de Ciências Sociais e Letras da
Universidade de Taubaté - UNITAU. lopesrossi@uol.com.br
português. É necessário fazer referência aos pronomes pessoais retos para abordar o assunto dos
pronomes oblíquos porque, como será detalhado a seguir, na linguagem coloquial os pronomes
retos assumem o lugar dos oblíquos em muitos casos. Isso é um dos fatores de dificuldade para
o aprendizado da norma padrão dos pronomes oblíquos. Outro é uma estratégia de apagamento
do pronome pessoal reto, resultando num vazio na posição de objeto, que tem sido cada vez mais
freqüente no português brasileiro atual.
Esses aspectos de variação sociolingüística são muito fortes no português do Brasil, como
já demostraram várias pesquisas, entre elas Duarte (1985). Precisam, pois, ser considerados para
entendermos melhor a dificuldade de uso da norma padrão e as alternativas da fala coloquial
(popular).
Outra característica importante do português brasileiro é que o pronome você, definido
pela gramática normativa como pronome de tratamento, é usado como pronome pessoal reto há
muito tempo e também assume a posição de pronome oblíquo em alguns casos. Esse pronome,
no entanto, não aparece no quadro de pronomes pessoais apresentado pelas gramáticas. Para
completar essa situação de discrepância entre o que registra a gramática normativa e o que se usa
diariamente no português do Brasil, não podemos deixar de citar que sintagmas nominais como a
gente, o pessoal, a turma, a galera, entre outros, têm presença marcante na posição de
pronome pessoal reto e oblíquo para as 1a e 3a pessoas do plural.
Vejamos inicialmente o que diz a norma gramatical sobre o uso dos pronomes pessoais
oblíquos não reflexivos. Em seguida faremos considerações sobre as variantes populares para
esses casos. Nesta primeira parte do estudo, não faremos considerações sobre a colocação dos
pronomes em relação ao verbo (ênclise, próclise, mesóclise) porque as estratégias populares de
alternativas ao uso de pronomes oblíquos independem dessa posição do pronome. Interessa-
nos contrastar bem o sistema pronominal da norma padrão e os da fala coloquial.
Pessoas gramaticais a que Pronomes pessoais retos Pronomes pessoais oblíquos não
se referem: reflexivos
(função interacional) função na oração: (função na oração)
1a - quem fala sujeito de verbos em objeto direto e indireto do verbo
a
2 - com quem se fala forma finita
3a - de quem se fala e também átonos tônicos
* complemento em clíticos ao V não clíticos ao V,
alguns casos usados com preposição
2
Num esquema, a representação dessas funções dos pronomes pessoais numa frase canônica
do português brasileiro é:
Sujeito Objeto
Eu Me
Tu Te
Ele Verbo O, a, lhe
Nós Nos
Vós Vos
Eles Os, as, lhes
Além dessa possibilidade popular de usar o pronome pessoal reto, há outra, também
popular, de deixar um vazio na posição do objeto. Observe nos exemplos abaixo a norma padrão
e as duas possibilidades populares. O objeto vazio está representado por [ ]:
Todos lá em casa foram viajar nas férias, menos meu pai.
Eu cheguei primeiro e meu pai foi buscar-me na rodoviária. (norma padrão)
Eu cheguei primeiro e meu pai foi buscar eu na rodoviária. (popular)
... foi buscar [ ] na ... (popular)
3
Vós chegastes primeiro e meu pai foi buscar-vos na rodoviária.
(Na maior parte do Brasil não usamos o “vós”)
Vocês chegaram dois dias depois e meu pai foi buscá-los na rodoviária.
Vocês chegaram dois dias depois e meu pai foi buscar vocês na ...
... foi buscar [ ] na ...
Meus irmãos e minha irmã chegaram por último e meu pai foi buscá-los na rodoviária.
Meus irmãos chegaram por último e meu pai foi buscar eles na ...
... foi buscar [ ] na...
Meu pai foi buscar-me na... ... foi buscar [ ] na... ... foi buscar eu na....
Não o irrite. ... não irrite [ ] ... ... não irrite ele...
Não nos irrite. ... não irrite [ ] ... ... não irrite nós...
... não irrite nóis....
variável variantes
[clítico] Eu fui ao aeroporto buscá-lo. (padrão)
pronome pessoal [pron. reto] Eu fui ao aeroporto buscar ele. (popular)
oblíquo átono
de 3ª pessoa [substantivo] Eu fui ao aeroporto buscar o João.
(padrão)
[vazio] Ah, o João? Eu fui ao aeroporto
buscar [ ] (popular)
Observa-se claramente pelo quadro acima que a fala não privilegia o clítico (o que vem
atestar o seu desaparecimento), mas evita o pronome lexical ou reto (ele/ela), preferindo os
substantivos e os vazios.
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O teste seguro para saber se o contexto permite um pronome desse tipo é repetir, na
posição de complemento do verbo, o substantivo a que se refere o texto. Se fez sentido, pode-se
usar o pronome oblíquo para evitar a repetição do substantivo. Veja:
Coloque a banha numa panela grande, leve ao fogo e doure o toucinho. Retire e
reserve.
Coloque a banha numa panela grande, leve a banha ao fogo e doure o toucinho. Retire
a banha e o toucinho e reserve a banha e o toucinho.
... leve-a ao fogo... Retire a banha e o toucinho e reserve-os.
Cunha e Cintra (1989, 296) afirmam que "podemos empregar um só pronome como
complemento de vários verbos quando estes admitem a mesma regência". Os autores, no
entanto, só recomendam omitir pronome se estiver anteposto ao verbo, como em:
Viu-me e cumprimentou-me.
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Se os verbos apresentam regência diferente, o pronome não pode ser omitido, como em:
Concluímos que, nos casos de omissão de pronome dos textos lidos, os dois pronomes
poderiam aparecer. Se, por questão de estilo, o usuário da língua preferir, pode omitir um dos
pronomes.
Se for caso de ênclise, temos uma divergência entre os dois autores que abordam o
assunto:
Almeida (1997), que permite omissão nos dois casos, autoriza o seguinte uso de
pronomes no trecho tirado de um dos textos analisados:
Coloque os cubos numa panela, cubra[ ] com água e cozinhe-os durante umas 2 horas e
meia – na panela de pressão, perto de 35 minutos. Retire [ ] e reserve-os.
1
Interessante notar que nesse exemplo o autor afirma que algo atrai o pronome oblíquo. Só pode ser o pronome
pessoal do caso reto. Essa é uma colocação muito típica do português brasileiro. No entanto, no capítulo de
colocação pronominal, quando expõe os casos em que há atração do pronome, permitindo a próclise, o autor não cita
os pronomes pessoais retos, conforme quadro que apresento na seção 9.1.
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requeijão e o creme de leite. Deixe-os derreter e espere que os ingredientes se incorporem
Salgue [ ] e apimente-os.
Cunha e Cintra (1989) autorizam a omissão dos pronomes apenas nos casos de
próclise. No exemplo, pelo fato de as orações iniciarem-se com verbo, não há
contexto para próclise. Todos os pronomes deveriam ser repetidos. O texto ficaria:
Coloque os cubos numa panela, cubra-os com água e cozinhe-os durante umas 2 horas e
meia – na panela de pressão, perto de 35 minutos. Retire-os e reserve-os.
2
Critérios que Bechara (2003) sugere para a colocação dos pronomes pessoais átonos em relação a um só
verbo:
1. Não se inicia período por pronome átono:
Sentei-me, enquanto...
Querendo parecer originais, nos tornamos ridículos... repare que o autor refere-se ao início do
período, não da oração subordinada. No início dessa, ele não vê problema em usar o pronome.
2. Não se pospõe, em geral, pronome átono a verbo flexionado em oração subordinada:
Confesso que tudo aquilo me pareceu obscuro.
Se a visse, iria logo pedi-la ao pai.
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A partir dessas observações, considero que, em se tratando de apresentar as regras da
gramática normativa, devemos considerar a opinião dos vários autores. É o que procuro
apresentar nos quadros a seguir.
5.2 O que diz a gramática normativa sobre a colocação de pronomes oblíquos átonos em
relação ao verbo
Os pronomes oblíquos átonos podem assumir três posições em relação ao verbo (V):
antes, no meio ou depois dele. Cada caso de colocação pronominal depende de certas
condições citadas a seguir. O uso dos pronomes de forma padrão exige o conhecimento disso.
Antes de comentar essas regras, no entanto, é importante ressaltar que esse padrão
descrito pelas gramáticas normativas é baseado, em grande parte, no Português Europeu. Por
causa de diferenças de entonação, ritmo, sintaxe, o Português Brasileiro Moderno vem
apresentando um padrão diferente e muitas das regras da gramática normativa nos soam muito
estranhas. Autores mais modernos e parte da grande imprensa propõem o uso de regras
adaptadas ao Português Brasileiro, como veremos.
Observe no quadro 2 a seguir o que prescreve a Gramática Normativa (com base nos
exemplos de escritores clássicos, seguidores de um padrão de Português Europeu).
Se houver intercalação que exija pausa antes do verbo, o pronome pode vir enclítico:
Mas a primeira parte se trocou por intervenção do tio Cosme, que, ao ver a criança, disse-lhe entre
outros carinhos...
3. Não se pospõe pronome átono a verbo modificado diretamente por advérbio (isto é, sem pausa entre os
dois, indicada ou não por vírgula) ou precedido de palavra de sentido negativo:
Sempre me recebiam bem.
4. Não se pospõe pronome átono a verbo no futuro do presente e futuro do pretérito (condicional). Se não
forem contrariados os princípios anteriores, ou se coloca o pronome átono proclítico ou mesoclítico ao
verbo.
Os infiéis... contentar-se-ão, talvez, com as riquezas...
5. Não se pospõe ou intercala pronome átono a verbo flexionado em oração iniciada por palavra interrogativa
ou exclamativa:
Quantos lhe dá?
Essas são as orientações do autor.
Com base nisso, podemos pressupor que em todos os outros casos o pronome deve ser posposto ao verbo
(enclítico). Isso, no entanto, é estranho considerando-se a tendência do português brasileiro atual (veja comentários
sobre uso de pronomes pela imprensa). Creio que o autor não esclareceu bem o leitor sobre como realmente usar o
pronome oblíquo de acordo com a norma padrão e "sem os exageros" da gramática tradicional.
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ÊNCLISE PRÓCLISE MESÓCLISE
(Pronome oblíquo depois do (Pronome oblíquo antes do (Pronome oblíquo no meio do
verbo) verbo) verbo)
Com verbo no futuro do
• É a posição • Quando houver palavras presente ou futuro do
pretérito se não houver
considerada básica ou expressões que elemento que atraia o pronome.
pela gramática atraem o pronome. Calar-me-ei.
normativa porque os Veja quadro detalhado na O torneio iniciar-se-á no
domingo.
pronomes oblíquos página seguinte. Os Convencê-lo-ei a voltar.
são complementos exemplos não foram
verbais. Ex.: colocados aqui por falta
Contaram-me que você Não se usa mesóclise se
de espaço. houver palavra ou expressão
chorou.
Se o tempo melhorar, vou- que atraia o pronome. Veja
• Com verbo no futuro do quadro a seguir.
me embora. presente ou futuro do
As reuniões do Congresso pretérito, quando não inicia
iniciaram-se ontem. oração. *
Eu me calarei.
• Ocorre sempre que o verbo
inicia a oração, exceto se * Não são todos os gramáticos que
estiver no futuro do apresentam essa possibilidade de
presente ou futuro do próclise. Almeida (1997, p. ) dá
pretérito (condições ao essa possibilidade. Bechara (2003, p.
lado). 589) também o faz. Alguns citam a
Dê-me o livro. possibilidade de próclise com esses
• Ocorre se entre a palavra tempos verbais apenas nas formas
de valor atrativo e o verbo proparoxítonas, como:
houver pausa ou Nós lhe perdoaríamos.
Nós nos derramaríamos.
intercalação.
... flor que, disse ele, chama-
se dália... • Com oração iniciada por
objeto direto:
• Com verbos no infinitivo
A grande notícia te dou eu.
O fato de eu tratá-lo bem...
Depois de esvai-ser em ...
• Com verbos no infinitivo,
• Com verbo no infinitivo
com preposição
precedido por preposição
O fato de eu o tratar bem...
por, quando os pronomes
Depois de se esvair em ...
forem o, a, os, as.
... por fazê-los...
Com verbo no infinitivo
impessoal, mesmo se
houver partículas atratoras:
Sem nunca alcança-lo.
Por não amá-lo.
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A próclise ocorre numa série de casos em que há palavras ou expressões que atraem o
pronome oblíquo. Observe o quadro a seguir.
PRÓCLISE
(Pronome oblíquo antes do verbo)
Ainda sobre os dois últimos casos do quadro anterior, é interessante observar que Cunha
e Cintra (1985, p. 307-308), comentando a colocação dos pronomes átonos no Brasil, afirmam
que, principalmente no colóquio normal, há preferência para a próclise. Citam:
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• a preferência pela próclise mesmo em orações não iniciadas por palavra que exija ou
aconselhe tal colocação: O usineiro nos entregava o açúcar... (J. Lins do Rego)
Eu me sento na rede.
Embora citem autores consagrados, os gramáticos não incorporam essas colocações nas
regras da gramática normativa. Fica o registro, mas não a anuência dos autores para esse uso na
forma padrão da língua. Na linguagem jornalítica, como veremos a seguir, a próclise nesses
casos é aceita como norma.
A ênclise ficará restrita a orações iniciadas por verbo ou com pausa ou intercalação antes
do verbo: V- pron. obl. ... ; ... (pausa/intercalação) V- pron. obl. ...
Nesse caso, não se justificam mais todas as regras de colocação de próclise a partir do
conceito de "palavras que atraem o pronome". As características fonéticas do português do
Brasil atual, bem diferentes das do português de Portugal, levaram a mudanças significativas no
que se considera uma colocação pronominal eufônica. É o que já assume a imprensa.
Devemos deixar claro, no entanto, que embora o esquema comentado tão resumido para
uso de pronomes oblíquos no português do Brasil possa ser depreendido dos vários exemplos
que os próprios gramáticos citam, explicitamente a gramática normativa não assume isso. Para
efeito de concursos ou provas que exigem a observância estrita da gramática normativa, é preciso
seguir as prescrições dos quadros apresentados.
A grande impressa atual, como comentamos, simplificou muito o esquema da gramática,
assumindo um padrão brasileiro de colocação pronominal, como veremos a seguir.
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• sobre próclise com pronome pessoal do caso reto: dá essa colocação como opcional à
ênclise, como em: Ela disse-me. ou Ela me disse. Recomenda, no entanto, a próclise. (p. 69)
• sobre mesóclise: “Por estarem hoje mais ligadas à linguagem erudita, convém, sempre que
possível, evitar essas formas.” (p. 69) “... devem ser evitadas no noticiário (conserve-as, no
entanto, em artigos e comentários assinados.” (p. 239)
• em locuções verbais com verbo no infinitivo: “... a colocação do pronome depois do
infinitivo é a preferível (dizer-lhe, procurá-la).” (p. 69)
Manual de Redação e Estilo da Editora Abril, p. 55. (Repare como as regras são
reduzidas ao mínimo. Os grifos são meus.)
• “Guie-se pelo ouvido. A regra básica para a colocação dos pronomes oblíquos átonos é a
eufonia, ou seja, a elegância e suavidade na pronúncia. Assim, quando possível, procure
usá-los antes do verbo.” E quando antes do verbo não é possível? Com futuro do presente
e futuro do pretérito (casos de mesóclise) e no início da frase. Sobre a mesóclise, no entanto,
veja o que diz o Manual: “Fuja da mesóclise (pronome no meio do verbo). Embora
gramaticalmente correta, é forma estilisticamente pedante...”
• “Nas locuções, deixe o pronome solto entre um verbo e outro...”
Comparando o uso prescrito pela norma e o efetivamente usado pela imprensa, podemos
concluir que para a colocação adequada dos pronomes oblíquos átonos no Português Brasileiro
atual, em textos formais, porém menos cerimoniosos ou para ou público em geral, não há
necessidade de decorar as regras dos quadros das páginas anteriores. Ficou claro que o nosso
padrão, na maior parte dos casos, é o pronome oblíquo antes do verbo quando houver sujeito
preenchido. Basta lembrar que na língua escrita o pronome oblíquo é rejeitado no início de
frase. A mesóclise está mesmo banida. Uma forma de fugir da mesóclise é usar uma locução
verbal em vez de um verbo simples: “O torneio vai iniciar-se no domingo” ou “... vai se iniciar
...” em vez de “... iniciar-se-á...”. Por esse motivo, também parece descabido exigir dos
alunos, desde o primeiro contato com o tema, o domínio de todas as possibilidades. Algumas
devem se estudadas apenas para a compreensão de leitura de textos antigos ou muito formais,
que certamente não serão produzidas pelos alunos.
Chegamos, assim, ao mesmo esquema de uso de pronome oblíquo formulado a partir das
observações dos gramáticos:
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6 Dificuldades adicionais ao uso da ênclise
Além da falta de familiaridade com o pronome enclítico, pelo uso restrito no português do
Brasil, uma outra dificuldade para a colocação pronominal pós-verbal (ênclise) das formas
pronominais de 3a pessoa – o, a, os, as – é o fato de que há casos em que há alteração no final da
forma verbal pelo acréscimo de pronome oblíquo. São três casos, como citado e exemplificado
abaixo, que se justificam por questões fonéticas. Vejamo-los:
• Finais R, S, Z desaparecem antes de LO, LA, LOS, LAS, como em: tê-lo, perdê-las
• Finais ÃO, ÕE, AM, EM usam-se com NO, NA, NOS, NAS, como em: põe-na, vêem-nos
• Final MOS perde o S antes de “nos” e “vos”, como em: comprometemo-nos (Isso não
ocorre com "te" e "lhe".)
• Palavra EIS e os pronomes NOS e VOS, como em: A prova do crime? Ei-la aqui. O
motivo de seu gesto? O tempo no-lo dirá.
Repare que fica mais fácil entender esses casos, que são bastante formais e raramente usados,
se compararmos a forma popular (que não está de acordo com a norma padrão) com a forma padrão
culta da língua. Vejamos:
Finais ÃO, ÕE, AM, EM usam-se com NO, NA, NOS, NAS
Forma popular Forma padrão culta da língua
• dão ele ....................................... dão + o dão-no
• põe ela............................................ põe + a põe-na
• calam elas ................................... calam + elas calam-nas
• pedem elas ................................... pedem + elas pedem-nas
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7 Por que essa diferença na colocação pronominal prescrita pela gramática normativa
e na realizada no português brasileiro coloquial?
Estudos lingüísticos modernos sobre o tema apontam causas de natureza prosódica para a
mudança no sistema pronominal brasileiro, em relação ao europeu, como comenta, entre outros
autores, Vieira (2001).
Em termos bem simplificados, a explicação é a seguinte: os pronome oblíquos,
especialmente os átonos, não têm força fonológica para atuarem como um vocábulo
independente. Por isso são chamados de “clíticos”, ou seja, precisam estar anexados
(cliticizados) a outro vocábulo fonológico mais forte do que eles, assumindo o ‘status’ de uma
sílaba desse vocábulo. A gramática normativa assume isso porque assume o padrão do português
europeu. No português europeu, pelas características prosódicas da língua (o que popularmente
chamamos de sotaque), o clítico se liga à esquerda, ao verbo. Em geral as frases apresentam
sujeito vazio (oculto) e as flexões verbais são mantidas, logo, o verbo é o elemento mais forte
para atrair o pronome. VERBOpronome. Por isso o português europeu nunca começa frase
com pronome, pois o pronome (sendo fonologicamente fraco) não teria onde se “segurar” .
Quando há outros vocábulos fonológicos fortes antes do verbo, como palavras negativas,
advérbios, conjunções e todas aquelas classes de palavras citadas no quadro 3, o pronome pode
ficar antes do verbo (proclítico) porque estará fonologicamente apoiado nessas palavras.
ADVÉRBIOpronome Verbo.
O português do Brasil, pelas mudanças fonológicas e pelas quais passou, permite outra
colocação pronominal porque nossos pronomes átonos não são mais tão fracos fonologicamente.
A pronúncia das nossas vogais é mais acentuada. Repare que os portugueses pronunciam que e
nós pronunciamos que ou qui. Nossas flexões verbais não são mais tão fortes (simplificamos os
finais dos verbos, “comemos” os “ss”. Isso é compensado pelo uso do pronome reto como
sujeito, para marcar a pessoa verbal. O ritmo da nossa frase é diferente. Tudo isso contribuiu
para que nosso verbo não fosse mais um forte atrator para o pronome e este, sendo
fonologicamente mais marcado, pudesse ficar mais livre na frase, antes do verbo, até iniciando
frase: PRONOME verbo.
Há regras também para o posicionamento dos pronomes com locuções verbais (verbo
auxiliar + verbo principal). Nesse caso, é preciso observar se há alguma palavra que atrai o
pronome para antes do verbo auxiliar, conforme quadro 2 apresentado anteriormente. Em não
havendo tal palavra, é preciso observar a forma em que se encontra o verbo principal (infinitivo,
gerúndio ou particípio).
A seguir, temos o quadro das prescrições para uso de pronomes com locuções verbais.
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Se a locução verbal não vier precedida de Se houver partícula que atraia o pronome– caso
partícula que atrai o pronome: de próclise do quadro anterior:
• verbo auxiliar + verbo no infinitivo ou gerúndio • verbo auxiliar + verbo no infinitivo ou gerúndio
pronome depois do auxiliar devo-lhe dizer pronome antes do auxiliar não lhe devo dizer
devo lhe dizer Ninguém me vinha acompanhando
vinham-me acompanhando ou
vinham me acompanhando pronome depois do verbo principal
ou não devo dizer -lhe
pronome depois do verbo principal Ninguém vinha acompanhando-me
devo dizer -lhe
vinham acompanhando-me
Em resumo: Em resumo:
Quadro 3 - Regras para posicionamento do pronome oblíquo átono nas locuções verbais
Os pronomes LHE, LHES são formas do objeto indireto. Substituem a ele, a eles, a você,
a vocês; formas também aceitas pela norma padrão, porém mais comuns, menos formais.
(1) Faço tudo para meus filhos, mas nada lhes agrada (= nada agrada a eles).
(2) Você está vendendo seu carro? Vou lhe fazer uma proposta. (= vou fazer a você)
Vou-lhe
10 Os pronomes ME, TE, SE, NOS, VOS, LHE, LHES com SENTIDO possessivo
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Os pronomes pessoais átonos ME, TE, SE, NOS, VOS, LHE, LHES podem ser usados
com sentido possessivo. Um exemplo de Bechara (2003, p. 182) é:
Tomou-me o chapéu. = Tomou o meu chapéu.
Desses, no entanto, o que mais se encontra na grande imprensa, com esse sentido
possessivo, é o LHE. É considerado um bom recurso de estilo o uso de lhe, lhes no lugar de seu,
sua, seus, suas (dele, dela, deles, delas). Lembremo-nos de que recurso de estilo é
OPCIONAL; as frases abaixo também são da norma padrão. Apenas fica claro que o
uso de lhe, lhes as torna mais formais.
2a pessoa: Tu és ... Conheço-te de algum lugar. Tu te pareces com... Esse é teu livro.
3a pessoa: Ele é ... Conheço-o de algum lugar. Ele se parece com... Esse é seu livro.
3
Novamente é interessante notar que nesse exemplo há próclise com o pronome pessoal do caso reto. No entanto,
no capítulo de colocação pronominal, quando expõe os casos em que há atração do pronome, permitindo a próclise,
o autor não cita os pronomes pessoais retos.
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Exercício: Identifique nas frases abaixo os pronomes que demonstram falta de uniformidade
gramatical. Passe as frases para o padrão formal do português do Brasil.
13 Erro de concordância
Além dessas formas e funções principais dos pronomes oblíquos, há que se registrar
outro caso no português do Brasil atual. É o do pronome oblíquo átono na função de sujeito
de uma oração infinitiva que constitui objeto direto do verbo junto ao qual o pronome átono
se coloca como clítico. Alguns exemplos desse caso citados por Neves (2000, p. 453) são:
Na língua falada, e muitas vezes na escrita, por falta de conhecimento da norma padrão,
usamos:
Deixe eu falar...
Faça ele subir...
Mande ela voltar...
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A gramática normativa determina que se use pronome oblíquo nesse caso, uma vez que
ele ocorre na oração subordinada objeto da oração principal.
Outro caso a se considerar é o de os pronomes oblíquos átonos LHE, ME, TE, NOS,
VOS poderem se contrair com os pronomes oblíquos átonos de terceira pessoa - O, A, OS, AS.
Assim, contraem-se o pronome que ocupa a função de objeto direto e o que ocupa a função de
objeto indireto. Por ex.:
No português do Brasil não ocorre mais esse tipo de contração pronominal. Podemos
encontrá-lo em textos mais antigos e no português europeu. Do ponto de vista do ensino, vale a
pena conhecê-lo para compreensão de leitura. Não se justificam exercícios de uso dessas formas
para impor o uso, mesmo em textos formais.
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Bibliografia
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Está autorizada a cópia total ou parcial deste artigo apenas para fins de estudo e pesquisa, sendo
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