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Apreciação crítica
Texto A
Lê com atenção a apreciação crítica de Mamadou Ba que se segue.
A
presentador de The Daily Show, um manifestar-se ou a protestar algures e era preciso
dos mais famosos stand-up reprimi-lo», p. 36), retratando como a violência
comediants do mundo, o autor 35 simbólica e física era presença quotidiana em
deste livro é ele próprio um todas as esferas da vida dos não brancos, sobre-
5 condensado da história de uma das maiores tudo negros, e como foi a forma administrativa
vilanias ideológicas do século XIX, arrastada de gestão política da segregação racial e da
até finais do século XX: o Apartheid. manutenção do privilégio branco. Ele nasce 10
Nelson Mandela disse um dia que «uma 40 anos antes do fim oficial do Apartheid com a
autobiografia não é um mero catálogo de eventos chegada ao poder de Mandela, em 1994, e nessa
10 e experiências, mas serve também como uma década o regime sul-africano estava cada vez
espécie de anteprojeto em que os outros podem mais isolado, perdendo apoio das antigas po-
modelar as suas vidas», mostrando como a tências coloniais ocidentais devido à luta dos
história dos resistentes contra o Apartheid é 45 movimentos de libertação dos negros, mas tam-
também a história do país e da sua gente. bém às pressões e mobilizações internacionais
15 Assim se pode ler este livro que se contra o Apartheid, num continente quase
concentra numa história familiar cujo lugar de totalmente livre do jugo colonial.
enunciação parte dum corpo mestiço numa Todos os episódios contados com a avó e com o
sociedade em que a mistura racial era uma 50 avô, mas, sobretudo, com os colegas negros e
heresia. Trevor nasce do amor que a política do brancos da escola em que para estes era negro e
20 ódio transformou em crime porque, para a para aqueles era branco, são o resultado da
ideologia da supremacia racial, ele era o cultura da ideologia da raça que definiu a
resultado da conspurcação da pureza branca. dimensão cromática como uma fronteira de
O autor de Sou um crime nasceu em 1984, 55 identificação. Trevor percebeu bem cedo que
de mãe sul-africana negra e pai suíço germa- tinha de se posicionar face ao não lugar que o
25 nófono, na township de Soweto, arredores de Apartheid lhe atribuía: «Apesar de tudo, tinha
Joanesburgo, onde 8 anos antes Hector Pieterson, de escolher. Porque o racismo existe e temos de
uma criança de 13 anos, fora assassinado pela eleger um lado. Podemos afirmar que não
polícia numa manifestação estudantil. O autor 60 escolhemos lados, mas, mais cedo ou mais
narra a infância durante um regime que tarde, a vida obrigar-nos á a escolher» (p. 231)
30 mantinha o poder pela violência e terror («a «e com os miúdos negros, não estava constan-
township vivia num estado constante de temente a tentar ser. Com os miúdos negros,
insurreição; onde havia sempre alguém a simplesmente era». (p. 63).
4. A oração «que a política do ódio transformou em crime» (linhas 20-21) desempenha a função
sintática de
A. modificador do nome apositivo.
B. modificador do nome restritivo.
C. complemento do nome.
D. complemento direto.
5. A oração «que tinha de se posicionar face ao não-lugar que o Apartheid lhe atribuía» (linhas 55-57)
desempenha a função sintática de
A. sujeito.
B. complemento direto.
C. complemento oblíquo.
D. complemento indireto.
Q
uem leu há mais de uma década o 45 Nela, por causa dos avanços tecnológicos,
romance Nunca me deixes, de sofre-se perda de status e respeito por si
Kazuo Ishiguro, publicado em 2005 próprio. O fosso não existe só entre ricos e
pela Gradiva, editora portuguesa do pobres. Máquinas como Klara podem sofrer
5 escritor britânico nascido no Japão, poderá não se bullying, por parte dos humanos que as veem
recordar bem da história ou das suas 50 como uma ameaça, e são de alguma maneira
personagens. Mas nunca terá esquecido o escravas até ficarem obsoletas. Por outro lado,
impacto que sentiu ao lê-lo: não só por causa do há por vezes uma crença nela e nas suas
ambiente que o autor, galardoado com o Prémio capacidades por parte dos humanos que é
10 Nobel da Literatura anos depois, em 2017, recria inexplicável. Tal como existe a crença de
naquele romance distópico de ficção científica 55 Klara no Sol todo-poderoso.
que aborda a clonagem; mas também pela forma Uma das características mais apaixonantes
brilhante como conduz os leitores através da deste romance, em que Ishiguro volta a abordar
narrativa e demora a revelação do que realmente o tema da condição humana, da alma, da
15 ali se passa. Essa mesma sensação é-nos dada solidão, da doença, da morte, do amor, é a
pela leitura deste Klara e o Sol, o primeiro 60 oportunidade que o escritor tem aqui de jogar
romance que lança depois do Nobel, e que situa com a perceção através da maneira como Klara
algures nos Estados Unidos da América. Há por vê o mundo que tem à sua frente. Às vezes, as
isso em Klara e o Sol um imaginário e paisagens imagens que ela vê estão divididas em caixas.
20 como as dos quadros de alguns pintores norte- Isto é, sob stress, a sua visão muda: em vez de
americanos, com vastos campos e céu no 65 um único painel, surgem muitos painéis, às
horizonte, mas também, imagens como as dos vezes com imagens em conflito. Uma
prédios e luzes artificiais de Edward Hopper coincidência ou talvez não em relação à
(1882-1967). situação pandémica que agora vivemos, em
25 Klara é uma Amiga Artificial, um tipo de que passamos muitas horas em frente a ecrãs
androide alimentado a energia solar que os pais 70 de computador, enfrentando diversos rostos, tal
compram para que faça companhia aos filhos como Klara. E há cenas em que as suas
enquanto estes crescem. Ela é a narradora que nos memórias, se assim lhe podemos chamar,
descreve e revela todas aquelas personagens – parecem intrometer-se na sua visão, o que é
30 Josie, a menina que a escolhe para com- bastante surreal, pois não têm qualquer lugar
panheira; o seu amigo Rick, que constrói 75 naquilo que ela está a ver nesse momento.
pássaros mecânicos; as mães de ambas as «Como se fossem diferentes olhos», ou «uma
crianças, a governanta, o pai de Josie, etc. – e espécie de cubismo» como se lhe referiu
aquela sociedade imaginária, jovem, com valores Ishiguro durante a conferência de imprensa
35 em mudança servindo-se da Inteligência Artifi- online. Uma das coisas mais libertadoras que
cial como recurso para a vida quotidiana, com 80 conseguiu por ter escolhido uma inteligência
questões éticas levantadas pela opção de criar artificial como narrador. «É como se fosse
crianças geneticamente modificadas para serem aquela sequência na última parte do filme de
mais capazes. Com alguns ecos do tempo atual, Kubrik, 2001: odisseia no Espaço, em que as
40 pois há poluição neste mundo e estes jovens coisas ficam muito avant-garde, em que vemos
estudam a partir de casa, frente a um retângulo e 85 no ecrã aquelas formas estranhas coloridas e
de auscultadores nos ouvidos. É uma sociedade abstratas. Lembro-me de ver aquilo em miúdo e
estratificada, em que uns ainda mantêm o emprego pensar como era interessante podermos colocar
e outros o perderam para sempre. um pedaço de um filme completamente abstrato,
Texto A
1. C; 2. C; 3. A; 4. B; 5. B.
Texto B
1. B; 2. D; 3. C; 4. D.