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PARECER Nº 242/2014/CETRAN/SC

Assunto: Divergência de resultados obtidos no exame clínico e na constatação de sinais de alteração


da capacidade psicomotora na apuração da infração do art. 165 do CTB
Relator: José Vilmar Zimmermann

EMENTA: Havendo contradição entre o resultado do exame clínico com laudo


conclusivo firmado por médico perito e a constatação, pelo agente da Autoridade de
Trânsito, dos sinais de alteração da capacidade psicomotora do avaliado, não é lícito
afirmar que a primeira sempre prevalecerá em relação à segunda, pois não há
hierarquia entre os meios de prova e o julgador não está adstrito ao laudo. Mesmo que
o exame clínico ateste que o examinado não se encontra sob influência de álcool
quando da sua realização isso não significa que, no momento da abordagem pelo
agente de trânsito, a situação não fosse outra, dada a efemeridade dos sinais e
sintomas da embriaguez e, principalmente, considerando o tempo médio que o
organismo humano leva para absorver o álcool, razão pela qual cada episódio deve ser
analisado de forma criteriosa pelo julgador, levando em consideração as
peculiaridades do caso concreto, não bastando simplesmente desmerecer um
documento em detrimento do outro quando houver divergência entre as conclusões
neles averbadas.

I. Introdução:

1. Processos instaurados para apurar infrações do art. 165 do CTB, nos quais o
condutor se negou a realizar o exame de alcoolemia e o agente de trânsito preencheu o termo
de constatação de sinais de alteração da capacidade psicomotora, conduzindo o autuado à
presença da autoridade de polícia civil competente para apuração do crime do art. 306 do
mesmo diploma legal, têm aportado nesta Casa trazendo como ponto de controvérsia a
diferença de resultados entre o aludido termo e o laudo do exame clínico ao qual o suspeito é
submetido pela polícia judiciária. O assunto tem gerado polêmica e, para auxiliar os órgãos
integrantes do Sistema Nacional de Trânsito existentes no Estado de Santa Catarina a
enfrentarem essa questão, este Conselheiro, de ofício, realizou o presente estudo que agora
submete aos demais membros deste Colegiado para análise e discussão.

II. Fundamentação técnica:

2. Inicialmente deve-se salientar que as questões dispostas no CPC envolvendo a


teoria geral da prova, evidentemente se aplicam subsidiariamente ao processo administrativo,
ressalvada eventual disciplina especial contida no CTB e resoluções do Contran.

3. Partindo desse princípio, conforme a regra contida art. 332 do CPC articulado
com o art. 131 (o sistema de persuasão racional, como modelo de valoração da prova), é de se
notar não há hierarquia de provas, podendo ser utilizados meios de prova típicos e mesmo
atípicos, desde que moralmente legítimos.

4. O modelo da livre apreciação da prova garante que qualquer meio de prova


lícito, típico ou atípico, pode servir para a formação do convencimento do julgador. No
entanto, em razão da sua natureza ou origem, a lei confere a determinados instrumentos de
prova maior robustez, como a declaração do servidor público e ao documento público em
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relação ao particular, consoante abordado no Parecer nº 179/12 deste Conselho (1). O
problema reside quando há conflito entre dois elementos de prova igualmente considerados
válidos e aptos para o fim a que se destinam, como ocorre, por exemplo, no caso da infração
do art. 165 do CTB quando o termo de constatação dos sinais de alteração da capacidade
psicomotora firmado por agente de trânsito aponta em um sentido e o exame clínico realizado
pela polícia judiciária em outro.

5 Note-se que o art. 5º da Resolução nº 432/13 do Contran, ao enumerar os


procedimentos para verificação dos sinais de alteração da capacidade psicomotora, não
estabeleceu uma ordem hierárquica. Nesse sentido, havendo contradição entre o resultado do
exame clínico com laudo conclusivo firmado por médico perito e a constatação, pelo agente
da Autoridade de Trânsito, dos sinais de alteração da capacidade psicomotora do avaliado,
não é lícito afirmar que a primeira sempre prevalecerá em relação à segunda, pois o art. 436
do CPC é taxativo ao afirmar que o julgador não está adstrito ao laudo, podendo firmar
sua convicção por outros meios de prova.

6. Portanto, inexistindo hierarquia absoluta entre o laudo pericial firmado pelo


médico legista e o auto de constatação lavrado pelo agente de trânsito, descabido relativizar,
de antemão em todos os casos, a importância e o peso da utilização desta, em detrimento
daquela. Ao analisar cada caso, o julgador deverá expor os motivos pelos quais assentou seu
convencimento em determinada prova, consoante lição de Moacyr Amaral Santos:

(...) na motivação está a demonstração de que o magistrado examinou


cuidadosamente o processo, distinguiu nitidamente os fatos e ponderou detidamente
sobre as respectivas provas, analisou-os, sentiu-os e os apreciou com o espírito de
quem perscruta e quer conhecer a verdade. À vista das mais variadas e contraditórias
provas por vezes, exporá os motivos por que reconheceu valor nestas ou naquelas ou
porque a todas rejeita, usando para isso da liberdade condicionada que lhe concede a
lei. (SANTOS, Moacyr Amaral. "Prova judiciária no cível e comercial". SP: Max
Limonad, 1970, Vol. I, 4ª ed. p. 414)

7. Deve-se considerar, também, que mesmo que o exame clínico ateste que o
examinado não se encontrava sob influência de álcool quando da sua realização isso não
significa que, no momento da abordagem pelo agente de trânsito, a situação não fosse outra,
dada a efemeridade dos sinais e sintomas da embriaguez e, principalmente, considerando o
tempo médio que o organismo humano leva para absorver o álcool.

8 De acordo com o Anexo I da Resolução nº 432/13 do Contran, a partir de 0,05


miligrama de álcool por litro de ar alveolar expirado (mg/l) o examinado já está sujeito à
autuação pela infração do art. 165 do CTB. Sabe-se que 0,05 mg de álcool p/ litro de ar
expelido equivale a 1 dg de álcool por litro de sangue (ou 10mg) (Fonte:
http://www.uniad.org.br). Partindo desse pressuposto, vale atentar para a tabela abaixo:

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(Fonte: http://www.alcoologia.net/Frames/fr_inftemsaude03.htm)

9. A figura acima evidencia que o corpo humano metaboliza até 20mg de álcool
em duas horas. Isso demonstra que uma hora, por exemplo, é tempo suficiente para que o
organismo metabolize mais álcool do que o necessário para configurar a infração
administrativa.

10. Diante da presunção de veracidade das declarações dos agentes de trânsito -


que não pode ser desconstituída senão por prova concludente e irrefutável de não ser verdade
aquela que por sua fé foi consignada no documento público por eles lavrado -, tem-se que a
única forma de prostrar a acusação pelo cometimento da infração administrativa diante desse
tipo de situação seria a realização do exame de sangue ou etilômetro, pois, como visto o
exame clínico realizado horas depois da abordagem policial, mesmo que possa prejudicar a
caracterização do crime do art. 306 do CTB, não permite que se conclua, de forma extreme de
dúvidas, pela inadequação da autuação administrativa.

11. Em outras palavras, sendo realizadas em momentos distintos e sendo o tempo


decorrido entre uma e outra um fator determinante para a apuração da materialidade desse
tipo ilícito, a divergência entre o laudo do legista e o auto de constatação de sinais de
alteração da capacidade psicomotora não implica em antagonismo.

12. Outro aspecto a ser levado em consideração é que no caso da embriaguez, tanto
o exame clínico quanto a avaliação do agente de trânsito são baseados em indícios e vestígios
(meio de prova indireto), que, diferentemente do exame sanguíneo e daquele realizado por
apuração etílica do ar alveolar exalado pelo condutor (etilômetro), são vulneráveis na medida
em que o seu resultado depende do comportamento do avaliado durante o exame e de sinais
que, como visto acima, gradativamente vão se dissipando ou mesmo podem ser dissimulados.

13. De acordo com o art. 239 do Código de Processo Penal, considera-se indício a
circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução,
concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias. Assim são o laudo do exame clínico
e o auto de constatação de sinais de alteração da capacidade psicomotora que, partindo da
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análise dos sinais externados pelo avaliado, induzem a uma conclusão acerca de ele estar, ou
não, sob a influência de álcool. Todavia, por melhor que seja a técnica empregada, tais
exames não têm o condão de mensurar a quantidade de bebida alcoólica ingerida, e são
suscetíveis a subjetivismos, razão pela qual o § 2º do art. 3º da Resolução nº 432/13 do
Contran determina que nos procedimentos de fiscalização deve-se priorizar a utilização do
teste com etilômetro.

14. Neste ponto convém assinalar que se a produção da prova direta da presença de
álcool no organismo do avaliado mediante etilômetro não foi possível em decorrência da
oposição do acusado, não é lícito que ele se valha desta circunstância para se eximir da
responsabilidade decorrente do ato ilícito praticado, pois, com fundamento no art. 231 do
Código Civil, temos que aquele que se nega a submeter-se a exame necessário não pode se
aproveitar de sua recusa.

15. É bom deixar claro que não se está defendendo a prevalência do auto de
constatação do agente em face do laudo assinado pelo legista. O que se esta dizendo é que
cada episódio deve ser analisado de forma criteriosa pelo julgador, levando em consideração
as peculiaridades do caso concreto, não bastando simplesmente desmerecer um documento
em detrimento do outro quando houver divergência entre as conclusões neles averbadas.

III. Considerações finais:

16. Pelo exposto, pode-se afirmar que:

a) havendo contradição entre o resultado do exame clínico com laudo conclusivo firmado por
médico perito e a constatação, pelo agente da Autoridade de Trânsito, dos sinais de alteração
da capacidade psicomotora do avaliado, não é lícito afirmar que a primeira sempre
prevalecerá em relação à segunda, pois não há hierarquia entre os meios de prova e o julgador
não está adstrito ao laudo;

b) mesmo que o exame clínico ateste que o examinado não se encontra sob influência de
álcool quando da sua realização isso não significa que, no momento da abordagem pelo
agente de trânsito, a situação não fosse outra, dada a efemeridade dos sinais e sintomas da
embriaguez e, principalmente, considerando o tempo médio que o organismo humano leva
para absorver o álcool, razão pela qual cada episódio deve ser analisado de forma criteriosa
pelo julgador, levando em consideração as peculiaridades do caso concreto, não bastando
simplesmente desmerecer um documento em detrimento do outro quando houver divergência
entre as conclusões neles averbadas.

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Contribuiu na elaboração do presente parecer o especialista em trânsito e ex-
conselheiro, Rubens Museka Junior.

De Blumenau para Florianópolis, em 03 de junho de 2014.

JOSÉ VILMAR ZIMMERMANN


Conselheiro Relator

Aprovado por unanimidade na Sessão Ordinária n° 22/2014, realizada em 03 de Junho de


2014.

LUIZ ANTONIO DE SOUZA


Presidente

Notas e Referências:

(1) CETRAN/SC, Parecer nº 179/2012, Relator Conselheiro José Vilmar Zimmermann, data
22/10/2012, disponível no endereço http://www.cetran.sc.gov.br, consulta realizada em
30/04/2014;

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