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SUPERCONDUTORES E A DESCOBERTA DO SUPERCONDUTOR À TEMPERATURA

AMBIENTE

Recentemente, um anúncio surpreendente agitou o meio científico: Foi descoberto um


supercondutor à temperatura ambiente! (Inclusive, a Enfitec fez um post sobre no
Instagram, depois dá uma conferida lá!)

Mas calma, vem comigo entender um pouco melhor essa história e o que de fato é um
supercondutor.

Materiais, em geral, apresentam resistência elétrica. Ou seja, se opõem, em algum nível, à


passagem de corrente elétrica, dissipando energia na forma de calor. Isso é o que faz o
chuveiro elétrico esquentar, por exemplo.

Em poucas palavras, supercondutores são materiais que apresentam resistividade elétrica


nula. Ou seja, não há perda de energia elétrica na transmissão de corrente por ele.

Com supercondutores, seria possível conduzir energia elétrica de Itaipú à sede da Enfitec,
em Porto Alegre (ou a qualquer lugar do mundo), sem perda nenhuma! – Estima-se que,
hoje, 20% seja perdido na transmissão. Em um supercondutor, uma corrente elétrica pode
existir para sempre! – Na Bélgica, há um gravímetro supercondutor em funcionamento há
27 anos!

A ausência de resistividade significa, também, que não há liberação de calor no processo


de passagem da corrente, o que possui benefícios importantíssimos para áreas como a
computação, com componentes que não esquentam, por exemplo.

Mas você deve estar se perguntando: quais as outras utilidades disso? Na verdade, é bem
provável que você já tenha feito uso da supercondutividade, sem nem saber. Os aparelhos
de ressonância magnética, que realizam exames médicos de imagem, utilizam campos
magnéticos fortíssimos, com ímãs fortíssimos, que derreteriam outros metais caso
houvesse qualquer resistência, por mínima que fosse. Graças aos supercondutores, não há,
e você consegue fazer seu exame tranquilamente.

Porém as utilidades da supercondutividade não acabam por aí. Outra característica desses
materiais é que eles são diamagnetos quase perfeitos. Apesar do nome diferente, a
característica é bem simples, e se refere à sua interação com campos magnéticos. Ou
melhor, à sua falta de interação. Isso porque alguns supercondutores não permitem que
campos magnéticos penetrem (“expulsa” campos magnéticos relativamente fracos). Esse é
o chamado efeito Meissner. Um campo magnético forte, contudo, pode impedir a transição
para o estado de supercondutividade, de modo que o efeito Meissner não ocorre. No caso
de campos magnéticos de intensidade média, que ocorre no resfriamento, o efeito Meissner
acontece de maneira parcial, de modo a diminuir o campo, porém sem expeli-lo
completamente.
A repulsão de campo magnético faz com que um ímã posto em cima de um supercondutor
flutue (literalmente!), no fenômeno chamado de levitação quântica, ou travamento quântico
(quantum locking, em inglês).

quantum locking video - Pesquisa Google – Botar a parte desse vídeo que mostra a
levitação

Em um condutor de tipo I, quando o ímã vai de encontro ao supercondutor, a variação do


campo magnético induz uma corrente muito intensa nele, que gera seu próprio campo
magnético, o que causa uma força contrária, “dobrando” as linhas de campo do ímã, o
repelindo (essa é a explicação do Efeito Meissner, que comentei antes). Mas não é só isso
que ocorre. Na levitação quântica você pode até virar o ímã, que ele continua “travado”, o
que não acontece no diamagnetismo convencional. O diamagneto perfeito, que expulsa
totalmente o campo magnético, ocorre apenas nos supercondutores de tipo I, que se
movem tranquilamente através de outros campos, apenas os contornando, sem permitir que
penetrem. Nos supercondutores de tipo II (os responsáveis pelo travamento quântico) há
“impurezas” que permitem que parte do campo magnético penetre. Essa parte que penetra
é afunilada para o centro do supercondutor, numa espécie de vórtice, que o trava no lugar.
É como se as linhas de campo “amarrassem” o ímã (em uma analogia bem suspeita). Esse
fenômeno é chamado de fixação de fluxo (flux pinning, em inglês), e é o responsável pela
levitação.

Quantum Levitation Is Cool But How Does It Really Work? (secretsofuniverse.in)

Supercondutor tipo I Supercondutor tipo II

No UFRGS Portas Abertas, no Laboratório de Resistividade, Magnetismo e


Supercondutividade, os visitantes puderam ver o travamento quântico, em um experimento
usando o YBCO, que atinge o estado de supercondutividade quando resfriado com
nitrogênio líquido. (Inclusive você está convidado para o próximo Portas Abertas, será um
prazer!)

Além de ser muito interessante e divertido de se ver e brincar, com isso se consegue
desenvolver trens Maglev, que flutuam através da supercondutividade, atingindo altas
velocidades e enorme eficiência.
História dos supercondutores:

O início das pesquisas acerca da supercondutividade foi em 1911, com o físico holandês
Heike Onnes, o primeiro a liquefazer o hélio (transformá-lo em líquido, cuja temperatura
para tal é baixíssima – aproximadamente 4,15 K, ou -269ºC). Com o hélio líquido, Onnes
resfriou mercúrio e percebeu que o metal perdia sua resistividade elétrica. Para confirmar a
descoberta, aplicou corrente à amostra e a desconectou da bateria. A corrente continuou no
mercúrio, sem perdas. A pesquisa de Onnes o rendeu um prêmio Nobel.

Em 1933, Walther Meissner, junto com Robert Ochsenfeld, descobriu a característica dos
supercondutores de repelir campo magnético (efeito que levou seu nome, como já dito
aqui), através da análise do fluxo magnético em torno do supercondutor.

Em 1950, os físicos Lev Landau e Vitaly Ginzburg publicaram uma teoria acerca dos
supercondutores. Sua teoria conseguia prever suas propriedades, porém tudo de uma
maneira macroscópica. As causas da supercondutividade, no nível “microscópico”
continuaram desconhecidas.

Tudo mudou em 1957, quando os físicos John Bardeen, Leon N. Cooper e Robert Schrieffer
desenvolveram uma teoria completa, a nível quântico, sobre os supercondutores. Ela ficou
conhecida como teoria BCS (as iniciais dos sobrenomes dos três cientistas responsáveis), e
explica a supercondutividade a temperaturas próximas ao zero absoluto (0 K ou -273,15
ºC).

A teoria BCS: Como ocorre a supercondutividade?

Ainda não há um modelo teórico concreto para a supercondutividade a altas temperaturas


(e quando se diz altas, nesse caso, ainda são temperaturas baixas, acima de 77 K ou
-196,15 ºC). A teoria dos supercondutores, e a física quântica em si, são muito modernas, e
ainda encontram-se em desenvolvimento. Inclusive, aqui na UFRGS, há um grupo de
pesquisa trabalhando ativamente sobre o assunto.

Contudo, como eu disse antes, a física quântica já explica o fenômeno à temperaturas


próximas à 0 K (a teoria BCS, lembra?), abrangendo até, no máximo, 30 K:

Em um material condutor comum, o movimento dos elétrons (corrente elétrica) é restringido


pelos átomos do condutor (o elétron, que possui carga negativa, causa uma leve
perturbação no átomo do material, de modo que parte da energia do movimento do elétron
é transferida para a vibração desses átomos – o que, além de restringir o movimento do
elétron, e causar perda de parte da sua energia, gera calor). É como tentar se mover até o
fundo de um ônibus lotado: um “empurra empurra”, onde se mover é difícil, e é quente.

A temperaturas muito baixas, quando o elétron atrai as cargas positivas do material, essas
cargas positivas atraídas atraem outro elétron, fazendo com que esses dois elétrons se
unam, no chamado Par de Cooper, agindo como bósons – isso não ocorre a altas
temperaturas pois a energia do sistema nessas condições é muito alta, fazendo com que a
atração seja insignificante. Próximo a 0 K (-273,15 ºC), a energia do sistema é muito menor,
e é possível que o Par de Cooper se forme – . Diferente dos elétrons (que são férmions, e
seguem o Princípio de Exclusão de Pauli, não podendo ter o mesmo momentum/spin), os
elétrons do Par de Cooper se condensam em um mesmo nível de energia quantizado. Esse
nível quântico é muito baixo e, para que passem para o próximo nível, é necessária uma
quantidade mínima de energia discreta (bem definida, um número exato), a qual é
facilmente fornecida a altas temperaturas, na qual os átomos da estrutura cristalina do
condutor se excitam facilmente. Porém, perto de 0 K, no material supercondutor, a energia
fornecida é menor que a mínima necessária para que os elétrons transitem para o próximo
nível quântico. Ou seja, os átomos do material supercondutor não interferem no Par de
Cooper (não afeta de forma alguma, pois os níveis de energia são quantizados: ou fornece
a energia necessária, ou não faz nada), permitindo que ele passe livremente, sem perda de
energia nem dissipação de calor.

Elétron (-) atraindo cargas positiva (+) do átomo do condutor, as quais atraem outro elétron,
que se unem no Par de Cooper

Continuando a história…

Em 1986, um supercondutor de 35 K foi descoberto e em 1987, um de 93 K, algo que não é


explicado pela teoria BCS, e ainda hoje, em 2023, não se tem uma explicação concreta.
Talvez ocorra por um mecanismo de pareamento diferente do de Cooper, ou não. O que
sabemos é que há muitos grupos de pesquisa, inclusive um aqui, na UFRGS, envolvidos
nesse assunto, o que nos leva ao outro tópico desse post, e talvez ao motivo pelo qual você
esteja aqui: afinal, foi descoberto o supercondutor à temperatura ambiente?

A resposta curta é: Ainda não podemos afirmar.

O que aconteceu, e chacoalhou a comunidade científica, foi que um grupo de


pesquisadores sul-coreanos anunciou, no dia 22 de julho de 2023, através de dois artigos
no site ArXiv, ter conseguido sintetizar o primeiro supercondutor à temperatura e pressão
ambientes.
É importante ressaltar que supercondutores à temperatura ambiente já existem. Em 2020,
por exemplo, foi demonstrada supercondutividade à 260 K (-13,15 ºC) no decaidreto de
lantânio (LaH10), porém, para isso, foi necessária a pressão de 260 GPa (Gigapascal) – o
que é quase 2 bilhões de vezes a pressão atmosférica no nível do mar.

Essa pressão tão alta inviabiliza os fins práticos que tanto sonhamos para os
supercondutores, ou seja, o problema atual não é apenas descobrir um supercondutor à
temperatura ambiente, mas também à pressão ambiente. Por isso o anúncio dos
sul-coreanos repercutiu tanto.

Vale lembrar que, desde 2000, mais de 12 grupos de pesquisa anunciaram terem
descoberto supercondutores à temperatura ambiente, contudo, alguns desses estudos se
mostraram equivocados e, nos demais, a supercondutividade também foi atingida apenas à
pressão altíssima.

E quais foram os resultados dos sul-coreanos?

No artigo publicado, os cientistas alegam ter desenvolvido um supercondutor à temperatura


menor que 400 K (127 ºC) e à pressão ambiente. O material, chamado de LK-99, foi
sintetizado a partir de Chumbo, Cobre e Fósforo, com uma estrutura modificada em formato
hexagonal. O problema é que o site em que foi feito o anúncio (ArXiv) não é um meio oficial
e não requer revisão por pares para a publicação (algo essencial no meio acadêmico). De
qualquer forma, diversos grupos de pesquisa, como a Chinese Academy of Science, King’s
College, IIT Madras, Universidad de Chile e muitos outros institutos e laboratórios do mundo
todo realizaram e seguem realizando revisões teóricas e tentativas de reprodução do LK-99.
Inclusive, no Youtube e no Twitter, há pessoas autônomas tentando reproduzi-lo (e alguns
vídeos fake de tentativas bem sucedidas também). Até o momento, nada conclusivo foi
anunciado.

Infelizmente, ainda não podemos comemorar a descoberta do supercondutor à temperatura


e pressão ambiente, que, com certeza, será uma revolução completa na ciência, na
tecnologia e na vida de todos nós (e, certamente, renderá um Nobel aos cientistas que o
descobrirem).

Seguimos torcendo!

Muito obrigado por ter lido até aqui, espero que tenha gostado e entendido. Qualquer dúvida
ou sugestão pode entrar em contato com a gente no nosso Instagram, Facebook, Linkedin
ou TikTok. Até a próxima!
Referências:

Essa descoberta vai ser o proximo Nobel! Supercondutividade em temperatura ambientes -


YouTube
Supercondutores Explicados - YouTube
(26) Quantum Locking Will Blow Your Mind—How Does it Work? - YouTube
(26) Lk-99 Superconductor Explained Simply - Lk 99 Room Temperature Superconductor? -
YouTube
(26) CONSEGUIMOS A SUPERCONDUTIVIDADE EM TEMPERATURA AMBIENTE?
CALMA!!! - YouTube
What is a superconductor? | Live Science
HyperPhysics Concepts (gsu.edu)
Superconductivity (harvard.edu)
From LaH10 to room–temperature superconductors | Scientific Reports (nature.com)
Quantum Levitation Is Cool But How Does It Really Work? (secretsofuniverse.in)

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