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Em um campo de batalha jaziam milhares de corpos amontoados.

Antes que a luz do sol banhasse


novamente o vale, a sombra da hora mais escura trazia consigo aquela que carrega os homens para o
outro lado quando seu tempo neste mundo já se cumpriu. Em seu vôo fúnebre trazia uma sombra
negra que arrastava os espíritos dos finados consigo. Enquanto observa os rostos silenciados dos
novos cadáveres que farão parte de sua tutela, ela somente lamenta não haver uma só alma
sobrevivente para contar os contos daquela batalha entre os vivos.

Nesse momento, ele a vê. O mais bravo guerreiro, o comandante das tropas, aquele que foi o último
a cair, ainda conserva um restante de fôlego apenas para manter os olhos abertos e a alma presa aos
ossos. “Tu és a criatura mais linda que meus olhos já viram, como uma deusa que me traz alento na
minha mizéria. Quem és?”

“Eu sou a Morte”, ela responde. “Achei que tu serias um demônio ou um monstro voraz que
devoraria minha alma. Mas agora só o que vejo é a mais majestosa dama a quem eu abraçaria com
pronta satisfação!”, replica o cavaleiro.

“Muitos já tentaram barganhar comigo. És o primeiro que tenta me cortejar. Achas que fazendo
assim podes me escapar com mais sucesso que os outros?”, indaga a senhora sombria.

“Não desejo te escapar. Da vida não trago nada que me faça querer voltar. Anseio que me leves logo
para que eu repouse feliz em teu seio.”, ele responde. Ao que ela retruca: “Em meu seio não
repousarás, somente o esquecimento e o silêncio te aguardam. Nenhum pensamento, nenhuma dor,
nenhum prazer.”

“Não há meio de que eu tenha teu coração e esteja no teu?”, pergunta ousado o guerreiro
moribundo. A Morte mal compreende as estranhas idéias daquele peculiar mortal. Lembra no
entando de seu anterior lamento. Reflete um breve instante e o interpela: “Viverias por mim até que
nosso próximo encontro seja invitável?”

Ergue o rosto esbranquiçado o intrépido herói. “Viverei para provar meu valor a ti. E quando eu
provar me darás teu amor.” Não uma pergunta, mas uma afirmação. A Morte surpresa e intrigada
com tamanha ousadia que limia entre a ingenuidade e a mais alta ambição.

“Pois bem mortal. Não te levarei hoje. Me mostre do que é capaz, e quem sabe terás te provado
valoroso o suficiente para mim até nos encontrarmos de novo.” A alva sobe sobre o vale, a imagem
da dama sombria se dissipa. O cavaleiro leva a mão ao ferimento de morte em seu ventre e vê que já
não sangra, nem dói. Apóia-se em sua espada e se levanta. Olha ao redor, mais nenhum só homem
de pé. Os corvos já se banqueteiam.

Foi assim que Ezra, o cavaleiro negro de Essênia se apaixonou pela Morte.
A forja fervia e a montanha rugia. Criaturas sombrias, escravos disformes, se apressavam em seu
trabalho operando os maquinários e aquecendo as caldeiras. Um rugido mais forte, profundo como
o trovão, como de uma criatura mais maligna que todas ali que acaba de despertar, estremece a
todos.

De dentro da magma, suspenso por correntes emerge o monstro. Uma criatura de tamanho e força
imensuráveis. De pele vermelha, chifres negros e presas afiadas. Ao abrir os olhos negros a primeira
figura que o monstro recém-nascido vê é o seu criador: Udyr, o feiticeiro.

“Agora te dou boas vindas. A você que será o general de meus exércitos! Com tua força esmagarei
os reinos dos homens. E tu serás a ponta da lança da morte. Cumprindo todos os meus desígnios em
meu nome!”, exclama o feiticeiro.

“Quem... ?”, balbucia o monstro sua primeira palavra. “Aglas, será esse o teu nome!”. Batizado e
pronto para o combate e a matança, ele prontamente obedece seu mestre em tudo o que lhe ordenar.
Devasta exércitos, chacina vilas, massacra reinos. Uma imparável máquina de morte que acumula
troféus em forma de cabeças para seu mestre.

Mas a cada estação ele parece adquirir gradativa consciência. Começa a entender o que é vida e o
que é morte. Porque os homens lutam, e suas viúvas choram. Na sua maior batalha, ele tem o
primeiro vislumbre da derrota. De seu lado, e do inimigo todas as tropas, dos mais rasos soldados
até os comandantes, aniquilados. Trava um duelo final com um jovem e valente cavaleiro de negra
armadura. Finalmente o abate. Mas já lhe nega mais atenção antes mesmo que o corpo caia ao chão.

Finalmente um lampejo de consciência. Um pensamento independente nasce pela primeira vez em


sua mente. “Por que lutar?”, “Por que matar?”, “Por que obedecer?”. Ao voltar para seu mestre, o
confronta. Este o procura subjugar, entendendo que sua arma adquiriu mente própria. Mais ágil
porém, Aglas fere o feiticeiro com força para despedaçá-lo. O que só não ocorre devido à sua forte
magia. Em um último esforço, vendo que não poderá evitar a derrota, Udyr reúne o poder que lhe
resta para banir o monstro o mais longe de si que consegue.
O conto consiste em duas sagas paralelas de dois protagonistas cujos caminhos se cruzam em
alguns pontos. Ezra, o cavaleiro negro, persegue a trilha de um monstro que dizimou seu reino e sua
família, e que foi criado por um feiticeiro maligno. Após ter tido um vislumbre da Morte no campo
de batalha, Ezra se apaixona por ela. E a partir daí passa a tentar feitos cada vez mais
extraordinários em bravura e em ousadia, como uma forma de cortejar a Morte. Ao encarar o
feiticeiro inimigo, ele o encontra quase morto pelo ataque se sua própria criação. O feiticeiro acaba
por ludibriá-lo com promessas de poder e transfere para Ezra sua própria essência antes de morrer.
Assim ele obteria poder para sua vingança e para impressionar ainda mais sua amada. No decorrer
de sua jornada ele entra em crescente decadência, se tornando cada vez mais cruel e sanguinário, na
crença de que cada vez mais se aproxima dela.

Enquanto isso, Aglas o monstro criado pelo feiticeiro Udyr, após se voltar contra seu mestre, quase
matá-lo e ser banido para longe, encontrasse com seres místicos da floresta que o guiam e lhe
ensinam sobre a dualidade do bem e do mal, e a capacidade de escolha que foi dada somente aos
homens. Ele acaba se encontrando com uma princesa humana que cativa seu coração, mas ao
compreender que não poderia viver com ela, Aglas desenvolve o desejo de se tornar humano. Ele
parte então em sua própria jornada, orientado pelos espíritos, em busca de essências de luz que o
tornariam humano através de feitos de altruísmo. Onde cada feito transformará uma parte de seu
corpo em humana, até que ele seja um homem completo. Enquanto segue seu caminho de
iluminação, Aglas é perseguido por aqueles que o vêem como um monstro maligno. Além de seu
caçador.

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