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FORMAÇÃO

SOCIAL,
ECONÔMICA E
POLÍTICA DO
BRASIL
O cenário político,
econômico e social
do Brasil: dos anos
90 à sociedade
contemporânea
Caroline Silveira Bauer

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Identificar o cenário social, político e econômico do País a partir dos anos
1990.
>> Reconhecer o papel das lutas sociais no desenvolvimento e amadurecimento
do País.
>> Analisar os efeitos desse cenário na sociedade brasileira da atualidade.

Introdução
Os anos 1990 marcaram um novo momento na economia, na política e na socie-
dade brasileiras. Após a promulgação da Constituição de 1988 e a realização de
eleições diretas e livres, com a eleição do primeiro presidente civil após mais de
duas décadas de ditadura civil-militar, uma sucessão de governos implementou
preceitos econômicos, políticos e sociais do neoliberalismo, transformando o País.
Essas mudanças e suas consequências, como o agravamento das condições de
subsistência da maior parte da população brasileira, fizeram diferentes movimentos
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políticos e sociais demandarem a interrupção de certas medidas e reivindicarem


a manutenção de serviços públicos para áreas estratégicas, como a educação, a
habitação, a renda e a saúde.
A maior parte dessas políticas será incentivada apenas nos anos 2000, com a
chegada de outro projeto social ao poder, promovendo medidas para a distribuição
de renda e maior equidade social, ainda que certos preceitos do neoliberalismo não
tenham sido abandonados durante as gestões progressistas do início do século
XXI. Após a crise político-institucional iniciada em 2013, houve uma nova onda de
ameaças aos direitos historicamente conquistados pela luta dos brasileiros, e
uma nova situação de crise foi vivenciada pela população.
Neste capítulo, você conhecerá alguns aspectos da história brasileira dos
anos 1990 à atualidade, compreendendo a década de 1990 como um período de
implementação do neoliberalismo. Além disso, conhecerá as lutas desenvolvidas
nesse período para a garantia de direitos historicamente conquistados. Por fim,
você verá quais foram as transformações ocorridas após 2013 e os novos projetos
econômicos e sociais em pauta para a implementação no País.

O Brasil nos anos 1990


As eleições para presidente em 1989 foram o primeiro pleito com voto di-
reto desde 1960. Todo o processo eleitoral foi regido pelas novas normas,
estabelecidas pela Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), aprovada após o
trabalho de quase dois anos da Assembleia Nacional Constituinte (ANC). A
nova Constituição havia ampliado o direito ao voto e assegurado a liberdade
partidária, além das eleições em dois turnos. A promulgação da Constituição
de 1988 e a realização de eleições diretas e livres em 1989 são dois marcos
importantes da história republicana do Brasil, por representarem a conclusão
do processo de transição política e o fim da ditadura civil-militar, bem como
a reafirmação de direitos civis, sociais e políticos.
Nesse pleito, estiveram em disputa dois projetos bastante antagônicos
para o futuro do Brasil, representados, no segundo turno, pelo confronto
entre Fernando Collor de Mello, candidato pelo Partido da Reconstrução
Nacional (PRN), e Luiz Inácio “Lula” da Silva, pelo Partido dos Trabalhadores
(PT). Com o apoio da grande mídia e da elite industrial e empresarial brasileira,
Collor conquistou a população em geral, e foi eleito com um programa que
se propunha a: acabar com a corrupção; realizar um processo de moralização
da política, dando fim aos chamados “marajás”; e conter a inflação, grande
problema herdado do fim da ditadura e dos anos 1980, que impactava dire-
tamente o cotidiano dos cidadãos.
O cenário político, econômico e social do Brasil: dos anos 90 à sociedade... 3

De acordo com José Murilo de Carvalho (2002, p. 203–204):

Seguindo a velha tradição nacional de esperar que a solução dos problemas ve-
nha de figuras messiânicas, as expectativas populares se dirigiram para um dos
candidatos à eleição presidencial de 1989 que exibia essa característica. Fernando
Collor, embora vinculado às elites políticas mais tradicionais do país, apresentou-se
como um messias salvador desvinculado dos vícios dos velhos políticos. Baseou sua
campanha no combate aos políticos tradicionais e à corrupção do governo. Repre-
sentou o papel de um campeão da moralidade e da renovação da política nacional.

Um dia após a sua posse, ocorrida em 15 de março de 1990, Collor lançou


o chamado Plano Collor para a recuperação da economia. Por meio desse
plano, foram tomadas algumas medidas, como o confisco monetário, o con-
gelamento de preços e salários e a reformulação dos índices de correção
monetária. Collor promoveu ações para diminuir o tamanho do Estado e seus
custos, exonerando servidores públicos e extinguindo autarquias, fundações
e empresas estatais. Além disso, ele permitiu uma abertura da economia
nacional ao capital estrangeiro, tanto por meio da entrada de mercadorias
como por meio do financiamento externo. Essas medidas foram apoiadas
pelas elites econômicas do País, que receberam positivamente a redução
da intervenção do Estado na economia (MACIEL, 2011). O projeto econômico,
político e social de Collor baseava-se nos preceitos neoliberais.
O chamado “projeto neoliberal” refere-se às formas concretas de imple-
mentação da doutrina econômica, política e social do neoliberalismo. Em ou-
tras palavras, refere-se aos projetos, aos programas e às políticas elaboradas
por aqueles governos que se identificaram com essa concepção de mundo. É
importante destacar que o desenvolvimento de projetos neoliberais no norte
global (Europa e Estados Unidos) será diferente do desenvolvimento destes
no sul global (América, África e Ásia), em função da dinâmica centro-periferia
do capitalismo e da lógica do desenvolvimento desigual e combinado.

No Brasil, a transição para o neoliberalismo deu-se de forma lenta, gradual e


se confundiu com a década perdida (década de 1980) e com a transição para a
democracia no País. Por isso, o estudo dessa transição deve percorrer desde o
início do processo de abertura democrática (1979) até a implantação do Plano Real
(1994), momento de consolidação das políticas neoliberais no País. Nesse período
de 15 anos, ocorreram mudanças que transformaram a face do capitalismo brasi-
leiro, alteraram estruturalmente a vida política e ideológica do País, encerraram
o longo ciclo de desenvolvimento (1930–1980) e, ao mesmo tempo, tornaram viável
historicamente a fase neoliberalizante (MULLER, 2003).
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O neoliberalismo fundamenta-se em uma ideia de Estado mínimo, ou


seja, em uma intervenção estatal mínima no funcionamento da economia,
que se regularia por leis próprias do mercado, como a da oferta e da procura.
Além disso, a doutrina neoliberal apregoa uma estabilização financeira e
monetária, com a adoção de políticas anti-inflacionárias e cambiais. Assim,
ao Estado, compete apenas a garantia do bem comum e do equilíbrio social,
com a prestação de serviços básicos e algumas medidas assistencialistas.
No Brasil, o neoliberalismo apresentou-se como uma solução para a crise
econômica dos anos 1980, decorrente do fracasso das políticas econômicas da
ditadura e da democracia. Além das ações comuns aos preceitos neoliberais,
relativas ao controle de preços, à estabilização financeira e monetária e às
ações anti-inflacionárias e cambiais, ocorreu uma progressiva diminuição do
tamanho do Estado no País, com as privatizações de estatais e a exoneração
de funcionários públicos.
Durante o governo Collor, houve uma ruptura com os padrões econômi-
cos institucionalizados desde 1930, notadamente o modelo substitutivo de
importações, que foi continuado, posteriormente, pelo governo de Fernando
Henrique Cardoso. Contudo, no ano seguinte, as dificuldades do plano de
estabilização apareceram, pois a inflação não foi extinta, e a economia se-
guiu em recessão. Além disso, circulavam rumores sobre a existência de um
esquema de corrupção com a participação de altos funcionários e ministros
do governo Collor (MACIEL, 2011).
As suspeitas foram confirmadas quando o irmão do presidente, Pedro
Collor de Mello, deu uma entrevista à revista Veja, em abril de 1992, falando
sobre esse esquema de corrupção, baseado em tráfico de influências e ir-
regularidades financeiras, organizado pelo empresário Paulo César Farias,
amigo de Collor e coordenador financeiro de sua campanha eleitoral. No dia
26 de maio do mesmo ano, o Congresso Nacional instalou uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as denúncias quanto ao presidente,
e, a partir de então, outras tantas entrevistas e reportagens realizadas pela
imprensa explicitaram a corrupção do governo (MACIEL, 2011).
Com isso, setores da população passaram a exigir o “fora Collor”, prin-
cipalmente os estudantes, que organizaram diversas passeatas exigindo
o impeachment do presidente. Esse movimento ficaria conhecido como
movimento dos caras pintadas. Pressionado pela população, o Congresso
aprovou o impeachment do presidente em dois turnos: primeiro, na Câmara
dos Deputados, em 29 de setembro de 1992, e, depois, no Senado Federal, em
29 de setembro de 1992. Assim, o Congresso destituiu o primeiro presidente
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eleito por voto direto após a ditadura por corrupção, além de ter cassado os
seus direitos políticos por oito anos (MACIEL, 2011).

O impedimento foi sem dúvida uma vitória cívica importante. Na história do Brasil e
da América Latina, a regra para afastar presidentes indesejados tem sido revoluções
e golpes de Estado. No sistema presidencialista que nos serviu de modelo, o dos
Estados Unidos, o método foi muitas vezes o assassinato. Com exceção do Panamá,
nenhum outro país presidencialista da América tinha levado antes até o fim um
processo de impedimento. O fato de ele ter sido completado dentro da lei foi um
avanço na prática democrática. Deu aos cidadãos a sensação inédita de que podiam
exercer algum controle sobre os governantes (CARVALHO, 2002).

Com o impeachment de Collor, quem assumiu a presidência da República


para o término do mandato foi Itamar Franco, o vice-presidente, cujo governo
também foi marcado por escândalos de corrupção, assim como o de seus
antecessores. Uma nova CPI do Congresso Nacional, que funcionou entre
1993 e 1994, investigou e confirmou um esquema de corrupção que envolvia
o orçamento da União, com desvios de dinheiro. Seis deputados tiveram os
seus mandatos cassados, e outros quatro renunciaram para não perder os
seus direitos políticos.
Além dos escândalos de corrupção, no governo de Itamar Franco, foi
anunciado, no final de 1993, o Plano Real, elaborado pelo então ministro da
Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. O Plano Real, a ser implementado ao
longo de 1994, previa a implantação dos preceitos do neoliberalismo no Brasil
(MOTTA, 2018). O sucesso do Plano foi um dos motivos que impulsionaram a
candidatura de Fernando Henrique Cardoso (FHC), que ganhou as eleições
de 1994 à presidência da República ainda no primeiro turno, dando início à
chamada era FHC.

A era FHC
Fernando Henrique Cardoso foi presidente da República por dois mandatos
consecutivos, eleito sempre em primeiro turno, e o período entre 1995 e 2002
ficou conhecido como era FHC. O governo de FHC foi marcado por modificações
nas políticas interna e externa do Brasil.
Na política externa, destaca-se a criação do Mercosul. O acordo entre
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai previa a criação de uma área de livre-
-comércio entre os países, o que foi efetivado não sem conflitos entre os
países-membros. Posteriormente, Bolívia e Chile se tornaram membros as-
sociados. A criação do Mercosul inseria-se em uma conjuntura de formação
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de blocos econômicos, a exemplo da Área de Livre-Comércio das Américas


(Alca) e do Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio (Nafta).
Na política interna, por sua vez, FHC obteve apoio do Congresso Nacional
para a aprovação de suas propostas de emendas constitucionais, dando
prosseguimento aos seus planos econômicos neoliberais. A reforma consti-
tucional proposta por FHC era justificada como necessária para a moderni-
zação da economia e a retomada do crescimento econômico. Dessa forma,
foram realizadas modificações na Constituição que permitiram a quebra dos
monopólios do petróleo e das telecomunicações, entre outras medidas de
caráter liberal. Segundo Filgueiras e Gonçalves (2007, p. 194):

O processo de desregulamentação — com a quebra dos monopólios estatais


em vários setores da economia — juntamente com o processo de privatização
das empresas públicas, reduziu bastante a presença do Estado nas atividades
diretamente produtivas, fortalecendo grupos privados nacionais e estrangeiros
— dando origem a oligopólios privados, redefinindo a força relativa dos diversos
grupos econômicos e enfraquecendo grupos políticos regionais tradicionais; além
de permitir demissões em massa e enfraquecer os sindicatos.

Além disso, FHC deu continuidade ao Plano Real, realizando ajustes eco-
nômicos nas taxas de juros e no câmbio, a fim de estimular as exportações e
equilibrar a balança comercial. Embora o Plano tenha sido exitoso no controle
à inflação, ele não impediu a queda no consumo e as demissões em massa,
resultados da recessão econômica (MOTTA, 2018). Assim, esse foi um período
em que o Brasil recorreu inúmeras vezes a empréstimos de organizações
estrangeiras, como o Fundo Monetário Internacional (FMI). A dívida externa
brasileira cresceu exponencialmente no período, e os contratos com o FMI
exigiam contrapartidas, tais como medidas de austeridade e reajuste fiscal
(desvalorização cambial, aumento de impostos e diminuição de gastos pú-
blicos) (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007). Com a diminuição dos gastos públi-
cos, áreas como educação e saúde foram bastante atingidas, bem como as
condições de trabalho. De acordo com Filgueiras e Gonçalves (2007, p. 188):

[...] junto com o desemprego e como produto de uma ampla desregulação do merca-
do de trabalho — efetivada na prática pelas empresas e por diversos instrumentos
jurídicos emanados dos sucessivos governos —, veio um processo generalizado
de precarização das condições de trabalho — formas de contratação instáveis
que contornam ou burlam a legislação trabalhista, prolongamento da jornada de
trabalho, redução de rendimentos e demais benefícios, flexibilização de direitos
trabalhistas e ampliação da informalidade — tudo isso, enfraquecendo e deslocando
mais ainda a ação sindical para um comportamento defensivo.
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No governo de FHC, foram realizadas reformas estatais, processos de


privatização e ajustes fiscais, todos dos moldes do neoliberalismo. Assim,
pode-se afirmar que as políticas econômicas e sociais dos dois mandatos
de FHC seguiram o preconizado pelo chamado Consenso de Washington,
que ditava as premissas para os governos neoliberais. Além disso, houve a
abertura comercial e financeira, as privatizações e as reformas que previam
austeridade, como a diminuição do Estado e sua interferência na economia,
bem como a condução do País por meio de uma política econômica ortodoxa,
com juros altos e contenção de gastos correntes (MOTTA, 2018).

As lutas e as conquistas sociais


Desde meados dos anos 1970, durante o processo de transição política e
após o abrandamento das medidas repressivas da ditadura, houve a rearti-
culação dos movimentos sociais e o surgimento de novos grupos, a partir de
reivindicações colocadas nacional e internacionalmente naquele período. Os
chamados novos movimentos sociais se colocavam no campo das demandas
pelo acesso a diferentes políticas públicas (DURIGUETTO; SOUZA; SILVA; 2009),
englobando campos tão diversos como os direitos básicos (educação, habi-
tação, saúde) até temas mais contemporâneos, como a ecologia. De acordo
com Duriguetto, Souza e Silva (2009, p. 14), “foram os movimentos sociais que
transformaram a questão social, na realidade brasileira e em qualquer outra
formação social capitalista, numa questão política e pública”.
Nessa conjuntura, houve uma maior “autonomização” dos movimentos
sociais da tutela do Estado, o crescimento das associações comunitárias, o
fortalecimento de movimentos que demandavam as chamadas liberdades
democráticas, incluindo direitos civis, políticos e sociais, além da rearticu-
lação das organizações sindicais e o ressurgimento ou criação de partidos
políticos, com o fim do bipartidarismo da ditadura.

A conjuntura de transição política e de retomada dos movimentos


sociais no final da década de 1970 também é um ponto de inflexão
na história do Serviço Social. De acordo com Maria Beatriz Costa Abramides
(2016, p. 463–464):
[...] a categoria dos assistentes sociais, em 1978, realizou seu primeiro encontro com
a presença de quatro entidades: as Apas (Associação Profissional dos Assistentes
Sociais) de São Paulo, Bahia e Goiás e o Sindicato de Minas Gerais, que impulsionaram
um amplo processo de rearticulação das entidades sindicais no país. Vincularam-
-se à Anampos (Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais), do
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polo combativo de lutas dos trabalhadores que fundou a CUT (Central Única dos
Trabalhadores), em 1983, e o MST (Movimento dos Trabalhadores sem Terra), em
1984. Por outro lado, as entidades sindicais da categoria profissional atuaram
diretamente na organização dos trabalhadores em serviço público e junto a outros
sindicatos de categorias, como médicos, enfermeiros, sociólogos, psicólogos.
Participaram ativamente de campanhas salariais e greves nesse ramo de atividade.
[...] No período da retomada das entidades sindicais de assistentes sociais, de 1977 a
1979, a categoria se reconheceu como parte da classe trabalhadora, em sua condição
de assalariamento, por sua inserção na divisão sociotécnica do trabalho; participou
da reorganização do movimento sindical classista e atuou junto aos movimentos
populares sobre o custo de vida, contra a carestia, pelo SUS (Sistema Único de Saúde),
feminista, de luta por creches, moradia, estudantil, negro unificado, além do apoio
e solidariedade às lutas dos trabalhadores sem-terra, quilombolas e indígenas.

A organização dessas forças políticas e sociais foi muito importante ao


longo dos anos 80, principalmente durante os trabalhos da ANC, pois, a
partir dessa organicidade, foi possível encaminhar emendas populares à
Constituição e pressionar os constituintes para a aprovação e a garantia da
ampliação da cidadania.
De acordo com Duriguetto, Souza e Silva (2009, p. 14–15):

Essa estratégia é, também, visualizada para a ampliação da democracia, que se


daria pela criação de canais político-institucionais para a participação dos cidadãos
nos processos de discussão e negociação de políticas públicas, especialmente
pela criação dos conselhos de direitos. Neste cenário de redefinição das ações
prático-políticas dos movimentos sociais, parece consensual a constatação do
abandono de atitudes de confronto e de reivindicação pela valorização de con-
dutas institucionais pragmáticas e propositivas na busca de diálogo, negociação,
parcerias com o Estado e de formas alternativas de participação no sistema de
representação de interesses. Essa redefinição das formas de luta dos movimentos
sociais fomentou a elaboração de análises, nas quais emerge uma nova concepção
de sociedade civil. Esta passa a ser entendida como a esfera, na qual se desenvolve
uma articulação entre os movimentos sociais e as agências estatais por espaços
democráticos de representação e interlocução pública para o reconhecimento,
garantia e consolidação de direitos de cidadania.

Entretanto, a década de 1990, com a implantação de um projeto neoliberal,


representou uma mudança substancial na atuação desses movimentos, em
função da reestruturação produtiva e do desmonte da regulação estatal e dos
direitos sociais. É nessa conjuntura que se fortalece o chamado terceiro setor,
em que muitas reinvindicações dos movimentos sociais foram englobadas e
desenvolvidas por organizações não governamentais (ONG) ou organizações
da sociedade civil de interesse público (OSCIP).
Conforme Selma Costa (2005, documento on-line):
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[...] o Terceiro Setor é formado por instituições (associações ou fundações privadas)


não governamentais, que expressam a sociedade civil organizada, com participa-
ção de voluntários, para atendimentos de interesse público em diferentes áreas
e segmentos. Avança da perspectiva filantrópica e caritativa para uma atuação
profissional e técnica, na qual os usuários são sujeitos de direitos, tendo em vista o
alcance de um trabalho qualitativamente diferenciado daquele que sempre marcou
a história dessas organizações: o assistencialismo e a filantropia.

No início dos anos 2000, com as consequências econômicas, políticas


e sociais dos governos neoliberais da América Latina, ganharam força os
movimentos e os projetos políticos que se colocavam como contraponto
a essas medidas. Ou seja, a persistência e o agravamento da desigualdade
social, a redução dos direitos sociais, o desemprego e o aumento da miséria
e da pobreza fortaleceram os projetos políticos destinados a mitigar as
consequências do neoliberalismo. Com isso, foram eleitos diversos projetos
do campo progressista, com diferentes matizes, e não somente no Brasil, mas
também na Argentina, na Bolívia, no Equador, no Paraguai e na Venezuela. A
vitória eleitoral desses projetos representou um novo ponto de inflexão na
história dos movimentos sociais latino-americanos e brasileiros.
No Brasil, embora houvesse uma maior disponibilidade dos agentes esta-
tais para negociação com a sociedade civil em relação às políticas públicas a
serem desenvolvidas, os pesquisadores afirmam que houve uma continuidade
de certos preceitos neoliberais, como será abordado na próxima seção.

Para conhecer mais sobre a organização das lutas sociais e do serviço


social durante os anos 2000, leia o artigo “Lutas sociais e desafios da
classe trabalhadora: reafirmar o projeto profissional do serviço social brasileiro”,
de Maria Beatriz Costa Abramides (2017).

O Brasil na atualidade
A vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva e do PT nas eleições de 2002
representou um marco para a história brasileira. De acordo com o historiador
Rodrigo Patto Sá Motta (2018, p. 415):

[...] após as tentativas fracassadas de 1989, 1994 e 1998, finalmente o operário


metalúrgico e sindicalista chegou ao poder. Pela primeira vez uma candidatura
claramente de esquerda ganhava as eleições presidenciais no Brasil, com a novi-
dade extra de ter no comando alguém com o perfil de Lula, retirante nordestino
10 O cenário político, econômico e social do Brasil: dos anos 90 à sociedade...

e trabalhador braçal. As origens sociais e a imagem radical de Lula e do PT repre-


sentavam uma parte do eleitorado e atraíam votos, porém, em outros segmentos,
provocavam o medo que contribuiu para as derrotas anteriores.

Ao contrário do que propalavam os seus adversários políticos, o PT, majo-


ritariamente, não possuía um projeto político revolucionário, apenas algumas
alas internas defendiam propostas mais radicais, mas a maioria de seus
membros situava-se no espectro político da centro-esquerda (SÁ MOTTA,
2018). De acordo com Filgueiras e Gonçalves (2007, p. 186):

[...] com o abandono do programa histórico do PT, de caráter social-democrata-


-nacional-popular, e com a manutenção do programa e das políticas neoliberais,
o Governo Lula evitou enfrentamentos com o bloco dominante, governando com
e para ele. Portanto, nem de longe, está se vivendo uma fase de transição pós-
-neoliberal, mas sim um ajustamento e consolidação do modelo neoliberal – que
tem possibilitado uma maior unidade política do bloco dominante, isto é, tem
reduzido o atrito no seu interior.

Pode-se dizer que a vitória de Lula ocorreu devido ao esgotamento do


projeto econômico e social da democracia-social, representada por FHC e pelo
Plano Real, incapazes de manter a moeda valorizada e a inflação baixa. Além
disso, houve uma aproximação com setores empresariais e industriais, além
da ala mais moderada da política, como pode ser percebido pela composição
de sua chapa, com José de Alencar como vice-presidente (SÁ MOTTA, 2018).
Os governos de Lula foram marcados pelo cumprimento das promessas
moderadas durante a campanha e pela negociação, por meio da formação
de compromissos e coalisões, do ponto de vista político. Economicamente,
para reverter a situação de desvalorização do real e a alta da inflação, Lula
investiu em medidas ortodoxas, para estabilizar a situação econômica.
De acordo com Filgueiras e Gonçalves (2007, p. 186):

[...] o Governo Lula deu prosseguimento (radicalizando) à política econômica im-


plementada pelo segundo Governo FHC, a partir da crise cambial de janeiro de
1999: metas de inflação reduzidas, perseguidas por meio da fixação de taxas de
juros elevadíssimas; regime de câmbio flutuante e superávits fiscais acima de
4,25% do PIB nacional. Adicionalmente, recolocou na ordem do dia a continuação
das reformas neoliberais — implementando uma reforma da previdência dos ser-
vidores públicos e sinalizando para uma reforma sindical e das leis trabalhistas
—, além de alterar a Constituição para facilitar o encaminhamento, posterior, da
proposta de independência do Banco Central e dar sequência a uma nova fase das
privatizações, com a aprovação das chamadas Parcerias Público-Privado (PPP), no
intuito de melhorar a infraestrutura do país —uma vez que a política de superá-
vits primários reduz drasticamente a capacidade de investir do Estado. Por fim,
completando o quadro, reforçou as políticas sociais focalizadas (assistencialistas).
O cenário político, econômico e social do Brasil: dos anos 90 à sociedade... 11

Ainda assim, não é possível dizer que houve uma manutenção sem modi-
ficações das políticas neoliberais instituídas na década de 1990. A visão de
Estado mínimo e privatista dos governos anteriores foi abandonada para uma
ideia de um Estado como agente e planejador econômico (SÁ MOTTA, 2018).
Sem dúvida, um dos principais destaques das duas gestões do governo Lula
foram as políticas culturais e sociais, que permitiram um aumento da renda
para os setores mais empobrecidos da população, bem como ampliaram o
mercado para setores produtivos, criando oportunidades para investimento.
Dos programas assistenciais desenvolvidos por Lula, destacam-se o Fome
Zero, o Bolsa Família e as diferentes medidas culturais e educacionais para
manter crianças e adolescentes nas escolas e os jovens nas universidades,
cuja rede de unidades públicas foi aumentada.
Durante os governos Lula, também houve denúncias de corrupção, no-
tadamente o chamado “escândalo do mensalão”, a partir das denúncias do
deputado Roberto Jefferson, que apontou o então deputado federal José
Dirceu, do PT, como comandante de um esquema que envolvia outras lide-
ranças do partido (SÁ MOTTA, 2018). Entretanto:

[...] não houve denúncias diretas contra o presidente [Lula], apenas contra o segundo
escalão do governo. Por outro lado, as forças de oposição parecem ter escolhido
circunscrever o impacto da crise, talvez acreditando que o estrago já era suficiente
para derrotar Lula nas eleições de 2006. Além disso, a situação econômica era
positiva e tendia a melhorar, para muitos atores não fazia sentido aprofundar uma
crise que poderia estragar o bom momento. (SÁ MOTTA, 2018, p. 429).

Ainda assim, o PT sofreu uma perda importante de popularidade nas


cidades, entre setores mais escolarizados e lideranças sociais, criando pro-
blemas para a imagem do partido, embora isso não tenha impedido Lula de
se reeleger em 2006.
De acordo com a análise do historiador Rodrigo Patto Sá Motta (2018, p.
430):

O segundo mandato foi a fase áurea de Lula, quando ele atuou com mais segurança
e desenvoltura e obteve notável reconhecimento. A liderança e o carisma do ex-
-operário metalúrgico se firmaram em várias dimensões, alcançando fama mundial.
Para isso contribuíram os bons resultados econômicos e sociais, a estabilidade
política interna, a maneira como o governo enfrentou a crise econômica mundial
em 2008 e a ousada política externa. Os resultados das políticas sociais distribu-
tivistas apareceram com mais destaque nessa fase, em que ocorreram também os
mais importantes investimentos educacionais. Igualmente, foi na segunda gestão
de Lula que se consolidou o seu modelo desenvolvimentista, com destaque para
ações no campo da infraestrutura e da energia.
12 O cenário político, econômico e social do Brasil: dos anos 90 à sociedade...

As vitórias políticas angariadas pelo PT durante o segundo mandato de Lula


possibilitaram a vitória de Dilma Rousseff, apresentada como a “sucessora de
Lula” na campanha presidencial de 2010. O novo governo manteve as políticas
de Lula, dando continuidade ao desenvolvimentismo com investimento es-
tatal e às políticas de transferência de renda. Dilma aprofundou as políticas
de educação e de direitos humanos, principalmente no que diz respeito
ao passado da ditadura civil-militar brasileira, com a criação da Comissão
Nacional da Verdade. Sobre o governo Dilma, do ponto de vista econômico:

[...] no primeiro momento, seu objetivo principal foi segurar a inflação e melhorar
as contas públicas, já que o crescimento não parecia um problema, dado o ritmo
expansionista no último ano de Lula. Por isso, Dilma concordou em reduzir o
crédito e aumentar as taxas de juros, esperando provocar uma queda suave da
atividade econômica. No entanto, a situação internacional se agravou, com novas
baixas nos preços das commodities e queda nas exportações brasileiras. Além
disso, o aumento da insegurança entre os empresários levou a que reduzissem
investimentos na atividade produtiva. (SÁ MOTTA, 2018, p. 434–435).

Em comparação com o governo Lula, a gestão de Dilma apresentou


uma queda no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB): em 2011, o
PIB cresceu 4%, porém, em 2012, ficou em 1,9%; em 2013, 3%; e, em 2014, apenas
0,5% (SÁ MOTTA, 2018).

Mesmo com os problemas econômicos ainda em decorrência dos efeitos


da crise de 2008, as maiores dificuldades do governo Dilma vieram do campo
político, com as manifestações de 2013 e dos anos seguintes, que foram
radicalizadas por setores conservadores e da direita, que passaram a exigir
intervenção militar e a destituição da presidenta. Ainda assim, Dilma saiu
vitoriosa nas eleições de 2014, embora por uma pequena margem de votos
(SÁ MOTTA, 2018). Contudo, os partidos da oposição não aceitaram o resultado
das eleições e passaram a questioná-lo na justiça. Iniciou-se, assim, um
processo de desestabilização do governo, trancando pautas encaminhadas
pelo Executivo para votação do Legislativo. Em adição às denúncias e às
apurações da Operação Lava Jato, deu-se início, em 2016, ao processo de
impeachment da presidenta, acusada de “crime de responsabilidade fiscal”.
De acordo com Abramides (2017, p. 367):

Desde 2013 a conjuntura do país apresenta um quadro de grandes mobilizações


sociais frente aos ataques do capital, por meio do patronato e do Estado, com
precarização das condições de vida dos trabalhadores imposta pela terceirização,
O cenário político, econômico e social do Brasil: dos anos 90 à sociedade... 13

desemprego estrutural crescente, desregulamentação das relações de trabalho


e cortes orçamentários em políticas sociais que reduzem direitos sociais e traba-
lhistas arduamente conquistados. Assistimos à criminalização dos movimentos
sociais nos vários estados, com repressão contínua aos lutadores [...]. As lutas de
resistência da classe trabalhadora e da juventude com greves, mobilizações de
rua, ocupação de terras, fábricas e escolas têm sido intensa no processo contra
a exploração econômica, dominação política e opressão social de classe, gênero,
raça, etnia, geracional e de orientação sexual. Tais reivindicações se relacionam
diretamente à direção social do projeto profissional do Serviço Social brasileiro
articulado ao projeto societário emancipatório.

Michel Temer, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB),


então vice-presidente, assumiu a presidência para o término do mandato,
dando uma guinada neoliberal nas políticas econômicas e sociais, o que
resultou em uma estagnação econômica semelhante à vivenciada nos anos
1990. De acordo com Souza e Hoff (2019, p. 14):

[...] a primeira reforma realizada foi a Proposta de Ementa Constitucional (PEC) nº


241/2016, a qual foi aprovada em 15 de dezembro de 2016 (Emenda Constitucional
nº 95). Com o argumento de retomar o crescimento econômico, o Governo Temer
limitou constitucionalmente os gastos públicos por 20 anos, diminuindo o Estado
e impedindo que o sistema constitucional de proteção social (que inclui saúde,
previdência e assistência sociais) funcionasse de maneira adequada às necessi-
dades da população.

Referências
ABRAMIDES, M. B. C. 80 anos de Serviço Social no Brasil: organização política e direção
social da profissão no processo de ruptura com o conservadorismo. Serviço Social &
Sociedade, São Paulo, n. 127, p. 456-475, 2016.
ABRAMIDES, M. B. C. Lutas sociais e desafios da classe trabalhadora: reafirmar o pro-
jeto profissional do serviço social brasileiro. Serviço Social & Sociedade, São Paulo,
n. 129, p. 366-386, 2017.
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Leituras recomendadas
ABRAMIDES, M. B. C. O projeto ético-político do Serviço Social brasileiro. 2006. 426 f.
Tese (Doutorado em Serviço Social) —Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 2006.
ALVES, G. O novo (e precário) mundo do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005.
FERREIRA, J. O presidente acidental: José Sarney e a transição democrática. In: FERREIRA,
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crise política de 2016: Quinta República (1985-2016). Rio de Janeiro: Civilização Brasi-
leira, 2018. p. 27-71.
MONTAÑO, C. Terceiro setor e a questão social: crítica ao padrão emergente de inter-
venção social. São Paulo: Cortez, 2002.
PAULO NETTO, J. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social pós-64. São
Paulo: Cortez, 1991.

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