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BELO HORIZONTE – MG
2019
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RESUMO
Introdução
O ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva demonstrou nos seus governos uma política
externa com uma agenda voltada para paz a fim de possibilitar um substancial caminho para
a estabilidade do sistema internacional, a partir da diplomacia presidencial, em cruciais e
específicos conflitos internacionais, a destacar na região do Oriente Médio.
O Oriente Médio, no que lhe concerne, possui uma importância geopolítica e
estratégica para certos países. A região consiste em um ponto fraco das Nações Unidas,
maiormente de seu Conselho de Segurança, que não consegue solucionar os conflitos há
décadas. E diante de mudanças na estrutura do sistema internacional, como a
multipolarização desencadeada no pós-Guerra Fria, o déficit da credibilidade da potência
norte-americana em virtude da Guerra ao Terror e as insuficiências nas relações dos Estados
Unidos e da Europa face à crise financeira internacional de 2008, foram se abrindo
oportunidades para o Brasil, uma potência média, inserir-se em questões chave do Oriente
Médio, com o intento de obter uma inserção autônoma e soberana no sistema internacional.
De acordo com Notari (2017), o objetivo primordial do Brasil com o papel de mediador
de conflitos consistia em influenciar na reforma da governança global, e a mediação de
conflitos foi considerada a estratégia central para a inserção do Brasil no Oriente Médio.
Destacam-se, assim, os seguintes casos em que o Brasil, por meio da diplomacia presidencial
de Lula, contribuiu na área da mediação de conflitos na região: a) a questão nuclear iraniana
e a tentativa da obtenção de um acordo através de uma disposição reunida pelos governos
do Brasil e da Turquia, de forma que houve a materialização de um acordo: a Declaração de
Teerã; e b) a iniciativa lançada pelo Brasil para uma proposta de mediação acerca do conflito
israelo-palestino na questão Palestina.
A problematização central consiste em verificar se a diplomacia presidencial de Lula
revelou ter condições em mediar conflitos internacionais, em especial, no Oriente Médio.
Ademais, identificar os efeitos de sentidos manifestos do posicionamento brasileiro para
entender as suas motivações.
A linha Francesa da Análise do Discurso (ADF), por seu turno, contribuiu para o
desenvolvimento da pesquisa, uma vez que oferece um arcabouço teórico-metodológico
quanto à relação entre linguística e ideologia ao articular a qualidade dos discursos e os juízos
instituídos na conjuntura histórica e social de determinada sociedade. Desse modo, no tocante
ao campo discursivo, se fez necessário analisar e compreender os motivos e os sentidos que
derivaram da condução da diplomacia presidencial de Lula.
Cumpre ressaltar que este trabalho é resultado de Projeto de Pesquisa de Iniciação
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Para a ADF, portanto, a linguagem é considerada uma atividade desempenhada por sujeitos
em determinados contextos permeados por processos ideológicos e históricos. Não há
enunciados destituídos de contexto histórico e ideológico, e o contexto exerce coerção
semântica sobre o enunciado.
Ressalta-se, por conseguinte, que o discurso enunciado por algum “sujeito” nunca será
original, pois além dele ser dialógico, ele também é heterogêneo. É dialógico porque
proporciona um ambiente de interação com o outro, como já explicado, sendo através desta
mesma interação que as representações que se julga ou que se faz do interlocutor são
construídas conforme os interesses do locutor.
Bakhtin e Volochinov (2006) expõem em sua teoria da linguagem o dialogismo como
o princípio geral que rege o discurso. Para esses, o dialogismo se estabelece nas
caracterizações desenvolvidas durante as constâncias da comunicação com o outro, da
interação verbal que presume pelo menos dois sujeitos, o locutor e o interlocutor. O real
conteúdo da língua não é formado por um sistema abstrato de formas linguísticas, mas pela
interação verbal que consubstancia um fenômeno social realizado por meio da enunciação ou
das enunciações. Os mesmos compreendem que “a interação verbal constitui assim a
realidade fundamental da língua” (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 2006, p. 125). O discurso é
componente de uma discussão ideológica, que refuta, ratifica, prenuncia as respostas, declara
determinadas objeções a alguma coisa, etc. Portanto, há no discurso uma reprodução
contínua de outras vozes e, por efeito, uma multiplicidade de sujeitos.
Também podemos trazer a questão da heterogeneidade do discurso, que significa
dizer que o discurso é permeado por várias vozes, constituindo uma rede interdiscursiva. Um
discurso sempre faz referência a outro discurso, podendo ser de forma direta, indireta ou até
em oculto. Brandão (2004) denota sobre a heterogeneidade do discurso como o efeito de
sentido e também o deslocamento do sujeito falante mediante o atravessamento de dado
discurso pelo discurso do outro.
E como existe esta pluralidade de vozes em um discurso, o locutor do discurso se
forma na relação com o outro, isto é, pela alteridade, de maneira que se institui um sentido
como resultado. Assim como da relação com os outros um Eu adquire consciência de si
mesmo, o sujeito do discurso se configura mediante o reconhecimento de certa identidade na
relação com os demais discursos elaborados, divergindo entre ideologias, comparando
perspectivas, etc. É também pela interação da ação e reação de ambos, o choque de valores
e crenças particulares que cada um carrega, que o sentido se manifesta.
Com efeito, o entendimento de que o sujeito é a origem ou a fonte absoluta do sentido
é uma ilusão para os teóricos da Análise do Discurso Francesa, já que o Eu divide o mesmo
espaço discursivo com o Outro, e o sentido insurge com a interatividade, o dialogismo e a
heterogeneidade presente no discurso. Em virtude disso, o sujeito é dividido, cindido,
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De outra parte, Michel Foucault (1984), na sua filosofia da linguagem, nos apresenta
os “regimes de verdade”, os quais validam interesses baseados nas identidades definidas e
motivados por certas situações. Eles perfazem os tipos de discursos eleitos para operarem
como verdadeiros, que buscam validar e difundir significados dominantes e hegemônicos, à
proporção que rebate outros como falsos. Segundo Foucault (1984), cada sociedade detém o
seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade. Um regime de verdade, que podemos
indicar como exemplo para as Relações Internacionais, é o protagonismo e centralidade do
Estado no sistema internacional. Por outro lado, referido autor não se preocupa em definir o
que de fato é verdade e o que não é, assim como a ADF. A preocupação repousa, desse
modo, nos efeitos de sentido e seus desdobramentos ideológicos e políticos, haja vista que
não se considera a existência de verdades absolutas, mas verdades construídas a partir de
uma formação discursiva-ideológica.
Percebe-se, assim, a enorme complexidade do objeto de estudo da ADF que é
constituído não somente de materialidade linguística, mas também de materialidade sócio
histórica, que dispõe de um espaço de ponderação sobre a língua numa perspectiva de
complexa identidade social, concebida como discurso.
Dedicar-se-á, neste momento, a constatação do lugar das determinações ideológicas
neste labiríntico fenômeno que é o discurso. Devemos, inicialmente, entender que a
linguagem não é totalmente desvinculada da vida social, mas também não é completamente
restringida especificamente ao nível ideológico, como adverte José Luiz Fiorin (1998). Além
disso, a linguagem não se divide unicamente em língua e fala. Existe um terceiro elemento,
que é a ideologia. E a ideologia está ao mesmo tempo na própria realidade como também
representa uma “visão de mundo”, diferindo conforme cada classe social, de acordo com o
teórico acima mencionado.
O discurso, como já vimos, é um arranjo de elementos linguísticos utilizados pelos
enunciatários ou locutores com o objetivo de revelar seus pensamentos, ideias, crenças, um
meio de articular do mundo exterior e também do seu mundo interior. A fala ou o texto, no que
lhe concerne, é a forma de exteriorizar o discurso. O emprego do discurso é uma ação no
mundo. Enquanto o texto está na esfera individual, o discurso se encontra na esfera social.
Como vimos, o sujeito sofre coerções, os atravessamentos discursivos. E as
formações discursivas adquirem existência apenas com as formações ideológicas. Ora, a
ideologia se encontra presa no social, não podendo ser contida puramente pela consciência,
uma vez que ela consiste numa “visão de mundo”, num ponto de vista de uma classe social
com relação à realidade, de modo que a ideologia explica e justifica uma dada ordem social.
“A ideologia é constituída pela realidade e constituinte da realidade” (FIORIN, 1998, p. 30).
A respeito da formação ideológica, Brandão (2004) explica que ela é composta por um
conjunto multifacetado de atitudes, representações e imagens que não são nem universais e
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nem individuais, porém, elas se referem relativamente às posições de classe em atrito umas
com as outras. De maneira similar, Fiorin exibe o seguinte conceito sobre formação ideológica:
de uma prática social, ou seja, estereótipos criados referentes aos comportamentos dos seres
humanos que são julgados positiva ou negativamente. E como o discurso é um produto
histórico e social, se houver transformações na estrutura social estas podem ensejar
transformações discursivas.
Todo este aporte teórico da Análise do Discurso Francesa é de grande relevância para
as Relações Internacionais. A ADF demonstra uma área rica, propícia para analisar,
compreender e explicar efetivamente as temáticas da agenda internacional contemporânea,
principalmente, as práticas políticas adotadas pelos “policymakers” em tentarem conduzir,
impor e influenciar a realidade internacional. Afinal, o discurso molda uma determinada visão
de mundo ao mesmo tempo em que consolida uma prática social. A ideologia dominante de
um discurso pode ser fortemente persuasiva para modificar determinada identidade.
“Este ativismo e esta altivez do governo Lula são explicitados pelo caráter
mais dinâmico e multipresencial do presidente e pela imersão do país de
maneira mais incisiva em temas que seu predecessor tinha tratado de
maneira mais retórica, como por exemplo, a cooperação Sul-Sul, o
multilateralismo, o Mercosul, a liderança brasileira, etc. Além de já superar
seu antecessor no número de viagens ao exterior, Lula mudou o enfoque da
política externa, mais centrada nas questões terceiro-mundistas, no propósito
insistente de conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança
da ONU, sem desconsiderar a importância dos diálogos com o chamado
Primeiro Mundo.” (BARNABÉ, 2010, p. 8)
Destarte, todos estes atributos aqui demonstrados convergiram para o Brasil exercer
um papel dedicado ao pacifismo (ou dedicado à solidariedade).
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A República Islâmica do Irã tem anunciado ao mundo o seu desejo por enriquecer
urânio para fins científicos, pacíficos e energéticos, no qual trocaria o seu urânio enriquecido,
com o exterior, por combustível, sendo que este seria destinado a um pequeno reator de
pesquisas médicas em Teerã. Entretanto, os Estados Unidos (EUA) e demais membros do
grupo P5+1 sempre questionaram o intento iraniano de enriquecer urânio como uma possível
expansão do programa nuclear para fins militares, aplicando, por diversas vezes, sanções ao
Irã diante de supostas violações ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP).
O P5+1 é um grupo composto pelos cinco países que são membros permanentes do
Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), os EUA, a Rússia, a China, o Reino
Unido e a França, mais a Alemanha, de modo que uniram esforços diplomáticos em 2006 a
fim de realizar negociações sobre o programa nuclear do Irã. O Irã, por seu turno, rejeitou as
propostas e as sanções, e iniciou o enriquecimento do urânio em 20%. Por efeito, diante dos
ineficazes esforços despendidos pelos países do P5+1 em 2008 e também em 2009 pela
fracassada rodada de negociações entre os dirigentes iranianos e o Grupo de Viena (Estados
Unidos, França, Rússia e a AIEA), se abriu uma oportunidade para o Brasil conduzir uma
mediação com o Irã a respeito do tema.
Um evento importante que contribuiu para o aprofundamento da investida brasileira
nesta temática se deu graças à visita do próprio presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad,
a Brasília, para um encontro presidencial com Lula, no Itamaraty, no dia 23 de novembro de
2009. Neste mesmo dia, o presidente Lula realizou uma Declaração à Imprensa (MRE, 2009)
após a assinatura de atos. No entanto, o encontro não se tratou apenas de parcerias bilaterais,
como veremos.
na região do Oriente Médio, a partir do plano discursivo. Dentre os sentidos, foram captados
os seguintes: a) países periféricos estão discutindo temas de agenda global; b) o Brasil possui
capacidade para gerir crises e temas da agenda global; c) o Brasil respeita e obedece os
direitos humanos e demais normas, ainda que tenha relações com o Irã que é conhecido por
não agir de acordo com os direitos humanos; d) o Brasil reconhece o direito do Irã com seu
programa nuclear para fins pacíficos; e) se fazem necessários interlocutores adequados,
vulgo Brasil, na questão nuclear iraniana para a contribuição à paz; e f) o Brasil está aberto
ao diálogo.
Este conjunto apreendido de sentidos reunidos atuam como uma sinalização para os
demais atores que observaram o encontro. Isto é, o Brasil está se relacionando com o Oriente
Médio, com o Irã, e não há motivos para preocupação porque os direitos humanos e as demais
normas vigentes estão sendo observados e respeitados. Igualmente, é sinalizado para o
próprio Irã que o Brasil é um ator comprometido com o diálogo e capacitado a gerir crises.
Esses efeitos de sentidos compreendem uma variedade de valores que revestem o
discurso, em função do contexto em que se introduz. E o discurso somente obtém sentido
através de sua contextualização (BRANDÃO, 2004). Não basta analisar o domínio linguístico
de um discurso, mas também as crenças e valores, o lugar, o momento histórico que envolve
o discurso e os agentes deles. Afinal, a contextualização, a exterioridade do discurso, é uma
das disposições necessárias para a produção do sentido do discurso (ORLANDI, 2009; 2009).
Ora, Lula enunciou em um contexto que uma crise econômica mundial emergiu com grande
força nos EUA e na Europa, porém não teve muito impacto no Brasil, e isso contribuiu para o
país se projetar no sistema internacional com uma postura mais incisiva, como a aproximação
com o Oriente Médio. Trata-se, ainda, de um contexto em que nenhuma grande potência
obteve sucesso.
Desse modo, infere-se da análise deste discurso político o quanto não há enunciado
destituído de contexto (histórico e ideológico), pois esse exerce coerção semântica sobre o
enunciado. Por outro lado, o sujeito do discurso é aquele que fatalmente está falando do seu
lugar de enunciação, sendo um sujeito permeado por vozes coletivas, logo, o sujeito está
emaranhado em um contexto social, histórico e cultural (PÊCHEUX, 1990).
Dias após a este encontro presidencial, a Agência Internacional de Energia Atômica
(AIEA) adotou, em 27 de novembro de 2009, um projeto de resolução em que condenou o Irã
mais uma vez pelo seu programa. Diante deste panorama, convergiram-se esforços turco-
brasileiros para a obtenção de um acordo, e nesse sentido, Brasil e Turquia se ofereceram
para mediar as negociações com o Irã, visando encontrar uma solução para o país e para seu
programa nuclear sem recorrer à aplicação de sanções.
Destaca-se que, no dia 20 de abril de 2010, o presidente norte-americano Obama
escreveu uma carta para o presidente Lula e para o primeiro-ministro Erdogan. A carta
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(FOLHA DE SÃO PAULO, 2010) continha uma solicitação do cumprimento do acordo para a
criação de laços de confiança, juntamente com pontos específicos a serem respeitados pelo
Irã. E, por meio da carta do presidente norte-americano, foi conduzida a mediação entre Brasil,
Irã e Turquia com os seus chefes de Estado e de governo e seus respectivos ministros, nos
dias 15 e 16 de maio de 2010, na capital do Estado iraniano, em Teerã. E em 17 de maio,
houve a elaboração e assinatura de um acordo trilateral: a Declaração Conjunta de Irã,
Turquia e Brasil, ou Declaração de Teerã (MRE, 2010b).
O primeiro prágrafo da Declaração de Teerã (MRE, 2010b, p. 440) contém dois
aspectos importantes: o reconhecimento do Irã como Estado-parte do TNP e o
reconhecimento do seu direito nas “atividades de enriquecimento”.
nucleares pacíficas. Ao final do parágrafo quarto, há um trecho interessante que aponta como
essencial evitar confrontação, privando-se de ações, medidas e declarações retóricas que
sejam capazes de criar obstáculos aos direitos e obrigações do Irã no TNP. Ora, está sendo
divulgada, a não imposição de qualquer tipo de sanção ao Irã, bem como realizar declarações
retóricas de suas supostas atividades ilegais. Ademais, também está se reafirmando,
novamente, que o mesmo é membro do TNP e caso haja a imposição de futuras sanções (que
de fato sucedeu), se estará contrariando os direitos e a legitimidade dele. Portanto, reivindica-
se a sua legitimidade. Esta formação discursiva observou os sentidos emergidos no passado
e, a partir disso, considerou-se o futuro, para alterar a realidade.
Consoante Maingueneau (1998), a formação discursiva compreende todo conjunto de
normas que institui uma unidade de enunciados sócio-historicamente traçados em face de
uma posição e um momento estabelecidos para uma sociedade. Deste modo, a construção
do parágrafo quatro, decorreu da posição ideológica adotada por certos atores da sociedade
internacional que têm buscado suprimir a legitimidade do Irã com o seu desenvolvimento e
uso pacífico da energia nuclear. Assim, as palavras possuem sentidos que se inscrevem no
contexto sócio-histórico que o Irã e o P5+1 têm vivenciado: negociações frustradas, imposição
de sanções, não reconhecimento etc.
Em suma, a realidade exprime o discurso e os sentidos contidos nele. E todo discurso
possui uma finalidade em forma de ação: a de modificar uma situação, isto é, construir outra
realidade. Considerando a Declaração de Teerã um discurso normativo, ela apresenta em si
objetivos essenciais para o Irã, que não se resumem apenas em obter uma aprovação para o
desenvolvimento e uso da energia nuclear para fins pacíficos. Há um objetivo de alterar a
realidade imposta pelos EUA e seus aliados em taxar o país em questão como indigno e
ilegítimo. Do mesmo modo que, também, existe um objetivo de alterar a situação do Brasil e
da Turquia como potências emergentes capazes de gerenciar uma questão sensível que, até
então, sempre foi tema de domínio dos países centrais, afinal, ambos os países também
construíram o acordo tripartite. Por efeito, o discurso carrega em si as concepções, os ideais
e as falas do outro, pois o objetivo do enunciador é atingir o enunciatário para alterar a
realidade. O décimo e último parágrafo (MRE, 2010b, p. 441) traz, mais uma vez, e
implicitamente, a legitimidade em gerenciar a questão da nuclearização iraniana, ao passo
que também reconhecem o próprio Irã como merecedor de confiança.
Em contrapartida, os sentidos nos enunciados da Declaração de Teerã provocaram
efeitos além do esperado. Apesar do êxito alcançado pelas negociações realizadas entre Irã,
Turquia e Brasil com a Declaração de Teerã, o CSNU não reconheceu nem a legitimidade do
Brasil e da Turquia na conquista do acordo, cuja solução foi pacífica, muito menos a
legitimidade do documento. Isso porque, no dia 9 de junho de 2010, foi aprovada outra
resolução que estabeleceu novas sanções contra o Irã: a Resolução 1.929/2010 (UN, 2010).
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No início desta Resolução, logo se percebe que o foco se deu tão somente na
atribuição de culpa por parte do Irã e em posições firmemente pautadas no passado. Para
tanto, um trecho merece destaque:
O cenário hostil envolvendo a questão Palestina sempre foi existente, tem seguido por
diversos caminhos, tanto no âmbito externo quanto interno, se tornando mais complexa e
multifacetada ao longo dos anos. Desde 1947, trata-se de um assunto de relevância
internacional, quando as Nações Unidas aprovaram a partilha da Palestina para a formação
de Israel e, consequentemente, a criação do Estado de Israel em 1948. Diversas tentativas
de negociação têm sido empregadas pelas Nações Unidas e as grandes potências para a
pacificação da região, mas nenhuma permanente e frutífera.
Em 2006, houve uma mudança no mapa político interno da região árabe, ameaçando,
ainda mais, o projeto de constituição de um futuro Estado palestino. Conforme Amorim (2015)
e Maielo Silva (2012), em janeiro de 2006, o grupo Hamas (“Movimento de Resistência
Islâmica”) venceu as eleições parlamentares na Palestina, sendo que o Fatah (“Movimento de
Libertação Nacional”) estava à frente da liderança palestina há mais de 40 anos. E embora
tenha se estabelecido um governo de coalizão entre esses grupos em fevereiro-março de
2007 pelo Acordo de Mecca (MAIELO SILVA, 2012), conflitos em Gaza se intensificaram em
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junho, resultando na ruptura política; o Hamas controlou a Faixa de Gaza desde então. Assim,
desde junho de 2007, a questão Palestina prosseguiu sufocada pela ruptura entre o Fatah e
o Hamas, e esse último, movimento relacionado à Irmandade Muçulmana, tem sido
considerado mais radical (rotulado como “organização terrorista” pelos EUA e outras
potências) e “dominava a Faixa de Gaza, de onde partiam, com certa regularidade, ataques
com mísseis ao território israelense” (AMORIM, 2015, p. 205).
Quase três anos depois, em março de 2010, o ex-presidente Lula realizou um giro pelo
Oriente Médio visando estreitar laços comerciais/empresariais. Essas visitas configuram um
direcionamento mais incisivo do Brasil em uma tentativa de mediação, porquanto dialogou
com os países envolvidos no conflito para buscar paz na Terra Santa. Podemos indicar, ainda,
que a viagem de comitiva de Lula em Israel ocorreu em um momento conturbado em razão
da declaração do Estado israelense em instalar mais de mil assentamentos judaicos em
território palestino, na Jerusalém Oriental, que gerou, aliás, uma desaprovação da
comunidade internacional, inclusive dos EUA, que tem sido o principal aliado de Israel
(KUNRATH; REIS DA SILVA, 2010).
Em Jerusável, Israel, no dia 15 de março de 2010, Lula proferiu um discurso durante
a sessão plenária especial do Parlamento israelense-Knesset (MRE, 2010c). É exposto,
primeiramente, que o Brasil defende a coexistência pacífica e soberana do Estado de Israel e
do Estado Palestino, e menciona “sobretudo pelo traçado de seu território” (MRE, 2010c, p.
3). Esta expressão se refere ao respeito aos limites territoriais, haja vista que Israel tem
violado, perpetrado assentados militares, atentando contra a vida de palestinos e a própria
existência do Estado palestino. Igualmente, este mesmo fragmento também reporta ao
reconhecimento da Palestina, retroagindo-se as fronteiras de pré-1967, posto que o Brasil já
se posiciou defendendo o retorno das fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias (1967)
entre países árabes e israelenses.
Na sequência do discurso, o conflito entre palestinos e israelenses é posto também
como uma categoria universal, em que não somente reflete numa instabilidade da região, mas
que versa na busca de uma estabilidade em todo o globo (MRE, 2010c, p. 4). Ao elevar um
conflito regional para global, amplia-se, consequentemente, o interesse, a responsabilidade e
impacto de outros atores que não se encontram vinculados diretamente à questão Palestina.
Por conseguinte, justifica-se a atuação brasileira na região e aquele princípio que já
discutimos, da “não indiferença”. Observa-se que os sentidos estão emaranhados nos
discursos e a análise se dispõe a relacionar e organizá-los.
Em outro trecho, o ex-presidente brasileiro realiza um questionamento: “Não será o
caso de que as Nações Unidas, renovadas e com maior legitimidade, assumam agora um
papel mais ativo na busca da paz?” (MRE, 2010c, p. 6).
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(...)“O impasse que vive o Oriente Médio mostra as enormes dificuldades que
enfrenta hoje a governança global, em particular as Nações Unidas.
Em 1948, como lembrei, o surgimento do Estado de Israel teve o patrocínio
das Nações Unidas. Não será o caso de que as Nações Unidas, renovadas e
com maior legitimidade, assumam agora um papel mais ativo na busca da
paz?” (MRE, 2010c, p. 6)
Esta pergunta não se encontra isolada. A agenda de política externa brasileira nos
governos Lula pregava uma mudança nas relações internacionais e nas Organizações
Internacionais a fim de deixá-los mais democráticos e representativos. É cogitado, assim, um
papel mais ativo da ONU na promoção da paz, porém, este oportuno desempenho teria que
estar vinculado a uma reforma no CSNU para se obter uma maior legitimidade e,
consequentemente, uma maior e eficaz governança global. Aliás, o Brasil tem evocado um
assento permanente no Conselho, logo, esta reforma e legitimidade só seriam possíveis
quando considerar o papel do país, já que ele tem revelado ao mundo as suas positivas
incursões no Oriente Médio, como interlocutor válido em uma região sensível, a qual está
lidando com temas de paz e segurança internacional, temas estes muito bem zelados pelas
grandes potências. O discurso está direcionado a diversas vozes, dentro de um contexto, e
não apenas à região.
Na visita à Cisjordânia, Lula proferiu um discurso durante a cerimônia de encerramento
do encontro empresarial Brasil-Palestina, em Belém, no dia 16 de março (MRE, 2010d). É
inicialmente realizado menções sobre as condenações perante as ações de Israel, como o
bloqueio comercial imposto (e que foi aplicado juntamente com os EUA) e o muro construído
que travessa a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, áreas estas com maior concentração dos
palestinos. De outra parte, são ressaltadas as diversas contribuições que o Brasil fez à
Palestina e que são postas como medidas brasileiras que contribuirão para construir as bases
do Estado palestino (MRE, 2010d, p. 2-3).
Em outro parágrafo (MRE, 2010d, p. 4) é posto uma visão ideológica e política afirmada
nos governos Lula, que visa informar que o país tem lutado para mudar sua própria situação
na geografia econômica do mundo, bem como alterar a própria configuração dessa estrutura.
Trata-se de romper com a submissão econômica perante as ditas “economias ricas” e buscar
a sua soberania.
Por outro lado, é exposto em outro trecho na sequência que o “Brasil pode disputar
com os EUA e com a União Europeia em qualquer comércio” (MRE, 2010d, p. 6) e que não
se encontra mais dependente economicamente. É indicado, ainda, que o Brasil saiu vencedor
na Organização Mundial do Comércio (OMC) para que os EUA retirassem os subsídios do
seu algodão após anos de briga, mas esses não acataram a decisão da OMC (MRE, 2010d,
p. 6-7).
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De todo modo, uma mediação propriamente dita ou outras formas de facilitação com
interlocutores no conflito israelo-palestino ficaram em suspenso. Saltando para o final daquele
ano, temos o reconhecimento do Estado palestino nas fronteiras de 1967 pelo Brasil, através
da Nota n. 707, de 3 de dezembro de 2010, pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE).
A Nota n. 707 do MRE (2010e) divulgou a carta do presidente Lula (MRE, 2010a, p. 356) que
fora enviada ao presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Zeidan Abbas
em 1º de dezembro de 2010. Abbas havia enviado ao presidente brasileiro uma carta datada
em 24 de novembro de 2010 (MRE, 2010a, p. 357) solicitando o reconhecimento formal do
Estado palestino nas fronteiras de 1967.
Infere-se que a carta do presidente brasileiro inicia apontando que o Brasil defendeu
historicamente não apenas um Estado palestino, mas a coexistência pacífica entre Israel e
Palestina, na medida em que atrela a um Estado seguro, coeso, democrático e
economicamente viável. É assinalada que esta defesa pela existência pacífica entre os dois
também se deu no seu governo, uma clara ressalva para as investidas ocorridas com o
direcionamento da política externa brasileira e a própria diplomacia presidencial nos governos
Lula.
Em outro trecho, são citadas as intensificações diplomáticas ao Oriente Médio nos
governos Lula, a abertura do Escritório de Representação em Ramalá, as visitas aos países
árabes, o aprofundamento das relações comerciais... e no próximo parágrafo, é anunciado
que o governo brasileiro observou os esforços da ANP para dinamizar a economia da
Cisjordânia e de melhorar as condições de segurança e prestação de serviços para a
população.
Os sentidos identificados foram: a) o Brasil de Lula tem investido nas relações com a
região e os palestinos; e b) o Brasil reconhece os esforços positivos despendidos pela ANP,
a qual é liderada pelo Hamas, tanto para com sua população quanto nas relações com o
Brasil, visto que foi realizado o encontro empresarial Brasil-Palestina (assim, dinamicidade da
economia), além de outros relacionamentos diplomáticos. Ao ressaltar a ANP, é comunicada
tanto à Palestina quanto aos países vizinhos e ocidentais, uma valorização positiva das ações
do Hamas, já que este é quem está no poder. Isso não quer dizer que o Brasil legitima todas
as ações deste grupo, porém não nega as contribuições dele. Israel e os EUA rotulam o
Hamas puramente como uma facção terrorista.
Posteriormente, nos trechos finais, há o reconhecimento formal do Brasil em relação
ao Estado palestino. Consoante Lula, em sua correspondência, o reconhecimento do Estado
palestino nas fronteiras de 1967 se deu por considerar que a solicitação de Abbas “é justa e
coerente com os princípios defendidos pelo Brasil na Questão Palestina” (MRE, 2010a, p.
356). Os princípios, no sentido da língua, não estão constantes no texto do discurso, mas
como são valores, ideais, eles configuram um conteúdo extralinguístico. À vista disso, os
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princípios alegados não estão estritamente verbalizados na carta, mas são aqueles que regem
as relações internacionais descritos nos incisos do artigo 4º da Constituição Federal da
República Federativa do Brasil de 1988, como a “autodeterminação dos povos”, a “defesa da
paz”, a “solução pacífica dos conflitos” e a “cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade”.
O reconhecimento formal perfaz o direcionamento brasileiro em respeitar a soberania
nacional da Palestina ante a sua autodeterminação, de forma que não haja mais intervenções
às suas competências nacionais e em prol da defesa da paz. Considera-se, outrossim, que o
Brasil estimulou uma solução pacífica entre Israel e palestinos, tendo a diplomacia
presidencial um papel considerável, haja vista que o próprio presidente buscou ser
interlocutor/mediador na região. Isto porque, como notório nos outros discursos analisados, o
governo considerou que a causa palestina não se trata de um conflito que diz respeito apenas
aos envolvidos conflitantes, ela afeta toda a ordem internacional; é necessária uma
cooperação entre os povos para instituir esta harmonia e o Brasil está fazendo sua parte, pois
ele não se exime de prestar solidariedade ante cenários injustos. Portanto, àquela referência
equivale dizer que tais princípios orientaram a política externa brasileira e a diplomacia
presidencial de Lula
Em síntese, no discurso – a carta do Lula – é transmitido que o ato do reconhecimento
do Estado palestino, este posicionamento do Brasil diante do sistema internacional, é justo e
coerente devido aos valores por si respeitados.
Em seguida, é dito, ainda, sobre a necessidade de diálogo e convivência pacífica com
os vizinhos para que a causa palestina possa avançar. Este fragmento opera como um aviso,
ao passo que adverte a ANP de que o avanço efetivo da causa palestina se dará unicamente
com diálogo e convivência pacífica do Estado palestino com os seus vizinhos, pois sabe-se
que Israel e Palestina travam uma luta histórica acerca do território sob aspectos políticos,
culturais, geográficos, entre outros. Ademais, observa-se que o conflito israelo-palestino é
posto como inacabado, pois ainda que tenha havido o reconhecimento formal do Estado
palestino por parte do Brasil, é preciso continuar com um processo negociador para uma
coexistência pacífica deles.
O reconhecimento formal do Estado palestino por parte do Estado brasileiro implicou
em repercussão internacional, refletindo o papel de liderança do Brasil na América do Sul. O
ato influenciou a mesma decisão em outras chancelarias sul-americanas, de modo que até
março de 2011, onze de doze países sul-americanas reconheceram formalmente a Palestina
com “status” de Estado (AMORIM, 2015; FÁVERO; PINHEIRO, 2016; NOTARI, 2017).
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Considerações finais
valores que o Estado, o governo e a política externa brasileira respeitam, operando, portanto,
como fundamento perante a comunidade internacional, posto que muitos Estados não o
haviam reconhecido formalmente. E ainda que não tenha sido feita uma mediação
propriamente dita (talvez porque as investidas incisivas se deram justamente no último ano
do segundo mandato de Lula), o Brasil foi recebido em Israel e na Palestina, em visitas
inéditas, e recebeu um pedido para o reconhecimento formal do Estado palestino, o que revela
que o país foi validado por àquela região.
Diante disso, inferimos que o Brasil exibiu seu interesse em adentrar em temas
complexos, em intensos conflitos e em regiões sensíveis, assuntos em que as grandes
potências não estavam conseguindo qualquer conquista. Foram nessas viagens, visitas, que,
concomitantemente, foram anunciados ao mundo o potencial do Brasil (aspirante a “subir de
nível”) e construída essa imagem a partir do plano discursivo. É de se reconhecer que existem
enormes dificuldades para a despolarização em face das peculiaridades envolvendo os
Estados conflitantes e os arranjos normativos vigentes tanto em âmbito nacional quanto em
âmbito internacional. Sem contar as posições reativas das grandes potências quanto ao
destaque de potências médias que buscam uma maior influência no sistema internacional, de
maneira que acaba se esbarrando nos interesses daqueles países já consolidados, como os
EUA, sobre os “grandes temas” de seu domínio. De todo modo, defendemos que a percepção
ou compreensão de que apenas as grandes potências ou as Nações Unidas é que são atores
legítimos para desempenhar a função de equilíbrio do poder global é um valor social e
discursivamente construído, de forma que representa uma ideologia dominante das grandes
potências que hierarquiza os lugares de disputa no sistema internacional, além de constituir
um “regime de verdade”.
A ADF, por seu turno, foi essencial para compreender a percepção dos efeitos de
sentidos nos discursos examinados. Verificamos como o sentido de uma palavra, de uma
expressão, é determinado pelas posições ideológicas que se encontram em um determinado
processo sócio-histórico. Pontua-se que os sentidos aqui identificados não são os únicos.
Existem muitos outros emaranhados a serem capturados.
Sem mais delongas, concluímos que o Brasil na era Lula criou condições de diálogo,
reciprocidade, reconhecimento e paz. E a Declaração de Teerã e o reconhecimento formal da
Palestina refletem o protagonismo brasileiro em legitimar o seu papel de mediador com sua
diplomacia presidencial, baseado na “não indiferença”, na “autonomia pela diversificação” e
no “multilateralismo da reciprocidade”, os quais foram entoados nos governos Lula.
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