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Chidi limpa a testa, pegando suor e sujeira com seus dedos ensanguentados.

Em pé,
mesmo com as feridas ainda frescas, o sacerdote do crepúsculo se prostrava ereto,
imponente, largo, com sua capa branca esvoaçando junto com a poeira que ofuscava sua
silhueta. Ao lado deles, corpos caídos cozinham no calor de Zaurus, aqueles todos
seguidores loucos dos Iluminados, que almejam a morte de Chidi pela sua insolência e
sacrilégio.

Os fanáticos sobreviventes levantam suas espadas. Chidi vê centelhas de luzes refletidas


em suas lâminas. Ele sabe que o sol observa do alto, aguardando seu próximo passo. A
possibilidade de morrer ali passa pela sua cabeça, mas ele apenas contempla o segundo
que se passava todo aquele cenário, como em outras investidas, estava certo, seu
propósito não havia sido alcançado, e portanto, era inconcebível o proximo segundo levar
ao caminho da derrota. Era só uma emboscada simples. Chidi não se tornou o Orgulho de
Nazumah para perecer na mesma savana onde seus ancestrais venceram adversários
ainda mais grandiosos. Aqueles que enfrentava naquele momento eram meros invasores na
melhor das hipóteses, perdidos nas ilusões de conquista de algum mago pirado.

Os fanáticos gritam, e os arbustos secos reverberam com o som dos seus pés em investida.
Chidi observa a movimentação deles e percebe que há zero estratégia naquelas ações,
apenas sede de sangue. Ele estreita os olhos e mesmo com as pernas surradas, mesmo
com o peito machucado, mesmo sentindo o gosto do próprio sangue na boca, se prepara.

Metal bate contra metal: as espadas lunares crescentes de Chidi aparam um golpe letal e
os desvia para sua adjacência para performar um golpe preciso e misericordioso.

Os fanáticos mergulham na sua direção, atacando de todos os ângulos. São quantos?


Quatro, cinco, seis? Sua visão falha, talvez por causa do calor, talvez por causa da
exaustão, e ele dá um passo à frente, mas o joelho direito cede. Ele se estabiliza com as
espadas crescentes e bloqueia os golpes vindos de cima e de baixo. Os inimigos se
empilham à sua frente. Devem pensar que ele atingiu o seu limite. Tolos.

Numa rápida investida, Chidi impulsiona seu joelho com voraz energia para suportar o peso
da força do inimigo e a dor que percorria seu corpo. Cruzando as mãos, o corte natural das
suas lâminas curvas ceifa a energia vital que mantinha seus inimigos de pé.

A hesitação do próximo segundo dos homens que vieram mata-lo mostrou-lhe o que havia
conquistado, o medo de seus corações. Com exceção de um homem, o qual a silhueta se
destacou na poeira somente agora, e sua voz se misturou com o uivo do vento do deserto.

- Aí está você. Isso tudo é perfeitamente quem você é. Por que se esforça tanto para
fazer parecer que você não é essa poça de sangue que você acabou de causar?

O homem pergunta, com uma voz debochada e firme, como se tivesse lido toda a biografia
de Chidi Woulke.

- Tolice seria me esforçar em fazer cadáveres ouvirem o que tenho a dizer.


- Acha que pode fugir pra sempre? Você devia saber, você caçou suas vítimas como
um animal, por riqueza somente. Quem acha que engana, carregando todos esses
símbolos, fazendo a travessia sagrada, fala sério, nem você mesmo acredita nisso.

Chidi não respondeu, não por falta de argumentos, mas também por desinteresse em se
explicar para alguém que não fazia parte do roteiro de sua vida, um figurante. Ele dá três
passos à frente, sua face, imutável e concentrada, como se cada minúscula tarefa fosse
desempenhada com esmero.

- Não precisa morrer aqui.


- Mas você precisa. Alguem precisa dar algo pra preencher o vazio das vítimas que
você fez.
- Isso não é problema meu. Não há nada que eu possa fazer para sanar os erros que
cometi, o que foi feito está feito, e nada vai mudar. Se quer vingança, tente me
matar, mas meu propósito não está finalizado, portanto não posso me entregar.

O homem finalmente permite a vulnerabilidade ao mostrar a raiva preenchendo seu rosto


confiante. Balançando a cabeça como se estivesse confirmando a contra gosto uma
hipótese que alguém lhe contara.

- Você já não tem mais jeito.

E numa velocidade incrível, o homem desfaz a distância entre os dois com um salto tão
bem performado que sua capa tapa o sol escaldante mas o contraste de sua sombra fez os
olhos de Chidi encontrar a luz do sol em sua lâmina e o cegar por um instante, e por um
momento, ele pensou que o próximo segundo, seria o segundo final.

Não.

Não pra ele. E nem para os homens ao seu redor. Ele não fez fluir a magia de suas veias,
ele apenas acreditou, e não precisou fechar os olhos, a ponta do eclipse daquele ano
apareceu no mesmo instante, tapando o sol o suficiente para evitar a cegueira da lâmina
que estava a poucos centímetros do seu coração. Não seria hoje. Seu corpo rapidamente
manobrou a espada do inimigo, com o auxílio da sua espada lunar, o golpe acertou seu
ombro, e o inimigo caiu à sua frente. Chidi o abraçou com um braço, e posicionou a curva
da lamina lunar no pescoço do homem.

Sabia o motivo de ter sobrevivido, foi como um aviso de que não deveria morrer agora, pois
a tarefa permanecia. Mas também, como um presente de Megalith, Chidi pode perceber
quem era seu oponente, e ele também, não pôde manter a sobriedade, ao inves disso,
sentiu angústia e dor. E raiva.

- Não devia ter vindo atrás de mim, Aoshi.


- Você nos abandonou. Você matou Endrika. Como pôde seguir em frente mesmo
tendo feito o que você fez?!

Chidi se afastou, sentindo a lamina de Aoshi deixar seu corpo, e guardou suas espadas
lunares.
- Para que fim eu retornaria? Não há luz no nosso passado, apenas escuridão. E
minha escuridão agora, não engloba nenhum de vocês. Há algo maior do que eu e
você.
- Mentiroso! Você não acredita nisso! Você nos amava, nós éramos o seu mundo, não
tem como você negar a nossa existência!
- A minha existência é um sopro, e eu farei uso dela para cumprir a tarefa maior. Eu
estou exatamente onde eu quero estar, não devo retornar, e se quer ver Inana ter
um alvorecer onde as suas mães possam levar seus filhos pelas florestas serenas
sem medo, não entre no meu caminho novamente. Nenhum de vocês.

Chidi ergueu sua mão ferida, e com a escuridão do eclipse e o raio do sol que refletia nos
grãos de areia do deserto, a luz do crepusculo irradiava de suas mãos, retornando a energia
vital para os pulmões dos seus inimigos que estavam no chão, e aos poucos, eles abriam
os olhos para vislumbrar o vencedor daquela batalha.

Chidi montou em seu cavalo e deu mais uma ultima olhada em seu antigo braço direito, que
um dia já compartilhou planos bem elaborados de roubos a mansões e até mesmo
assasinato. Um vestígio de um passado sombrio e banhado de sangue. O seu olhar fixo em
direção a Aoshi foi o aviso velado de que eles não deveriam segui-lo, e assim, Aoshi não
deu a ordem.
Assim, o clérigo do crepusculo retomou sua jornada em direção ao seu mentor, enquanto o
sol retomava seu domínio.

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