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SINOPSE

Uma morte mudou tudo.

Quando Nathaniel Shield arriscou tudo para me proteger, eu


não poderia ter previsto a verdade e as mentiras que meu desgosto
revelaria.

Dois corações partidos.

Confrontada com o conhecimento do meu poder, devo lutar


pela minha vida contra a Rainha Brilhante, o Rei Caído, os humanos
vingativos e até mesmo meu próprio povo que me quer morta. Mas
há muito mais em jogo do que minha própria vida.

Três destinos estão em jogo.

Não importa o quanto eles me temam, o destino dos humanos


e dos feéricos está em minhas mãos. Quando a atração da escuridão
se torna demais, apenas Nathaniel pode me tirar das sombras.

Mas até onde irei para salvá-lo?

Eu tenho três dias de vida. O último dia começou.


Para todos os que ousam ter esperança
Capitulo 1
Abro caminho pela terra no centro da arena. Sangue e poeira
cobrem meus dedos, minha armadura rasgada e até meu cabelo
branco. A magia negra de Cyrian corre através de mim, rasgando
minhas entranhas como adagas. O peso da agonia me empurra para
mais perto do chão até que eu esteja me arrastando pela poeira.
Não vou parar até chegar ao lado de Nathaniel.
Ele está a alguns passos de distância, seu corpo estendido onde
Hagan o deixou. Mesmo na morte, a figura poderosa de Nathaniel
preenche meus sentidos, seus braços musculosos, seus ombros
largos e coxas fortes exigindo meu foco. Cada parte dele, seu corpo e
sua alma ausente, me chama como se ele ainda estivesse vivo.
Seus olhos estão fechados, seu peito está parado, e a poça de
sangue sob ele continua a crescer, um aumento constante que aperta
meu coração mais dolorosamente do que a magia de Cyrian. Fios do
cabelo castanho de Nathaniel estão grudados em sua mandíbula,
suor e sangue fazendo-os grudar em seus lábios carnudos.
Uma única linha delicada de sangue corta a areia entre ele e eu,
o caminho que agora sigo.
Meu único objetivo é me arrastar para perto o suficiente para
afastar o cabelo de seu rosto e alisá-lo.
É um objetivo sem esperança e impotente. Mas é tudo o que
tenho.
Os espectadores nas arquibancadas gritam comigo. Agora que
a luta acabou, os caçadores de Cyrian estão forçando os humanos a
deixar a arena sob a mira de uma lança. Muitos deles gritam o nome
de Nathaniel. Outros gritam com Hagan, chamando-o de monstro,
mas muitos mais — muitos mais — gritam pelo meu sangue.
— Matem-na!
— Façam ela pagar!
Seus gritos vingativos me atingem. Eu sou a feérica que causou
a morte de Nathaniel. Pelo que eu suspeito que pode ser a primeira
vez, os humanos gritam em apoio a Cyrian. Nathaniel era a
esperança deles. O verdadeiro herdeiro do trono humano. O
legítimo Rei Caído.
É minha culpa que ele esteja morto.
Há dois dias invoquei a Lei dos Campeões. Eu amarrei
Nathaniel para lutar comigo até a morte no final do terceiro dia.
Invoquei a Lei por engano, um desafio proferido com raiva e medo.
O resultado da luta determinará o destino de ambas as terras. Se eu
vencer, minha rainha governará Brilhante e Caído. Se o campeão de
Cyrian vencer, Cyrian governará.
Ontem, Cyrian invocou as Três Chances para substituir
Nathaniel como seu campeão. Para Cyrian ter sucesso, Nathaniel
tinha que morrer ao amanhecer de hoje.
O céu está ficando mais brilhante a cada segundo. Em minutos,
os primeiros raios de sol brilharão através da névoa que cobre o país
dos Caídos. Assim que isso acontecer, Hagan substituirá Nathaniel
como campeão de Cyrian, e eu serei obrigada a lutar contra Hagan
antes do amanhecer de amanhã.
A quatro passos de distância, Hagan não saiu do local para
onde recuou depois de matar Nathaniel. Ele é o único outro humano
com força para desafiar verdadeiramente Nathaniel. O peito largo de
Hagan é coberto com runas que são visíveis através dos rasgos em
sua camisa. Duas cicatrizes grossas se torcem e se cruzam em seu
estômago, perceptíveis sob as bordas esfarrapadas de suas roupas.
Sua expressão é vazia, seus ombros curvados, seus lábios
contraídos e pálidos. A trança de seu cabelo preto está emaranhada
com sangue perto de seu couro cabeludo. A inteligência geralmente
aguda em seus olhos castanhos é opaca, seu olhar vazio.
Ele empurrou Nathaniel para fora do caminho de uma loba
durante a luta, empurrando Nathaniel contra uma das pontas
mortais que se projetavam das paredes da arena. Por mais que eu
queira odiar Hagan, não acredito que ele estava tentando matar
Nathaniel naquele momento.
Cyrian caminha ao meu lado enquanto rastejo pela poeira, sua
risada jubilosa me esmagando tanto quanto sua magia. Eu uso um
pouco do meu poder de luz estelar para ajudar a aliviar a dor que ele
está me causando. Agora que o sol está nascendo, meu poder é
finito. Tenho que ter cuidado com a quantidade que uso porque,
depois que acabar, não terei mais nada até o pôr do sol.
Elevando-se sobre mim, a luz escura de Cyrian pisca em torno
de seu tronco e braços. Ela brinca em seu cabelo preto, destacando as
runas coloridas que vão desde o ombro direito até a pulseira de
prata que ele usa.
Seus olhos castanhos escuros brilham com triunfo.
— Onde você está indo, Aura? — Cyrian ri, chutando areia no
meu rosto.
Consigo fechar meus olhos antes que a areia me atinja, tossindo
e virando meu rosto, meus olhos lacrimejando enquanto continuo a
rastejar ao longo do meu caminho doloroso.
— Nathaniel está morto. — Rosna Cyrian. — Não há nada que
você possa fazer agora.
Não sou forte o suficiente para impedir Cyrian de me
machucar. Ele me avisou que não sou páreo para sua ilimitada
magia negra. A princípio não acreditei nele, mas agora acredito.
Aproveitando outro fio do meu poder para me dar força, eu me
arrasto a distância final agonizante para o lado de Nathaniel.
Cyrian não tenta me impedir enquanto me abaixo no peito de
Nathaniel, enrolo meus dedos em sua mão e pressiono minha testa
na dele. Estou respirando pesadamente, quase desmaiando. Levou
tudo que eu tinha para voltar para ele. Tenho sorte que a Lei dos
Campeões impede Cyrian de me matar. Se não, eu estaria morta
agora.
A palma da mão e o rosto de Nathaniel estão quentes contra os
meus, me dando a ilusão de que ele ainda está vivo. O espaço entre
nós brilha como sempre acontecia quando nos tocávamos. Engasgo
ar em meu peito, tentando ficar lúcida, tentando conter meus gritos.
Não havia nada que eu pudesse fazer para salvá-lo. As Três
Chances me impediram de usar meu poder para influenciar o
resultado da luta entre Hagan e Nathaniel. Quando o Dragão Vanem
voou para o país Caído para prender Nathaniel e Hagan em sua luta,
ele avisou a mim e a Cyrian que a magia feérica e a magia negra não
poderiam ser usadas para interferir na luta. Até o amanhecer,
nenhum de nós pode tocar Hagan ou Nathaniel com nossa magia.
Apesar disso, eu tentei. Depois que ele foi empalado, pressionei
minhas mãos sobre o coração de Nathaniel e inundei seu peito com
meu poder na tentativa de cauterizar suas feridas e estancar o
sangramento. Desesperada para salvar sua vida, desafiei as Três
Chances a me repelir ou até me matar. Não adiantou nada. Minha
magia brilhou, mas a respiração de Nathaniel parou.
Soltando sua mão agora, meu braço treme enquanto pressiono
minha palma contra sua bochecha. Minha mão sai coberta de poeira
cinza. Meu poder vaza entre nós, apesar de todos os meus esforços
para contê-lo. Estou tremendo e com dor, mas determinada a alisar
seu cabelo, apesar do sangue e da poeira em seu rosto.
Agora que estou tocando nele novamente, meu controle está
quebrando.
Tudo dentro de mim está quebrando. Minha mente, meu corpo,
até a cavidade dentro do meu peito onde a morte de Nathaniel
rasgou meu coração.
Onde está o seu coração?
Balanço minha cabeça violentamente, tentando deslocar a
pergunta que Cyrian sussurrou para mim durante a luta. Ele olhou
para mim como se de repente eu tivesse sido um mistério para ele. A
intriga em seus olhos me encheu de medo. Eu não tinha uma
resposta para ele porque sua pergunta não fazia sentido. Tudo o que
sei é que passei o último dia como escudo de Nathaniel, protegendo-
o de lobos, caçadores, até mesmo da tortura de Cyrian, mas, no final,
não consegui protegê-lo da morte.
Antes que eu possa terminar minha tarefa, Cyrian se inclina
sobre mim, envolve seus dedos em meu cabelo e puxa minha cabeça
para longe de Nathaniel. Meus braços se estendem, recusando-se a
soltar os ombros de Nathaniel, mesmo quando a dor que a magia
negra de Cyrian me causa atinge o ponto em que não consigo mais
funcionar.
Meus pensamentos são simples, reduzidos a um único e
avassalador instinto: não solte.
A respiração de Cyrian é quente contra minha orelha quando
ele se ajoelha e se curva sobre mim, ainda segurando meu cabelo.
— Segure-o enquanto pode, Aura. — Ele sussurra. — No
momento em que o sol nascer, usarei minha magia para despedaçar
o corpo de Nathaniel. Posso deixar você com a mão dele, mas isso é
tudo.
Meus gemidos se transformam em um grito alto agora que a
arena está quase vazia.
— Fique longe dele!
Fora de controle, meu poder explode entre nós, a luz fria das
estrelas chiando em ambos os meus braços, um estendido para
empurrar Cyrian para longe, o outro pressionado contra o peito de
Nathaniel.
Cyrian se afasta de mim.
A onda de magia negra envolvendo seu corpo o protege do
impacto ardente da minha luz das estrelas, e tenho sorte que isso
acontece. Até a luta final, não posso machucar um humano. A
punição por quebrar essa regra é minha morte instantânea.
Mesmo assim, Cyrian solta meu cabelo tão de repente que
minha cabeça vira para o lado. Acabo encarando Nathaniel,
observando impotente o poder que liberei fluir por seu peito, raios
brilhantes como um raio, uma explosão forte o suficiente para parar
seu coração se ainda estivesse batendo.
Um soluço sobe dentro de mim, mas antes que eu possa soltá-
lo, Cyrian me dá um tapa tão forte que minha cabeça bate na de
Nathaniel. O impacto estala entre nós, uma faísca de luz das estrelas
acendendo em nossos rostos. O lampejo é tão brilhante que é como
se nossos corpos fossem de pederneira.
Lágrimas de dor escorrem pelo meu rosto. Agarro os ombros
de Nathaniel, tentando impedir que o mundo gire enquanto dou
outro grito. Meu choro engasga na minha garganta enquanto inalo o
cheiro de sua pele. Caramelo queimado poderoso, tão quente que
tenho certeza que fui eu quem o queimou.
Cyrian me agarra novamente, mas suas mãos mal tocam meus
ombros antes de Hagan se lançar contra ele com um rugido.
— Deixe-a sofrer!
Chocada, olho para Hagan enquanto ele agarra o peito de
Cyrian, o desequilibra e o joga no chão.
Hagan nunca foi meu amigo. Ele e Nathaniel treinaram lado a
lado quando meninos, chamavam um ao outro de irmãos, mas isso
foi antes de Cyrian assumir o controle de Hagan e dos outros
caçadores e transformá-los em seus assassinos.
Cyrian cai de costas no chão, o rosto cheio de raiva.
— Isso foi um erro, Hagan.
Levantando-se rapidamente, Cyrian se afasta, fechando a
brecha para que os dois homens fiquem frente a frente. Cyrian já foi
um campeão, um guerreiro. Suas habilidades físicas deram lugar à
sua dependência da magia, mas ele ainda é mais forte que o humano
médio.
Hagan dá de ombros lentamente enquanto se mantém firme.
Ele olha para o céu.
— Acho que tenho mais dez minutos antes que sua magia
negra possa me tocar novamente. Depois disso, cabe a você decidir o
que fará comigo. Você deve considerar o resultado se machucar seu
campeão antes da luta final.
A luz escura enche os olhos de Cyrian. Ele range os dentes.
— Você vai se arrepender de me desafiar.
Hagan retribui o olhar de Cyrian. Ele balança a cabeça, um
movimento lento e certo de um lado para o outro.
— Minha família está morta. Christiana está segura. Não tenho
mais honra, nem reputação para manchar. Não há como você me
machucar além de me torturar e me matar.
— Todo mundo tem um ponto de ruptura.
Hagan aponta para a cicatriz que corta seu estômago.
— Você já encontrou o meu e o usou a seu favor. Nathaniel está
morto. Meu meio-irmão também. Você não tem influência sobre
mim agora.
Cyrian dá um passo para trás, seus olhos penetrantes
percorrem o rosto desafiador de Hagan antes de pousar em mim. A
mão de Cyrian voa, uma luz negra lança o ar em meu peito e a dor
grita através de mim novamente.
Em resposta, o punho de Hagan voa, acertando Cyrian no
queixo, mas Cyrian continua a despejar escuridão em mim mesmo
quando Hagan o acerta novamente.
Minha magia já estava fervendo na superfície, vazando entre
Nathaniel e eu. Explode ao meu redor, um escudo brilhante. Não
posso me dar ao luxo de usar tanto, mas não consigo parar.
Fecho meus olhos enquanto a dor diminui quanto mais eu me
concentro na minha luz estelar e sua fonte no fundo do meu peito,
bem dentro do alcance da minha mente. Aquele lugar vasto e
silencioso onde nada existe exceto minha luz.
Deixando minha cabeça cair no peito de Nathaniel, eu arrasto o
cheiro de sua pele novamente enquanto meus dedos se enrolam em
sua camisa rasgada, pressionando contra seu peito.
Seu peito quente.
Eu me afasto para estudá-lo.
Ele não deveria estar tão quente. Ele não deveria parecer tão
vivo.
Pressionando meu ouvido em seu coração, eu escuto...
esperando... esperando... por uma batida. Esperando estar errada
quando vi sua respiração parar. Quando ele ficou completamente
imóvel.
Eu não ouço nada. Sem sons respiratórios. Nenhum coração
brilhante batendo em seu peito.
Lágrimas escorrem pelo meu rosto quando abro os olhos. Estou
consciente de Hagan levantando Cyrian e jogando-o pela arena com
tanta força que Cyrian salta e rola. Os caçadores não voltaram, mas
voltarão em breve. Hagan pode ser o líder deles, mas não vai
demorar muito para Cyrian ordenar aos caçadores que o contenham.
— Nathaniel. — Sussurro, pressionando minha bochecha na
dele. — Onde você está?
Correndo meus dedos por seu cabelo, fico chocada ao ver sua
pele corar quando pressiono minha mão contra sua mandíbula.
Seu coração pode não estar batendo, mas de alguma forma,
impossivelmente...
Ele está vivo.
Não há outra explicação para seu calor e a reação de seu corpo
ao meu, o brilho entre nós, seu cheiro, sua imensa presença
preenchendo meus sentidos...
Agindo rapidamente, rasgo o buraco em sua camisa onde a
ponta rompeu. A ferida fica acima do coração, no ombro.
Olho em choque para a pele ao redor do ponto de saída.
Está parcialmente cauterizada. O sangue escorre do corte, mas
apenas em gotas.
Minha cabeça começa a tremer enquanto tento entender como.
A única explicação é que eu fiz isso. Pode ter sido quando pressionei
minhas mãos no peito de Nathaniel pela primeira vez antes de
Hagan me afastar e me dizer que tinha que acabar com a vida de
Nathaniel. Ou pode ter sido quando minha raiva disparou através
de mim agora e eu gritei para Cyrian se afastar de Nathaniel.
Nada disso deveria ser possível.
Minha magia feérica não deveria ser capaz de tocá-lo...
Alcançando seu peito, luto para virá-lo de lado para verificar o
ferimento de entrada em suas costas. O peso de seu torso e músculos
e o sangue cobrindo seu peito dificultam minha tarefa.
Reposicionando-me rapidamente e puxando minhas pernas sob
mim, eu uso meus joelhos como uma cunha sob suas costas para que
eu possa levantá-lo lentamente. Com um impulso final, finalmente
consigo fazer com que seu braço esquerdo caia sobre o peito para
que a gravidade o puxe o suficiente sobre o estômago para que eu
possa levantar sua camisa e estudar a ferida deste lado.
Também está cauterizada.
Não entendo como minha mágica funcionou, mas se eu fizesse
isso, se de alguma forma minimizasse o fluxo de sangue, então
poderia terminar o trabalho.
Inclinando-me sobre ele, deslizo minha mão direita sobre suas
costas e minha mão esquerda em seu peito, cobrindo os pontos de
entrada e saída da ferida.
Eu tenho que ser cuidadosa.
Ontem, Nathaniel descreveu meu poder como tendo muitas
facetas, a capacidade de destruir, assim como o poder de curar.
Aliviei a dor em suas costelas machucadas aquecendo seu torso com
a luz das estrelas. Agora preciso da ponta afiada do meu poder, o
elemento ígneo. Demasiado irá destruir qualquer vida que se apegue
dentro dele. Muito pouco não vai funcionar.
Aproveitando o poço de poder dentro de mim, consciente da
quantidade limitada que me resta, permito que a luz das estrelas flua
do meu peito para os meus braços. Não o tempero, não o amoleço,
permitindo que permaneça afiado e espinhoso. Um frio ardente.
Pontinhos de luz das estrelas se alargam sob minhas palmas
enquanto eu bloqueio os gritos de Hagan e Cyrian a apenas alguns
passos de distância de mim.
Seguro meu poder por mais um segundo antes de liberá-lo.
A luz pisca em ambos os lados do peito de Nathaniel.
Rapidamente desligando meu poder, verifico suas costas
primeiro, então sua frente. Ambos os lados da ferida estão
completamente cauterizados.
Eu não o curei. Seus ferimentos internos ainda são
catastróficos, mas eu o impedi de perder mais sangue. Agora eu
preciso que ele respire novamente. E então eu preciso levá-lo a um
curandeiro. Não sei como vou fazer isso, mas digo a mim mesma
para enfrentar um problema de cada vez.
Abaixando-o de costas, encaixo meus lábios nos dele.
Expirando, eu respiro em sua boca, da mesma forma que ele
respirou na minha depois que visitamos o local onde matei meus
pais. Parece que foi há uma vida atrás que Nathaniel trouxe a
respiração de volta ao meu peito.
Ao mesmo tempo em que respiro em sua boca, pressiono
minhas pontas dos dedos contra suas têmporas, permitindo que
minhas mãos aqueçam com meu poder, mas desta vez, recorro
apenas ao poder calmante que usei para aliviar suas costelas
machucadas ontem. Eu preciso aliviar sua mente, mantê-lo
dormindo para que ele não sinta a dor de sua ferida ou acorde em
estado de choque.
Preciso mantê-lo vivo o tempo que for necessário para levá-lo a
um curandeiro.
Tomando outra respiração profunda, expiro em sua boca
novamente, certificando-me de selar meus lábios completamente
contra os dele, sentindo o ar passar por seu corpo.
Repito esse processo mais três vezes, mas nada muda e minha
respiração fica desesperada. O pânico ameaça me dominar. Pelo que
sei, o prego cortou seu coração e ele nunca mais baterá.
— Não! — Rrjeito meu medo, gritando, recusando-me a ceder a
ele.
Fechando o punho, bato em seu peito, desejando poder
alcançar sob sua pele e forçar seu coração a bater novamente.
Meu poder flui do ponto de impacto, iluminando suas costelas.
Lágrimas escorrem do meu rosto para o dele. Respiro em sua boca
novamente antes de bater em seu torso mais uma vez, meu poder
riscando seu corpo.
— Nathaniel — Grito para ele. — Acorde!
Meu punho bate contra seu peito, uma faísca acende entre nós,
e a luz das estrelas pisca de volta para mim, ricocheteando com tanta
intensidade que caio de volta em minhas mãos. Suspiro antes de me
forçar a ficar quieta. Forçar-me a ouvir.
Um sussurro suave me alcança.
A respiração mais suave.
Arrastando-me pela areia, inclino-me sobre Nathaniel,
buscando desesperadamente o movimento de seu peito.
Assim que pressiono meu ouvido em seu coração, mãos
ásperas me agarram e me arrastam para trás pela areia.
Cyrian me sacode com tanta força que parece que meus dentes
batem.
— O que você está fazendo?
O encaro em desafio, mas ele já está se virando para Hagan,
que se inclina ao lado de Nathaniel.
Hagan pressiona a mão no coração de Nathaniel.
Sua voz é um sussurro baixo e chocado.
— Nathaniel está respirando.
Cyrian se vira de volta para mim.
— Isso é impossível! Sua magia feérica não pode tocá-lo. Não
até o amanhecer!
Deixando-me cair na terra, Cyrian volta para Hagan.
— Acabe com ele antes que o sol nasça!
Hagan inclina a cabeça para trás enquanto considera o céu.
Então seus olhos encontram os meus. Ele tem segundos para matar
Nathaniel antes que as Três Chances expirem. Se não o fizer, não
substituirá Nathaniel como campeão de Cyrian. Se ele não é o
campeão de Cyrian...
Hagan é um homem morto.
A inteligência afiada retorna aos olhos de Hagan quando seu
olhar se fixa em meu rosto, seguindo as marcas de lágrimas de meus
olhos na tinta apagada do nome da família de Nathaniel.
As linhas duras da expressão de Hagan suavizam.
— Não.
— O que você disse? — A luz negra cresce em torno das mãos
de Cyrian na forma de pontas, sua raiva afiada se manifestando ao
longo de seus braços. — Você vai matar Nathaniel! Agora!
Hagan sobe em toda a sua altura. Ele está machucado,
sangrando. Espancado.
— Eu não vou matar por você de novo.
— Então você está respirando seu último ar. — Cyrian rosna
entre os dentes cerrados.
Hagan assente. Devagar. Com certeza. Ele me choca ainda mais
quando aponta para mim.
— Aura Lucidia, certifique-se de dizer a Nathaniel que paguei
minha dívida duas vezes.
Enquanto ele fala, o céu se ilumina.
Não consigo ver o sol por causa da neblina, mas a escuridão se
dissipa tão repentinamente que posso imaginar seus raios finalmente
surgindo no horizonte.
É madrugada e Nathaniel está vivo.
As Três Chances acabaram.
Nathaniel ainda é o campeão de Cyrian.
O terceiro dia começou.
Capitulo 2
Fico de pé, superando meu cansaço enquanto um novo senso
de propósito me preenche. Curar Nathaniel agora é meu único
objetivo.
Cyrian se vira para mim, com o rosto pálido.
Seu campeão jaz inconsciente na areia carmesim. Se Nathaniel
morrer, Cyrian perderá seu trono para Imatra.
As runas ao longo do braço de Cyrian estão repentinamente
opacas e seus olhos parecem ocos. Ocorre-me que ele usou muito de
sua magia negra, assim como eu usei a maior parte de minha luz
estelar. Ele extrai seu poder dos corações dos humanos vivos,
sugando sua força vital para que a Podridão de Ébano se instale,
uma doença que lentamente desfigura os humanos até que seus
corpos sucumbam e faleçam antes de atingirem os quarenta anos.
Ele estava mais forte cercado por um estádio de humanos,
aproveitando sua energia vital, mas a arena está vazia agora.
Cyrian direciona sua raiva para um fluxo de magia negra que
chia ao redor de seu torso. Suspeito que ele pretende me imobilizar
com dor como fez antes, mas grito antes que ele possa liberar a
escuridão torturante em mim.
— Se Nathaniel morrer, você perderá tudo! Vamos embora,
Cyrian. — Grito. — Você não pode me matar ou perderá sua vida.
Você não pode permitir que Nathaniel morra agora ou Imatra
vencerá. Provei que farei de tudo para manter Nathaniel vivo. Sou a
única que mantém você no trono.
Cyrian congela. Sua magia crepita e desaparece enquanto suas
mãos se fecham. Ele ruge de raiva, uma torrente de palavrões tão
alta que não consigo distinguir os sons.
Vacilo, mas me forço a permitir que sua raiva tome conta de
mim. Existem apenas duas maneiras de curar Nathaniel. Ou eu o
levo até as montanhas em Brilhante, onde meu pai adotivo, Crispin,
mora, ou levo Nathaniel para o oeste, dentro do país Caído, para
Mathilda.
Das duas, Mathilda é a mais próxima.
Considero por um momento se Cyrian poderia ou não usar sua
magia negra para curar Nathaniel, porque é isso que Mathilda terá
que usar, mas não confio nele. Ele poderia curar Nathaniel o
suficiente para lutar, mas implantar algum tipo de maldição nele ao
mesmo tempo.
Mathilda pode ter ficado com raiva de Nathaniel ontem
quando ele me trouxe para Nulo, mas ela também foi incrivelmente
protetora. Mesmo que ela me odeie, posso confiar que ela fará tudo
ao seu alcance para curá-lo. Só espero poder mantê-lo vivo até
chegarmos a ela.
Afastando-me de Cyrian, levanto os dedos aos lábios e dou
dois assobios curtos e agudos. Minhas mãos estão cobertas de areia e
sangue, deixando o gosto da morte em minha boca, mas não hesito.
Rezo para as estrelas que meu pássaro-trovão, Treble, ainda esteja
voando acima da neblina, cuidando de mim. Se estiver, sua audição
aguçada atenderá minha ligação.
Continuando a andar em direção a Nathaniel, me localizo entre
ele e o Rei. Inadvertidamente, isso também significa que estou
agindo como um escudo entre Cyrian e Hagan, que está do outro
lado de Nathaniel.
Assobio para Treble novamente, meus nervos se instalando
enquanto me pergunto se ele voou de volta para Brilhante, afinal.
Escondendo minha ansiedade, me viro em direção a Hagan.
— Quando meu pássaro-trovão chegar, você vai me ajudar a
colocar Nathaniel nas costas do meu pássaro.
Ele concorda. É do interesse dele me ajudar. Enquanto ele
permanecer perto de Nathaniel, Cyrian não se arriscará a atacá-lo.
Mas será diferente quando partirmos.
No momento em que levo a ponta dos dedos aos lábios pela
terceira vez desesperada, um relâmpago estala na névoa acima de
nós, iluminando a silhueta de Treble em brilhantes listras cinza-
azuladas. Brilhando e ondulando com eletricidade, ele cai direto em
nossa direção antes de abrir as asas e estalá-las para diminuir a
velocidade de sua descida. O trovão criado por suas asas explode ao
nosso redor, alto o suficiente para ressoar na minha audição, mas é
uma batida bem-vinda.
Enquanto o vento das asas de Treble sopra sobre nós, meu
pássaro-trovão lança um olhar perigoso para Cyrian. As cintilações
dos relâmpagos de Treble cortaram a escuridão que girava em torno
do rei, forçando Cyrian a recuar para longe de nós.
Não tenho tempo para alívio. O movimento na extremidade da
arena indica que os caçadores estão voltando. A última vez que
viram Treble, eles tentaram atirar nele do ar.
Preciso me mover rapidamente.
Hagan já está ajoelhado ao lado de Nathaniel, cuidadosamente
enganchando seus braços ao redor do torso de Nathaniel e
levantando-o. Ele olha para mim com um comando áspero.
— Ajude-me a manter a cabeça dele firme!
Corro para o lado de Hagan, apoiando a nuca de Nathaniel
enquanto Hagan puxa Nathaniel cuidadosamente para cima.
Enquanto ele se esforça sob o peso de Nathaniel, ele usa a força de
suas coxas para se levantar enquanto puxa Nathaniel por cima do
ombro. É uma manobra muito mais cuidadosa e trabalhosa do que a
maneira como Hagan se lançou contra mim ontem e me jogou por
cima do ombro. Acho que ajudou o fato de eu já estar de pé.
Também que sou muito menor que Nathaniel.
Certificando-me de que a cabeça de Nathaniel não caia para
trás durante o processo, permaneço consciente dos caçadores que se
aproximam. Cobra — o caçador com uma longa cicatriz
serpenteando pelo braço — e os outros homens atravessam o portão
no final da arena. Eles gritam de raiva enquanto puxam seus arcos e
flechas.
— Não matem o pássaro! — Cyrian grita, contornando Treble e
recuando em direção a seus homens. — Segurem seu ataque!
Treble estala as asas quando Hagan e eu nos aproximamos,
dando a Hagan um olhar de advertência.
Agora que Nathaniel descansa em segurança sobre o ombro de
Hagan, corro em direção ao meu pássaro-trovão, desejando que ele
me ouça.
— Este humano não é meu amigo, mas preciso da ajuda dele.
Por favor, dê a ele sua asa.
Quase choro quando Treble me mostra o quanto confia em
mim, imediatamente estendendo sua asa para que Hagan possa
subir em suas costas.
Hagan apenas olha para a asa estendida.
— O que é isso?
— Você tem que subir no osso da asa dele. Assim. — Corro
para demonstrar, correndo pela asa de Treble, enquanto Hagan dá
um passo hesitante. Assim como Nathaniel na primeira vez que
montou Treble, Hagan lança olhares preocupados para Treble. — Eu
sou muito mais pesado do que você, especialmente carregando
Nathaniel.
— Seus ossos são fortes como metal. — Digo, estendendo
minha mão para Hagan para incentivá-lo a vir até mim. — Confie
em mim.
Seu olhar pisca para mim, de repente afiado. — Confiar em
você? Eu nunca vou confiar na minha inimiga.
— Então não confie em mim como feérica. — Retruco. — Confie
em mim como esposa de Nathaniel.
Apesar do olhar mordaz que ele lança em meu rosto, ele dá
mais um passo, continuando a subir a asa de Treble.
— Você deliberadamente apagou o nome de Nathaniel de seu
rosto antes que a tinta passasse. Só Nathaniel pode decidir se você
ainda é a esposa dele.
Meu estômago cai e minha mão abaixa. Quando Nathaniel
desenhou pela primeira vez o símbolo que representa o nome de sua
família em meu rosto ontem de manhã, eu não sabia que ele estava
me oferecendo seu amor e sua lealdade. Depois que lhe dei
permissão para pintar seu nome em meu rosto com laca dourada,
aceitei tudo o que o símbolo significava, que nos amaríamos e nos
protegeríamos.
Então eu descobri quem ele realmente é, o verdadeiro herdeiro
do trono Caído. Eu limpei a marca em meu rosto com terra,
querendo colocar o máximo possível de distância emocional entre
nós. Eu esfreguei minha pele em carne viva para remover a tinta em
um esforço para deixar claro para Nathaniel que ele não poderia
comprometer sua segurança por mim.
— Eu te disse ontem. — Digo, minha voz sombria. — Farei o
que for preciso para manter Nathaniel vivo.
Hagan franze a testa para mim. — Eu não entendo seus
motivos.
— Você não precisa me entender. Apenas acredite que não
estou mentindo para você.
O olhar de Hagan se aprofunda. Ele nunca vai confiar em mim.
Não importa o que eu faça ou diga.
Dando o passo final para as costas brilhantes de Treble, ele se
vira e desliza cuidadosamente para baixo, de modo que Nathaniel
fique de frente. Posicionar Nathaniel lá requer que Hagan manobre-
se cuidadosamente para uma posição sentada ao mesmo tempo,
mesmo que ele esteja de frente para a cauda de Treble.
Olho para os caçadores que estão se aproximando
furtivamente, suas armas prontas enquanto rastejam em nossa
direção. Eles podem não estar atacando, mas estão se preparando
para matar Hagan no momento em que ele deixar as costas de
Treble.
Meus olhos se arregalam quando percebo que poderia deslizar
para as costas de Treble agora e poderíamos voar para longe, nós
três. Não tenho nenhuma razão para salvar Hagan além do instinto,
mas ouço a voz de Nathaniel em minha mente, me dizendo para não
repensar, para confiar em meus sentimentos.
Deslizo para a posição para que as costas de Nathaniel fiquem
contra a minha frente, rapidamente posicionando sua cabeça contra
meu ombro. Seu peso se acomoda contra mim, quase esmagando
meu peito, mas passo um braço em volta de sua cintura e me recuso
a soltá-lo.
Eu não tinha certeza se Treble poderia segurar nós três, mas ele
já está se mostrando capaz, inabalável enquanto nosso peso se
acomoda em suas costas.
Alcançando Nathaniel, agarro o braço de Hagan antes que ele
possa começar a difícil tarefa de se desvencilhar de sua posição
atual.
— Venha conosco. — Digo, segurando seu bíceps o mais forte
que posso. É difícil, já que minha mão mal alcança metade de seu
braço.
No momento em que falo, me arrependo.
Estrelas escuras, o que estou pensando?
Hagan deixou claro seu ódio por mim. Fui a feérica que matou
a mãe de Nathaniel, Paloma Exaltada, na fronteira anos atrás. Hagan
também a considerava sua mãe, ela o criou, treinou, deu a ele um lar
e um propósito. Mesmo que Paloma tenha chegado à fronteira para
acabar com a agonia que a Podridão de Ébano estava causando a ela,
fui eu quem a derrubou, enterrando-a na terra lamacenta dentro da
Forca Nebulosa.
Fui eu quem acabou com a amada Rainha dos humanos.
O espanto nos olhos de Hagan agora me diz que ele acha que
perdi os sentidos.
— Sou um homem morto. — Diz ele. — Estou preparado para
dar meus últimos suspiros.
Me recuso a soltar, segurando com mais força enquanto ele
tenta se livrar de mim.
— Vou precisar de ajuda quando pousarmos. — Digo. — Eu
não posso mover Nathaniel sozinho.
Não é completamente verdade. Da última vez que Nathaniel
foi mortalmente ferido, consegui arrastá-lo das costas de Treble, mas
carregá-lo mais longe sozinho será muito difícil. Não tenho o poder
de um feérico de gelo para controlar o vento que poderia carregá-lo
facilmente. Meu poder crepuscular tem muitas facetas, mas levantar
coisas não é uma delas.
Hagan balança a cabeça, já dizendo não, mas permito que a
raiva me inunde.
— Se você quer encontrar sua morte assim que Nathaniel
estiver seguro, então fique à vontade. Mas até então, você vai me
ajudar.
Seus olhos se arregalam com a minha raiva, depois se
estreitam. Finalmente, uma ruga de perplexidade cresce em sua
testa.
— Eu não...
— Estamos perdendo tempo. — Retruco. — Decida se vai me
ajudar ou não. Se não, então largue meu pássaro.
Um sorriso perigoso se instala em seus lábios. A luz da
inteligência em seus olhos fica ainda mais brilhante.
— Vou te ajudar. Então eu vou morrer.
Já estou me arrependendo de minhas ações enquanto me
inclino para a frente, gritando para meu pássaro-trovão: — Treble!
Voe!
Não direi a Treble para onde devemos ir até que estejamos no
ar. Não posso arriscar Cyrian nos seguindo.
Treble estala suas asas, um único e poderoso movimento nos
levando para o ar. Agarro minhas coxas e envolvo meus dois braços
em torno de Nathaniel para mantê-lo posicionado com segurança.
Ele é pesado e difícil, mas já o segurei nas costas de Treble antes. Eu
não estava tão cansada como estou agora, mas digo a mim mesma
que posso fazer isso de novo.
Hagan dá uma guinada com o movimento repentino, seus
joelhos batendo nos de Nathaniel antes de seus reflexos entrarem em
ação, os músculos de seus braços e pernas ficam visivelmente tensos
enquanto ele ajusta seu equilíbrio. Ele não está na posição mais
confortável, virado para trás, espremido entre as articulações das
asas de Treble e a forma inconsciente de Nathaniel.
Abaixo de nós, Cyrian levanta a mão na direção de Hagan,
preparando-se para liberar a luz negra que ele controla, mas Treble
já está virando para a esquerda. Mais uma vez, eu me torno um
escudo entre Cyrian e Hagan.
Enquanto Treble sobe na névoa, buscando esconderijo em suas
profundezas escuras, dou uma última olhada na arena abaixo de
nós.
O braço de Cyrian cai ao seu lado. Os caçadores nos observam
sair, seus rostos voltados para cima enquanto suas armas baixam. O
trecho de areia ensanguentada onde Nathaniel jazia torna-se menor
à medida que subimos. Finalmente, nada mais é do que uma flor
carmesim bem abaixo de nós.
Enquanto a névoa nos envolve, volto a olhar para a frente,
descobrindo que sou o foco da atenção de Hagan.
Posso ter deixado um perigo para trás, mas trouxe outra
ameaça comigo.
Capitulo 3
Encontro os olhos de Hagan através do pequeno espaço entre
nós. Agora que entramos na névoa, o ar está escuro e frio, a
visibilidade obscurecida, mas ainda assim posso ver o brilho
perigoso em seus olhos. Não estou muito preocupada, já que ele não
está carregando nenhuma arma agora, enquanto eu ainda tenho
minha espada e adaga escondidas.
Inclinando-me para o lado, passo por ele novamente.
— Treble, leve-nos para o oeste. Procure um canteiro de plantas
e trepadeiras que sejam negras como a noite e vermelhas como
sangue. Precisamos voar a oeste de Bitter Patch para o território de
Mathilda.
Sem tirar os olhos de mim, Hagan reposiciona seu aperto em
Treble, suas mãos se acomodando no topo das articulações das asas
de Treble em ambos os lados. Ele inclina a cabeça bruscamente para
Nathaniel, erguendo a voz acima do vento impetuoso.
— Você está destinada a matar Nathaniel, mas você o salvou
muitas vezes. Por que?
Por dentro, suspiro. Acho que era esperar demais que ele não
exigisse respostas enquanto tinha toda a minha atenção.
Retruco.
— Por que você empurrou Nathaniel para fora do caminho da
loba?
Hagan respira fundo como se estivesse se preparando para
uma resposta igualmente forte, mas em vez disso exala lentamente.
Seus ombros curvados.
— Tudo o que eu tinha que fazer era manter Nathaniel lutando
até o amanhecer. Não importa o quão cansados estivéssemos,
contanto que continuássemos lutando, nós dois conseguiríamos o
que queríamos.
Meus lábios se abrem lentamente em choque enquanto registro
o significado por trás de sua declaração. Ele negociou o controle
sobre Christiana e então a libertou.
Falo devagar, testando meus pensamentos.
— Você queria a liberdade de Christiana. Oferecer-se para
desafiar Nathaniel era a única maneira de libertá-la.
Hagan dá um único aceno de cabeça.
— Ela me despreza, mas ela é tudo que me resta e por quem
vale a pena lutar.
Estreito meus olhos para ele.
— E a luta entre você e Nathaniel?
Ele dá de ombros, sua voz tão baixa que quase não o ouço por
causa do vento.
— Nathaniel e eu costumávamos lutar um contra o outro o
tempo todo. Poderíamos lutar por horas e nenhum de nós venceria.
— Ele olha para cima novamente. — Nathaniel teria se lembrado
disso.
— Você realmente pretendia continuar lutando até o
amanhecer.
— Enquanto Nathaniel estivesse vivo ao amanhecer, ele
permaneceria o campeão de Cyrian. — Diz Hagan. — Então eu
poderia ir embora sabendo que Christiana estava segura.
Procuro o rosto de Hagan, me perguntando o quanto de sua
história posso aceitar como verdade. Uma dor repentina me domina.
Minha voz sustenta minha acusação.
— Você pode alegar que seus motivos não eram maliciosos,
mas quando Nathaniel estava morrendo, você escolheu acabar com
isso.
A mandíbula de Hagan aperta.
— Eu o empurrei para fora do caminho da loba. Todo mundo
me viu fazer isso. Se tivéssemos continuado lutando, eu poderia ter
feito parecer que fiz isso para me proteger. Depois que Nathaniel
caiu, não tive escolha a não ser seguir em frente.
Balanço a cabeça em desacordo.
— Mas...
— Não! — Ele berra. Ele se inclina para a frente, as
sobrancelhas desenhadas para baixo. — Se Nathaniel sangrasse
lentamente até depois do amanhecer e então morresse, sua rainha
governaria o país de Caído por padrão. Cyrian pode ser brutal, mas
precisa de nós. Sua rainha erradicará a raça humana assim que tiver
a chance.
Não consigo controlar minha raiva.
— Eu o teria salvado!
Hagan dá um pulo para trás o máximo que pode sem virar seu
assento nas costas de Treble, a surpresa inundando sua expressão
com minha veemência.
Ele começa a falar, mas eu grito.
— No minuto em que amanheceu, o primeiro instante em que
pensei que poderia usar meu poder, eu teria salvado Nathaniel. Da
mesma forma que fiz agora. Ele nunca iria morrer. Ele não vai
morrer!
Tomo uma respiração profunda e trêmula, tentando acalmar
minhas emoções. A luz das estrelas vaza pela minha armadura
novamente e não posso me dar ao luxo de perdê-la mais.
Hagan está igualmente zangado enquanto olha para mim.
— Por que eu acreditaria em você?
Estamos de volta para onde começamos. Ele está exigindo
saber por que quero salvar Nathaniel quando devo matá-lo, quando
a vida de Nathaniel significa minha morte. É a pergunta mais
importante que precisarei responder e está sendo feita por um
homem que, para todos os efeitos, é um dos meus inimigos mais
perigosos.
— Porque eu não pertenço a Imatra. — Sussurro.
Ontem, Nathaniel me deu a mensagem que seu pai moribundo
pediu que ele me entregasse. Ele prometeu a seu pai que iria me
encontrar, a garota com cabelo cor de osso, e me dizer que eu não
pertencia aos Feéricos.
Eu não entendi ontem – ainda não entendo – mas desde então,
eu vi como os humanos vivem. Eu vi seu país, seus olhos vazios, e
senti a determinação de Nathaniel em libertá-los, sua certeza
inabalável sobre seu caminho.
Minha lealdade não pode mais pertencer aos feéricos, nem
mesmo aos humanos. Eu tenho que ser leal a mim mesma.
Eu tenho que ser fiel ao único resultado que pode trazer paz
tanto para Brilhante quanto para Caído: Nathaniel tem que
governar.
Hagan se inclina para a frente novamente, mas desta vez, ele se
move devagar e com cuidado, a cabeça inclinada, os lábios franzidos
em uma linha de questionamento.
— O que você disse?
Levanto minha voz para que ele possa me ouvir sobre o vento.
— Eu não pertenço a eles! Traí minha rainha quando cruzei a
fronteira. Se não fosse pela Lei dos Campeões, ela teria me caçado e
me matado, da mesma forma que Cyrian gostaria de matar
Nathaniel. Nenhum de nós está lutando por nossos monarcas.
Estamos lutando…
Pressionando meus lábios, fechando meus olhos, desesperada
para parar de dar tanto do meu coração para este caçador.
— Estou lutando por Nathaniel. Esse é o meu único propósito
agora. — Cerro os dentes. — Contanto que você acredite nisso, então
você não precisa saber mais nada sobre mim.
Hagan se inclina para trás, uma ruga profunda se formando em
sua testa.
— Você não pode esperar que eu acredite que você aceitará sua
própria morte...
— Sim — Digo, interrompendo-o. — É exatamente nisso que
você precisa acreditar.
Antes que ele pudesse objetar, Treble se eleva acima da névoa,
rompendo-a para o céu claro além. Os raios do sol são suaves com a
luz do novo dia, o ar fresco e limpo.
Hagan joga um braço sobre os olhos com um grito de dor.
— Porra, isso é brilhante!
A luz do sol nunca foi minha amiga, mas, mesmo assim,
aprecio o ar puro e a sensação de espaço. A terra abaixo da névoa em
Caído parece tão fechada.
Supondo que Hagan tenha vivido toda a sua vida sob o vapor,
ele pode nunca ter visto ou sentido o efeito total do sol antes. Ele
aperta os olhos, afastando um pouco o braço. Seus olhos se
arregalam antes de fechá-los novamente.
Sua pergunta é rude.
— É assim que o céu se parece?
Ao nosso redor, o ar azul-celeste suave se estende até onde
podemos ver em todas as direções. Está um dia lindo e claro. Apenas
algumas nuvens imaculadas flutuam acima de nós.
— Você nunca viu o céu antes?
Pelo que vi do país Caído até agora, ele teria que ir até a
fronteira para ver o céu claro. Isso teria sido suicídio, dada a
ferocidade dos guardas de fronteira. Meu irmão, Evander, nunca é
cruel, mas ele está sempre vigilante sobre cortar qualquer criatura
Caído, qualquer humano, que sai da Forca Nebulosa.
A resposta de Hagan é uma maldição rosnada. Acho que o
orgulho dele está doendo agora que ele está enfraquecido pela luz ao
nosso redor.
— Eu nunca viajei mais ao norte do que a Forca Nebulosa. — Ele
diz. — Ouvi dizer que há um céu claro acima do Pináculo. Ao longo
da costa sul também, mas nunca estive em nenhum desses lugares. É
sempre tão brilhante?
Minha voz suaviza.
— Quando estiver pronto, dê uma olhada. Vale a pena ver. Se
você olhar com atenção, poderá até ver algumas das estrelas antes
que o sol domine o céu. Apenas não olhe diretamente para o próprio
sol.
Inalo uma respiração calmante, segurando firmemente
Nathaniel enquanto voamos em silêncio pelos próximos minutos.
São necessárias várias tentativas para Hagan antes que ele possa
tirar o braço dos olhos e estudar o céu. Seu olhar corre
cuidadosamente de um lado para o outro, seguindo as bordas da
névoa que forma uma estranha espécie de horizonte enevoado ao
nosso redor.
Seus lábios se abrem enquanto ele inala mais profundamente
do que antes, seu peito enchendo antes de tossir.
O observo cuidadosamente enquanto ele inala novamente. Suas
pupilas são pontinhos cada vez mais pequenos na luz forte,
anormalmente sem foco.
Salto em direção a ele em alarme quando ele balança em seu
assento.
— Hagan!
Sua única resposta é outra tosse.
O ar deve estar afetando-o. Quando Cyrian estava tentando
subornar seus caçadores para se voluntariar para desafiar Nathaniel,
ele prometeu a eles a vida de um campeão, acesso à luz solar real, ar
fresco e comida fresca. Nathaniel passou grande parte de sua vida
acima da névoa do castelo. Ele teve a chance de se adaptar aos
ambientes acima e abaixo do vapor, o que lhe permitiu se ajustar
muito mais rapidamente ao ambiente de Brilhante.
Não é assim para Hagan, que disse nunca ter visto o céu antes.
Ele deve ter visitado regularmente a sala do trono onde conheci
Cyrian, mas embora esteja localizado alto o suficiente para permitir a
passagem de luz solar fraca, ainda está bem dentro da névoa.
— Não respire muito fundo. — Advirto Hagan bruscamente. —
Você está acostumado a respirar ar poluído. Você vai ficar tonto...
Sua expressão fica em branco um momento antes de ele cair
para o lado.
— Não! — Minha mão direita se lança para agarrar sua camisa,
desesperada para mantê-lo de pé.
Uma queda desta altura significa morte certa.
Luto para apoiar Nathaniel com meu braço esquerdo enquanto
puxo ferozmente a camisa de Hagan. O material já está rasgado. Eu
quase a arranco do peito de Hagan enquanto o puxo para mim. Sua
cabeça cai no ombro de Nathaniel com um baque forte. Os olhos de
Hagan estão fechados e seus braços estão frouxos, dobrados
desajeitadamente contra o peito de Nathaniel.
Estrelas escuras! Estou usando cada músculo do meu corpo
cansado para manter os dois homens nas costas do pássaro. Já seria
difícil o suficiente com homens de tamanho normal, mas tanto
Nathaniel quanto Hagan são musculosos, mais altos que a média.
Não consigo segurar os dois por mais de um minuto. Talvez nem
tanto tempo.
Se Hagan cair, ele pode arrastar Nathaniel com ele.
— Treble, — Grito, lágrimas de medo caindo pelo meu rosto. —
Leve-nos para baixo. Rapidamente!
Para meu alívio, Treble já sentiu a perturbação em suas costas.
Ele se inclina para baixo, mas não muito bruscamente ou Hagan vai
passar por cima de sua cabeça e levar Nathaniel e eu com ele.
Treble mergulha através da névoa.
Meu coração dá um pulo na garganta ao ver o Bitter Patch bem
à frente. Preciso viajar mais para o oeste para encontrar a casa de
Mathilda, mas não posso segurar Hagan por tanto tempo. Eu tenho
que pousar, reviver Hagan e depois deixá-lo para trás para poder
prosseguir por conta própria. Achei que poderia pedir a ajuda dele
para mover Nathaniel quando pousássemos, mas em vez disso terei
que contar com a magia de Mathilda...
Assim que Treble voa em direção ao campo de trigo no lado
leste de Bitter Patch, um som sibilante atinge meus ouvidos e meus
sentidos formigam.
Alarme intensificado dispara através de mim um segundo
antes de um projétil de prata passar assobiando pelo meu lado
esquerdo. Ele brilha e reluz, uma flecha mortal de besta. Seu
caminho é tão preciso que roça minha coxa. Se não fosse pela minha
armadura, teria cortado meus músculos.
Minha respiração para antes de eu gritar.
— Treble! Fuja!
Bancos agudos à esquerda. Ele é ágil e hábil em evasões no ar,
mas carrega três pessoas nas costas, duas delas inconscientes.
Movimentos repentinos são incrivelmente perigosos agora.
Uma saraivada de flechas voa ao nosso redor, perigosamente
perto de nos derrubar.
Eu tento localizar sua fonte, consternado ao descobrir que eles
estão vindo da direção do Bitter Patch. Se o pessoal de Nathaniel
está atirando em nós, deve ser porque eles consideram Treble uma
ameaça, um pássaro-trovão é uma arma feérica. Estamos muito alto
para eles verem que Nathaniel cavalga nas costas dele.
Mas se Christiana voltou aqui depois que Hagan a libertou,
então — com certeza — ela deve reconhecer Treble da noite passada.
Ela sabe que Treble é meu pássaro.
Nathaniel me avisou que todos os humanos iriam querer me
destruir se descobrissem quem eu sou. Christiana deixou claro
ontem à noite que não confia em mim. Só espero que ela tenha
avisado ao povo de Nathaniel que qualquer um que me matar
também morrerá.
Enquanto Treble se inclina, inclinando-se rapidamente para a
direita, percebo a fileira de guerreiros humanos habilmente
camuflados em suas roupas bege dentro do campo de trigo que se
estende ao longo da distância até a fronteira de Bitter Patch.
Há pelo menos vinte deles, posicionados perto da borda das
plantas carmesim e pretas, tão escondidos quanto podem estar entre
os talos de trigo, mantendo sua proximidade com a proteção do
Patch. Nathaniel os treinou bem. Seu objetivo é certo e verdadeiro,
apesar das manobras evasivas de Treble. Outras três flechas passam
pela asa de Treble, quase perfurando seu pescoço.
Meu coração bate forte dentro de mim enquanto tento
encontrar uma maneira de passar por isso.
Não podemos subir acima da névoa porque não poderei
segurar Hagan por tanto tempo.
Também não podemos pousar, porque assim os recrutas terão
um tiro certeiro, que poderão fazer antes de perceberem que estão
atirando em Nathaniel.
Só há uma maneira de sobrevivermos a isso.
Isso só vai fazer com que me odeiem mais, mas não tenho
escolha.
Capitulo 4
— Treble! — Grito. — Levante-se e desça!
Treble conhece a manobra de que estou falando. Ele e eu
treinamos todas as táticas aéreas possíveis desde que o escolhi para
ser meu pássaro-trovão. Com um estrondoso estalo de suas asas, ele
nos leva para cima em uma batida forte antes de mudar
abruptamente de direção e mergulhar.
A gravidade muda ao nosso redor.
Meu estômago cai com uma velocidade doentia.
Por um momento, nós três pegamos ar, saindo das costas de
Treble, suspensos no espaço.
Só tenho um momento para agir enquanto estamos sem peso.
Meu braço esquerdo voa da cintura de Nathaniel, soltando-o.
Ao mesmo tempo, invoco meu poder, cavando os recessos mais
distantes do vasto e vazio espaço dentro de mim para aproveitar sua
força explosiva. A luz das estrelas corre pelo meu peito, quente e
furiosa, gritando através do meu braço estendido e na minha mão.
Levo uma fração de segundo para apontar para o pedaço de
campo vazio logo à frente de onde precisamos pousar.
Um enorme raio de luz das estrelas dispara de meus dedos,
espalhando-se amplamente como os raios do sol. Ela explode no
chão na frente dos humanos – longe o suficiente deles para que não
se machuquem. Perto o suficiente para fazê-los mergulhar para se
proteger.
Ganhei segundos preciosos para nos permitir pousar, mas
agora preciso recuperar o controle dos corpos inconscientes de
Nathaniel e Hagan.
Minha mão direita nunca soltou Hagan. O puxo para mim ao
mesmo tempo em que meu braço esquerdo envolve Nathaniel
novamente, apertando-o com força e puxando-o contra mim no
momento em que a gravidade entra em ação.
Gritando com esforço, eu me agarro a ambos enquanto Treble
desce a toda velocidade, uma inclinação acentuada.
A queda é muito acentuada.
O peso de Hagan cai em direção ao pescoço de Treble. Minha
mão aperta com mais força em torno de sua camisa, mas a pressão é
mais do que meu corpo pode suportar.
Grito quando os músculos do meu braço direito se rompem e
meu ombro se desloca.
Treble cai no chão. Ele crava suas garras, achatando seu corpo,
aterrissando o mais rápido que pode.
Quando paramos, meus dedos de alguma forma ainda estão
agarrados à camisa de Hagan, fechados, embora eu não consiga
sentir minha mão. O solavanco quando Treble aterrissa faz com que
Hagan deslize das costas de Treble, o peso de Hagan levando-o tão
longe que a parte de sua camisa que agarro se rasga em minhas
mãos, rasgando até a costura até finalmente parar.
Num piscar de olhos, Treble estende sua asa sob o corpo em
queda de Hagan para interromper a trajetória descendente de
Hagan. Hagan acaba com os pés apoiados no pescoço de Treble
enquanto seu torso fica sobre a asa de Treble. O problema é que as
penas de Treble são lisas. Apenas o meu domínio sobre a camisa de
Hagan o impede de escorregar. Uma queda dessa distância poderia
quebrar seus ossos, até mesmo o pescoço.
Nathaniel escorregou na outra direção, para a minha esquerda.
Estou mantendo-o ereto com minha perna dobrada parcialmente
enganchada em torno de seu quadril, meu joelho dobrado ao lado de
seu torso, minha bota agora plantada nas costas de Treble.
Rapidamente, Treble estende sua asa para a esquerda também,
pronto para o caso de eu precisar dele.
— Cessar fogo! — Grito para os humanos, meu peito arfando.
— Eu tenho Nathaniel.
O campo queima à nossa frente, o cheiro de trigo queimado
enchendo o ar enquanto o pessoal de Nathaniel sai de seus
esconderijos, suas armas apontadas diretamente para nós.
Dez deles se separam dos outros, correndo em minha direção.
Seus arcos estão erguidos e prontos para atirar enquanto eles caem
no chão fumegante com precisão militar e miram. Uma delas é
Esther, com seu cabelo loiro esvoaçante e sua forma ágil enquanto
corre e assume uma posição ofensiva à minha esquerda, mais
próxima de Nathaniel.
— Esther! — Grito, incapaz de esconder a dor da minha voz. —
Ajude Nathaniel.
Seus olhos se arregalam e sua besta abaixa antes de voltar à
posição, retomando seu objetivo constante para mim.
Ela grita de volta para o Bitter Patch. — Ela tem Nathaniel!
Reconheço a armadura de mogno de Christiana quando ela sai
da escuridão de Bitter Patch e corre em direção a Treble. Ela aponta
uma flecha para o arco, um movimento perfeito e experiente,
enquanto corre. Deslizando para uma parada perfeita ao lado de
Esther, ela mira perfeitamente no meu rosto.
Seu dedo se contrai no arco como se ela estivesse prestes a
soltá-la.
Seria um tiro perfeito no meu olho direito.
Quando avisto a arma em seu rosto, fico chocada ao ver que ela
ainda usa a marca de Hagan, desenhada com sangue em sua
bochecha. Eu tinha certeza que ela já teria lavado. Seu cabelo
castanho está puxado para trás de seu rosto. A contusão que Cyrian
lhe deu ontem escurece a pele em sua bochecha.
Ela vacila quando seu olhar passa de mim para o corpo
inconsciente de Nathaniel.
— Nathaniel! — O medo em sua voz quando ela grita o nome
dele me atinge.
— Leve-o. — Imploro, meu braço esquerdo tremendo
violentamente em torno de seu peito. Sei que Christiana não confia
em mim, mas não entendo por que ela ainda não procurou o irmão.
— Leve Nathaniel. Por favor.
Ela começa a se levantar antes de reafirmar sua posição
ofensiva, ancorando-se de volta ao chão. Seu olhar selvagem pisca
entre mim e seu irmão, mas seu objetivo permanece firme, apesar
das emoções tempestuosas que preenchem seu rosto.
Esther está igualmente pálida ao lado dela.
— É uma armadilha?
Christiana balança a cabeça.
— Não sei! Ele poderia estar ferido, morrendo. Mas não
podemos confiar nela. Ela já nos traiu.
Os traiu? A última vez que vi Christiana, ela estava correndo
no escuro depois que Hagan a fez sair. Depois disso, Hagan e
Nathaniel lutaram, e então eu trouxe os dois aqui. Não sei por que
ela diria que eu os traí.
— Onde está Mathilda? — Cristina pergunta a Esther. — Eu
preciso do poder dela. Só ela pode ver a verdade.
— Ela deve estar a caminho. — Diz Esther. — Ela estava
certificando-se de que está seguro lá dentro.
Seguro lá dentro... Entre o comentário sobre a traição e tornar as
coisas seguras, só posso presumir que algo aconteceu dentro do
Bitter Patch, um evento que fez Christiana desconfiar de mim ainda
mais do que já desconfiava.
— Eu não estou aqui para te machucar!
Choramingos escapam dos meus lábios. Meu braço direito
parece estar completamente separado do meu corpo. Reconheço
Geordie, o homem com uma mecha de cabelo loiro, agachado entre
os recrutas à minha direita. Ele pode ver Hagan, mas não acho que
Christiana ou Esther possam. Treble está muito alto e Hagan está
deitado completamente na asa direita de Treble agora.
Provavelmente tudo que Esther e Christiana podem ver é meu braço
estendido, mas não quem estou segurando.
Como Esther, Geordie abaixa a arma por um segundo, mas a
levanta novamente quando Christiana grita: — Mantenha sua
guarda! Ela já traiu Nathaniel. Não podemos confiar nela até que
Mathilda diga que é seguro.
Para mim, ela diz: — Sinto muito, Aura. Não posso arriscar a
vida do meu povo.
A agonia está dificultando o pensamento lógico.
— Você está arriscando a vida de Nathaniel! Christiana, você
tem que acreditar em mim...
— Não! — Ela grita. — Eu não posso acreditar em uma palavra
que você diz. Você poderia tê-lo nocauteado deliberadamente. Você
poderia tê-lo encantado. Tudo isso pode ser uma armadilha! Você
conhece nossa localização. Sua rainha já nos atacou. No minuto em
que baixarmos a guarda, você vai nos matar.
— Eu não... tenho o poder... de enfeitiçá-lo... — Como outros
humanos, Christiana não entende como funciona a magia feérica,
que meu poder está limitado ao meu controle sobre a luz das
estrelas. A magia negra pode ser usada para controlar as ações de
alguém, como Cyrian usou para subjugar Christiana ontem, mas a
magia feérica não pode. — Eu não sei nada sobre um ataque.
Peço a Christiana que acredite em mim, mas a linha de seus
lábios permanece determinada.
— Mathilda vai nos contar a verdade. — Ela repete.
No fundo, entendo a desconfiança dela. Eu sei que ela faria
qualquer coisa por seu irmão, mas se ela realmente acredita que eu
traí seu povo, então ela tem que pensar em todos os humanos aqui.
Eles são a família de Nathaniel. Ele ama todos eles como irmãos e
irmãs. Ela tem uma escolha terrível na frente dela.
Eu também não acreditaria em mim.
Minha cabeça abaixa, a dor e a exaustão cobrando seu preço,
antes de me erguer novamente, determinada a não revelar a
verdadeira extensão da minha atual fraqueza física.
Treble vira a cabeça para Christiana. Seus olhos estão cheios de
raiva por mim, mas ele sabe que não deve tentar atrapalhar. Ela
dispararia sua flecha à menor provocação.
Ela continua a apontar sua arma diretamente para o meu olho
direito.
Acho que ela está pensando se deve ou não atirar.
Pode ser sua única chance de me matar. Estou completamente
vulnerável, segurando Nathaniel com o braço esquerdo e Hagan
com o direito. Não vou conseguir levantar as mãos a tempo de me
defender, supondo que esteja preparada para derrubar os dois
homens.
O desespero toma conta de mim, uma escuridão lenta e fria
crescendo dentro do meu peito. A Lei dos Campeões é clara:
qualquer humano que derramar uma gota do meu sangue ou me
matar será morto instantaneamente.
Se ela está disposta a se matar para acabar comigo, então não
há nada que eu possa fazer ou dizer para convencê-la de que isso
não é algum tipo de armadilha. Usar minha luz estelar para criar a
oportunidade de pousar certamente não teria ajudado sua visão da
situação.
Ela nunca vai confiar em mim. Não importa o que Mathilda
diga.
Meu único aliado é Nathaniel, e ele não consegue falar.
Arrasto o ar para dentro e para fora do meu peito. Cada
respiração é áspera com dor e vazio. Eu conto cada uma, não tenho
certeza se vou chegar ao próximo.
— Faça isso! — Rosno para ela, incapaz de ver além da minha
dor e desespero. — Me mate! Apenas certifique-se de que alguém
pegue Nathaniel antes que ele caia.
Ela estremece. Sua voz se eleva a um grito.
— Mathilda! Eu preciso de você agora!
Minha visão fica turva, mas percebo a ondulação no meio do
campo de trigo quando um pedaço de trigo se desfaz em pó.
O ar na minha frente pisca.
Mathilda aparece alguns passos atrás de Christiana. O cabelo
da bruxa está tão solto e despenteado como ontem de manhã. Sua
pelagem cor de fogo fica em torno de seus ombros, ondulando na
pressa de seu movimento. Hoje ela está usando um vestido violeta
desbotado de corte baixo que abraça sua figura voluptuosa.
Os olhos verdes penetrantes de Mathilda estão arregalados
enquanto ela observa a cena: Treble, Christiana, os recrutas e,
finalmente, eu e Nathaniel.
Ela se move com velocidade. Enquanto ela cruza a distância
entre nós, sua mão dispara em direção a Christiana, um lampejo de
luz escura atravessando o ar.
Christiana grita e pula para trás quando a magia negra atinge
sua flecha, queimando-a instantaneamente em cinzas que flutuam na
brisa impetuosa da chegada de Mathilda.
Apesar do alarme de Christiana, Mathilda continua atacando
ela.
— Christiana Exaltada! — Ela se enfurece. — Você perdeu seus
sentidos? Sem Nathaniel, você é a única verdadeira herdeira do
trono. Você não deve se matar!
Christiana olha para Mathilda, com os olhos arregalados de
choque.
— Os feérico já atacaram o coração de nossa casa. Aura pode
estar aqui para terminar o trabalho. Eu tenho que defender meu
povo!
Mathilda agarra o braço de Christiana, olhando fundo em seus
olhos.
— O medo tem prioridade sobre a vida de seu irmão? E a sua
própria vida?
O rosto de Christiana se contorce.
— Poderíamos ter perdido todo mundo esta manhã. Não vou
correr mais riscos...
A expressão de Mathilda se suaviza, mas ela se vira para mim,
seu olhar rapidamente observando como estou segurando Nathaniel
e sua posição precária nas costas de Treble. Suas roupas pretas e sua
posição pressionada contra meu peito escondem o pior do sangue,
mas seu olhar procura o rasgo na frente de sua camisa onde a ponta
se projetava.
— Ele está morrendo. — Mathilda grita, segurando seu
coração. — Seu coração brilhante mal está brilhando. Cada segundo
que perdemos leva Nathaniel mais perto da morte.
Ela balança de volta para Christiana.
— Algumas lâmpadas de purpurina não são nada! Se
Nathaniel morrer, Imatra controlará nossa terra.
Lâmpadas de purpurina? Balanço nas costas de Treble. Meu braço
esquerdo ficou dormente. Mathilda disse algo sobre lâmpadas de
purpurina, mas estou muito desfocada para entender.
— E quanto a Aura? — Christiana pergunta. — Ela está aqui
para nos matar? Você tem que olhar dentro do coração dela e me
dizer. Até ter certeza, tenho que tratá-la como uma ameaça.
A luz escura aumenta sob os pés de Mathilda, levantando-a
para que ela fique na altura dos meus olhos comigo, flutuando no ar
entre Treble e Christiana. Quando nos conhecemos ontem de manhã,
Mathilda tentou me matar. Ela me chamou de arma, a assassina de
mil guerreiros humanos. Ela pensou que Nathaniel deveria ter
acabado comigo, não me trazido para o país Caído. Sua atitude em
relação a mim mudou quando ela tentou olhar dentro do meu
coração, ela se fechou e se recusou a dizer o que tinha visto.
Agora, ela me olha com a mesma desconfiança, mas por trás de
sua expressão há outra emoção que não consigo distinguir por causa
da névoa da minha dor. Só posso assumir que é medo. Não tenho
dúvidas de que Mathilda ainda acredita que Nathaniel deveria ter
me matado.
— Eu não posso fazer isso, Christiana. — Ela diz, um brilho em
seus olhos verdes luminescentes. — O coração de Aura está
escondido de mim.
A mandíbula de Christiana aperta.
— Então não tenho escolha. Aura Lucidia é nossa inimiga até
Nathaniel nos dizer o contrário. Agora, por favor, Mathilda, tire-o
dela.
Mathilda ergue os braços para mim. Sua voz é gentil agora,
persuadindo-me a acreditar nela.
— Está tudo bem, Aura. Você pode deixar Nathaniel ir. Eu o
peguei.
— Hagan também. — Digo, sem saber se Mathilda vai
concordar em curar o caçador. — Por favor. Ele precisa de uma
segunda chance.
Christiana se assusta, abaixando a arma ao ouvir o nome de
Hagan. Acho que ela realmente não consegue vê-lo do chão.
— Não consigo segurá-lo. — Digo a Mathilda. — Meu ombro
está deslocado.
— Ah. Eu senti sua dor. — Uma onda de luz escura flui pelo
rosto de Mathilda, lançando suas feições na sombra. — Posso levar
os dois homens, mas temo que você precise caminhar sozinha. Terei
que drenar demais o ambiente para constranger você à satisfação de
Christiana enquanto carrego os dois.
— Eu irei te seguir. Eu não vou lutar. — Sussurro, lutando para
manter minha cabeça erguida. — Você precisa curar Nathaniel
primeiro. Então Hagan.
— Você também está com dor. — Diz Mathilda, seu olhar se
estreitando em um olhar avaliador.
Encontro seus olhos.
— Você disse que eu ficaria.
Ela me disse que Nathaniel iria me machucar mais do que ela
jamais poderia, que tudo o que restasse do meu coração seria
dilacerado antes do início do terceiro dia. A quase morte de
Nathaniel me destruiu. Mesmo agora, meu peito parece vazio, um
vazio doloroso. Até que ele seja curado, meu coração também não
será curado.
Mathilda me dá um aceno frio. Ao mesmo tempo, sua magia
lava em torno do meu lado esquerdo, dedos gelados de poder
puxando meu braço esquerdo aberto e erguendo Nathaniel do meu
aperto. Estremeço ao sentir sua magia negra contra a minha pele, a
mesma sensação da magia de Cyrian, mesmo que Mathilda não
esteja me causando dor.
Ne esforço para liberar Nathaniel em seu aperto. Não apenas
por causa da escuridão em seus olhos. Eu forcei meu braço a prendê-
lo com tanta força que tenho problemas para endireitar meu
membro.
Deixar Nathaniel ir me faz sentir impotente novamente.
Se ele vive ou morre não está mais sob meu controle.
Agora tudo depende de Mathilda, uma bruxa das trevas que
me quer morta.
Capitulo 5
O corpo inconsciente de Nathaniel se inclina e se endireita até
que ele fique paralelo ao chão. Finalmente relaxando, permito que
meu braço esquerdo deslize para o lado, um peso morto. Eu sinto o
fluxo de sangue em minha mão, mas é uma dor distante, meus
músculos muito esticados para sentir qualquer coisa.
Do meu outro lado, o peso de Hagan também se eleva, sua
camisa rasgada expondo totalmente sua cicatriz. Seu peito sobe e
desce uniformemente, sua respiração é mais regular que a de
Nathaniel.
Quando ele se levanta ao lado de Treble, Christiana dá um
passo para trás. Ontem à noite, Hagan a forçou a se casar com ele
para que ele pudesse assumir o controle de seu destino, com o único
propósito de libertá-la. Ela lutou com ele a cada passo do caminho,
mesmo quando ele disse a ela para ir embora.
Agora, ela pressiona os lábios em uma linha dura, mas não luta
contra Mathilda enquanto a bruxa lentamente guia os dois homens à
sua frente e começa a caminhada cuidadosa de volta para o Bitter
Patch. A vida vegetal ao redor dos pés de Mathilda morre a cada
passo que ela dá enquanto ela drena o ambiente para alimentar sua
magia.
Testando cuidadosamente a amplitude de movimento do meu
braço direito, o trago lentamente até o meu peito, cuidando dele.
Meu osso do ombro deslocado se projeta em um ângulo
desagradável e a dor se recusa a diminuir. Treble vira a cabeça para
me ver, seus olhos brilhantes lançando olhares rápidos em meu rosto
e torso.
Ele balança a cabeça para mim enquanto faz um som baixo de
lamento. Quero tranquilizá-lo, mas não posso mentir e dizer que
estou bem. Também não posso sair de cima dele até ter certeza de
que ele não será alvejado.
— Leve todos de volta para o Bitter Patch. — Mathilda diz para
Christiana quando ela passa por ela. — Rápido agora. Cyrian logo
sentirá a perturbação mágica aqui. Não poderei mascarar nossa
presença aqui por muito tempo. Estaremos seguros lá dentro.
— Abaixem suas armas. — Christiana grita para os recrutas
que ainda estão de guarda ao nosso redor. — Faça tudo o que
Mathilda mandar. Esther e Geordie, fiquem comigo. Vamos escoltar
Aura Lucidia para dentro.
Os recrutas desengatam rapidamente seus arcos, puxando as
flechas deles e colocando os projéteis em bolsas presas a cintos em
volta da cintura. Cada um deles carrega pelo menos vinte flechas, o
suficiente para derrubar muitos pássaros-trovão se disparados com
precisão.
Assim que os recrutas viram as costas, eu levanto meu pé
direito para a esquerda, conseguindo estender minhas duas pernas
ao longo da asa estendida de Treble para que eu possa deslizar para
o chão. Tropeço desajeitadamente antes de chegar ao fundo e cair a
distância restante de costas com um baque surdo.
É difícil cuidar do meu orgulho agora. Treble rapidamente
deixa sua barriga cair no chão e dobra sua asa ao meu redor para me
esconder em um casulo protetor por um momento. Ele vira a cabeça
para a abertura na ponta de sua asa, lamentando-se de novo.
— Você tem que voar. — Sussurro. — Suba acima da névoa,
onde você estará seguro. Não se mostre a menos que eu assobie para
você. Eles não confiam em mim, Treble. Eles vão te matar se tiverem
a chance.
Meu coração já dói por ele. Meu povo tentou queimá-lo do céu.
Agora os humanos também o atacarão. Tudo porque ele é leal a
mim.
Eu me inclino contra seu lado, incapaz de levantar minhas
mãos para acariciar suas penas enquanto ele me cutuca suavemente.
— Você não pode ficar comigo. — Digo. — A situação aqui é
muito volátil. Não posso te perder, Treble. Você é meu único amigo.
O olhar de Treble me diz que ele prefere arriscar a morte do
que me deixar sozinha, mas a luz nítida em seus olhos desaparece.
Ele me cutuca de novo, suave e gentil desta vez. Ele parece
resignado agora.
Fecho meus olhos, uma pequena parte do meu coração curando
por causa de sua amizade.
— Vá agora. Esteja a salvo.
Um puxão selvagem me põe de pé. É o mesmo puxão que me
deixou com o nariz machucado há dois dias. Nathaniel deve estar
prestes a viajar para muito longe de mim.
Treble imediatamente abre sua asa e eu tropeço para longe
dele, ficando cara a cara com Esther e Geordie, que seguram suas
bestas prontas. Christiana está entre eles. Ela guardou o arco, mas
não está longe de seu alcance, junto com a adaga em sua cintura.
— Você mentiu para nós sobre quem você é. — Esther diz, a
luz fria da traição em seus olhos machucando meu coração. Esther
foi traída por sua irmã, Ethel, e deixada para morrer. Nathaniel a
resgatou e a trouxe aqui. Nathaniel me disse que Esther acha difícil
confiar nas pessoas. Ela também é muito protetora com os recrutas.
Quando Christiana voltou aqui ontem à noite, ela teria dito a
todos quem eu realmente sou, inclusive que a Lei dos Campeões foi
invocada.
— Você é Aura Lucidia, — Esther diz. — nossa inimigo mortal.
Só Nathaniel pode explicar o que você está realmente fazendo aqui.
Até então, não podemos acreditar em nada do que você diz.
Nathaniel me pediu para vir para Nulo com ele. Ele queria que
eu conhecesse seu povo, para lutar com eles. Mas ele me avisou que
tentariam me matar se descobrissem quem eu sou. Esther pode estar
errada sobre minhas motivações, mas ela está certa ao dizer que eu a
enganei deliberadamente. Quando decidi revelar minha identidade
para salvar a vida de Nathaniel ontem, sabia das consequências.
Me endireito, tentando mascarar a dor lancinante em meu
braço direito. Não vou conseguir nenhuma simpatia dos humanos e
preciso reafirmar minhas defesas.
— A Lei dos Campeões me obriga a ir aonde Nathaniel vai.
Preciso segui-lo agora ou Mathilda não conseguirá movê-lo mais
longe.
Christiana se aproxima de mim.
— Meu irmão é a pessoa menos vingativa e mais
misericordiosa que conheço. Ele acredita que há algo de bom em
quase todo mundo. — Sua voz diminui para uma ameaça silenciosa.
— Não me confunda com ele. Não tenho nenhuma de suas virtudes.
Farei o que for preciso para proteger meu irmão e meu povo de
você.
Ela gira sobre os calcanhares.
— Leve Aura Lucidia para dentro.
Esther e Geordie inclinam suas armas bruscamente em direção
ao Bitter Patch. Eu não preciso de nenhuma sugestão. Todo o meu
corpo puxa ferozmente na direção de Nathaniel. Mathilda não
poderá levá-lo para o Bitter Patch sem mim.
Me forço a me mover o mais rápido que posso, cuidando do
meu braço direito ferido com meu braço esquerdo ferido. Nenhum
dos membros é totalmente funcional. Uma dor aguda atravessa-me a
cada passo. Passei as últimas horas à mercê de Cyrian. Minha
capacidade de compartimentalizar a dor agora está no limite.
Não consigo evitar que as lágrimas caiam pelo meu rosto, uma
liberação necessária. Isso pode me fazer parecer fraca, mas tenho que
lidar com a dor de alguma forma. Concentrando-me em minhas
expirações e inspirações, no fluxo de ar entrando e saindo de minha
boca, bloqueio a ameaça das armas seguradas por Geordie e Esther,
que me acompanham de ambos os lados.
Mathilda acena para nós enquanto nos aproximamos. Todos os
recrutas desapareceram no Bitter Patch à frente dela. Nathaniel e
Hagan flutuam, esperando, na frente da folhagem carmesim e preta.
Meu coração dá uma guinada, sabendo que estou atrasando a cura
de Nathaniel.
Ando mais rápido, empurrando-me o mais rápido que posso. Eu
correria se pudesse.
Assim que chego ao lado de Nathaniel, Mathilda usa sua magia
para afastar as trepadeiras que cobrem a abertura do túnel através
do Bitter Patch.
Nathaniel parece calmo. Ele poderia estar dormindo, exceto por
sua respiração superficial. Sua expressão não mudou desde que usei
meu poder para aliviar sua mente, seu rosto livre de dor, mesmo que
ele esteja mortalmente pálido.
Corro atrás deles enquanto Mathilda manobra os dois homens
pela abertura. Eles não vão caber lado a lado. Ela flutua Hagan à sua
frente enquanto Nathaniel a segue. É uma pequena misericórdia que
eu possa seguir logo atrás dele enquanto ele avança pelo túnel de
trepadeiras e arbustos.
Ontem, ele pintou meu cabelo no túnel do outro lado de Bitter
Patch. Ele plantou beijos em meu pescoço e bochechas, e adormeci
com seu toque, um raro momento de paz.
Esther segue logo atrás de mim com Christiana atrás dela e
Geordie na retaguarda.
— Aura. — Mathilda chama de volta, virando-se ligeiramente.
— Você vai nos contar o que aconteceu na luta entre Hagan e
Nathaniel?
Abro a boca para responder, mas Christiana me interrompe.
— Não podemos confiar na versão dela dos eventos.
Mathilda aperta os lábios.
— Muito bem. Se você não acredita nela, então vamos esperar
para ouvir do próprio Nathaniel.
Viajamos silenciosamente pelos próximos dez minutos. O ritmo
é extenuante, não seria nada se eu não estivesse ferida, mas cada
passo dói.
Observo o peito de Nathaniel cuidadosamente, procurando por
sinais de que sua condição está piorando, mas ele parece estável.
Hagan permanece inconsciente, embora a cor esteja voltando para
suas bochechas.
Finalmente, saímos do limite protetor do Bitter Patch para o
próprio Nulo. Eu sinto o feitiço sair da minha língua, a magia
protetora que impede qualquer um de falar sobre o que acontece
aqui, finalmente capaz de pensar claramente sobre este lugar e as
pessoas que vivem dentro de suas paredes.
Os outros recrutas já se posicionaram para formar uma guarda
ampla ao nosso redor, mantendo os olhos em mim, mesmo que suas
armas estejam abaixadas. Reconheço muitos de seus rostos, mas não
vejo Emily ou os outros adolescentes entre eles. Parece que apenas os
recrutas mais velhos saíram para me proteger.
Mathilda grita diante de nós.
— Rápido! Vou levar Nathaniel e Hagan ao refeitório. Posso
tratá-los lá.
— E a cabana de Nathaniel? — Pergunto, não esperando que
ela me responda, mas ela se vira novamente.
— Veja por si mesma. — Diz Mathilda, apontando.
A cabana de Nathaniel está ligeiramente afastada das outras,
mais próxima do lado leste de Nulo. Ao passar por ela, inalo o cheiro
de cedro e sigo o dedo apontado de Mathilda em direção à varanda.
Um mar de lâmpadas brilhantes preenche o espaço entre o
degrau mais alto e a porta. Cada uma delas não é maior do que meu
punho fechado, mas há tantas delas que brilham como um oceano
mortal.
Perco um passo.
— O que é isso?
— Não finja que não sabe! — Christiana estala, de repente uma
imagem de raiva ao meu lado. — Elas flutuaram para Nulo esta
manhã. Todas elas pousaram ali na varanda de Nathaniel. Um plano
de assassinato inteligente. A única maneira de sua rainha saber para
onde enviá-los é se você contar a ela sobre nós. Se Nathaniel
estivesse dentro de sua cabana, ele teria sido morto.
— Você trouxe terror para o coração de Nulo. — Esther diz
com um olhar irritado. — Evacuamos todos para o outro lado da
aldeia.
Mathilda me lança um olhar rápido.
— Eu coloquei uma barreira protetora ao redor da cabana de
Nathaniel para impedir que alguém se aproxime dela, mas será
preciso um milagre para conter o poder explosivo de tantas
lâmpadas se elas forem acionadas.
Balanço minha cabeça em choque. Até ontem, eu nunca tinha
visto ou ouvido falar de lâmpadas de purpurina se separando do
campo. Imatra criou o campo de purpurina durante a batalha final
entre os feéricos e os humanos, a batalha durante a qual aniquilei o
exército humano. O campo de brilho deve ser um mecanismo de
defesa ao longo da fronteira. Cada haste de grama brilhante carrega
uma lâmpada mortal no topo. Se perturbadas por uma criatura viva,
as lâmpadas explodem, cortando em pedaços qualquer coisa dentro
de seu amplo raio de explosão.
Ontem à noite, quando o Dragão Vanem voou para país Caído
para prender Nathaniel e Hagan em sua luta, ele também trouxe a
notícia de que partes do campo de purpurina estavam no ar. O
Dragão disse que várias lâmpadas de purpurina caíram em Brilhante
e explodiram lá. Felizmente, ninguém ficou ferido, mas levou Imatra
a reunir seus guardas e se preparar para um ataque, acreditando que
a magia negra de Cyrian estava em jogo.
Várias lâmpadas também flutuaram para o país Caído e
explodiram em Forca Nebulosa.
Agora há possivelmente uma centena delas, reunidas como um
enxame de abelhas na varanda de Nathaniel, algumas delas
empilhadas precariamente no alto das outras. Bastaria uma presença
viva para perturbá-las e elas explodiriam com força suficiente para
cortar todas as pessoas e construir ao seu redor.
Elas cortariam os humanos como uma foice no trigo.
O pessoal de Nathaniel nunca acreditará que não tive nada a
ver com isso.
No fundo do meu coração, estou preocupada por ter causado
isso de alguma forma. O Dragão Vanem disse que as primeiras
lâmpadas levantaram do campo ao mesmo tempo em que uma
mariposa brilhante pousou em cima delas. Não sei ao certo, mas
suspeito que foi a mesma mariposa que consumiu a poeira que ficou
na minha mão depois que parei de respirar no local da queimadura
onde matei meus pais.
— Você mandou as lâmpadas de purpurina aqui. — Geordie
diz, falando pela primeira vez, sua acusação atingindo meu coração
tão forte quanto a declaração de Esther. — Este é o único lugar em
que nos sentimos seguros. Não temos mais.
Não tenho resposta. Nem sei se consigo desarmar as lâmpadas
de purpurina. Já entrei no campo de brilho antes e não me
machuquei, mas não tenho certeza do que tantas lâmpadas de brilho
separadas farão se eu me aproximar delas.
A expressão de Mathilda permanece fechada enquanto ela nos
apressa. Quando chegamos ao refeitório, ela rapidamente ordena aos
recrutas mais próximos que movam as duas mesas mais próximas
para que fiquem perpendiculares à porta. Ela deita Nathaniel e
Hagan sobre eles para que seus pés fiquem mais próximos da porta
aberta.
Me movo para segui-la, mas o braço de Christiana dispara
como uma barreira, batendo em meu estômago.
— Você vai ficar aqui fora. — Diz ela. — Onde podemos ver
você. — Ela se vira para Geordie. — Pegue o bastão.
Ele rapidamente desaparece no prédio mais próximo. Vejo
ferramentas dentro dela, pás e materiais de esgrima, antes que a
porta se feche atrás dele.
Voltando minha atenção para Nathaniel, mantenho minha
posição enquanto a luz negra de Mathilda pisca. A dor me atinge
enquanto pedaços de grama no pátio à minha frente murcham e
morrem. Estou preocupada com o quanto ela terá que drenar tudo
ao nosso redor para curá-lo.
A ansiedade cresce dentro de mim enquanto ela trabalha. Não
consigo ver o que ela está fazendo ou se Nathaniel está respondendo
ao poder dela, se está curando ou não.
Geordie retorna, segurando um poste de metal com pouco mais
da metade de sua altura, com uma ponta na ponta e um buraco no
centro. Ele também está carregando um grande martelo, um rolo de
corda e uma pequena corrente de metal com grandes elos em cada
extremidade.
Eu olho todos os quatro itens, minha cautela aumentando
quando ele martela o poste no chão, seus músculos se contraem a
cada golpe, até que ele fique firme e não se mova quando ele se
apoiar nele.
Assim que ele passa a corrente pelo buraco, enrolando-a
firmemente em volta da vara antes de prender uma ponta da corda
em um dos elos, dou um passo para trás.
Esbarro direto em Christiana.
— Sinto muito, Aura. — Diz ela. — Isso vai doer, mas não
podemos correr riscos.
Geordie estende a mão para mim, sua expressão endurecendo.
— Mãos atrás das costas. — Ele me ordena.
Ele vai me amarrar ao poste, mas mal consigo mover meu
braço direito, muito menos estendê-lo para trás.
— Não. Meu ombro...
— Me dê suas mãos!
Eu ainda estou segurando meu braço direito em meu peito. Eu
já estou no ponto de ruptura. Qualquer aumento na dor será a gota
d'água. Minha voz se eleva a um grito.
— Não!
— Luciana Eleita! — Reconheço Maggie quando ela sai
correndo do prédio próximo que abriga a cozinha. Ela é a residente
mais antiga de Nulo. Seu cabelo castanho claro está preso em uma
única longa trança que bate em suas costas enquanto ela corre.
Esther agarra Maggie antes que ela possa me alcançar.
— Esse não é o nome verdadeiro de Aura.
Maggie se solta do aperto de Esther.
— O que você está fazendo com ela?
Ontem, quando conheci Maggie, ela estava encurvada,
envelhecida e doente com Podridão de Ébano, mas ela estava
tentando esconder isso. Eu a curei. Agora, ela está alta e forte, com o
cabelo brilhante e as bochechas cheias de vida.
— Esta mulher salvou minha vida. — Ela grita. — Ela não é
como as outras feéricas. Nathaniel confia nela. Ele ama ela. Qualquer
um pode ver isso.
Christiana estende a mão para ela.
— Não é o suficiente, Maggie. Agora é minha responsabilidade
protegê-lo...
Maggie se aproxima dela.
— Você escolhe ignorar a verdade porque a verdade te deixa
com medo. Ela não é nossa inimiga.
Uma ruga profunda e dolorosa se forma na testa de Christiana.
— Até Nathaniel reviver, não sabemos o que ela é.
Maggie gesticula para o poste e depois para mim.
— Aura está com dor. Ela precisa da nossa ajuda. Não ser
amarrada como um animal. Ela não vai nos machucar...
— Você não me ouviu? Não posso correr esse risco! —
Christiana agarra os ombros de Maggie enquanto a mulher mais
velha a encara com os olhos arregalados. — Até Nathaniel acordar, é
meu dever proteger a todos. Incluindo você. Mesmo que eu tenha
que ser um monstro para fazer isso. — Christiana é inflexível
enquanto gesticula para vários recrutas ao lado. — Volte para Emily
e os outros, Maggie. Chamaremos por você quando for seguro.
Maggie gira enquanto os recrutas a agarram.
— Não! Eu não irei. Você não pode fazer isso com ela!
Ela luta e chuta, mas ela não é treinada em combate e quanto
mais ela tenta escapar, mais forte eles puxam, forçando-a a dar a
volta no prédio e fora de vista até que seus gritos desapareçam.
Viro à direita para o punho de Esther.
O impacto estalou na minha têmpora, me derrubando no chão.
Geordie me pega antes que eu atinja o chão, puxando meus braços
para trás ao mesmo tempo.
Caio de joelhos.
Meu ombro direito estala.
Uma dor excruciante atravessa meu peito e o mundo muda,
inclinando-se em uma queda repugnante.
Meu grito enche o ar e o chão se move abaixo de mim enquanto
Geordie me arrasta de volta para o poste. Uma agonia doentia
queima através de mim tão rápido que eu caio na terra. Se meu
estômago não estivesse vazio, seu conteúdo estaria por todo o chão.
Assim que ele me faz parar, Geordie passa a corda em volta
dos meus pulsos e prende a corda na corrente. A corrente no poste
significa que não posso tentar desfiar a corda para me libertar. Isso
também significa que terei que levantar o poste do chão se quiser
escapar, uma tarefa impossível enquanto meu ombro estiver
deslocado.
Na distância embaçada, os pés de Hagan se movem
repentinamente. Seu grande corpo rola para fora da mesa e ele cai
agachado, balançando a cabeça como se estivesse tentando limpá-la.
Mathilda grita para ele ficar abaixado, mas ele não parece ouvi-
la, levantando-se grogue antes de tropeçar no meio da escada na
frente do corredor.
— O que vocês estão fazendo com Aura? — Ele berra,
balançando no local, seu olhar instável. Ele pressiona a mão na
cabeça. — Eu a ouvi gritar.
Seus joelhos se dobram quando ele tenta dar outro passo.
Estendendo a mão para se firmar, ele bate contra a grade, ainda
gritando: — Christiana! Deixe Aura... porra... em paz...
Seus olhos reviram e ele cai onde está.
Christiana está congelada, com os olhos arregalados, mas ela
rapidamente se volta para mim, curvando-se para olhar em meus
olhos lacrimejantes.
— O que você fez com meu marido?
Com falta de ar, encontro o olhar zangado de Christiana.
Ontem à noite, quando Cyrian usou sua magia negra para me
balançar no ar, ela estremeceu, como se ainda tivesse alguma
empatia por mim.
Agora, sua expressão é completamente dura.
As bordas da minha visão ficam borradas e a escuridão ameaça
me dominar. Dentro do salão, a magia de Mathilda brilha
novamente, um clarão preto como tinta que se espalha pela minha
visão, ampliando e engolindo tudo o que vejo.
As silhuetas das pessoas que montam guarda ao meu redor se
distorcem e mudam, indistinguíveis da luz escura.
Não vejo mais humanos.
Quando finalmente apago, tudo o que vejo são sombras.
Capitulo 6
Não consigo respirar. O mundo explode ao meu redor, luz
branca ondulando em todas as direções, preenchendo o céu
enquanto eu deito no chão em chamas.
Estou virada para cima.
Eu sei que estou sonhando. O mesmo sonho que tive ontem na
estufa. Mas tenho uma escolha impossível: posso continuar
sonhando com meu passado ou acordar para a dor que me espera no
presente.
Eu escolho sonhar.
Brasas flutuam no céu acima de mim, pedaços brilhantes de
cinzas e fragmentos de madeira que se assemelham a pequenos sóis
circulando minha localização. O sol é meu inimigo. Uma força ígnea
que afugenta meu poder todas as manhãs, mas não pode impedir
que minha energia surja todas as noites ao anoitecer.
Um fogo furioso arde atrás de mim, seu calor e luz são tão
intensos que os estalos abafam os passos da mulher que corre em
minha direção.
Ainda não consigo ver o rosto dela.
Suas feições estão escondidas por um manto de luz negra que
me impede de ver através dele. A silhueta dela brilha em carmesim,
mas agora acho que o brilho vem do fogo que arde atrás de mim e
das brasas ardentes que tremulam no espaço acima de nossas
cabeças.
Ela cai de joelhos ao meu lado, sua adaga levantada, sua lâmina
é o único objeto claro em minha visão. É perversamente curvada,
uma faca de caça.
O homem dispara pelo espaço atrás dela, desviando dos
destroços que caem, balançando sua própria lâmina no ar, apontada
precisamente para o pescoço dela. Ao contrário da mulher, seu rosto
está claro para mim agora. Suas feições são tensas, perigosas, a raiva
em seus olhos castanhos é implacável. Uma versão mais antiga de
Nathaniel, mas com cabelos mais claros. Sua armadura e lâmina
estão imaculadas, nem uma gota de sangue nelas, apenas cinzas
caindo ao seu redor, agarradas ao suor escorrendo pelo lado de seu
rosto.
A luz dourada jorra de sua lâmina enquanto ele a balança.
Se a visão acima de mim não fosse tão horrível, seria linda. A
luz dourada do homem bate na silhueta carmesim da mulher e tudo
é iluminado por trás com a mais brilhante paisagem branca do céu.
Três forças em fúria umas contra as outras.
A mulher grita e se abaixa bem na hora.
Ela arranca a adaga do meu peito, cai para o lado e se equilibra
em sua mão com a adaga. Sua mão livre voa para cima, um raio de
fogo queimando saindo de sua palma.
Ela é feérica.
Ontem, imaginei que ela fosse Imatra, mas agora tenho certeza.
Ela é a rainha em quem confiei, que me traiu.
O sangue escorre de seu braço de seus dedos poderosos
enquanto o poder feérico do Solstício derrama de sua mão. Ela
estava segurando um objeto pequeno e brilhante, mas o soltou assim
que abriu a palma da mão para se proteger.
O objeto cai no espaço ao lado da minha cabeça, brilhando no
canto do meu olho.
É um pedaço curvo de pedra, pouco maior que a ponta do meu
dedo e coberto de sangue. Sua superfície brilhante é tingida de
escarlate como o cabelo de Imatra.
O pai de Nathaniel retrai sua arma com uma velocidade
impressionante e inclina sua lâmina, preparando-se para o ataque de
seu poder. Fico chocada quando o feixe de luz do fogo atinge a
superfície da lâmina e rebate.
Imatra grita. Seu poder pisca, uma rajada repentina de vento
varrendo as chamas para o lado antes que ela seja queimada por sua
própria magia ricocheteante.
O pai de Nathaniel grita, um rugido profundo.
— Ela é apenas uma garota!
— Ela não é uma garota. — Imatra grita, sua voz geralmente
serena áspera e cheia de raiva. — Ela nunca foi uma garota!
O sonho pisca, as imagens desaparecem.
De repente, o mundo explode ao meu redor novamente, a
mesma luz branca brilhante preenchendo o céu, ondulando em
minha visão. As mesmas brasas em espiral flutuam acima do meu
corpo, próximas o suficiente para serem tocadas.
O sonho recomeça.

svgimg0004.png

— Aura?
A voz de Nathaniel rompe a explosão da escuridão, puxando-
me para longe do pesadelo. Seus dedos escovam minha bochecha.
Seu perfume enche minha cabeça, dissipando a escuridão.
Ele está vivo.
Meus olhos se abrem, mas estão cheios de areia. Mal consigo
erguer as pálpebras. Não sei quanto tempo dormi. Pode ser o final
da manhã agora.
Percebo a forma de Nathaniel, ajoelhado na minha frente antes
de minha cabeça cair no meu peito novamente. Minhas mãos ainda
estão amarradas atrás de mim, minhas pernas dobradas embaixo de
mim. Eu mal sinto seu toque porque todo o meu corpo está
dormente.
— Estrela mais escura. — Ele sussurra.
Ele ainda está vestindo suas roupas rasgadas, seu cabelo
emaranhado e sujo, mas seu rosto não está mais espancado e
machucado. Sua pele está perfeitamente lisa. Curada e limpa.
Mechas de seu cabelo castanho caem sobre seus olhos, sombras
escuras se formando, as manchas escuras em seu olhar se tornando
ainda mais escuras.
— Respire por mim, Aura. — Sua voz é baixa e urgente, as
pontas de seus dedos procurando meus lábios, sua testa
pressionando a minha de modo que seu rosto borra na minha visão.
Seu polegar pressiona suavemente a curva no topo da minha
boca antes de pressionar um leve beijo bem no topo dela.
— Respire.
Meus lábios se abrem e o ar escapa.
Ele se afasta enquanto eu tusso.
Expiro poeira no ar, poeira cinza de carvão da minha boca. O
mesmo pó que a mariposa consumiu ontem. A mesma poeira que
cobriu meu corpo quando parei de respirar no local da queima.
Meus olhos se enchem de lágrimas enquanto o oxigênio enche
meu peito. Achei que não tinha mais lágrimas, mas elas escorreram
pelo meu rosto.
— Você está vivo? — Pergunto, com medo de ainda estar
sonhando. — Uma reviravolta cruel.
— Estou vivo por sua causa. — Seus lábios se desenham em
uma linha implacável. — Eu preciso desfazer suas amarras agora.
Puro pânico corre através de mim, afogando qualquer
pensamento racional. Meu ombro já foi forçado para fora da
articulação e depois torcido em cima disso. Não suporto outro
movimento.
— Não! — Grito, fazendo-o sacudir. — Não me toque!
— Aura...
Soluços saem de mim.
— Por favor, não... Não toque... — Minha cabeça cai
novamente. — Você está vivo. Tudo ficará bem agora. Apenas deixe-
me voltar a dormir.
Sua mandíbula fica tensa antes que ele coloque ambas as mãos
contra minhas bochechas, levantando meu rosto para que eu seja
forçada a encontrar seus olhos preocupados.
— Aura, você está com dor. Preciso desamarrá-la para poder
ajudá-la.
Cerro os dentes para ele, uma calma fria me preenchendo.
— Eu não vou deixar você me ajudar. Se você me deixar
saudável, serei forte o suficiente para lutar contra você. Deixe-me em
paz, Nathaniel.
Desviando o rosto, fecho os olhos e expiro antes de afundar no
nada que me espera de novo, na escuridão fria e vazia onde não
preciso mais respirar, onde posso cair como uma pedra morta na
água gelada.
Só durmo por um instante antes que o rugido frustrado de
Nathaniel me acorde novamente. Ele se afasta de mim, levantando-
se para andar de um lado para o outro na terra, deixando uma marca
no chão à minha frente.
O caminho entre os prédios costumava ser gramado, mas todas
as plantas vivas à vista estão enrugadas e murchas. Mathilda deve
ter usado cada fragmento de energia natural para curá-lo.
Minha visão está confusa, ainda cheia de poeira, mas vejo
Mathilda, Christiana e Esther paradas atrás de Nathaniel,
observando-o andar. Os outros recrutas se espalharam atrás deles.
Também reconheço Hagan. Ele se destaca dos demais, uma
figura imensa, um espelho da força de Nathaniel. Ele está alerta
novamente, a inteligência afiada voltou a seus olhos. Ele não está
acorrentado e não sei se é porque Nathaniel ordenou que ele ficasse
livre ou porque ninguém conseguiu dominá-lo. Qualquer um é
possível.
Ele tentou impedi-los de me amarrar antes de desmaiar
novamente. Agora, Hagan interrompe seu estudo penetrante de
mim para olhar para Nathaniel, mas ele não tenta falar.
Nathaniel para na minha frente. Ele não estende a mão para
mim, não tenta tocar meu braço ferido, porque ele nunca vai me
machucar intencionalmente, mas sua voz se eleva para um rugido
violento quando ele se vira para os outros.
— Quem fez isto?
Seu olhar atravessa os humanos enquanto o silêncio se estende
ao nosso redor.
— Responda-me! — Ele ruge. — Quem. Porra. Fez. Isso?
Geordie dá um passo à frente da fileira de recrutas, com a
cabeça baixa, os ombros curvados e o tufo de cabelo dourado caindo
sobre o rosto, mas Christiana rapidamente se coloca na frente dele.
— Ordenei que Aura fosse contida. — Diz ela. — Mas nós não
deslocamos o ombro dela.
— Mas você sabia que ela estava ferida quando você a amarrou
e a deixou aqui por horas. — Diz Nathaniel, uma acusação.
Christiana inclina a cabeça para trás, suas longas tranças
deslizando sobre os ombros, seu olhar brilhando com desafio.
— É o braço da espada dela. Como ela disse, é melhor que ela
esteja ferida.
Nathaniel avança em direção a Christiana, sua voz é uma
exigência aguda.
— Onde está sua honra, Christiana?
Ela se mantém firme, sua armadura opaca na luz cinza.
— Nunca tive medo de jogar sujo, Nathaniel.
Nathaniel vira a cabeça para que eu possa ver o olhar
cuidadoso que ele lança para Hagan. Sua voz diminui.
— Tenha cuidado ao entrar na sujeira, Christiana. Um dia, você
pode ficar desesperada para lavá-la.
Ela o encara de volta.
— Eu a amarraria novamente para proteger nosso povo.
Quantas vezes forem necessárias.
A expressão de Nathaniel escurece, um rosnado em seus lábios.
— Você não fez isso para proteger ninguém, Christiana. Você
agiu por vingança.
Ela inala profundamente com a acusação, mas o rubor subindo
em suas bochechas revela a verdade em sua afirmação. Lágrimas
repentinas enchem seus olhos, mas ela as afasta.
— Ela merece sofrer por machucar nossa família.
Nathaniel dá um passo furioso em direção à irmã.
— Por acabar com a dor de nossa mãe? Ou por me manter
vivo? — Ele pergunta, sua voz perigosamente baixa. — De que "dor"
você está falando?
O sangue escorre do rosto de Christiana.
— Por nossa mãe... eu nunca desejaria mal a você.
Nathaniel balança a cabeça, um movimento lento e raivoso. Ele
levanta a voz para se dirigir aos humanos.
— Aura Lucidia salvou minha vida! Ela me salvou quando seu
povo tentou me queimar até a morte. Ela me protegeu dos lobos. Ela
se colocou entre mim e as flechas dos caçadores. Ela levou o golpe
do chicote de Cyrian que teria me matado. Ela virou as costas para
seu próprio povo e veio para cá. E porque? — Ele ruge para eles, sua
raiva é uma violenta tempestade. — Porque eu pedi a ela.
Seus dentes estão cerrados.
— Ela fez isso por mim. E é assim que vocês a retribuem.
Ele se vira para sua irmã, sua voz mal controlada. — Aura tem
o poder de derrotar Cyrian. Precisamos dela. — Ele balança a cabeça
lentamente, cheio de raiva. — Mas não vou pedir que ela lute por
nós agora.
Ele aponta para Mathilda.
— Você vai aliviar a dor de Aura para que eu possa desamarrá-
la.
O cabelo selvagem de Mathilda balança ao redor de seu rosto,
seus olhos luminescentes arregalados.
— Eu disse a você, Nathaniel. Não posso. Já esgotei o meio
ambiente...
— Então pegue a energia que você precisa do meu coração. —
Diz ele.
Mathilda engasga, recuando tão rápido que quase perde o
equilíbrio.
— Nunca!
Minha cabeça se levanta ao mesmo tempo. — Não!
Enquanto nossos gritos ecoam, Hagan dá um passo à frente
com uma declaração silenciosa.
— Tire do meu coração.
Um silêncio cai sobre os humanos.
Christiana olha para Hagan, seus lábios entreabertos em
surpresa. Ela dá um passo em direção a ele como se fosse impedi-lo,
mas antes que ela possa dizer qualquer coisa, Hagan aponta para
Geordie.
— Aquele homem disse que quando chegamos, Aura estava
me segurando. — Seu braço abaixa lentamente quando ele encontra
meus olhos. — Lembro-me de escorregar do pássaro, mas algo me
impediu de cair. Você rasgou seu braço para me manter vivo. Não é?
Quando não respondo, ele caminha em minha direção,
parando apenas quando Nathaniel entra em seu caminho.
— Isso é perto o suficiente. — Diz Nathaniel.
A tensão aumenta quando os dois homens se enfrentam.
— Eu sou a razão pela qual ela está ferida. Deixe-me ajudá-la.
— Responde Hagan, parecendo escolher suas palavras com cuidado.
— Pegue minha energia vital. Então eu posso morrer...
— Não. — Grito novamente. — Você não vai!
Hagan pisca para mim. Ele é um homem enorme que se iguala
a Nathaniel em força, mas meu grito parece tê-lo atordoado.
Nathaniel também se vira para mim, mas, ao contrário dos outros,
não parece surpreso. Uma expressão resignada se instala em seu
rosto.
— Eu não salvei sua vida para ver você jogá-la fora, Hagan
Sever. — Rosno.
Volto meu olhar para Mathilda.
— Quanto à bruxa, ela não vai chegar perto de mim com sua
magia negra.
Nathaniel se vira para se ajoelhar na minha frente novamente,
um brilho desafiador entrando em seus olhos enquanto seu grande
corpo me lança na sombra.
— Então você vai me deixar desamarrar você?
Meu olhar pisca para Mathilda. Então Hagan.
Christiana cruza os braços, como se de repente sentisse frio.
Uma raiva gelada corre através de mim.
— Vou fazer isso sozinha.
Puxo meu poder, um puxão duro, rasgando o que resta da
minha luz estelar agora que está chegando ao meio do dia. É um
puxão doloroso, como arranhar o fundo de um poço vazio, como se
eu estivesse tentando roubar uma gota d'água da terra empoeirada.
Meu poder pisca. A explosão mais breve. Estou exausta
rapidamente. Um cheiro doentio de queimado enche o ar quando a
corda pega fogo. Eu me inclino para a frente sobre os joelhos
enquanto minhas mãos se separam atrás das costas. A corrente
ressoa contra o poste quando a corda cai, mas eu não me movo mais.
Os humanos dão passos rápidos para longe de mim, com sinais
de medo em seus rostos, mas Nathaniel e Hagan estão quietos.
Continuo inclinada para a frente, meu braço direito em um ângulo
estranho sobre minhas costas, meu rosto erguido para vê-los.
Qualquer outro movimento atrairá mais dor.
Nathaniel fala baixinho com Hagan.
— Ajude-me, por favor.
Hagan acena para ele e se ajoelha do meu outro lado antes de
Nathaniel passar a mão pelo meu braço direito ferido.
— Está tudo bem, Aura. Vamos manter seu braço onde está.
Hagan gentilmente pressiona meu membro, mantendo-o em
sua posição atual contra minhas costas para que Nathaniel possa me
levantar sem me machucar. Nathaniel pressiona meu peito contra o
dele enquanto se levanta lentamente e finalmente move os braços
para poder me segurar sem a ajuda de Hagan.
— Posso cuidar daqui. — Diz ele a Hagan.
Hagan dá um aceno silencioso antes de se afastar.
Sem outra palavra, Nathaniel se afasta dos humanos. Sobre seu
ombro, posso ver Hagan permanecer onde está, sua expressão
ilegível, enquanto Christiana e Mathilda correm atrás de nós.
— Espere, Nathaniel! — Christiana chama, desembrulhando os
braços do peito para nos seguir. — Onde você está indo?
— Para minha cabana.
— Você não pode! As lâmpadas de purpurina vão te matar.
— Então é melhor você não me seguir.
— Nathaniel! — Ela grita, batendo os calcanhares como se
pudesse de alguma forma plantá-lo no local. — Pare!
Quando Nathaniel continua andando, ela se vira para
Mathilda, gritando: — Você tem que impedi-lo.
Mathilda balança a cabeça, os olhos arregalados de medo
preenchendo sua expressão.
— Não há nada que eu possa fazer. Não consigo acessar mais
energia dentro de Nulo. Nós mesmos trouxemos isso.
Os outros humanos correm atrás deles, nos observando partir.
Eles estão todos gritando para Nathaniel parar agora. Eles não terão
medo apenas por ele. Se ele acender as lâmpadas, as explosões
atingirão todo o acampamento.
Nathaniel continua andando, seus passos firmes me levando
para longe deles. Ele pressiona sua bochecha no topo da minha
cabeça enquanto ouço suas inalações profundas.
— Nathaniel! — Christiana grita novamente. — Você tem que
me perdoar.
— Eu não tenho que fazer porra nenhuma por você. — Ele
murmura. — Não para nenhum de vocês. Não mais.
Ele não se vira, mesmo quando Christiana enterra a cabeça nas
mãos e Mathilda envolve o braço em volta dos ombros de
Christiana.
Nunca ouvi Nathaniel falar assim. Ele sempre se manteve firme
em suas convicções, em seu caminho. Ele sempre operou de acordo
com um código inflexível de amor e lealdade. Sinto uma raiva
amarga nele agora, do tipo que poderia infeccionar.
Quero alcançá-lo, mas não consigo me mexer.
Ele continua caminhando em direção às lâmpadas brilhantes,
suas superfícies de vidro mortais piscando. Eu só posso vê-las com o
canto do olho e apenas se eu esticar o pescoço. Rapidamente coloco
minha cabeça em seu peito, com medo de perturbar seu equilíbrio.
Eu o protegi do campo de purpurina uma vez, mas não sei por
que as lâmpadas estão aqui, como chegaram aqui ou se a proteção
que experimentei antes nos manterá seguros agora.
A barreira de magia negra que Mathilda colocou ao redor da
cabana grita quando Nathaniel a atravessa. Diretamente na minha
frente, uma luz dourada brilha em seu peito, brilhando intensamente
através dos rasgos em sua camisa enquanto ele atravessa a luz
escura como se fosse nada mais do que névoa.
Mais uma vez, quero estender a mão e tocá-lo, mas não tenho
controle. Minha respiração salta contra seu peito. Meu coração bate
tão forte que mal consigo ouvir seus passos.
Sem hesitar, Nathaniel sobe os degraus da varanda, o impacto
de suas botas na madeira me atinge.
Ele confiou em mim para mantê-lo a salvo do campo de
purpurina quando caímos do céu, mas ele nunca correu um risco
como esse antes. Sinto sua raiva latente enquanto ele se aproxima do
degrau mais alto e avança imprudentemente.
Fechando os olhos enquanto ele entra no mar de lâmpadas, me
preparo para a explosão.
Capitulo 7
Sussurros se erguem ao nosso redor como vozes distantes
chamando nossos nomes.
Abro os olhos quando Nathaniel para no meio da varanda.
A luz dança em seu peito e rosto, refletida nas superfícies
vítreas das lâmpadas brilhantes enquanto elas se erguem e flutuam
no ar ao nosso redor como bolhas suaves.
Para minha surpresa, Nathaniel está me observando em vez de
olhar ao nosso redor. Sua expressão se suavizou, as bordas duras de
sua mandíbula cerrada relaxando, seus ombros relaxando.
— Quantas vezes você vai salvar minha vida, Aura Lucidia? —
Ele pergunta.
— Quantas forem necessárias. — Digo, exalando meu medo.
Liberando-me de seu olhar, ele levanta a cabeça, seu foco
mudando para as lâmpadas brilhantes. Uma delas sobe até o nível
dos meus olhos. Cores rodopiam dentro dela, formas tomando
forma apenas para desaparecer rapidamente, deixando sombras
enevoadas para trás.
— Eu não as trouxe aqui..
— Eu sei que você não teve nada a ver com isso. — Diz ele. —
Vamos descobrir isso mais tarde. Agora mesmo, preciso levar você
para dentro.
Cuidadosa e silenciosamente, Nathaniel abre caminho entre as
lâmpadas até chegar à porta e abri-la com a bota. Algumas das
lâmpadas de purpurina se derramam dentro da cabana quando ele
se vira para entrar de lado e me carrega pela abertura.
O silêncio atrás de nós é denso. Não consigo ver muito longe
agora, mas os humanos não estão mais gritando. Em vez disso, eles
estão quietos. Chocados, eu acho, que nada aconteceu. Sem dúvida
aliviados também.
Quando Nathaniel empurra a porta para fechá-la, uma última
lâmpada flutua para dentro antes de a fechadura clicar e ficarmos
sozinhos novamente. Ontem, ele me disse que Mathilda colocou um
feitiço nesta cabana a pedido dele para que ninguém pudesse entrar
sem sua permissão. Esperançosamente, o feitiço adicional que ela
colocou ao redor da cabana esta manhã manterá os humanos longe
da varanda. Mesmo que Nathaniel tenha passado ileso pelas
lâmpadas, isso não significa que mais alguém possa.
Ele me carrega para uma das cadeiras da cozinha, arrastando-a
desajeitadamente para fora da mesa com a bota antes de me sentar
nela. Ele me posiciona de modo que estou sentada com o braço
esquerdo apoiado no encosto da cadeira. A pele de sua mãe está
pendurada na cadeira onde a deixei, uma superfície macia na qual
posso me apoiar.
Suspiro ao deixar cair a cabeça no topo do encosto, sentindo-
me segura pela primeira vez desde que deixamos esta cabana ontem.
Nathaniel rapidamente serve um copo de água e o leva aos
meus lábios. Pego dele com uma mão, conseguindo beber tudo antes
que ele me passe algumas frutas secas, seguidas de um pouco de pão
velho. Ele me diz para mastigar devagar. Ele continua enchendo
meu copo até que eu tenha bebido o quanto preciso, e ele também
come e bebe, prometendo enquanto engole: — Vou me certificar de
que tenhamos comida adequada em breve.
Finalmente, ele se ajoelha na minha frente novamente,
acariciando as mechas do meu cabelo branco do meu rosto. Meu
cabelo está coberto por uma película de suor e sujeira, o cheiro da
morte impregna meus sentidos.
Sua mão para na minha bochecha.
— Eu tenho que consertar seu braço agora.
Aperto meus olhos fechados por um momento.
— Eu sei.

— Não vai doer. Eu prometo.


Dou uma risada curta.
— Você disse que nunca mentiria para mim.
— Você acha que eu começaria agora? — Ele arqueia as
sobrancelhas para mim em uma expressão desafiadora. Movendo-se
para frente, ele coloca a palma da mão na minha nuca. Seu polegar
acaricia o ponto dolorido na base do meu pescoço, aliviando o
músculo dolorido ali.
Apesar do quanto seu toque acalma minha dor, sou cautelosa,
estreitando meus olhos para ele.
Um pequeno sorriso levanta seus lábios. A luz desafiadora
cresce em seus olhos.
— Isso dói?
— Não. — Digo, ainda cautelosa.
Seu polegar abaixa, mas apenas um centímetro, lentamente
descendo pela lateral do meu pescoço.
— E quanto a isso?
— Você sabe que não dói. — Resmungo, minha acusação
apenas pela metade.
O canto da boca de Nathaniel se contrai. Ele lentamente se
inclina e dá um beijo em meus lábios, um contato formigante, antes
de se levantar de seu assento.
Meus olhos se abrem enquanto ele circula atrás de mim. Não
tenho certeza do que ele pretende fazer e cada parte de mim está de
repente no limite.
— Confie em mim. — Ele sussurra, dando um beijo no topo da
minha cabeça antes de alcançar os fechos do lado esquerdo da minha
armadura. Ele me observou tirar a armadura sozinha ou vesti-la
várias vezes, então ele sabe como funciona.
Rqelaxo quando ele não toca na minha articulação. Em vez
disso, ele cuidadosamente abre a armadura nas minhas costas, mas
apenas para expor minha pele. Puxando meu cabelo para o lado, ele
gentilmente massageia os músculos do lado esquerdo da minha
coluna, descendo para a parte inferior das minhas costas e para o
meu lado direito, trabalhando lentamente para cima, mas
permanecendo perto da minha coluna. Agora que ele está
posicionado atrás de mim, não sei dizer se estou brilhando com seu
toque.
Suas mãos acalmam os músculos que gritam desde a base das
minhas costas até a base do meu pescoço. Ele não se desvia desse
caminho, simplesmente trabalhando em seu caminho de volta. Em
seguida, sobe novamente até a base do meu pescoço.
Estremeço quando ele dá um beijo na minha pele nua abaixo
do meu ombro esquerdo.
Ouço o sorriso em sua voz.
— Você não poderia esfregar isso.
O nome de sua família está pintado em meu ombro esquerdo e
também em meu coração.
Endureço um pouco.
— Hagan disse que eu desonrei você.
O sorriso não desaparece de sua voz.
— Essa é uma lei humana. Você não é humana, lembra?
Ele está tentando aliviar minha preocupação da mesma forma
que está aliviando meus músculos, mas não vai funcionar.
— Ele disse que depende de você se ainda somos casados ou
não.
Nathaniel trilha beijos na minha espinha, parecendo
imperturbável com a pergunta na minha voz.
— Aura... linda mulher... a escolha sempre será sua.
— Então ainda somos casados.
Relaxo novamente, encostando-me na cadeira enquanto suas
mãos passam por minhas costelas, lentamente passando por todos os
músculos das minhas costas, uma mão finalmente massageando o
ponto abaixo do meu ombro direito enquanto sua outra mão
lentamente aperta minha mão direita onde ela descansa contra o
meu lado. Seu polegar pressiona a palma da minha mão, passando
por cada um dos meus dedos e passando para o meu pulso.
Centímetro a centímetro cuidadosamente, ele sobe pelo meu
braço, ao longo do meu antebraço e depois do meu bíceps, firme o
suficiente para que eu possa sentir seu toque sob a manga da minha
armadura. Ele trabalha com a outra mão ao longo da saliência na
parte superior do meu ombro até que suas mãos se encontrem no
meio do meu ombro.
Ele me prometeu que não faria mal.
Não.
Meu braço direito abaixa suavemente para longe das minhas
costas, movendo-se lentamente para o meu lado em uma posição
mais natural.
— Calma, Aura. — Ele sussurra, plantando beijos na lateral do
meu pescoço exposto. — Não muito rápido ou seus músculos ficarão
tensos.
Ele se mexe de novo, sem tirar as mãos das minhas costas, de
modo que fica ajoelhado ao meu lado direito. Dobrando
gradualmente meu braço no cotovelo, ele guia meu braço para frente
a uma distância mínima enquanto continua a massagear os músculos
do meu ombro, até que eu possa descansar minha mão na parte
superior da minha coxa direita.
— Quase lá. — Ele sussurra, virando-se para a minha frente
novamente.
Lágrimas de repente queimam no fundo dos meus olhos,
escorrendo pelo meu rosto antes que eu possa contê-las.
— Eu pensei que você tinha ido.
— Nunca.
Ele sorri, inclinando-se para frente para continuar
massageando meu ombro enquanto pega minha mão direita e a
puxa suavemente para frente e para cima. Ao mesmo tempo, ele se
inclina para roçar outro beijo em meus lábios. É tão parecido com o
movimento que ele fez contra mim quando lutamos pela primeira
vez que me leva de volta ao nosso primeiro encontro na Forca
Nebulosa. Eu dirigi minha adaga em direção ao seu estômago. Ele
puxou meu braço da adaga para frente, mas além de seu torso, de
modo que acabei colada nele. Essa foi a primeira vez que inalei o
calor de seu corpo, seu cheiro de caramelo.
Engulo um soluço, incapaz de esconder minha vulnerabilidade.
— Eu realmente pensei que você tinha ido embora.
— Eu não estou indo a lugar nenhum. — Ele pressiona sua
bochecha contra a minha, borrando as lágrimas que escorrem pelo
lado do meu rosto. Então ele se vira para que seus lábios toquem os
meus, um lembrete gentil de que ele está bem aqui, quente, vivo e
determinado a me ajudar.
Estou coberta de areia e sangue. Suas roupas ainda estão
esfarrapadas e imundas, mas sua pele está limpa. Mesmo assim, seu
beijo se aprofunda enquanto ele continua puxando meu braço para
cima, colocando minha mão em seu ombro abaixado. As pontas de
seus dedos pressionam a manga da minha armadura até que ambas
as mãos descansam em meu ombro ferido.
Sinto meu ombro se mover e a tensão em meu braço finalmente
diminui. Uma rápida olhada me diz que a articulação não está mais
pressionando de forma anormal na frente, mesmo que eu não
consiga ver o inchaço e os hematomas sob minha armadura.
— Aqui. — Nathaniel sussurra contra meus lábios, da mesma
forma que ele falou quando escreveu seu nome no meu rosto pela
primeira vez.
Ele abaixa meu braço para o meu colo e então suas pontas dos
dedos sobem do meu corpo pela primeira vez desde que ele
começou a massagear minhas costas.
Segurando a base de sua camisa, ele tira o tecido rasgado de
seu corpo. A ferida mortal em seu torso está curada, mas eu engasgo
com sua aparência.
Uma pequena cicatriz em forma de meia-lua agora fica acima
de seu coração.
É exatamente igual a minha.
Ele me dá um sorriso irônico.
— Temos a mesma cicatriz.
Estou chocada enquanto o estudo.
— Sempre um espelho. Por que isso acontece?
Eu já fiz esta pergunta antes. Junto com o motivo de eu brilhar
quando ele me toca. As conexões entre nós são fortes demais para
serem causadas por uma Lei que invoquei apenas dois dias atrás.
— Poderíamos perseguir respostas. Ou podemos nos
concentrar no presente.— Diz ele com um sorriso gentil que me
lembra o que ele já me disse: ele não sabe.
Voltando sua atenção para sua camisa rasgada, ele considera
sua estrutura antes de rasgar seções para aumentar seu
comprimento. Então ele envolve cuidadosamente a bandagem
improvisada em volta do meu antebraço e pescoço, criando uma
tipoia.
— Isso vai servir até que eu possa fazer uma melhor para você.
— Diz ele. — Como está?
Eu permito que o peso do meu braço se acomode na base da
tipóia.
— Está bem.
— Bom. Vá com cuidado a partir de agora. Sem movimentos
bruscos.
O alcanço com meu braço esquerdo antes que ele possa se
levantar, um movimento desajeitado de minha parte.
— Nathaniel… Quando temos que lutar?
Ele afunda de volta na cadeira à minha frente, sua expressão de
repente contraída.
— O Dragão Vanem virá atrás de nós quando quiser. Ele nos
levará até a fronteira para lutar lá. Como ontem à noite,
provavelmente será por volta da meia-noite.
— Então só nos restam doze horas. Possivelmente menos.
Minha declaração cai em um abismo entre nós. Pressiono meus
lábios, tentando parar as lágrimas. Estou cansada de afastar meu
medo e tristeza paralisantes sobre o caminho que tenho que trilhar.
— Eu não posso... Isso não é... Como podemos...?
Sua mão grande acaricia minha bochecha.
— Aura. — Ele fecha os olhos. Pressiona sua testa na minha.
Expira silenciosamente. — Essas horas restantes são nossas. De mais
ninguém. Quero passá-las compartilhando com você tudo o que há
de bom no meu mundo. Há lugares na Forca Nebulosa onde os
riachos correm e o musgo é como esmeraldas. Quero que veja que
nem tudo aqui é feio.
Eu quero dizer "sim" imediatamente, mas a realidade me
pressiona.
— Cyrian ainda está sentado em seu trono. Você precisa matá-
lo antes de lutarmos.
Nathaniel acena com a cabeça, um reconhecimento lento contra
a minha testa, mas ele diz: — Quase morremos tentando lutar contra
ele, Aura. Eu tinha um caminho que percorri e agora cheguei ao fim.
O destino de Cyrian será determinado pelo resultado da batalha
entre nós. Até então, não quero pensar nele, ou em Imatra, ou em
qualquer outra pessoa, exceto em você.
— Ok. — Sussurro, esperando que seja tão simples.
Ele se afasta com um sorriso sério.
— Então vamos começar com um banho morno. Vamos
encontrar uma maneira de Maggie nos contrabandear um pouco de
comida depois disso.
Capturando minha mão livre na dele, ele me puxa para os
meus pés e em direção ao banheiro, seus passos lentos e silenciosos.
Ele verifica minha posição enquanto se move, como se estivéssemos
fugindo juntos novamente. Acho que sim. Fugindo do futuro,
tentando parar cada minuto que passa.
Fique comigo, Aura.
Ele me puxa para dentro do banheiro, incitando-me a sentar na
cadeira enquanto ele caminha para a banheira com pés que fica no
centro. Alcançando a bomba de água de ferro fundido localizada na
parte de trás dele, ele bombeia a alavanca, mas só a enche até a
metade.
Então ele volta para mim, tira meu braço da tipóia e apoia meu
membro enquanto puxa minha armadura pelo resto do caminho
pelo meu torso e depois pelas minhas pernas.
Cada movimento que ele faz é cuidadoso. Silencioso.
Seus dedos permanecem na minha pele. Meu ombro, meu
bíceps, meu pulso, minha cintura, estendendo cada toque como se
fosse o último.
Finalmente, minha calcinha está no chão e vou para a banheira.
Deslizando para dentro dele, mantenho meu braço pressionado
contra o peito. A banheira está cheia o suficiente para eu deslizar sob
a superfície, imergindo meu cabelo por um momento, mas é rasa o
suficiente para que eu não seja forçada a ficar completamente
submersa no sangue e na sujeira que me lavam.
Saindo da superfície, encontro Nathaniel ajoelhado ao lado da
banheira com uma toalha na mão. Ele começa a limpar todo o
sangue e a poeira que ainda cobrem meu pescoço, rosto, mãos - até
meu estômago, onde minha pele foi exposta. Ele é cuidadoso com os
arranhões em meu estômago e presta atenção especial aos arranhões
em meu rosto, incluindo o corte em meu queixo onde o chicote de
Tanner me cortou.
A água lentamente se torna vermelha quando o sangue de
Nathaniel e meu se esvaem do meu corpo..
— As feridas estão limpas. — Ele murmura. — Não vejo
nenhum sinal de infecção, mas precisamos ficar atentos.
Queimei as pontas do meu cabelo ontem à noite quando
removi a tinta preta que havia escondido minha identidade durante
parte do dia, e ele faz uma pausa enquanto passa o pano pelas
mechas. Desta vez, ele não diz nada.
Ele me ajuda a sair do banho e me enrola em duas toalhas, uma
em volta do meu corpo e outra menor em volta do meu cabelo.
Depois de me devolver à cadeira, ele esvazia a banheira, torna a
enchê-la, vira as costas para mim para tirar a roupa e desaparece
rapidamente dentro da banheira.
A água espirra para fora da banheira enquanto ele desliza sob a
superfície.
O puxão dentro do meu peito é inegável.
Eu preciso ser capaz de vê-lo.
Meus pés se movem, levando-me para a borda da banheira.
Nathaniel permanece abaixo da superfície, os olhos fechados,
os punhos pressionados contra as laterais internas da banheira para
se manter debaixo d'água. O líquido lentamente se torna vermelho
enquanto o restante de seu sangue é lavado.
A superfície quebra quando ele se senta, mas ele não olha para
mim, fixando-se na parede oposta enquanto a água escorre por seu
cabelo, rosto e ombros.
Seus olhos estão vermelhos.
— Fiz uma promessa que não posso cumprir.
Conheço a promessa de que ele está falando: ele jurou lutar
contra mim com todas as suas forças, me atacar, ferir e me
despedaçar. Para me tratar como sua inimiga.
— Você não vai lutar comigo. — Digo, empurrando meu braço
esquerdo livre da toalha para estender a mão e descansar meus
dedos contra seu coração. — Vou ficar acomodado aqui. E nas suas
memórias. Serei a esposa que você já teve, que não existe mais. A
mulher com quem você luta será a campeã da Rainha Feérica. Ela
não terá piedade e nem você.
Injeto toda a força de minhas convicções em meu discurso.
Preciso que ele acredite que vou lutar com todas as minhas forças,
que não vou desistir.
Ele acena com a cabeça, mas é automático. Ele não tem escolha
a não ser concordar. Seus movimentos são rígidos quando ele sai da
água.
— Quero lutar ao seu lado, não contra você.
Sua declaração rasga meu coração. Quando ele sai do banho,
fecho a distância entre nós, envolvendo meu braço livre em torno de
seu torso rígido, a toalha pendurada pela metade, meu braço
machucado enrolado entre nós.
Ele lentamente puxa a toalha de volta sobre meus ombros, mas
quando eu olho para cima, sua expressão se suavizou. Um leve
sorriso toca seus lábios.
— É uma pena que nós dois precisemos comer agora.
Dou-lhe um sorriso sensual que parece surpreendê-lo antes de
soltá-lo e tirar a toalha dos meus ombros, deixando-a cair no chão,
deixando-me nua.
— É uma pena.
Virando-me, pego o equipamento de treinamento bege
dobrado que deixei no assento no canto do banheiro ontem. Os
rasgos em minha armadura são um risco e não quero vesti-la
novamente agora que está coberta de sangue, mesmo que o sangue
não apareça contra o material preto. Felizmente, Esther me deu
vários pares de roupas intimas limpas ontem, então eu pego
algumas e terei que vestir com uma mão.
Olhando fixamente, perplexa, para o sutiã, penso em como vou
passar meu braço machucado pela alça.
Sinto Nathaniel vir atrás de mim antes de dar um beijo no meu
ombro nu, murmurando: — Deixe-me ajudá-la com isso.
Quando me viro para ele, ele me surpreende puxando a
calcinha dos meus dedos e deixando-a cair de volta na cadeira. Ele
está usando uma toalha pendurada na cintura, mas não demoraria
muito para removê-la.
Ele arqueia a sobrancelha para mim, um sorriso brincando em
sua boca.
Mordo meu lábio antes de dar um passo, fico na ponta dos pés
para encontrar sua altura e planto um beijo rápido e breve em sua
boca sorridente. Sua mandíbula está sombreada pelo crescimento e
as cerdas formigam contra meus lábios.
Com um puxão tão rápido quanto aquele com que ele tirou a
calcinha de mim, afrouxo sua toalha.
Seus braços me envolvem e ele me levanta, cutucando beijos
suaves contra meus lábios enquanto me carrega para fora do
banheiro, indo para seu quarto em alguns passos rápidos. Lâmpadas
de brilho flutuam no ar, perturbadas quando passamos por elas, mas
elas deslizam de volta ao chão novamente sem nenhum desastre.
Eu sinto a restrição de Nathaniel quando ele me deita em sua
cama, o controle na forma como ele se certifica de que meu braço
esteja descansando ao meu lado, dobrando-o no cotovelo para que
minha mão direita repouse em meu estômago. Plantando beijos
tentadores nas costas da minha mão e no meu antebraço, ele segue o
arco do meu braço até meus seios antes de beijar cada centímetro
deles, enviando golpes de calor por todo o caminho até o meu
centro.
Fico surpresa quando minha pele reage ao seu toque com o
brilho mais suave. Eu pensei que meu poder estaria completamente
esgotado agora, mas sua proximidade é muito avassaladora, a
promessa de seu corpo é demais.
O calor toma conta de mim no momento em que seus lábios se
chocam contra os meus, famintos e exigentes. Arrepios disparam
através de mim, ondulando para frente e para trás enquanto suas
mãos acariciam meus lados, procurando a curva de meus quadris e
minhas coxas.
Esqueço meu braço ferido, estendendo a mão para ele antes
que ele segure meu pulso e pressione minha mão firmemente de
volta ao meu estômago, beijando a parte de trás dele novamente
antes de sua mão permanecer pressionada sobre ela, impedindo-me
de me machucar.
Seus beijos seguem para baixo, descendo pelo meu estômago e
pélvis. Quando sua boca atinge meu centro, é quase mais do que
posso aguentar. Minha respiração fica fora de controle e meu corpo
está mais do que pronto. Mas quanto mais perto chego da liberação
completa, mais minhas emoções fogem do meu controle.
Meu coração dói.
Não há uma parte do meu corpo e mente que não esteja
doendo agora, gritando baixinho. Meu futuro está tão preso quanto
minha mão direita, apertada na de Nathaniel, forçado a permanecer
imóvel, entrelaçado, quando tudo o que quero é nos libertar das
regras, da magia e da Lei.
Flexiono meus dedos sob sua palma, empurrando para cima
antes de escorregar de seu aperto e puxar seu braço, puxando-o de
volta para mim.
A intensidade em seus olhos queima através de mim, cortando
meu coração enquanto ele paira sobre mim antes de dar um beijo
suave em meus lábios.
— Aura? Precisamos parar?
— Não. — Balanço a cabeça com um soluço que não consigo
controlar. Minhas emoções são uma confusão de calor e tristeza, de
necessidade física e desejo emocional. — Eu nunca quero parar.
Inclinando minha pélvis, eu engancho minhas pernas ao redor
de seus quadris, gemendo a adrenalina inebriante enquanto ele
desliza para dentro de mim. Ele se move lentamente, prolongando a
união para que cada segundo de prazer pareça durar para sempre e
a liberação seja um estrondo que acabará com tudo.
Desesperada para me ancorar em seu corpo, agarro seu ombro
com minha mão boa, minha outra descansando na cama enquanto
meu corpo balança contra o dele. Eu daria qualquer coisa por mais
tempo. Apenas mais um dia. Dois. Eu preciso de uma vida inteira
com ele.
Suspiro. — Diga-me uma mentira, Nathaniel. Apenas uma.
Ele faz uma pausa no meio do impulso, fazendo meu corpo
doer ainda mais, querendo e precisando de cada parte dele.
Sua mandíbula fica tensa, mas uma determinação feroz
transparece em sua voz.
— Nós dois estaremos vivos amanhã.
Concordo com a cabeça, optando por acreditar que toda a sua
raiva e força de vontade podem tornar isso verdade.
— Vamos.
Eu me perco na intensidade de seu toque, seus lábios, os golpes
inebriantes, o ritmo repentinamente selvagem. Empurro para trás
contra ele, segurando cada segundo de desejo e necessidade até que
a intensidade em seus olhos e a maneira como suas mãos acariciam
cada centímetro sensível de mim, me derrubam. A queda é como
cair e nunca atingir o fundo, ondas que prometem um futuro que
não posso ter.
Juntando-me ao seu lado, ele me segura perto, minha cabeça
pressionada contra seu peito.
Seu coração bate forte em meus ouvidos.
— Nós dois sobreviveremos a isso. — Diz ele.
É uma bela mentira.
Capitulo 8
Quando finalmente saímos de seu quarto, estávamos vestidos,
mas com muita fome. Nathaniel usa um novo conjunto de calças
pretas e uma nova camisa de manga curta. Ele cria uma tipóia para
mim com uma camisa limpa e me ajuda a vesti-la para que seja mais
difícil usar acidentalmente meu braço dolorido. Estou vestida com o
traje de treinamento humano que, com certeza, só atrairá a raiva
deles, já que vai parecer que estou tentando ser um deles, mas não
tenho outras opções de roupa. Eu também não tenho escolha a não
ser calçar as botas que ainda estão cobertas de sangue e areia, mas
Nathaniel as limpa para mim primeiro.
Ele me surpreende quando puxa um arnês de arma, deslizando
uma espada na bolsa de transporte em suas costas e também
prendendo três punhais. Ele estende um arreio para mim e me ajuda
a puxá-lo, prendendo-o sob minha tipóia antes de recuperarmos a
adaga e a espada de minha armadura e ele as coloca no arreio para
mim, a espada em minhas costas e as adagas onde posso alcançá-las
com meu braço esquerdo.
— Você tem certeza disso? — Pergunto-lhe. — Eu andando por
Nulo carregando armas como esta poderia ser um convite ao
conflito.
— Nosso conflito já existe. — Diz ele. — Eu entendo a raiva
deles, mas não vou tolerá-la.
Meu estômago ronca alto. Pego a mão de Nathaniel para
mantê-lo a salvo das lâmpadas brilhantes enquanto ele me puxa em
direção à porta.
Sacudindo sua raiva, ele me dá um sorriso.
— Vamos roubar um pouco de comida.
— O que devemos fazer com as lâmpadas? — Pergunto antes
de chegarmos à porta. — Não podemos deixá-las flutuando do lado
de fora.
— Poderíamos trazê-las para dentro. — Ele sugere. — Dessa
forma, elas estarão contidas.
— Ok. — Rio, imaginando-o perseguindo-as pela varanda. —
Mas vou segurar uma de suas mãos para mantê-lo seguro e não
posso usar meu braço direito. Você será capaz de pegá-las sozinho?
Ele dá de ombros.
— Será como perseguir bolhas. — Sua mão livre dispara em
demonstração para a mais próxima, segurando-a com firmeza. —
Viu? Fácil como...
Um choque de luz passa por sua mão, descendo por seu braço
e atravessando seu peito tão rapidamente que atinge meu lado onde
estou pressionada contra ele.
— Nathaniel!
Ele congela onde está, sua inalação interrompida, sua
respiração presa enquanto ele olha para a lâmpada.
Ele exala com uma pergunta afiada.
— O que é isso?
Dentro da lâmpada, as imagens giram e mudam.
A luz branca que brilha na superfície da lâmpada se dissipa,
transformando-se em vapor que sobe das narinas de um cavalo de
fogo. O corpo do animal está escorregadio de suor e medo. A sela em
suas costas está vazia, exceto a alabarda reluzente presa ao arreio
que fica ao redor da barriga do cavalo. Quando seu corpo inteiro fica
visível, o peso de um homem se arrasta pelo chão iluminado pela lua
ao lado dele, seu pé preso nos estribos.
— Esta é a noite em que meu pai morreu. Por que está me
mostrando isso? — Nathaniel agarra a lâmpada com tanta força que
seus dedos estão ficando sem sangue, com tanta força que ele pode
esmagá-la.
Deslizando minha mão ao longo de seu braço, tento soltar seus
dedos, preocupada com o poder destrutivo dentro da lâmpada. Mais
preocupada com o efeito da memória dolorosa sobre ele.
— Não... — Sussurro. — Não assista.
O corpo de seu pai bate nas pedras que levam até a parede
externa do castelo de Caído, iluminado pela luz do fogo das
lâmpadas ao longo do caminho. Um grito ergue-se das ameias, tão
alto no silêncio da cabana que me sobressalto.
Dentro da lâmpada, as grandes pontas de ferro do portão do
castelo se erguem. Um menino corre pela abertura, correndo para o
lado do homem enquanto a gritaria continua acima dele. O menino
tem que ser Nathaniel. Reconheço seus cabelos e olhos escuros.
Ele está carregando uma adaga que usa para cortar os estribos
em um movimento hábil antes de cair ao lado de seu pai com um
grito.
— Onde você está ferido? — Seus olhos escuros estão selvagens
de medo. — Diga-me!
Seu pai agarra os ombros de Nathaniel e o puxa para mais
perto. A voz do homem mais velho é um som áspero, desaparecendo
a cada respiração.
— Nathaniel... lembre-se... quando eu morrer... cabe a você
manter a luz.
Os olhos do jovem Nathaniel se arregalam. Seu grito parte meu
coração.
— Não! Você não pode morrer!
Ele luta contra o aperto de seu pai, mas o homem mais velho o
agarra com as mãos ensanguentadas, sua voz ficando mais forte.
Uma ordem que só um rei pode dar.
— Nathaniel! Você promete realizar meus desejos finais.
Os olhos de Nathaniel se enchem de lágrimas quando ele
agarra os braços de seu pai, mas Nathaniel fica imóvel, sem lutar
mais.
— Diga-me o que você quer. Eu farei.
Seu pai exala lentamente, sua força visivelmente falhando.
— Encontre a garota… com o cabelo mais branco que osso…
Dê isso… de volta para ela. Diga a ela... que ela não pertence a eles.
— Eu não entendo. Que garota? Por que?
— Ela tem o poder de virar a guerra. Ela tem o poder…
A luz negra lava o corpo do jovem Nathaniel, lançando-o na
sombra. Mathilda aparece atrás dele, com os braços estendidos, a
saia balançando em volta das pernas, como se tivesse chegado a
tempo de ouvir as últimas palavras do rei.
— Não! Tobias! — Ela se inclina para o pai de Nathaniel, mas
os olhos do homem mais velho já estão vagos.
O tumulto do som dentro da lâmpada cessa e a imagem
desaparece.
Encaro o vazio brilhante que ela deixa para trás.
— Nathaniel... me desculpe.
Seu olhar é sombrio.
— Aquele foi o dia em que nossos caminhos se cruzaram pela
primeira vez. Seu e meu.
Subitamente agitado, ele se vira para as outras lâmpadas, seus
olhos se estreitando enquanto ele pega outro orbe no ar. Há um
lampejo de cor dentro da lâmpada, outro conjunto de imagens, essas
desaparecendo tão rapidamente que não consigo capturá-las, mas
Nathaniel parece reconhecê-las imediatamente. Ele pega outra
lâmpada com o mesmo efeito, deixando-a cair com a mesma rapidez.
— Todas essas são memórias dolorosas. — Diz ele. — Todas
elas são momentos no tempo que me trouxeram até você. As
ondulações da minha vida me mantendo no caminho para encontrá-
la.
Ele solta a última lâmpada, deixando-a cair no chão enquanto
seu olhar queima o meu.
— Essas lâmpadas não estão aqui por sua causa. Elas estão aqui
para mim, para me lembrar do que preciso fazer, para me manter no
meu caminho.
Ele se afasta das lâmpadas para que eu possa soltar seu braço
com segurança. As lâmpadas que ele tocou estão todas empilhadas
no canto da sala agora, exceto uma, que flutuou em direção à mesa.
Cautelosamente, eu a alcanço, fechando meus dedos em torno dela.
Em vez de explodir em imagens, a superfície se suaviza,
transformando-se ao meu toque em uma margarida viva com pétalas
brancas puras e um centro dourado brilhante.
Eu a esmago lentamente em meu punho.
O dia em que o pai de Nathaniel, Tobias, morreu foi o dia em
que acordei. O futuro de Nathaniel foi determinado pelas palavras
finais de seu pai, enquanto meu futuro foi gasto tentando entender
meu passado.
Deixando cair a flor quebrada sobre a mesa, viro-me para
pressionar minha mão contra o coração de Nathaniel, na esperança
de lembrá-lo de que seu coração ainda está batendo, de que ele não
está sozinho.
Ele está tenso ao meu lado.
— Eu te entreguei a pedra ontem, mas eu deveria garantir que
você a pegasse. Meu pai me disse para devolvê-la a você.
Respirando fundo, Nathaniel se afasta de mim, vai até a lareira
e volta com a pequena caixa de madeira que me mostrou ontem.
Recusei-me a tocá-la e a deixamos aqui quando fomos procurar
Christiana.
Minha resposta é afiada.
— Eu não quero.
Ele faz uma pausa, seu braço meio estendido em minha direção
antes de abaixar, a caixa agarrada em seu punho.
Ele estuda meu rosto.
— Eu vi seu medo desta pedra ontem, Aura. Por que você tem
medo disso?
— Eu não sei. — Sussurro, dando um passo para trás. Balanço a
cabeça, tentando verbalizar meus sentimentos. — Porque é como
olhar para um abismo. Como o nada de que me lembro antes de
acordar pela primeira vez no local da queima.
Quando levei Nathaniel ao local da queima onde minhas
primeiras memórias começaram, contei a ele que nasci naquele local,
uma menina de sete anos totalmente formada. Não me lembrava de
nada da minha vida antes de acordar naquela noite, mas o nada de
que me lembro é um espaço vasto e infinito. O mesmo nada que me
envolve quando durmo.
— Eu senti o seu nada. — Diz Nathaniel, me surpreendendo. —
Esta manhã, enquanto eu estava deitado na arena.
Estremeço, tentando esquecer a maneira como tentei salvá-lo,
apenas para vê-lo ficar imóvel.
— Você parou de respirar.
— Assim como você parou de respirar no local da queima em
nosso primeiro dia. — Ele diz, seu olhar perfurando o meu. — E
novamente quando você estava amarrada esta manhã. — Ele dá um
passo em minha direção, a pedra ainda em seu punho. — Nós dois
paramos de respirar, assim como sofremos os mesmos ferimentos,
mas nenhum de nós morreu.
Ele quer saber como. Eu posso ver isso em seus olhos. Entre
todas as perguntas que já temos, esta pode ser a mais confrontadora.
— Como uma criatura viva pode parar de respirar e
permanecer viva? — Ele pergunta.
Dou um passo para trás.
— Não sei como é possível ou por que acontece.
— Talvez nunca saberemos. — Nathaniel se aproxima da mesa
e coloca a caixa sobre ela. — Mas não tenho medo desta pedra, e
acho que você também não deveria ter. Vou te mostrar o porquê.
Uma a uma, ele remove suas armas do arnês que está em volta
de seu torso e depois o próprio arnês antes de tirar a camisa,
colocando-a cuidadosamente na mesa ao lado de suas armas.
— Eu disse a você ontem que carrego esta pedra comigo todos
os dias desde que meu pai morreu. — Diz ele. — Mas eu não disse a
você que eu carrego isso perto do meu coração. Isso me deu força
quando eu não tinha nenhuma.
Ele abre a caixa.
O brilhante fragmento de pedra em forma de meia-lua brilha
para nós. É a mesma forma de ambas as nossas cicatrizes. A mesma
forma da joia que Imatra deixou cair em meu sonho.
No momento em que a vejo, um abismo se abre diante de mim,
como se a caixa fosse a porta de entrada para um vazio profundo e
congelado, mas Nathaniel pega a pedra sem hesitar.
Ele a ajusta em seu polegar, mostrando-me antes de pressioná-
la sobre a localização de seu coração logo abaixo de sua nova
cicatriz.
Eu suspiro quando a pedra se encaixa em sua pele, moldando-
se à curva de seu peito como se fosse parte de seu corpo. A rocha se
conforma tão completamente que nem consigo ver suas bordas.
A luz brilha suavemente através de sua pele, uma única
ondulação da pedra, a mesma luz dourada que vi brilhando em seu
peito quando ele me defendeu contra os caçadores ontem. Então ela
desaparece e não consigo mais ver onde a pedra repousa. É como se
a pedra tivesse desaparecido em sua pele.
Lancei olhares de um lado para o outro, observando a
localização de sua cicatriz.
— É pedra. Como ela faz isso?
— Muda de consistência quando toco. — Diz ele, observando-
me com atenção. — Transforma-se de pedra dura em material macio.
Ela grudou na minha mão na primeira vez que a segurei. Depois
disso, não queria perdê-la. Era a última peça do meu pai, então
guardei por perto. Uma memoria. Minha promessa de honrar suas
palavras finais.
Ele tira a pedra de seu peito, inclinando-se para frente,
encontrando meus olhos, os seus tão escuros que me assustam.
— Eu prometi a ele que devolveria para você. Acho que esta
pedra é um pedaço da sua vida. Aceita?
Meus ouvidos zumbem quando ele estende a pedra para mim.
O abismo dentro de mim se alarga. A escuridão fria ameaça me
engolir. É um medo irracional. Nathaniel manteve este pequeno
pedaço de rocha seguro todos esses anos, carregando-o próximo ao
coração. É a última conexão com seu pai, mas ele está disposto a dá-
la para mim, para cumprir sua promessa.
— Não tenha medo do seu passado. — Ele murmura,
procurando meus olhos.
Eu me afasto dele.
— Eu quero que você fique com ela.
— Aura...
— Só mais um pouco. Por favor?
Uma ruga aparece em sua testa. Ele parece perplexo com o meu
pedido, mas acena com a cabeça antes de colocar a pedra de volta
em seu peito. Ele coloca a camisa e as armas de volta.
Ele estende a mão para mim com um sorriso que alivia a tensão
entre nós.
— Pronta para segurar minha mão enquanto eu crio bolhas?
Devolvo seu sorriso, pegando sua mão enquanto nos dirigimos
para a porta. Lá fora, o caminho ao redor da cabana de Nathaniel é
silencioso e vazio. A própria aldeia também está calma e silenciosa.
À distância, percebo os humanos reunidos no pátio, praticando seus
exercícios.
Bem à nossa frente, na varanda, as lâmpadas de purpurina
continuam girando suavemente e inofensivamente no ar. Elas
flutuam em nossa direção, batendo suavemente nos braços nus de
Nathaniel, nas armas em seu peito e até mesmo em seu rosto. Cada
uma contém luz e escuridão, formas que se formam e desaparecem,
lampejos de poder e momentos de vazio.
Ele fecha os olhos por um momento. Se cada bulbo contém
uma memória dolorosa para ele, então seu humor sobre pastoreá-las
é forçado. Uma bravura que eu gostaria que ele não sentisse que
tinha que manter na minha frente.
Ele é cuidadoso no início, depois impaciente, enquanto
empurra as lâmpadas para dentro de sua cabana.
Eu mordo meu lábio e escondo meu sorriso quando ele começa
a rebatê-las para dentro, a tensão em seus ombros diminuindo e seu
sorriso se tornando real, como se socar suas memórias dolorosas
fosse de alguma forma catártico.
Ele me dá uma risada hesitante quando pisa em uma e quase
perde o equilíbrio. O tempo todo ele continua segurando minha mão
esquerda com a sua mão esquerda, o que significa que estou de
frente para o caminho vazio enquanto ele tenta girar no local para
não me torcer.
Uma das lâmpadas passa flutuando pela minha mão direita,
onde meus dedos espreitam para fora da tipóia. Eu cutuco meu dedo
indicador para empurrá-la, surpresa quando as cores piscam em sua
superfície.
Por um segundo, uma luz suave dança através da lâmpada.
Uma forma lúdica, não exatamente humanóide ou feérica, saltita
pela superfície, sussurrando suavemente. A escuridão polvilhada
com pequenas luzes envolve o brilho em movimento.
Eu a encaro surpresa, mas a imagem desaparece rapidamente
quando Nathaniel arranca a lâmpada do ar à minha frente.
Empurrando-a para dentro da cabana, ele me dá um sorriso
vitorioso antes de fechar a porta.
— Comida
— Diz ele. — Estou morrendo de fome.
Assim que chegamos ao último degrau, Mathilda aparece no
caminho à nossa frente, seu vestido violeta balançando em torno de
suas pernas, sua pele voando enquanto ela corre em nossa direção.
— Nathaniel!
Ele aperta minha mão com força, um aviso para ficar onde
estou, enquanto se posiciona um pouco na minha frente, sua
expressão nada acolhedora.
— O que é?
Mathilda para a vários passos de distância, esperta o suficiente
para não invadir o espaço de Nathaniel. Seu olhar rápido passa por
minha tipóia, minhas roupas e meu cabelo solto antes de se demorar
nos cortes ainda cicatrizando em meu rosto, todos os hematomas
que devem estar visíveis agora que a areia e o sangue foram lavados.
Então seu foco pisca na varanda vazia atrás de nós.
Ela engole visivelmente, como se estivesse tentando superar
seu orgulho.
— Eu preciso de sua ajuda.
Capitulo 9
Nathaniel lança um olhar sombrio para Mathilda.
— Te ajudar pode esperar. Precisamos comer.
Ele caminha na direção do caminho mais distante, com o
objetivo de contornar a bruxa enquanto eu o sigo de perto. Estou
confortável em deixá-lo decidir nossas ações agora.
Mathilda se aproxima dele.
— Por favor. Vou mandar trazer comida para a cabana de
Christiana. Isso não pode esperar.
Nathaniel é uma parede de tensão, a linha implacável de seus
lábios endurecendo tão rapidamente que Mathilda se afasta dele
novamente. Quando a encontrei pela primeira vez ontem, ela estava
com raiva e cheia de vingança, me chamando de arma feérica,
insistindo que eu deveria ser morta. Quando Nathaniel me defendeu
com força total, ela pareceu chocada, como se ele raramente fosse
contra a vontade dela. Agora ela parece incerta, como se não tivesse
certeza de onde está.
— Cabana da Christiana? — Suas próximas perguntas são
curtas e incisivas. — Quem precisa de ajuda? Você ou ela?
Mathilda morde o lábio nervosamente.
— Nós duas.
Aperto a mão de Nathaniel, incitando-o a olhar para mim. Não
me sinto à vontade para expressar meus pensamentos na frente de
Mathilda, mas não quero que ele tome decisões que afastem seu
pessoal ainda mais do que ele já fez.
Ele lê meu rosto como se ouvisse meus pensamentos, as arestas
duras de sua expressão suavizando, mas seu olhar aumenta quando
ele se volta para Mathilda.
— Nós iremos com você, mas se você ou alguém neste
acampamento tentar ferir Aura, eu acabarei com você. — Ele se
aproxima dela enquanto ela se afasta. — Mesmo que eu tenha que
quebrar minha promessa ao meu pai de fazê-lo. Em algum
momento, será hora de parar de manter a luz.
Ela empalidece.
— Eu quebrei sua confiança. Eu deveria ter protegido sua
esposa.
— Sim, você deveria ter.
Ela dá a ele um aceno rígido de concordância antes de virar as
costas.
Nathaniel murmura para mim enquanto caminhamos atrás
dela.
— A cabana de Christiana é a mais próxima do campo de
treinamento. Ela queria assim. Ela era sempre a primeira a começar a
treinar todos os dias e a última a parar. — Ele suspira, um pouco da
tensão exalando de seu corpo. — O legado de nossa mãe foi difícil
para ela viver.
— Se Christiana não tivesse sido forçada a entrar nesta vida, o
que ela teria feito? — Pergunto, de repente perguntando o mesmo
sobre mim. Se eu tivesse uma escolha verdadeira, teria acabado
exatamente onde estou?
Nathaniel contempla minha pergunta antes de responder.
— Quando éramos pequenos, ela adorava passar o tempo na
estufa. — Diz ele. — Ela gostava de fazer as coisas crescerem.
— Não é uma assassina natural, então.
Ele concorda.
— Ela nem sempre foi tão durona.
Aperto sua mão.
— Você tem que perdoá-la, Nathaniel.
Ele balança a cabeça em desacordo.
— Quando eu estava deitado na arena, sem respirar, mas de
alguma forma vivo... eu ouvi meu povo, o povo pelo qual eu estava
lutando, gritando por seu sangue. Eles queriam que Cyrian
machucasse você.
De repente, ele agarra meu braço, seu toque firme e
determinado enquanto me puxa para uma parada.
— Eu ouvi seus gritos quando minha irmã amarrou você
naquele poste. Se eu pudesse mover meu corpo naquele momento,
ela não estaria mais andando nesta terra.
O sangue escorre do meu rosto com a raiva crua em sua voz.
— Você não quis dizer isso. — Não posso ser a fonte de conflito
entre ele e a irmã. Eu involuntariamente me coloquei nessa posição
quando acabei com a vida de sua mãe, mas não vou aceitar que eu
tenha que continuar sendo um gatilho entre eles. — Ontem, você
quase morreu tentando libertá-la. Ela é da família, Nathaniel. Você
tem que lutar por ela...
— Para qual finalidade? — Ele pergunta. — Se eu der a
liberdade à minha irmã, se eu der a liberdade ao meu povo, o que
eles farão com ela? Eles continuarão a derramar sangue por
vingança?
— Eles não vão. — Digo, não tenho certeza se estou falando a
verdade ou se acredito nisso.
Tudo o que posso acreditar é o que Nathaniel me disse uma
vez.
— Você me disse que os humanos são capazes tanto da
escuridão quanto da luz. Eu vi os dois neles. Seu povo pode estar
gritando por meu sangue, mas Hagan tentou impedir Cyrian de me
machucar. O homem que eu menos esperava para me defender
estava disposto a aceitar sua morte em meu nome. A escuridão pode
se transformar em luz. — Eu vou fazer Nathaniel acreditar em mim.
— Você não pode desistir de sua irmã ou de seu povo.
A palma da mão de Nathaniel roça minha bochecha, uma ruga
se formando em sua testa. Ele não rejeita ou abraça minha
declaração. O peso de seus pensamentos se acomoda em torno de
mim enquanto ele permanece em silêncio, pegando minha mão
enquanto voltamos a caminhar ao longo do caminho.
Mathilda sai da estrada à nossa frente exatamente como
prometeu, entrando na cozinha e saindo rapidamente com uma
pequena cesta de pão recém-assado envolto em manteiga e fatias de
queijo. Nathaniel e eu inalamos a comida enquanto caminhamos e a
cesta fica vazia em minutos. É apenas o sustento suficiente para
aliviar minha fome, mas estou morrendo de vontade de uma refeição
quente.
Caminhar em direção à cabana de Christiana significa dirigir-se
para o pátio, onde os estagiários praticam seus exercícios. Eles estão
duelando com parceiros agora, então muitos deles olham em nossa
direção.
Esther caminha entre eles, gritando ordens, seu cabelo dourado
caindo sobre os ombros. Ontem, achei ela linda. Eu ainda acho, mas
agora há uma ponta de medo em sua postura que não havia antes.
Sua roupa bege abraça suas curvas enquanto ela se move ao
longo da fileira de trás mais próxima de nós, sua voz elevada
enquanto ela se dirige aos recrutas.
— Precisamos estar preparados para um futuro onde nossas
vidas serão governadas por feéricos. Eles podem controlar a magia,
mas derivam seu poder de seu ambiente. Eles levam alguns
segundos para acumular força suficiente para atacar. Esses são os
segundos que vocês podem usar para matá-los.
Meu estômago revira enquanto a ouço instruindo os recrutas
sobre como acabar com meu povo. Eu entendo porque ela está
fazendo isso. Se Nathaniel morrer na luta final, ela precisa preparar
os humanos para lutar por sua sobrevivência. Como Hagan disse,
Cyrian pode ser brutal, mas ele precisa deles. Imatra irá erradicá-los.
Os quatro adolescentes com quem almocei ontem, Emily, Tom
e os gêmeos ruivos, estão virados em minha direção enquanto Esther
grita. Eles não estavam presentes quando fui amarrada esta manhã.
A última vez que me viram, meu cabelo era preto e eu usava a marca
dourada de Nathaniel em meu rosto. Agora estou livre de marcas e
muito obviamente feérica com meu cabelo mais branco do que osso
caindo nas minhas costas.
Os ombros de Emily afundam quando ela olha na minha
direção. Não consigo imaginar o tumulto interno e a confusão que os
adolescentes devem estar sentindo. Nathaniel, a quem eles amam e
admiram como um irmão mais velho, deixou claro que confia em
mim, uma feérica mortal com uma reputação assassina em vez de
seu próprio povo. Não tenho certeza de como algum deles pode
resolver isso em suas mentes e encontrar o caminho através do
conflito que isso cria.
Esther faz uma pausa quando ela vê Nathaniel e eu, seu olhar
cauteloso enquanto ela observa minhas roupas, a tipóia em volta do
meu braço e meu rosto machucado, a mesma consideração cautelosa
que Mathilda me deu.
Mas ela não para de falar.
— Não se enganem: os feéricos podem ser mortos. Eles
sangram, morrem e sofrem como nós. Nós os caçaremos.
Entendi o motivo de suas instruções antes que ela me visse,
mas agora parece pessoal. Nathaniel fica tenso ao meu lado e perto
de Mathilda paira na parte inferior da escada para a cabana de
Christiana. Os olhos de Mathilda se arregalam de alarme enquanto
ela olha entre Nathaniel e Esther.
A mandíbula de Nathaniel aperta e a tensão aumenta ao nosso
redor.
— Não desista deles, hein? — Ele rosna baixinho.
Eu pressiono minha própria frustração, determinada a manter
minha raiva sob controle. Se não fosse pela Lei, eu poderia desafiar
Esther agora mesmo, com uma mão e sem poder e demonstrar o
quão difícil é matar um feérico. Gostaria de deixar claro que ela não
deveria estar incitando nenhum dos humanos a buscar uma briga
com um feérico. Mas eu não apenas arriscaria minha própria vida se
a machucasse, como também faria com que o povo de Nathaniel me
odiasse e me temesse ainda mais.
Nathaniel poderia pulverizar Esther e cada um desses recrutas,
mas, novamente, isso não nos levaria a lugar nenhum.
Aperto sua mão enquanto sua frustração fervilha.
— Deixe passar. — Digo. — O que acontece ao amanhecer
determinará o futuro, não isso.
O músculo pulsa em sua mandíbula, mas ele me dá um aceno
conciso.
Mathilda cuidadosamente sobe os degraus, permanecendo à
vista enquanto entra.
A cabana é projetada de forma semelhante à de Nathaniel uma
área de estar completa com cozinha no lado direito, enquanto dois
outros cômodos estão situados no lado esquerdo, ambas as portas
fechadas.
Christiana está sentada à mesa da cozinha perto da parede à
direita. Ela tirou a armadura e usa, para minha surpresa, um vestido
simples. Sua expressão é um vazio cuidadoso, mas é difícil perder as
bordas vermelhas ao redor de seus olhos. Eu a considero
cuidadosamente, me perguntando por quanto tempo ela estava
chorando.
Hagan está parado nas sombras atrás dela, encostado
silenciosamente na parede oposta. Ele não faz nenhum movimento
além de uma avaliação rápida da minha tipóia e hematomas faciais.
Uma olhada rápida me diz que não há mais ninguém dentro da
cabana.
Mathilda entra na ponta dos pés na sala à nossa frente antes de
apontar.
— Isso flutuou aqui alguns minutos atrás.
Uma lâmpada brilhante repousa no meio do chão.
Mathilda se encosta na parede ao lado da porta, ficando o mais
longe possível da lâmpada.
Eu considero isso com surpresa. Não esperava que chegassem
mais lâmpadas.
— Não sabemos o que fazer. — Mathilda sussurra, enquanto
Christiana permanece silenciosa e imóvel, uma forma tensa à mesa.
— Até mesmo as vibrações no chão podem detoná-la. Minha magia é
inútil agora, mas você atravessou as lâmpadas sem se machucar...
A expressão de Nathaniel é dura, sua pergunta cortada quando
ele interrompe Mathilda.
— Aos pés de quem ela caiu?
— Eu... — Mathilda vacila. — Ele me seguiu para dentro. Por
que isso importa?
Nathaniel é de repente uma torre fervilhante de raiva,
atravessando a sala em direção a ela. Suas botas batem no chão,
causando vibrações que ondulam perigosamente pela superfície da
lâmpada.
Mathilda grita, olhando com medo para a lâmpada.
— Pare de se mexer!
O grito de Nathaniel estala ao redor dela.
— O que você fez?
Ela se afasta dele, deslizando ao longo da parede, mais pálida
do que o normal.
— O que você está falando?
Pe
rmaneço onde estou, surpresa com a raiva repentina de
Nathaniel, pronta para intervir se eu precisar.
— Essas lâmpadas revelam nossas memórias. — Diz ele,
apontando para trás. — São momentos de dor que queremos
esquecer, mas cada um deles leva à Aura. — Ele dá uma risada
áspera. — É por isso que havia uma centena delas do lado de fora da
minha porta. Mas você nunca teve nada a ver com Aura. Ou então
eu pensei. Então me diga... bruxa... o que você fez?
— Eu... — Seus olhos estão arregalados, seus lábios franzidos.
Ela inala. Expira. Sua fala torna-se apavorada e repentinamente
rápida. — Não foi minha culpa. Eu nunca disse a ela para fazer isso.
Eu nem pensei que fosse possível. Foi apenas uma ideia. Uma ideia
estúpida, tola e infantil. Eu tinha certeza que ela esqueceria tudo
como se esqueceu de mim. Eu não tinha certeza se ela tinha feito isso
até ontem!
— O que você está falando? — A voz de Nathaniel diminui. —
De quem você está falando?
Mathilda balança a cabeça, seus olhos selvagens.
— Não. Não posso…
— Você tem que enfrentar seu passado, Mathilda.
— Não foi minha culpa. — Ela sussurra. — Eu era jovem… Ela
era minha amiga… Nunca sonhei…
A expressão de Nathaniel permanece dura.
— A lâmpada nos mostrará a verdade. Aura pode ajudá-la a
desarmar a lâmpada, mas somente depois de enfrentar suas
memórias.
A cadeira de Christiana balança lentamente para trás enquanto
ela se levanta. Seus pés descalços estão quietos, seus passos
cuidadosos enquanto ela cruza o chão para pegar as mãos de
Mathilda.
— Todos nós fizemos coisas das quais nos arrependemos. —
Diz ela, olhando para Nathaniel. — Eu vou te ajudar, Mathilda.
Christiana se volta totalmente para Nathaniel.
— O que Mathilda precisa fazer?
— Ela tem que pegar a mão de Aura antes de tocar na lâmpada.
Aura vai mantê-la segura para que possamos ver qualquer memória
que a lâmpada contenha.
Tentando facilitar ao máximo para Mathilda, atravesso o chão
até a lâmpada, fico ao lado dela e estendo a mão. Dessa forma, ela
não precisa me tocar mais do que o necessário. A última vez que
Mathilda fez contato — me agarrou pelo pescoço, para ser mais
preciso — ela estava tentando me matar.
Christiana a leva até mim, colocando a mão de Mathilda na
minha enquanto Christiana apoia o outro cotovelo de Mathilda.
Nathaniel se move para o meu lado enquanto Mathilda se inclina
para a lâmpada e todos nós abaixamos no chão com ela, ajoelhados
em um círculo. Hagan permanece exatamente onde está, encostado
na parede oposta.
As mãos de Mathilda tremem.
Nunca imaginei que veria uma mulher tão orgulhosa e
poderosa como ela, tão arrasada que luta para se mover. Não sei
dizer se é vergonha, culpa ou tristeza que a está puxando para baixo
assim.
Um raio de luz passa por sua mão assim que ela toca a
lâmpada, o mesmo que aconteceu com Nathaniel. Estou preparada
para a mordida de energia que viaja através de seu corpo para o
meu. Respirando fundo, me acalmo e ancoro o poder da lâmpada de
purpurina como uma força de aterramento para que não a mate.
Dentro da lâmpada, o raio de luz se dissolve em minúsculos
alfinetes que se tornam um céu noturno estrelado preenchendo o
espaço acima da face de um penhasco. Uma torre fica na beira do
penhasco, com vista para o oceano. Não é tão alta quanto as torres
que compõem o palácio de Imatra em Brilhante, mas seus lados são
irregulares e se eleva até um ponto no topo. Duas almofadas de
aterrissagem se estendem de cada lado a cerca de um terço do topo.
Ambas as saliências de pedra se estendem no espaço o suficiente
para que o próprio Dragão Vanem pudesse pousar em qualquer uma
delas.
Duas garotas estão sentadas na base da torre, bem na beira do
penhasco. Suas pernas balançam sobre o precipício rochoso
enquanto a água do mar espirra alto o suficiente no penhasco para
molhar seus pés descalços.
Apesar do céu noturno ao seu redor, as cores dentro da
imagem são excessivamente vibrantes, como se partes da memória
fossem mais fortes do que outras. Uma garota é uma versão mais
jovem de Mathilda, seu cabelo tão preto quanto agora, seu vestido
vermelho desbotado, remendado na lateral.
A outra garota é esbelta, vestida com um vestido azul brilhante
com delfínios azuis brilhantes enfiados em seu cabelo vermelho-
sangue brilhante, destacando seus olhos azuis e pele de porcelana.
Suspiro, choque correndo por mim quando reconheço a outra
garota.
É Imatra.
Capitulo 10
Nathaniel faz a pergunta que estou muito surpreso para falar
em voz alta.
— O que diabos você está fazendo com a Rainha Feérica?
Mathilda está tensa.
— Nós eramos amigos. Isso foi antes de ela se tornar a Rainha
de Brilhante.
Nathaniel faz um som áspero no fundo da garganta. — E você
pensa em mim como um traidor por causa do meu relacionamento
com Aura?
Christiana também parece chocada com a revelação de
Mathilda, lançando olhares para Mathilda, uma nova cautela se
estabelecendo em seu rosto. Contra a parede oposta, Hagan também
ficou alerta, mas seu foco mudou para Christiana.
A irmã de Nathaniel engole visivelmente antes de perguntar a
Mathilda:
— Que torre é essa?
— É o Pináculo. — Responde Mathilda. — Seu pai teria levado
você até lá se estivesse vivo. É o único território neutro entre
Brilhante e Caído. Um lugar cheio de magia antiga. É onde seu pai
chamou o Dragão Vanem antes da batalha final.
Dentro da imagem, a jovem Mathilda acena com a mão no ar. A
luz escura pisca em torno de seus dedos até que ela abre o punho e
permite que a luz flutue em direção a Imatra, que a pega no ar com
uma risada.
Imatra prontamente libera a luz escura, seus lábios franzidos
em antecipação enquanto ela olha para cima, observando a luz
flutuar além da borda do penhasco.
A jovem Mathilda acena com a mão novamente, apontando
para algo fora do perímetro da lâmpada, mas a imagem crepita, se
desintegra e desaparece de repente, deixando uma onda brilhante de
luz branca para trás.
Nathaniel se inclina sobre os calcanhares.
— É isso?
Mathilda não responde, seus dedos lentamente se abrindo em
torno da lâmpada.
Seus ombros relaxam, o alívio cruzando seu rosto antes que ela
o substitua por uma expressão vazia.
— Isso é tudo o que há para ver.
A observo enquanto ela puxa sua mão da minha sem olhar para
mim. A memória acabou rápido demais, foi curta demais, e Mathilda
parece muito aliviada, como se esperasse ver algo muito pior. Eu me
pergunto o que poderia ser pior do que compartilhar magia negra
com a Rainha Feérica?
— Você ensinou Imatra a usar magia negra.
Um pavor frio cresce dentro de mim. Imatra sempre foi a feérica
mais poderosa, controlando todos os elementos das estações - gelo,
fogo, água, terra. Ou... pelo menos... parecendo controlá-los.
Mas se ela conhece magia negra, então quanto de seu poder é
feérico e quanto é magia negra disfarçada de magia feérica?
Fecho meus olhos enquanto me lembro das crianças feéricas
que morreram porque foram infectadas com Podridão de Ébano,
uma doença causada por magia negra. Meu pai adotivo, Crispin, me
disse que cinco meninos morreram da doença até agora. As meninas
também ficaram doentes, mas eu as curei.
— O que você ensinou a ela? — Exijo saber.
— Magia básica. Isso é tudo. — Mathilda mantém a cabeça
erguida, os olhos desafiadores. Ela está no controle novamente.
— Você está mentindo. — Sussurro, minha mente agitada. —
Você ensinou mais a ela. Na verdade… você ensinou a ela algo que
não deveria, não é? Você mesma disse, deu uma ideia a ela. O que
foi isso? E o que isso tem a ver comigo?
Nathaniel parece certo de que as lâmpadas estão conectadas a
mim. Preocupa-me que o passado de Mathilda possa ter tido algum
impacto na minha vida.
Mathilda aperta os lábios antes de responder suavemente: —
Imatra me trouxe maçãs de verdade. Conversamos sobre nossos
países e nossas vidas. Ficamos amigas por um ano e então ela parou
de vir ao Pináculo. Eu nunca mais a vi.
— Eu não acredito que você...
— Mathilda fez o que você queria.
Christiana me interrompe, passando o braço em volta dos
ombros de Mathilda em um gesto protetor. Ela não conseguia
esconder sua preocupação antes, mas acho que sua desconfiança em
mim é mais profunda do que seu choque sobre o passado de
Mathilda.
— Você viu o que todos nós vimos: duas garotas conversando.
— Diz Christiana para mim. — Estou tão surpresa quanto você que
elas eram amigas, mas foi há muito tempo. Está no passado. Agora,
você vai nos ajudar a nos livrar dessa lâmpada ou não?
A imagem era tão breve, uma imagem inocente, como disse
Christiana. Duas meninas sentadas juntas. E ainda... Mathilda ficou
tão chateada com isso antes de ver: medo real e paralisante que me
diz que há mais coisas que ela não quer que saibamos, uma conexão
comigo que ela está escondendo.
Nathaniel está quieto ao meu lado, mas quando olho para ele,
sinto seus pensamentos como uma compulsão.
Precisamos ir.
A lâmpada não vai nos mostrar mais nada, e Mathilda está de
boca fechada agora, então eu envolvo meus dedos em torno de sua
superfície brilhante. Ela rapidamente se transforma em uma petúnia
negra, suas pétalas arredondadas e centro afundado polvilhado com
manchas prateadas que me lembram o céu noturno pairando atrás
dos penhascos na visão.
— Esta lâmpada não vai machucar ninguém agora. — Digo,
esmagando a flor na minha mão e segurando-a perto do meu lado
enquanto me levanto. Vou precisar levá-la comigo ou os humanos
continuarão a temê-la.
Christiana puxa Mathilda para longe de mim, sentando-a na
cadeira mais próxima enquanto Nathaniel inclina a cabeça em
direção à porta, confirmando que li seus pensamentos corretamente.
É hora de partir.
— Nós terminamos aqui. — Diz ele para sua irmã.
Ela o observa se afastar como se não pudesse acreditar que ele
está realmente virando as costas para ela. Sua grande forma
preenche a porta enquanto eu sigo atrás, pronta para sair para a
varanda.
Ela corre atrás de nós, desviando quando quase colide comigo.
— Nathaniel, espere!
Ele apenas se vira, uma forma ameaçadora.
Christiana envolve seus braços em torno de si mesma. Lembro-
me da minha primeira impressão dela ontem. De perto, ela parece de
alguma forma menor, mais frágil do que a fachada dura que ela
coloca.
Ela agarra os próprios braços, deixando os nós dos dedos
brancos com a pressão.
— Eu ferrei com tudo. Muito.
Nathaniel permanece onde está, sua expressão ilegível, seu
cabelo caindo em seu rosto.
— Essa é a sua ideia de um pedido de desculpas?
— Hagan me contou o que aconteceu durante a luta. — Diz ela,
seu olhar passando rapidamente para mim. — E o que aconteceu
depois disso. Ele me contou o que Aura passou para te salvar. Mas...
ela é feérica. Ela é obrigada a lutar com você. E eu... não sei o que
pensar. Ou fazer.
A resposta de Nathaniel é um rosnado baixo.
— Você tem duas escolhas, Christiana. Pode ficar aqui,
protegida, e aguardar notícias sobre o desfecho da luta. Ou você
pode arriscar e vir ver a luta por si mesmo.
O peito de Christiana sobe e desce, de repente rápido.
— Essas são minhas duas únicas opções? Não vou aceitar isso é
tudo que posso fazer. Se você morrer...
— Se eu morrer, você terá decisões muito mais difíceis pela
frente. Lutar ou se esconder. Mas posso lhe dizer uma coisa:
dependerá de Aura se ela a protegerá ou não de sua rainha. Ela pode
ser sua única aliada entre os feéricos. Você deveria ter considerado
isso antes de machucá-la.
Ele estende a mão para a minha mão, puxando-me para fora,
suas botas um baque suave enquanto ele continua a se afastar de sua
irmã. Ele está sendo duro com ela, mais duro do que eu esperava,
mas tenho que confiar que ele sabe o que está fazendo.
Nunca considerei as escolhas que estariam diante de mim se eu
ganhasse. Sem Nathaniel, seu povo ficará vulnerável. Posso ver
agora que Nathaniel está pensando nos cenários que podem ocorrer
se ele morrer, assim como estou pensando nos cenários após minha
própria morte.
Christiana olha para ele, com os olhos arregalados, aflita e
pálida enquanto corre atrás de nós.
— Como você pode segurar a mão da mulher que poderia
matá-lo?
Nathaniel exala, fechando os olhos por um momento.
Voltando-se para sua irmã, ele diz: — Porque Aura Lucidia está
preparada para arriscar sua própria vida pela minha. Ela escolheu se
tornar meu escudo. Isso é mais do que posso dizer para qualquer
outra pessoa.
Christiana respira fundo, mas não com indignação. Seus olhos
se enchem de lágrimas e ela morde o lábio trêmulo. Quase não
conheço a história da família deles, mas sei que Nathaniel negociou
sua segurança anos atrás. Ele abriu mão de seu trono para garantir a
proteção dela. Ele até barganhou pela vida de Hagan. Ele era mais
do que o campeão de Cyrian. Ele também era o protetor de seu
povo.
— Eu tenho sido seu escudo por muito tempo, Christiana. —
Ele diz, seu comportamento finalmente suavizando. — Eu lhe dei
liberdade para se enfurecer contra o passado, para queimar qualquer
terra que você quisesse, mas isso significava que você não teria que
fazer escolhas difíceis. Agora você precisa escolher um caminho.
Você tem que decidir quem você é e o que você representa. Não
posso tomar essas decisões por você.
Ele se afasta dela e não olha para trás.
Christiana não tenta nos seguir, permanecendo quieta
enquanto Nathaniel me leva embora.
Um pouco mais adiante, ele para no caminho, pedindo que eu
caminhe ao seu lado, de igual para igual.
— Quanto tempo levará para Treble voar para a costa oeste? —
Ele pergunta assim que deixamos a cabana para trás.
— Cerca de uma hora, — eu digo. — Você quer ir para o
Pináculo?
— Meus pais deveriam me levar lá. Ir sem eles nunca pareceu
certo, então evitei. Mas precisamos de respostas.
Ele me para no caminho vazio, segurando minha mão
enquanto a flor esmagada ainda descansa dentro do meu punho.
— Aura, você é a única que pode andar ilesa pelo campo de
brilho. Está conectado a você de alguma forma. O fato de que as
lâmpadas de brilho repentinamente estão flutuando por todo
Brilhante e Caído, logo antes de nossa luta final, não pode ser uma
coincidência. Essas lâmpadas e as memórias que elas contêm estão
aqui por um motivo. Temos que juntar as peças.
— Nathaniel... E se você estiver errado? E se não tiver nada a
ver comigo? — Eu pergunto. — As lâmpadas… O campo de brilho…
Ele balança a cabeça com veemência, batendo com o punho no
coração, onde carrega a pedra.
— A lâmpada me lembrou de lhe dar esta pedra. Mesmo que
você não queira, é uma parte importante do seu passado. — Ele
levanta meu punho cerrado, as pétalas de petúnia esmagadas
espreitando entre meus dedos. — Essa lâmpada não chegou por
acaso. Mathilda está escondendo algo e precisamos saber o que é.
— Você ia me mostrar seu país. — Digo, um lembrete gentil. —
Temos uma escolha agora também.
Ele solta meu punho, passando a mão pelo cabelo.
— Achei que poderia esquecer todo o resto. Eu pensei que
poderia deixar tudo ir, todas as perguntas. Mas você precisa saber o
que realmente aconteceu durante a última batalha entre nosso povo,
e eu também. Quero deixar isso de lado, mas preciso fazer as pazes
com meu passado.
Encaro a flor esmagada em meu punho, os minúsculos alfinetes
de prata como estrelas minúsculas polvilhando sua superfície.
— Eu não quero nada mais do que me apegar a cada minuto
restante com você. — Digo, levantando meus olhos para ele. — Mas
você está certo. Nosso caminho tem sido doloroso e perigoso desde o
início. Afastar-se disso é como fugir. Não tenho ideia se ir ao
Pináculo nos dirá alguma coisa. Ou vamos descobrir a verdade ou
não, mas temos que tentar.
Ele me puxa para um abraço repentino, terrivelmente caloroso
e confiante, antes de recuar com um sorriso repentino e
determinado.
— Comida. Por aqui. Se alguém nos interromper novamente,
eu acabarei com eles.
Entrar furtivamente na cozinha é muito menos traumático do
que poderia ter sido. Nathaniel faz uma pausa quando nos
deparamos com Maggie em pé na mesa central amassando o pão.
Seu cabelo está preso em um coque apertado agora, seu rosto sujo de
farinha.
Ela não olha para cima, embora um pequeno sorriso cruze seu
rosto antes de dizer: — Na ponta da mesa. Ajudem-se. Ninguém
deve entrar aqui por pelo menos mais uma hora, então vocês não
serão interrompidos.
Uma cesta está sobre a mesa e o cheiro de ensopado quase faz
meus joelhos dobrarem. Deslizo para a cadeira mais próxima da
porta, puxando rapidamente as tigelas, talheres, mais pão fresco e
ensopado e frutas frescas.
— Obrigada, Maggie.
Como o pão que comemos antes, consumimos a comida
rapidamente. Quando terminamos, Nathaniel anda pela cozinha
pegando mais comida, biscoitos, queijo, pãezinhos e frutas. Ele
também enche dois cantis de água antes de desenganchar uma bolsa
pendurada ao lado da porta e enfiar as provisões dentro.
Maggie termina sua tarefa, limpa as mãos no avental e se
aproxima de mim com uma expressão descomplicada. Ela verifica
meu rosto e depois minha tipóia.
— Suas feridas estão tão limpas quanto possível, então isso é
bom.
Eu pego a mão dela antes que ela possa se afastar.
— Obrigada por falar por mim esta manhã.
Ela afunda na cadeira ao lado da minha com um suspiro.
— Minha opinião é impopular. Você provocou muitos
conflitos, mas muitos deles já estavam borbulhando sob a superfície.
Sempre tivemos dois inimigos: Cyrian e os feéricos. Cyrian tem sido
nosso foco porque ele era a ameaça imediata. A Lei dos Campeões
mudou isso. Não queremos perder Nathaniel.
— Nem eu.
Ela aperta minha mão, procurando meus olhos.
— Você é Aura Lucidia, a campeã feérica mais temida da
história conhecida. No entanto, você salvou minha vida. Uma velha
camponesa. Por que?
Sorrio, tentando desviar sua pergunta.
— Você não é velha.
— Mas eu certamente senti isso. — Ela continua a olhar nos
meus olhos. — Você não usou magia negra como disse. Você usou
sua magia feérica em mim ontem, não foi?
Concordo.
— Eu curei crianças feéricas afetadas pela Podridão de Ébano.
Eu não sabia o que era a doença até Nathaniel me contar. Eu não
tinha certeza se poderia ajudá-la, mas estou feliz por poder.
— Outras feéricos têm os mesmos poderes que você?
Nalanço minha cabeça.
— Eu sou a única Feérica de Crepúsculo. Sempre fui...
diferente.
Ela está quieta, seu sorriso desaparecendo lentamente.
— Então... se você morrer de madrugada, a cura morre com
você.
Nathaniel volta para o meu lado, a alça da mochila agora
cruzando seu torso com segurança, e fico grata pela interrupção.
Ele coloca uma mão gentil no meu ombro.
— Precisamos seguir em frente.
Maggie se levanta comigo.
— Aura, por favor, diga-me uma coisa: se a Rainha Imatra
ganhar o controle do país Caído, devemos lutar ou nos esconder?
Meu estômago afunda. Passei sete anos como a campeã da
Rainha matando qualquer humano que se aproximasse da fronteira.
Eu os chamei de criaturas Caídas, criaturas das trevas. Meu povo
considera sua escuridão contagiosa. Os feéricos acreditam que
Caídos devem ser destruídos a todo custo.
— Não vai chegar a isso.
Ao meu lado, Nathaniel exala cuidadosamente.
— Aura fala agora como minha esposa, Maggie. Mas como
campeã da Rainha Imatra, acredito que ela diria para você se
esconder. Você tem que sobreviver o máximo que puder.
Maggie dá a ele um aceno firme. O medo paira no fundo de
seus olhos, mas suas costas estão retas, determinadas.
— Vou manter meu filho vivo.
Ela abraça Nathaniel, fechando os olhos com força, escondendo
as lágrimas enquanto se afasta.
— Por favor se cuidem.
É um desejo impossível. Eu empurro minhas emoções
crescentes quando saímos da cozinha. Lidar com a raiva de
Christiana é muito mais fácil do que enfrentar a tristeza de Maggie.
Rapidamente engulo minhas lágrimas quando Hagan sai das
sombras ao lado do prédio. Nada escapa de sua atenção, nem a
forma como as costas da mão de Nathaniel roçam na minha ou a
forma como o olhar de Nathaniel passa pelo meu rosto. Não as
lágrimas que estou piscando para conter também.
— Nathaniel Exaltado. — Ele diz, dando a Nathaniel uma
reverência formal, do tipo que um soldado faria a seu rei. Hagan está
vestindo uma velha camisa preta e calças limpas, ambas um pouco
pequenas demais. Apenas as roupas de Nathaniel serviriam nele
corretamente, mas acho que Christiana fez o que pôde.
— Quero que saibam que viajarei para a fronteira esta noite
para testemunhar a luta. — Diz ele. — Vou viver ou morrer, mas não
vou me esconder.
— Eu não esperava que você fosse. — Diz Nathaniel. — Vejo
você lá, irmão.
Nathaniel continua andando, incitando-me ao longo do
caminho, mas o punho de Hagan dispara tão rápido que é um
borrão quando ele agarra o braço de Nathaniel.
Nathaniel fica tenso, mas não retalia, embora a tensão entre os
dois homens aumente. Mesmo neste lugar de segurança, há conflito
entre eles. Nathaniel uma vez salvou a vida de Hagan. Hagan pagou
sua dívida recusando-se a matar Nathaniel esta manhã, mas há anos
de história violenta que não podem ser esquecidos em um dia.
— Quando você lutar contra Aura Lucidia, lembre-se pelo que
você está lutando. — Diz Hagan, sua voz um estrondo profundo. —
Isto não é sobre você ou ela. Não se trata de uma morte. Não se trata
nem mesmo de honra ou glória. É sobre ser o rei que você nasceu
para ser. Lembre-se disso.
Afastando-se de Nathaniel, Hagan me fixa com seu olhar fulvo.
— Até onde você irá, Aura Lucidia? — Ele pergunta, a
pergunta em seus olhos exigindo honestidade.
Ontem, quando Hagan me pendurou no ombro e me carregou
até as Muralhas Brancas, ele me perguntou até onde eu iria para
salvar a vida de Nathaniel. Eu disse a ele que faria o que fosse
preciso.
Desde então, o povo de Nathaniel gritou pelo meu sangue. Eles
me machucaram e me restringiram. Eu poderia odiá-los. Talvez eu
deva. Mas nada disso importa. O que importa para mim é que
Nathaniel é... Nathaniel. Ele é a única chance de um futuro pacífico
para Brilhante e Caído. Mesmo que meu poder seja a única cura para
a Podridão de Ébano, tenho que acreditar que seu povo se
recuperará assim que Cyrian não estiver mais drenando sua energia
vital.
Eu sei qual é o meu caminho. Eu só tenho que caminhar, um
passo de cada vez.
— O que for preciso. — Digo. — Eu prometo.
Hagan me dá um aceno solene.
— Então também cumprirei minha promessa.
Eu o considero cuidadosamente enquanto ele se afasta de nós.
A única promessa que me lembro dele ter feito foi quando exigi que
ele decidisse se fugiria comigo esta manhã.
Ele me disse que iria me ajudar, então ele iria morrer.
Me viro para encontrar Nathaniel me estudando tão
cuidadosamente quanto eu examinava Hagan.
— O que ele quer dizer? — Nathaniel pergunta, uma pitada de
preocupação escurecendo sua expressão.
— Não tenho certeza. — Digo. — Acho que ele quer dizer que
fará o que é certo.
Levando os dedos aos lábios, dou dois assobios curtos e
agudos, esperando que Treble esteja ouvindo. Eu sigo os dois
primeiros assobios com um terceiro, mais longo, que vai dizer a ele
que está tudo bem, ele não precisa se apressar.
Seu lindo corpo azul mergulha sob a névoa por uma fração de
segundo antes de subir novamente. Ele não vai confiar facilmente
nos humanos depois do que aconteceu esta manhã, mas aquele único
mergulho rápido permitiu que ele visse onde estou, também para
localizar todos os outros e decidir onde é seguro pousar.
Um momento depois, ele reaparece no lado leste de Nulo,
deslizando silenciosamente em direção aos campos de cultivo, o
ponto mais distante dos recrutas. Se tivermos sorte, eles nem o
verão. Ele pode escolher se quer ou não abrir as asas e é inteligente o
suficiente para se mover furtivamente agora.
Nathaniel e eu corremos para encontrá-lo, passando pela
cabana de Nathaniel. Também passamos pelos estábulos onde o
garanhão de Nathaniel, Flare, está alojado em segurança. Meu
coração dói quando deixamos a cabana e o cavalo para trás, já que
esta é a última vez que os vejo.
Correr não é uma opção com meu braço machucado, não sou
uma visão graciosa, mesmo me movendo a pé, mas chegamos ao
lado de Treble em alguns minutos. Ele escolheu um local onde
Mathilda drenou o ambiente para que ele não esmagasse a fonte de
alimento restante.
Depois de percorrer a distância final até o lado dele, Treble
abaixa a cabeça para me cutucar e depois a Nathaniel, dando as
boas-vindas suavemente.
— Olá, amigo. — dizt Nathaniel, esfregando o pescoço de
Treble. — Pronto para nos levar ao perigo?
Treble balança a cabeça e revira os olhos.
— Quando não estamos voando para o perigo?
Enquanto nos acomodamos nas costas de Treble, eu me
preparo para o voo à frente. Treble move suas asas com o mínimo de
som, e nós subimos no ar.
Dou uma última olhada em Nulo. No pátio distante, Esther
está determinada a ensinar os humanos a matar feéricos. Christiana
estará tentando decidir onde está sua lealdade. Cem lâmpadas
brilhantes estão seguras na cabana de Nathaniel. E Hagan, que já foi
um caçador, está esperando por sua morte.
Treble se eleva além da altura dos prédios e nossa visão de
Nulo é substituída por uma onda de plantas carmesim e trepadeiras
negras, uma ilusão mágica que protege todos que vivem aqui.

Capitulo 11
Levamos mais de uma hora para chegar à costa oeste. Treble
voa acima da névoa para evitar a detecção do solo e toma uma rota
mais ampla para que possamos evitar a fronteira onde os esquadrões
feéricos estarão localizados.
O céu está claro em todas as direções, o que nos permite
verificar se há pássaros-trovão distantes, mas no final do vôo, as
nuvens começaram a se formar no norte, perto de Brilhante. É
improvável que um feérico voe através da fronteira para a névoa,
mas, mesmo assim, permaneço em alerta.
É meio da tarde quando alcançamos a borda da névoa e
podemos ver a costa oeste à frente. Eu inalo sal, um gosto estranho
na minha língua depois do ar úmido sob a névoa, enquanto o som
suave das ondas quebrando enche meus ouvidos, fazendo meus
sentidos zumbirem.
— É o oceano! — Grito para Nathaniel.
— Você já viu antes? — Ele pergunta, seu queixo eriçado
roçando minha orelha enquanto ele se inclina para plantar um beijo
na minha bochecha.
— Só à distância. — Digo. — Você pode ver a costa das
montanhas ocidentais onde cresci, mas nunca voei tão perto dela
antes. Minhas patrulhas de fronteira estavam sempre concentradas
na fronteira central e eu não conseguia ficar longe de Imatra por
tempo suficiente para voar até aqui.
Nunca tive uma desculpa para voar tão longe em direção à
própria água, muito menos para o Pináculo.
— E você? — Pergunto. — Você disse que nunca visitou o
Pináculo, mas e o oceano?
— Eu nunca vi antes. — Ouço o sorriso em sua voz quando ele
dá outro beijo, desta vez no meu pescoço, toques leves quando ele se
inclina para frente.
Meu próprio sorriso desaparece enquanto verifico nossa
localização novamente. O campo brilhante é um limite visível à
nossa direita, com quilômetros de largura e se estendendo até o
litoral. Precisamos ter certeza de que ficaremos do lado Caído disso.
À distância, o Pináculo apareceu, uma torre majestosa
erguendo-se da borda do penhasco rochoso, as plataformas de pouso
estendendo-se de ambos os lados assumindo a aparência de galhos
finos saindo de um tronco sólido. Sinto uma mudança no ar ao nosso
redor, uma mudança na pressão do ar, mas não tenho certeza do que
está causando isso. Possivelmente a própria torre.
— Temos que ter cuidado. — Digo, me virando novamente para
não ter que gritar para Nathaniel me ouvir. — Os guardas de
fronteira patrulham todo o campo de brilho. Eles não devem chegar
perto do Pináculo, mas é mais seguro se ficarmos fora de vista
depois de pousarmos.
Treble circula ao redor da torre enquanto procuramos o local
onde Mathilda e Imatra se encontraram na base da torre, uma
pequena saliência bem na beira do penhasco.
— É muito estreito para pousar.
— O outro lado é cercado pelo campo de brilho. — Diz
Nathaniel. — Vamos pousar na ala sul. — Ele aponta para cima, para
a plataforma no lado direito do Pináculo, aquela que aponta na
direção de Caído. — Podemos encontrar uma maneira de descer
dentro da torre.
Treble sobe rapidamente antes de parar silenciosamente no
meio da plataforma.
Muito abaixo de nós, as ondas do mar batem contra as rochas,
uma calmaria vazante, mas meus sentidos estão aguçados, meus
instintos alertas. ETremo e Nathaniel fecha seus braços apertados em
volta da minha cintura.
— Este é um lugar de magia antiga.— Diz Nathaniel enquanto
se levanta comigo. — Se bem me lembro, sangue não pode ser
derramado aqui. Grande parte da antiga lei foi esquecida em Caído,
mas está viva e forte aqui. Meu pai me ensinou algumas leis antes de
morrer, mas certamente não todas. Precisamos proceder com
cuidado.
Descendo ao longo da asa de Treble, dou passos cautelosos até
a borda da plataforma. A base da torre está pelo menos sessenta
metros abaixo de nós e o lugar onde Mathilda e Imatra se sentaram é
uma pequena fenda bem na beira do penhasco.
Alcançando meu lado, Nathaniel inala profundamente, uma
ruga curiosa se formando em sua testa.
— Tem um cheiro estranho aqui.
O ar contém uma estranha mistura de sal e magia. Inclino
minha cabeça para avaliar a posição do sol, o céu de um azul
perfeito acima de nós. O horizonte claro aqui é mais bonito do que a
cintilante paisagem celeste acima de Brilhante.
— Meu pai falou com o Dragão Vanem nesta saliência. — Diz
Nathaniel. — Foi alguns dias antes de ele morrer. Ele queria
perguntar ao dragão se algum dia poderia haver paz.
Quando o Dragão Vanem voou até o coliseu para selar a Lei
dos Campeões, Nathaniel pediu ao dragão respostas sobre o que
realmente aconteceu na noite em que seu pai foi morto. O dragão
disse que não sabia, na noite da batalha final, sua visão escureceu.
Assim que o sol se pôs, ele e os outros dragões e pássaros-trovão não
puderam ver ou se mover porque a magia negra os dominou. Eles só
foram liberados quando uma explosão de luz dividiu o horizonte. O
dragão chegou à fronteira para encontrar a Rainha Imatra
ensanguentada e chorando, cercada pelos corpos de centenas de
humanos e um esquadrão de feéricos.
Ela estava me segurando em seus braços.
— O Dragão Vanem disse ao meu pai que apenas uma grande
coragem traria o fim da guerra. — O olhar escuro de Nathaniel me
prende no lugar, a maneira como seu foco em mim sempre me faz
sentir como se eu fosse o centro de sua vida. Sempre o ponto de
origem de suas decisões.
— Somos aqueles cuja coragem determinará se a guerra
terminará ou não.
Puxo ar para o peito, buscando a batida do meu coração que
me diz que estou viva antes de pressionar minha mão em seu peito.
Quero dizer a ele que não seremos nós. Será ele. Só se ele tiver
coragem de lutar e me matar.
Em vez disso, eu digo: — Sim.
Minha boca está seca, meu batimento cardíaco muito rápido
quando dou um passo para trás e inclino minha cabeça em direção à
abertura em arco da torre.
— Precisamos encontrar quaisquer respostas que esta torre
possa nos dar.
Aventurando-nos pela abertura, descobrimos uma grande
alcova que é larga o suficiente para Treble se abrigar, então eu o
incentivo a entrar em vez de voar de volta para o céu.
Pássaros-trovão podem se comunicar silenciosamente uns com
os outros e estou preocupado que um pássaro patrulhando possa
sentir a presença de Treble. Eles não poderão atacá-lo, ou a nós aqui,
mas prefiro evitar a detecção.
— É melhor você ficar aqui. — Digo a Treble, acariciando seu
pescoço. — O Pináculo é um território neutro, então nada pode feri-
lo, mas certifique-se de ficar fora de vista o tempo todo. Só voe se a
situação mudar e você sentir que é mais seguro. Estaremos de volta
antes da lua nascer.
Nathaniel espera por mim no fundo da alcova. Um corredor
longo e largo fornece uma linha de visão direta para a plataforma do
outro lado da torre. Os cômodo parecem levar de cada lado do
corredor e um conjunto de degraus é visível no meio dele, que deve
descer até a própria torre.
Suspiro quando passo pela primeira sala. Suas paredes são
incrustadas com filigrana de ouro e prata, enquanto grandes lunetas
douradas repousam em suportes em frente a amplas janelas.
— Para que servem essas lunetas?
Nathaniel caminha atrás de mim para que não nos percamos de
vista enquanto nos aventuramos pelas janelas. Eu me preparo para o
vento nos atingir assim que entrarmos, mas está estranhamente
parado. Nem uma lufada de ar.
Depois de ajustar uma das lunetas em seu suporte articulado,
dou uma olhada nela.
Minha respiração para enquanto percebo as montanhas atrás
das quais a cidade de Eteri se esconde, cada detalhe dos picos
visíveis para mim. Virando o vidro na outra direção, posso ver Forca
Nebulosa na beira de Caído e as árvores disformes antes que a névoa
obscureça minha visão.
Nathaniel espia pela segunda luneta, não inclinando-a para a
terra, mas para o céu.
— Você pode ver as estrelas com isso. — Ele murmura.
Tremo. As dobradiças da luneta estão bem oleadas, o próprio
vidro em perfeitas condições, apesar de sua posição exposta, aberta
ao vento e à chuva. Mas a falta de vento na sala indica que a velha
magia protege tudo das intempéries.
Mais devagar desta vez, viro a luneta para a borda, mirando ao
longo do campo de brilho.
Enquanto observo, várias lâmpadas se erguem do campo, estas
flutuando em direção a Brilhante. Outro arrepio percorre meu corpo.
As hastes nuas e sem bulbo que ficam para trás são afiadas e
pontiagudas no topo. As próprias armas. São muitas, indicando que
centenas de bulbos se separaram de seus caules.
É realmente possível que todas essas memórias se relacionem comigo?
Eestremeço quando um súbito clarão de luz à distância chama
minha atenção. Balançando a luneta de volta aos picos de cristal que
protegem a cidade feérica, procuro a fonte do clarão.
Ao meu lado, Nathaniel também se inclinou para sua luneta,
seguindo a mesma trajetória que eu.
— O que você vê? — Ele pergunta.
Uma lâmpada brilhante flutua à vista, flutuando em direção
aos picos de cristal ao longe. A luneta me permite ver cada brilho em
sua superfície. Outra lâmpada desliza ao lado dela. E outra…
— Conto cinco lâmpadas. — Sussurro.
— Vejo mais duas, mais a leste. — Diz Nathaniel.
As lâmpadas se elevam, mais altas que os picos de cristal, como
se fossem flutuar sobre as montanhas.
Um esquadrão de pássaros-trovão de repente mergulha da
cobertura de nuvens acima deles. Reconheço Cadence entre os
pássaros. Ela é do meu irmão, Evander. Ela é tão grande quanto
Treble, mas com asas profundas cor de vinho.
Evander fica de pé nas costas dela, com os braços estendidos.
Cadence está voando mais alto que as lâmpadas, mas ela mergulha
por um momento, aproximando-se perigosamente do aglomerado
de lâmpadas enquanto uma rajada de vento sai das mãos de
Evander. A rajada corre em torno das lâmpadas, aproximando-as
ainda mais.
Ao mesmo tempo, um segundo pássaro-trovão desce.
Estremeço de surpresa quando vejo seu cavaleiro.
Serena, a ex-campeã da Rainha, está de costas, vestindo uma
armadura índigo, seu cabelo âmbar preso em tranças apertadas. A
última vez que a vi, usei meu poder estelar para defender Nathaniel
contra seu ataque. Foi sua armadura negra que roubei e usei no país
de Caído. Ainda estou usando as botas dela.
No exato momento em que os bulbos se juntam, suas mãos
disparam. A luz do fogo corre por seus braços e se derrama sobre o
aglomerado de esferas brilhantes.
As lâmpadas se quebram.
Fragmentos disparam em todas as direções, cortando o ar ao
redor de Serena e voando em direção a Evander. Não consigo ouvir
o grito de Serena, mas posso ver o sangue escorrendo por sua
bochecha enquanto ela cai nas costas de seu pássaro e tenta escapar
do jato de vidro.
A força do vento de Evander se enfurece ao seu redor,
levantando seu pássaro acima da onda mortal, enquanto Cadence
estala suas asas ao mesmo tempo, também voando acima da
explosão, levando Evander para um lugar seguro.
Eu parei de respirar, mas me forço a puxar o ar para o meu
peito enquanto os dois pássaros sobem novamente. Cacos de brilho
caem no chão bem abaixo deles, alguns pedaços explodindo contra
os picos das montanhas. Outros chutam no ar enquanto os pássaros-
trovão fogem do rescaldo.
Uma rápida olhada nos outros cavaleiros voando me diz que
Talsa e Mia também estão com eles. Ambas são Feéricas do
Crepúsculo, com o poder de se comunicar silenciosamente com seus
pássaros-trovão. Franzo a testa em confusão porque Talsa e Mia
geralmente trabalham à noite, não a esta hora do dia.
Meus olhos se estreitam quando também identifico Calida, a
feérica do Solstício que me desafiou pela posição de campeã,
montando seu pássaro-trovão logo atrás de Mia. Ela é uma das
Guardas Diurnas da Rainha, mas foi punida depois de tentar me
apunhalar pelas costas.
É um esquadrão incomum, uma mistura de feéricos Raio de Sol
e Entardecer que normalmente não lutariam juntos, mas todos eles
estão ligados a mim de uma forma ou de outra.
Meu coração dispara quando um fragmento mortal final
dispara no ar em direção ao estômago de Cadence, grande o
suficiente para cortá-la do ar. Calida se inclina para o lado de seu
pássaro-trovão e explode o fragmento com um jato de fogo antes que
ele atinja Evander.
Todos os pássaros sobem mais alto no céu, finalmente voando
além do raio de explosão enquanto os fragmentos restantes
continuam a explodir bem abaixo deles.
— Eu não posso protegê-los. — Sussurro, minhas mãos
tremendo. Eu pressiono minhas palmas juntas para ajudar a reprimir
meu medo. — Eles estão tentando destruir as lâmpadas de brilho
para que as lâmpadas não alcancem Brilhante. Eles não entendem
que devem conter as lâmpadas, não tentar destruí-las.
— Aura. — Nathaniel estende a mão para mim. — Seu irmão é
forte. Ele vai ficar bem.
— Por agora. — Quando escapamos de Brilhante, Evander
interferiu entre nós e as feéricas do Solstício que estavam nos
atacando, neutralizando a luz do fogo com seu poder de gelo
enquanto fazia parecer que ele estava do lado deles. Embora Imatra
tenha dito a ele que eu era responsável pela morte de sua mãe, ele
disse que ainda me considerava sua irmã até saber a verdade.
— O campo de brilho está se desfazendo. — Sussurro, a dor
atingindo meu coração, como se pequenas lascas de mim estivessem
se separando. — O dragão disse que começou quando Cyrian
invocou as Três Chances. Isso foi logo depois que eu...
Congelo quando a memória da quase morte de Nathaniel nas
Muralhas Brancas me atinge. Meu grito. Meu voto. O mesmo tipo de
juramento que fiz quando invoquei a Lei dos Campeões.
Nathaniel espera que eu continue. De repente, ele fica muito
quieto ao meu lado, a tensão em seus ombros aumentando.
— Foi logo depois que você disse a Cyrian quem você é.
Um zumbido cresce em meus ouvidos, uma sensação de pânico
crescendo dentro de mim.
— Eu gritei meu nome. Eu disse a Cyrian que eu era a campeã
da Rainha Feérica, destruidora de almas. Jurei que se ele te
machucasse, eu o destruiria. Não importa o preço que pagasse.
Eu me afasto de Nathaniel.
— O que eu invoquei agora?
Capitulo 12
Nathaniel agarra meus ombros.
— A Promessa do Vingador, Aura. A mesma lei que invoquei
para derrotar seus guardas de fronteira em nossa primeira manhã.
Mas não é o que você pensa.
— Não é o que eu penso? Você mesmo disse que cada uma
daquelas lâmpadas contém uma lembrança dolorosa que me leva.
Elas estão tentando flutuar em Brilhante. A quem se destinam? O
preço que pago será a vida de meu irmão?
— Não. — Os olhos determinados de Nathaniel encontram os
meus. — Evander vai sobreviver. Vingança não é se vingar de
alguém, é abrir a verdade, revelar o passado. É por isso que estamos
aqui. Encontraremos as respostas sobre o seu passado e o meu.
Quero acreditar nele, mas estou lutando para manter a
esperança. O sol vai se pôr em mais duas horas. O tempo está
passando e eu não consigo parar, não importa o quão
desesperadamente eu queira. Nosso próximo passo foi vir para cá,
mas não sabemos o que estamos procurando.
Nathaniel estende a mão para mim, seus olhos escuros me
obrigando a confiar nele.
— Temos que continuar procurando. Vem comigo?
Minha resposta é certa, a única certeza em minha vida.
— Sempre. Onde quer que você vá.
Saímos da sala onde estão as lunetas e descemos as escadas. A
escada é de pedra, mas incrustada com pedras brilhantes. As tochas
ganham vida quando passamos por elas, iluminando os degraus à
nossa frente. A magia no Pináculo é tão forte que minha pele se
arrepia. Fico feliz que Nathaniel pareça achar isso tão perturbador
quanto eu. Ele olha para as tochas ardentes quando passamos por
elas, relaxando apenas quando chegamos ao final da escada e nada
saltou sobre nós ou nos ameaçou.
— Mathilda e Imatra devem ter entrado. — Digo. — Devemos
dar uma olhada em cada um dos cômodos enquanto descemos.
A escada dava para outro corredor com piso também
incrustado de pedras preciosas. No final do corredor, uma ampla
janela permite a passagem da luz do sol, proporcionando luz natural
junto com as tochas acesas.
Uma sala pela qual passamos é de um branco puro, paredes e
piso de mármore que me lembram as Muralhas Brancas onde
Nathaniel quase foi açoitado até a morte.
Estremeço para longe, me vendo olhando para uma sala do
outro lado do corredor que mantém uma chama viva no meio do
chão. As paredes aqui também são brancas, mas letras douradas, da
mesma cor âmbar da chama, aparecem e desaparecem ao longo
delas. A escrita flui e reflui. Algumas seções da escrita respingam e
desaparecem. Algumas delas puxam e empurram, enquanto outras
seções de letras correm ao longo de toda a lateral de cada parede.
Quando me aproximo, uma luz brilhante acima da porta atrai
meus olhos. Letras douradas fluem no topo do arco:
A regra da lei.
Entrando, tento seguir as letras que fluem rapidamente,
pegando uma linha de escrita como pegando um pensamento.
Uma vez invocada, a Lei dos Campeões deve ser satisfeita em três
dias… Um campeão deve morrer… O vencedor leva tudo em nome de sua
rainha ou rei…
As regras da Lei se perseguem pela sala.
Eu as deixei ir, pegando um conjunto diferente de escrita.
A Promessa do Vingador só pode ser invocada quando a dor for
inegável e a verdade for revelada…
Ousando dar um passo mais perto da chama quente no centro
da sala, eu percebo todas as leis. Há milhares delas. Leis da natureza,
vida, dor, vingança, até nascimento e morte…
Nathaniel roça levemente a parte de trás do meu braço
enquanto faz uma pausa ao meu lado, observando a sala inteira
antes de caminhar até a parede do lado direito, indo em direção a
um local onde letras escuras diminuem e desaparecem como uma
estrela minguante.
Entendo apenas partes da mensagem porque o corpo de
Nathaniel bloqueia minha visão dela: um rei traído pode escolher o
caminho perigoso...
— Esta sala contém todas as leis antigas. — Digo, tremendo
enquanto estudo a chama que flutua no meio do chão. Minha voz se
reduz a um sussurro abafado quando uma ideia me ocorre. —
Talvez possamos destruí-lo. — Me viro para Nathaniel. — Ou
reescrever?
Ele se afasta da parede que estava estudando. A escrita
desaparece atrás dele, substituída por novas letras.
— Não, Aurora. A velha lei é a própria vida. Destruí-la ou
tentar mudá-la afetaria a vida em seu nível mais básico. Cada uma
dessas leis foi criada ao longo do tempo, entrelaçando-se com as leis
existentes. Algumas dessas leis dependem de outras. Algumas
prevalecem sobre outras ou são subservientes a elas. Se puxarmos
um único fio, toda a teia pode entrar em colapso.
Expiro minha decepção.
— Então precisamos continuar nos movendo.
Afastando-me da chama, pego a mão de Nathaniel, levando-o
para fora da sala e em direção ao segundo lance de escadas no final
do corredor.
Faço uma pausa antes de descermos para a escada.
— Espere... O que é isso?
À esquerda da escada há outro arco que leva à maior sala até
agora. Quatro estátuas ficam em intervalos em um círculo ao redor
da sala, cada uma voltada para fora e feita de um material diferente,
pedra branca, madeira carmesim, ouro brilhante e ônix preto. De
onde estou do lado de fora da porta, só posso ver a frente de duas
delas, mas a luz do sol brilha em suas superfícies, uma fascinante
mistura de branco, dourado e carmesim, iluminada por trás pela
escuridão.
Estremeço quando a luz os banha, a memória do meu sonho
voltando para mim, como se os três poderes que eu vi no sonho
estivessem se chocando nesta sala.
Eu verifico se há algo escrito acima do arco, mas é uma
estranha mistura de símbolos que parecem formar quatro palavras.
O único que consigo ler é luz.
— Aura? — A mão de Nathaniel está firme em torno da minha,
mas eu puxo contra seu aperto.
— Eu preciso ver isso. — Entro na sala, surpresa ao descobrir
que o lado direito da parede está quase completamente aberto para o
exterior, uma janela de parede a parede com uma larga saliência na
altura da cintura. Assim como a sala das lunetas, esta é silenciosa
como um sussurro.
Expandindo meus sentidos, verifico se há ameaças enquanto
vou até a janela e avalio a vista lá fora.
Nathaniel está quieto atrás de mim. Eu me viro para encontrá-
lo andando em volta das estátuas, uma ruga cautelosa se formando
em sua testa. Ele para em frente à estátua de pedra branca, voltada
para a janela. É a menor, uma garota usando um vestido macio que
flutua em torno de suas pernas, o cabelo solto sobre os ombros e
caindo para o lado. Seus braços estão dobrados nos cotovelos, com
as palmas para cima.
Um livro repousa sobre suas mãos voltadas para cima.
Seguindo o caminho de Nathaniel pela sala, descubro que cada
uma das estátuas contém um livro.
A estátua carmesim é uma mulher, com a cabeça erguida, mas
o olhar abaixado. As flores caem em cascata da tiara ao redor de sua
cabeça, descendo pelo cabelo e pelo vestido longo. Ela é real,
poderosa. O livro que ela segura tem encadernação vermelho-
sangue com letras marfim na frente, mas não consigo ler o que está
escrito. Não é um idioma que eu tenha visto antes.
A estátua de ônix é um homem com nariz pontudo. Ele usa
uma coroa que fica, não no topo da cabeça, mas ao redor dos olhos,
escondendo-os. Os picos pontiagudos da coroa se estendem além de
sua cabeça. Ele está vestindo uma longa túnica e segura um livro
com encadernação preta, letras douradas soletrando um título que
também não consigo ler. Deve ser uma língua antiga.
Paro em frente à quarta estátua, a dourada. É outra mulher,
exceto que ela está usando armadura e carrega uma lâmina curva
amarrada às costas, apenas parcialmente visível.
As palavras na capa do livro que ela segura saltam para mim,
as primeiras que consigo ler: Magia de luz.
Aproximando-me dele, abro o livro no meio, surpresa quando
as imagens na página saltam para mim e se movem pelo
pergaminho. Um enorme dragão dourado, tão grande quanto o
Dragão Vanem, sopra fogo mortal em um campo de batalha cheio de
pessoas. A princípio, acho que os alvos do dragão são humanos, mas
as pessoas correndo em direção ao dragão estão retaliando da
mesma forma que Serena atirou as lâmpadas brilhantes do céu, com
fogo saindo de suas mãos, tentando derrubar o dragão.
Eles são feéricos.
Balanço minha cabeça em confusão. Isso não pode estar certo.
Os feéricos e os dragões sempre foram aliados. Eles nunca lutaram
entre si. Não tanto quanto me disseram…
Uma mulher feérica com cabelo âmbar cavalga à frente de seu
povo, uma coroa de diamantes brilhando em sua cabeça, sua espada
erguida. Seu cavalo galopa em direção ao dragão, ziguezagueando
entre as plumas de fogo que explodem no chão.
O dragão ruge novamente, suas chamas mortais por pouco não
acertando ela.
Atrás do dragão, um exército de humanos corre em direção aos
feéricos enquanto mais dois dragões descem do céu, também
dourados, suas escamas captando a luz, seu fogo levantando-se da
página e aquecendo o ar ao redor do meu peito e rosto.
Planto minhas mãos em cada lado das páginas enquanto o
cheiro de sangue e cinzas enche minha cabeça, junto com os gritos de
mil humanos e o grito ensurdecedor do fogo do dragão colidindo
com a magia feérica.
Eu me forço a virar a página. O papel é um pergaminho grosso,
esfarrapado nas bordas. A batalha continua nas novas páginas,
avançando lentamente enquanto feéricos e humanos se chocam e
caem, transformando o solo em lama.
A Rainha Feérica foge do fogo do dragão a cada passo antes de
dar outra investida contra a majestosa criatura. Ela salta de seu
cavalo, esculpindo um arco poderoso em direção ao dragão,
ganhando altura conforme o ar a carrega para frente, sua magia
fluindo ao redor de seu corpo ágil. Ela ergue a espada acima da
cabeça, com o objetivo perfeito de cortar o pescoço do dragão e
acabar com sua vida.
Ao mesmo tempo, uma mulher humana corre ao longo das
costas do dragão, um grito em seus lábios enquanto ela se joga no
espaço entre o dragão e a Rainha Feérica.
Ela se parece com a mulher na estátua de ouro.
Sua lâmina corta o ar em direção à Rainha.
Estremeço com o choque quando reconheço a arma que ela está
segurando: uma alabarda, sua lâmina de aço brilhante gravada com
o sol e a lua. Ela ruge enquanto corta a espada da Rainha Feérica,
cortando a arma feérica ao meio antes que a mulher humana caia
ágil aos pés do dragão.
A Rainha Feérica gira e dá cambalhotas no ar, aterrissando a
alguns passos de distância. Ela retalia sem hesitação, a luz do fogo
derramando de suas mãos enquanto caminha em direção à mulher
humana.
Na velocidade da luz, a mulher aponta sua arma, o aço
brilhando mais rápido do que eu posso ver, usando a lâmina para
desviar os tiros de fogo e mandá-los inofensivamente para o chão
antes que ela salte mais alto do que um humano deveria ser capaz,
aterrissando precisamente na frente da Rainha Feérica.
Assim que ela cai no chão, ela crava o cabo de sua arma na
terra à sua frente como um escudo.
A Rainha Feérica empalidece, grita.
Explosões mágicas saem da alabarda da mulher humana,
explodindo no espaço à sua frente, o impacto derrubando a Rainha
na lama, desviando sua magia e enviando as chamas rugindo de
volta para o próprio exército da Rainha.
— Saia deste lugar! — A mulher humana grita. — Você não vai
roubar os ovos deles.
Seus olhos castanhos brilham, olhos escuros que eu
reconheceria em qualquer lugar.
Ela deve ser ancestral de Nathaniel.
A Rainha Feérica tropeça em seus pés, mas seu povo já está
correndo, alguns deles correndo a cavalo, outros correndo a pé. Com
um rosnado, a Rainha corre para seu garanhão, pula em suas costas
e cavalga com eles.
A mulher humana se levanta, seu peito arfando, a tensão em
torno de sua boca aumentando enquanto os outros guerreiros
humanos se reúnem em torno dela e do dragão.
— Eles não vão parar. — Diz ela. — Eles querem controlar a
próxima geração de dragões.
O dragão dourado abaixa a cabeça para a mulher, cutucando o
ombro da mulher antes de exalar suavemente um anel de chamas
prateadas ao redor da alabarda.
— Coração Brilhante. — O dragão sussurra. — Mantenha a luz.
Agarro as bordas do livro, ofegante.
Memórias, momentos, passam por mim.
O pai de Nathaniel, Tobias, disse a Nathaniel para manter a luz.
Presumi que ele estava dizendo a Nathaniel para manter a fé,
para permanecer fiel à sua honra, mas e se ele quisesse dizer que
Nathaniel deveria manter a arma segura? E se a luz for a lâmina de
Nathaniel?
Lampejos voltam para mim de minhas memórias sonhadas.
Imatra tentou matar Tobias com um feixe de luz do fogo, mas ele
usou sua arma — a mesma alabarda que a guerreira humana usou
agora —para desviar sua magia. Ele não apenas se protegeu, mas
também enviou o poder de Imatra fluindo de volta para ela.
Sou levada de volta ao momento em que Imatra viu a alabarda
quando levei Nathaniel até ela em seu Santuário Interior. Estava
segurando a alabarda e os primeiros raios de sol brilharam pelas
janelas e iluminaram sua lâmina brilhante. Imatra congelou e o
emblema no aço brilhou em seus olhos como se fosse uma criatura
viva. Eu nunca tinha visto medo em seus olhos antes daquele
momento.
A alabarda não é apenas uma arma. É um objeto de magia –
magia de luz – abençoada pelos próprios dragões.
Nathaniel precisa dela quando lutar comigo.
Ele vai precisar dela para recuperar seu trono.
Os feéricos têm agora, o pior resultado, a julgar pela guerra que
acabei de testemunhar.
Tenho que ter certeza de que ele a receberá de volta.
Tropeçando para longe do livro, minha cabeça dispara ao
mesmo tempo que Nathaniel se afasta do livro que ele estava
olhando. Seus olhos estão vidrados, mas ele se sacode,
repentinamente alerta enquanto olha para mim.
— Eu sei o que você precisa fazer. — Nós dois dizemos ao
mesmo tempo.
Eu pisco para ele.
Ele me encara.
Nossas declarações gêmeas ecoam no silêncio.
Começo a falar de novo, mas de repente percebo a mudança na
sala.
A escuridão caiu ao nosso redor, sombras profundas
projetando-se no chão. Girando para a janela, fico chocada ao ver o
contorno da lua no céu que escurece.
Eu suspiro.
— Quanto tempo se passou?
A tensão atravessa a postura de Nathaniel.
— Muito tempo. O sol se pôs.
Ele caminha em minha direção, mas para antes de me tocar.
Apesar da escuridão caindo ao nosso redor, eu sou o foco dele.
O olhar em seu rosto me lembra de Cyrian quando ele tentou
me torturar, quando Cyrian parou, assustado, e me perguntou como
eu existo.
O olhar de Nathaniel agora... É como se ele estivesse me vendo
pela primeira vez.
Atrás de sua expressão está o medo. Pavor cru, exposto e
genuíno.
— Acho que sei o que aconteceu com você.
Capitulo 13
Dou um passo para longe dele.
Ele mantém a voz baixa, cauteloso enquanto aponta para o
livro segurado pela garota de pedra.
— Você precisa ver este livro.
A escuridão dentro da sala de repente me envolve. Dou outro
passo instintivo para trás. Meu coração aperta dentro do meu peito,
meu olhar cauteloso passando rapidamente para o livro e de volta
para Nathaniel.
— Por que esse livro?
Ele relaxa, abaixando os ombros. Ele inala calmamente, mas
parece forçado.
— Esses livros contêm a história das quatro magias. Foi difícil
ler seus títulos, mas reconheço partes das línguas antigas. Eu deveria
ter percebido que seríamos puxados para as páginas. Perdemos duas
horas. Esse foi meu erro, mas não podemos mudar isso agora.
Apontando para o livro segurado pela mulher dourada, o que
eu estava lendo, ele evita olhar para as páginas abertas enquanto diz:
— Essa é a história da magia da luz. A estátua negra contém o livro
de magia negra. A mulher carmesim detém a história da magia
feérica. E o livro que li…
Ele caminha até o livro que estava estudando, parando em
frente a ele.
— Este livro é sobre magia antiga.
Segurando as bordas do livro sem olhar para as páginas, ele se
concentra no rosto da garota de pedra.
Ele sussurra: — Eu a vi neste livro... O nome dela é Lucidia.
Endureço. — Esse é o meu nome.
— Imatra deu esse nome a você. Significa a luz mais brilhante,
não é?
— Sim, por causa do meu poder de Crepúsculo. — Minha
respiração fica presa na minha garganta, uma sensação de pavor me
preenchendo.
— Você precisa ver isso, mas não olhe para as páginas por
muito tempo. — Diz ele. — Não podemos nos dar ao luxo de perder
mais tempo. Estarei aqui para retirá-la, apenas no caso.
Meus pés estão pesados enquanto me forço a me mover para o
lado de Nathaniel. Ele nunca me deu qualquer motivo para
desconfiar dele. Mesmo desde o início, ele prometeu sempre me
dizer a verdade.
Engulo minha ansiedade enquanto me aproximo do livro.
O papel é preto como breu, um abismo escuro, um espaço
infinito que parece não ter limites, sangrando além das bordas da
página e se espalhando pela minha visão. Estremeço ao reconhecer o
nada em que afundo quando durmo, o nada de que me lembro antes
das minhas primeiras lembranças de acordar no local da
queimadura.
Um respingo de luz aparece dentro da escuridão. É a menor
mecha, dançando pela página, ficando mais brilhante. Ela se
expande à medida que se aproxima antes de virar e deslizar para a
esquerda. Pequenas luzes o cercam, fazendo-o brilhar. Ela paira,
ganhando forma, humanóide por um momento antes de brilhar
novamente, o brilho ao seu redor obscurecendo sua silhueta.
O brilho se espalha pela página, desaparecendo na escuridão,
mas nunca totalmente desaparecido.
— Luz mais brilhante. — Sussurro, um vazio doloroso se
formando em meu peito enquanto pressiono meus dedos na página.
— O que é?
— É a velha magia em sua forma original. — Os braços de
Nathaniel se fecham ao meu redor enquanto ele me puxa
gentilmente para longe do livro, incitando-me a olhar para ele.
Eu pisco quando apareço na sala escura. Ao contrário de nossa
descida pelas escadas, as tochas não ganharam vida ao nosso redor,
deixando-nos em uma escuridão crescente iluminada apenas pela
lua lá fora.
A voz de Nathaniel é baixa e suave.
— Você se lembra quando me mostrou o diamante no coração
do Lago Giratório e eu disse a você...
— Eu estava sendo infantil.
Ele balança a cabeça, um pequeno sorriso se formando e depois
desaparecendo de seus lábios.
— Eu disse que havia um coração brincalhão trancado dentro
de você. Quando você está feliz, você é como uma estrela dançante.
O vazio em meu peito aumenta. Eu me empurro para fora de
seus braços, de repente precisando colocar distância entre ele e eu.
Ele não tenta me alcançar. Em vez disso, ele se afasta do livro e
remove silenciosamente suas armas, seu arnês e, finalmente, sua
camisa.
Ele faz uma pausa, um homem bonito e forte que olha para
mim como se fosse fazer qualquer coisa para parar a dor das feridas
que está prestes a abrir.
Ele pressiona o dedo indicador na pedra invisível que usa ao
lado do coração.
— Carrego esta pedra comigo todos os dias e noites desde os
dez anos de idade. Eu usava perto do meu coração. Eu raramente a
removia. O tempo mais longo que estive separado disso foram os
últimos dois dias. Com o tempo, na verdade, houve muitos dias em
que, senti que essa pedra havia se tornado parte de mim. Ou talvez
eu tenha me tornado parte dela.
Ele dá um passo em minha direção.
Eu dou um passo para trás.
Ele para.
— Tenho afastado as coisas que vejo em você, negando-as,
porque as respostas parecem muito além do meu alcance. Mas a
verdade é que você… — Seu olhar passa pelo meu rosto, dos meus
olhos opacos aos meus lábios pálidos. — Você está além do meu
alcance.
Dou mais um passo para longe dele, sentindo como se as
fundações estivessem rachando sob meus pés, mas sem saber por
quê.
— Pergunte a si mesma, Aura. — Diz ele, exigindo que eu
responda. — Cada coisa impossível, única e incomum sobre você.
Faça todas as perguntas para as quais você não tem uma resposta...
— Por que estou sozinha? — Minha pergunta soa dura na
escuridão que se aprofunda ao nosso redor.
A dor passa pelo rosto de Nathaniel, mas as perguntas de
repente saem de mim antes que ele possa me responder.
— Por que eu sou a única feérica de Crepúsculo? Por que tenho
poder sobre a luz, mas só posso dormir na escuridão? Como posso
parar de respirar e permanecer viva? Como eu poderia curar sua
ferida esta manhã quando a magia feérica não poderia tocá-la? —
Lressiono meus dedos em meus lábios, lembrando da poeira que
cobriu meu corpo depois que parei de respirar no local da queima, a
mesma poeira que tossi esta manhã. — Por que me transformo em
cinzas e pó quando começo a morrer?
Segurando minhas mãos diante do meu rosto, eu estudo a
forma da minha pele, desesperada para encontrar respostas nelas.
Cintilações de luz das estrelas crescem ao redor da minha mão. Meu
poder está voltando com a lua crescente, o poço dentro de mim se
enchendo novamente.
Apesar do poder reunido em minhas mãos, Nathaniel caminha
em minha direção, sem medo e determinado. Ele nunca teve medo
de mim. Mesmo quando liberei meu poder no primeiro dia em que
nos conhecemos, ele saltou em minha direção, pisando bem no
centro da minha luz estelar para tentar me impedir de gritar a
declaração que invocava a Lei dos Campeões.
Ele para a três passos de distância de mim, o espaço exato que
um combatente pararia, seus ombros caídos para trás, sua cabeça
ligeiramente inclinada enquanto ele me olha de cima a baixo do topo
do meu cabelo branco até a ponta das minhas botas emprestadas.
— Quem controla a luz, mas dorme na escuridão? — Ele repete
minha pergunta de volta para mim enquanto seus olhos escuros
passam por mim. — Você faz.
Ele espreita à minha direita, um movimento que de repente
parece perigoso para mim, como se ele estivesse prestes a me
desafiar de maneiras que eu não quero.
— Quem se transforma em pó e cinzas quando perde a
esperança? — Ele se vira e espreita na outra direção, mantendo-me
em sua mira. — Isso também seria você.
Ele para na minha frente.
— Quem estava determinado a lutar em agonia para chegar ao
meu lado? — Sua voz torna-se baixa, gentil novamente. — Quem me
manteve vivo e soprou vida em mim? Quem me levou para casa,
apesar do fato de que ela sofreria por isso?
Seus olhos escuros são claros, sua voz me obriga a ouvir. —
Você, Aura. Sempre você.
Ele se atreve a diminuir a distância entre nós. Ele sempre ousa
me desafiar, não importa quantas defesas eu levante.
— Eu sei que você está apavorada com as verdades que estão
em seu passado. — Diz ele. — Estou aqui se você precisar gritar.
Estou aqui se precisar chorar. Eu aguento. Tudo isso. Mas você tem
que enfrentar isso.
Ele alcança lentamente o arnês de arma que estou usando. Meu
coração bate forte dentro do peito, mas não tento impedi-lo quando
ele desfaz meu arnês e o coloca no chão. Ele remove a tipóia do meu
pescoço, habilmente desatando o nó enquanto eu estremeço.
Abrindo os fechos no ombro esquerdo do meu traje, ele o puxa
gentilmente para baixo o suficiente para revelar o espaço acima do
meu coração. A marca dourada de seu nome torna-se visível, um
ponto brilhante no limite de minha visão.
Com movimentos repentinamente rápidos, ele leva a mão ao
próprio peito, arranca a pedra e a estende para mim.
— É sua para levar.
A lasca de rocha brilha contra a palma da mão. É tão pequena,
mas absolutamente aterrorizante por causa do imenso poder que
sinto nela. Um poder que tenho certeza que irá me destruir ou me
curar.
Perguntei a ele por que estava sozinha, mas percebi que não.
Nas horas finais da minha vida, não estarei sozinha porque
Nathaniel estará comigo.
Meus dedos se fecham sobre a pedra, tocando-a pela primeira
vez.
O poder dispara pela minha mão, subindo pelo braço até o
ombro, uma injeção de energia atingindo meu coração e acertando-o
como um martelo.
Suspiro e Nathaniel se sacode, empurrado para longe de mim.
A luz das estrelas corre pelas minhas veias, subindo pelo meu
braço trêmulo enquanto levanto a pedra, pronta para posicioná-la
abaixo da minha cicatriz, assim como ele fez.
O poder pisca em torno da rocha, tiros de luz das estrelas tão
nítidos que mordem minha pele, de repente me queimando. Eu
quase derrubo a pedra, mas o poder dentro dela atinge meu tronco,
raios de luz das estrelas conectando a rocha ao local do meu coração.
O pânico me inunda.
Eu tento puxar a pedra para longe de mim, mas ela continua
seu caminho, voando da minha mão em direção ao meu coração. A
luz ardente das estrelas corta minha pele, um corte tão profundo e
doloroso que eu grito.
— Aura! — Nathaniel grita enquanto estende a mão para mim,
mas outra rajada de luz o derruba novamente.
Cada pontada de luz da pedra rasga minha pele sob minha
cicatriz, formando um novo crescente, um novo corte do tamanho e
formato precisos da borda da pedra.
A pedra finalmente adere ao meu peito, grudada em mim
como uma marca por uma fração de segundo antes de virar de lado
e desaparecer dentro do corte que fez.
O choque toma conta de mim, e eu caio de joelhos, sentindo a
rocha enterrando-se no fundo do meu peito. Eu arranho minha pele,
tentando pará-lo. A tempestade dentro de mim empurra e puxa,
quebrando-me e curando-me ao mesmo tempo.
Grito quando a luz das estrelas explode dentro do meu peito,
irradiando em ondas quebrando, a força me jogando para os lados e
para cima, assim como no momento em que invoquei a Lei dos
Campeões.
A força atinge Nathaniel, pegando-o e arremessando-o pela
sala.
Gritos saem da minha garganta enquanto me estico na direção
dele com ambas as mãos, meu braço direito livre e móvel pela
primeira vez em horas, meu corpo pulsando com poder enquanto
voamos para longe um do outro.
A luz branca brilhante preenche o espaço ao nosso redor. As
paredes vibram e as páginas dos livros se abrem violentamente, as
imagens dentro delas de repente voando para cima.
O dragão dourado se enfurece no ar entre Nathaniel e eu. Do
livro de magia negra, uma manada de cavalos de fogo surge e corre
atrás do dragão, galopando através de um enxame de abelhas
prateadas que brotam das páginas do livro de magia feérica.
Enquanto eles perseguem um ao outro em um círculo completo
ao redor das estátuas, espero que uma criatura da quarta magia — a
velha magia — surja das páginas daquele livro, mas apenas minha
luz estelar risca sua superfície. Em instantes, as outras criaturas
desaparecem de volta às páginas de onde vieram.
Assim que desaparecem, tudo para de se mexer, até as páginas,
suspensas no lugar.
Nathaniel para bruscamente, com a cabeça jogada para trás, os
braços abertos ao lado do corpo, o peito nu brilhando à minha luz.
Seus lábios se separam enquanto sua cabeça abaixa. Não posso negar
a atração em seu olhar enquanto sua boca de repente se curva em
um sorriso que me aquece até o meu âmago.
— Aura Lucidia. — Ele diz meu nome como se fosse novo para
ele.
Não tenho certeza do que ele vê que o faz lançar-me um sorriso
tão perigoso, mas quando pressiono minhas mãos no meu peito
agora curado, minha pele brilha.
Eu avisto meu cabelo luminescente, fios brancos brilhantes
cheios de luz enquanto eles flutuam em volta dos meus ombros.
As únicas outras vezes que meu corpo brilhou assim foi
quando Nathaniel me tocou, quando ele me fez brilhar.
Ao longe, Nathaniel olha para mim da mesma forma que
quando me virou para o espelho em Brilhante e me mostrou quem
eu poderia ser. Ele viu o potencial do meu poder antes mesmo de
mim.
Agora não tenho dúvidas de que estou brilhando por toda
parte. Sem me ver, imagino meus olhos cheios de respingos de
esmeralda, a cor verde-floresta de minhas pupilas sumindo, minhas
bochechas coradas, meus lábios vermelhos e carnudos.
Apenas uma hora atrás, minha energia estava esgotada. Agora
meu poder parece um oceano ilimitado de luz estelar.
Um arrepio de luz corre pelo meu corpo do topo da minha
cabeça até os dedos dos pés quando encontro os olhos de Nathaniel.
— Meu poder. — Sussurro. — Você me devolveu meu poder.
Capitulo 14
Flutuo até o chão, meus pés descansando na superfície de
pedra. Estou consciente da magia ao meu redor, velha magia
protegendo os livros e a sala, cem vezes mais consciente do que
antes.
A magia brilha e ondula pelo ar ao nosso redor, mas a presença
de Nathaniel é a mais forte, sempre a mais forte, oprimindo meus
sentidos com sua força.
Mas agora... o poder que ondula em seu peito, seus braços,
cada parte dele, chama minha atenção. A luz das estrelas, impossível
luz das estrelas, brilha através de cada fibra de seu torso, fios que se
estendem além do peito e sobem pelo pescoço.
A luz pisca em suas têmporas, pulsando no ritmo de seus
batimentos cardíacos enquanto desce pelo peito, estômago e coxas,
visível como um brilho suave sob suas calças compridas.
Não é um reflexo do meu poder ou mesmo a luz da minha luz
das estrelas ondulando pela sala.
É parte dele.
Ele volta para o chão quando meu poder o libera. Seu olhar me
queima, seus olhos escuros brilhando enquanto ele cruza a distância
entre nós.
— Aura. — Ele me puxa para seus braços, a intensidade em
seus olhos se aprofundando enquanto suas mãos acariciam minhas
costas, emaranhadas em meu cabelo.
Meu braço não dói mais. Nada dói, nem mesmo meu coração.
Não sei por que tive tanto medo da pedra, não quando ela abriu
meus olhos para tudo ao meu redor.
— Nathaniel. — Inclinando minha cabeça para trás, pressiono
meu dedo indicador em seus lábios antes de traçar os vislumbres
que viajam por sua pele em sua mandíbula e pescoço.
Ele permanece em silêncio, permitindo-me seguir o caminho do
meu poder através de seu corpo. Todos os pequenos caminhos,
pulsos infinitos, mil faíscas de luz das estrelas...
Meu poder.
— Você vê isso? — Pergunto, inclinando-me para perto e
olhando em seus olhos.
— Eu vejo sua mão brilhando onde você me toca. Como de
costume. — Ele diz, sua voz um sussurro rouco e seus lábios se
abrindo enquanto sua respiração aumenta.
Ele não deve ser capaz de ver o poder ondulando por seu
corpo. Eu também não podia antes. Mas agora eu posso.
Enquanto eu traço os contornos de seu peito com a ponta dos
dedos, ele segue o formato do meu rosto com os olhos, sua expressão
ficando cautelosa.
— O que você vê que eu não posso? — Ele pergunta.
Eu me inclino para a frente e dou um beijo acima da localização
de seu coração, bem em sua cicatriz, sentindo-o prender a
respiração.
— Eu posso ver meu poder. — Poder que ele nunca deveria ter
tomado para si. Nunca teria assimilado em seu corpo humano,
exceto que seu pai entregou a pedra a Nathaniel quando ele tinha
dez anos e ele a carrega consigo desde então.
Seus lábios se abrem em surpresa, respirando sua pergunta em
uma exalação suave.
— O que você quer dizer?
— Você carregou este pedaço do meu poder próximo ao seu
coração. Você levou meu poder para o seu corpo, para o seu coração.
Eu não podia ver isso antes. — Digo, traçando seu peito. — Quando
você me tocou, devo ter me conectado com meu próprio poder
dentro de você. É por isso que eu brilhava.
Quando me afasto dele, o brilho em minha mão diminui, mas
não desaparece como antes.
Ele puxa minha mão de volta para seu peito, colocando-a sobre
seu coração.
— Se isso for verdade, então foi o seu poder que me protegeu
da magia negra de Cyrian todos esses anos. — Ele diz. — Quando
todo mundo estava em perigo, você me manteve seguro.
Me permito sorrir.
— Meu poder manteve seu coração… brilhante. Manteve você
vivo quando seu coração falhou esta manhã.
Ele balança a cabeça como se não acreditasse.
— É impossível. Eu sou humano.
Ainda pressionando minha palma em seu peito, dou um beijo
em sua mandíbula.
— Olhe para mim, Nathaniel. Veja o que esse pedacinho do
meu poder fez comigo agora que o recuperei. O que isso teria feito
com você por quinze anos?
— Olhar para você? — Ele pergunta, sua voz repentinamente
áspera, o desejo em seus olhos se intensificando. — Estrelas negras,
Aura. Não consigo desviar o olhar de você.
Encontro o calor em seu olhar.
Eu tenho mil perguntas, a mais preocupante é como meu poder
foi separado do meu corpo — a memória horrível da lâmina de
Imatra cravando em meu peito — mas eu afasto todas as minhas
perguntas porque preciso desse momento.
Pela primeira vez na minha vida lembrada, me sinto inteira e
viva. Poderosa.
Um sorriso cresce em meu rosto quando estendo a mão para
dar um beijo em seus lábios, sentindo o cheiro de sua pele enquanto
exploro o formato de sua boca.
Com um gemido, ele me levanta contra ele, sua força
permitindo que ele me impulsione de volta para o largo parapeito da
janela. A magia que protege a janela pressiona minhas costas,
arrepios de poder ondulando pela abertura.
Meu traje de treinamento já está fora do meu ombro, dando a
Nathaniel acesso à pele nua acima do meu coração. Seus lábios
percorrem a distância entre meu pescoço e ombro, suas mãos firmes
em volta da minha cintura, antes de trazer sua boca de volta para a
minha.
A escuridão lá fora está pesada agora, o céu claro e a lua cheia.
O brilho do meu corpo preenche o espaço ao nosso redor,
fornecendo uma luz suave para que possamos ver. Minhas mãos
seguem os contornos do rosto e ombros de Nathaniel, exploram a
forma de suas costas e estômago, puxam suas calças.
Meu cabelo levanta e cai com o movimento da minha camisa
enquanto eu o puxo sobre minha cabeça e o jogo no chão. Eu
costumava detestar meu cabelo, as velhas mechas brancas, mas
agora ele cai suavemente sobre meus ombros e seios, cada mecha
brilhante.
O olhar de Nathaniel passa para os meus lábios.
— Você. É. Hipnotizante.
Meu dedo traça um único pulso de luz das estrelas em sua
bochecha até sua mandíbula - um entre milhares - e minha mão
brilha mais do que antes, respondendo ao toque entre nós, reagindo
à luz das estrelas brilhando sob a superfície de sua pele.
Sua boca reivindica a minha e o desejo me aquece, atingindo
meu centro. Ele recua antes que as ondas me vençam. Arrepios de
prazer fazem minha pele formigar quando ele me levanta da borda
sem quebrar o contato com minha boca, para me beijar enquanto ele
remove o resto da minha roupa, sua própria juntando-se à minha no
chão.
Ele me levanta novamente, ajustando nossos corpos juntos.
Poder e prazer correm através de mim no primeiro impulso,
uma combinação inebriante tão forte que é quase demais. Eu
respondo sem inibição enquanto ele dá dois passos para me
posicionar contra a parede. Arqueando minhas costas contra a
superfície sólida, engancho minhas pernas ao redor de seus quadris,
usando a gravidade para puxá-lo o mais para dentro de mim
possível.
Ele se apoia, uma mão contra a parede, a outra segurando meu
quadril enquanto a conexão entre nós se aprofunda. A luz das
estrelas ondula em meu peito, brilhando mais forte conforme minha
respiração aumenta. Meu corpo está em chamas, quente como uma
chama, frio como gelo. Dominada por sensações que ameaçam me
despedaçar.
Esta pode ser a última vez.
O pensamento cruel corta meu desejo, golpeando com força o
prazer que dirige através de mim. Eu suspiro, afasto o pensamento,
mas ele se repete em mim.
Esta será a última vez.
Eu agarro os ombros de Nathaniel, minha respiração irregular,
meu coração se partindo em pedaços menores enquanto ele
prolonga o momento.
Não pode ser a última vez. Eu não vou deixar isso...
A fria luz das estrelas inunda meu peito, meu poder me
preenche com uma certeza vazia, uma verdade inegável.
Esta é a última vez.
Eu quero gritar. Explodir minha raiva.
A mão de Nathaniel encontra minha bochecha. Seus olhos
encontram os meus. Sua própria respiração está fora de controle,
embora ele esteja se segurando.
— Fique comigo, Aura.
Mas eu não posso. Não para sempre.
Digo a mim mesma que posso aproveitar este momento. Eu
posso ter essa felicidade. Mesmo com toda a dor que virá depois,
com todo o desgosto que vem ao mentir para mim mesma, me
convencendo nos próximos momentos de que isso não vai acabar.
Que esse sentimento pode durar para sempre.
Suspiro novamente, tentando falar, querendo gritar, apenas um
sussurro áspero raspou contra sua boca enquanto eu o beijo.
— Esta é a última vez.
— Não. — Seus olhos encontram os meus, chocados, então
cheios de raiva.
— Tem que ser.
— Não! — Seu punho bate na parede ao lado do meu ombro,
raios de luz disparam pelas rachaduras que ele faz.
Não tenho medo de sua raiva. Afastando minhas emoções,
apoio minhas palmas contra a parede e pressiono contra as
rachaduras que ele fez para que eu possa puxar meus quadris para
cima e para longe dele antes de bater contra ele novamente. Prazer
dispara através de mim com o movimento, alívio por um breve
momento antes de minha necessidade piorar.
Ele balança a cabeça para mim, seu punho se formando contra
a parede ao lado do meu ombro, como se ele pudesse agarrar este
momento e nunca deixá-lo passar, prolongá-lo o máximo que puder.
Eu não paro, meu corpo subindo e empurrando contra o dele,
controlando os impulsos, inalando cada respiração irregular que ele
dá, aceitando toda a dor em meu coração. Digo a mim mesma que
não é nada comparada à dor que senti quando pensei que ele havia
morrido. O suor escorre pelo meu tronco, meus braços ficam tensos a
cada subida e descida, mas meus sentidos entram em espiral antes
de eu bater descontroladamente em torno dele.
Eu o levo comigo. Seu punho bate na parede, nos empurrando
para longe dela, fazendo-nos parecer leves enquanto as ondas fluem
através de nós. Eu para ele. Ele para mim.
Seus braços me envolvem quando paramos no meio da sala,
minhas pernas em volta de seus quadris.
Ele me agarra. Forte.
Sua voz é uma ordem. Um comando. Seus olhos se recusam a
me deixar ir.
— Fique comigo.
Lá fora, a lua está cheia, um grande contorno pairando acima
do horizonte. O espaço vazio fora desta sala me chama. O vasto nada
logo será meu lugar de descanso.
Tento respirar, mas, em vez disso, inclino a cabeça para trás e
grito.
Meu grito zumbe e vibra pela sala, fazendo os pedestais
tremerem, as rachaduras na parede crescerem. A magia através da
janela ondula com a luz das estrelas, nítida e mordaz, enquanto meu
poder arrepia minha pele. Isso atinge Nathaniel, mas ele ruge a dor
que estou causando a ele e se recusa a me deixar ir.
Eu fecho meus olhos. O abismo escuro que senti dentro da
pedra se abre, mas agora está dentro de mim, uma parte de mim, e
não posso escapar dele.
Era disso que eu estava com medo.
Porque a escuridão fria agora faz parte do meu corpo.
Inevitável.
Abrindo os olhos, agarro os ombros de Nathaniel.
— Você me deu sua palavra. Você prometeu que lutaria
comigo com todas as suas forças.
Seu olhar não vacila. Nem o aperto dele.
— Eu vou lutar com você, Aura. Com tudo o que tenho. Mas eu
não vou te derrubar.
Raiva e medo queimam através de mim, o esquecimento mais
frio crescendo dentro do meu peito enquanto o poder da pedra –
meu poder – se expande.
— Você irá.
Ele balança a cabeça.
— Não.
Empurro contra seu domínio, tentando me afastar dele, para
quebrar as conexões entre nós, tanto físicas quanto emocionais.
— Você irá! — Grito.
— Você não pode acreditar que eu iria te machucar! — Ele
ruge.
Ele agarra meu quadril quando tiro sua mão da minha cintura,
agarra meu ombro quando tiro sua mão das minhas costas. Cada vez
que tento me libertar, ele me alcança em outro lugar, me forçando a
ficar onde estou.
— Você tem que me machucar! — Grito.
— Você não pode dizer isso! — Seu grito me atinge, como se
ele pudesse me fazer acreditar no que ele acredita. — Você não tem
coração...
De repente, ele congela, sugando o ar em seu peito enquanto
seus olhos se arregalam. O sangue escorre de seu rosto em uma onda
repugnante.
— Sem coração? — Pergunto.
O abismo dentro de mim cresce. Um oco vazio preenchido com
a verdade repentina. Isso drena minha raiva, deixando uma onda
crescente de vazio dentro de mim.
Tento respirar enquanto a memória da voz de Cyrian sussurra
dentro da minha mente.
Onde está o seu coração?
— Meu coração. — Sussurro, soltando os ombros de Nathaniel
para segurar meu peito, meu movimento ameaçando nos
desequilibrar e nos derrubar no chão. — A pedra não era apenas
meu poder. Era um pedaço do meu coração.
O rosto de Nathaniel borra na minha frente, minha visão
girando.
— Mas... quanto do meu coração está faltando? — Pergunto.
Onde está o seu coração?
Cyrian me perguntou como posso existir. Mathilda disse que
meu coração está escondido dela. Ela tentou ver minhas intenções e
então se afastou de mim, pálida e chocada.
Sinto um calafrio, meus ouvidos zumbem e meu poder flui em
correntes sob minha pele. Sinto a luz das estrelas brilhando do topo
da minha cabeça até os dedos dos pés, um escudo protetor se
formando lentamente sobre meu corpo.
Meu corpo, meu... tudo... está se transformando a cada novo
pulso de poder.
Puxando o ar para dentro da minha boca, eu sinto o ar
escorregar pela minha garganta. Meu peito sobe em resposta, mas
não tenho certeza se estou realmente respirando.
Como eu saberia como é a respiração quando não consigo dizer
como é o coração?
Mil vezes pensei que meu coração estava batendo.
Senti-o bater e até parar dentro do meu peito.
Senti todas as emoções que há para sentir: dor, amor, perda,
traição, esperança.
Sangrei, tive pulso e tive dor como todo mundo.
Mas todas as vozes, todos os avisos, estão furiosos dentro da
minha cabeça agora.
A mais escura das estrelas.
Você não pertence a eles.
Você nunca foi uma garota.
Aura… onde está seu coração?
A percepção é fria, mas certa.
— Meu coração foi tirado de mim.
O brilho da minha magia cresce entre meu corpo e o de
Nathaniel, uma força tangível que o empurra para longe de mim e o
obriga a me soltar.
Ele não tenta lutar comigo desta vez, desenrolando os braços ao
meu redor, a pressão e o deslizamento de sua pele me fazendo
tremer enquanto deslizo para o chão e me afasto dele.
A dor em seus olhos partiria meu coração... se eu tivesse mais
do que uma lasca dele brilhando dentro do meu peito.
Durante toda a minha vida, pensei que sabia quem eu era, onde
estava no meu mundo, o caminho que deveria seguir. Campeã da
rainha. Escudo de Nathaniel. Esposa. Guerreira. Mesmo ontem à
noite, eu tinha certeza de que, embora meu caminho tivesse
mudado, eu sabia o que precisava fazer. Eu tinha certeza de que
tinha que morrer pela paz para finalmente chegar a Brilhante e
Caído.
Agora... meus alicerces se foram.
— Que tipo de criatura pode viver sem coração? — Pergunto.
— O que eu sou?
A luz da lua brilha no corpo de Nathaniel através da ampla
janela, destacando seus músculos esculpidos, iluminando os
lampejos da luz das estrelas que ele não deveria ter, que ele tirou de
mim.
Sua expressão está em branco agora. Quebrada.
— Você é uma velha magia. — Ele diz, sua voz quase rouca. —
Você é uma Estrela Celestial.
Congelo, chocada, quando ele levanta o braço e aponta pela
janela para a luz das estrelas piscando lá fora.
— Você é uma delas.
Capitulo 15
Meu choque dá lugar à minha necessidade de saber, de
entender o que sou.
Sigo a linha do braço de Nathaniel até a janela. Lá fora, o céu
noturno está calmo e claro em todas as direções. Eu procuro no céu o
que ele apontou, encontrando apenas a lua e mil estrelas, pontinhos
de luz.
Estou prestes a me virar quando uma forma voa pelo ar do
lado de fora da janela. Uma onda informe de luz branca brilhante
aparece por um segundo antes de desaparecer novamente. Isso me
lembra uma pena, torcendo e girando levemente, cada ângulo
fazendo com que pareça uma forma diferente.
Agarro o parapeito da janela enquanto observo o céu noturno,
esperando que a luz dançante apareça novamente.
Conto as centelhas de luz dentro do meu peito enquanto
espero. Uma, duas, três…
Outra luz atravessa o céu, mais à minha esquerda, mas mais
perto de mim do que a anterior. Deixa um rastro brilhante, uma
chama que se esvai, enquanto salta de um ponto a outro, brincando
com o ar ao redor da torre. Cada vez que desaparece, ela se
recompõe novamente, percorrendo um caminho como uma pedra
saltitando na superfície de um lago.
Uma terceira luz se junta a ela, esta brilhando intensamente em
um único ponto que se aproxima de mim. Ondulações de luz
irradiam de seu centro à medida que cresce antes de diminuir e
reaparecer à direita, brilhando mais forte e ainda mais próxima.
Sem tirar os olhos dela, subo no parapeito da janela, ainda
completamente nua, mas não estou com frio. Estendo meu braço
através da onda de magia que protege a sala, meus dedos
alcançando o ar frio.
A forma brilhante desaparece e se ilumina, aproximando-se.
Uma faixa de luz das estrelas desliza pelo ar em minha direção.
Prendo a respiração, permitindo que meu poder brilhe na
ponta dos dedos, esperando que a fita chegue até mim, precisando
do contato, desesperada para saber o que está no centro da luz...
O círculo de luz repentinamente se sacode, saltando para trás,
um movimento sobressaltado. A fita que estava enviando para mim
se desintegra. As outras duas formas de luz congelam antes de
disparar em direções diferentes, riscando o ar e desaparecendo.
— O que-?
Uma onda de relâmpagos azuis crepita no espaço em frente à
janela um segundo antes de Treble aparecer. Seus olhos brilhantes
estão selvagens de medo. Suas asas estalam, um relâmpago afiado
chiando em meu braço estendido. Não consigo ouvir o som de
dentro da sala, mas sei que ele está tentando me avisar.
Eu pulo de volta para o chão.
— Nathaniel! Temos que ir!
Nathaniel já vestiu a roupa, prendendo apressadamente o
arnês da arma em volta do peito. Pego minha roupa, me vestindo o
mais rápido que posso antes de pegar minha arma do chão.
Eu giro, incerta, mas Nathaniel corre em direção à janela,
agarrando-me pela mão ao passar. Saltamos para a saliência ao
mesmo tempo.
— Você pula primeiro! — Grito.
Nathaniel leva uma fração de segundo para avaliar a distância
entre a janela e Treble. Ele salta através da barreira mágica e sai para
o espaço, alcançando a asa de Treble.
A luz dentro do meu peito pisca com ansiedade por um
momento, então a mão de Nathaniel se fecha sobre o osso da asa de
Treble. Ele se balança para cima e sobre as costas de Treble,
agachando-se.
Eu não espero nem mais um momento, saltando na distância e
dando uma cambalhota nas costas de Treble, deslizando na frente de
Nathaniel. Treble se ergue ao mesmo tempo, batendo as asas
furiosamente.
Enquanto ele voa para a esquerda, estico o pescoço, sentindo as
formas de vida malévolas no céu ao nosso redor.
Dez pássarps-trovão se espalham pelo céu, bloqueando nossa
fuga em todas as direções: acima, abaixo e ao nosso redor. Os
uniformes de seus cavaleiros me dizem que são Guardas Diurnos de
Imatra. Meus lábios se curvam quando identifico Nadina, a chefe da
Guarda Diurna voando à nossa direita. Ela ameaçou meu pai
adotivo e depois tentou matar Nathaniel quando tentamos escapar
de Brilhante.
Imatra cavalga à frente deles, diretamente acima de nós. O raio
vermelho-sangue de seu pássaro-trovão carmesim crepita em torno
de sua silhueta esbelta enquanto ela o incita a nos seguir. Sua
armadura também é carmesim, lembrando-me da feérica que vi no
livro, mas seu cabelo está solto, as mechas esvoaçantes chicoteando
em torno de seu rosto.
Sua magia nos envolve, controlando o ar e o vento para que
Treble seja forçado a parar no local, e o silêncio cai ao nosso redor.
A primeira vez que os outros pássaros-trovão fecharam Treble,
ele ficou angustiado. Agora, ele vira o pescoço e me lança um olhar
rebelde, seus olhos ligeiramente estreitados. Sua expressão me diz
que ele vai nos levar daqui assim que tiver a chance.
Instintivamente, eu me inclino para Nathaniel. Não posso
proteger suas costas, mas pretendo permanecer entre ele e Imatra o
máximo de tempo possível. Meu peito dói quando ele não fecha os
braços em volta de mim como sempre fazia antes.
Imatra é uma imagem da perfeição quando seu pássaro-trovão
se aproxima de nós. Seus lábios carnudos estão relaxados, seus
brilhantes olhos azuis vivos e alertas, seu cabelo balançando sobre
seus ombros delicados e emoldurando sua cintura estreita. Mas sua
pele tem um tom mais claro de porcelana e suas unhas vermelho-
rubi pressionam a armadura ao redor de suas coxas. Eu sinto sua
inquietação com cada respiração que ela dá, suas inalações um
pouco rápidas demais.
— Olá, querida. — Diz, sua voz não revelando nenhuma
emoção. — Você parece bem.
Silenciosamente, eu testo meu novo poder, respirando fundo
antes de expirar, empurrando suavemente contra seu poder sobre o
ar ao nosso redor. Minha luz das estrelas brilha intensamente,
lançando luz em todas as direções.
Eu sorrio quando sinto o controle de Imatra vacilar.
Ela aperta as coxas com mais força.
— Você vai me dar respostas. — Digo, levantando-me
lentamente nas costas de Treble. Eu ainda estou segurando meu
arnês de arma. Tirando a espada de seu suporte, eu me agacho para
colocar o arnês nas costas de Treble, antes de me preparar, respiro
fundo...
Eu salto através da distância entre Imatra e eu, pousando
levemente no pescoço forte de seu pássaro-trovão, passando
rapidamente por ele para enfiar a espada em sua garganta. A ponta
perfura sua pele antes que seus reflexos entrem em ação e ela reaja,
levantando-se e dando um passo para longe de mim.
Nadina e as outras guardas enxameiam para dentro, seus
pássaros-trovão gritando de fúria, mas Imatra levanta ambas as
mãos para detê-las. Com um grito frustrado, Nadina grita para os
outros pararem. Eles não se afastam, mas também não se
aproximam.
Sangue não pode ser derramado dentro do Pináculo, mas aqui
fora essa regra não parece se aplicar.
A ponta da minha espada chega a um centímetro do pescoço
de Imatra.
Ela abaixa o olhar, com a cabeça erguida, rígida enquanto se
equilibra em seu pássaro.
— Você não precisa de uma lâmina para me matar. — Diz ela.
— Eu sei. — Respondo, meu poder da luz das estrelas
crescendo dentro do meu peito, brilhando no espaço entre nós.
O olhar de Imatra muda, piscando para a esquerda e, um
momento depois, uma lâmpada brilhante surge atrás dela. Está
envolta em luz escura, um fio fino de poder girando no ar entre a
lâmpada e Imatra. A lâmpada em si é uma bagunça brilhante à beira
de quebrar, como se estivesse prestes a explodir, mas Imatra a
envolveu bem a tempo. Dentro da luz escura, a lâmpada treme e
sacode, seus pedaços tentando se desfazer, uma explosão precisando
acontecer.
— Recebi seu presente. — Diz Imatra. — Uma lembrança deste
Pináculo da minha infância.
A lâmpada está tão quebrada que não consigo ver a memória
dentro dela. Mas se é uma memória do Pináculo como ela disse,
então provavelmente é a mesma que Mathilda tinha.
— O que Mathilda te ensinou? — Pergunto.
Imatra sorri, uma centelha de luz retornando aos seus olhos.
— Ah, então você conheceu minha amiga. Foi muito errado de
nossa parte. Uma bruxa e uma feérica se encontrando em segredo e
compartilhando seus conhecimentos de magia. Era proibido.
Me aproximo, cerrando os dentes.
— O que ela te ensinou?
O sorriso de Imatra desaparece. Ela inclina a cabeça
ligeiramente para baixo, o vento das asas de seu pássaro levantando
seus cabelos.
— Mathilda e eu nos sentamos naquele penhasco, comendo
maçãs, conversando sobre magia e olhando para as estrelas
celestiais, a Lucidia, brincando no céu acima de nós, muito além de
nosso alcance. Os Lucidia estavam por toda parte no éter acima de
Brilhante naqueles dias, mas você podia vê-los com mais clareza
aqui.
Imatra se aproxima, desafiando minha espada a perfurar sua
pele enquanto seus olhos brilhantes encontram os meus e sua voz se
reduz a um sussurro.
— Então, uma noite, Mathilda apontou para a mais bela
Lucidia que já vimos e ela se perguntou em voz alta… imagine o
poder que poderíamos controlar se pudéssemos arrancar uma
Estrela Celestial do éter e puxá-la para a terra.
Eu inalo ar frio, puxando-o para o abismo dentro do meu peito.
— Claro, eu disse a ela que era impossível. — Imatra sussurra,
sua voz um som suave de embalar. — Seria preciso mais do que
magia feérica ou magia de luz combinadas. Na verdade, seria
necessária toda a magia negra arrancada de mil almas para arrancar
uma Lucidia do céu e forçá-la a cair no chão.
— Mil almas. — Sussurro, fechando meus olhos por um
momento. Alívio profundo me enche porque não fui eu quem matou
os humanos durante a batalha final. — Mil almas humanas. Você os
matou no campo de batalha para lhe dar poder para me puxar do
céu.
Imatra se inclina um pouco para trás, o orgulho fazendo seus
olhos brilharem.
— Foi fácil atrair Tobias Exaltado para a fronteira. Eu disse a
ele para me encontrar no campo de batalha, para trazer toda a sua
força, e nós resolveríamos a guerra entre nós de uma vez por todas.
Ele estava tão desesperado para acabar com o conflito. Essa parte foi
simples.
Seu sorriso desaparece, substituído por uma raiva fria.
— Arrancar você do céu foi mais difícil. Mas tomar seu poder
provou ser impossível.
Minha voz é tão fria quanto a dela.
— Você cortou meu coração.
— Passei anos pesquisando a velha magia, a história de sua
espécie, a natureza de seu poder. Uma vez aterrada, você tomaria a
forma de uma menina, uma transformação desencadeada pelo
contato com a terra sólida. Eu teria momentos para arrancar seu
coração antes que você acordasse e se defendesse. Desde que eu
removesse todo o seu coração, você morreria e seu poder seria meu.
Minha memória me varre. Imatra mergulhou sua faca em meu
peito ao mesmo tempo em que o pai de Nathaniel balançou sua
alabarda em seu pescoço.
Ela errou. Em vez disso, ela cortou um pedacinho do meu
coração.
— O pai de Nathaniel interrompeu você.
Ela ri, um som áspero e condescendente.
— Ele não deveria ter sobrevivido à minha magia negra, ele
deveria ter morrido com os outros quando eu puxei você do céu,
mas eu subestimei o poder da magia de luz que ele possuía. Essa
maldita arma o protegeu! Eu não percebi que ele estava vivo até que
fosse tarde demais. Ele tentou salvá-la e minha lâmina escorregou.
Ela rosna enquanto se aproxima.
— Quando tentei de novo, você estava acordando. Senti falta
do caule no topo do seu coração. Então você viveu, mas com uma
fração do seu poder. Você era uma casca em comparação com quem
você era antes. Quando você acordou completamente, contei uma
história que me deu controle sobre você, e você nunca questionou. —
Sua boca se contorce. — Mas seu coração partido foi inútil para mim.
Todo o meu trabalho, uma vida inteira de planejamento... destruído!
E agora... olhe para você. Brilhante.
— Nathaniel me devolveu parte do meu coração.
Ela me considera com olhos frios.
— Pensei que a primeira fatia tivesse queimado até virar
cinzas. Se eu soubesse que Tobias a roubou quando tentou salvá-la,
eu teria destruído toda Caído procurando por ele.
Abaixo minha arma, permitindo que ela vire para o meu lado
sem ferir seu pássaro-trovão.
— Agora sou obrigada a lutar por você.
Ela não sorri.
— A velha lei obriga todos, não importa quem sejam. Você
pode não ser feérica, mas é minha campeã sob a Lei. Que triste para
você matar Nathaniel.
Não sei quanto da nossa conversa Nathaniel pode ouvir. Treble
permaneceu na mesma posição voando no ar atrás de nós, um pouco
à minha direita. A voz de Imatra é suave e a minha também, mas o
ar está parado e quieto, permitindo que o som de nossas vozes viaje.
— Eu não vou matar por você.
Ela se atreve a estender a mão para mim como se fosse acariciar
minha bochecha, mas faz uma pausa antes de fazer contato.
— Oh, minha querida filha. Você acha que o ama, mas
considere o seguinte: o pai dele roubou um pedaço do seu coração.
Você estava conectada a Nathaniel desde o momento em que ele
segurou seu coração em suas mãos. Você realmente o ama? Ou seu
amor foi roubado, assim como seu coração?
Minha mão aperta em torno de minha arma. Desde o momento
em que Nathaniel saiu da névoa, fui atraída por ele. Sua força, sua
honra, seu coração. Formamos uma conexão mais rápido do que eu
pensava ser possível. Raciocinei que era resultado da Lei dos
Campeões, a promessa do Dragão Vanem de que andaríamos lado a
lado, que comeríamos, dormiríamos e respiraríamos juntos e, ao
final do terceiro dia, conheceríamos o outro melhor do que nós
mesmos nos conhecíamos.
Cada parte do aviso do Dragão se tornou realidade. Nós
experimentamos a vida um do outro em Brilhante e Caído, lutamos
um ao lado do outro, lutamos um pelo outro, sofremos as mesmas
feridas, a mesma dor de cabeça, inspiramos o ar um no outro,
trouxemos um ao outro de volta à beira da morte.
E quanto a conhecer o outro melhor do que a nós mesmos...
Nathaniel descobriu meu verdadeiro poder antes de mim. Ele
reconheceu o que eu era antes de mim, embora eu entenda a magia
da luz, o poder de sua arma, embora suspeite que ele não.
Mas nada disso nos obrigou a amar um ao outro.
Desde o momento em que Nathaniel carregou meu coração ao
lado do dele... algum de nós tinha escolha sobre quem amaríamos?
— Você não vai se recusar a lutar por mim. — Diz Imatra, uma
declaração.
Meu olhar pisca para o lado, para Nathaniel, que espera
silenciosamente em Treble.
Nathaniel é um homem maciço, forte e ameaçador. Um pouco
quebrado agora, mas sua expressão está vazia, o rosto de um rei. Ele
poderia me destruir se quisesse. Ele já fez.
Respiro lentamente e, quando volto para Imatra, uso a máscara
de sua campeã, minhas emoções finalmente escondidas, meu
propósito é tudo o que importa.
— Eu vou lutar por você.— Digo. — Com uma condição.
— Diga.
— Você vai devolver a arma de Nathaniel para ele.
Seus olhos se estreitam.
— Isso não vai protegê-lo do seu poder. — Ela diz, mas ela não
parece completamente certa sobre isso. — A magia antiga é a forma
mais elevada de magia. Sua luz estelar pode derrotar a magia da luz.
Magia negra também.
Eu aceno lentamente. Quando curei a Podridão de Ébano de
Maggie, pensei que estava curando seu corpo — até chamei de "cura"
em minha mente — mas ela não se recuperou até que destruí a
semente da magia negra em seu coração. Eu não a curei. Eu acabei
com a magia negra que tomou conta dela. Foi o mesmo com as
meninas que ajudei. Eu as inundei com minha magia para torná-los
boas novamente.
— Eu posso destruir a magia feérica também. — Digo,
fechando a distância entre Imatra e eu para deixar meu ponto claro.
Eu nunca matei um Feérico. Jurei proteger os feéricos, não machucá-
los. Eu preciso que ela saiba disso agora, eu escolho não machucá-la.
— O rei Cyrian não desistirá de seu reino facilmente. —
Continuo. — Ele vai exigir que a luta seja justa. Se você der a arma a
Nathaniel, Cyrian não terá do que reclamar.
Imatra me considera cuidadosamente.
— Vou conceder seu pedido, mas você deve fazer algo por mim
primeiro. Será uma demonstração de fé. Bem, não é para mim, na
verdade, mas para seus entes queridos. Supondo que você ainda se
importe com Evander e Talsa.
Eu me irrito com a insinuação de que não.
— O que você quer?
— Você deve impedir que o campo de brilho envie mais
lâmpadas.
Arqueio uma sobrancelha para ela.
— O campo de brilho é sua criação. Eu não controlo isso.
Ela ri, um som súbito, quase histérico.
— Por que você acha que fui impedida de cortar a haste do seu
coração, Aura? Por que eu estava tão longe de você quando você
acordou?
Ela continua a rir, o som subindo de tom até irritar minha
audição.
— Você criou o campo de brilho quando acordou e tentou se
defender de mim. — Diz ela. — Eu mal sobrevivi à explosão de
poder que você usou para criar o campo, muito menos aos
fragmentos de brilho que explodiram ao meu redor.
Ela balança a cabeça, como se estivesse tentando se livrar de
suas memórias.
— Nunca imaginei uma retaliação tão horrível. Um campo de
luz estelar cristalina para destruir qualquer um que se aproximasse
de você. Oh, as lágrimas que eu chorei.
Lembro-me de suas lágrimas. Elas se transformaram em
pérolas que se espalharam pelo chão em chamas.
— O que você fez com o resto do meu coração?
— Ele se desfez em cinzas em minhas mãos quando o cortei. —
Diz ela, com os olhos brilhando à minha luz. — Você tem tanto do
seu coração agora quanto jamais terá.
Considero a lâmpada flutuando ao lado de Imatra e todas as
suas bordas quebradas e confusas.
Meu punho dispara, fazendo-a recuar quando pego a arma
brilhante. Eu o puxo para mim e quebro o fio de magia negra que ela
está usando para contê-lo. Meu poder corre ao redor da lâmpada
quebrada, um lampejo brilhante, antes de eu abrir meu punho
novamente.
Imatra dá um passo reflexivo para trás, parando quando vê que
o bulbo se transformou em uma flor descansando na palma da
minha mão. É uma papoula, suas pétalas esmagadas e sangrando
seiva carmesim, assim como as papoulas que Imatra agarrou no
coliseu quando o Dragão Vanem selou a Lei dos Campeões.
— Vou parar o campo de brilho. — Digo, embora não tenha
ideia de como. — E você vai devolver a arma de Nathaniel para ele.
Ela sorri novamente, recuperando sua máscara de controle.
— Acordado.
Me afasto dela, minha arma levantada novamente.
— Não tente prender a mim ou a Nathaniel. Já estamos
enjaulados o suficiente.
O cabelo de Imatra flutua suavemente ao redor de seus ombros
enquanto seu olhar vai do meu rosto para meus punhos cerrados e
minhas roupas vestidas às pressas.
— Entao você será.
Virando, salto de volta para Treble, mas desta vez, me
posiciono com uma lacuna deliberada entre Nathaniel e eu.
— Treble. — Chamo baixinho para o meu pássaro. — Leve-nos
para o campo de brilho perto do local da queimadura, por favor.
Quando os guardas de Imatra empurram seus pássaros-trovão
para perto como se fossem nos impedir de sair, ela levanta as mãos
para detê-los.
— Deixem Aura e Nathaniel partirem. Nós os veremos
novamente em breve.
Treble estala as asas, eu agarro minhas coxas para ficar em suas
costas e nos elevamos acima dos outros pássaros.
À medida que as margens afinam, nos afastamos do Pináculo.
Nathaniel não tenta diminuir a distância entre nós, mas diz: —
Ela está errada. Sempre tivemos uma escolha sobre quem amamos.
Minha garganta se fecha e não consigo responder. Sua
afirmação confirma que ele ouviu tudo o que Imatra e eu dissemos
uma a outra, incluindo a alegação dela de que Nathaniel e eu não
tínhamos voz sobre o que sentíamos um pelo outro.
Minhas emoções estão em pedaços.
Tudo o que espero é que Nathaniel esteja disposto a caminhar
pelo campo de brilho comigo uma última vez.
Capitulo 16
Bulbos de brilho erguem-se no ar à nossa frente enquanto
voamos bem acima da superfície do campo. À nossa esquerda,
explosões ao longo dos picos de cristal indicam que Evander e os
outros continuam a proteger a cidade do poder das lâmpadas.
Nathaniel e eu ficamos quietos durante o voo, sentados
separados.
Peço a Treble que pouse no lado brilhante do campo para que
possamos ter uma visão clara ao nosso redor. O lado Caído é
obscurecido pela Forca Nebulosa e ainda mais escuro à noite.
Caindo no chão, eu abraço o pescoço de Treble.
— Obrigado, meu amigo.
Ele sussurra baixinho quando me viro para Nathaniel e me
endireito.
— Você não tem que me seguir no campo. Não irei tão longe
que você não possa me ver.
— Eu vou com você. — Diz ele.
Eu dou a ele um aceno e estendo minha mão, esperando que
ele a pegue. Estou preparada para a energia crescer entre nós. Ele
desliza sua mão em volta da minha e eu luto contra a necessidade de
puxá-lo para mais perto. A última vez que viajamos por este prado
mortal, estávamos correndo para salvar nossas vidas, tentando
escapar da raiva ardente de Imatra.
A grama nunca me machucou e agora sei por quê.
Assim que entro no campo, os caules pontiagudos amolecem
contra minhas pernas, tornando-se verdes e flexíveis. Uma brisa
sopra pelo espaço e as lâmpadas cantam enquanto batem
suavemente umas nas outras, fazendo um som vibrante.
Arrasto os dedos da minha mão livre pelo topo da grama,
descobrindo-me cantarolando com as lâmpadas enquanto
avançamos no campo. Permito que a luz das estrelas brilhe ao redor
dos meus dedos, quente e calmante, o aspecto do meu poder que
usei para acalmar a mente de Nathaniel esta manhã.
Mesmo que as lâmpadas se transformem de vidro quebradiço
em material macio e vivo sob meus dedos, à distância elas
continuam a subir e flutuar para longe do prado, centenas delas.
Não tenho certeza do que devo fazer para que o campo de
brilho pare de enviar memórias mortais. Se a vingança e a violência
começaram isso, talvez a paz e a aceitação acabem com isso.
Inclinando minha cabeça para trás, considero o céu noturno,
lutando para compreender de onde vim. Se não fosse por Imatra, eu
ainda estaria lá — em algum lugar no éter — uma chama de luz sem
forma, despreocupada com as preocupações dos humanos e dos
feéricos.
No momento em que abaixo a cabeça, meu zumbido morre na
minha garganta.
Três lâmpadas surgiram de repente à nossa frente.
Elas giram no ar, imóveis enquanto eu os considero com
cautela. Espero que elas flutuem como as outras, mas é melhor se eu
as desarmar do que permitir que elas flutuem em direção a
Brilhante, mesmo que eu só possa desarmá-las uma por uma.
No minuto em que meus dedos tocam a primeira lâmpada, um
lampejo de luz escura a preenche. Um choque de energia sobe pelo
meu braço. O contato me derruba no chão como um soco na nuca.
Ao mesmo tempo, meus dedos apertam a lâmpada, incapazes de
soltá-la.
Com um grito, seguro Nathaniel bem a tempo, levando-o
comigo enquanto caio na grama agora macia. Consigo virar o ombro
esquerdo, aterrissando com o braço esquerdo estendido, a lâmpada
presa nele. Nathaniel cai sobre mim, socando o chão com o punho
direito para se impedir de me esmagar e expulsar o ar do meu peito.
Alarme dispara em suas feições.
— Aura!
Soltando minha mão, ele rola para o lado, mas engancha o
braço em volta da minha cintura para manter o contato entre nós.
Busco por ar, sentindo como se meu estômago tivesse sido
arrancado de mim. A lâmpada é de chumbo na minha mão, pesada e
cheia. Luto para levantá-la aos meus olhos, chocada quando as
outras duas caem no meu peito. Cada uma é uma força esmagadora
que bate em mim com tanta força que o ar restante sai do meu peito.
Nathaniel reage rapidamente, enganchando sua perna em volta
da minha para liberar seus braços, erguendo-se sobre mim
ajoelhado, um joelho entre minhas pernas enquanto tenta agarrar as
lâmpadas.
— Não! — Minha voz é rouca enquanto luto para respirar. —
Não toque elas.
Ele paira sobre mim, pronto para atacar.
— Aura?
Respiro fundo quando a pressão no meu peito diminui,
permitindo-me inalar com cuidado.
— As outras lâmpadas vieram para você… para Mathilda… até
mesmo para Imatra. — Aperto meus olhos fechados antes de abri-los
novamente. — Estas devem ser para mim.
Forçando minha mão esquerda a subir até a altura dos olhos,
concentro-me na lâmpada. O chão dentro da lâmpada corre em
minha direção a uma velocidade doentia, mais rápido do que o
mergulho de qualquer pássaro-trovão. Ainda estou alta o suficiente
para ver tudo abaixo de mim.
A terra em que caio está queimada em cinzas, enegrecida e
coberta de corpos humanos. Centenas de cavalos jazem com eles,
vapor latente subindo de seus estômagos silenciosos. Um esquadrão
de pássaros-trovão e feéricos está espalhado, morto, entre os
humanos. Uma mulher feérica com cabelo azul ártico da mesma cor
que o de Evander descansa perto dos pés de Imatra.
Perto dali, o posto avançado ainda está de pé, um prédio alto
de madeira – o lugar onde eu acreditava ter vivido com meus pais
feéricos, onde pensei ter nascido. Só que nunca tive pais. E eu
realmente nasci nas cinzas do local da queima.
Dentro da lâmpada, uma inuação de luz escura envolve Imatra
enquanto ndela suga a energia vital dos corpos caídos ao seu redor.
A magia negra transforma sua pele de porcelana em um tom doentio
de cinza, mas seus olhos são excessivamente brilhantes, uma
expressão de euforia em seu rosto. A energia vital de mil humanos
deve fazê-la se sentir mais poderosa do que nunca.
Atrás dela, um único homem permanece em seu cavalo. Sua
arma, a brilhante alabarda, está em suas mãos como um escudo. A
luz escura de Imatra o envolve em um riacho, arrastando seu corpo.
Seu cabelo castanho-claro voa para trás de seu rosto com o vento
forte, seus músculos tensos enquanto ele cerra os dentes e segura sua
arma, protegendo a si mesmo e a seu cavalo.
— Você vê isso? — Sussurro para Nathaniel.
— Eu vejo isso. A arma de meu pai é um objeto de poder.
— É magia de luz. — Digo, atirando a Nathaniel um olhar
determinado. — Mas não é a arma de seu pai agora, Nathaniel. É
sua. Assim como o trono Caído. Seu.
Antes que ele possa responder, uma sensação de leveza me
preenche, inundando-me da lâmpada e fazendo-me sentir como se
estivesse prestes a levantar do chão. Ao mesmo tempo, o pavor
enche meu estômago. Sinto a energia dentro da lâmpada prestes a
colidir comigo e me derrubar no chão novamente.
Um segundo depois, a energia corre pelo meu braço e meu
corpo cai. A luz branca explode na superfície da lâmpada. Dentro
dela, o posto avançado se desintegra e cacos de madeira em chamas
voam em todas as direções. Chamas e cinzas enchem o ar, deixando
para trás os ossos da construção. O céu ondula como um oceano
feito de luz branca.
Tento me concentrar no centro brilhante da explosão dentro da
lâmpada: eu.
Meu corpo é uma silhueta brilhante, meu cabelo espalhado
pelo meu peito e pelo chão. Meus braços, pernas, torso, cabeça —
todos tomam forma, mas são brilhantes demais para distinguir
qualquer detalhe.
Eu sou a forma de uma menina sem ser uma menina.
Imatra corre em minha direção, deslizando pelas cinzas, sua
adaga erguida, pronta para atingir meu peito.
Ela não vê Tobias correndo atrás dela até que ele aponte a arma
para o pescoço dela.
A lâmpada de repente fica em branco, tornando-se leve dentro
do meu punho, transformando-se em uma videira espinhosa que
pica minhas palmas e me diz que a lâmpada me mostrou tudo o que
continha.
Estendo a mão para a próxima lâmpada, uma das que está no
meu peito, mesmo sabendo o que vou ver dentro dela a seguir. As
memórias do meu sonho são indesejadas, mas tenho que enfrentá-
las.
Quando meus dedos se fecham em torno da próxima lâmpada,
o choque chia através de mim tão fortemente que eu arqueio, a dor
em meu peito quase insuportável.uando
Eu sufoco um soluço q os braços de Nathaniel disparam,
envolvendo sob minhas costas arqueadas e deslizando sob minha
cabeça, me amortecendo segundos antes de minhas costas atingirem
o chão com força suficiente para machucar minhas costelas. Em vez
disso, seus braços absorvem o impacto. Ele cerra os dentes ao sentir
a dor.
Dentro da lâmpada, Imatra crava sua adaga no peito do meu
eu mais jovem. Enquanto ela segura a lâmina com a mão direita, sua
mão esquerda dispara em minha direção ao mesmo tempo. Mas a
alabarda brilha no canto do olho no último momento. Ela se inclina
para o lado, sua lâmina virando muito para a esquerda, enquanto ela
evita o golpe da arma. Ela arranca a mão esquerda do meu peito,
gritando com a lasca de pedra brilhante que cortou antes de estender
a mão para se defender, jogando a pedra nas cinzas.
O sangue espirra pela superfície do bulbo como joias
vermelhas no ar.
Nathaniel está congelado acima de mim, observando a
lâmpada do outro lado enquanto seu pai desvia a luz do fogo que sai
da mão de Imatra.
A luz negra lava o corpo de Imatra, protegendo-a de seu
próprio poder de rebote, mas Tobias já está seguindo, a coronha de
sua arma estalando na bochecha de Imatra, derrubando-a.
Ele enfia a arma no arnês em seu torso e me levanta, seus
movimentos são tão rápidos que não o vejo agarrar a pedra caída.
Ele gira comigo em seus braços. Seu cavalo já está correndo
para encontrá-lo, o animal deslizando para o chão, dobrando as
pernas da mesma forma que Flare dobrou as dele para que
Nathaniel e eu pudéssemos subir. Tobias e seu cavalo se movem em
sincronia, seu tempo é tão perfeito que o cavalo já está subindo com
Tobias em suas costas antes mesmo que eu possa piscar. Ele me
agarra em seus braços enquanto o cavalo pula a galope, vapor
saindo de suas narinas enquanto ele acelera pela paisagem em
chamas, saltando sobre os corpos em seu caminho, desviando de um
pássaro-trovão caído.
Atrás de Tobias, a silhueta de Imatra pisca. Ela desaparece em
uma onda de luz escura. Assim como Mathilda faz quando está se
transportando pelo espaço.
Não.
Imatra reaparece no lombo do cavalo, posicionando-se
perfeitamente atrás de Tobias, o braço da adaga já descendo. Ele se
sacode, se prepara para pular, mas a lâmina afunda em suas costas.
Três vezes em rápida sucessão.
Nathaniel se encolhe acima de mim, observando os eventos na
lâmpada com uma tempestade crescente em seus olhos. No final do
nosso primeiro dia, Nathaniel exigiu que Imatra dissesse a ele se foi
ela quem bateu nas costas de seu pai e o matou. Ela retrucou que
Nathaniel era muito parecido com o pai, que acreditava na verdade
e na bondade.
Seu pai tentou me salvar, então Imatra o matou.
Dentro da lâmpada, os movimentos de Imatra são alimentados
com magia negra, suas facadas cruéis cortando Tobias enquanto ela
grita: — Você não pode ter a magia dela. Eu não vou deixar você
roubá-la!
Eles alcançaram a borda da Forca Nebulosa. Tobias tomba e
cai, e eu caio de seus braços. Minha forma mais jovem rola pela lama
e para embaixo da árvore onde Nathaniel e eu lutamos pela primeira
vez. A sujeira não gruda na minha pele. Eu não me mexo. Eu ainda
não tento me defender.
Ainda não acordei.
Ao longe, Tobias escorrega do cavalo, com o pé preso no
estribo enquanto ele continua galopando para longe de mim.
Dentro da imagem, Imatra se inclina sobre mim, grunhindo
enquanto me pega. Devo ser pesada — mais pesada do que ela
esperava — porque ela quase me deixa cair, meus braços balançando
enquanto ela tenta novamente. A luz escura pisca, a imagem dentro
da lâmpada pisca como se o ar se movesse rápido demais para ser
vista, e Imatra reaparece no meio do local queimado novamente. Ela
me rola no chão, grunhindo com esforço enquanto me posiciona de
costas.
Ela respira pesadamente, me fazendo pensar que sua magia
negra está quase esgotada agora. Não há outras criaturas vivas por
perto para roubar energia, e a grama distante já murchou e morreu.
Com um impulso, ela levanta a adaga acima da cabeça, mas
com muito mais cuidado desta vez.
— Todo o coração. — Ela murmura. — Tem que ser de todo o
coração.
Sua adaga crava em meu peito um segundo antes de ela olhar
diretamente em meus olhos mais jovens.
Finalmente estou acordando.
Ela empalidece. Sua mão mergulha em meu peito, seus
movimentos urgentes. Assim que ela puxa a mão, uma luz branca e
brilhante atinge seu corpo, jogando-a para trás. Ela cai nas cinzas,
caindo de lado e deslizando pela terra, juntando sangue e terra ao
longo do caminho. Gritando, ela puxa um casulo de magia negra em
torno de si bem a tempo, puxando os braços para dentro,
escondendo-se em uma bola protetora.
A onda de magia continua a cair em cascata do meu corpo. A
grama brilhante brota ao redor de Imatra, erguendo-se ao redor dos
corpos caídos, lançando-se através deles, uma vasta ondulação de
luz que se espalha e flui adiante, cortando todos os obstáculos em
seu caminho. Ela estala e zumbe como um raio, uma chama
escaldante de velha magia queimando uma barreira brilhante ao
norte e ao sul de nossa posição.
O som apressado finalmente diminui e o silêncio cai.
Imatra se desenrola. Quando ela vê o quão perto ela se senta da
grama brilhante, ela se afasta dela, chutando as pernas em pânico,
fazendo a grama zumbir perigosamente. Ela diminui a velocidade,
sua respiração errática, desenrolando cuidadosamente o braço
direito ao redor do peito e, finalmente, revelando o objeto que ela
segura em sua mão.
Um diamante brilhante do tamanho de seu punho reflete a luz
da lua nascente.
No presente, prendo a respiração. Ela me disse que meu
coração queimou até as cinzas.
Dentro da lâmpada, a expressão de Imatra é perigosamente
sombria enquanto ela olha atentamente para a pedra, virando-a para
estudar seu lado deformado e irregular, onde falta um pequeno
pedaço.
— Não. — Ela sussurra, lágrimas de raiva caindo pelo rosto. —
Está quebrado. Inútil.
Ela inclina a cabeça para trás, mas antes que ela possa gritar
sua raiva, meu gemido soa.
Imatra rapidamente pressiona o diamante no chão atrás de si,
enterrando-o nas cinzas grossas para que ela possa se concentrar em
meu eu mais jovem.
O brilho ao redor do meu corpo jovem diminuiu,
desaparecendo em nada. Estou coberta de cinzas. Dentro da
imagem, eu me apoio nas mãos, tentando sentar. Meu cabelo branco
e opaco cai sobre meus ombros. Meus olhos desbotados piscam
lentamente enquanto aperto meu peito, a dor intensa que estou
sentindo é evidente em minha expressão tensa.
Isso dói. Ainda me lembro o quanto doeu quando acordei.
Meu peito curou, deixando apenas a pequena cicatriz em forma
de meia-lua, desproporcionalmente pequena em comparação com o
que foi arrancado de mim.
Os olhos de Imatra se arregalam enquanto ela olha para mim.
Acho que ela pensou que cortaria todo o meu coração e que, mesmo
que eu retaliasse, morreria depois. Lágrimas continuam a escorrer
por seu rosto, pérolas perfeitas se espalhando pelo chão ao seu
redor.
Suas características faciais rapidamente se suavizam. Ela
estende as mãos.
— Venha para mim, criança. — Ela diz, sua voz suave e
convincente. — Afaste-se do fogo.
Dentro da imagem, hesito, mas apenas por um momento antes
de rastejar pelas cinzas em direção a ela.
Suas mãos agarradas me puxam contra seu lado.
— Sinto muito, criança. — Ela murmura enquanto acaricia meu
cabelo. Um sorriso lento cruza seu rosto, um sorriso que eu nunca vi
da minha posição encasulada contra seu peito. — Eu não consegui
parar os Caídos. Eles tiraram tudo de você, mas um dia… você vai
tirar tudo deles.
A lâmpada fica em branco. Encaro o vazio dentro dela,
tentando processar o fato de que meu coração não foi destruído.
O que é mais confuso é que há mais uma lâmpada descansando
no meu peito.
A mandíbula de Nathaniel está tensa, seus músculos tensos. Ele
sabe toda a verdade sobre como seu pai morreu agora. Seu olhar
pisca da lâmpada restante para mim.
— Tem mais.
Esmagando a lâmpada que já seguro, olho, exausta, para o orbe
restante.
— Não sei se aguento mais.
Nathaniel alcança meu punho fechado, suas feições
suavizando. Eu permito que ele desenrole meus dedos ao redor da
videira que se formou e coloco minha mão ao lado do bulbo final.
— A verdade nunca é fácil. — Diz ele, uma tempestade de
raiva à espreita por trás de sua expressão que ele rapidamente
esconde de mim.
Esfrego minha testa, as costas da minha mão descansando
sobre meus olhos.
— Ela esfaqueou seu pai pelas costas. Ela matou seu povo. O
que mais ela fez com você? Para mim?
Quero esmagar a última lâmpada, não olhar para ela. Mas até
que eu enfrente meu passado, o campo de brilho não vai descansar.
Não vou descansar.
Com uma expiração constante, pego a lâmpada final. Esta não
me derruba no chão como as outras. Em vez disso, um calafrio
congelante passa por mim como se eu tivesse mergulhado em água
gelada.
Estremeço, respiro e tusso, um som úmido porque minha boca
de repente se enche de líquido.
Ofegando por ar, desesperada para soltar a lâmpada o mais
rápido possível, eu a seguro em meus olhos.
Dentro dela, Imatra fica ao lado do palácio feérico, suas torres
brancas erguendo-se ao fundo. Ela oscila na beira do Lago Giratório,
mas sua superfície é silenciosa, vítrea, nem mesmo uma ondulação.
Com um impulso, ela arremessa uma pedra brilhante em seu
centro, um diamante reluzente do tamanho de seu punho.
Meu coração para.
O diamante cai abaixo da superfície do lago dentro do bulbo.
No momento em que a rocha atinge o fundo, há um baque suave e a
água começa a girar. Ela pulsa no ritmo das batidas do coração até
que o lago gire suavemente ao redor do diamante em seu centro.
No presente, um líquido gelado enche minha boca, me
sufocando. Já senti as garras geladas da água antes — essa sensação
de afogamento — mas nunca imaginei que fosse real.
Nathaniel me agarra, movendo-se para que ele possa me virar
de lado. A água escorre da minha boca, saindo com minha
respiração exalada.
Eu esmago a lâmpada final em meu punho. Está em branca
agora, vazia de memórias novamente, enquanto rapidamente se
transforma em outra videira afiada. Memórias afiadas.
Eu me enrolo na grama macia abaixo de mim, tremendo
violentamente enquanto Nathaniel se curva sobre mim, envolvendo
seus braços em volta de mim para que o calor de seu corpo possa me
aquecer. As fivelas do arnês de sua arma perfuram meu lado, mas
não me importo.
Ele acaricia minhas costas, sua mão correndo sobre meus
ombros, até meus quadris, mas ele está em silêncio.
— Meu coração. — Soluço, rio, choro e tento respirar ao mesmo
tempo. — O diamante no centro do Lago Giratório é meu coração.
Capitulo 17
Há poucos momentos, Imatra me disse que meu coração se
transformou em pó depois que ela o cortou. Mais uma vez, ela
mentiu. A mais escura das estrelas, não posso me surpreender com
isso. Ela nunca vai parar de mentir.
— Ela escondeu meu coração à vista de todos. — Digo, minha
voz vacilando com o choque. — Ela disse a todos que o Lago
Giratório era um monumento à batalha final – à nossa vitória sobre
os humanos. Queridas estrelas… Eu dormi em um quarto com vista
para o diamante nos últimos sete anos e nunca soube o que era.
Nunca senti que me pertencia.
— Precisamos recuperá-lo. — Os olhos de Nathaniel encontram
os meus, os dele determinados, mas balanço a cabeça.
— São necessários cem feéricos do gelo para congelar o Lago
no inverno, e cem feéricos do solstício para descongelá-lo no verão.
Mesmo com o poder que tenho agora, duvido que seja capaz de ir
até onde meu coração repousa no fundo. Mesmo se eu pudesse…
Fecho os olhos, respirando fundo. — A pedra do lago está
quebrada. É o que restou depois que o primeiro fragmento foi
cortado. Nunca pareceu vivo para mim. Não é como a peça que você
carregava com você.
A vida no fragmento que Nathaniel manteve em segurança
todos esses anos era tão imensa que eu tinha medo dela. Nunca me
senti assim em relação ao diamante no Lago Giratório. A ironia não
me escapa de que o maior pedaço do meu coração nunca pareceu
meu, mas a menor lasca parecia ter um universo inteiro preso dentro
dela.
Nathaniel continua a esfregar minhas costas, meus braços. Seu
polegar roça minha bochecha, alisando minhas lágrimas.
— Você se lembra da primeira vez que eu te beijei?
Meu corpo brilha, calor repentino me inundando com a
memória.
— Nunca esquecerei.
Ele continua, sua voz suave.
— Achei que tínhamos feito algo errado, porque a luz das
estrelas atravessava o lago. Derramou através de você em mim. Eu
não sabia por que ou o que pensar.
Eu fico muito quieta.
— Meu coração deve ter tentado se conectar… Se você estivesse
usando a lasca do meu coração naquele momento, então os três
pedaços do meu coração estariam no mesmo lugar pela primeira vez
desde que Imatra tentou me matar, o caule dentro de mim, o corpo
do meu coração no lago e o fragmento que você manteve seguro.
— Eu não te beijei porque me senti compelido a isso. —
Nathaniel tira o cabelo do meu rosto e enxuga o líquido gelado dos
meus lábios. — Fiz porque quis. Porque você é uma mulher linda,
complicada, leal que me surpreende com sua força e sua mente.
Sempre tivemos a escolha de amar um ao outro, Aura.
Fecho meus olhos, incapaz de encontrar os dele.
— Temos escolhas a fazer agora também. — Respiro fundo,
tentando me concentrar enquanto suas mãos passam pelo meu
cabelo. — Imatra mentiu para mim o tempo todo. Eu esperava poder
confiar em sua palavra, mas não posso. Ela prometeu trazer sua
arma para a luta, mas não o fará. Eu sei disso agora. Você precisa da
luz para me matar...
A mandíbula de Nathaniel se contrai, repentinamente furiosa.
— Isso não vai acontecer...
Eu o interrompo.
— Sem essa arma, você não tem chance! Veja quanto poder eu
controlo!
Permito que a luz das estrelas inunde meu corpo, acalmando o
poder que poderia facilmente se tornar agudo e matá-lo.
Nathaniel tenta se desvencilhar dos meus braços, a raiva contra
a qual lutou o dia todo voltando aos seus olhos. Desde o momento
em que acordei amarrada ao poste, ele está bravo, mais imprudente
do que antes.
Ele está lutando contra o futuro, mas não pode vencer.
— Você precisa de sua arma. — Digo, minhas mãos apertando
em torno de seus antebraços. — Temos talvez seis horas até a meia-
noite. Não dá tempo de encontrar a alabarda, mas não vou lutar com
você sem ela. Eu escolho passar minhas últimas horas procurando a
luz. Você também precisa escolher.
Ele fica imóvel, o cabelo caindo sobre o rosto, obscurecendo a
escuridão de sua expressão. Não consigo mais seguir seus
pensamentos, as rápidas mudanças de emoção escondidas atrás de
seu cabelo. Não consigo ler sua raiva ou tristeza ou mesmo saber se
suas emoções se transformaram em pedra.
— Com Treble, podemos voar para qualquer lugar. —
Continuo, sem desistir. — Podemos voar para Brilhante. Podemos
pegar sua arma. Podemos chegar à fronteira à meia-noite. Não
podemos mudar o que vai acontecer…
Lágrimas queimam no fundo dos meus olhos e minha voz fica
engasgada.
— Não podemos mudar isso. — Repito, desta vez um sussurro.
Prendo a respiração enquanto pergunto a ele. — Você vem comigo,
Nathaniel?
Ele me perguntou isso muitas vezes, me pediu para ir com ele,
para confiar nele. Agora estou pedindo a ele que confie em mim.
Seu peito sobe e desce. Seu joelho ainda descansa entre as
minhas pernas. Suas tentativas de se desvencilhar de mim me
deixaram meio sentada enquanto ele puxa para trás para que
possamos nos equilibrar um contra o outro.
Expiro meu alívio quando ele diz. — Eu vou.
Ele avança em vez de se esforçar contra mim, deslizando os
braços em volta da minha cintura e ombros, mas mantendo-se
afastado de mim enquanto me puxa para cima.
A luz dentro do meu peito pisca, dói, quando nos levantamos.
Inspiro profundamente quando finalmente vejo o campo ao
nosso redor.
As hastes de brilho se transformaram.
Em todas as direções, a grama macia na altura da cintura
balança com a brisa.
Os bulbos que já estavam flutuando tornaram-se flores de
todos os tipos flutuando silenciosamente em direção a Brilhante.
Minha dor não acabou, mas não preciso mais do campo de brilho
para me proteger.
Deslizo dos braços de Nathaniel, me afastando dele e
finalmente quebrando o contato entre nós.
Nada explode.
O campo está quieto pela primeira vez em quinze anos.
O ar é doce e quente apesar do frio, o cheiro de novo
crescimento misturando-se com o calor do corpo de Nathaniel e
enchendo minha cabeça.
Treble já subiu ao céu da borda do campo onde o deixamos,
relâmpagos crepitando em torno de seu corpo enquanto ele voa em
nossa direção. Suas asas estalam enquanto ele exerce uma nova
liberdade para voar o mais perto que quiser da campina. Este lugar
já foi mortal. Agora ele pousa na grama ao nosso lado e estende a asa
para subirmos, o pescoço arqueado e os olhos brilhando.
Subo em sua asa e me acomodo em suas costas enquanto
Nathaniel me segue. Apesar da distância que estamos começando a
colocar entre nós, os braços de Nathaniel se fecham ao meu redor
enquanto nos sentamos nas costas de Treble.
Ao nosso redor, a noite caiu, uma escuridão pesada enquanto o
espaço ao meu redor brilha. Eu não posso ofuscar a luz que brilha do
meu corpo. Talvez com a prática eu consiga, mas não é o uso mais
importante do meu tempo agora.
Eu só tenho algumas horas restantes.
Planejo usá-las para fazer todas as coisas que eu preciso fazer.
— Treble, você sente o esquadrão acima das montanhas? —
Pergunto, apontando para as manchas à distância. Evander, Talsa e
os outros estarão esperando lá para proteger Brilhante de mais
lâmpadas brilhantes. Eles não saberão que o campo de brilho não é
mais uma ameaça. — Eu preciso que você me leve para Talsa. Ela
sabe onde está a arma de Nathaniel.
A última vez que vi a alabarda, Talsa estava indo embora com
ela. Ela nunca me disse onde a colocou ou o que aconteceu com ela.
Rezo para as estrelas que ela conhece, já que Imatra poderia tê-la
escondido em algum lugar - ou tentado destruí-la. Lamento agora
ter revelado a Imatra o quanto a arma é importante para nós.
Treble se eleva no ar, abrindo um caminho direto para as
montanhas. Eu relaxo nos braços de Nathaniel, roubando seu calor e
proximidade como uma ladra faminta.
Lançando um olhar para a grama escura abaixo de nós, não
consigo dizer onde termina o campo de brilho transformado e
começam os campos de flores, mas conforme nos aproximamos das
montanhas, posso ver onde as lâmpadas de brilho explodiram.
Partes dos picos de cristal foram lascadas, as gemas brilhantes que
eles escondiam agora expostas ao luar. Outras seções foram abertas
pelos bulbos, alargando a passagem pelos picos. Bordas irregulares
se projetam perigosamente de todos os lados.
Treble bate suas asas, mas não as quebra enquanto aceleramos
para cima. Ao mesmo tempo, Cadence desce das nuvens acima,
descendo para nos encontrar. Avisto o cabelo coral de Talsa
enquanto seu pássaro-trovão segue, enquanto Calida, Mia e Serena
se espalham, alertas e em guarda, mantendo o foco no céu ao nosso
redor.
— Aura! — Conforme Evander se aproxima de nós, o vento
diminui e o ar se acalma. Ele está controlando para que possamos
falar sem gritar.
Perto dali, a concentração silenciosa no rosto de Talsa me diz
que ela está se comunicando com todos os pássaros-trovão, pedindo-
lhes que continuem se aproximando enquanto conversamos.
O cabelo azul-ártico de Evander está preso atrás de seu rosto
como de costume, mas seus olhos azul-acinzentados estão opacos e
tensos. Ele nunca pareceu angelical, mas agora, a ponta de raiva em
suas sobrancelhas desenhadas e a linha severa de seus lábios o
fazem parecer selvagemente zangado. Seu olhar passa pelo meu
rosto, meu cabelo e todas as mudanças que devem ser tão
surpreendentes para ele quanto para mim.
Apertando a mão de Nathaniel, subo nas costas de Treble antes
de avaliar a distância até o pássaro de Evander e pular no espaço
entre nós.
Poluso em um raio de luz nas costas de Cadence, logo atrás de
sua sela, mas ainda segura em seu corpo, dobrando meus joelhos
para manter o equilíbrio, enquanto Evander lentamente se levanta
para ficar de pé.
— Aura? — Ele fala meu nome como uma pergunta agora.
Perto dali, Talsa se aproxima, seus lábios rosados entreabertos
em surpresa enquanto ela me estuda.
Eu dou ao meu irmão um meio sorriso.
— Sou eu. Tenho tanto para lhe contar, mas não há tempo...
O ar foge do meu peito quando Evander pisa na sela de
Cadence e me pega em um abraço repentino, seus braços grandes
me envolvendo, o cheiro de geada e gelo me envolvendo.
— Eu estou contente que você esteja bem.
— Eu não sou feérica. — Sussurro, deixando escapar minha
revelação, achando mais fácil falar a verdade do que eu pensei que
seria.
Evander lentamente se afasta, um sorriso puxando o canto de
sua boca severa.
— Eu posso ver isso. — Uma luz de esperança entra em seus
olhos. — Isso significa que você está liberada da Lei dos Campeões?
Balanço minha cabeça. — Receio que não.
Sua esperança desaparece, sua palidez retorna.
— Eu não matei sua mãe. — Digo, agarrando seu braço com
urgência. — Eu não matei os humanos durante a batalha final. Não
tenho tempo para lhe contar tudo, mas preciso que você acredite em
mim.
— Eu acredito.
Sua resposta é tão imediata, tão certa, que meu brilho pisca.
Aquece. Aos poucos vou me familiarizando com as novas sensações
dentro do meu peito. As variações de calor e luz que me dizem se
estou feliz, triste, com medo... ou esperançosa.
Agora, um pouco da tensão deixa meu corpo. Quando vi
Evander pela última vez, Imatra anunciou que eu era a responsável
pela morte de sua mãe. Eu não queria viver minhas últimas horas
com o peso da dor de Evander sobre meus ombros.
— Obrigada, irmão.
Evander muda sua atenção para Nathaniel por um breve
momento, dando-lhe um aceno firme, antes de se virar para mim. —
Não é seguro aqui. O campo de brilho tem enviado lâmpadas o dia
todo e agora o campo ficou escuro. Há magia em ação...
Eu pego o braço dele.
— O campo de brilho acabou. Está seguro agora.
— O que? Como?
Dou a ele um olhar arrependido.
— É outra coisa que eu explicaria se tivesse mais tempo, quero
que saiba que não precisa mais se preocupar em defender Brilhante
contra as lâmpadas, mas também preciso da sua ajuda.
Após um momento de hesitação, Evander muda de foco.
— O que você precisa?
— Na verdade... preciso que Talsa me diga onde está a arma de
Nathaniel.
O pássaro-trovão de Talsa se aproximou de nós durante minha
conversa com Evander, suas asas batendo no mesmo ritmo das de
Cadence, um movimento sincronizado que permite que eles voem
juntos. Todos os três pássaros-trovão parecem estar imersos em uma
conversa silenciosa e estou aliviada por Treble. Os outros pássaros-
trovão o bloquearam antes. Agora, tenho certeza que ele está
contando a eles tudo o que viu no país de Caído, tudo o que
aconteceu. Como Talsa é uma feérica do Crepúsculo que pode se
comunicar com animais, o pássaro-trovão de Talsa poderá transmitir
tudo a ela depois que partirmos.
Talsa fica muito pálida ao considerar meu pedido de
informações sobre a alabarda.
— Aura... não acho uma boa ideia...
Percebo sua relutância em me dar informações, mas não aceito
evasivas. Ela é uma das poucas feéricas em quem eu confiava antes
de Nathaniel entrar na minha vida, especialmente depois que
descobri que ela e Evander decidiram se comprometer um com o
outro. Eu tento suavizar minha voz, mas não consigo evitar o tom
duro dela.
— Não esconda a verdade de mim, Talsa. Cansei de aceitar
mentiras.
Ela pressiona os lábios.
— A arma de Nathaniel está sendo armazenada sob o
Santuário Interno. Eu só sei disso porque... — Seu olhar se volta para
Evander, que de repente fica tenso ao meu lado. — Eu estava
tentando descobrir o que aconteceu com Crispin.
— Crispin? — Minha pergunta é afiada. A última vez que vi
meu pai adotivo foi depois que Nadina o ameaçou em sua casa nas
montanhas ocidentais. Ele e as feéricas da primavera falaram sobre
os meninos na comunidade da montanha que foram autorizados a
morrer de Podridão de Ébano. Quando os homens da comunidade
da montanha se manifestaram, Imatra ameaçou suas casas e suas
vidas.
Agora eu suspeito que Imatra estava drenando os corpos dos
meninos para alimentar sua magia negra, não em pequenas
quantidades coletivas como Cyrian faz, mas de uma forma
concentrada e direcionada que rapidamente matou as crianças que
ela drenou.
— O que Imatra fez com Crispin? — Pergunto.
— A Rainha aprisionou seu pai sob o Santuário Interno. — Diz
Talsa. — Ele desapareceu, mas ninguém sabia onde ele estava. Então
ouvi uma conversa entre Nadina e a Rainha ontem à noite e segui
Nadina até o Santuário. Há um painel oculto na parte de trás,
semelhante ao que fica entre o seu quarto e o da Rainha. A rainha
não ousa matar Crispin antes da luta, caso você ouça e retalie. O
futuro dela está em suas mãos.
A raiva cresce dentro de mim. Eu a reconheço no calor
repentino dentro do meu peito: lampejos agudos e cortantes.
— Ela continua a brincar comigo.
— Nadina me pegou enquanto eu tentava libertar Crispin. —
Diz Talsa, com os ombros curvados. Ela gesticula ao redor do grupo.
— Todos nós falhamos ou desobedecemos à Rainha de uma forma
ou de outra. Então ela nos mandou aqui para morrer protegendo a
fronteira. Agora que a noite caiu... Evander, Calida e Serena vão
enfraquecer. Acho que não teríamos sobrevivido ao próximo lote de
lâmpadas de brilho.
Examino seus rostos enquanto eles deslizam para baixo e se
aproximam de nós. Serena, a ex-campeã, é uma feérica do Solstício
que não conseguiu matar Nathaniel no primeiro dia. Calida, também
uma feérica do Solstício, não conseguiu me derrotar na arena para se
tornar a nova campeã. Isso se somava aos constantes problemas que
sua família estava causando à rainha. Mia é a Capitã da Guarda
Noturna da Rainha, mas ela me contou segredos sobre a Rainha no
baile de comemoração após a Ascensão do Inverno.
Finalmente, volto-me para Evander, sem saber o que ele pode
ter feito para irritar Imatra. A última vez que os vi juntos, Imatra
havia declarado sua intenção de se casar com ele.
— Irmão?
Um pequeno sorriso suaviza a expressão de Evander.
— Eu ajudei a curar seu pássaro-trovão. Uma decisão da qual
não me arrependo nem por um segundo. — Ele dá de ombros. — Eu
também posso ter recusado a oferta de casamento de Imatra.
— Com força. — Talsa dá a Evander um sorriso que brilha em
seus olhos, afastando a aparência de cansaço. Ela e Evander são
muito reservados em sua afeição externa um pelo outro, tendo
escondido isso por muito tempo, mas vejo o amor deles brilhando
nos sorrisos de ambos. — Com um forte tapa de gelo.
Evander sorri.
— O poder de Gelo de Imatra não é tão forte quanto o meu.
— Porque ela nunca teve. — Digo, fazendo os dois se
assustarem. — Ela usa magia negra para fazer parecer que controla
os outros elementos.
— Como? — Evander pergunta.
— Ela aprendeu magia negra quando era menina. Os meninos
que morreram, ela os drenou. E provavelmente muitos mais antes
deles. Eles teriam sido escolhidos estrategicamente entre famílias
que não tinham poder ou status para falar.
Talsa me encara.
— Mas como ela poderia se safar disso?
— Eu estou supondo que algumas demonstrações públicas de
seu poder quando ela era mais jovem. — Digo. — Uma vez que ela
ganhou a reputação de controlar todos os elementos, só seriam
necessários usos de magia cuidadosamente encenados para manter
seu status. Não sei com qual poder ela realmente nasceu.
— Tem que ser o poder do Solstício. — Diz Serena, seu pássaro-
trovão se aproximando. — Fogo é seu poder mais forte, aquele que
ela chama mais rapidamente, e eu posso absorvê-lo em meu corpo
normalmente.
Feéricos da mesma classe não pode ferir uns aos outros. Os
feéricos do Solstício simplesmente absorvem o calor do poder de
lseus irmãos. A luz do fogo foi o poder que Imatra usou
instintivamente contra Tobias em seu momento de pânico no local
da queima, quando ela errou ao cortar meu coração pela primeira
vez.
Perto dali, Calida acena com a cabeça, confirmando seu acordo.
Ela tem olheiras escuras sob os olhos cor de calêndula, como se não
tivesse dormido desde a luta comigo. Sua juba de cabelo loiro escuro
está amarrada em tranças finas e seus ombros caídos. Ela
normalmente estaria se preparando para dormir a essa hora da noite.
Serena pigarreia, subitamente rígida. Ela morde o lábio, a única
traição de seu verdadeiro arrependimento enquanto inclina a cabeça
para mim e para Nathaniel.
— Peço desculpas, Comandante Lucidia, a você e ao Caído por
minhas ações no outro dia.
É impossível dizer "está tudo bem" para alguém que tentou
matar o homem que amo, mas dou a ela um aceno firme e respondo
com a mesma formalidade.
— Seu pedido de desculpas foi aceito, Serena do Solstício.
Seu pássaro-trovão se afasta de nós depois que ela me dá um
aceno agradecido.
Nathaniel permaneceu em silêncio durante a interação, mas
agora ele fala.
— Precisamos libertar seu pai.
E pegar a arma de Nathaniel ao mesmo tempo.
Concordo com a cabeça antes de voltar para Evander.
— Na próxima vez que eu te ver, nosso pai estará livre.
Num impulso, abraço Evander de novo, mas dessa vez ele não
me solta tão facilmente.
— Nós estamos indo com você, Aura. — Diz ele. — Nós vimos
Nadina e a Rainha voando de volta para Brilhante antes de você
chegar. Você vai precisar de nós para executar a interferência. Caso
contrário, você terá que abrir caminho através de toda a Guarda
Noturna de Imatra para chegar ao seu Santuário Interno.
Olho para Nathaniel. Cada vez que cruzamos a fronteira, o jogo
vira contra nós. Agora que estamos indo em direção a Brilhante,
Nathaniel está sujeito à regra de que não pode ferir um feérico. Ele
não poderá me ajudar a lutar contra os guardas de Imatra se houver
uma batalha entre nós.
Saindo do abraço de Evander, salto de volta para Treble,
sentindo Evander ajudar meu movimento manipulando o ar ao meu
redor. Arqueio minha sobrancelha para ele quando minha
aterrissagem é muito mais graciosa do que teria sido de outra forma.
Dando-lhe um sorriso, eu digo: — Ok, então. Mas você vai
precisar acompanhar.
Evander sorri, e sinto uma camada de tensão se formando ao
nosso redor, como se ele e os outros tivessem se livrado de um
conjunto de algemas.
— Felizmentem. — Ele diz, sua voz abafada no crepitar agudo
de um raio enquanto os seis pássaros-trovão se espalham, e nós
voamos em direção a Brilhante.
Capitulo 18
Nossos pássaros-trovão voam pelos campos cobertos de neve
nos limites da cidade de Eteri e sobre os topos dos pomares
brilhantes. O ar úmido da região de Caído está bem longe de nós
agora, e eu estremeço com o frio cortante.
Voamos em silêncio mas sem nos desviarmos do nosso alvo: o
centro da cidade de Eteri, onde o palácio assenta no cume das
montanhas que cortam Brilhante. Ao passarmos pelos pomares,
Evander se vira em seu assento e curva os dedos no ar, um breve
olhar de concentração passando por seu rosto.
Não tenho certeza do que ele está fazendo até que duas maçãs
azul-celeste voam das árvores abaixo de nós e pousam suavemente
no meu colo, carregadas pelo vento. Duas frutas cítricas cor de
pervinca as seguem, junto com o cantil de água de Evander. Agora
que a noite caiu, seu poder ficará mais fraco a cada uso. Preocupa-
me, mas agradeço a alimentação e a hidratação.
Entrego duas frutas de volta para Nathaniel e devoramos a
comida rapidamente antes de beber toda a água com açúcar que
precisamos.
Logo depois, os pássaros-trovão fazem um arco em direção à
plataforma que é sustentada pelas duas torres mais altas do palácio.
A voz de Evander chicoteia de volta para mim enquanto nos
lançamos em direção ao patamar, sua magia levando seu discurso
diretamente para mim.
— Mia vai manter os Guardas Noturnos ocupados. Assim que
estivermos lá dentro, teremos que nos mover rapidamente.
Não tenho certeza se Mia manteve sua posição como capitã da
Guarda Noturna da Rainha e se os guardas aceitarão ou não ordens
dela. O pássaro-trovão de Mia voa à nossa frente, as penas brancas
do pássaro-trovão brilhando no escuro, suas pontas alaranjadas
brilhando como chamas quando ela bate as asas ao pousar na
plataforma.
Quatro Guardas Noturnas correm em sua direção, seus
vestidos índigo balançando em suas pernas. Elas parecem ser as
únicas guardas de plantão. Por agora.
— Mia do Crepúsculo! — A primeira mulher grita, alcançando
a arma escondida em seu quadril esquerdo. — Você deveria estar na
fronteira.
A maneira como ela e as outras três assumem posturas
ofensivas confirma que Mia não é mais a capitã.
Isso não impede Mia.
— Trago novidades para a Rainha. — Ela grita, saltando com
confiança das costas de seu pássaro-trovão e caminhando em direção
as guardas, como se seu status não tivesse mudado.
Não consigo impedir o sorriso que se espalha pelo meu rosto
enquanto Treble sobe na plataforma, pousando com os outros
Pássaros-trovão no amplo espaço.
Mia sempre foi uma especialista em fingir confiança.
No momento em que Treble pousa, Nathaniel desce sua asa,
mas eu dou uma cambalhota nas costas de Treble, pronto para
enfrentar os guardas.
À minha frente, o pássaro-trovão de Mia abre suas lindas asas
para criar um escudo visual entre nós. Quando ela bate as asas
novamente, o relâmpago ruivo brilhante faz parecer que toda a
plataforma está pegando fogo, o que mascara o brilho da minha
pele.
Mesmo assim, os guardas esticam o pescoço, tentando ver por
trás das penas da ave.
Seu movimento distraído é suficiente para Mia pular para
frente, agarrar a primeira mulher pelo pescoço e puxá-la para o chão
enquanto Mia varre as pernas debaixo da próxima mulher. As outras
duas guardas entram na luta, espadas desembainhadas, mas
Evander salta das costas de Cadence, suas mãos estendidas
derramando gelo escorregadio sob seus pés. Não é uma tempestade
de neve como ele poderia produzir durante o dia, mas elas perdem o
equilíbrio e os socos rápidos de Mia as derrubam instantaneamente.
Ela está sobre todas as quatro mulheres inconscientes com um
sorriso arrogante enquanto me aproximo com Nathaniel e os outros
atrás de mim.
— Devíamos matá-las. — Diz Serena, pressionando a bota no
peito da mais próxima. As mechas douradas em seu cabelo cor de
âmbar assumem a luz ardente que o pássaro-trovão de Mia criou.
Balanço a cabeça para ela, mas é um movimento suave. Serena
sempre foi direta, direta sobre suas intenções e seus sentimentos. Ela
me treinou por cinco anos enquanto ainda era a campeã da Rainha, e
eu nunca descobri sua fraqueza. Vencê-la no coliseu exigiu quase
matá-la.
Eu me inclino para as mulheres caídas, focando naquela que já
está se mexendo.
Meu poder parece muito diferente agora. Antes de Nathaniel
me devolver parte do meu coração, eu invocaria meu poder do
fundo do meu peito, às vezes do fundo da minha mente. Agora ele
enche minhas mãos instantaneamente, um poço que ameaça
transbordar se eu não o controlar.
Forço meu poder a se acalmar, a brilhar suavemente em
minhas mãos enquanto pressiono minha palma na testa da mulher.
Seus olhos piscam abertos, arregalados e assustados antes de se
fecharem lentamente novamente.
Ela suspira e a tensão deixa seu corpo.
Faço o mesmo com as outras, movendo-me rapidamente entre
elas.
— Elas não devem acordar por horas. — Digo, levantando-me.
Quando me viro para meus amigos, encontro Evander olhando
para mim com uma expressão ligeiramente vazia. Serena, Calida,
Talsa e Mia também piscam lentamente para mim, cada uma delas
parecendo excessivamente subjugada.
Nathaniel é o único que parece normal e alerta. Seu olhar
encontra o meu por um momento antes de ele inclinar a cabeça em
direção à entrada da terceira torre que leva ao palácio. Ele está certo:
precisamos nos manter em movimento.
— Irmão? — Pergunto p, estendendo a mão para Evander, sem
saber por que ele está tão quieto.
Assim que minha mão se fecha em seu braço, ele se sacode
como se estivesse acordando, provocando o mesmo movimento
entre os outros.
Ele se endireita, respirando fundo e acordando.
— Vamos continuar andando.
Mia pigarreia, permanecendo onde está.
— Eu vou ficar e ficar de guarda sobre essas mulheres. Talsa,
quer se juntar a mim? Podemos vigiar enquanto usamos nosso poder
para manter os Pássaros-trovão calmos. Eles precisam estar prontos
para voar quando Aura retornar.
Talsa concorda rapidamente. Admiro a maneira como ela dá a
Evander um aceno firme, mesmo quando ele lança um olhar
questionador para ela. Ela não precisa dele para protegê-la.
Saímos da plataforma pela porta de pedra e descemos as
escadas. Em uma caminhada constante, normalmente leva dez
minutos, mas fazemos isso em cinco antes de vagarmos pelos
corredores silenciosos em direção ao Santuário Interior. Os
corredores estão um pouco quietos demais, o que deixa meus nervos
à flor da pele.
Nathaniel se aproxima de mim ao longo do caminho.
— Seu poder é muito mais forte agora. Você precisa ter
cuidado ao usá-lo.
Concordo. Ele tem razão. Deixei meus amigos em estado de
estupor quando usei meu poder para acalmar as guardas. Se eu
fizesse isso em um momento em que eles estivessem vulneráveis,
meus amigos poderiam não conseguir se defender.
Reduzimos a velocidade antes de chegarmos à grande sala de
entrada fora do Santuário Interior. O corredor à frente é bem
iluminado, mas há uma alcova sombria antes do canto final onde
podemos nos esconder.
Permaneço atrás de Evander, ficando bem longe do canto para
que meu brilho não nos denuncie. Estendo a mão para Nathaniel,
minha mão descansando em seu ombro para que eu possa manter
contato com seu corpo e saber onde ele está o tempo todo.
— Droga. — Evander sussurra, voltando para as sombras da
alcova. — A entrada está cheia de Guardas Noturnos. A Rainha deve
estar dentro do Santuário Interior. Teremos que passar por ela, assim
como todos os seus guardas, para chegar ao meu pai.
A Guarda Noturna é composta pelas feéricas do Crepúsculo e
Amanhecer. Elas são todas treinadas em combate, ainda mais
habilidosas em batalha do que a Guarda Diurna da Rainha porque a
Guarda Noturna não pode usar os elementos como armas.
Evander se agacha, esfregando a testa em pensamento antes de
Calida se aproximar dele e dar um tapinha em seu ombro.
— Serena e eu podemos cuidar disso. — Diz ela. — Cada um
de nós tem um pequeno reservatório de luz do fogo sobrando. Se
criarmos um incêndio como distração, as guardas evacuarão a
Rainha do Santuário Interno.
— Incendiando a sala? — Evander balança a cabeça. — É muito
perigoso. Não tenho poder suficiente para extinguir as chamas se
elas ficarem fora de controle.
— É um risco real. — Diz Serena, com a testa franzida de
preocupação ao se juntar à discussão. — Mas lutar contra as guardas
também é assim. Acredite em mim, eu adoraria nada mais do que
matar a maioria delas. Mas com um incêndio, elas evacuarão Imatra
e garantirão que ela esteja segura antes de voltarem para nos
prender.
A carranca ameaçadora de Evander se aprofunda.
— Como eu sei que você não vai tentar queimar a própria
gaiola onde meu pai está preso?
Serena estremece como se ele a tivesse esbofeteado.
— Evander do Gelo. — Ela diz severamente. — Você e eu nunca
confiamos ou gostamos um do outro, mas você salvou minha vida
inúmeras vezes acima dos picos de cristal hoje. Minha rainha me
traiu. Ela me pediu para matar por ela em nome da lealdade. Nunca
mais farei o que ela quer. Agora peço que confie em mim. Minha
lealdade está com você. A de Calida também. Não vamos trair você.
Evander lança um rápido olhar para mim, pedindo minha
permissão. Tenho mais motivos para desconfiar tanto de Serena
quanto de Calida do que ele. Isso tudo pode ser um plano para nos
trair. Mas também ouço dor e verdade na voz de Serena. Imatra
pediu a Serena para matar Nathaniel, embora Serena fosse morrer
por causa da Lei dos Campeões. Quando Serena falhou, Imatra a
enviou para a fronteira para lutar contra as lâmpadas brilhantes e
morrer nos picos de cristal.
Eu dou a Evander um aceno de cabeça. No fundo da minha
mente, considero se poderia tentar usar meu poder para passar pelos
guardas, mas correria o risco de afetar Evander, Calida e Serena
também. Também exigiria que Nathaniel se revelasse comigo porque
não posso deixar de vê-lo, ele não poderia ficar escondido na alcova
onde é seguro. Eu não vou correr esse risco.
— Tudo bem então. — Evander sussurra para Serena e Calida.
Assim que recebem sua permissão, as duas mulheres se
levantam, preparando-se para sair das sombras, mas uma comoção
além de nós as faz parar.
Pego a mão de Serena, segurando com força antes que ela possa
se mover.
— Espere. Não saia por aí...
Além de nós, sinto um esquadrão de pássaros-trovão se
aproximando rapidamente, voando diretamente para a lateral do
palácio.
Uma rajada de vento de repente sopra pelo corredor entre nós e
a sala de entrada. Ao mesmo tempo, os ecos de asas quebrando
gritam pelo corredor.
Evander se inclina na esquina antes de voltar para as sombras.
— Imatra acabou de abrir a parede sul. — Diz ele. — Não
consigo ver muito através da sala de entrada, mas há muitos
Pássaros-trovão além dela.
A parede do lado sul do Santuário Interior pode ser aberta
como na noite do Baile. Esse lado do Santuário leva ao Lago
Giratório e depois à cidade que fica além do palácio.
— Um esquadrão acabou de pousar. — Sussurro. — Imatra
deve ter aberto a sala para deixá-los entrar.
É muito incomum para ela fazer isso. Normalmente, todos os
pássaros-trovão pousam na plataforma onde chegamos pela
primeira vez. O fato de terem voado diretamente para ela indica que
ela os esperava.
Um grito se eleva de dentro da sala de entrada e um dos
guardas grita:
— Todas as Guardas Noturnas para seus pássaros-trovão!
Acorde os guardas diurnos. O Rei Caído se aproxima da fronteira!
Devemos defender Brilhante!
Meus olhos se arregalam de surpresa. Ao meu lado, a linha
severa dos lábios de Nathaniel me diz que ele está inquieto com esta
notícia. Deixamos Cyrian e seus caçadores no Fosso esta manhã. Não
deveria me surpreender que Cyrian não tenha passado o dia
esperando a luta final, mas parece imprudente da parte dele se
aproximar da fronteira tão cedo.
Apesar disso, meus primeiros temores são por Talsa e Mia. As
Guardas Noturnas irão diretamente para a plataforma para convocar
seus Pássaros-trovão.
Agarro o braço de Evander.
— Talsa e Mia estão na plataforma. Precisamos avisá-las...
— Eu vou. — Diz Calida, com o rosto cheio de determinação.
— Eu sou uma corredora rápida. Podemos voar com nossos
pássaros-trovão para fora da plataforma e ficar fora de vista até que
os guardas tenham ido embora.
Evandro não hesita.
— Vá! Corra o mais rápido que você conseguir!
Calida desaparece, uma forma ágil movendo-se tão
silenciosamente quanto um fantasma enquanto ela desaparece de
volta pelo caminho que viemos.
Momentos depois, os corredores se enchem de guardas. Elas
estão correndo rápido, mas mesmo assim o brilho ao redor do meu
corpo será um problema. Eu vou nos entregar. Nathaniel parece
sentir meu medo enquanto eu afundo no canto de trás da alcova, seu
olhar passando instantaneamente para o meu.
— Cubra a Aura! — Ele sussurra enquanto fecha a pequena
distância entre nós, me envolve em seus braços, cai de joelhos e
cobre meu corpo com o dele. Acabo em uma bola, meus joelhos no
meu peito e minha cabeça pressionada sob seu queixo.
Um segundo depois, a pressão ao meu redor aumenta quando
Evander e Serena se amontoam em mim, envolvendo seus braços em
torno de Nathaniel e de mim, cobrindo as lacunas ao nosso redor.
De repente, estamos todos nos abraçando, uma situação que
nunca pensei que fosse possível. Feérico abraçando Caído,
protegendo um ao outro.
Todos prendem a respiração.
Pés correm ao longo do corredor além de nós enquanto penso
em pensamentos sombrios, desejando que minha luz se apague e
não nos traia.
O som de pés correndo finalmente desaparece na distância e
então há silêncio.
Um pouco do peso sai de cima de mim quando Evander se
desvencilha do nosso abraço primeiro. Através de um espaço entre
seu corpo e o de Serena, posso ver Evander inclinar a cabeça para
verificar o corredor.
— Eles foram embora.
Evander puxa seu braço, que está preso entre as costas de
Nathaniel e o peito de Serena enquanto ele tenta desajeitadamente se
desvencilhar do nosso abraço.
Serena pisca os olhos rapidamente, lentamente se afastando de
Nathaniel e soltando o braço de Evander.
Seu olhar percorre intensamente o rosto e os ombros de
Nathaniel.
— Queridas estrelas, você cheira bem.
Nathaniel dá a ela um olhar vazio enquanto se endireita,
puxando-me com ele enquanto se levanta em toda a sua altura. Ele
se eleva sobre Serena com um olhar friamente desinteressado.
Ela se sacode, um forte rubor preenchendo suas bochechas
antes de limpar a garganta e se afastar. Ela pode ter mudado sua
lealdade, mas acho que ela não pode lutar contra sua natureza
interior tão facilmente. Feéricos são abertos sobre sua apreciação de
coisas bonitas e Nathaniel é mais do que bonito, ele é ferozmente
poderoso.
Ele também está além de mim agora.
Eu me viro antes que ele possa ver a dor em meus olhos. Tenho
um trabalho a fazer: libertar meu pai e recuperar a arma de
Nathaniel.
— O caminho está livre. — Diz Evander com um olhar severo
para Serena que diz a ela para se comportar. Ela encolhe os ombros
em resposta antes de liderar o caminho para o corredor.
— Vou tentar não queimar nada. — Ela sussurra com uma
piscadela presunçosa enquanto ronda à nossa frente.
Ficamos em alerta quando nos aproximamos da sala de entrada
e entramos no Santuário Interior. Nathaniel acompanha meu passo
cuidadoso, sempre em sintonia com meu ritmo.
O Santuário Interior está vazio. Como suspeitávamos, a parede
sul está aberta e a sala está exposta aos elementos. O ar frio da noite
corre por ela, assobiando pelos corredores distantes.
A fonte no centro da sala está silenciosa e parada. As flores que
normalmente enchem a sala se foram, exceto por algumas rosas
douradas colocadas em uma cesta descartada no chão. Eu costumava
acreditar que a Rainha enchia as flores de seu Santuário Interior com
a essência de seu poder, que quando ela dava uma flor a uma
feérica, ela estava compartilhando seu poder com aqueles que
precisavam de luz em suas vidas. Agora acredito que as flores são
receptáculos de magia negra, como a venenosa rosa violeta que ela
enviou a Crispin, pronta para ser usada se ela precisar delas. Ela
também deu flores para Nadina e Serena para permitir que usassem
a luz do fogo à noite.
Serena se abaixa e pega uma das rosas douradas descartadas.
Um sorriso se espalha em seu rosto. Ela rapidamente prende a rosa
em sua armadura antes de estender as mãos. Chamas explodem em
vida ao redor de seus dedos. Mas sua expressão cai rapidamente
enquanto ela gesticula ao redor da sala.
— A Rainha colheu todas as suas flores esta noite. Cada uma
de suas guardas receberá uma. Elas vão desafiar a noite para usar
seu poder.
Evander suspira.
— Eu não suponho que haja poder de gelo em uma dessas
rosas?
Serena balança a cabeça. Todas as quatro flores descartadas são
douradas.
— Sinto muito, não. Mas vou levar uma para Calida.
Ao longe, um esquadrão de pássaros-trovão, incluindo o
pássaro carmesim da Rainha, voa na direção da fronteira. Enquanto
observamos, outro esquadrão aparece bem acima de nós, seguindo
de perto a rainha. Não será o único. Se ela chamar todos os seus
guardas, então centenas de pássaros-trovão logo se aglomerarão em
direção à fronteira. Cyrian pode ter cem caçadores, mas eles nunca
se igualarão à ferocidade e ao número absoluto das guerreiras
feéricas.
— Precisamos agir rapidamente. — Diz Evander. — As ordens
de Imatra podem mudar a qualquer momento. Não podemos
presumir que estamos limpos.
— Vou ficar aqui em cima e vigiar. — Diz Serena, assumindo
posição na abertura que leva ao Lago Giratório.
— Por aqui.— Evander diz para mim, levando Nathaniel e eu
para a parte de trás do Santuário. Uma vez lá, meu irmão passa as
mãos pela parede, procurando a porta escondida. — Talsa disse que
estava no meio da parede, mas não posso...
— Aqui. — Diz Nathaniel, pressionando a palma da mão em
uma parte da parede com um buquê de rosas pastel pintadas nela.
Ele testa uma seção da parede à sua direita antes de ouvir um clique
e a passagem se abrir.
Evander parece surpreso, mas eu não. Nathaniel identificou a
porta escondida entre meu quarto e o de Imatra antes que eu
dissesse a ele que existia. Pode ser por causa da luz das estrelas que
ele absorveu em seu corpo por todos esses anos ou simplesmente
porque ele é perspicaz.
Evander não perde tempo fazendo perguntas. Ele caminha pelo
corredor escuro situado imediatamente à nossa frente enquanto nós
o seguimos de perto até chegarmos a um lance de escadas. Uma luz
brilha abaixo de nós, mas vem da direita, como se a escada
espiralasse antes de chegar ao fundo.
Evander gesticula baixinho, indicando que vai descer. Eu fico
atrás dele, pegando a mão de Nathaniel, verificando se ele continua
perto de mim. Não importa o que aconteça, preciso garantir que ele
permaneça vivo.
Nossos passos são leves. Silenciosos.
Minha pele se arrepia no momento em que ponho os pés no
degrau mais alto atrás de Evander. Um calafrio gelado me percorre.
Uma queimadura fria.
Meus olhos se arregalam quando reconheço a malícia da magia
negra nos degraus sob meus pés. Está no ar que estou respirando. Eu
olho para Evander, mas ele continua se movendo. Ele não parece
sentir isso.
— Evander, pare!
Meu grito é abafado pela explosão de fogo que atravessa a
escada, atravessando o corpo de meu irmão e derrubando-o.
Capitulo 19
A luz das estrelas explode para fora, liberta de suas restrições,
formando um escudo de luz estelar brilhante que envolve Evander,
eu e Nathaniel. Afastando o fogo, minha magia zumbe como o
campo de brilho, suave onde nos toca, mas afiada em suas bordas.
As chamas gritam para longe de nós, saltando para longe das
bordas do meu poder antes que o fogo assuma a forma de punhais,
centenas deles, que apunhalam minha luz estelar.
Eu me preparo, mas as chamas não perfuram meu escudo. Elas
chiam e morrem, desaparecendo no ar.
Com um gemido, Evander cai na escada. Estendo a mão para
ele, mas Nathaniel já está ao seu lado, segurando meu irmão antes
que ele caia escada abaixo.
— Ele está vivo. — Nathaniel segura os ombros de Evander. —
Sua armadura protegeu seu corpo, mas seu rosto e mãos estão
queimados. — Os lábios de Nathaniel se apertam de preocupação. —
Ele não está em boa forma, Aura.
O escudo da minha magia desaparece quando me ajoelho ao
lado de Evander. Minha magia pisca forte dentro do meu peito
enquanto eu percebo todos os danos em seu rosto.
— Irmão, você pode me ouvir?
Quando ele não responde, coloco minhas palmas no ar em cada
lado de sua cabeça, com cuidado para não fazer contato com sua
pele queimada. Um calor calmante se espalha pelas pontas dos meus
dedos e brilha em suas têmporas. Isso o manterá sem dor por
enquanto.
Lágrimas escorrem pelo meu rosto, mas a raiva aumenta com
elas.
— Essa foi uma armadilha armada para Evander,
desencadeada por seu poder de gelo. Eu senti o frio antes de chegar.
Arrependimento irado me preenche. Eu deveria estar usando
meu poder para nos proteger, desde o momento em que entramos
pela porta. Ainda estou descobrindo a extensão do meu poder, mas
um escudo como o que produzi quando o fogo atingiu teria
protegido Evander.
— Posso carregá-lo escada abaixo. — Diz Nathaniel. — Crispin
pode curar suas queimaduras. Precisamos tirar os dois daqui.
Nathaniel manobra Evander para que meu irmão descanse em
seus ombros antes que Nathaniel se levante novamente. Certifico-me
de que a cabeça de Evander permaneça firme e de que sua pele
queimada não pressione nos ombros de Nathaniel antes de recuar.
Meu irmão não é uma pessoa pequena. De repente, volto para
esta manhã, quando Hagan carregou Nathaniel para as costas de
Treble. O pânico latente toma conta de mim e aperto minha coxa
com tanta força que corro o risco de rasgar o agasalho que estou
usando.
Engulo um soluço repentino, tentando afastar minhas emoções,
despreparada para o quão forte elas são. Usar meu poder parece
aumentar a intensidade de meus sentimentos, fazendo-me sentir
crua, muito menos no controle. Dois dias atrás, quando levei
Nathaniel a Crispin e pedi a ele para curar Nathaniel, Crispin me
disse que a velha magia está repleta de todas as nuances do coração
humano: luz e escuridão, felicidade e tristeza, raiva e amor. Todas
essas coisas passam por mim agora, intensificadas a cada minuto
que me resta de vida.
Eu me apresso os próximos três passos à frente de Nathaniel
para que ele não veja a enxurrada de lágrimas que estou segurando.
— Eu vou proteger vocês dois. — Digo, forçando minha voz a
não vacilar enquanto Nathaniel me segue, seus passos cuidadosos
agora que ele está carregando Evander.
Perto da base da escada, a sala se abre ao nosso redor. É como
pisar nas Paredes Brancas de novo e eu estremeço com as memórias
frias. As paredes e o chão aqui são revestidos com mármore branco
imaculado, exceto que correntes douradas são aparafusadas com
segurança em intervalos ao longo das paredes.
Crispin está algemado no lado oposto da sala, totalmente
alerta, mas amordaçado. Sua camisa está rasgada e seu cabelo
grisalho está chamuscado nas pontas, indicando que ele foi atacado
com a luz do fogo. Seus olhos cinzas se arregalam assim que ele nos
vê. Ele congela no ato de puxar suas restrições. Seu olhar
rapidamente pega Nathaniel carregando Evander e então para em
mim.
Não vi como sou agora, mas sei que não me pareço mais
comigo mesma, não com a filha que ele conheceu. Ele me observa
com uma intensidade assustada, suas sobrancelhas fortes franzidas
em uma carranca perplexa.
Eu li a pergunta em sua mente, a pergunta que me quebrou: O
que ela é?
É impossível falar com ele. Nadina anda de um lado para o
outro na frente dele, vestida com uma armadura de batalha
completa. Ela é a capitã da Guarda Diurna da Rainha, aquela que
ameaçou Crispin em sua casa e atacou Nathaniel acima do campo de
brilho no final do nosso primeiro dia.
Ela está usando outra daquelas malditas rosas douradas.
Ela segura a alabarda de Nathaniel com a mão direita enquanto
anda, mas não é alta o suficiente para segurar a alabarda com
facilidade, apontando a lâmina para baixo de modo que a haste se
estenda paralelamente ao braço dela.
Seus olhos se arregalam quando ela me vê, seu queixo caindo
um pouco antes de se recompor.
Seu lábio superior se curva em desgosto, como se ela me
considerasse desfigurado agora.
— A Rainha disse que você mudou.
— Então ela não estava mentindo. — Digo. — Pela primeira
uma vez.
Nadina nunca foi facilmente intimidada. Pequenas chamas
dançam ao longo da superfície de suas mangas e lambem as pontas
de seus dedos onde ela segura a arma de Nathaniel.
— Ela também disse que você viria atrás de Crispin e, se viesse,
eu deveria matá-la.
Faço uma pausa antes de dar outro passo. Nathaniel para atrás
de mim, ligeiramente à minha esquerda, mas enquanto eu congelo
no lugar, ele segue para o lado da sala. Ele cuidadosamente desliza
Evander para o chão, apoiando-o em uma posição sentada contra a
parede. Nathaniel parece completamente indiferente à ameaça de
Nadina, tomando seu tempo para garantir que Evander permaneça
de pé, a cabeça de meu irmão apoiada contra a parede.
Os movimentos medidos de Nathaniel fazem Nadina se
contorcer, o que só me faz relaxar. Ela não vai gostar que ele a esteja
ignorando.
Uma gota de suor escorre pelo lado de seu rosto, traindo seus
nervos. O tom estridente de sua voz transmite sua confiança
enfraquecida enquanto ela dá um passo em minha direção.
— Eu posso queimar você e sua família até as cinzas, Aura.
Darei a você uma chance de ir embora, mas se não o fizer, começarei
matando seu amado pai.
Ela aponta a alabarda para Crispin, que observa Nadina com
cautela. Seria preciso mais do que algumas mulheres para contê-lo e
trazê-lo aqui, especialmente se os feéricos da primavera tentassem
proteger Crispin. Um leve hematoma na bochecha de Nadina indica
que ela foi ferida durante a captura.
Expiro e inalo uma respiração calmante. Espero que Nathaniel
volte para o meu lado. Seu foco agora está fixado em sua arma, a
lâmina brilhante balançando ao lado de Nadina, onde não pertence.
O olhar dele segue a linha da luz do fogo dela na manga, nas costas
da mão, mas a haste da alabarda não pega fogo, apesar de ser de
madeira.
Parece que a luz repele a magia feérica, assim como vimos nas
memórias da lâmpada de brilho.
É hora de testar se a alabarda também repele a velha magia.
Nathaniel olha para mim, seus músculos tensos um segundo
antes de meu braço direito disparar.
Meu poder brota dentro de mim, uma maré sem fim que estou
segurando. Eu não tenho que chamá-lo. Não há fração de segundo
de espera. É parte do meu corpo, cobrindo-me tão de perto quanto a
minha pele. Ele segue o caminho que eu quero que ele percorra, o
ângulo perfeito com a quantidade perfeita de força.
A luz das estrelas segue em direção a Nadina.
A luz do fogo dela acende um segundo depois do meu poder,
arrastando-se da rosa dourada, preenchendo sua mão livre, correndo
em minha direção em retaliação.
Meu poder atinge exatamente onde eu quero: a lâmina
prateada curva. O impacto é tão repentino e violento que arranca a
arma da mão de Nadina. A lâmina gira no ar e se aloja na parede
atrás dela, longe o suficiente de Crispin para não correr o risco de
machucá-lo e perto o suficiente para que Nathaniel seja capaz de
alcançá-la sem cruzar com Nadina. Ao mesmo tempo, minha luz das
estrelas reflete na lâmina, cortando o ar na frente do peito de
Nadina.
Ela grita, mas não tenta recuperar a arma, focando sua atenção
em mim.
Meu poder inunda o espaço à minha frente quando a luz do
fogo dela me atinge, o fluxo de suas chamas perfurando a superfície
do escudo ao meu redor. Precisando manter sua atenção em mim, eu
caminho em direção a ela, levantando meus braços para derramar a
luz das estrelas através do fluxo de seu poder, cortando-o.
Ela levanta a outra mão, a luz do fogo saindo de ambas as
palmas, derramando-se sobre a minha luz das estrelas como lava,
mas eu apenas acelero o passo.
Um momento depois, eu a alcanço correndo.
Meu punho direito estala para o lado, estalando em sua
bochecha, a luz das estrelas piscando através de sua bochecha com o
impacto. Ao mesmo tempo, agarro seu pulso esquerdo, puxando-o
para cima. A luz das estrelas e do fogo se espalham ao nosso redor
como gotas de água, nossa magia chiando no ar.
Ela tenta me chutar, mas eu giro, sacudindo seu braço para
trás, forçando-a a se inclinar para frente para que eu não quebre seu
membro e pulo para trás quando ela retalia.
Eu poderia acabar com ela, mas eu a libero em vez disso.
Agora estou entre ela e Crispin, um braço estendido, pronta
para liberar meu poder, afastando-a.
Do outro lado, Nathaniel se apoia contra a parede e arranca sua
arma dela. No momento em que ele toca o cabo, um lampejo de luz
sobe por seu braço e atravessa seu peito, queimando o ouro em seu
coração.
A magia que ele tirou de mim brilha contra a magia de luz na
lâmina, uma combinação perigosa que me deixa sem fôlego. Se eu
tivesse um pedaço do meu coração quando o conheci, eu teria visto
então. Mas o que eu teria feito se soubesse tudo o que sei agora?
Finalmente no controle de sua arma novamente, Nathaniel dá
um passo em direção a Crispin, gritando: — Incline-se para a frente!
Crispin obedece imediatamente, esticando suas correntes atrás
de si e fechando os olhos. É um ato de pura confiança. Nathaniel
poderia separar a cabeça de Crispin de seus ombros. Centenas de
anos de guerra entre os feéricos e os Caídos deveriam dizer a Crispin
para não confiar em Nathaniel.
Nathaniel balança a alabarda, cortando com precisão a corrente
que prende o braço direito de Crispin e depois o que segura seu pé
direito. As algemas ao redor do pulso e do tornozelo de Crispin
permanecem no lugar, mas ele está meio livre da parede.
Enquanto Nathaniel balança sua arma novamente, desta vez
mirando nas duas correntes restantes, Nadina exige minha atenção,
atirando a luz do fogo em Nathaniel para detê-lo.
Minha mão dispara e minha luz das estrelas atravessa suas
chamas, desviando o fogo para o chão aos pés de Nadina.
Ela se encolhe e cambaleia para trás, o peito arfando.
— Eu deveria ter desafiado você na Ascensão de Inverno.— Ela
rosna. — Eu teria te matado.
Inclino minha cabeça enquanto a considero. Ela era certamente
aquela com quem eu previ que lutaria. Fiquei surpresa quando
Imatra escolheu Calida, mas descobri que Imatra tinha influência
sobre Calida que garantiria que ela fizesse tudo o que pudesse para
me matar. Nadina, por outro lado, nunca amou ninguém o suficiente
para que a rainha tivesse qualquer influência sobre ela.
Vencer uma luta não é apenas sobre força e habilidade. Trata-se
de conhecer seu oponente, suas fraquezas, criar estratégias para usar
essas fraquezas contra ele. Nadina é orgulhosa e excessivamente
confiante. Ela está acostumada a intimidar aqueles que são
vulneráveis e controlar aqueles que são tão fortes quanto ela. Se eu
atacar seu orgulho, ela continuará focada em mim e não no que está
acontecendo ao nosso redor.
Atrás de mim, Nathaniel libertou Crispin, que corre para o lado
de seu filho, verificando as feridas de Evander. Ele precisa de tempo
para curar Evander, que pretendo dar a ele.
— Por que não descobrimos? — Digo a Nadina. — Só você e
eu. Quem subjuga o outro primeiro.
Ela não pode me matar. Posso vê-la pensando nas
consequências, mas não quero que ela pense muito sobre isso.
Antes que ela possa responder, dou um passo à frente e dou
um tapinha em sua bochecha, bem onde ela já tem um hematoma.
É um movimento deliberadamente provocativo.
Ela suga a respiração com raiva, retaliando com força, seu
punho apontando diretamente para o meu estômago. Eu permito
que ela acerte o soco, agarre meu braço e me gire de forma que meu
braço direito fique enrolado em seu peito. Seu cotovelo esquerdo
estala em meu rosto antes que ela se contorça novamente, ainda
segurando meu braço e me forçando a agachar. Agora estamos de
frente uma para a outra novamente.
Um sorriso cruel se espalha em seu rosto.
— Você não é tão forte.
Puxando-me para cima, seu punho livre estala em meu rosto
antes que ela me solte. Ela não é flexível e ágil como Calida.
Encontrar o punho de Nadina é como cumprimentar um saco de
pedras.
Um líquido quente escorre pela minha bochecha, sangue, mas
Nadina dá um passo rápido para trás enquanto ela se concentra nele,
um olhar de repente assustado em seu rosto. Não tenho tempo de
verificar o líquido para ver o que tanto a surpreendeu.
Ela rapidamente esconde sua expressão, vindo em minha
direção novamente.
Do outro lado, Crispin puxa Evander para um abraço. A cabeça
de Evander cai no ombro de seu pai. Ele ainda está inconsciente, mas
a visão rápida de sua pele me diz que ele está curado.
Nathaniel se agacha e puxa um dos braços de Evander sobre
seu ombro e Crispin se vira para que os dois homens se levantem
com Evander entre eles, carregando-o apoiando um de seus braços
sobre os ombros.
Eu ganhei o tempo que eles precisavam.
Meu pé direito estala em um chute sólido que tira o ar do peito
de Nadina, seu próprio impulso aumentando a força do golpe. Eu
continuo com dois socos ferozes antes de pular, derrubando-a no
chão de mármore duro. Ela grita, não esperando toda a força dos
meus punhos desde que fui fácil com ela antes.
Meu joelho pousa em seu peito, prendendo-a enquanto meu
poder chia em minhas mãos, minha palma pairando sobre seu rosto
e lançando a luz das estrelas em seus olhos assustados.
— Acabou, Nadina. — Digo. — Apenas a luta entre Nathaniel e
eu determinará o destino dos feéricos agora.
Ela rosna para mim.
— Você nunca mereceu a atenção de Imatra.
— Os jogos dela, você quer dizer. — Digo. — Ela brinca com
todo mundo, Nadina. Você simplesmente não sabe até que a corda
que ela colocou em volta de sua garganta aperta com tanta força que
você não consegue mais respirar.
A luz do fogo pisca nos olhos de Nadina, queimando seu peito
e braços, mas minha luz das estrelas pressiona contra ela. Dois dias
atrás, eu disse a Serena que não é meu trabalho matar meu pessoal,
mas agora não tenho certeza de quem é meu pessoal. Os feéricos... os
Caídos... os Lucidia...
Tão perto da rosa dourada presa em seu peito, posso ver que a
maioria de suas pétalas ficou preta. Ela usou quase toda a malícia da
flor. Ela pode ter apenas um ataque sólido de luz do fogo sobrando.
— Estamos saindo daqui. — Digo a ela. — Se você valoriza sua
vida, nos deixará partir.
Ela estica a cabeça para cima, seu discurso venenoso.
— Eu vou matar sua família. Eu vou matar todos que te amam.
Eu vou matar...
Meu poder brilha em seu rosto e seus olhos ficam
instantaneamente vazios. Dormindo. Sua cabeça cai no chão, mas eu
a seguro antes que seu crânio se parta na superfície dura. Tenho que
acreditar que há esperança para ela, assim como havia esperança
para Serena, que tentou matar Nathaniel porque acreditava estar
fazendo a coisa certa.
Mas com Nadina... Balanço a cabeça, incerta, enquanto me
levanto, deixando-a onde está.
Nathaniel e Crispin esperam por mim no final da escada.
Nathaniel segura sua alabarda com segurança, lâmina para baixo, do
outro lado. Crispin é o mais próximo de mim e eu posso apenas ver
o rosto sereno de Evander onde ele descansa entre eles. Ele está
dormindo pacificamente agora.
Crispin estende a mão para mim, sua inquietação anterior
escondida. Quando cheguei, ele olhou para mim como se não me
conhecesse, mas agora ele me dá um sorriso que suaviza suas feições
duras.
Ele murmura: — Aqui está diante de mim uma mulher que é
tão brilhante e corajosa quanto sempre deveria ser. Você é você
agora, Aura.
Lágrimas repentinas queimam no fundo dos meus olhos.
Crispin nunca foi de discursos. Ele tem sido uma presença constante,
mas estóica em minha vida.
Pego sua mão, precisando dizer a ele o quanto sou grata por ele
ter me criado, por ter me acolhido quando ninguém mais o faria.
Um lampejo de luz escura atravessa minha visão.
Olho de volta para Nadina a tempo de vê-la se levantar e jogar
a adaga líquida que ela acabou de arrancar de seu quadril no coração
de Crispin.
Capitulo 20
Espero parar a lâmina, minhas mãos disparam, lançando a luz
das estrelas no espaço entre Crispin e a adaga, mas já é tarde demais.
— Não! — Meu grito ecoa ao nosso redor enquanto a lâmina
bate em seu ombro.
O impacto joga Crispin de volta em Evander enquanto
Nathaniel tenta agarrá-los para impedi-los de cair. Corro em direção
a eles, segurando Crispin enquanto Nathaniel pega Evander antes
que ele caia no chão.
— Crispin! — Grito.
Os olhos de meu pai estão abertos, seu rosto cheio de dor, mas
seus olhos cinzentos também são duros e destemidos. Mais furioso
do que eu já o vi.
A risada alegre de Nadina chega até mim de onde ela está
agachada no chão atrás de nós, o braço da adaga ainda estendido. As
pétalas de sua rosa dourada estão agora murchas e negras. O último
surto de magia negra deve ter permitido que ela acordasse enquanto
lhe dava uma explosão de energia.
— Eu te avisei, Aura. — Diz ela.
Eu me viro para Crispin. Estamos todos emaranhados agora.
Crispin está preso em meus braços enquanto se apoia parcialmente
em Evander, que está sendo mantido ereto por Nathaniel.
Crispin agarra meu braço. Um aperto mais forte do que eu
esperava.
Meu olhar dispara para a adaga.
Está alojada na parte carnuda do ombro. Não seu coração.
Soluço de alívio e começo a falar. Quero dizer a ele que posso
remover a adaga, cauterizar o ferimento, que ele ficará bem. Ele tem
que estar bem.
— Silêncio. — Ele rosna enquanto enxuga a mão nas lágrimas
que escorrem pelo meu rosto. — Você já me protegeu o suficiente.
Ele se levanta, colocando-me de lado enquanto manobra para
se levantar, a adaga ainda cravada em seu ombro.
A risada de Nadina desaparece quando Crispin dá um passo
determinado em direção a ela, testando seu equilíbrio antes de dar
outro passo até que ele esteja se movendo em velocidade em direção
a ela, mais rápido do que ela jamais esperaria.
Ela grita. Empalidece. Começa a correr para trás. Ela tenta se
levantar, mas Crispin a alcança, agarra seus ombros e a puxa para
cima.
Suas mãos disparam como se ela estivesse prestes a usar seu
poder, mas as chamas não aparecem. Ela usou toda a magia
armazenada. A flor está morta.
Em vez disso, suas mãos se fecham em punhos. Um após o
outro, seus socos atingem o rosto e o peito de Crispin, fortes
triturações que ele ignora, absorvendo seus golpes. Ele passou a vida
com os feéricos da primavera, cortando madeira, transportando
madeira, uma vida que endurece o coração e também a pele.
— Isto é para os meninos que você matou.
Segurando-a com uma mão, ele arranca a adaga de seu ombro.
Ela bate na mão dele onde ele a segura, chuta suas pernas, grita para
ele soltá-la.
Ele enfia a adaga em sua garganta.
Seus olhos se arregalam, mas ele a empurra para longe de si,
arrancando a adaga. Ela cai no chão de mármore branco, de costas
para nós, finalmente ficando imóvel.
O braço da adaga de Crispin cai para o lado. Ele permanece
exatamente onde está, mas seus braços começam a tremer.
Ainda estou ajoelhada no chão, estendendo a mão
instintivamente para Nathaniel, encontrando sua mão na minha.
— Vá. — Ele sussurra. — Eu tenho Evander.
Levantando-me, dou passos silenciosos em direção a Crispin. O
tremor em seu corpo me diz que o choque pode ocorrer em breve.
Ele nunca matou antes e está perdendo sangue por causa do
ferimento no ombro.
Ele mal olha para mim quando chego ao nível dele.
— Nunca pensei que veria um dia como este. — Diz ele. —
Quando eu matava um feérico enquanto um Caído me ajudava a
escapar. Preso por meu próprio povo, libertado por meu inimigo. E
você, Aura… — Ele finalmente vira seu olhar para o meu. — Que
verdade brilhante queima em seu coração agora?
Eu não posso nem começar a responder a essa pergunta. Me
ocupo em torno dele, estendendo a mão para colocar minhas mãos
em cada lado do ombro ferido de Crispin.
— Vou cauterizar sua ferida agora.
— Não há necessidade. — Diz ele. — Eu posso me curar. —
Apesar de sua afirmação, ele coloca sua mão livre sobre a minha
onde eu a pressionei em seu ferimento. O poder de cura em sua
palma me aquece antes de atingir seu ombro. Fecho meus olhos por
um momento, absorvendo isso, precisando disso para ajudar com a
dor dentro do meu próprio peito.
Quando ele termina, Crispin coloca a adaga no chão para que
ele possa segurar meus ombros com as duas mãos.
— Vou te perder hoje, Aura?
Engulo minha tristeza, forçando-me a encontrar seus olhos.
— Eu não posso responder a isso. — Sussurro. — Mas eu quero
que você saiba que estou feliz que você me criou. Você é meu pai.
Lágrimas nadam nos olhos de Crispin, mas eu me apresso.
— Venha agora. Não temos muito tempo. Evander precisa de
você.
Do outro lado da sala, Evander está começando a se mexer,
sentando-se devagar e depois mais rápido. Ele semicerra os olhos
para nós.
— Pai?
— Estou aqui, filho.
Crispin corre para o lado de Evander, ajudando-o a ficar de pé
enquanto Nathaniel se retira, permanecendo afastado deles
enquanto sobem as escadas.
Aperto minhas mãos juntas, meu próprio choque começando a
aparecer antes de me mover para o lado de Nathaniel.
Estendo a mão e fecho minha mão sobre a dele, onde ele segura
sua arma. Minha mão menor não vai muito além das costas de seus
dedos, mas pressiono por um momento antes de soltá-lo.
— Obrigada por ajudar meu irmão.
Ele me dá um aceno rápido antes de seguirmos Crispin e
Evander em silêncio, encontrando Serena no Santuário Interior.
Ela corre para frente, mas Evander acena para ela ir embora.
— Estou bem. Quero que você leve Crispin, Talsa e Mia de
volta para as montanhas, onde eles estarão seguros.
Ela acena com a cabeça, mas Crispin faz cara feia para o filho.
— Onde você estará?
— Não vou deixar Aura lutar sozinha. Eu irei para a fronteira
com ela.
Crispin franze a testa para Evander por mais um momento. Eu
li uma resposta pesada em seus lábios antes que ele de repente
capitulasse, exalando suavemente.
— Está bem então. Faremos o que tivermos de fazer.
Os olhos de meu pai encontram os meus por um momento
antes de ele se virar com Serena e eles desaparecerem pela porta
distante.
Evander se vira para mim.
— Diga-me o que você precisa, Aura.
Não há nada que ele possa fazer. O céu além do Santuário
Interior está claro, a lua alta. Temos apenas duas horas até a meia-
noite, uma das quais terá que ser passada voando até a fronteira.
Nathaniel e eu temos duas horas antes de lutarmos.
Um de nós tem apenas algumas horas de vida.
Antes que eu possa falar, Nathaniel se aproxima de Evander.
— Nós precisamos de comida. Tudo o que você pode
encontrar. Por favor, traga-a de volta aqui e fique de vigia enquanto
subimos para encontrar roupas novas. Aura precisa de sua
armadura e um velo para mantê-la aquecida. Não permitirei que
minha esposa congele antes de lutar contra mim.
— Esposa? — Evander estremece, seus olhos se arregalando.
— Sim. — Diz Nathaniel, um desafio entrando em seus olhos
quando ele retribui o olhar chocado de Evander.
Me viro para Nathaniel, interrompendo a conversa. Meus
dedos se enrolam em torno de seu braço, sentindo a tensão inegável
em seu corpo.
— Você não tem armadura. Não vou lutar na minha se você
não tiver a sua...
— Aura. — Nathaniel segura minha mão. — Cyrian chegou à
fronteira. Ele não quer que eu perca. Ele deve ter trazido todas as
armas que puder para garantir minha vitória, incluindo a armadura
de meu pai. Estrelas negras, ele provavelmente me daria sua própria
armadura se achasse que ajudaria.
Procuro os olhos de Nathaniel, me perguntando sobre a
probabilidade de sua teoria. Cyrian pode odiar Nathaniel, mas seu
futuro está nas mãos de Nathaniel e no resultado desta batalha. Eu
tenho que considerar que Nathaniel pode estar certo. Sempre posso
trocar minha armadura se ele não estiver com a dele.
— Muito bem..
Voltando-me para Evander, encontro-o desaparecendo pela
porta distante.
— Volto com a comida. — Diz ele. — Tão rápido quanto eu
posso.
Nathaniel não espera a volta de Evander. Ele parte
imediatamente para a escada no lado direito do Santuário Interior.
Osigo até a Torre da Rainha, onde fica meu quarto. No caminho,
passamos pelo quartel da guarda nos dois andares inferiores, ambos
vazios agora, e subimos para o andar superior.
Ele continua ao longo do corredor amplo e decorado, passando
pelo quarto opulento onde ficou em nosso primeiro dia antes de
parar do lado de fora do meu quarto.
Esqueci como meu quarto parece simples, tão pequeno com
nada além da cama, armário, cômoda e um espelho, tudo cinza. Eu
esperava que fosse destruído, pois Imatra havia se enfurecido
através dele, rasgando minhas roupas e destruindo meus móveis,
mas parece intocado. A única diferença é que a venenosa rosa violeta
que ela me deu está em cima da cômoda. Deixei no quarto de
Nathaniel, mas acho que ela não iria querer lá caso alguém tocasse.
— Parece tão vazio — Murmuro enquanto coloco os pés dentro
do meu quarto, aventurando-me em direção à janela aberta para
olhar as luzes brilhantes da cidade.
Nathaniel fecha a porta atrás de mim, sua mão descansando na
maçaneta da porta, seus ombros curvados antes de apoiar sua
alabarda contra a parte de trás da porta. Ele me surpreende ao
desenganchar o espelho da parede e trazê-lo para mim.
— Você deveria ver como está agora — Ele diz, dando um
passo para trás e mantendo distância assim que pego o espelho dele.
O espelho se inclina para longe de mim, refletindo a luz da lua
no parapeito da janela. Levarei apenas um pequeno movimento para
eu olhar para ele, mas minha aparência não mudará nada. Não
preciso me ver para saber o que Nathaniel pensa de mim. Ele me
achava bonita quando meu cabelo era branco opaco, meus olhos
pálidos, meus lábios sem cor, quando eu me considerava nada mais
do que um escudo para proteger minha rainha ou uma arma para ela
empunhar. Quando todos os outros feéricos e humanos que conheci
pensavam, e às vezes expressavam muito publicamente, que eu era
feia, Nathaniel via mais.
Não tenho certeza de como dizer a ele que sua opinião é mais
importante para mim do que qualquer outra pessoa pensa.
Viro o espelho e o coloco virado para baixo na cama. Então eu
me viro e cruzo a distância até ele para deslizar meus braços ao
redor de seu peito, ignorando a mordida de seu arnês de arma.
Inclino minha cabeça para descansar meu ouvido contra seu coração
enquanto os cabos de suas adagas pressionam meu peito. Ele fica
tenso antes de relaxar dentro do círculo dos meus braços.
Eu o mantive à distância nas últimas horas, mas não posso
continuar a afastá-lo sem um último toque, não importa o quão
doloroso seja expor minha tristeza agora. Não importa o quanto eu
queira gritar com o passar dos minutos.
Suas mãos se enroscam no meu cabelo. Ele pressiona um beijo
no topo da minha cabeça antes de se afastar de mim, vira-se
silenciosamente para o meu armário e abre as portas do armário.
Várias armaduras estão penduradas dentro dele, todas índigo.
Ele pega uma e me entrega. Pego antes de me inclinar ao redor
dele, me abaixando para pegar a pele que enrolei e deixei no fundo
do meu armário em nosso primeiro dia. É a pele que ele usava
quando o conheci, pelo cinza-carvão preso no topo por uma corrente
dourada. A pelagem de um lobo alfa.
Nathaniel aceita, mas não coloca.
Ficamos olhando um para o outro por um momento, os
segundos silenciosos passando.
Fecho meus olhos, tomando cada inspiração como se fosse a
última enquanto tiro minha roupa humana. De alguma forma, nunca
me senti tão nua quando o agasalho bege caiu no chão, seguido por
minha calcinha. Parece que estou removendo tudo o que aconteceu
desde que conheci Nathaniel e apagando tudo.
Pegando roupas íntimas limpas, eu as carrego comigo para o
banheiro. Nathaniel coloca a pele na minha cama antes que eu possa
sair de vista. Ele se move para ficar na porta do banheiro, olhando
para o teto enquanto eu uso o banheiro e me lavo. Depois de vestir
minha calcinha limpa, troco de lugar com ele e me fixo no chão
enquanto ele também usa o banheiro e se lava.
Quando ele volta para o meu lado, começo a vestir minha
armadura e minhas botas. A roupa se encaixa perfeitamente,
projetada para mim. Termino de fechar o fecho final, inalando os
cheiros do meu quarto e das minhas roupas. Lembrando minha vida
como campeã da Rainha.
De repente, o ato de se vestir parece final. O abraço que dei em
Nathaniel e o beijo que ele deu em minha cabeça foram os últimos
atos de carinho entre nós.
Ele puxa meu velo branco como a neve do meu armário, aquele
que usei na minha luta com Calida, e o entrega para mim. Ele se
acomoda em volta dos meus ombros, mais leve do que a pele que
usei em Caído.
— Você é a guerreira de Imatra agora. — Diz Nathaniel
enquanto puxa sua pele. Ele joga seus ombros largos para trás,
permitindo que o pelo caia sobre seu corpo. Mechas de seu cabelo
caem em um lado de seu rosto, roçando suas bochechas e o
crescimento que sombreia sua mandíbula. Seus lábios carnudos se
desenham em uma linha impiedosa, a mesma determinação
preenchendo sua expressão no momento em que o vi pela primeira
vez.
Inclino a cabeça, como se estivéssemos nos encontrando pela
primeira vez.
— Eu não sou mais sua esposa.
Ele concorda.
— Minha esposa está em meu coração. Ela está segura lá.
— Meu marido está em minhas memórias. — Digo, dando um
passo para longe dele. — Enquanto eu viver.
Passo em direção à porta, o ar de repente sufocando na minha
garganta enquanto eu reprimo a finalidade de nossa descida escada
abaixo.

Capitulo 21
Quando chegamos ao Santuário Interior, Evander espera com
um prato cheio de comida. Nathaniel e eu pegamos o que
precisamos e nos separamos, movendo-nos para ficar o mais longe
possível.
Evander lança olhares preocupados para cada um de nós antes
de sua expressão se transformar em resignação. Ele não sabe a
extensão do vínculo que Nathaniel e eu formamos, mas vai entender
que precisamos nos distanciar um do outro agora.
Ele se aproxima de mim silenciosamente.
— Aura, trazer comida para você parece trivial. O que mais
posso fazer para ajudá-la?
Ele não me fez a pergunta dolorosa que Crispin fez, se eu
pretendo estar vivo depois do amanhecer, e estou feliz.
Não posso contar a verdade ao meu irmão.
Olho para Nathaniel, a maneira como ele estuda o horizonte
além de nós, a cidade brilhante e as estrelas acima dela. Eu me
pergunto por um momento se ele está procurando por meu povo no
éter, a dançarina Lucidia que não tem motivos para temer ou se
importar com o que acontece com as feéricos ou Caídos.
— Nathaniel não pode mais montar Treble comigo. — Digo. —
Eu não posso deixá-lo mais perto de mim do que ele tem que estar.
Será que algum dos outros pássaros-trovão o aceitará como
cavaleiro?
Evander inclina a cabeça pensativo.
— Pássaros-trovão escolhem seus cavaleiros, Aura, você sabe
disso. — Ele pressiona a mão no meu ombro. — Mas ele pode ir
comigo.
— Obrigada.
Termino minha comida antes de dar um passo em direção ao
lado aberto do Santuário, verificando se Nathaniel também terminou
de comer antes de sair e obrigá-lo a me seguir. Ele imediatamente dá
um passo à frente, seu olhar escuro piscando para mim.
Ele sabe para onde estou indo.
Não consigo recuperar meu coração, mas quero vê-lo, sabendo
pela primeira vez o que ele realmente é. Atravessando a plataforma,
desço a ampla escadaria de mármore, contando os cinquenta
degraus necessários para chegar ao Lago Giratório no fundo dela.
Paro na borda, de repente incapaz de pisar na superfície
congelada. Eu fecho meus olhos, precisando de um momento,
apenas um momento para tentar respirar e acalmar as oscilações
dentro do meu peito.
A cidade está quieta à distância. Uma calma pesada repousa
sobre ela. O luar brilhante brilha através do lago enquanto os
salgueiros chorões ao seu lado balançam silenciosamente na brisa.
Evander para ao meu lado, uma presença silenciosa.
— Imatra ordenou que todos ficassem em casa esta noite. —
Diz ele. — Alguns feéricos estão com medo, mas a maioria acredita
que você não vai falhar com eles.
— Farei o que é certo para os feéricos..
Evander me lança um olhar pensativo, porque minha resposta
foi ambígua.
— O que você acredita que é certo para nós, Aura?
— Nathaniel é sua única chance de paz. — Digo, encontrando
os olhos de Evander.
Sinto Nathaniel se aproximar atrás de nós, mas se ele me ouviu,
não demonstrou. Ao contrário de mim, ele não para na beira do lago,
avança direto para ele, uma figura imensa, sua alabarda balançando
suavemente ao lado e sua pele batendo na parte de trás de suas
botas.
Ele caminha diretamente para o centro do lago antes de parar e
examinar sua superfície, sua expressão assumindo uma intensidade
que me deixa cautelosa. Ele se moveu com propósito, como se
tivesse um plano, mas não tenho certeza do que ele pretendia fazer.
Ele chama minha atenção. Seus lábios puxam para cima em um
meio-sorriso perigoso. O olhar determinado em seu rosto faz meu
coração parar de bater.
O que ele está prestes a...?
Com um rugido, ele se levanta, sua alabarda agarrada em
ambos os punhos antes de cair sobre um joelho, jogando a alabarda
na superfície do lago.
Explosões mágicas de luz atravessam a água congelada em
todas as direções, derrubando Evander e eu no chão e nos
empurrando contra os degraus de mármore. Nossa armadura nos
protege do impacto esmagador de ossos, mas não é o perigo para
mim que me preocupa.
Avanço a tempo de ver uma rachadura gigante se formar no
gelo, espalhando-se em ambas as direções a partir da posição de
Nathaniel. O grito ensurdecedor de gelo quebrando se funde com o
zumbido reverberante da magia de luz, fazendo com que vibrações
de poder disparem através de mim.
No centro do lago, o gelo se abre sob os pés de Nathaniel.
Ele desaparece de vista tão silenciosamente que interrompe a
luz dentro do meu peito.
Eu não posso vê-lo. Eu preciso vê-lo.
— Nathaniel! — Meu corpo e minha alma me puxam para ele.
Corro, escorregando na superfície congelada, derrapando,
forçando minhas pernas a se moverem. Minha respiração fria entra e
sai do meu peito, arranhando minha garganta. Eu deslizo o último
metro e meio, atingindo a borda do gelo e me inclinando sobre ele,
mal conseguindo me segurar.
Uma inundação rasa de água corre ao redor do fundo do
abismo congelado, girando como sempre, enquanto as paredes do
vale se erguem, irregulares em ambos os lados, com pelo menos dez
metros de profundidade.
Nathaniel está no meio do abismo. Eu procuro por sinais de
ferimentos, mas seus ombros estão puxados para trás, a cabeça e o
tronco eretos. Sua arma está alojada na parede de gelo do lado
direito, no fundo de um longo corte que desce todo o caminho, como
se ele mergulhasse a lâmina no gelo para retardar sua queda e
pousar com segurança.
Ele olha para mim.
Sua mão se levanta.
Meu coração de diamante brilha dentro de seu punho.
Todos os sons morrem na minha garganta. Mesmo desta altura,
seu olhar escuro pode queimar através de mim.
Sem hesitar, ele remove as adagas da frente de seu arnês,
inclina-se para a água a seus pés e enfia as lâminas uma após a outra
no fundo do lago. Elas formam um círculo exatamente onde imagino
que meu coração costumava descansar.
Em seguida, ele desafivela o cinto sob a pele e reposiciona as
tiras para que enrolem o diamante antes de prender a pedra no
peito. Arrancando sua alabarda da parede de gelo atrás dele, ele leva
um momento para considerar o gelo do lado em que estou deitada
antes de virar a arma. Ele bate o lado da adaga da alabarda contra a
parede de gelo. Usando a estaca, ele abre um buraco raso antes de
criar outro à direita, espaçado e mais alto que o primeiro.
Ele puxa o braço para trás antes de mergulhar o lado da adaga
da alabarda o mais alto que pode. Então ele começa a escalar,
esculpindo meticulosamente novos apoios para os pés, mergulhando
sua arma no gelo e voltando à superfície, um passo de cada vez.
Finalmente, ele está dentro da distância de alcance.
Agarro suas mãos, ajudando-o a subir à superfície, seu corpo
dolorosamente perto do meu enquanto deitamos na superfície, a
pressão de seus braços ao meu redor é terrivelmente desejada.
Rolo para longe dele antes que eu não tenha vontade de me
separar dele.
Enquanto eu me levanto levemente para ficar a alguns passos
de distância, ele se recupera mais lentamente, seu peito subindo e
descendo com o esforço. Suas botas estão cobertas por uma fina
camada de gelo, a água que espirrou em seus pés deve ter congelado
durante a subida.
Ele dá dois passos em minha direção antes de se ajoelhar e
desafivelar o cinto para que meu coração caia em sua mão.
Ele segura o diamante para mim.
— Você merece ter a escolha. — Diz ele, segurando meu
coração na palma da mão aberta.
Disse a ele que meu coração está partido, que nunca suspeitei
que o diamante me pertencesse, que nunca me chamou.
Eu não tinha medo disso antes, mas agora tenho.
Sob a superfície da rocha brilhante, a luz das estrelas pisca,
batendo no mesmo ritmo do poder dentro do meu peito. Ela dança
dentro do diamante como se fosse completamente livre, uma
essência que foi tirada de mim.
Minhas mãos se fecham antes que o desejo de pegar o coração
se torne muito forte.
— Se eu retirar, vou me tornar uma Lucidia novamente? —
Pergunto. — Vou perder a forma de mulher?
Nathaniel está quieto.
— Eu não sei, Aura.
— Eu não posso correr esse risco.
— A vida é cheia de oportunidades.
— Mas não assim. Nenhuma que pudesse me mudar tanto.
O canto de sua boca sobe, a escuridão em seus olhos aumenta.
— Cada escolha nos muda.
A dor atinge meu peito com a verdade em sua declaração.
Nathaniel escolheu vir a Brilhante para me encontrar. Decidi desafiá-
lo, sem saber que isso vincularia nossos destinos.
Há muito tempo... Imatra escolheu me tirar do céu e o pai de
Nathaniel escolheu tentar me salvar.
Cada escolha levou ao agora... Nathaniel segurando meu
coração partido em suas mãos, oferecendo-me a chance de ser inteira
novamente, seja lá o que for.
Ele se levanta, abaixando a mão, mas não para o lado. Ele
estende a mão para o meu punho, sua grande palma se fechando
sobre a minha, o contato entre nós me fazendo tremer.
Sua mão está fria, muito fria, por causa do gelo que escalou.
Num impulso, puxo sua palma para o meu peito, tentando
aquecê-lo.
Ao mesmo tempo, a pedra pressiona meu coração.
O silêncio preenche o ar ao nosso redor, um silêncio profundo
como esperar que uma gota d'água caia no fundo de um poço.
Esperava sentir tristeza, medo... talvez esperança. Achei que
meu coração iria queimar e minhas emoções ficariam fora de
controle, mas... o diamante continua duro, irregular e estranho onde
pressiona minha armadura.
Confusão é a única emoção que flui através de mim.
Eu levanto meus olhos para Nathaniel.
Sua testa está franzida, sua cabeça inclinada, como se ele
também esperasse mais. Quando peguei o fragmento dele, ele
queimou dentro de mim, imparável, uma força explosiva que se
conectou comigo instantaneamente. Mas desta vez…
— Ele não me reconhece.
Uma lágrima escorre pelo meu rosto e agora a tristeza brota
dentro de mim.
— Você manteve o pedaço do meu coração vivo segurando-o
perto de você. Você ensinou ao meu coração sua humanidade, suas
emoções e sua vontade de sobreviver. Em troca, meu coração deu a
você um pouco da minha luz e o manteve seguro. Este diamante
nada mais é do que uma pedra com uma velha magia presa dentro
dela. Não sabe o que realmente é um coração.
Nathaniel me permite passar a mão no meu peito por um
momento a mais do que deveria. Ele finalmente se afasta, limpando
a garganta enquanto deixa o diamante na minha mão.
— Você deve mantê-lo com você, onde é seguro. — Diz ele.
De repente, estou ciente de Evander pairando ao meu lado. Ele
não vai entender o que está acontecendo agora, mas Nathaniel se
vira para ele de qualquer maneira.
— Precisamos de uma bolsa. Uma que Aura pode usar
enquanto ela luta comigo. Este diamante não pode sair do lado dela.
— Ele se vira para mim. — Nunca.
Evander acena com a cabeça para Nathaniel antes de sair
correndo, deixando-nos em silêncio.
Nós nos afastamos lentamente um do outro novamente e
esperamos enquanto o ar frio roça nossas bochechas e os salgueiros
chorões continuam a balançar.
Finalmente, Evander desce as escadas novamente. Ele mal
começou a suar quando chegou até nós, sua força e resistência
aprimoradas por anos de treinamento.
Ele me entrega uma bolsa de couro presa a um cinto estreito.
Eu tento encontrar minha voz.
— Obrigada, irmão.
Deslizando o diamante na bolsa, prendo o cinto na minha
cintura antes de colocar meus dedos em meus lábios e assobiar para
Treble.
Preciso alçar voo, para sentir a liberdade final de voar.
Evander imita meu chamado, mas com uma sequência
diferente de sons para atrair Cadence para ele. Agora que o lago está
rachado no meio, o lugar mais seguro para pousar é na lateral perto
dos degraus.
Quando Nathaniel se prepara para se juntar a mim, levanto
minha mão para detê-lo. Ele para, mas não parece surpreso.
— Você vai comigo. — Evander diz baixinho para ele,
inclinando a cabeça em direção ao pedaço de grama do outro lado
da escada.
O olhar de Nathaniel cai por um momento na superfície da
água congelada, mas quando ele olha para cima novamente, ele não
demonstra nenhuma emoção.
Treble se aproxima primeiro e eu começo a correr, saltando
para cima para pegar sua asa e me virar de costas. Meu pássaro-
trovão lança um olhar questionador para mim, mas eu balanço
minha cabeça.
— Nathaniel vai cavalgar com Evander agora.
Treble lamenta, um som triste, mas eu também sinto ele se
comunicando silenciosamente com Cadence enquanto ela sobe à
vista, e eu sou grata, já que Treble será capaz de dizer a Cadence que
ela pode confiar em Nathaniel.
Eu me inclino para o lado de Treble para poder ver Nathaniel
enquanto Treble se inclina para cima e circunda o lago.
Relâmpagos pulsam em torno das asas de Cadence enquanto
ela navega em direção ao pedaço de grama onde Evander está com o
braço levantado. Assim que ela pousa com segurança, Evander
remove sua sela e ela estende sua asa para aceitar Nathaniel em suas
costas. Ele se senta separado de Evander enquanto eles sobem no ar.
Os dois pássaros batem as asas em uníssono, posicionando-se
lado a lado enquanto voam no ar. Teremos que permanecer sob a
cobertura de nuvens para que Nathaniel e eu possamos nos ver o
tempo todo, mas precisaremos voar rapidamente agora para chegar
à fronteira à meia-noite.
Eu puxo meu velo para perto do meu corpo, inclino-me sobre o
pescoço de Treble e aceito a rajada de vento em meu rosto,
permitindo que ele lave qualquer dúvida remanescente sobre meu
caminho à frente.
Capitulo 22
Sobrevoamos a cidade de Eteri, passando por casas e árvores
cobertas de gelo antes de navegarmos entre os picos de cristal,
escolhendo nosso caminho com cuidado pelas passagens
recentemente irregulares, evitando os danos causados pelas
lâmpadas brilhantes.
Ao longo do caminho, Evander se vira para Cadence e ele e
Nathaniel conversam. Não consigo ouvir o que eles estão dizendo,
mas Evander parece estar fazendo perguntas e Nathaniel parece
estar respondendo. De vez em quando, meu irmão olha para mim, às
vezes com surpresa, outras vezes com tristeza. Suspeito que ele
esteja pedindo a Nathaniel todas as respostas que não tive tempo de
dar antes. Parece que Nathaniel está contando tudo a ele.
Sinto-me tomada por uma inesperada sensação de alívio, grata
por alguém saber a verdade sobre meu tempo com Nathaniel e a
história sobre quem sou e como vim a existir.
Quando chegamos ao outro lado dos picos de cristal, Nathaniel
e Evander ficaram em silêncio.
Momentos depois, sinto distúrbios no ar, tanto atrás quanto à
nossa frente.
À frente, incontáveis esquadrões de Pássaros-trovão enchem o
céu com um arco-íris de raios, enquanto outros pousam no campo de
flores no lado brilhante da fronteira, formando uma força formidável
no ar e no solo.
Ao mesmo tempo, o ar atrás de nós se enche de um estranho
brilho carmesim e o som de enormes asas batendo.
Eu olho para trás para ver o Dragão Vanem voar em nossa
direção, cercado pelos pássaros-trovão restantes das montanhas do
norte, cujos relâmpagos coloridos crepitam no céu acima deles.
Prendo a respiração quando vejo que os pássaros-trovão têm
cavaleiros, mas seus cavaleiros não estão vestidos como os guardas
da Rainha. Esses feéricos usam roupas simples. Muitos deles são
homens com cabelos castanhos escuros salpicados de mechas verde-
floresta.
Eles são feéricos da primavera e da colheita da comunidade da
montanha.
— Crispin. — Sussurro, escolhendo onde ele cavalga com Talsa.
Serena e Mia também voam com seus pássaros-trovão por
perto.
A visão deles enche meu peito com lampejos quentes. Crispin
disse que faria o que fosse necessário. Acho que isso significava
voltar para casa para que ele pudesse trazer os feéricos da montanha
com ele. Eles não estão alinhados com Imatra e serão uma força de
apoio para mim e para Nathaniel.
O Dragão Vanem bloqueia a luz da lua enquanto ele navega
acima, suas batidas de asas perturbando o ar ao nosso redor,
forçando-me a agarrar as costas de Treble o mais forte que posso e
me inclinar sobre seu pescoço. Inalo o cheiro ardente do dragão
enquanto ele passa, uma lembrança da fogueira na cabana onde
cresci e dos invernos frios passados lançando a luz das estrelas no
céu noturno, sem nunca saber de onde eu vim.
À medida que nos aproximamos, posso finalmente ver as
forças de Cyrian do outro lado da fronteira, uma centena de
caçadores posicionados dentro dos restos do campo de brilho. Atrás
dos caçadores, uma matilha de lobos e, para minha surpresa, três
ursos estão acorrentados a postes na beira da Forca Nebulosa, todos
eles descansando sobre as patas traseiras tão obedientemente que só
podem ser enfeitiçados por magia negra.
Metade dos caçadores de Cyrian se reúnem em torno de três
grandes engenhocas de ferro, máquinas de um tipo que nunca vi
antes. Cada uma delas tem pelo menos nove metros de altura com
base e estrutura feitas de postes de ferro que sustentam uma longa
viga de metal presa a um eixo. Uma eslinga de metal está pendurada
no final da viga enquanto duas grandes caixas de aço ficam ao lado
de cada máquina. As estruturas parecem tão pesadas que abriram
rastros na terra que levam até sua localização. As máquinas devem
ser algum tipo de arma, mas não tenho certeza do que farão. De
repente, lembro-me do aviso de Mathilda ontem de manhã, quando
ela nos disse que Cyrian estava extraindo grandes quantidades de
energia de seu ambiente no último dia, mas ela não sabia por quê.
O Dragão Vanem voa à nossa frente e aterrissa no amplo trecho
de campo de centenas de metros de largura que permanece vazio
entre os dois exércitos. Mesmo quando ele dobra suas asas, ele faz os
humanos e os feéricos parecerem miniaturas enquanto ele
perambula ao longo do amplo espaço entre eles.
Enquanto Treble voa sobre o exército feérico, Imatra aparece
abaixo de mim, de pé à frente de seus soldados no chão. Ela está
vestida com sua armadura carmesim, desta vez com o cabelo preso
para trás.
Em frente a ela no campo, Cyrian também está à frente de seus
homens, vestido com equipamento de batalha completo com um
machado de duas cabeças em um suporte nas costas.
Crispin e Talsa, junto com Serena e os feéricos alinhados com
Crispin, se separam de nós, seus pássaros-trovão virando para a
esquerda para pousar no extremo leste da lacuna entre os dois
exércitos, ficando longe de Imatra e do povo de Cyrian. Não tenho
certeza do que Imatra fará com a aparição de Crispin ou Serena e os
outros, já que Imatra queria todos eles mortos, mas ela não será
capaz de retaliar enquanto o Dragão Vanem estiver no controle.
Me inclino sobre o pescoço de Treble e peço a ele para pousar o
mais próximo possível do Dragão Vanem. É melhor que Nathaniel e
eu evitemos nossos monarcas o máximo possível.
Quando Treble aterrissa levemente, parando perto do dragão,
salto de suas costas, dou uma cambalhota no chão e então me
levanto, agarrando-me à sensação do vento forte contra minhas
bochechas.
Voltando-me para Treble, envolvo meus braços em seu
pescoço.
— Eu te amo, Treble. Preciso que voe para o céu agora e voe
para longe desta batalha. Não voe de volta para mim, não importa o
que aconteça. Mesmo se eu chamar por você. Ok?
Ele balança a cabeça para mim, batendo a testa contra o meu
tronco, recusando-se a sair, mas eu acaricio seu pescoço, minha voz
baixa.
— Lembra quando você estava com raiva de mim duas noites
atrás por deixá-lo para trás? Nathaniel disse a você que eu correria
riscos, que você passaria sua vida se preocupando comigo, mas você
me amaria de qualquer maneira…
Engulo o nó na garganta.
— Eu preciso saber que você estará vivo no final disso. Por
favor, Treble. Faça isso por mim.
Treble fecha os olhos. Ele cutuca a cabeça no meu ombro por
um momento antes de concordar baixinho.
— Voe longe dos pássaros de Imatra. — Digo. — Procure abrigo
nos picos de cristal. Não desça das montanhas do norte até que
Nathaniel seja rei. Ele irá protegê-lo. Agora vá!
Treble bate suas asas, fazendo um som de estalo que me atinge
quando ele se levanta do chão e voa para o céu. Sigo seu vôo
cuidadoso ao longo da clara lacuna entre os exércitos, passando
pelos pássaros de Crispin e depois para o leste enquanto ele voa
longe do exército de Imatra e se afasta com segurança.
Soltei a respiração, aliviada por nenhum dos outros pássaros
tentar interceptá-lo, grata por Treble estar a salvo agora.
Sou grata por ele não estar aqui para ver meu fim.
Cadence pousou enquanto eu falava com Treble. Enquanto
Nathaniel desce cuidadosamente pela asa dela, ele remove a espada
do arnês em suas costas e entrega a arma para Evander. Não tenho
certeza do que ele está fazendo até que ele enfia sua alabarda no
espaço vazio onde a espada costumava estar. Ele tinha que carregar
sua arma antes, mas agora suas mãos estão livres.
Evander fica para trás com Cadence enquanto Nathaniel
caminha em minha direção. Já estou tão perto do Dragão Vanem
quanto preciso.
Nathaniel é mais alto do que todos os feéricos e humanos de
cada lado de nós, seus ombros largos retraídos, movendo-se com a
mesma discrição com que me atacou na manhã em que saiu da
névoa. Sua expressão está sombreada, seu cabelo caindo em seu
rosto aumentando a escuridão em seus olhos.
Ele é tão impiedoso agora quanto era nos momentos em que o
vi pela primeira vez e sou grata. Me endireito, colocando minhas
próprias emoções no lugar. Apenas três dias atrás, usei uma máscara
cuidadosa sobre minhas emoções, ensinando-me a não sentir nada.
Desde então, Nathaniel despertou todas as emoções em mim, mas
agora preciso enterrar meus sentimentos novamente.
Meus braços e mãos estão relaxados, mas estou pronta para
reagir a qualquer momento, meus sentidos aguçados e o brilho ao
meu redor aumentando. Eu sou severa e inacessível.
O olhar escuro de Nathaniel percorre meu rosto e meus lábios
enquanto ele se aproxima de mim.
Nós nos viramos em uníssono e nos ajoelhamos na frente do
dragão.
O rosnado do Dragão Vanem vibra através de mim.
— Levante-se, Aura Lucidia, que descobriu seu verdadeiro eu.
Você é uma velha magia. Muito mais velha que eu. Você não vai se
curvar a mim novamente.
Me levanto, encontrando os profundos olhos castanhos do
dragão. O fogo queima dentro da boca da besta enquanto ele abaixa
a cabeça na minha.
Ele inala e seus olhos se fecham por um momento.
— É uma honra conhecer uma Lucidia. Eu só gostaria de ter
percebido sua verdadeira natureza antes, mas ela estava escondida
de mim, da mesma forma que minha visão escureceu na noite em
que você nasceu.
— Muitas verdades foram escondidas até agora.
— De fato. — O dragão joga a cabeça para trás, seus olhos
brilhando enquanto se dirige a Nathaniel. — Levante-se Nathaniel
Exaltado, o verdadeiro Rei Caído.
Quando Nathaniel se levanta, a besta lança seu olhar sobre a
arma de Nathaniel com crescente reverência.
— Coração Brilhante. — Diz o dragão, abaixando a cabeça e
abaixando os ombros em uma profunda reverência. — Você
manteve a luz.
— Vou protegê-la enquanto eu viver. — Diz Nathaniel. — Peço
apenas que você dê a alguém digno se eu morrer hoje. Se essa pessoa
é feérica, humana ou... — Ele olha para mim. — Alguém precioso
para mim.
O sorriso do dragão desaparece. Uma profunda tristeza se
instala em seus olhos.
— Vou honrar seu pedido, Nathaniel Exaltado.
O dragão balança sua poderosa cabeça em direção a Imatra e
depois a Cyrian, sua voz se elevando em um rugido de fogo.
— Os monarcas se aproximem!
Imatra caminha pelo campo de flores com duas de suas
guardas ao lado dela. Eu as conheço apenas vagamente, uma é uma
feérica do Solstício, a outra é uma feérica do Alvorecer. É uma
combinação sábia. A feérica do Solstício pode protegê-la enquanto a
feérica do Alvorecer pode curá-la se ela estiver ferida.
Cyrian se aproxima à nossa esquerda, seu cabelo preto
penteado para trás e seu lábio superior sombreado pelo crescimento.
Cobra e outro caçador caminham ao lado dele, ambos carregando
um arsenal de armas. Nenhum dos caçadores é tão intimidador
quanto Hagan, mas me lembro que a mãe de Nathaniel os treinou.
Esther estava certa quando ensinou aos recrutas humanos que as
feéricos demoram um segundo para controlar seus poderes. Esses
caçadores poderiam derrubar qualquer número de feéricos antes que
os feéricos pudessem retaliar.
Imatra joga a cabeça para trás, uma expressão desinteressada
no rosto enquanto retribui o olhar duro de Cyrian.
— Vocês dois trouxeram seus exércitos para esta batalha. — O
dragão rosna para eles. — Vocês pretendem infringir a Lei?
Imatra pisca para o dragão.
— Nunca. — Diz ela. — Vou honrar o resultado alcançado hoje.
Cyrian sorri.
— Estou aqui apenas para apoiar meu campeão. — Seu sorriso
desaparece quando ele lança um olhar para mim. — Parece que a
campeã feérica já recebeu a vantagem da armadura.
Cyrian levanta a mão, um mero movimento de seus dedos, e
um dos caçadores avança carregando uma armadura. Eu a
reconheço como a armadura que o pai de Nathaniel usava quando
morreu.
Nathaniel endurece ao meu lado quando o caçador entrega a
ele. É mogno, da mesma cor da armadura de Christiana, mas um
emblema dourado está estampado na frente representando o nome
da família de Nathaniel, a mesma curva da lua e raios do sol como as
marcas que permanecem no meu ombro esquerdo e acima do meu
coração.
— Você descobrirá que os três cortes infelizes na parte de trás
desta armadura foram consertados. — Diz Cyrian, uma torção cruel
em seus lábios. Ele inclina a cabeça para Imatra, como se
reconhecesse a parte dela em seu caminho para se tornar o Rei
Caído.
A mandíbula de Imatra aperta antes que sua expressão se torne
inexpressiva.
Nathaniel está quieto enquanto segura o traje, pressionando a
palma da mão sobre o emblema na frente.
— Aceito esta armadura e prometo honrar os guerreiros que a
usaram antes de mim.
— Muito bem. — Diz o Dragão Vanem. — Os monarcas irão..
Ele faz uma pausa, sua cabeça balançando em direção ao
extremo oeste da Forca Nebulosa além da localização dos caçadores
de Cyrian. Uma comoção aumenta quando figuras emergem da
névoa, uma centena de humanos vestindo roupas bege e carregando
uma infinidade de armas.
É o pessoal de Nathaniel.
Reconheço os cabelos dourados de Esther quando o exército
humano se posiciona na brecha na extremidade oeste dos dois
exércitos.
Há dois cavaleiros a cavalo com eles, os quais reconheço
imediatamente.
Nathaniel fica tenso ao meu lado enquanto Christiana e Hagan
cavalgam em nossa direção, apesar da ameaça dos exércitos de
ambos os lados.
Eles diminuem a velocidade de seus cavalos conforme se
aproximam, parando longe da posição do Dragão Vanem antes de
desmontarem. Os cavalos estão nervosos, mas Christiana entrega as
rédeas de seu cavalo para Hagan, que acalma os dois animais
enquanto Christiana caminha em nossa direção.
Ela está vestida com sua armadura, seu cabelo trançado. Ela
parece cansada e esgotada, mas sua expressão é aberta, a pressão de
seus lábios esperançosa enquanto ela faz uma pausa para se curvar
ao Dragão Vanem antes de caminhar diretamente para Nathaniel.
— Irmão. — Ela se ajoelha, inclinando a cabeça para ele.
Mais atrás dela, Hagan também parece cansado, o que me faz
duvidar que ele tenha dormido depois que saímos de Bitter Patch
esta manhã. Ele não deve ter descansado desde ontem. Ele está
vestindo as mesmas roupas um pouco pequenas demais, mas está
carregando mais armas do que quando o vimos pela última vez.
Seus lábios estão desenhados na mesma linha implacável, a
aparência de um guerreiro que Nathaniel usa. Seu olhar perspicaz
passa por mim, faz uma pausa, então percebe meu brilho, meus
olhos brilhantes, antes de passar para os exércitos ao nosso redor.
Finalmente, sua atenção se volta para Christiana, cuidando dela.
A testa de Nathaniel franze, cauteloso enquanto ele considera
primeiro Hagan e depois sua irmã, esperando que ela fale.
Ela respira fundo sem erguer os olhos, a cabeça ainda abaixada.
— Nathaniel, você honrou nosso pai realizando seus desejos.
Você viveu sua vida como ele lhe ensinou. Mas eu... estava com
medo e perdida. E tão... tão zangada.
Ela engole. Pausas. Respira fundo outra vez.
— Você me pediu para decidir quem eu sou e o que defendo.
— Diz ela, erguendo os olhos para ele. — Vim aqui para dizer que
defendo você, meu irmão que deveria ser rei.
Cyrian dá um passo ameaçador à frente enquanto fala, mas
Christiana lança um olhar penetrante para ele. Ele está fadado a
nunca mais tocá-la e a frustração em seu rosto é feroz. A luz escura
aumenta ao redor de seus dedos, mas ele não a libera.
Christiana se levanta.
— Viemos aqui para lutar ao seu lado. — Diz ela a Nathaniel.
— Todos nós. Se precisar de nós. — Ela gesticula para o exército
humano atrás dela antes de se virar para mim. — Queremos lutar ao
lado de você e de Aura. Se você permitir.
A dor atinge meu peito. Christiana é uma mulher orgulhosa e
teimosa. Eu entendi suas motivações quando ela agiu para proteger
seu povo esta manhã. Eu odiava a dor que isso me causava, e o
conflito entre ela e Nathaniel, mas antes de conhecer Nathaniel, eu
não teria tratado um humano melhor do que ela me tratou.
Agora ela se ofereceu para apoiar Nathaniel e eu.
É... tarde demais para mim, mas Nathaniel vai precisar da ajuda
dela para derrotar Cyrian assim que a Lei dos Campeões for
decidida. Ele precisará agir rapidamente, um desafio para o trono
que deve ser rápido e preciso.
Nathaniel a considera com cuidado, seu olhar astuto passando
por sua expressão aberta antes de se inclinar para agarrar seus
ombros.
— Estou feliz por estar aqui.
— Não posso pedir que me perdoe, mas...
— Eu perdoo.— Diz Nathaniel, a linha impiedosa de sua boca
suavizando.
Ela pisca rapidamente. Morde o lábio.
— Então estaremos esperando e prontos quando você precisar
de nós.
Atrás dela, Hagan me dá um aceno de cabeça e eu retribuo com
um pequeno sorriso, grata por ele estar lá para ajudar Nathaniel
quando eu partir.
Gratidão é a emoção mais estranha de se sentir por um caçador
que me aprisionou, mas Hagan e eu entendemos o que cada um de
nós precisa fazer.
Ele sabe que a luta pelo trono Caído ficará furiosa assim que eu
morrer.
Capitulo 23
Os lábios de Hagan se erguem em um meio sorriso torto, uma
visão rara e inesperada antes de ele inclinar a cabeça para mim e se
virar, optando por caminhar entre Christiana e os caçadores até que
ela alcance seu cavalo e eles voltem para o exército humano.
Sinto a preocupação de Nathaniel enquanto ele olha entre mim
e sua irmã que está partindo, mas sua expressão endurece quando
me viro totalmente em sua direção.
Ele olha para mim agora do jeito que eu quero, como um
guerreiro.
O Dragão Vanem permaneceu em silêncio durante toda a troca.
Agora, ele abaixa a cabeça para nós novamente.
— Antes da luta começar, os campeões têm o direito de
caminhar comigo e perguntar tudo o que precisam saber. Eles
podem não estar separados da vista um do outro, mas a conversa
deles comigo será particular. — Ele olha para cada um de nós. —
Vocês desejam caminhar comigo?
— Sim. — A resposta de Nathaniel é tão imediata, seu olhar
para mim tão feroz, que eu tremo. Ele claramente tem algo que quer
perguntar ao dragão em particular, mas não tenho certeza do que
poderia ser.
— Aura? — O dragão me pergunta.
— Sim. — Digo, me sentindo mais incerta do que me senti por
horas. — Eu quero caminhar com você.
— Muito bem. — Diz o dragão. — Os monarcas agora devem
recuar. A luta começará assim que os campeões falarem comigo.
Aura vai andar comigo primeiro.
Apesar da ordem do dragão para recuar, Imatra me lança um
olhar duro, sua máscara de controle escorregando. Ela jogou tantos
jogos com a minha vida que me pergunto se ela ainda tem a
capacidade de ver que criou sua pior inimiga.
— Lembre-se por quem você luta, Aura. — Ela rosna. — Você
está ligada a mim por dever e honra. Você vai matar a criatura Caída
para mim.
Me aproximo dela, sem medo. Eu vejo através de todos os
rostos dela agora: a líder benevolente, a feérica conspiradora, a tecelã
cruel da magia negra e por fim a mulher assustada e desesperada que
ela está por baixo.
Baixando minha voz para um murmúrio cuidadoso, digo: —
Não farei nada por você, Imatra do Solstício. Farei apenas o que é
certo para o povo de Brilhante e Caído.
Sua mão serpenteia para agarrar meu braço, suas unhas
cravando contra minha armadura, seus lábios vermelho-rubi
pressionados juntos com tanta força que eles ficam sem sangue.
— Você vai matá-lo.
Minha voz é um mero sopro de som.
— Se você acredita que eu poderia matar o homem que amo,
então é você que não tem coração.
Com uma respiração afiada, ela me solta. Seu olhar se enche de
ódio e ressentimento antes que ela alise suas feições, colando suas
emoções tempestuosas com uma expressão de controle supremo
antes de deslizar para longe com seus guardas.
Cyrian dá vários passos para trás, ainda olhando para frente, a
luz escura brilhando ao redor de sua forma, brilhando ao luar. Ao
contrário de Imatra, ele permanece em silêncio antes de virar as
costas e se afastar.
Com um olhar final para Nathaniel, eu me movo para o lado
do dragão, sentindo-me muito pequena ao lado da besta gigante.
Nathaniel fica para trás, uma figura solitária no meio do campo
enquanto eu me apresso para acompanhar os passos largos do
dragão.
O Dragão Vanem exala um suspiro no ar da noite, o calor de
sua respiração me confortando. Os exércitos estão quietos de cada
lado de nós e os humanos estão silenciosos à nossa frente, mas
bastará uma faísca para acender a tensão ao nosso redor.
— Ninguém pode nos ouvir agora, Aura. — Diz o dragão. — A
Lei dos Campeões me dá um controle muito pequeno sobre o que
acontece entre agora e sua luta com Nathaniel. A velha magia
ganhou vida quando você e Nathaniel foram selados, e tem
descansado dentro do meu coração desde então. Posso usá-la agora
para lhe dar paz, conforto ou conselhos. Esta é sua chance de falar
com o coração, de expressar suas palavras finais. Se desejar, pode me
dar permissão para repetir o que disser no caso de sua morte.
Não preciso pensar nas minhas palavras finais. A luz dentro do
meu peito nunca é tão brilhante como quando estou perto de
Nathaniel e agora, minha luz brilha opaca sem ele.
— Eu o amo. — Sussurro. — Você vai dizer isso a Nathaniel?
— Eu vou. — O dragão dá outro passo medido. — Você tem
uma mensagem para mais alguém?
Eu já disse o mais próximo de um adeus ao meu irmão e pai
que pude. Abracei Treble e me certifiquei de que ele estava seguro.
Tudo o que resta é o destino dos feéricos e dos humanos. Se eu não
estivesse controlando minhas emoções com tanta força, eu poderia
chorar neste momento.
O destino dos humanos e dos feéricos depende do resultado
dessa luta.
— Se os feéricos ouvirem, diga a eles que Nathaniel irá tratá-los
de forma justa. — Digo. — Diga a eles que ele carrega uma velha
magia dentro de seu coração, minha magia, mesmo que ele não possa
usá-la. Ele será um bom rei. E se os humanos ouvirem... diga a eles
que Nathaniel nunca os traiu. Ele foi apenas a primeira pessoa a ver
que eu não era sua inimiga.
O dragão está quieto.
— Você não planeja sobreviver à luta?
Espero que meu silêncio seja suficiente para responder a sua
pergunta. Ando com cuidado pela grama, escolhendo meu caminho
entre as flores que se arrastam.
Puxando meu velo mais perto dos meus ombros, eu olho para
trás para ver Nathaniel de pé ao lado de Cadence. Ela segura sua
asa, dando a ele um pouco de privacidade enquanto ele veste a
armadura de seu pai.
— O que vai acontecer se Nathaniel se recusar a lutar comigo?
— Pergunto, voltando-me para o dragão.
O fogo arde na boca do dragão enquanto ele fala, de repente
feroz.
— Você deve fazê-lo lutar com você.
— E se ele recusar?
— Então ele morrerá ao amanhecer. — O dragão faz uma
pausa. — Se você não o matar primeiro.
Minha mandíbula está apertada, a luz dentro do meu peito é
uma confusão bruxuleante enquanto eu agarro uma saída final.
— Eu sou a velha magia. A Lei dos Campeões é lei antiga.
Posso nos desvincular? Posso usar minha magia para mudar tudo de
alguma forma?
— A antiga lei obriga a todos. — Diz o dragão, balançando a
cabeça tristemente. — Até mesmo uma Lucidia.
Nathaniel me disse que a antiga lei não rege apenas os
humanos, mas também o meio ambiente. Ele disse que fazia parte de
tudo: cada criatura viva, cada mudança de estação, até mesmo cada
batida do coração. Tentar detê-la é tentar deter a própria vida.
Ainda estamos longe de alcançar o exército humano reunido no
final do campo, mas o dragão para, me observando em silêncio.
— Aura?
Quase não consigo falar.
Em breve, terei ficado sem palavras e não restará mais nada
além da luta.
— Eu sei o que sou. — Digo. — Sei quem sou e sei o que preciso
fazer. — Inclino minha cabeça para trás para ver as estrelas,
imaginando por um momento que posso ver Lucidia dançando no
éter sem nuvens. — Mas eu tenho uma última pergunta: o que
acontecerá com minha magia quando eu morrer?
O dragão abaixa a cabeça para a minha, fixando-me com seus
grandes olhos castanhos. Uma vez pensei que seus olhos continham
infinitas poças de fogo. Agora vejo o espaço infinito, o vasto frio de
uma noite estrelada.
— Sua magia retornará à sua fonte no éter. — Diz ele.
Tento sorrir, mas não consigo. Eu pressiono minhas mãos em
minhas bochechas, traçando a forma do meu rosto, marcando a
forma que minha magia escolheu para tomar.
— Então não estarei realmente morta.
O dragão cutuca meu ombro com a ponta do nariz antes de se
virar e caminhamos em silêncio de volta para Nathaniel.
Nathaniel voltou para o lugar onde o deixamos, exceto que
agora ele está vestido com uma armadura. Evander recuou com
Cadence, mantendo distância, embora eles estejam muito mais perto
de Nathaniel do que qualquer outra pessoa.
Dou um passo para o lado quando o dragão abaixa a cabeça
para Nathaniel. É a minha vez de esperar agora.
— Nathaniel Exaltado, — O dragão diz a ele. — Você pode
caminhar comigo agora.
Eu tento ler a expressão de Nathaniel antes que ele fique de
costas para mim. É a primeira vez em três dias que não faço parte de
suas conversas ou não consigo ler suas emoções. É como ser lançada
à deriva sem âncora, nada para me manter amarrada. Tudo o que
posso dizer é que Nathaniel está fazendo muitas perguntas. O
dragão frequentemente acena com a cabeça ou a balança falando
rapidamente antes de fazer uma pausa para ouvir o que Nathaniel
pergunta a seguir.
Finalmente, eles param muito mais longe do que eu, mas a
postura de Nathaniel muda. Mesmo dessa distância, posso ler a
tensão em seus ombros quando ele se vira para enfrentar o dragão.
Suspiro quando o dragão de repente se sacode, recuando, suas
asas se abrindo. Nathaniel caminha até ele, uma intensidade de raiva
em sua expressão que eu não esperava. Ele grita algo que parece um
pedido ou uma ordem.
O dragão treme e abaixa a cabeça como se estivesse lutando
contra uma força invisível enquanto Nathaniel se mantém firme,
punhos cerrados, obrigando o dragão... a fazer o quê, não tenho
certeza.
O fogo sai da boca do dragão diretamente para Nathaniel,
fazendo os humanos distantes gritarem e os feéricos e caçadores
pegarem suas armas, mas as chamas se dividem antes de atingirem o
corpo de Nathaniel, correndo ao redor dele, queimando a terra de
ambos os lados, mas sem tocá-lo.
O dragão se agacha como se de repente estivesse exausto antes
de finalmente falar novamente. Ele continua falando por um longo
momento enquanto Nathaniel escuta, imóvel.
Quando o dragão fica em silêncio, Nathaniel lança seu olhar
para o céu, depois para mim. Ele se afasta do dragão com uma breve
reverência antes de se separar da majestosa besta e caminhar de
volta para mim.
Um arrepio percorre meu corpo quando Nathaniel se
aproxima.
Seus passos são cheios de propósito, seu foco em mim é
inquebrável.
O dragão de repente levanta a cabeça, sua voz rugindo à
distância.
— Nathaniel Exaltado! NÃO FAÇA ISSO!
Nathaniel o ignora, pegando sua arma enquanto caminha pelo
campo em minha direção. Seus músculos se contraem quando ele
solta a alabarda e a balança no ar à sua frente, então a abaixa, a
lâmina no chão. A forma como ele manuseia a arma, seu aperto e
equilíbrio perfeito, me diz o quanto ele se sente confortável com ela.
Eu me preparo, minha mão em meu ombro esquerdo, pronta
para sacar minha espada se Nathaniel pretender começar nossa luta
imediatamente. Estou preparada e pronta para o que quer que esteja
vindo em minha direção.
Nathaniel para a quatro passos de mim.
Seus lábios estão pressionados na mesma expressão
ameaçadora com a qual ele me cumprimentou pela primeira vez.
— Responda minha pergunta, Aura Lucidia, e fale apenas a
verdade. — Ele me ordena. — Quem matou meu pai?
Luto contra minha confusão. Ele sabe quem matou seu pai. Ele
viu isso nas lâmpadas de brihlo.
Eu me paro antes de perguntar o que está acontecendo. Um
silêncio mortal caiu sobre nós que me fez parar.
Sinto um puxão de magia, como se suas palavras tivessem
desencadeado a mudança em nosso ambiente. O silêncio se estende
até o céu e para fora em ambos os lados de mim. Pássaros-trovão
estalam suas asas, mas não fazem barulho. O Dragão Vanem se eleva
no ar atrás de nós e posso ver que ele está gritando, mas não consigo
ouvir o que ele está dizendo.
Assim que o dragão para de falar, Imatra de repente entra em
ação, gritando ordens para seus guardas. À minha esquerda, Cyrian
também está agitado, a luz escura brilhando em torno de seu torso
enquanto os lobos e ursos mordem, rosnam e puxam suas correntes.
Ele também está gritando ordens, gritando com seus caçadores, mas
não consigo ouvir nada.
Eu não entendo o que está acontecendo. Nathaniel me pediu
para responder a sua pergunta e falar apenas a verdade. Meus lábios
se abrem, meu peito brilha e encontro os olhos impiedosos de
Nathaniel.
Uma vez ele prometeu sempre me dizer a verdade.
Eu só posso fazer o mesmo.
— Imatra do Solstício, a Rainha Feérica, matou seu pai. — Digo.
Um músculo se contrai na mandíbula de Nathaniel.
— Diga-me também, Aura Lucidia, estrela da velha magia:
Quem roubou meu trono?
Não sei por que Nathaniel está me fazendo essas perguntas
quando ele já sabe as respostas. Não sei por que todo o campo ao
meu redor está silencioso, embora cada feérico, caçador e humano
esteja gritando e correndo para a posição como se estivessem prestes
a entrar em guerra.
Eu também não sei o nome completo de Cyrian e de repente
parece muito importante que eu acerte, mas então eu me lembro de
como o Dragão Vanem o chamou ontem à noite.
— Cyrian Enganador roubou seu trono.
Nathaniel respira fundo. A linha dura de seus lábios suaviza
quando seu olhar passa pelo meu rosto de uma forma que poderia
me fazer esquecer onde estamos e por que estamos aqui.
— Você é minha Testemunha, Aura Lucidia. — Diz ele. — Você
nomeou meus Traidores. O Dragão Vanem deve protegê-la agora.
Estendo a mão para Nathaniel quando ele se afasta de mim.
— Espera... Nathaniel, o que é isso? O que é que você fez?
Nathaniel me lança um sorriso perigoso, como se estivesse
prestes a pular de um penhasco. Ele eleva a voz para um rugido
crescente que corta o silêncio, quebrando-o como vidro quebrado,
uma tempestade de magia reunindo-se de repente ao seu redor e
levando sua voz através dos campos.
— Como Aura Lucidia é minha Testemunha, eu sou o Rei
Traído! — Ele levanta sua arma do chão, captando a luz da lua e
lançando-a ao nosso redor em raios impossivelmente brilhantes.
A força da velha magia me varre como um incêndio.
A voz de Nathaniel se torna um estrondo determinado que
ecoa em meus ouvidos.
— Eu escolho o caminho perigoso!
Capitulo 24
Sons violentos atravessam-me.
À distância, o Dragão Vanem varre suas asas tão abruptamente
que o vento tempestuoso que suas asas criam derruba os guerreiros
feéricos e os caçadores de ambos os lados do campo no chão.
Ele dispara pelo ar em minha direção, voando baixo no chão.
— Aura Lucidia! — Ele ruge. — Pegue minha asa!
Nathaniel se joga no chão para evitar as garras do dragão
enquanto a enorme besta voa tão baixo que quase acerta as costas de
Nathaniel.
Não entendo o que está acontecendo, mas meus instintos
disparam, dando-me velocidade enquanto salto e agarro o osso da
asa do dragão. Ele é muito maior do que Treble, e eu quase errei o
alvo enquanto me viro em direção às suas costas, estendendo a mão
com toda a minha força.
Escorrego, me agarro e, finalmente, coloco minhas pernas em
posição. Suas costas são tão largas que preciso me ajoelhar em vez de
deslizar as pernas para o lado.
Assim que me inclino sobre seu pescoço, um raio de fogo
explode no chão onde eu estava um momento atrás, levantando terra
e grama. Nathaniel rola para o lado para evitar o ataque, mas tenho
certeza de que a explosão era para mim. Fico olhando em choque
enquanto o Dragão Vanem sobe e inclina, inclinando suas asas
quando outro raio de fogo nos acerta por pouco.
O que em todas as estrelas escuras...?
Os feérico nunca arriscaram ferir o Dragão Vanem antes.
Tentando ver meus atacantes sem perturbar minha posição,
descubro dois esquadrões de pássaros-trovão voando atrás de nós.
Suas cavaleiras são todas feéricas do Solstício, o cabelo loiro das
mulheres brilhando ao luar.
A velocidade do dragão nos levou ao céu em segundos. Bem
abaixo de mim, Nathaniel fica de pé, disparando ao longo da brecha
que se fecha rapidamente entre os exércitos. Deslizando sua arma no
arnês em suas costas, ele corre em direção ao seu povo, seus braços
bombeando, correndo tão rápido como quando escapamos juntos
pelo campo de brilho.
Eu estico meu pescoço para seguir seus movimentos, mas
vários pássaros-trovão atacando bloqueiam minha visão.
Pela primeira vez em dias, meu corpo não puxa para ele.
A sensação sem âncora dentro do meu peito se expande, a
amplitude vazia de um céu noturno se abrindo dentro de mim.
Sempre tive medo do meu nada, da vastidão de onde vim e dentro
da qual poderia me perder. É o lugar onde nada mais sou do que
outra luz brilhante que brilha e se apaga, uma centelha de magia
sem coração.
A luz do fogo explode em ambos os lados de nós enquanto o
Dragão Vanem evita os ataques de fogo rápido.
Grito.
— Por que os feéricos estão tentando matar você?
— Eu não! — O dragão grita. — Você!
— Mas se eles me matarem, Nathaniel vence pela Lei dos
Campeões!
— Nathaniel invocou o Caminho do Rei Traído. — O dragão
grita, inclinando-se novamente enquanto eu me agarro às suas
costas. — É uma das leis mais antigas, forjada a partir de incontáveis
traições de reis e rainhas humanas ao longo de milênios. A Lei dos
Campeões está suspensa até que Nathaniel tenha trilhado o
Caminho.
— Um rei traído pode escolher o caminho perigoso… — Meu
coração afunda quando me lembro da sala no Pináculo que está
cheia de leis antigas. Nathaniel parou em um lado da sala, fixado em
uma lei em particular, mas seu corpo me impediu de lê-la.
Não sei se Nathaniel sabia ou não sobre essa lei até que ele
entrou naquela sala. De qualquer maneira, ele escolheu invocá-la
agora.
— Qual é o Caminho? — Grito, a ansiedade queimando dentro
de mim. — O que Nathaniel tem que fazer?
— Ele deve matar seus Traidores.
Meus olhos se arregalam quando o vento grita ao meu redor.
— Ele tem que matar Imatra e Cyrian?
— Você é sua Testemunha sob a lei. Você nomeou seus
traidores. — O dragão ruge. — Nathaniel tem que matar seus
traidores antes que seus traidores matem sua testemunha. Agora
estamos em uma corrida até a morte.
A luz das estrelas bombeia dentro do meu peito, inundando
meus braços e pernas, enchendo minha cabeça.
— Imatra e Cyrian sabiam que isso era uma possibilidade?
— Nenhum deles sabia dessa lei! Até Nathaniel não sabia disso
até hoje, ele disse que leu no Pináculo. Era meu dever explicar isso a
ele. Assim como era meu dever explicá-la a Imatra e Cyrian
enquanto Nathaniel o questionava.
Lembro-me de como o dragão surgiu atrás de mim, gritando
para Imatra e Cyrian enquanto tudo ficava quieto ao meu redor.
— E a Lei dos Campeões? — Grito. — O que significa
"suspensa"?
— Não se preocupe com isso agora. Cyrian e Imatra querem
você morta, Aura. Se você morrer, Nathaniel terá seu caminho de
volta ao trono negado.
— O que devo fazer? — Estou quase pronta para explodir cada
um dos atacantes feéricos do Solstício no ar, mas cada ação tem
consequências. Eu poderia quebrar uma regra se matasse alguém,
com consequências desastrosas.
O dragão vira a cabeça, desacelerando pela primeira vez,
apesar do fato de que agora estamos contando os segundos para
quem morrerá primeiro.
Seus lábios se curvam em um sorriso que carrega a ameaça de
violência.
— Você deve correr, Aura. Você é a Testemunha. Cabe a
Nathaniel matá-los. Mas cabe a mim protegê-la. Por ser a testemunha
da verdade, você recebe maior proteção do que eles.
Uma nuvem de pássaros-trovão surge à nossa frente e fico
tensa antes de reconhecer Crispin, Serena e os feéricos da Primavera
e da Colheita. Eles devem ser a razão pela qual o dragão diminuiu a
velocidade. Pelo canto do olho, Evander voa paralelo a nós,
disparando e evitando os ataques à luz do fogo das feéricas do
Solstício, que o atacam tanto quanto a mim. Ele pulou nas costas de
Cadence e voou segundos depois de mim.
— Protejam Aura com suas vidas! — O dragão grita,
mergulhando sob a força de pássaros-trovão amigáveis.
Voamos sob Crispin, que voa à frente dos outros com Serena e
Calida no ar ao lado dele, enquanto Mia e Talsa voam bem atrás,
seus rostos cheios de concentração. Elas usarão suas habilidades de
comunicação para ajudar os pássaros-trovão que os feéricos da
Primavera e da Colheita estão montando, já que muitos deles serão
novos no combate aéreo. Evander voa em direção a Talsa, juntando-
se a ela. Seu poder de gelo está quase esgotado, mas ele é fisicamente
forte e fará o possível para protegê-la e a Mia enquanto trabalham.
O Dragão Vanem se posiciona atrás de meus novos defensores,
seguro por enquanto, me dando a chance de respirar e nos
permitindo ver toda a batalha.
A luta no ar é violenta. Serena e Calida estão em menor
número, mas são ágeis, disparando entre seus atacantes. A luz do
fogo de Serena atinge o primeiro Feérico do Solstício atacando, seu
pássaro-trovão disparando entre eles enquanto vários pássaros-
trovão montados por Feéricos da Colheita cortam para a direita e
interrompem a formação dos feéricos atacantes. Os homens da
Colheita estão acostumados a derrubar árvores. Eles são todos
musculosos, fortes por anos de trabalho físico, e carregam lanças de
madeira improvisadas. Evitando as flechas de fogo apontadas para
eles, eles usam suas lanças para defender minha posição.
Procuro Nathaniel na batalha no chão, a luz dentro de mim
pulsando com ansiedade até que eu o encontro no centro do campo.
O exército humano protege suas costas, enfrentando o exército de
Imatra, enquanto Nathaniel enfrenta Cyrian e seus caçadores.
Nathaniel não está sozinho. Hagan luta de um lado dele
enquanto Christiana luta do outro.
Eu não tinha certeza se ele tentaria lutar contra Imatra ou
Cyrian primeiro, mas parece que ele está indo para Cyrian.
O Rei Caído não está facilitando. Cyrian fica bem atrás na
borda da Forca Nebulosa ao lado dos ursos enquanto seus caçadores
atacam Nathaniel. A luta é feroz e sangrenta. Os caçadores são
brutais e é claro que Cyrian lhes deu ordens para matar Nathaniel
por qualquer meio necessário. Mesmo assim, Nathaniel, Hagan e
Christiana estão avançando, os corpos se acumulando ao redor deles
enquanto abrem caminho entre os caçadores.
Atrás de Nathaniel, Esther lidera os humanos, tentando conter
a imensa maré de guerreiros feéricos convergindo para a posição de
Nathaniel.
A própria Imatra subiu ao céu, um lugar seguro por enquanto,
mas cometeu um erro estratégico crítico ao misturar os poderes de
suas tropas. Feéricos da mesma classe não podem machucar uns aos
outros, mas feéricos de classes diferentes podem. Suas mulheres na
linha de frente já deveriam ter aniquilado os humanos, mas estão
usando seu poder, tentando não machucar umas às outras, apenas
dando tiros certeiros quando podem.
A hesitação das mulheres dá aos humanos tempo para se
mover rapidamente através das feéricas, cortando-as com golpes
habilidosos enquanto fazem incursões nas defesas de Imatra.
Imatra nunca foi uma boa estrategista. Ela me teve para isso.
Eu posso ver as batidas de asas agitadas de seu pássaro-trovão
reagindo à sua tensão e seus gritos de raiva. O campo de batalha é
muito densamente povoado para ela usar sua própria magia, mas ela
parece estar reunindo seus cavaleiros no céu, gritando ordens para
eles. Não tenho certeza do que ela planeja fazer a seguir.
De repente, sou atraída pelo movimento no campo mais
próximo da minha localização. Vários caçadores empurram as armas
de ferro que Cyrian trouxe com ele, girando as máquinas em minha
direção. A parte superior se move em algum tipo de eixo para que o
feixe fique alinhado com os pássaros-trovão que me protegem. Um
grupo de caçadores trabalha em torno de cada uma das eslingas de
metal, enchendo-as com o que parecem ser cacos de ferro
irregulares, derramando óleo sobre eles antes de incendiá-los.
O medo dispara através de mim quando a viga se solta de sua
âncora.
A funda voa para cima e os projéteis em chamas traçam um
arco no ar em nossa direção.
— Olhe! — Grito, me contorcendo para ver Talsa e Mia.
Seus braços estão estendidos, seus olhos vidrados, mas eles se
ajustam bem a tempo. Todo pássaro-trovão amigo de repente voa
para cima, evitando o arco dos cacos em chamas. Algumas das
feéricos atacantes não têm tanta sorte, as asas de seus pássaros
pegam fogo enquanto os fragmentos voam através de suas penas.
Uma das cavaleiros, uma feérica de gelo, grita enquanto tenta apagar
as chamas, mas o fogo continua queimando, rasgando o corpo de
seu pássaro.
Meu estômago revira.
— É magia negra!
Pensei que os caçadores estavam derramando óleo sobre os
cacos, mas deve ser uma substância alimentada por luz negra para
que continue queimando.
O pássaro-trovão da Feérica de gelo grita em agonia enquanto
morre, caindo no chão enquanto a Feérica de gelo salta de suas
costas para outro pássaro.
Lágrimas enchem meus olhos. Nenhum pássaro-trovão merece
morrer assim.
No chão, os caçadores ajustam os feixes das três armas e se
preparam para atirar novamente.
Eles querem me cortar do céu.
Cada pássaro-trovão e cavaleiro ao meu redor agora estão em
perigo.
Conforme o Dragão Vanem voa mais alto, não facilitando para
os homens no chão, eu grito acima do vento.
— Você me disse para correr, mas eu quero a verdade: posso
lutar?
A respiração do dragão deixa seu torso em um suspiro
tempestuoso.
— Eu estava com medo de que você pudesse me perguntar
isso.
Ele bate as asas com cuidado, virando a cabeça para me
examinar com seus olhos brilhantes.
— A conversa de Nathaniel comigo é particular. Só posso
quebrar essa confiança onde ele me deu permissão, mas posso lhe
dizer o seguinte: Ele sabe que você está disposta a morrer por ele.
Mas ele não permitirá que isso aconteça. Ele prefere morrer tentando
derrotar Imatra e Cyrian, do que ser forçado a lutar contra você até a
morte. Eu... no entanto... vejo o futuro que você vê, Aura. Nathaniel
é a única chance de paz.
Meu peito aperta.
— É por isso que você estava com raiva dele quando ele falou
com você. Ao invocar o Caminho, ele está arriscando sua vida por
minha causa. — Sufoco a dor crescendo dentro de mim, forçando-me
a me concentrar. — Você não respondeu à minha pergunta: posso
lutar?
O dragão exala.
— Você pode lutar, mas não deve matar Imatra ou Cyrian.
Nathaniel deve fazer isso sozinho. Mas saiba disso, Aura: se você
morrer antes de Nathaniel completar seu caminho, ele morrerá
também. A vida dele está ligada à sua ainda mais intimamente do
que antes. É seu dever permanecer viva para que ele possa recuperar
seu trono.
Aperto meus olhos fechados. Nathaniel sabia que eu não
planejava estar viva ao amanhecer. Agora ele está me forçando a
ficar viva porque sabe que não vou arriscar sua vida.
Eu inclino minha cabeça para trás e grito.
— Ele está me forçando a viver!
Se Nathaniel e eu sobrevivermos a isso, posso simplesmente
matá-lo por me colocar nesta posição.
— Ele quer proteger você. — Diz o dragão. — Assim como
você está disposta a dar sua vida por ele.
Minha voz se acalma e a luz dentro do meu peito também.
— Mas ele sabe que não vou sentar e assistir de braços
cruzados enquanto outros morrem.
O dragão suspira.
— Ele me deu uma mensagem para você, Aura. Ele disse para
te dizer, e passo a citar: "Mulher linda, a escolha sempre será sua".
Meu peito queima, minha luz me atinge fortemente. Nathaniel
me disse isso quando perguntei se ainda éramos casados. Ele aceitou
minha confiança e me deu sua fé. Ele me disse que queria lutar ao
meu lado, não contra mim.
— Então eu escolho lutar. — Sussurro. Dando uma expiração
final, eu me inclino para frente. — Dragão Vanem, leve-me para as
máquinas de ferro!
Um brilho entra nos olhos do dragão.
— Como você comanda, Aura Lucidia.
Capitulo 25
O Dragão Vanem inclina-se para a esquerda, seguindo um
curso em direção ao Forca Nebulosa enquanto mantém nossa altura.
No chão, os caçadores param no processo de preparação para lançar
as fundas, correndo para girar as armas em direção à minha
trajetória esperada.
Atrás de nós, os esquadrões de Imatra não desistiram, mas
agora sou como um ímã atraindo-os para longe de meus amigos no
ar. O Dragão Vanem segue um curso para a extrema esquerda,
deliberadamente se transformando em um alvo enquanto aponta
para a névoa acima da Forca, atraindo as feéricas atrás de nós e as
máquinas de ferro à nossa frente.
As fundas voam alto e os cacos em chamas se voltam para nós.
Só um pouco mais perto…
Minhas mãos disparam. Meu poder explode através de meus
braços.
Uma luz branca e quente irrompe pelos estilhaços em chamas,
atravessando os projéteis e se espalhando pelo espaço em frente ao
Dragão Vanem enquanto o dragão voa diretamente em direção às
máquinas.
Meu poder continua fluindo de mim, aumentando e
ondulando, explodindo nas próprias armas, queimando os caçadores
e correndo para fora na Forca Nebulosa.
O dragão para antes de colidirmos com os restos em chamas.
Ele voa alto no céu noturno enquanto as ondulações da minha luz
das estrelas fluem ao redor das árvores disformes neste final da
Forca, iluminando suas estranhas silhuetas.
A névoa se dissipa onde meu poder se espalha, revelando a
planície estéril que fica sob a espessa névoa. A terra lamacenta de
repente brilha e as árvores moribundas brilham em branco. À
distância, uma nuvem de mariposas se ergue dos galhos tortos, as
asas das criaturas brilhando em prata.
A respiração fica presa na minha garganta. Estou ciente dos
guerreiros do outro lado do campo de batalha enquanto eles se
encolhem e se abaixam por causa da explosão do meu poder,
enquanto as feéricas no ar dirigem seus pássaros-trovão para longe
de mim. Eu dissuadi as feéricas que estava me seguindo, mas faltam
apenas alguns segundos para a luta no chão recomeçar.
À frente, Nathaniel quase chegou a Cyrian. Uma única linha de
caçadores, junto com os lobos e ursos, permanece entre eles
enquanto Cyrian fica bem atrás, seus braços levantados, luz escura
vazando de suas mãos.
Um dos caçadores que enfrenta Nathaniel é Cobra, a longa
cicatriz em seu braço visível quando ele balança seu machado. Eu vi
Nathaniel derrubar caçadores em segundos, mas a silhueta de Cobra
pisca com uma luz escura. Só posso imaginar que Cyrian está dando
a seus homens força, velocidade e invencibilidade.
Imatra finalmente assumiu o controle do ar acima da posição
de Nathaniel. As feéricas agora estão atacando do céu enquanto os
caçadores de Cyrian atacam do solo.
Não preciso dizer ao Dragão Vanem o que precisamos fazer.
Ele dispara pelo céu em direção à feérica do Solstício circulando a
localização de Nathaniel. O rugido da batalha abaixo de nós me
atinge. Sou treinada para bloqueá-lo, para me concentrar. Se eu não
estivesse, eu me enrolaria de medo agora. O chão já está coberto de
mortos e moribundos, os caídos deitados sobre as flores esmagadas.
No chão, Nathaniel balança sua alabarda, interceptando o corte
do machado de Cobra antes de girar para desviar um rápido fluxo
de luz do fogo lançado pelas quatro feéricos circulando acima dele
em seus pássaros-trovão. Cada raio atinge a arma de Nathaniel e
ricocheteia no ar, forçando-os a se espalhar.
Não vai demorar muito para eles se reagruparem e tentarem
novamente.
O olhar de Nathaniel sobe para mim enquanto o dragão voa
em sua direção. Qualquer distração pode matá-lo, mas não perco o
sorriso feroz que toca seus lábios quando ele me vê.
Ele sabia que eu não ficaria fora da luta.
Meu poder exige ser liberado no reagrupamento feérico
voando acima de Nathaniel, mas eu tenho que controlá-lo,
concentrá-lo e mirar em meus inimigos com cuidado. Qualquer ação
imprudente da minha parte pode matar o pessoal de Nathaniel.
Assim que me preparo para mirar, o Dragão Vanem sobe
rapidamente. Olho para trás para ver que as feéricos que nos
seguiram também se reagruparam, agora lançando correntes
alternadas de fogo e gelo em mim.
O Dragão Vanem rapidamente despenca, logo acima da feérica
atacando Nathaniel. Me inclino sobre o lado do dragão, mal
segurando enquanto estendo meu braço esquerdo sob sua asa e miro
na feérica do Solstício voando diretamente para Nathaniel, seu
poder crescendo em torno de seu torso. Ela está se aproximando de
suas costas desta vez, cronometrando seu ataque para o momento
em que Cobra ataca para que Nathaniel fique mais vulnerável.
A luz das estrelas dispara da minha mão, mais do que eu
pretendia, direto para o peito dela. Ele lava seu poder antes de cortar
seu corpo. Ela nem grita. Seu corpo se dobra antes que ela caia de
seu pássaro. Ela está morta antes de atingir o chão, caindo aos pés de
um dos caçadores restantes.
Eu aperto meus olhos fechados, de repente com medo do poder
dentro de mim, com medo de sua destruição, quão rápido ele cortou
uma mulher que eu teria protegido uma vez.
Uma rajada de vento ao nosso redor me obriga a me
concentrar.
As feéricas que estão nos seguindo estão coordenando seus
ataques, as feéricos do gelo combinando seu poder sobre o vento
para perturbar o vôo do Dragão Vanem, forçando-o no caminho da
luz do fogo das feéricas do Solstício.
As chamas passam pelo meu torso, perto demais para o
conforto.
— Você deve permanecer viva! — yo Dragão Vanem ruge,
como se ouvisse minhas dúvidas internas. — Elas não são mais seu
povo. Você deve lutar com tudo que você tem. Mesmo que seu
poder te deixe com medo.
Toda vez que lutei para manter Nathaniel vivo, disse a mim
mesma que isso levaria ao melhor resultado para o meu povo, os
Feéricos. Mas o Dragão Vanem está certo.
Eu não tenho um povo.
Eu só tenho família. Eu tenho Crispin e Evander. Talsa.
Possivelmente Serena à sua maneira.
Mas mais do que qualquer outra pessoa na minha vida, eu
tenho Nathaniel.
Imatra tentou me fazer acreditar que eu não tinha escolha sobre
amá-lo, mas quando ele segurou meu coração por todos esses anos...
isso significava apenas que nos conhecíamos antes de nos
conhecermos.
Levantando-me, me equilibro nas costas do Dragão Vanem,
encaro as Feérica que se aproxima e libero meu poder. Abrindo o
vasto abismo dentro do meu peito, permito que a velha magia flua
através de mim. Explodindo a luz das estrelas nos corações das
feéricas que nos perseguem, corto seus corpos um por um,
derrubando-as de seus pássaros, enchendo o céu com a luz das
estrelas e sangue como se eu estivesse explodindo flocos de neve
com Evander novamente. Exceto que este jogo é mortal.
Giro em todas as direções, meu poder fluindo de mim em raios
fatais, limpando o céu acima de Nathaniel.
Seu rugido chama minha atenção para os caçadores no chão.
Nathaniel grita por Hagan e Christiana enquanto luta com Cobra. A
alabarda de Nathaniel empurra a espada erguida de Cobra. A luz na
alabarda afasta a escuridão ao redor do corpo de Cobra, tornando-o
vulnerável, mas apenas por um momento. À esquerda de Nathaniel,
a adaga de Hagan é um borrão, seus músculos se contraem enquanto
ele aponta sua arma para o lado exposto de Cobra. Ao mesmo
tempo, a espada de Christiana rasga a garganta de Cobra.
O caçador cai, esmagando flores sob seu grande corpo.
Minha respiração fica presa na garganta quando a arma de
Nathaniel encontra o próximo caçador enquanto Hagan e Christiana
lutam ao lado dele, os três coordenando seus ataques agora, como se
tivessem praticado muitas vezes antes. Juntos, eles atravessam os
caçadores restantes com cortes rápidos e brutais.
Cyrian ruge de raiva, mas ele ainda tem seus lobos e ursos para
se proteger, assim como sua magia negra.
Estou desconfiada de Imatra quando ela cai nas costas de seu
pássaro-trovão à distância. Parece que ela está se preparando para
voar em nossa direção agora, e eu tenho que manter Nathaniel vivo.
— Dragão! — Grito.
Ele responde imediatamente, abrindo caminho em direção aos
lobos e ursos. Posso não ser capaz de matar Imatra ou Cyrian, mas
posso proteger Nathaniel da mesma forma que o protegi dos lobos
em nosso segundo dia.
Assim que meus braços se estendem, uma explosão pesada me
derruba das costas do dragão.
O impacto é como um gancho, puxando-me para o chão.
Caio, tentando colocar meus pés sob mim antes de atingir o
chão, mas a força que me arrasta para baixo me tira o equilíbrio,
puxando meus ombros mais rápido do que minhas pernas. Bato na
terra, atingindo-a do meu lado assim que identifico a fonte do poder:
Cyrian.
A dor explode através de mim. Meu poder se libera, mas estala
sob a luz negra esmagadora que me envolve em ondas.
Cheira a morte. Doentia. Virando meu estômago.
O chão se move abaixo de mim e cordas grossas se erguem da
terra, saindo da lama para se enrolar em meus pés e tronco. Elas
deslizam em torno de mim como cobras, sibilando e puxando com
força.
Meu poder se recupera o suficiente para explodir em meus
braços e pernas, mas se divide nas cordas que me seguram. Fios do
meu poder fluem além de mim, alcançando a borda da Forca
Nebulosa e passando por ela como fitas brilhantes.
Por um segundo, formas se iluminam dentro da névoa.
Formas humanas. Todas amarradas e amordaçadas.
Muitas delas estão mortas, esparramadas na lama, seus olhos
vidrados voltados para mim. Estou chocada ao ver Ethel, e os outros
senhores e senhoras, entre os mortos. O braço de Ethel estremece,
como se sua energia vital tivesse acabado de ser consumida para
criar as cordas que agora me prendem.
Cyrian tem usado sua energia vital para alimentar sua magia
negra, matando os humanos um por um.
Mesmo seus aliados não estão seguros.
Dentro do Forca Nebulosa, uma figura feminina corre entre os
mortos, parando ao lado de uma garota que ainda vive. Quando a
mulher entra na minha luz, reconheço Mathilda. Ela carrega uma
faca que usa para cortar rapidamente as amarras da garota,
soltando-a, incitando-a a correr. No momento em que a criança está
livre, Mathilda se vira para a próxima pessoa, mas ela está muito
perto de Cyrian agora.
Seus olhos se arregalam quando ela me vê ao longe. A luz
escura cintila ao redor de seu corpo, um escudo protetor. Mesmo
assim, a magia negra de Cyrian é forte o suficiente para me prender.
Mathilda não será capaz de lutar contra isso.
Grito para ela correr, mas a próxima onda de luz negra de
Cyrian se forma, rompendo seu escudo e sugando a energia vital de
seu corpo antes que ela possa se mover.
Ela cai no chão, seus olhos vagos.
Seu poder dá a Cyrian mais força do que a energia dos
humanos. As cordas ao meu redor apertam, espremendo a
respiração do meu peito enquanto eu luto contra elas.
— Aura! — O dragão grita acima de mim. — Levante!
O fogo cresce dentro da boca do dragão enquanto ele se
prepara para derramar chamas no chão entre mim e Cyrian, mas
uma nova explosão de magia atinge seu lado, chamas explodindo
por todo o seu corpo. Suas asas se dobram e seus olhos ficam
vidrados. Ele cai do ar e cai na lama, seu grande corpo batendo nas
árvores, quebrando-as quando ele para e fica imóvel.
Imatra voa em minha direção, de pé em seu pássaro-trovão,
seus braços abaixados. Muito atrás dela, quatro mulheres feéricas de
repente caem de seus pássaros, mortas. Assim como Cyrian, ela
agora está usando seu povo para se tornar mais forte.
Ela salta de seu pássaro, pousando graciosamente no chão,
caminhando em minha direção no mesmo ritmo rápido de Cyrian,
ambos os braços estendidos, luz escura fluindo para mim de ambos
os lados.
Meu poder pulsa, empurrando para trás, forçando as cordas a
se soltarem, mas o fedor repugnante da morte enche minha cabeça,
fluindo em mim.
Outras três mulheres caem ao longe.
Não consigo ver os humanos restantes escondidos na névoa,
mas sinto seus gritos silenciosos antes que se calem.
— Eu puxei você do céu, Aura. — Imatra grita para mim, suas
outrora belas feições retorcidas e cruéis. — Vou enterrá-la no chão.
Do outro lado da clareira, os ursos e lobos que eu estava
tentando subjugar agora estão livres, correndo para Nathaniel, seus
dentes cortando o ar, garras cortando enquanto saltam sobre ele.
Impossivelmente, seu foco está em mim.
Se eu morrer, ele morre.
Mas o medo em seus olhos não é por ele mesmo.
— Aura! — Ele grita, um segundo antes do primeiro lobo
alcançá-lo e ele ser forçado a mudar seu foco.
Hagan soca um dos lobos no ar enquanto Christiana dá um
passo na frente de outro, espetando-o na barriga. Os ataques dos
lobos não são naturais, destemidos, alimentados por magia negra
que os torna estúpidos enquanto seus dentes e garras cortam tudo ao
seu redor.
Os ursos estão logo atrás deles. Um deles pula nas costas de
Hagan, atacando-o enquanto ele tenta lutar contra um lobo,
enquanto um segundo urso se choca contra Nathaniel, suas garras
cortando seu peito enquanto o derruba no chão. Christiana grita,
esfaqueando descontroladamente as costas do urso atacando
Nathaniel antes que outro lobo salte sobre ela, forçando-a a se
defender.
O urso que esbarrou em Nathaniel se levanta, preparando-se
para arrancar sua garganta.
As oscilações no meu peito param.
Desta vez, não posso impedir que isso aconteça. Não posso ser
o escudo dele.
A luz irrompe do peito de Nathaniel, atravessando o corpo do
urso. A ponta de sua alabarda crava em sua garganta. Com um
rugido de esforço, ele empurra o animal de cima de si e rola para
ficar de pé.
Ele está coberto de sangue agora e não sei quanto é dele.
Em uma explosão brilhante de luz, ele gira, cortando o urso
que está atacando Hagan antes de Nathaniel girar e cortar a cabeça
do lobo que está atacando Christiana.
Quando o último animal morre, Christiana e Hagan caem no
chão, feridos. Eles se arrastam pela terra quando Nathaniel grita: —
Fiquem atrás de mim!
No momento em que Hagan e Christiana estão livres,
Nathaniel cai de joelhos, derrubando sua alabarda no chão. A
explosão de luz mágica flui através da clareira em minha direção,
derrubando Cyrian, atingindo Imatra com tanta força que ela voa
para trás.
A explosão queima as cordas ao meu redor e o cheiro da morte
se dissipa.
Minha cabeça clareia, preenchida com a luz de Nathaniel.
A velha magia dentro de mim responde, me levantando. A
sensação de liberdade dentro de mim me faz sentir leve.
Em ambos os lados de mim, Cyrian e Imatra se recuperam, a
luz escura se formando ao redor deles novamente, seus rostos
cinzentos e pálidos, seus olhos iluminados com malícia, enquanto
eles voltam para mim.
Minha magia aumenta quando estendo meus braços para eles,
mas Nathaniel também corre em minha direção, seus braços
bombeando, pernas esticando, correndo para me alcançar antes
deles. Cada músculo em seu corpo fica tenso, seus olhos escuros
queimando através de mim, mais escaldantes do que qualquer
magia que eu já senti.
Ele balança sua arma enquanto grita: — Aura, desça!
Caindo para trás em um agachamento, eu me abaixo quando a
lâmina brilhante de sua arma corta o ar acima do meu corpo.
Ela bate no peito de Cyrian, cortando-o. O peito de Cyrian se
separa em um jato de sangue enquanto a magia da luz corta a magia
negra que se forma ao seu redor. A escuridão grita como uma coisa
viva, misturando-se com o rugido moribundo de Cyrian.
Em um jato de sangue, Nathaniel puxa a arma para cima,
girando na outra direção e girando a lâmina novamente.
O aço brilhante esculpe um caminho através do prédio de luz
escura ao redor de Imatra.
Seu grito ressoa ao meu redor, sua magia recuando, mas minha
luz estelar brilha. Não para ela. Meu poder flui para Nathaniel,
preenchendo o espaço entre nós, unindo-se com as cintilações da
minha luz das estrelas que já existem dentro de seu corpo. Nosso
poder, dele e meu combinados, brilha tão afiado quanto sua lâmina.
Imatra tenta controlar os poderes feéricos que ela sempre
afirmou ter, mas o vento é uma brisa fraca ao seu redor agora. As
trepadeiras que ela tenta conjurar do chão murcham antes que
possam se enroscar em nós. Seu poder de crepitação é interrompido
tão abruptamente quanto seu grito.
A arma de Nathaniel atravessa seu pescoço, separando sua
cabeça de seu corpo.
Sua magia desaparece.
Meu peito arfa. Minha respiração é curta e afiada quando eu
olho para Nathaniel.
O silêncio cai sobre o campo de batalha. Todos os humanos e
feéricos param no meio do movimento, no meio do vôo, afastando-
se um do outro.
Antes que eu possa ficar de pé, Nathaniel se ajoelha para mim,
passando a palma da mão em minha bochecha.
— Imatra e Cyrian estão mortos. — Diz ele, seu discurso
formal, como se estivesse falando o que é obrigado a dizer. — Meus
traidores caíram. O trono Caído é meu. O Caminho do Rei Traído...
terminou.
À distância, Hagan e Christiana se amontoam no chão
ensanguentado. Hagan a puxa para perto, acariciando seu cabelo,
esfregando suas costas enquanto ela se aninha contra ele, soluçando
em seu peito. Ela inclina a cabeça para trás para vê-lo. Não consigo
ouvir o que ela diz a ele, mas não cabe a mim saber de qualquer
maneira.
À distância, a batalha entre os humanos e as feéricos parou. As
feéricas que eram leais a Imatra estão se retirando para além das
linhas de batalha, um sinal de que não pretendem retomar a luta.
Pelo menos por agora.
Serena e os outros ainda não pousaram, voando
cautelosamente para o lado. Eles lutaram pelos humanos, mas o
povo de Nathaniel não confiará neles facilmente e eles devem evitar
qualquer ação que possa ser interpretada como agressiva agora.
Ao longe, o Dragão Vanem se agita, dando sinais de que está se
recuperando.
— Acabou. — Sussurro.
Nathaniel desliza seus braços em volta de mim, puxando-me
para perto enquanto permanecemos ajoelhados, mas sua mandíbula
está tensa, sua respiração muito rápida, seu coração batendo muito
rápido em meus ouvidos. Digo a mim mesmo que é da batalha, que
meu próprio peito está tremendo por causa do esforço. Não tem
nada a ver com o pavor crescendo dentro de mim.
— Nathaniel? — Inclino minha cabeça para trás para encontrá-
lo olhando para o céu, da mesma forma que ele olhou para cima
antes de invocar o Caminho.
O céu está mais claro. O sol nascerá em breve.
— Não acabou. — Diz ele, uma verdade que eu temo.
Ele me esmaga perto, mas eu me recuso a liberá-lo do meu
olhar. Começo a falar devagar, depois mais rápido.
— O Dragão Vanem disse… a Lei dos Campeões foi suspensa.
— Suspensa. Não acabou.
Nathaniel acaricia minhas bochechas como se pudesse me
segurar para sempre. Ele deixa cair a testa na minha, uma leve
pressão, mas eu sinto a urgência em seu movimento.
Ele sussurra o que tenho medo de ouvir.
— Eu não quero lutar com você, Aura.
Capitulo 26
Arrepios balançam meu corpo.
Se nos recusarmos a lutar, morreremos ao amanhecer. Não sei
por quem estou lutando agora que Imatra está morta, mas não
importa, porque estou preparada para enfrentar meu destino.
Nathaniel não quer lutar comigo, mas eu não vou aceitar isso.
Não permitirei que ele morra.
O empurro para longe de mim, segurando meu poder e o
contendo dentro de mim, embora eu queira liberá-lo com um grito
de raiva.
Nathaniel continua ajoelhado no chão, o cabelo grudado nas
bochechas salpicadas de sangue, os lábios contraídos, mas não a
piedade.
Meu peito arfa quando olho para ele, para a alabarda que ele
colocou cuidadosamente no chão ao lado dele. Eu olho para trás em
direção ao leste, para o horizonte onde o céu está clareando a cada
segundo que passa.
Girando de volta para ele, minha voz é áspera com desespero.
— Pegue sua arma.
Ele balança a cabeça, um movimento lento e determinado,
negando-me a única coisa que preciso dele.
— Pegue sua arma!
Meu grito ecoa ao nosso redor, assustando Christiana e Hagan,
até mesmo os feéricos e humanos que ainda estão se recuperando à
distância. O zumbido da minha magia percorre a névoa e sobe no ar.
Uma nuvem de mariposas de mofo prateado flutua, perturbada, fora
da névoa e voa para o leste ao longo da borda da Forca, flutuando no
ar acima do dragão antes de desaparecer em direção ao horizonte
clareador.
— Nathaniel! — Meu punho dispara, acertando sua bochecha,
mas ele recebe o golpe, apoiando-se nas mãos em vez de retaliar. —
Você lutou pelo seu trono. Se você me matar, você pode ser o Rei de
Todos. Como você pode jogar isso fora?
— O trono está seguro. Christiana será uma boa rainha. Hagan
irá ajudá-la. Eles não cometerão os mesmos erros do passado.
— Mas você vai morrer!
Ele olha para mim, seu olhar passando pelo meu rosto.
— Prefiro morrer a viver cem anos com o coração vazio porque
matei você.
A luz dentro do meu peito queima, me dilacerando.
Balanço minha cabeça não.
— Você me prometeu! — Grito, acertando um golpe cruel
contra seu ombro, tentando provocá-lo, precisando que ele revide.
Meu punho bate em sua bochecha novamente. — Você prometeu
lutar comigo!
Meus golpes chovem em seu corpo e cabeça, selvagens e
desesperados, mas só há uma coisa que posso fazer para fazê-lo se
mover contra mim.
Eu me inclino para sua arma.
Minha mão esquerda mal se fecha ao redor do cabo antes que o
punho de Nathaniel a agarre, parando a alabarda no ar enquanto
tento levantá-la.
Um olhar cauteloso entra em seus olhos.
Esta arma – a luz – é importante para o futuro do ser humano.
Ele pode estar preparado para morrer, mas Christiana precisará
desta lâmina depois que ele morrer.
Meus lábios torcem. Ameaças cruéis saem da minha boca.
— Vou tirar a luz de você. Eu vou quebrá-la. Arrancar suas
lâminas. Destruir sua magia. Queimá-la. A menos que você me
impeça.
Eu puxo a lâmina para cima enquanto ele a segura. Ao mesmo
tempo, pego a espada líquida em meu ombro.
Ele salta de pé, ágil e suave, apesar de quão cansado ele deve
estar.
Eu golpeio.
Minha espada corta em direção ao seu peito. Estou pronta para
desviar para o lado se for preciso, mas seus braços disparam para
cima, puxando a alabarda para uma posição defensiva. A lâmina de
sua arma range contra a borda perversamente afiada da minha
espada, parando meu golpe bem a tempo. As lâminas faiscam uma
contra a outra antes de eu pular de volta para o único trecho de
terreno limpo atrás de mim, longe dos corpos.
Seguro minha espada, testando seu equilíbrio enquanto
Nathaniel ronda em minha direção.
Sua voz é um estrondo baixo, transmitindo o perigo que eu
quero dele.
— Não faça isso, Aura.
Balanço minha cabeça para ele, lentamente.
— Sempre viemos para cá, Nathaniel. Desde o momento em
que nos conhecemos.
Ele se ergue em toda a sua altura, ombros para trás, sua arma
segura em seu aperto forte.
Seus lábios se abaixam, realmente com raiva de mim.
— Não.
— Eu sou sua inimiga, Nathaniel. — Digo. — Você me
perguntou o que eu escolheria se não houvesse Feéricos e Caídos.
Bem, eu não sou nenhum dos dois. Não tenho escolha porque não
pertenço a este lugar. Eu nunca pertenci.
Ele pisa no terreno limpo e isso é tudo que eu preciso. Já
guardei a luz dentro do meu peito, o fogo que arde por ele.
Caminhando em direção a ele, levanto minha arma, varrendo-a
em direção à sua garganta. Ele bloqueia o golpe, mas minha mão
esquerda dispara, a luz das estrelas riscando entre nós, mordendo
seu rosto e mãos. Ele reage por instinto, provocado pela dor, sua
alabarda brilhando enquanto ele corta o ar, bloqueando meu poder e
me forçando a ficar com o pé atrás.
Ele contra-ataca.
Nossas armas se chocam, colidindo uma contra a outra com
tanta força que a magia de luz dele e a minha luz estelar explodem
ao nosso redor, duas forças imensas explodindo no campo e no céu.
Cada feérico e humano que estava perto de nós se vira e corre,
escapando da energia mortal que se derrama ao nosso redor.
Quebro a conexão antes que minha luz das estrelas corte sua
arma, habilmente posicionando minha lâmina para que ele seja
forçado a retaliar.
Trocamos golpes na velocidade da luz, cada tentativa mortal
mais brutal que a anterior enquanto lutamos com tudo o que temos.
Meus músculos gritam quando recebo a força dos golpes de
Nathaniel, sua força. A luz mágica em sua arma flui através de mim
toda vez que nossas lâminas se conectam, uma estranha agonia de
dor e leveza enquanto eu luto com minha luz estelar, cada mordida
afiada fazendo seus instintos dispararem, não lhe dando tempo para
pensar ou questionar.
Estou de frente para o oeste, longe do sol, esperando o
momento pouco antes dos primeiros raios atingirem o ar, lutando
contra Nathaniel com cada músculo do meu corpo, cada respiração
irregular até então.
Acima de nós, o céu se ilumina.
O contorno da lua torna-se pálido e as estrelas desaparecem.
Meu tempo acabou.
— Onde está o seu poder, Nathaniel? — Grito para ele,
derramando minha luz estelar em seu rosto, enchendo sua visão com
uma luz branca brilhante enquanto nossas lâminas se chocam tão
selvagemente que o metal range.
Por um momento, ele não pode me ver.
Meu momento final.
Minha espada se choca contra a lâmina de sua alabarda e
desliza para cima. Eu estava segurando minha arma com as duas
mãos, mas agora a soltei, minha mão direita voando longe. Ao
mesmo tempo, agarro sua alabarda com a mão esquerda e acrescento
minha força ao seu impulso, puxando a lâmina em minha direção
com um único golpe brutal.
A magia de luz inunda sua arma, dando-lhe o poder de cortar
minha armadura.
Sua lâmina abre um espaço no meu peito.
Meu poder bate para fora, magia crua se espalhando por
Nathaniel e o campo enquanto os pedaços do meu coração são
expostos. Fragmentos moribundos cortados ao meio.
Meus joelhos não podem me segurar.
Escorrego para o chão, mas as mãos de Nathaniel disparam,
seus músculos tensos, um reflexo quando ele me pega, seus braços
circulando minhas costas, traçando meu corpo apenas pelo tato.
Finalmente, sua visão clareia, minha luz estelar desaparecendo
de seu rosto, seus olhos arregalados focando em mim. Na lâmina.
Em meu peito aberto e meu sangue prateado fluindo para a terra
lamacenta.
— Aura! — Seu rugido é fraco em meus ouvidos, embora ele
esteja gritando comigo. — O que você fez? Aura!
Ele me agarra, tentando apoiar minha cabeça, tentando me
manter de pé.
Sua voz está distante e desaparecendo, gritando comigo
enquanto ele cai no chão comigo, balançando-me em seus braços.
— Não … Por favor … AURA!
Os primeiros raios do sol varrem o campo de batalha enquanto
minha cabeça se inclina para trás e minha visão finalmente falha.
A morte é minha.
Agora ele vai viver.
Capitulo 27
Aqui não há espera.
Dentro de uma única batida, tudo muda ao meu redor.
Estou em um espaço vasto e vazio.
A escuridão se espalha em todas as direções. Não tem cantos
ou arestas, nem começo nem fim.
É o meu nada, o lugar que eu temia que meu coração me
levaria.
Estou usando minha armadura índigo. Meu peito está inteiro,
não cortado, mas o sangue prateado escorre pelo meu braço
esquerdo do meu ombro, escorrendo pela palma da minha mão. A
cor do meu sangue é o que deve ter assustado Nadina quando lutei
com ela. Gotas lentas de um líquido prateado caem do meu dedo
indicador e desaparecem silenciosamente no nada aos meus pés,
uma lembrança da minha morte.
Eu estou morta.
Não há som ou brisa, mas sombras tomam forma à distância,
quatro figuras caminhando em minha direção da esquerda, direita,
frente e atrás, como se cada uma delas ocupasse os quatro cantos do
mundo e agora estivessem convergindo umas para as outras.
Eu as reconheço, embora nunca as tenha visto antes. Na
verdade.
Uma luz carmesim envolve a mulher à minha esquerda, flores
caindo em cascata de sua tiara por seus longos cabelos cor de âmbar,
caindo até a bainha de seu vestido longo. Ela para a uma distância
segura, me observando com olhos penetrantes, a cabeça erguida.
A mulher humana do meu outro lado inclina a cabeça com
cautela enquanto para um pouco mais perto de mim, a luz dourada
brilhando na armadura que envolve seu corpo musculoso, enquanto
sua alabarda fica confortavelmente em suas costas.
Atrás de mim, sinto a aproximação do homem cuja coroa está
em volta dos olhos, escondendo sua visão. Meio me virando para vê-
lo, meu olhar passa dos pontos no topo de sua coroa negra,
descendo por seu rosto cinza até a parte inferior de sua longa túnica
preta que balança pelo chão. Sua silhueta pisca com a luz escura,
fazendo-o parecer um fantasma enquanto ele desliza até parar,
ficando o mais distante possível.
A figura final é a menina de cabelos brancos que voam ao seu
lado como se caminhasse em uma brisa que não consigo sentir. Seu
vestido perolado ondula suavemente, mas seu olhar brilhante de
marfim passa cautelosamente pelos outros antes de pousar em mim.
A luz dança ao seu redor enquanto ela se move, fazendo-a parecer
que nunca está em um lugar por mais de um segundo.
Cada um deles se encara, seus braços ligeiramente estendidos
ao lado do corpo, seu poder piscando em seus dedos. Dourado,
carmesim, branco e preto.
A tensão aumenta ao meu redor, uma carga no ar.
Quebro o silêncio.
— Por que estou aqui?
Minha voz soa fraca. Tão longe quanto os gritos de dor de
Nathaniel quando ele chamou meu nome enquanto eu morria. É
como se eu estivesse me ouvindo através da água, como se meu
coração tivesse afundado no lago giratório novamente.
Eu não gosto disso. De alguma forma, minha alma me trouxe a
este lugar, mas não vou aceitar que não tenho controle sobre o que
acontece aqui.
Assim que falo, os recém-chegados parecem assustados,
olhando uns para os outros.
Os olhos da mulher humana estão arregalados quando ela
levanta a mandíbula. Ela dá um silvo chocado, falando sobre mim
como se eu não estivesse aqui.
— Ela não deveria ter voz!
Do meu outro lado, a mulher feérica arqueia uma sobrancelha,
tentando mascarar sua própria surpresa com uma declaração altiva.
— Claramente, sua magia ainda não se separou de sua alma.
Talvez tenhamos chegado muito cedo.
Eu me viro para a garota, cuja silhueta brilhante pisca e vibra
quando ela dá um passo para perto de mim. Ela examina meus olhos,
a primeira a falar diretamente comigo.
— Você sabe quem nós somos?
— Vocês são os guardiões da magia. — Digo.
Por causa de suas posições ao meu redor, é impossível manter
todos eles à minha vista ao mesmo tempo, mas sinto a escuridão
crescendo atrás de mim por causa do homem cego.
— Correto — Ele sussurra, sua voz muito mais próxima do que
eu gostaria, enviando um arrepio na minha espinha. — Você, por
outro lado, é um problema.
— Um problema? — Me viro para ele enquanto me mantenho
firme. — Por que?
Ele não responde. Em vez disso, a feérica coloca seu cabelo
âmbar atrás da orelha enquanto começa a circular ao meu redor.
— Para começar, você ainda tem voz. E segundo... sua magia
chamou todos nós.
— Por que isso é um problema? — Exijo saber.
A garota de vestido branco pisca mais perto, sua forma
brilhando e desaparecendo enquanto ela flutua ao meu redor,
traçando um caminho que evita a feérica.
— Quando a magia morre, deve ser reivindicada. — Diz ela. —
Temos a responsabilidade de garantir que toda a magia retorne ao
seu legítimo detentor. Toda magia deve ser... controlada. — Ela olha
para os outros. — Infelizmente, parece que todos nós temos uma
reclamação sobre você.
Conforme ela se move, a mulher humana, a guardiã da magia
da luz, também começa a vagar lentamente ao meu redor, traçando
um arco mais amplo do que as outras duas mulheres e caminhando
na direção oposta. Agora todos os três estão me circulando como
luas ao redor de um sol.
— Seu coração foi mantido por um Coração Brilhante que
carregava a luz. — Diz a mulher, estendendo a mão para trás para
bater no cabo de sua arma. — Sua magia pertence a mim.
A mulher feérica zomba.
— Dificilmente. Ela viveu a vida de uma feérica. Ela
intencionalmente moldou sua magia aos costumes e crenças deles.
Ela assumiu suas características. A magia dela pertence a mim.
— Mas foi magia negra que a criou. — O homem rosna, sua
forma ainda é um ponto escuro na minha visão. — A magia negra a
puxou do céu e quebrou seu coração em pedaços. Ela tem cicatrizes
que queimam com a escuridão sob sua luz. Eu vejo a escuridão nela.
Ela não pode esconder isso de mim. A magia dela é minha!
A menina levanta a voz, um grito que vibra no ar como um
caco de vidro zumbe antes de se estilhaçar.
— Ela é Lucidia! Uma Estrela Celestial. A magia mais antiga.
Sua essência nunca mudou. Ela é minha.
— Parem! — Grito. A raiva cresce dentro de mim, quente e
fervente. Eles estão falando sobre mim como se eu não existisse
mais, como se eu fosse algo a ser possuído, meu coração uma posse.
Um troféu.
Dou um passo ameaçador em direção à mulher feérica, que se
moveu para mais perto de mim. Meus olhos se estreitam em fendas
afiadas enquanto alcanço a adaga que deveria descansar contra meu
quadril, mas não está lá. Parece que minha armadura não funciona
normalmente neste lugar. Não tenho armas, exceto meu corpo e
minha mente.
A feérica para de repente e pisca para mim. Seus lábios estão
entreabertos em surpresa novamente.
Meu sangue prateado pinga no nada abaixo de mim enquanto
continuo a fechar a lacuna.
— Por que — Pergunto.— você acha que eu aceitaria pertencer a
algum de vocês?
— É a lei. — A mulher feérica diz. — Sua magia deve retornar
para um de nós. — Ela dá uma risada, mas sua diversão desaparece
enquanto continuo a encará-la. — Essas são as regras. — Ela repete.
— É apenas uma questão de quem tem o direito de reivindicá-la.
— A lei? — Rosno. — As regras? Estou farta das malditas
regras. Eu morri por causa das regras. Não serei mais controlada por
regras ou leis. Nem. Por. Mais. Um. Segundo.
Minha explosão faz os guardiões congelarem novamente.
Todos eles me encaram, parecendo tão cautelosos comigo quanto
eram uns com os outros quando chegaram.
A garota encontra sua voz primeiro.
— Você se recusa a obedecer?
Lancei meu olhar sobre cada um deles.
— Eu vou lhes fazer uma promessa. Quem pode me vencer é
quem tem o direito de me reivindicar.
A garota arqueia uma sobrancelha para mim e depois para os
outros.
— Bem, isso parece sensato. Quem pode dominá-la obviamente
tem mais direito à sua magia. — Ela gira para a feérica. — Feérica,
por que você não tenta primeiro?
A feérica sibila para a garota.
— Só porque você acha que minha reivindicação é a mais
fraca…
Ela acha que não estou prestando atenção. Enquanto ela fala,
seu poder se acumula em seu peito e se acumula em suas palmas.
Luz do fogo... Geada... Primavera... Colheita... Alvorecer...
Crepúsculo... Cada poder controlado separadamente e
completamente.
Sinto a aproximação de pássaros-1trovão atrás e acima de mim,
ilusões que ela controla com seus pensamentos. Sinto o chão sob
meus pés ganhando vida com plantas e sua preparação para se curar
se estiver ferida. Uma leve brisa sopra ao meu redor, esfriando meu
rosto enquanto o calor nas minhas costas aumenta como uma
fornalha.
Ela chama todos os seus poderes no espaço de uma única
respiração, uma respiração que eu expiro, congelando no ar
enquanto o suor escorre pelas minhas costas.
Ela pisca. Só uma vez.
Os pássaros-trovão tomam forma e se enfurecem em minha
direção, crepitando com relâmpagos, suas garras estendidas e
prontas para arrancar minha cabeça. Vinhas brotam sob meus pés,
chicoteando em torno de minhas pernas, preparando-se para puxar
o que resta do meu corpo na direção oposta. O gelo congela em meu
peito, cobrindo minha armadura e tornando-a quebradiça. O fogo
queimando minhas costas, uma agonia gritante me atravessando.
Meu peito brilha. Um único baque pulsa da localização do meu
coração.
Os perigos param ao meu redor, suspensos. Garras mortais
brilham, trepadeiras espinhosas cortam minhas panturrilhas, minha
pele queima com gelo e chamas. Os braços da mulher feérica estão
estendidos, todos os seus poderes fluindo para mim.
Eu tomo minha própria respiração, arrastando o ar para o meu
corpo.
Ar doce e fresco.
Baque.
A luz das estrelas explode através dos pássaros, das vinhas, do
gelo e das chamas e joga a mulher feérica para trás. Fragmentos de
gelo perfuram seu peito e espinhos atingem seus braços. Sua tiara
voa de sua cabeça e cai no nada, desaparecendo na escuridão. Ela
grita, tentando parar sua descida, estendendo a mão
desesperadamente enquanto o vazio a suga.
Eu giro para a mulher humana, meu braço esquerdo voando
para cima para bloquear o corte descendente de sua arma, minha
palma direita pressionando seu peito. Sua luz mágica ondula através
de mim, sua alabarda vibrante com poder.
Baque.
Meu poder irrompe pela palma da mão diretamente em seu
coração, jogando-a para longe de mim. Seus olhos se arregalam, sua
boca se abre. Ela grita, tentando segurar sua arma, mas ela gira, e
vontinua girando descontroladamente no nada, levando-a com ela.
A magia negra cai sobre mim como um cobertor pesado,
sufocando meus pensamentos e meus instintos, me pressionando
enquanto o homem sussurra dentro da minha mente.
— Eu não preciso de visão para ver a escuridão em seu coração.
Você vai sucumbir a mim.
— Todos nós temos escuridão. — Digo, levantando-me.
Baque.
A luz das estrelas atravessa seu corpo, abrindo buracos em sua
capa e derrubando a coroa de sua cabeça. Seus olhos estão ocos. Ele
grita e joga o braço sobre os olhos, sua luz escura se desintegrando
como papel em chamas.
Sua coroa salta contra o nada, ressoa e então desaparece
enquanto seu corpo se infiltra nela, seu grito desaparecendo.
Eu me viro para a garota, mas ela se afasta, a luz em seus olhos
afiada com medo.
— O que você é? — Ela pergunta.
Expiro e permito que o silêncio se estenda.
— Você não é a primeira a me perguntar isso.
Seus olhos brancos se estreitam, brilhando de
descontentamento.
— Isso não é uma resposta.
Inclino minha cabeça para o lado.
— Talvez você nunca saiba o que eu sou.
Cruzando lentamente os braços sobre o peito, enrolo os dedos
da mão esquerda em volta do braço direito.
Meu corpo não parece como antes. Eu costumava ter um
coração fantasma, batimentos regulares que eu tinha certeza que
podia sentir. Quando Nathaniel me devolveu a peça que ele tinha
guardado, meus batimentos cardíacos tornaram-se bruxuleantes,
brilhando quente ou frio, dependendo das minhas emoções.
Agora eu espero pela próxima batida sólida.
O próximo baque.
Uma luz calculista entra nos olhos da garota, uma ruga
determinada se formando em sua testa, um sorriso confiante
contorcendo seus lábios.
— Bem. — Diz ela. — Não vai importar no final. O que importa
é se você pode ou não me derrotar...
Sua luz estelar cai em minha direção, uma força explosiva tão
imensa que vai me destruir, corpo e mente.
O ar escapa dos meus lábios.
Respire, Aura.
Sinto o formigamento no meu tronco, o impulso mais básico...
O baque chuta meu peito. Ao mesmo tempo, passo o dedo
indicador.
A mais fina lasca de luz das estrelas, não muito maior que uma
agulha, atravessa a distância, cortando o poder da garota. Ele a
atinge diretamente na testa antes de disparar do outro lado.
Seu ataque diminui na minha frente, seu poder lavando
inofensivamente no nada.
Ela pisca duas vezes. Depois mais devagar.
Uma alfinetada de sangue prateado desliza entre seus olhos do
ponto onde meu poder a atingiu. Ela estende a mão para tocá-lo,
então olha para a ponta do dedo.
Seus lábios se separam, sua respiração aumentando.
— Você não pertence aqui. — Ela sussurra, olhando para mim.
— Você não deve ficar.
Sua cabeça inclina para trás um segundo antes de ela desmaiar,
deslizando pela superfície e desaparecendo no vazio escuro.
Estou sozinha e não reclamada.
Meu peito dói, mas não de dor.
Pressiono a palma da mão contra o coração, esperando o
próximo baque, sem saber o que significa ou aonde vai me levar.
Eu controlo minha respiração enquanto espero. Uma
respiração. Duas...
Baque.
Capitulo 28
Abro meus olhos para a dor e o sangue.
O céu se enche de luz branca e quente, um oceano de poder
ondulando em minha visão. Minhas costas pressionam o chão. Uma
batida forte bate em mim, cada chute como se o mundo se abrisse
embaixo de mim e depois se fechasse novamente.
O rugido de Nathaniel enche meus ouvidos.
Ele se inclina sobre mim, pressionando ambas as mãos no meu
peito bem onde eu me cortei. A luz brilhante lança-se sobre seu
corpo e rosto, chamas percorrendo seus braços e ao longo de sua
armadura.
Eu não sei o que está acontecendo, o que ele está fazendo, até
que minha mão bate contra o meu lado e eu percebo... meu coração
de diamante não está mais em sua bolsa.
Meus olhos se arregalam e um grito sai de mim quando
percebo o que ele está tentando fazer, quando percebo de onde vem
o baque.
Ele está pressionando meu coração de diamante no meu peito e
segurando-o lá.
Suas mãos nuas seguram meu poder, mas ele grita de agonia
toda vez que meu coração bate.
O diamante não me quer.
Eu não quero isso.
O poder do meu coração me salvou dos guardiões, mas está
lutando contra Nathaniel também, queimando suas mãos,
queimando seus braços. queimando ele…
Atrás dele, Christiana está gritando e Evander correndo em
nossa direção com uma dúzia de feéricos de gelo, mas nada vai
apagar o fogo enquanto Nathaniel estiver me segurando.
Agarro o braço de Nathaniel.
— Estou te matando!
Baque.
Meu poder o atravessa, uma força bruta que ameaça
despedaçá-lo, mas ainda assim ele se agarra a mim.
Seu olhar dispara para o meu. Ele me ouviu. Vê que estou
acordada.
Um sorriso selvagem cruza seus lábios.
— Você conseguiu, Aura. Eu sou o Rei de Todos. Mas você
nunca fará o que eu mando. E eu te amo por isso. Então escolha!
Viva ou morra?
Minha resposta é instintiva, minha escolha instantânea.
Bato minha mão esquerda sobre meu peito e puxo seu braço
para longe de mim ao mesmo tempo, usando toda a minha força
para empurrá-lo o mais longe possível do meu poder.
Enquanto ele cai para trás, os feéricos de gelo convergem para
ele, derramando seu gelo sobre ele, extinguindo as chamas e
cobrindo sua pele com gelo brilhante. Eles estão gritando uns com os
outros para “salvar o rei”!
Deles.
Atrás deles, o Dragão Vanem ergue-se acima de nós na
ondulação da minha magia, fustigado pela tempestade. Eu ouço o
eco de seu rugido enquanto ele tenta lutar contra a força ao seu
redor. Cem pássaros-trovão também se elevam no ar como se
estivessem sendo atraídos para o céu pelo meu poder exposto. Mais
formas correndo aparecem - Crispin e um grupo de Feérico do
Alvorecer - enquanto na distância todos os outros feéricos e
humanos caíram no chão, agarrando-se uns aos outros. Os
curandeiros convergem e bloqueiam Nathaniel de vista. Todos eles
lutam contra a crescente tempestade enquanto tentam salvá-lo.
Meu braço esquerdo pressiona o coração que não me quer, mas
eu quis dizer o que disse aos guardiões. Não serei mais controlada
por regras ou leis. Nem mesmo as leis da natureza. Não temerei a
vastidão de onde vim, nem o coração que me foi tirado, nem a
guerra entre a luz e a escuridão dentro de mim.
Aceito este coração partido com todas as suas falhas.
Fechando meus olhos e pressionando o diamante
profundamente dentro do meu peito, recebo a dor ardente que vem
com a conexão, a água gelada que uma vez cercou meu coração
submerso, as cinzas empoeiradas que revestiram minha pele do fogo
em que nasci e o luz dançante que me dá liberdade, brilho que me
faz brilhar.
Eu sou pedaços de tudo isso.
Espero pelo próximo baque, mas é suave, silencioso, não
lutando contra mim desta vez. Com cuidado, deslizo minha mão
para longe do meu peito enquanto o céu acima de mim clareia, os
pássaros-trovão baixam e o vento morre.
Uma explosão final de poder brilha ao redor dos meus dedos,
obrigando-me a remover minha mão enquanto meu peito se fecha e
meu sangue prateado para de fluir.
Me levanto, sentindo meu poder se estabelecer dentro de mim,
me acalmando com a nova batida do meu coração cheio. Eu inalo.
Respirações reais. Meu equilíbrio é certo quando passo em direção
aos feéricos convergido em torno de Nathaniel.
Eles se separam para me deixar passar.
Ele está deitado com o braço queimado estendido enquanto
Crispin e os outros Feérico do Alvorecer trabalham em seu lado
direito.
Ajoelho-me no vão à sua esquerda.
Nathaniel abre os olhos, ainda escuros, ainda penetrantes, mas
mais claros em meu brilho. Apesar da dor que as queimaduras
devem estar causando a ele, a tensão deixa seus ombros quando ele
me vê.
Ele pega minha mão estendida sem falar, fechando os olhos
enquanto eu me curvo sobre ele e pressiono minha bochecha na dele.
Sua força, seu corpo e seu coração me ancoram.
Percorremos o nosso caminho e agora o futuro se abre à nossa
frente. Não será fácil. A história entre os feéricos e os humanos não
pode ser apagada em uma única batalha, mas juntos tentaremos.
A guardiã da velha magia me perguntou o que eu sou.
Eu finalmente sei.
Sou suficiente.
Epilogo
Três Meses Depois

A brisa suave roça meu rosto enquanto passo com cuidado


pelas flores prateadas que cobrem o chão da floresta, o lugar que
costumávamos chamar de Forca Nebulosa.
Bem acima de mim, galhos de árvores exuberantes se estendem
pelo céu, balançando suavemente, suas folhas esmeraldas brilhantes
farfalhando enquanto batem umas nas outras.
A luz da aurora filtra-se por entre os ramos, suave no meu
rosto e nos meus braços. Levei meses para parar de contar os
minutos e as horas de cada dia, contando-os até o amanhecer.
Mesmo agora, eu sinto cada momento que passa. Especialmente os
momentos de silêncio quando sinto a mudança de todas as coisas
vivas abaixo e acima do solo.
Me inclino para pegar um punhado de flores, as mangas do
meu vestido subindo até os cotovelos. Faço uma pausa quando uma
abelha prateada se ergue da flor que eu estava procurando,
zumbindo enquanto se move para outro pedaço de folhagem.
O ar é pacífico, perturbado apenas pelo bater ocasional das asas
de uma borboleta. Ou talvez seja uma mariposa prateada. É difícil
diferenciá-las hoje em dia.
Meus lábios se abrem em um sorriso quando o cheiro familiar
de vapor e lenha enche meus sentidos segundos depois de detectar o
distante ruído surdo de cascos.
Flare surge à vista, preto como carvão, bufando vapor
enquanto seu estômago brilha vermelho com as chamas. Sua
chegada perturba a criatura esvoaçante, uma borboleta, ao que
parece, que segue a abelha até os galhos de um carvalho frondoso.
As árvores aqui estão se recuperando lentamente da magia negra
que as envolveu por anos. Algumas delas se transformaram
completamente, mas muitos ainda mantêm seus galhos disformes. A
que estou ao lado é a árvore onde conheci Nathaniel, seus galhos se
estendendo para um lado, embora não esteja mais lutando contra
qualquer força que a tenha feito crescer dessa forma.
Pressiono minha mão contra seu tronco, sentindo o espírito
dentro dela, permitindo que meu poder brilhe através de meus
dedos, alimentando a nova vida ao meu redor. A transformação
começou no dia em que Nathaniel se tornou rei, no dia em que
morri. Cada centelha do meu poder desde então ajudou o meio
ambiente a se curar. Até o local da queima ficou verde novamente.
Nathaniel desliza das costas de Flare, mas, apesar de sua
abordagem dramática, ele parece contente em se aproximar de mim
sem pressa, lançando seu olhar da minha cabeça aos meus pés,
parando ebvminhas botas. Ele está vestindo uma camisa bege
simples, mangas curtas abraçando seus bíceps, calças escuras
cobrindo suas pernas, mas um velo dourado está jogado em um
ombro, amarrado com uma corrente dourada como a que estava
presa em sua pele quando nos conhecemos. Seu cabelo castanho está
cortado curto agora, bem rente à cabeça, não caindo mais sobre os
olhos.
Meu coração chuta no meu peito com o calor em seus olhos.
Todo o meu coração. Uma batida real que envia uma onda de luz das
estrelas até os dedos dos pés.
Os momentos que passamos juntos no início e no final de cada
dia são alguns dos poucos que temos para nós. Estou acordada à
noite e Nathaniel está acordado durante o dia. Dado o quão cedo é,
ele deve ter acordado e vindo direto para cá. O espaço tranquilo na
floresta é só nosso. Não é uma lei, mas os feéricos e humanos não
vêm aqui. Eles chamam de meu jardim. Algumas feéricos têm até
medo disso por causa da magia que vibra em cada folha, flor e
especialmente nas abelhas.
Nathaniel se inclina contra a árvore mais próxima enquanto
permite que Flare paste na clareira.
Escondo meu sorriso, curvando-me novamente para a flor, mas
outra abelha me impede. Elas gostam de visitar as flores todas as
manhãs. Elas não gostam que eu os perturbe.
— Malditas sejam as estrelas. — Sussurro, tentando alcançar a
criatura, que não se mexe, antes de me levantar e colocar minhas
mãos em meus quadris em derrota.
Nathaniel sorri para mim.
— Posso ajudar você. — Diz ele, um eco de sua oferta de ajuda
quando nos conhecemos e eu estava tentando levar Evander para
seu pássaro-trovão.
Sorrio.
— Eu quero dar uma para Talsa e Evander como um presente
dos Encontros da Primavera esta noite. Assim, eles podem cultivá-
las em sua casa no Arvoredo.
As flores prateadas são exclusivas desta floresta, resultado do
meu poder explosivo na noite da batalha. As videiras prateadas se
arrastam entre as árvores e além da floresta para cobrir os campos de
flores. Elas se entrelaçam silenciosamente sobre as sepulturas que ali
repousam. Cada humano, caçador e feérico que morreu na batalha
está enterrado no extremo oeste do campo com uma pedra para
marcar seus lugares de descanso final. Mesmo Imatra e Cyrian. Foi o
primeiro ato de Nathaniel como rei para tratar todos os mortos
igualmente.
Nathaniel espreita em minha direção, aparentemente
abandonando sua intenção de me dar espaço ou me ajudar, mas não
me importo nem um pouco. Cada momento que passamos juntos é
precioso.
Com um sorriso nos lábios, espero que ele me alcance.
Seus braços deslizam ao meu redor, seu velo dourado macio
contra a minha pele enquanto ele o puxa em volta dos meus ombros
e me envolve dentro dele com ele.
Ainda está frio pela manhã, mas eu nunca percebi até sentir o
contraste de seu calor. É quando me lembro do meu lado humano, as
partes de Nathaniel que meu coração roubou dele. Quando ele me
devolveu pela primeira vez a lasca do meu coração que carregou por
todos esses anos, pensei que ele era o único a se beneficiar do meu
coração. Mas meu encontro com os guardiões me fez perceber
quanta magia de luz eu controlo por causa de Nathaniel. Também
como meu coração é humano.
Um mês depois da batalha, procurei o Dragão Vanem para
perguntar o que teria acontecido se Nathaniel tivesse morrido em
meu lugar. O dragão me disse que não havia nada escrito na Lei dos
Campeões para governar essa situação porque Imatra não tinha
família viva e nenhum herdeiro claro. Eu teria que escolher o
resultado e escrever essa parte da Lei eu mesma. A ideia me
horrorizava, que eu pudesse ditar a vida de alguém, talvez até sua
morte. Nathaniel uma vez me disse que puxar um único fio da velha
lei poderia causar o colapso de toda a teia. No que me diz respeito,
criar um novo tópico é igualmente perigoso.
Afasto as memórias enquanto desfruto do calor de Nathaniel.
Seus olhos escuros estavam sempre sombreados, mas agora
minha luz revela cada mancha de tinta em suas íris.
Estendo a mão para plantar um beijo em seus lábios, inalando
seu perfume. Reconfortante. Irritante porque eu quero mais disso.
— Como foi a sua noite? — Ele pergunta, capturando-me para
que seus lábios rocem os meus. Ele me faz a mesma pergunta todas
as manhãs. Ele quer saber como estou, mas primeiro me concentro
no que aconteceu.
— Pacífico. — Murmuro. — O vestido de Talsa está pronto
para esta noite. A festa vai ser grande. Sem intrigas a relatar. Oh!
Evander me deu um recado para você.
— Hum? — Nathaniel me lança um olhar questionador, mas os
beijos que ele planta em minha bochecha e queixo me dizem que ele
está mais interessado em mim.
— Ele diz que é hora de você escolher um pássaro-trovão.
Nathaniel faz uma pausa.
Sorrio quando seu olhar assustado encontra o meu.
Nathaniel tem cavalgado Flare dentro do país dos Caídos, que
agora chamamos de Nova Brilhante, mas voando Treble quando
precisa viajar longas distâncias, inclusive dentro do próprio
Brilhante. Ele me perguntou sobre como escolher seu próprio
pássaro, mas foi uma ideia cautelosa.
— Os outros feéricos apoiam a sugestão de Evander? —
Pergunta Nathaniel. Seu segundo ato como rei foi formar um
conselho consultivo composto por representantes eleitos de cada
classe feérica mais um número igual de representantes humanos
eleitos. Ele deixou bem claro que o papel deles é apenas consultivo,
ele nem sempre segue suas sugestões, mas ele age com muito
cuidado quando se trata de tradições e crenças feéricas.
— Eles apoiam.
— Mesmo as feéricas do Solstício?
— Especialmente as feéricas do Solstício. — Digo. — Elas
valorizam a força, Nathaniel. Imatra as manipulou e dominou. Você
é franco, claro sobre suas expectativas e não escolhe favoritos. —
Meu sorriso cresce. — Você também pode matar todos eles, mesmo
sem a luz. Elas respeitam isso.
Descanso meu queixo contra seu peito enquanto olho para ele.
Ele me lança o olhar de um rei guerreiro.
— Vou escalar os picos amanhã.
— Bom. — Sussurro, pressionando um beijo na parte inferior
de seu queixo.
Ele geme, seus braços apertando em volta de mim e sua voz
baixa como um lobo rosnando.
— Senti sua falta em nossa cama esta manhã.
Dou a ele um sorriso sensual.
— Há muito solo macio aqui.
Ele lança um olhar torto para a flor que eu estava tentando
colher e para a congregação de abelhas pairando em torno dela.
— Se queremos picadas de abelha em lugares desagradáveis.
Rio, me puxando para fora de seus braços, mas seguro sua mão.
Sua palma direita ainda carrega as marcas de queimadura da minha
morte, a forma do meu coração impressa para sempre em sua mão.
— Que tal aqui, então?
Envolvo meus dedos ao redor dele e o puxo para a árvore mais
próxima e então ao redor dela. Do outro lado, o dossel acima de nós
desce como folhas de salgueiros chorões, criando uma clareira muito
menor e sombreada que é totalmente acarpetada na parte inferior
com flores prateadas reluzentes. Apesar do amanhecer, poderia ser
crepúsculo neste espaço fechado.
Nathaniel faz uma pausa na abertura, sua voz abafada.
— Quando você fez isso?
— Entre receber mensagens de Evander para você e ter uma
longa conversa com sua irmã...
— Christiana?
— A menos que você tenha outra irmã, sim.
Ele me dá um olhar interrogativo. Ele sabe que estou
desviando, mas o que Christiana e eu conversamos fica entre nós.
Abandonando suas perguntas, Nathaniel me puxa para seus
braços, o calor em seus olhos aumentando.
— Aqui é perfeito.
Seus lábios cutucam os meus brevemente antes de trilhar em
minha mandíbula e no meu pescoço, explorando a curva no topo dos
meus seios.
Uma hora depois, nem mesmo o dossel espesso acima de nós
pode impedir o brilho crescente do sol. Todos em Nova Brilhante
acordarão em breve e não há como escapar de todas as
responsabilidades que Nathaniel tem agora. Eu cuido de seu reino à
noite, mas o trabalho mais difícil é feito durante o dia e também no
crepúsculo, quando os feéricos Raio de Sol e Entardecer estão
acordados.
Mesmo assim, puxo o velo de Nathaniel sobre nós dois
enquanto nos deitamos no canteiro de flores, puxando a lã sobre
nossas cabeças para bloquear a luz crescente. Meu brilho aumenta,
espalhando-se pelos ombros largos e braços musculosos de
Nathaniel. Minha magia ainda pulsa através dele desde o momento
em que ele carregava meu coração. Com o tempo, pode desaparecer,
mas acho que não. Toda vez que o toco, dou a ele um pouco mais da
minha luz e, ao mesmo tempo, ele também me dá um pouco da luz
dele.
— Você é tudo para mim. — Ele murmura, deixando beijos na
minha testa, bochechas e lábios.
— Você tem meu coração. — Sussurro de volta. — Agora e
sempre.
No momento em que estamos vestidos e saímos do recinto, o
sol já nasceu totalmente e meu brilho está escondido na luz dourada
do dia. Estou pronta para dormir, mas primeiro irei com Nathaniel
ouvir os relatórios matinais. Ele assobia para Flare, que trota entre as
árvores em nossa direção.
Flare nos leva além da clareira e ao longo da borda da floresta
em direção ao nosso novo lar. Bem, uma das nossas novas casas.
Esta na fronteira ainda está em construção, sendo construída
por humanos e feéricos trabalhando juntos. É um design simples que
se funde com a floresta. Nathaniel e eu dividimos nosso tempo entre
o castelo Caído, o palácio feérico e aqui, o lugar onde me sinto mais
em casa.
À nossa esquerda conforme nos aproximamos, os campos de
treinamento foram construídos para o novo exército de Nathaniel.
Hagan já está lá fora, à frente de uma centena de novos recrutas,
tanto feéricos quanto humanos. Emily e os outros adolescentes estão
entre eles. Serena está ao lado de Hagan. Eles são treinadores
implacáveis, mas nenhum recruta desistiu até agora. Em vez disso, o
grupo está crescendo, o que me diz que Hagan e Serena devem estar
fazendo algo certo.
Nathaniel e eu pensamos que Christiana poderia querer se
envolver no novo exército, mas ela escolheu uma vocação diferente,
uma que é muito mais verdadeira para seu coração.
Paramos na beira do pátio construído na frente do novo castelo.
Dois tronos ficam lado a lado em uma laje de pedra lisa embutida na
terra no centro da clareira. A parte de trás de um trono é esculpida
com o nome da família de Nathaniel. O outro é esculpido com o
símbolo de uma estrela, uma linha mais longa na parte inferior de
cinco linhas mais curtas. É o símbolo que escolhi para mim.
Um grupo de humanos e feéricos espera ao redor do trono a
uma distância respeitosa, mas Christiana fica mais perto da frente.
Seus olhos parecem embaçados pela falta de sono. Ela veio me ver
depois que voltei de Brilhante, depois da meia-noite de ontem. Ela
foi a primeira humana, ou feérica, aliás, a ousar colocar os pés na
minha floresta, mas precisava da minha ajuda e não tinha medo de
pedir. Ela e eu percorremos um caminho muito irregular para nos
entendermos, mas ambos trabalhamos duro para construir confiança
entre nós.
Gehrig, a feérico da primavera que é um bom amigo de meu
pai, está logo atrás de Christiana com outros feéricos da primavera e
da colheita, junto com Esther. Ela também se afastou de treinar
outros para lutar. Em vez disso, ela se encarregou de limpar o
castelo humano, incluindo as Paredes Brancas, que foram
restauradas para um lugar de contemplação silenciosa.
Apesar da insônia, Christiana sorri. Ela se afasta dos outros
para dar um abraço no irmão e depois em mim também. As
demonstrações abertas de afeto genuíno ainda fazem com que
alguns feéricos se embaracem, mas eles estão lentamente se
acostumando com a cultura humana.
— Tivemos um grande avanço. — Diz Christiana, dando um
passo para o lado para permitir que Gehrig avance.
Enquanto Nathaniel e eu nos posicionamos diante dos tronos,
Gehrig entrega a Nathaniel um feixe de trigo que ele estava
segurando. Durante anos, os humanos lutaram para cultivar por
causa da magia negra no solo. Mesmo com a minha ajuda, tem sido
impossível dissipar todos os danos causados ao meio ambiente. Mas
o feixe de trigo que Gehrig dá a Nathaniel tem uma cor dourada
saudável.
Christiana se lança em uma explicação, a paixão em sua voz me
dizendo o quanto significa para ela cultivar alimentos para seu povo
novamente.
— Gehrig descobriu que se queimarmos o trigo velho, em vez
de cortá-lo, e depois replantarmos com sementes de colheitas
feéricas, o solo revive. Este trigo foi colhido esta manhã de um local
de teste nos campos ocidentais perto do velho Bitter Patch.
Atrás de Christiana, os feéricos e os humanos se inclinam para
a frente, esperando o veredicto de Nathaniel enquanto ele estuda o
trigo.
— Este é um excelente progresso. — Diz ele.
Todos abrem sorrisos.
— Em quanto tempo você pode queimar e replantar os campos
em Nova Brilhante? — Nathaniel pergunta, entregando o feixe de
trigo de volta para Gehrig.
— Imediatamente. — Diz ele com uma reverência respeitosa. —
Vamos pedir aos feéricos de gelo para nos ajudar a controlar os
ventos para que possamos conter a queima e garantir que nada saia
do controle. Devemos terminar o replantio antes do fim do verão.
Podemos usar sementes de inverno para que as plantações cresçam
mesmo se as geadas baixarem.
Nathaniel assente.
— Obrigado, todos vocês. Deixem-me saber se vocês
encontrarem quaisquer problemas. Vamos resolvê-los juntos.
O grupo se curva e se afasta, mas Christiana fica para trás,
movendo-se silenciosamente para o lado do pátio para ficar sob a
sombra de uma árvore. Ela pode ver o campo de treinamento de lá e
seu foco muda para Hagan. Ela tem algo que precisa fazer esta
manhã, mas vai esperar até que Nathaniel se encontre com as outras
pessoas que estão esperando no pátio.
Na frente da fila está a garotinha humana que Mathilda salvou
durante a batalha. A menina completa quatro anos esta semana. Ela
se agarra à mão de uma feérica do crepúsculo, a irmã de Mia. Não vi
Mia cair durante a batalha, mas visitei seu túmulo muitas vezes. Ela
não era minha amiga enquanto eu era a campeã de Imatra, mas ela
lutou por mim no final.
A garotinha olha para Nathaniel com os olhos arregalados. Ele
se curva e diz algo para ela que é muito baixo para eu ouvir antes de
ele cuidadosamente pegar uma flor prateada, uma que eu não o vi
colher quando estávamos na floresta. Ele enfia no cabelo dela e a
pega, ainda falando com ela. Ela deixa cair a cabeça em seu ombro,
ouvindo e às vezes acenando com a cabeça, seu rostinho muito sério
antes de ele colocá-la de volta no chão.
Os traumas do passado não podem ser apagados.
Tudo o que podemos fazer é focar no futuro.
Deslizo para o meu trono enquanto Nathaniel se encontra com
os outros feéricos e humanos. Meus olhos baixam lentamente. Não
fico mais acordada o dia todo, aceitando os limites do meu corpo e a
necessidade de rejuvenescer o poder dentro do meu coração. Mas,
apesar dos meus olhos descansados, permaneço alerta, sentindo
quando todos vão embora.
Levantando meu olhar para Nathaniel, eu o encontro me
dando um sorriso.
— Você ficou.
Normalmente, eu escapo e ele não me vê novamente até o
crepúsculo.
— Sua irmã precisa do seu apoio.
As sobrancelhas de Nathaniel se erguem em surpresa, mas eu
seguro sua mão.
— Venha comigo.
Christiana se levanta de sua inclinação contra a árvore quando
nos aproximamos. Ela está vestindo calças simples e uma camisa de
manga comprida, um corte lisonjeiro. Ela rapidamente enfia a mão
em uma bolsa em sua cintura e pega um pequeno pote.
— Irmão. — Ela diz com uma reverência mais formal do que o
abraço que ela deu a ele antes. Ela abre a palma da mão para revelar
o pequeno pote de tinta de casamento dourada. — Quero sua
bênção... para fazer meu comprimisso.
O foco de Nathaniel muda rapidamente para o campo de
treinamento além de nós, para Hagan, e então volta para Christiana.
— Com quem? — Ele pergunta, mesmo sabendo a resposta.
Ela morde o lábio.
— Com Hagan Shield, o homem que me reivindicou e depois
me afastou.
Eu não vi o que aconteceu entre Hagan e Christiana logo após a
batalha, mas ela finalmente me disse que depois que ela abriu seu
coração para ele no campo de batalha, ele a empurrou e literalmente
levantando-a de seus braços e colocando-a no chão em seus pés
longe de si mesmo. Ele se certificou de que ela estava segura e
depois foi embora. Eu vi em primeira mão a batalha silenciosa que
Nathaniel travou com ele, tentando convencer Hagan a ficar e
treinar o novo exército. Por um tempo, pensamos que Hagan
poderia desaparecer no território dos ursos, mas ele finalmente disse
a Nathaniel que ficaria por uma semana, talvez um mês. Então ele
iria embora.
Nathaniel exala, balançando a cabeça enquanto considera sua
irmã, mas é um movimento suave.
— Hagan pode ser meu campeão agora, mas ele não pode
redimir o passado. Ele sabe disso. Você também precisa aceitar. Você
é livre para fazer uma combinação com qualquer outra pessoa que
você escolher.
Ela ouve em silêncio, pressionando as palmas das mãos antes
de dizer:
— Você está tentando me proteger. Ele está tentando me
proteger. Mas, Nathaniel... quem mais vai me desafiar quando eu
tomar decisões erradas? Quem mais vai ficar firme e lidar com todos
os meus medos? Meus defeitos? — Ela aponta para o campo. — Esse
homem é a única pessoa que realmente me conhece.
Ela agarra a mão de Nathaniel, aquela com as cicatrizes.
— Você tomou conta do seu futuro, lutou por amor, quando
todos – inclusive eu – lutaram contra você. Estou pronta para lutar
pelo meu futuro também.
Ele cobre a mão dela com a dele. Ele fica quieto por um longo
momento enquanto ela olha para ele. Ela nunca vai implorar a ele,
mas não vai parar de lutar pelo que seu coração quer.
— Então o que você está esperando? — Ele pergunta.
Ela o encara, surpresa, a esperança preenchendo seu rosto.
— Eu tenho a sua bênção?
Ele inclina a cabeça para Hagan.
— Você não precisa disso.
Ela se afasta de Nathaniel, me dá um sorriso mais brilhante que
o sol, e então gira nos calcanhares e entra no campo.
Nathaniel desliza o braço em volta de mim enquanto a vemos
ir.
À distância, o foco de Hagan muda para Christiana no
momento em que ela aparece. Ele dá um passo para longe dos
recrutas com quem estava trabalhando, a cabeça erguida, a luz do
sol refletindo na silhueta de seus ombros largos e costas. Ele nunca
perdeu sua inteligência perigosa. Por um momento, ele congela, seu
peito subindo e descendo como se sua respiração aumentasse só de
vê-la. Seu olhar trava nela e não a deixa ir.
Ele não será capaz de afastá-la desta vez.
Eu me inclino para Nathaniel, calor enchendo meu coração,
pegando o sorriso nos olhos de Nathaniel enquanto seu dedo
indicador traça a forma de seu nome de família em meu rosto.
A cada golpe, ele murmura: — O sol, a lua. E você... a luz das
estrelas no meio.
Me viro em seus braços, alcançando seu rosto, traçando meu
próprio símbolo em sua testa e bochechas, acariciando a última linha
em seus lábios e queixo.
— Todas as estrelas. E você... minha âncora.
Ele retribui o beijo que pressiono contra seus lábios sorridentes.
Muito em breve, vou dormir.
Mas quando a noite cair e o mundo estiver escuro, eu vou
acordar e brilhar.

O FIM

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