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MODERNIDADE
totalitários, passou-se a ter então Não será por outro motivo que
instituições predominantemente o Welfare State passará a conhecer
preocupadas com a produção e a problemas e a correr riscos
distribuição de bem-estar”. (ESPING- precisamente quando, nas décadas
ANDERSEN, 1993, p. 17). finais do século XX, a transformação do
Formaram-se assim diferentes capitalismo e a radicalização do
modalidades de Welfare State, em moderno promoverão mudanças na
correspondência com determinações estrutura de classes, no mundo do
político-partidárias (coalizões políticas, trabalho e na organização política da
eleições, ideologias) e histórico- classe trabalhadora. A estratificação
culturais. Em todas elas – a liberal, a social se alterou, com a emergência de
conservadora e a social-democrata, na novos grupos e categorias, de novos
conhecida formulação de Esping- sujeitos (jovens, mulheres, idosos,
Andersen (1993) – evidenciou-se um migrantes) e novas demandas. A
arranjo institucional em que o sistema conflitualidade clássica, tradicional
de bem-estar de algum modo se (lutas econômicas e salariais, capital
associava a políticas de emprego, vs. trabalho), foi ultrapassada e
renda e salários, assim como a enriquecida por confrontos religiosos,
orientações “desenvolvimentistas” de batalhas culturais e postulações
caráter macroeconômico, sucessivas de direitos. A gestão de
configurando o que passou a ser conflitos ampliou-se
denominado Welfare State exponencialmente, repercutindo na
keyneasiano. estrutura mesma do Estado e das
No entanto, o fator que mais políticas públicas.
pesou no sucesso do Estado de bem- Por volta de 1980, o Welfare
estar – fazendo com que certos State passará a manifestar dificuldades
modelos se mostrassem mais de reprodução e a ser fortemente
eficientes e eficazes do que outros – atacado pelo neoliberalismo que
foi a combinação de ascende. O fim da bipolarização entre
desmercantilização, mudanças os blocos capitalista e socialista, o
induzidas na estratificação social e agravamento das dificuldades fiscais
garantia de emprego, com o que se dos Estados nacionais e as
conseguiu gerar maior integração modificações que alterarão a
social (ESPING-ANDERSEN, 1993, p. fisionomia das sociedades ocidentais
19). O sucesso, em suma, aquilo que provocarão repercussões profundas no
imprimiu o selo de identidade do plano mais imediatamente político
Welfare State, decorreu não tanto da (sistema representativo, partidos
capacidade estatal de gastar com políticos, dinâmica eleitoral) e afetarão
programas sociais, mas sim da a funcionalidade dos sistemas de
institucionalização de formas proteção e regulação.
sustentáveis de articulação entre
trabalho e bem-estar, típicas do 4. GLOBALIZAÇÃO,
modelo social-democrático, que TRANSFORMAÇÃO, SEGUNDA
recebeu assim um importante MODERNIDADE
componente de classe. No quadro histórico atual, em
que se entrecruzam imponentes
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lugar, têm de lidar com a aceleração Como tem sido observado por
técnica que deveria ter por diversos estudiosos (Giddens, Beck,
consequência a redução do ritmo de Bauman, Castells, Lipovetsky), a
vida. Mas a aceleração do ritmo de dimensão espaço-temporal sofre abalo
vida representa, tendo em conta a profundo com a “segunda
aceleração técnica, uma forma social modernidade”, a “hipermodernidade”.
de aceleração paradoxal que pode Espaço de fluxos e tempo intemporal
estar em relação com uma terceira passam a estruturar as dinâmicas
manifestação da aceleração social: a sociais: “A tendência predominante de
aceleração da velocidade das nossa sociedade mostra a vingança
transformações sociais e culturais”. histórica do espaço, estruturando a
Donde o desdobramento mais temporalidade em lógicas diferentes e
impactante: “Os complexos efeitos até contraditórias de acordo com a
combinados destas três formas de dinâmica espacial. O espaço de fluxos
aceleração explicam que, em vez do dissolve o tempo desordenando a
sonho de um tempo abundante, as sequencia dos eventos e tornando-os
sociedades ocidentais são simultâneos, dessa forma instalando a
confrontadas com uma penúria de sociedade na efemeridade eterna. O
tempo, uma verdadeira crise do espaço de lugares múltiplos,
tempo, que põe em questão as formas espalhados, fragmentados e
e as possibilidades de organização desconectados exibe temporalidades
individual e política; uma crise do diversas, desde o domínio mais
tempo que leva à percepção primitivo dos ritmos naturais até a
largamente consolidada de um tempo estrita tirania do tempo cronológico”.
de crise, no qual, paradoxalmente, se Nem tudo, porém, é sugado pela
dissemina o sentimento de que, por tendência voraz de suplantar o tempo
trás da transformação dinâmica e como sequencia ordenada de eventos:
permanente das estruturas sociais, “A intemporalidade navega em um
materiais e culturais da ‘sociedade da oceano cercado por praias ligas ao
aceleração’ se ocultaria, na realidade, tempo, de onde ainda se podem ouvir
um imobilismo estrutural e cultural os lamentos das criaturas a ele
profundo, uma petrificação da história, acorrentadas” (CASTELLS, 1999, p.
na qual nada mais de essencial 490)
mudará, seja qual for a rapidez das A mesma situação pode ser
transformações na superfície. Diante vista pelo ângulo do “peso”: a vida se
desta situação, novos modos de miniaturiza, se torna mais leve e ágil
identidade, novos arranjos graças aos artefatos nano, tudo passa
sociopolíticos, adaptados às novas a girar em torno do que pesa pouco,
estruturas temporais, são da magreza, do que facilita a
perfeitamente pensáveis – mas ao mobilidade, a ponto de se poder falar
preço de uma renúncia às convicções que se vive “uma imensa revolução
éticas e políticas profundas da que impulsiona pela primeira vez uma
modernidade, ao preço do abandono civilização do leve”. A leveza invade as
(e consequentemente do fracasso) do práticas corriqueiras e remodela
‘projeto da modernidade’.” (ROSA, imaginários: torna-se um “fato social
2010, p. 12). total”, um valor, um ideal, um
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