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Disciplina - Filosofia -

Marxismo e revisionismo, na visão de Che Guevara


Filosofia & Ciências
Enviado por: Visitante
Postado em:21/05/2008

Carta do comandante Ernesto Che Guevara a Armando Hart Dávalos, escrita em 4 de dezembro de
1965. Armando Hart foi ministro da Educação (1960–1965) e ministro da Cultura (1976–1997),
atualmente é membro do Conselho de Estado da República de Cuba.Saiba mais...

Carta do comandante Ernesto Che Guevara a Armando Hart Dávalos, escrita em 4 de dezembro de
1965. Armando Hart foi ministro da Educação (1960–1965) e ministro da Cultura (1976–1997),
atualmente é membro do Conselho de Estado da República de Cuba Meu querido Secretário:
Felicito-te pela oportunidade que te deram de ser Deus; tens 6 dias para isso. Antes de que termines
e te sentes a descansar (…), quero te expor algumas ideiazinhas sobre a cultura de nossa
vanguarda e de nosso povo em geral. Neste longo período de férias meti o nariz na filosofia, coisa
que faz tempo pensava fazer. Encontrei-me com a primeira dificuldade: em Cuba não há nada
publicado, se excluímos os tijolos soviéticos que têm o inconveniente de não te deixar pensar; já que
o partido o fez por você e você deve digerir. Como método, é o mais antimarxista, mas além disso
costumam ser muito ruins. A segunda, e não menos importante, foi meu desconhecimento da
linguagem filosófica (tenho lutado duramente com o professor Hegel e no primeiro round me deu
duas quedas). Por isso fiz um plano de estudo para mim que, acredito, pode ser estudado e
melhorado muito para constituir a base de uma verdadeira escola de pensamento; já fizemos muito,
mas algum dia teremos também que pensar. O meu plano é de leituras, naturalmente, mas pode se
adaptar a publicações sérias da editora política. Se você der uma olhada em suas publicações
poderá ver a profusão de autores soviéticos e franceses que tem. Isso se deve à comodidade na
obtenção de traduções e ao seguidismo ideológico. Assim não se dá cultura marxista ao povo, no
máximo divulgação marxista, o que é necessário, se a divulgação é boa (não é este o caso), mas
insuficiente. Meu plano é este: I. Clássicos filosóficos II. Grandes dialéticos e materialistas III.
Filósofos modernos IV. Clássicos da Economia e precursores V. Marx e o pensamento marxista VI.
Construção socialista VII. Heterodoxos e Capitalistas VIII. Polêmicas Cada série tem independência
com relação à outra e poderia se desenvolver assim: I. Tomam-se os clássicos conhecidos já
traduzidos ao espanhol, acrescentando-se um estudo preliminar sério de um filósofo, marxista se for
possível, e um amplo vocabulário explicativo. Simultaneamente, se publica um dicionário de termos
filosóficos e alguma história da filosofia. Tal vez pudesse ser Dennyk e a de Hegel. A publicação
poderia seguir certa ordem cronológica seletiva, quer dizer, começar por um livro ou dois dos
maiores pensadores e desenvolver a série até concluí-la na época moderna, retornando ao passado
com outros filósofos menos importantes e aumentando volumes dos mais representativos, etc. II.
Aqui se pode seguir o mesmo método geral, fazendo compilações de alguns antigos (há tempo li um
estudo em que estavam Demócrito, Heráclito e Leucipo, feito na Argentina). III. Aqui se publicariam
os mais representativos filósofos modernos, acompanhados de estudos sérios e minuciosos de
gente entendida (não precisa ser cubana) com a correspondente crítica quando representem os
pontos de vista idealistas. V. Está se realizando já, mas sem nenhuma ordem e faltam obras
fundamentais de Marx. Aqui seria necessário publicar as obras completas de Marx e Engels, Lenin,
Stalin e outros grandes marxistas. Ninguém leu nada de Rosa Luxemburgo, por exemplo, que
cometeu erros em sua crítica de Marx (tomo III) mas morreu assassinada, e o instinto do

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imperialismo é superior ao nosso nestes aspectos. Faltam também pensadores marxistas que
depois saíram dos trilhos, como Kautsky e Hilferding que fizeram aportes e muitos marxistas
contemporâneos, não totalmente escolásticos. VI. Construção socialista. Livros que tratem de
problemas concretos, não só dos atuais governantes, mas do passado, fazendo pesquisas sérias
sobre os aportes de filósofos e, sobretudo, economistas ou estadistas. VII. Aqui viriam os grandes
revisionistas (se quiserem podem pôr Kruschev), bem analisados, mais profundamente que nenhum
outro, e devia estar teu amigo Trotsky, que existiu e escreveu, ao que parece. Ademais, grandes
teóricos do capitalismo como Marshall, Keynes, Schumpeter, etc. Também analisados a fundo com
a explicação dos porquês. VIII. Como seu nome o indica, este é o mais polêmico, mas o
pensamento marxista avançou assim. Proudhon escreveu Filosofia da miséria e se sabe que existe
pela Miséria da filosofia. Uma edição crítica pode ajudar a compreender a época e o próprio
desenvolvimento de Marx, que não estava completo ainda. Estão Robertus e Dürhing nessa época e
depois os revisionistas e os grandes polemistas dos anos 20 na URSS, provavelmente os mais
importantes para nós. Agora vejo que me escapou um, motivo pelo qual mudou a ordem (estou
escrevendo voando). Seria o IV, Clássicos da economia e precursores, onde estariam desde Adam
Smith, os fisiocratas, etc. É um trabalho gigantesco, mas Cuba o merece e acredito que poderias
tentar. Não te canso mais com este blá-blá-blá. Escrevi a você porque meu conhecimento dos atuais
responsáveis da orientação ideológica é pobre e, talvez, não fosse prudente fazê-lo por outras
considerações (não só a do seguidismo, que também conta). Bem, ilustre colega de lides filosóficas,
te desejo sucesso. Espero que nos vejamos no sétimo dia. Um abraço aos abraçáveis, me incluindo
de passagem à tua cara e belicosa amizade. Ernesto “Che” Guevara 04/12/1965
Fonte:http://www.horadopovo.com.br/2008/Janeiro/2632-11-01-08/P8/pag8a.htm

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