Artigo GESTÃO ORGANIZACIONAL

Por Diógenes Calheiros Marinho

ANÁLISES DE
ACIDENTE DE
TRABALHO
Casos, como o que aconteceu durante
as gravações do filme Rust, nos EUA,
mostram que erro humano deve ser
visto como o ponto de partida das
investigações

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A nálises ou Investigações de Acidente de trabalho
é uma das principais atividades dos profissionais
de segurança do trabalho visto que sua importância
tem por objetivo o entendimento e compreensão de
que os fatos acontecidos que levaram ao sinistro não
se repitam.
Com base nesta perspectiva, as investigações de aci-
dentes do trabalho devem não se limitar a uma visão
imediata do erro humano. Não podemos vê-los como
eventos indesejados que decorrem de falhas dos tra-
balhadores, sejam por omissão ou ações, de não seguir
normas, procedimentos e prescrições de segurança.
Acidentes do trabalho e são eventos com múlti-
plos fatores, imediatos, subjacentes e latentes. Lory e
Montmayeu (2014) defendem que as causas são diver-
sas, mas todos têm como causas mais profundas a di-
mensão administrativa organizacional, ou seja, as suas
causas profundas devem ser buscadas para além das
falhas técnicas e humanas que ocasionaram o aciden-
te e buscar sua gênese nos aspectos organizacionais.
Os acidentes dos ônibus espaciais Challender (1986) e
Columbia (2003) da NASA demostram o melhor quadro
da importância de analisar os aspectos administrativos
da organização como fatores profundos das causa de
acidentes. Visando atender a clientes e grupos interes-
sados, a NASA deu ênfase a um planejamento de uma
forma que se configurou em tragédias com dois aciden-
tes. Promessas acima das condições que dispunham e
com baixos financiamentos levaram a um enfraqueci-
mento na politica de segurança da agência espacial e
como consequência dois ônibus espaciais explodiram.
Acidente no set de filmagem
No dia 21 de outubro deste ano durante as grava-
ções do filme Rust, estrelado e produzido pelo ator
Alec Baldwin, um acidente com uma arma de fogo le-
vou a óbito a diretora de fotografia Halyna Hutchins,
de 42 anos. Joel Souza, diretor do longa, também fi-
cou ferido com o tiro acidental.
Segundo consta nas investigações, o protagonista
do filme Alec Balwin ensaiando ou filmando uma ce-
na do filme dentro de uma igreja com uma arma de
fogo que deveria estar com balas de festins, mas que
estava com pelo menos uma bala real mirou em dire-
ção a câmera e as duas vítimas, que estavam por trás
da câmera, receberam o disparo da bala.
As investigações tanto policiais como dos órgãos de
segurança do trabalho ainda estão no inicio para tirar
uma conclusão, mas de uma certeza nós temos: ouve
uma erro/falha humana de quem carregou a arma ou
no percurso de quem a carregou até chegar as mãos
do ator Alec Baldwin.
Podemos fazer um paralelo entre esses fatos do fil-
me com as investigações de acidentes de trabalho? Afi-
nal se o fato fosse no Brasil, dentro da nossa legislação,
seria um acidente de trabalho e nos serve de reflexão
de como conduzir análises de acidentes do trabalho
que cumpram seus objetivos: não venham a se repetir.
Após o acidente veio a tona pelos jornais as con-
dições de trabalho e de segurança na produção do
longa metragem. Relatos de funcionários envolvidos
na produção do filme falam que as condições de tra-
balho no set eram desagradáveis. Denúncias feitas
ao International Aliance oftheatrical Stage Emplo-
yees (IATSE), o sindicato dos trabalhadores em pro-
dução de cinema, falam em longas horas de traba-
lho, distância entre a moradia e o rancho onde fica
os cenários das filmagens, não pagamento do que
foi acordado com as produtoras do filme e os tra-
balhadores e normas e protocolos de segurança pa-
drões da indústria cinematográfica não estavam sen-
do seguidos à risca incluindo as inspeções de armas
usadas no set. Horas antes uma equipe cinemato-
gráfica foi substituída por outra equipe não sindi-
calizada. Um funcionário não identificado chegou
a relatar que a equipe estava sendo tratada como
merda de cachorro (sic).
Um dos membros da equipe no set do filme, Serge
Svetnoy afirmou que a morte da cinegrafista Halyna
Hutchins foi resultado de “negligência e falta de pro-
fissionalismo”. Em sua conta no facebook, data de 24
de outubro, ele afirma: “para poupar um centavo, às
vezes são contratadas pessoas que não estão totalmen-
te qualificadas para o trabalho complicado e perigoso
(...) entendo que se lute por orçamento, mas não pode
permitir que isso aconteça. É necessário evitar a tra-
gédia como a tragédia que aconteceu com a Halyna”.
Proficiência
Apontar o erro humano como a causa do acidente
que vitimou a diretora deste filme nos parece equivo-
cada. O Guia de Análises de Acidentes de Trabalho do
Ministério do Trabalho afirma que “Análises que se en-
cerram nos fatores imediatos identificados na proxi-
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Artigo
Set de filmagem do filme Rust:
acidente exige investigação
dos fatores organizacionais
midade da ocorrência do evento não contribuem pa-
ra evitar que outros acidentes ocorram” assim, se faz
necessário ir além do erro humano nas analises de aci-
dentes de trabalho, pois os erros humanos são preci-
pitados por falhas organizacionais que podem desde
pressão por produção, falta de investimento ou cor-
tes orçamentários.
O filme, que era uma produção independente, con-
tava com orçamento baixo o que levou a uma política
de cortes de benefícios, contrato de profissionais com
pouca experiência para atividades perigosas (a respon-
sável pelas armas no set de filmagens tinha pouca ex-
periência na função). Em sua conta no facebook, Svet-
noyainda desabafou: “tenho certeza de que tínhamos
profissionais em todos os departamentos, exceto um
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FOTO: DIVULGAÇÃO
– o departamento que era responsável pelas armas.
Não há como uma mulher de 24 anos ser uma profis-
sional com arsenal (...) Profissionais são pessoas que
passaram anos em sets, pessoas que conhecem esse
trabalho de A a Z”. O que ele chama de profissional
em sua fala refere-se a experiência e proficiência em
uma atividade perigosa.
Há relatos de incidentes envolvendo armas de fo-
go durante as filmagens que não foram dadas a devi-
da atenção e não foram investigados e que poderiam
ser a luz para revelar falhas organizacionais que po-
deriam evitar a ocorrência do acidente fatal.
Atribuir falha técnicas, humanas ou como simples
fatalidades levam a conclusões limitadas e geram ou-
tro erro: acreditar que as causas foram eliminadas, mas
como a análise foi superficial e não abordaram as cau-
sas mais profundas o acidente volta a acontecer talvez
não da mesma forma, porém com as mesmas causas.

Fatores mais profundos

Investigações de acidentes em que concluem a im-
perícia, negligência ou imprudência como causa para
o acidente, concluindo o trabalhador foi desleixado
com a sua atividade, pecam em não considerar os fa-
tores organizacionais que possibilitaram, permitiram
ou contribuíram para o sinistro. O erro do trabalha-
dor é a ponta do iceberg, mas não entender esse erro
como os dilemas, pressão e angústias tem como causa
mais profunda a natureza organizacional.
Compreender acidentes como eventos simples que
tenha como causas falhas dos trabalhadores, sejam em
ações ou omissões, motivados por poucas causas são
análises grosseiras e limitadas que não cumprem o ob-
jetivo das análises de acidentes que são correção dos fa-
tores mais profundos e latentes que originam acidentes.
Falhas humanas são consequências e não causas e estas
estão no sistema ou falhas na gestão das organizações
Não seguir esta linha nas análises de acidente leva
a conclusões equivocadas, fora da realidade e limita-
das do acidente deixando que as falhas latentes, aque-
las que estão na raiz do acidente continuem e contri-
buem para outros acidentes. O erro humano deve ser
visto como o ponto de partida das investigações, mas
nunca o seu final.

Referências
Guia de análises de acidentes do trabalho. 2010.
Disponível em https://www.gov.br/trabalho-e-previ-
dencia/pt-br/composicao/orgaos-especificos/secreta-
ria-de- trabalho/inspecao/escola/e-biblioteca/guia-de-
-analise-de-acidentes-ano-2010.pdf/view

Lory. Michelr, Montmayeul..Rene.O acidente e a or-

ganização. Febrefactum.2014

Diógenes Calheiros Marinho

Técnico de Segurança do Trabalho;
pós-graduando em Saúde e Segurança do Trabalho;
professor de história. Com forte atuação na área de
segurança já trabalhou em diversos estados do Brasil em
consultorias de segurança do trabalho
E-mail: diogenescalheiros2@gmail.com

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