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Eternamente Teu

Janice Diniz
Revisão: Janice Diniz

Imagem da Capa: Licença concedida por Canstockphoto

Copyright© 2015 Janice Diniz

Reservados os direitos de propriedade desta edição e


obra para Janice Diniz. É proibida a distribuição ou cópia
de qualquer parte desta obra sem o consentimento da
autora.
A Matheus, Karla e Bonnie com muito amor.
É tão absurdo dizer que um homem não pode
amar a mesma mulher toda a vida, quanto dizer
que um violinista precisa de diversos violinos
para tocar a mesma música.

Honoré de Balzac
Sumário
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Epílogo
Prólogo

Ela correu e alcançou a cerca de madeira que


contornava a pista de corrida. Respirava tão forte,
esbaforida, que mal conseguia dar conta de tanto ar. Subiu
na tábua e segurou-se com a própria cintura apoiada,
inclinando o corpo para frente, batendo palmas, gritando.
E, na loucura da agitação, o sangue fervendo, Zoe Bernard
tirou o Stetson da cabeça e espanou o ar, eufórica.
Viu quando dois vaqueiros da Rainha do Cerrado
trouxeram o alazão. Cada homem caminhava ao lado do
animal, com a viseira, segurando-o pelo cabresto. Eles
seguiram pela estradinha de chão até de posicionarem
detrás da cancela, que seria aberta ao grito de Ramon.
Era o cavalo de Dinho Romano se preparando para
recebê-lo na montaria a fim de disputar corrida com o
filho do fazendeiro vizinho. Uma vez por mês pelo menos
ele deixava o trabalho na fazenda como domador e
criador de cavalos, junto com Max Bernard, sócio do seu
pai, e se atirava nas competições. As apostas eram feitas à
base dos cinquenta reais, não menos. E ele ficava com
sessenta por cento do valor quando ganhava. Sempre
ganhava. Mas, aos 18 anos, valia mais a pena ganhar uma
corrida do que ter dinheiro no bolso.
O segundo manga-larga também foi levado para o
seu lugar de arranque. Enquanto ele atravessava a pista
com seus condutores, a vaia aumentava, um pouco de
palmas também, mas a peonada da fazenda preferia
avacalhar o cavalo do adversário do patrãozinho.
Ao redor da pista dupla, uma aglomeração de
vaqueiros com suas mulheres, muitos optaram por assistir
à corrida sentados no teto das camionetes. Podia-se ver
inclusive automóveis caros estacionados em meio à
planície árida sem encontrar uma sombra sequer. E esses
veículos eram de vereadores e comerciantes de Santa Fé,
bem como de fazendeiros da região. A corrida era
simplória, dois cavaleiros disputando 100 metros de chão
batido em poucos minutos, mas o que os levava ali era a
adrenalina, a mesma substância que agitava o organismo
do mundaréu de gente que se aglomerava em torno da
cerca de madeira contornando a pista e que singrava nas
veias dos dois competidores.
Zoe tinha 15 anos e conhecia Dinho desde sempre.
Antes de saber falar e caminhar, ele já estava na sua vida
e devido a essa aproximação tão estreita, quem não
conhecia as famílias Romano e Bernard acreditava que os
dois eram irmãos ou no máximo primos. Contudo, na
verdade, eram apenas amigos de infância.
Lorenzo, primo de Dinho, aportou ao seu lado. Ele
usava um boné e mascava chicletes. Era um garoto bonito,
e Zoe considerou que Lolla, sua irmã de 12 anos, tinha
razão em suspirar pelo moreno de olhos azuis e pele
dourada. Olhou-o de cima a baixo e constatou o quanto
sua camiseta de algodão era branca e o jeans impecável.
O chapéu posicionado reto na cabeça, certinho, sem
deixar a aba caída pra frente como Dinho usava, por
exemplo. Mas Lorenzo não, tudo nele era arrumadinho,
combinando e limpo.
— Apostei cem paus nele. — declarou, se achando.
Ele tinha um ano a mais que ela, mas se comportava como
se já fosse um adulto.
— Tá me dizendo isso pra exibir o que tem na
carteira, é? — não sorriu ao provocá-lo.
De certa forma, irritava-se por ele estar sempre
cheio da nota. Em casa, era uma briga arrancar dinheiro
do pai, precisava justificar cada gasto. Não que
estivessem à beira da falência ou que seus pais fossem
avarentos. A verdade era que a educação dos filhos partia
de sua mãe, aliás, era ela quem mandava em tudo, menos
no seu pai. E um dos seus preceitos era o de que o
dinheiro que vinha fácil, ia embora fácil também. Ela já
fora pobre e sabia como era difícil a vida sem grana.
Então não gostava nadinha de ver o quanto Natan, irmão
de Vince, esbanjava dinheiro com o filho único.
Só que, apesar de toda gastança e ostentação,
Lorenzo era generoso e um bom amigo. Não havia vestígio
de egoísmo na sua personalidade afável.
— Talvez. Que tal irmos a uma sorveteria depois da
corrida?
— Depende.
— Xiiii
— Xiii... o que?
— Vai depender do humor do Dinho? Se ele perder,
vai sumir pra dentro do mato pra esfriar a cabeça. Sabe
que ele adora acampar, e o tio nem se mete mais, só exige
que seja nas terras da família.
Zoe atalhou:
— Ele nunca perde. — afirmou convicta.
— Sempre tem uma primeira vez. — ele disse,
ensaiando um sorriso.
— Ele vai ganhar e, aí sim, iremos à sorveteria.
Lorenzo assentiu com um sorriso fraco, segurando-
se para não lhe dizer umas verdades. E uma delas era que
Zoe dependia muito de Dinho, quase tudo que os três
faziam juntos ou planejavam fazer, incluía uma suposta
autorização do primo. O que era estranho. Soava-lhe
como se Zoe fosse de Dinho, pertencesse a ele. Um
acordo silencioso que ninguém ousava dar voz e trazer à
baila. De sua parte, não arriscaria se meter em um
assunto que em nada lhe dizia a respeito.
O que o incomodava era que havia anos que saíam
juntos, mas às vezes a coisa não funcionava por que se
Dinho não queria sair, Zoe dava um jeito de ficar em casa
com ele. Lorenzo nunca saía com outros amigos que não
fosse Zoe, Lolla e o primo. Tinha certa dificuldade para
se relacionar com estranhos e não considerava seus
colegas de escola como amigos. Seus amigos eram Zoe e
Dinho, também um pouco Lolla, que se enfiava entre eles.
Contudo, o trio Romano/Bernard se divertia há anos,
ainda que ele soubesse que a natureza do primo não fosse
a de andar em bando, mesmo que o bando fosse pequeno e
familiar.
Ramon soltou o grito de largada.
Zoe sentiu o suor lhe escorrer do couro cabeludo,
grudando as mechas longas e escuras na nuca e nos
ombros. Mas o vento morno secou a água do seu corpo e
encheu de aridez a sua garganta, porque ela continuava a
bradar o nome dele, do caubói montado no alazão
disparado pela estrada de chão batido, correndo como um
condenado estirando os músculos para chegar em
primeiro lugar, menos que isso, Zoe sabia, Dinho Romano
não aceitava.
Viu os cabelos loiros, num tom que clareava cada
vez mais nas pontas queimadas pelo sol, escapar por
debaixo do chapéu. O corpo alto se inclinando para frente,
acompanhando o esforço do animal, que riscava a terra
seca com os cascos, lançando uma cortina de poeira em
seu entorno.
O cavaleiro adversário estalava o chicote nos
flancos do animal, exigindo-lhe toda a velocidade
possível. Era um rapaz baixo e magro, com corpo de
jóquei, ou seja, de anão alto. E que vivia exclusivamente
disso: montar cavalos de corrida para ganhar dinheiro.
Dinho estava sem as botas. O jeans era puído, a
coloração azul enfraquecida. As fraldas da camisa xadrez
escapavam-lhe do cós da calça, as mangas mal dobradas
até os cotovelos. Os pés brancos e nus roçavam no corpo
do cavalo como se lhe fizesse uma carícia.
Zoe, por um momento, imaginou aqueles pés lhe
roçando na barriga ou fazendo-lhe cafuné...
Pulou da cerca, chocada com seus pensamentos, e já
não era a primeira vez que se pegava pensando besteira
com Dinho.
A multidão gritou e se agitou, espalhando uma
nuvem de poeira avermelhada ao redor, engolindo os
corredores e suas montarias. No momento em ela que
saltou da cerca, Dinho cruzou a linha de chegada.
Lorenzo voltou-se para ela, sorrindo.
— Acho que hoje é dia de sorvete.
Zoe estava tremendo e mal conseguiu responder:
— É.
Correu em direção ao vencedor e tudo que sentia
era uma vontade doida de abraçá-lo.
Assim que ele apeou, viu-a por entre os homens que
batiam eufóricos nos seus ombros, costas, cabeça,
chamavam seu nome e vibravam. Então ele sorriu com os
olhos, com sua loirice sedutora, com a sua carinha de anjo
safado, como as meninas do colégio se referiam a ele, o
anjo safado. Sim, o diabo só podia ser moreno; os anjos,
loiros. Dinho era um anjo endiabrado, elas também
diziam.
Disparou em sua direção e foi tomada pelos braços
masculinos ao redor da sua cintura. Aquele era um bom
lugar para se ficar, montar uma casa e viver, colada na
camiseta suada e suja de Dinho, com a orelha bem perto
do seu coração.
Como era bom!, ela suspirou profundamente,
fechando os olhos, e aproveitando o momento.
— Dediquei essa vitória a você, maninha.
Não gostou do que ouviu e abriu imediatamente os
olhos.
— Não me chama de maninha.
Dinho riu alto, afastando-se dela para poder encará-
la.
— É modo de falar, moleca. — brincou.
Nem tentou sorrir, emburrou-se.
Lorenzo chegou até eles e cumprimentou o primo.
— O cavalo do outro trancou na saída?
Dinho ajeitou o chapéu e, pegando Zoe pela mão,
afastou-se da aglomeração ao redor do cavalo campeão.
— Ele puxou o cavalo. — respondeu indiferente. —
O cara tem um puta animal, mas não sabe montar, é um
medroso.
— É um puro sangue, não devia nem estar
competindo nessas condições, aqui não tem estrutura, é
corrida ilegal.
Dinho puxou um cigarro da carteira amassada no
bolso traseiro do jeans.
— Que importa? — perguntou com displicência. —
O pessoal vem aqui para se divertir, ninguém é criminoso.
— Só estou falando...
— O meu cavalo também é puro sangue, o melhor
da fazenda, e eu ponho ele aqui pra correr, sim. Essa pista
é boa, em qualquer lugar é assim, isso não é desculpa pra
ter segurado o animal.
— Você foi demais! — ela exclamou, olhando-o
com adoração.
Dinho a puxou para si, plantando um beijo no topo
da sua cabeça.
— É que tenho um amuleto aqui ó. — afirmou,
apertando-a até fazê-la gemer. — Quando dói é que é
bom.
Ela o olhou esfregando os braços e encontrou um
sorrisinho malicioso. Só podia ser impressão sua. Ele não
sorria daquele jeito. Brincavam, se provocavam,
divertiam-se com total liberdade, sem pudores, sem “ó,
você pegou na minha bunda”, mas também nunca houvera
indício algum de que ele não a visse apenas com olhos
assexuados de amigo.
Zoe odiava pertencer à zona de amizade de Dinho.
E somente Lolla sabia que a irmã queria mais do que ser a
melhor amiga dele.
O celular tocou, e ele atendeu, afastando-se em
seguida dela.
— Quem era? — perguntou com curiosidade a
Lorenzo.
O outro deu de ombros e disse simplesmente:
— Sei lá.
— Li o nome no visor... Valéria.
Lorenzo sorriu ao ouvir o nome:
— Quem é? — perguntou irritada.
— Sei lá.
Ela bufou.
— Pergunta pro Dinho, ora. — e, encarando-a,
completou: — Olha, tenho prova amanhã. Ou você vai
comigo à sorveteria, ou eu vou pra casa estudar.
Ela se virou e viu a figura alta fumando e
conversando ao celular. O rosto estava sério, a boca
exibia um ar de deboche. Era certo que ele não levava
aquela pessoa a sério. Mas quem era aquela... “Valéria”?
Ele voltou e disse:
— Vou levar você para casa.
— Vamos à sorveteria? — ela sugeriu, tentando
segurá-lo mais um tempo consigo.
— Hum, gostoso... Mas não vai dar, tenho um
compromisso. — falou rapidamente, pegando-a pelo
cotovelo.
— Com a Valéria?
Ele riu baixinho.
— É, sim, maninha, não se meta.
Ela estacou e jogou o chapéu no chão, gritando:
— Não sou sua irmã, porra! E já tenho 15 anos,
para de me tratar como se eu fosse uma criança!
Dinho e Lorenzo se entreolharam, acostumados que
estavam com as explosões da amiga. Só que dessa vez
parecia que a raiva fora substituída pela mágoa. E os
meninos nem sabiam o motivo.
O mais velho pôs as mãos na cintura e declarou com
um sorrisinho do capeta:
— Acabou de me provar que é uma criancinha
birrenta, Zoe.
Ela queria chorar e voar a mão na cara dele, tudo ao
mesmo tempo. Acontecia apenas que eles nunca brigavam,
porque Zoe baixava a cabeça e engolia o que queria dizer
e se negava tudo que queria fazer.
Dinho baixou a aba do chapéu dela até esconder-lhe
os olhos. De alguma maneira, ele sabia que a havia
magoado, pois se aproximou e disse:
— Vá à sorveteria com o Lorenzo. Mais tarde, eu te
pego em casa para irmos à praça.
Passeio ridículo, ela pensou, cabisbaixa, com um
mau humor do cão.
“Ir à praça” era o seguinte: um bando de picapes
com som alto e uma gurizada bebendo cerveja (os maiores
de idade) e tentando conversar aos gritos. Esse era um dos
programas para se fazer com os amigos, mas ela queria
que Dinho a levasse ao drive-in, onde ninguém assistia
aos filmes, pois era melhor o agarramento dentro dos
carros. Ela nunca fora convidada para ir a um lugar
desses.
— Me leva para ver um filme?
— Só tem merda no cinema. — respondeu Lorenzo
enquanto paquerava uma morena.
— Não perguntei pra você, seu idiota.
— Eita, patada! — exclamou o amigo às risadas. —
Vá se catar, Zoe!
Ela o ignorou e meteu seus olhos em Dinho.
— Me leva.
Ele terminou de fumar sem deixar de encará-la.
— Toda vez que vou ao cinema acabo dormindo.
— No drive-in não irá dormir. — disse, olhando-o
significativamente.
Lorenzo caiu na gargalhada.
Zoe irritou-se ao extremo. Como era imaturo aquele
Lorenzo de uma figa! Mas o que Dinho respondeu foi
ainda pior:
— Aquilo lá não é lugar pra você. Em vez de filme
vai acabar vendo um monte de sacanagem dentro dos
carros.
Meu Deus, que anta tapada!
E Lorenzo o ajudou.
— É verdade, Zoe, o povo vai pra lá só pra ficar de
amasso...
Dinho virou-se para ele com um sorrisinho de
“macho pra macho” e comentou:
— Amassos? Dá pra fazer muito mais do que
“amassar”.
— Ainda não consegui.
— Porque fica vendo o filme.
— Mas os filmes são bons, porra!
— Peito é melhor. — rebateu Dinho, com bom
humor.
Zoe deixou escapar impulsivamente:
— Tenho dois.
Os meninos se entreolharam mais uma vez, atitude
comum entre eles (cumplicidade masculina, por certo) e
depois caíram na gargalhada.
Ela forçou-se um sorriso, fingindo que estava
brincando, deu tapinhas nos ombros deles e engoliu as
palavras cabeludas que queria dizer. Não falaria. Jamais
iria brigar com aqueles dois. Eles cuidavam dela e a
protegiam, por isso a viam como uma criancinha.
Mas Zoe sabia no fundo, bem lá no fundo, que
Dinho e Lorenzo não passavam de dois caipiras idiotas.
Um dia essa parte mais profunda de sua
personalidade viria à tona e ela então mostraria como
realmente era Zoe Bernard.
Afinal, era a primogênita de Max.
E isso não era pouca coisa, não.
Capítulo 1

Quatro anos depois

Max Bernard estava sentado na cerca que


contornava o redondel e observava Dinho tentando uma
aproximação do potro arisco e um tanto ressabiado. O
animal não era da fazenda; fora comprado por um
fazendeiro de Matarana que o deixara na Rainha do
Cerrado para ser domado.
Havia alguns anos que a fazenda se especializara
também em domar cavalos, utilizando-se para isso a
técnica da doma racional que, ao contrário da doma
tradicional, rechaçava qualquer tipo de violência contra o
animal. Todo o processo se dava através do carinho, da
conquista da confiança, da paciência. O que acontecia
paulatinamente com lições repetitivas e gestos cautelosos
de aproximação. Criava-se um vínculo entre homem e
cavalo, o que sustentava o início de uma amizade, de uma
relação de confiança que favorecia, mais pra frente, a
doma de sela.
Ele via agora o filho do seu melhor amigo e, de
certa forma, seu próprio discípulo, e se enchia de orgulho
do rapaz. Dinho tinha a marca da natureza, do caubói da
terra, trouxera no sangue a paixão de Vince Romano por
fazendas, pasto, bichos, enfim, era um vaqueiro nato. E se
não fosse uma ou outra ideia de jerico, Max até poderia
chamar Vince num canto e dizer: “Esse moleque já pode
administrar a fazenda”.
Ajeitou o Ray-Ban e berrou para ele, que afagava
ternamente o lombo do animal.
— Leva pra sombra e dá água, depois volta aqui.
Dinho assentiu debaixo do seu chapéu e obedeceu-
lhe.
Era um garoto calmo quando estava trabalhando na
fazenda. Contudo, virava um doido varrido depois das
nove da noite, quando ia fazer das suas na cidade. Não era
raro se meter em brigas de bar com a facilidade de quem
buscava e encontrava encrenca a cada dobrar de esquina.
Era inclusive fichado na polícia, o que desgostava
sobremaneira o pai, ex-policial. O delegado era novo na
cidade e precisava se impor aos filhos dos fazendeiros,
visto que alguns acreditavam que estavam acima da lei.
Bem, eles não estavam acima de porra nenhuma, dissera o
delegado de 30 anos para Dinho e os seus pais, que foram
buscá-lo na DP no dia seguinte à sua segunda prisão por
desordem. Vince decidira que o filho precisava passar
pelo menos 24 h na cadeia pra aprender a lição.
E Valentina mandara Vince dormir no sofá na noite
em que não tirou o seu filho do xilindró.
Max riu consigo mesmo. Valentina era igualzinha à
sua cabrita, mãe à prova de balas.
O jovem caubói voltou com o chapéu debaixo do
braço, o cabelo e o rosto molhados, deu um pulo e se
sentou ao lado de Max.
— Tá que é um calor da porra. — disse ele,
abanando-se.
— Isso se chama verão. — debochou o mais velho.
Dinho soltou uma risadinha e começou a abrir a
camisa xadrez.
— Vamos entregar o bichinho pronto antes da hora.
— Pelo visto, sim. Essa é a vantagem desse tipo de
doma, nada se conquista à base da violência, o animal
sente as nossas fraquezas e uma delas é a necessidade de
se impor a socos e pontapés.
— Tá falando sobre domar cavalos ou sobre o meu
comportamento, tio? — perguntou com ar divertido.
Max olhou para ele e pensou com sua fivela: esse
garoto apronta desde os dois anos de idade, não vai mudar
é nunca.
— Um pouco de cada. — puxou um cigarro do
bolso da camisa e disse sério: — O que acha de ver a Zoe
e o Lorenzo na faculdade, e você comendo poeira aqui na
fazenda?
— Ah, isso. A mãe pediu pro senhor falar comigo?
— Não, nem precisava, somos uma família. Sabe
que precisa estudar, eu e o seu pai temos até pós-
graduação, se quer saber.
Dinho amarrou a camisa ao redor da cabeça e
respondeu com indiferença:
— Sou diferente de vocês.
— É, sempre nos disse isso.
Notou o tom entristecido da voz do tio, que não era
o seu tio, mas era como se fosse.
— Não disse “melhor” que vocês, tio, só diferente.
Aliás, diferente de todo mundo, tenho vontade de pegar
uma mochila e cair na estrada, ganhar o mundo, às vezes
me sinto sufocado...
— Não deixa a Valentina escutar isso, que ela tem
um troço. — falou, rindo-se.
— Mas terei que abrir o jogo com eles. Não quero
fazer faculdade nenhuma, não consigo me imaginar
sentado com a bunda numa cadeira por horas, paradão,
escrevendo porqueira num caderno de merda... Vixe, não
consigo ficar parado, por isso trabalho feito um cão com a
peonada. Preciso de liberdade, entende? E gastar energia,
meu corpo parece que vai me consumir, explodir, sei lá.
Sim, Max sabia como era isso. Quando tinha a idade
do afilhado, para gastar toda sua intensa energia tinha de
levar pelo menos três mulheres pra cama.
— Talvez seja uma fase.
— Pode ser, não sei, mas faz tempo que quero pôr o
pé na estrada.
— É melhor então encarar os Romano. — ponderou
sensatamente.
Ele olhou para o outro, desconfiado.
— Por quê?
Max tragou fundo o cigarro e franziu o cenho
digerindo a ideia antes de dizer ao afilhado:
— Aqueles dois te amam pra caralho, não vão
aceitar numa boa que você saia por aí feito um andarilho
drogado.
— Tio! — exclamou, rindo muito. — Nunca fumei
essas porcarias, porra!
— É, mas vai ficar barbudo e maluco perdido pelas
estradas da vida. — Max pulou da cerca e o encarou,
dizendo sério: — Tive uma bosta de vida e matei no peito
tudo que me aconteceu, finquei meus pés na terra,
encontrei a mulher da minha vida e fiz minhas filhas.
Nunca senti falta de algo que nem sei o nome, isso é
besteira de cabeça vazia e falta de trabalho no lombo,
arranja umas contas pra pagar e logo essa coisa de “me
sinto diferente” vai mudar, vai se sentir igual a todo
mundo, pelo menos igual aos adultos. Se você bancar o
hippie, teremos enchente na Rainha do Cerrado, a
mulherada na casa do seu pai e na minha vai chorar até
matar todo mundo afogado. Pensa bem, filho.
Dinho Romano apertou a boca com amargor, mas
assentiu concordando com o padrinho. Ele ia pensar bem.
O que não significava que mudaria de ideia. Amava os
seus pais, os seus padrinhos, a avó paterna, o tio Natan e
o tio Fred... Cacete, toda essa gente ele amava e mais o
corno do Lorenzo, suas primas que não eram primas...
Zoe...
Como deixaria Zoe para trás?
Eles se davam bem. Sabiam até brigar bem, pois
faziam as pazes sem ter de pedirem perdão, não havia
ressentimento, voltavam a se falar meia hora depois, tudo
na santa paz.
A doce e arisca Zoe, a sua menina.
Sorriu ao pensar nela. E quando pensava nela não
sentia essas coisas de pegar a estrada e partir. Pelo
contrário, queria ficar.
Capítulo 2

Zoe esperava o professor de Ecologia entrar, virada


para trás na cadeira conversando com Alessandra, sua
colega de faculdade. As duas haviam concluído o Ensino
Médio na mesma escola, contudo, em turmas diferentes.
Naquele tempo, elas mal se falavam, apesar de saber
através de uma ou outra colega, que Alessandra tinha uma
quedinha por Lorenzo. O que poderia ser mera fofoca.
Elas começaram realmente a se falar no final do
segundo semestre do curso de Medicina Veterinária e,
depois disso, a sentar juntas e fazer trabalhos em grupo.
Muitas vezes a colega passava o fim de semana na fazenda
e, aos sábados, como era de praxe, juntava-se a ela, a
Dinho e a Lorenzo no salão country. Os quatro não
formavam pares. Dinho não se interessava em curtir a
noite “casado”. E Lorenzo não fora com a cara de
Alessandra e dissera os motivos a Zoe porque ela o
questionara a respeito.
— Tenho que gostar da sua amiga só por que ela é a
“sua amiga”? — indagou, alçando a sobrancelha com
presunção.
Eles estavam escovando o cavalo no qual Zoe
montava nos treinos para as provas dos três tambores.
Ainda não havia feito a sua estreia, não se sentia
confiante, por isso preferia treinar e fazer pequenas
apresentações apenas para o pessoal da Rainha do
Cerrado.
— Não, ora, e ela nem é minha amiga. — rebateu
Zoe, largando a escova para enrolar o cabelo e prendê-lo
no alto da cabeça. — Mas é bonita, não é?
— Hum... não basta ser bonita, tem que ter
conteúdo...
— Ela estuda comigo, cacete!
— Grande coisa, mas é uma perua, filha de perua,
neta de perua. Bem, eu não queria dizer, você me obriga a
falar as verdades, mas a Ale é loira demais e fresca
demais.
— Ah, tá, olha para as suas roupas, seu
almofadinha! — escarneceu.
— E daí? Me visto assim, mas tenho conteúdo. —
ele parou de escovar o cavalo e a encarou seriamente,
dizendo: — Toda vez que a gente sai, ela só sabe falar de
marcas de roupa, bolsa e o diabo. Tudo tem que ser
dourado e perfeito, lisinho e brilhante. Doida.
Dinho se aproximou de ambos com seu andar
gingando os quadris sutilmente, e ela imaginou se ele não
tinha problema nas suas articulações.
— Estão falando da Alessandra?
O alarme de Zoe apitou alto. Voltou-se para o
caubói e grudou sua atenção nele.
— O que tem a Alessandra?
Pra quem havia namorado metade das garotas entre
18 e 27 anos de Santa Fé... Ok, algumas mulheres acima
dos 30 também... Para quem passava a régua geral, não
seria de se estranhar que ele já não tivesse tido coisa com
Alessandra.
— Minha opinião é a de que ela não gosta de você,
Zoe. — declarou bem sério.
— Também acho. — disse Lorenzo, assentindo
levemente com a cabeça.
Zoe sorriu com escárnio e, pondo as mãos na
cintura, provocou-os:
— E quando é que o Robin não vai apoiar o
Batman, hein?
— Quando o Coringa não estiver fazendo merda. —
rebateu Dinho.
— Essa foi boa! — exclamou Lorenzo e, em
seguida, emendou: — A gente nota que ela só anda com
você por nossa causa.
— Convencidos!
— Tudo bem, se quer pensar assim...
Dinho deu de ombros e começou a andar ao redor
do cavalo, afagando-o e perscrutando com olhos atentos o
estado de seu pelo. Que belezura!, ele pensou satisfeito.
— A Ale nunca me falou de vocês. A gente não fala
sobre homens, se querem saber. Estudamos cinco horas
por dia depois de voltarmos da aula, ou seja, estamos nos
enchendo de conteúdo, viu, Lorenzo! Essa cauboizada de
Santa Fé é tudo convencida, puta merda, hein!
— Ela me beijou.
Era a voz de Dinho bem atrás dela.
Zoe se voltou com brusquidão e bateu contra o peito
dele.
— O que?
— Ela me agarrou e me beijou.
— Quando? — só conseguia pensar e falar palavra
por palavra. A ideia inteira, a de que Alessandra tivesse
tocado em Dinho, pesava no fundo da sua mente.
— Naquele fim de semana que dormiu na sua casa.
Fui vê-la e a gente ficou conversando, lembra? — ao que
ela aquiesceu com a cabeça, ele completou: — Quando
você foi ao banheiro, deitei na sua cama pra tirar um
cochilo e ela me beijou.
Ele estava sério e meio envergonhado. Logo Dinho,
que era um sem-vergonha. Então só podia ser verdade,
pensou, muito puta da cara.
— Piranha!
Lorenzo tentou apagar o incêndio.
— Esse não é o problema, ninguém aqui tem
namorada. Além disso, ela se jogou pra cima de mim
também, mas fui educado e caí fora. Mas o Dinho... — ele
lançou um olhar contrariado para o primo.
— O que fez? — perguntou Zoe mais do que
interessada.
Mas ele não estava a fim de dar importância ao
assunto e rebateu com naturalidade:
— Falei o que pensava a respeito, nada demais.
Lorenzo apertou a boca, balançando a cabeça em
desagrado, e falou:
— Ele disse pra ela que se gostasse de puta
frequentava um puteiro.
Zoe ficou chocada.
Dinho olhou firme pra ela, esperando que esboçasse
uma reação mais inteligente do que apenas ficar fitando-o
sem expressão.
— Se algum dia ela teve uma gesto ou atitude de
amiga, eu vou na porra da fazenda dos pais dela e peço
desculpa à putinha. É só me dizer, Zoe. Agora, tenho
certeza de que ela se aproximou de você para nos
alcançar e, quem sabe, nos fisgar. — ele sorriu seu melhor
sorriso convencido e sentenciou: — Somos infisgáveis,
minha moleca.
— Essa palavra não existe. — ela disse com mau
humor.
— Existe, sim, acabei de falar.
— Acho que vou parar de andar com os dois, vocês
me ofuscam. — determinou, empurrando a aba do chapéu
para trás.
Dinho a puxou pelo braço, indagando com um
sorrisão travesso:
— E dançar? Vai continuar dançando conosco?
Antes que ela respondesse, ele a fez rodopiar e, em
seguida, puxou-a novamente para si, envolvendo-a com
seus braços.
— Me larga. — Zoe pediu, tentando se desvencilhar
dele.
— Não vou largar você é nunca. — disse ainda
sorrindo e segurando-a agora como se dançassem uma
valsa.
— Meu humor não tá o dos melhores, já estou
avisando, ok? — ela tentou se soltar mais uma vez e foi
contida por duas mãos nos seus ombros. — Sério, Dinho,
não tenho amigas, só colegas, e ainda assim, elas
resolvem se aproximar de mim por causa dos inacessíveis
Romano. Acho que agora só vou me relacionar com a
Lolla mesmo, que acha vocês dois umas toupeiras sem
futuro.
—Uau, a Lolla é muito má! — debochou Lorenzo,
afagando o focinho do cavalo e se preparando para bater
em retirada.
Dinho ainda a encarava com um esboço de sorriso.
— Pensei que tivesse ciúme de nós, estou
tremendamente decepcionado.
— O mundo não gira em torno do seu umbigo,
caubói. — disse secamente.
Ela queria dar o fora dali o mais rápido possível.
— Para de ser chata, Zoe! Vamos, dança comigo.
— Que saco! Quer dançar aqui, mas quando vamos
ao Gilley’s fala sempre que tá cansado.
— Porque estou cansado, ora.
— Não, você não quer ser visto dançando com a sua
“maninha”. — escarneceu.
Dinho arregalou os olhos, chocado, e era tudo
encenação.
— De jeito nenhum! Já dançamos juntos inclusive.
Mas quando o seu pai tira o meu couro o dia inteiro, me
fazendo carregar fardos de feno e limpar as baias, bem, é
difícil depois ter vontade de dançar. Acha que sou um
objeto, é?
— Tá sempre brincando comigo, não me leva a
sério. — reclamou.
— Para com isso, Zoe, a gente te ama. — Lorenzo
era o conciliador.
— Tá falando por você, primo, não sei se amo essa
chata. — Dinho falou com ar divertido.
Zoe se irritou.
— Olha pra você, vamos, dê uma boa olhada diante
do espelho e presta atenção no que vai encontrar. Você
tem quase três anos a mais do que eu e isso significa que
não tem como ser o meu pai. Entende? Ninguém tem filho
aos três anos de idade, portanto... para de agir como se
fosse bem mais velho e experiente que eu.
— Sou mais experiente que você. — afirmou,
olhando-a diretamente.
— Vão acabar brigando. — Lorenzo apaziguou os
ânimos. — À noite a gente se manda pro Gilley’s, e o
Dinho dança com você, Zoe. Tá bom assim?
— Tá falando de sexo? — ela perguntou ao caubói.
Os dois continuaram se encarando. E Lorenzo bateu
com o chapéu na própria coxa, se sentindo irritado e
frustrado visto que nenhum dois o ouvia. Tentou consertar
a situação, sempre cabia a ele esse papel:
— Não, ele tá...
— Deixa comigo, Lorenzo. — começou Dinho
pacientemente: — Sim, falo de sexo. Você se acha “a
poderosa” só por que tem 19 anos e pensa que pode sair
por aí ficando com qualquer um, mas não pode, fazemos
parte de famílias importantes na cidade... Alvos perfeitos
para interesseiros de ambos os sexos. — ele a pegou no
queixo com dois dedos e continuou: — Temos de andar
juntos, isso é fato. Você é filha do meu padrinho e patrão,
meu mentor de doma, poxa! Quero e vou cuidar bem de
você o resto da minha vida, Zoe. — declarou taxativo.
Ele não sabia que, após tanto anos, aquele tipo de
declaração fraternal ainda a magoava.
Empurrou-o com as mãos espalmadas no seu tórax.
— Obrigada... meu amigo. — disse num tom de
amargura.
E ele rebateu com um sorriso gentil.
— É como o Lorenzo disse: a gente te ama de
montão. — declarou, beijando-a na ponta do nariz.
E agora o professor entrava na sala de aula, e ela
tinha de se concentrar nos estudos. Antes disso, convidou
Alessandra para passarem a noite de sábado no Gilley’s
com os seus “primos” (era mais fácil que entendessem
assim).
Se tinha uma qualidade que Zoe admirava nela
mesma era o gosto pela estratégia. Gostava de jogar e
disso se podia entender que tencionava se vingar. Ela
abrira o seu coração, contara sobre como se sentia em
relação a Dinho, por exemplo. E a “coleguinha” o atacara
na sua casa, no seu quarto e na sua cama. Aceitara a sua
amizade para ter uma chance com Dinho. Era isso mesmo.
Então Alessandra seria convidada para um programa entre
quatros amigos.
Ao volante da sua F250, Zoe imaginou direitinho,
quadro a quadro, o que faria com a vadia que beijara
Dinho. O filme “Carrie, a Estranha” lhe passou pela
cabeça. Na verdade, o importante era manter a garota na
mira, debaixo dos seus olhos, bem vigiada. Não se podia
perder de vista as inimigas. E quem se metia com Dinho
imediatamente ia para a lista negra de Zoe.
Lolla certa vez a perguntara:
— Por que então não se declara a ele?
— Conheço o Dinho e sei dos seus planos para o
futuro. Ele quer sair de Santa Fé, viajar pelo mundo e ter
uma vida de lobo solitário. Tudo que nós temos, a nossa
amizade de anos, irá desaparecer por completo se eu
contar que não o vejo só como amigo. Não quero arriscar
perder o pouco que tenho, me alimento disso, uso para
fantasiar à noite inclusive. Sei que sou idiota... mas ele
não sabe.
— Talvez não vá embora se souber que você é
apaixonada por ele. — comentou sua irmã de 17 anos,
abaixando o livro que lia, e completando: — Por que não
arrisca? Ele vai sair de Santa Fé de qualquer forma. Tenta
pelo menos, né?
— Não.
— Orgulhosa, tem medo de ser rejeitada, isso sim.
— É verdade também.
— Aí ele fica e arranja uma namorada.
Zoe deu de ombros.
— E se eu me declarar, ele me beija na testa com
carinho, me consola e depois arranja uma namorada.
Ficando em silêncio, pelo menos, mantenho a minha
dignidade.
Lolla fez que sim com a cabeça e voltou sua atenção
para o livro. Credo, a vida real era um saco!, pensou,
antes de mergulhar no romance.
Capítulo 3

As reuniões no casarão dos Romano eram sempre


ao redor da mesa da cozinha. Ali, batia o coração daquele
lugar, que incluíam as vastas extensões de terra, dois
estábulos, o celeiro e a casa dos Bernard.
As paredes de tijolo e azulejo eram mais velhas que
a segunda geração da família e haviam presenciado todo
tipo de cena, nem sempre alegre, às vezes, triste demais,
mas nunca uma cena de ódio. E não era porque não
sentissem ódio, afinal, eram humanos. Acontecia que isso
nunca era assunto de família, visto que entre si o que
existia era amor e, obviamente, a parte boa e ruim dele,
como o ciúme, o controle e a possessividade. Eram de
origem italiana e escandalosamente amorosos e
protetores.
Valentina, naquele momento, por exemplo, pensava
em ingerir uma cartela ou duas de sonífero para assustar o
seu filho único e forçá-lo a mudar de ideia, a ideia que
acabara de espalhar sobre a toalha xadrez da mesa com
um vasinho com flor, o bule de inox com café e três
xícaras com pires. Sim, ela era passional e louca, mais do
que nunca, se sentia envergonhada por sua fraqueza, mas
ouvir da boca do próprio filho que ele queria mais da
vida (porra, não gostava da vida que ela e o pai lhe
deram?), que existiam mais coisas depois da porteira e
que ele era jovem e queria conhecer o mundo, rodar por
estradas, desbravar novas terras, aventurar-se como
explorador de sua própria existência, bem, isso era
demais pra ela suportar.
Ela olhava para ele, forçava bem a visão e tudo que
via era um garotinho de seis ou sete anos dizendo que
largaria a bicicleta pelo cavalo e ponto final. Não, Dinho
não crescera. Era adulto, falava como adulto, vestia-se
como um adulto, mas não! Mil vezes não! O seu bebê.
Nove meses na barriga. O cordão umbilical ainda estava
ali e ninguém via. Ela não estava preparada para cortá-lo.
Desculpa, mundo, mas eu não sou “racional’ e
“razoável”, quero o meu filho comigo debaixo da minha
asa, aquecido pelo meu amor, alimentado com a minha
comida, protegido pelo meu escudo de mãe indestrutível.
Desculpa, mundo, mas você tá fodido demais pra receber
o meu presente, o meu presente de Deus.
Valentina não disse tudo isso ao filho, porque ele
não a entenderia. Ouviu calada os seus argumentos a
respeito de mudar de vida, sentada na cadeira e fitando a
bebida esfriando na xícara cuja borda tinha a marca
vermelha do seu batom.
Vince, de pé, encostado contra o armário e
bebericando calmamente o seu café, também ouvia em
silêncio. Mas os seus olhos não estavam calados,
captavam de esguelha o pacífico tormento de sua mulher
enquanto se mantinham fixos na expressão tensa do filho.
A relação daqueles dois era intensa, profunda e, por isso
contraditoriamente fácil de ser abalada. Dinho havia
herdado a impetuosidade de Valentina e também a sua
fome de amor e vida que quase a arrancara de Santa Fé.
Ao passo que ele, Vince, era do tipo que criava raízes
onde nascia e o seu coração pertencia à Rainha do
Cerrado, o lugar que seria erguido a sua lápide, bem ao
lado de onde estava a de seu pai, Armando Romano.
Contudo, o Armando Romano que recebera o nome do avô
tinha outros planos para si.
— Quero que entendam que isso não é para agora,
penso em passar mais um Natal em casa.
E essa foi a frase que fez Valentina desabar.
Vince contraiu os maxilares ao vê-la chorar. Antes
que se movesse do lugar, viu Dinho correr e se pôr de
joelhos diante da mãe.
— Quantas vezes falei pra senhora que queria
conhecer o mundo, mãe. — sua voz era cheia de dor,
porque lhe fazia mal vê-la tão triste.
Ela limpou as lágrimas e fungou antes de responder:
— Eu sei, mas tinha esperança de que fosse uma
fase.
— Também pensei isso, se quer saber. — falou sem
jeito.
— Não quero ser aquelas mães loucas que
atrapalhando a vida dos filhos, sabe? Não quero, Dinho,
mas você cresceu rápido demais. — e voltou a chorar.
Vince sentiu os olhos cheios de água e foi até à
janela respirar o ar fresco da fazenda. Diabos, o que
faltava a esse moleque? Estava tudo ali, ao seu dispor, o
paraíso em milhares de hectares.
— Mãe, escuta uma coisa... — começou a falar,
afagando-lhe o cabelo escuro e sedoso — Você se sente
realizada trabalhando com livros, não é? E também sendo
fazendeira e vivendo em Santa Fé. Você olha para sua
vida e vê que tudo tá no seu lugar e é bom. Mas quando
tinha 22, mãe? Também era assim?
Filho da puta inteligente!, pensou Valentina.
— Nunca pensei em conhecer o mundo.
— Pensou, sim. — disse Vince
Ela se virou para trás e o fuzilou com os olhos
injetados:
— Era a Pink que queria conhecer Nova York!
— Oh, desculpa, mas você me ameaçou várias
vezes com a ideia de ir para o Rio ou São Paulo.
— Que não é o “mundo inteiro”, Vince! Se não quer
me ajudar, cala a boca, tá! — exclamou com rispidez.
— Ajudar com o quê? A impedir que nosso filho se
torne um homem e tome suas próprias decisões? Potranca,
olha o que você tá me pedindo. Todo caubói anseia por
liberdade, e o Dinho é filho da terra.
Valentina levantou-se tão rápido da cadeira, que
Dinho quase caiu para trás, já que estava agachado diante
dela. E, voltando sua raiva e frustração para o marido,
disse:
— Ele não é um simples “caubói”, é o meu filho,
meu único filho! — a última parte foi dita enquanto ela
batia com a mão contra o próprio peito: — A gente não
entrega o seu ouro assim, não. Sem lutar, pelo menos.
Olha o mundo em que vivemos, Vince, como vamos soltar
nosso bebê nesse mundo cruel? — e voltou a chorar.
Caralho, Vince não aguentava vê-la daquele jeito.
Contudo, não a consolaria. Queria dificultar as coisas
para o lado do filho, que assistia a tudo sem a mesma
determinação em partir do início da conversa. Por outro
lado, não era justo cortar as asas de quem só queria era
voar. Nada tão horrível assim, apenas um processo
natural. Mas tinha Valentina no meio disso tudo, e o amor
que sentia por aquela mulher com a qual era casado havia
mais de vinte anos, compelia-o a ficar ao seu lado, ser-lhe
leal até as últimas consequências, mesmo que se pusesse
contra o próprio filho.
Dinho pôs as mãos nos bolsos traseiros do jeans e
falou tentando diminuir o drama:
— Já falei, não é nada pra agora, estou pensando
ainda, é uma vontade antiga, mas não estou desesperado.
Gosto muito da vida que tenho e devo tudo a vocês.
— Me deixa pelo menos me acostumar com a ideia.
— pediu Valentina, puxando-o para um abraço apertado.
Vince era um cara que enxergava longe e que
conhecia bem o seu rebento. Abraçou mãe e filho e os
beijou no topo da cabeça, saindo, em seguida, da cozinha
rumo ao seu escritório, no fim do corredor.
No caminho, encontrou dona Margarida com seu
cesto de crochê e lhe comunicou:
— Não falei que ele ia acabar abrindo o jogo com a
mãe?
A senhora de quase noventa anos, com a lucidez de
uma pessoa de 50 e a saúde de quem bebia um copo de
vinho por dia e se criara no meio do mato, perguntou
ansiosa:
— Mas você fez o que me disse que ia fazer, não é,
filho? A gente precisa segurar esse menino aqui, não sei
quanto tempo mais vou viver e quero ele comigo. Já perdi
um Armando, não vou perder dois.
— Mãe, a senhora é mais forte que um touro. Por
incrível que pareça, é mais forte inclusive que a minha
potranca, que tá toda derretida lá na cozinha. Isso me
parte o coração, puta merda.
— Não adianta chorar, isso vai deixar o garoto
murcho, mas não vai fazer ele mudar de ideia. Tem que ser
esperto. Você foi esperto, não foi, Vince?
Vince riu baixinho.
— Sim, mãe, vou lá no escritório buscar a minha
esperteza. — declarou, piscando o olho para ela.
Ao voltar, encontrou os dois ainda abraçados e se
perguntou se deveria ou não sentir ciúme. Tinha certeza
absoluta de que era o segundo na lista dos amores de sua
esposa, mas, diabos, ele não conseguia de jeito nenhum
colocá-la em segundo lugar. No coração de Vince existia
algo chamado empate técnico, amava aqueles dois
exagerados com a mesma intensidade.
Ok, amava um pouco mais Valentina.
Mas, porra, era a sua VALENTINA.
— Posso interromper o casalzinho?
Dinho se afastou da mãe e o olhou por cima do
ombro. Valentina, por sua vez, sorriu, limpando as
lágrimas com o dorso da mão.
— Desculpa, sou dramática e neurótica demais, —
e, meio sem graça, completou: — um pouco imatura e
dependente emocionalmente também. Imagina só se
estivéssemos nos Estados Unidos, eles nem sabem o que é
a síndrome do ninho vazio, filho em casa depois dos 18 é
sinônimo de fracasso.
— Aqueles gringos vivem se matando entre si e
matando os outros, não são modelos pra ninguém. — disse
dona Margarida.
— Verdade, mãe.
— Cala boca, Vince, que o seu pai era americano.
Vince torceu o lábio com amargor e rebateu:
— Meu pai era brasileiro e dividiu a cama com a
senhora durante muitos anos.
— Sabe que eu estava falando do seu pai biológico,
né? Não acredito que mal chegou aos 50 e já tá
caducando. — debochou com um amplo sorriso.
Valentina sabia que aqueles dois nunca iriam mudar,
sempre brincando e se implicando, a sogra olhando para o
filho como se ele ainda fosse criança... Hum, as duas eram
iguais.
Endereçou um longo olhar ao marido e não viu a
criancinha de dona Margarida e sim o homem maduro e
atraente, uma espécie de Clint Eastwood mais moreno, o
corpo firme e atlético de sempre, o abdome enxuto, fios
prateados nas têmporas, rosto marcado por delicadas
rugas, poucas, era verdade. O tempo era gentil para com
os homens. Max também exalava virilidade e, por sua vez,
lembrava um dos caubóis de Robert Redford,
autoconfiante, leal e sexy. Pink era doida pelo seu marido,
e não podia deixa de ser, elas tinham na vida e na cama os
caubóis mais durões e gostosos da região... da região?
Não, do mundo inteiro.
Viu a pasta de cartolina sobre a mesa e olhou para o
marido com curiosidade, recebendo dele, em troca, uma
piscadela de olho.
— Abra a pasta e leia, filho. — ele ordenou.
Dinho o fitou, revelando no olhar uma mistura de
curiosidade e desconfiança. Seu pai era sagaz e não tinha
o coração de manteiga da sua mãe. Desde quando era
criança sabia que choradeira e birra não lhe davam o que
queria e, mais do que isso, que o seu pai não tinha
inclinação alguma para lhe fazer todas as vontades.
Apesar de que nenhum dos dois lhes fazia todas as
vontades; a maioria delas sim, mas isso só acontecia por
parte da sua mãe. O pai era mais seco, durão, tipicamente
um vaqueiro rústico lidando com o filho homem. Tão
diferente do tio Max, que servia até de cavalinho para as
filhas andarem nas suas costas pela casa.
Abriu a tal pasta e leu a escritura de um imóvel.
— É um lugar simples, um bom pedaço de terra com
um chalé de madeira de frente para o rio. — informou o
pai. — Ainda fica na Rainha do Cerrado, mas bem longe
desse casarão, foi construído por seu avô e usado
essencialmente quando os homens iam pescar e passavam
a noite fora. Agora é um chalé mobiliado em um bom
terreno, e é todo seu.
Vince endereçou um olhar carinhoso à esposa que o
fitava com gratidão.
— Obrigada, amor. — ela disse.
— De nada, potranca. Agora ele pode pensar com
mais calma na sua viagem pelo mundo sentado na poltrona
da sua própria casa. Assim, se acostumará aos poucos a
ter a sua liberdade e as suas responsabilidades também.
Dinho pegou a chave da casa de dentro do envelope
e ficou olhando-a.
— Pai, isso não significa que ficarei na fazenda.
— Nem estou pedindo.
Ele franziu o cenho e indagou ao outro, curioso:
— Mas esse não é o chalé da sacanagem?
Vince retesou os maxilares. Valentina ficou
vermelha. Dona Margarida caiu na gargalhada.
— É, sim. Seus pais fazem sacanagem por toda
fazenda.
— Não é bem assim, tia. — disse Valentina,
olhando para a sogra e irmã de sua mãe, de forma
significativa.
— A gente dava umas escapadinhas para lá, mas
ainda temos o nosso “quartinho” no segundo andar da
livraria. — informou Vince, serenamente.
— Para com isso, Vince. — murmurou Valentina.
— Acha que ele não sabe que fazemos sexo e
muito?
— Jesus, não acredito que tá falando isso!
— Minha filha, — disse a sogra bem-humorada, —
o menino sabe que é o resultado das trepadas de vocês,
ora. — e caiu na gargalhada.
Dinho adorava a boca suja de sua avó paterna e era
uma pena que sua avó materna fosse tão chata. Ela e sua
mãe não se falavam há anos; principalmente depois que
seus avós Bertholo se mudaram com a filha Giovana para
o interior de São Paulo.
— Mas pai...
— A conversa sobre você pegar a estrada acaba por
aqui. Vai te virar para limpar o chalé, encher a geladeira e
também vai cozinhar e lavar a roupa, isso se chama vida
independente. Quando realmente souber se virar sozinho,
a gente volta a falar sobre esse negócio de conhecer o
mundo. — declarou, ajeitando o chapéu, metendo fundo os
olhos nos olhos do filho e dando a conversa por
encerrada.
Sim, dona Margarida pensou, Vince era o filho que
não fora gerado no seu útero e sim no coração e, com
certeza, o Romano mais Romano daquela família.
Enquanto Valentina não estivesse preparada para a partida
do filho, dificilmente Dinho conseguiria abandonar a
Rainha do Cerrado.
E era assim que um caubói educava outro: na rédea
curta.
Capítulo 4

Rochelle Bernard, também conhecida como Pink,


ajeitou seu cabelo loiro num coque alto e displicente.
Depois ajustou o vestido no corpo magro e em forma,
saindo para o corredor em direção ao quarto da filha mais
velha.
Parou à porta e sorriu ao vê-la se arrumando diante
do espelho, enquanto Lolla ajudava-a com a chapinha,
alisando o cabelo castanho da irmã, e Lana, a de 13 anos,
maquiava-se sentada na cama. Bem, as duas mais novas
sairiam com ela, o pai e a caçula de três anos de idade,
Ava, e obviamente Lana não usaria toda aquela
maquiagem de personagem de novela mexicana.
Suas filhas eram o seu mundo e a sua conquista mais
valiosa. Amava o seu trabalho na livraria que, anos atrás,
fora transformada em um cyber café com livros, mas a sua
maior realização era a sua família. O amor que sentia por
Max se multiplicara por quatro à medida que cada garota
era concebida, gerada e nascia. E era uma casa
essencialmente de mulheres, seis delas viviam ao redor de
apenas um homem, o rei, o nobre que fazia as vontades de
todas.
Max era o seu homem, o amor da sua vida e também
o seu pai, amigo, machão sexy e porto seguro, era a base
de que precisava para suportar suas próprias oscilações
emocionais. Agora, dona Virgínia estava bem e vivia uma
vida normal, embora se ocupasse apenas com as netas, o
trabalho como professora de pintura restringia-se a
orientar exclusivamente a sua nova pupila, Lana, que vivia
as voltas com telas, pincéis e tintas pela fazenda.
Pink nem sempre era feliz, não como Valentina que
raramente estava melancólica e quieta e normalmente era
explosiva, agitada e brava, mas também alegre e cheia de
vida. Ela não, a mãe de Zoe tinha todos os motivos para
ser feliz e o era, mas não toda hora, não do jeito que
esperavam que ela fosse. Menos Max, ele só esperava que
ela vivesse esses momentos mais profundos e depois
voltasse totalmente para ele. Ela sempre voltava. Porque
ela era dele.
Às vezes via o seu jeito caladão em Zoe, embora a
filha não fosse impulsiva como um dia ela fora, aos 20
anos, quando se tornara o amor de Max Bernard.
E agora a sua primogênita estava com 19 anos e era
uma morena bonita, parecida com o pai, alta, um longo
cabelo caindo em ondas até o meio das costas, só não
tinha os olhos azuis de Max, os seus eram escuros e
profundos e, como ela escondia seus pensamentos, o seu
olhar também era carregado de mistério.
Pink se aproximou e, com um sorriso, deu uma boa
olhada no visual da filha. Ela usava um vestido até o meio
das coxas, de alcinha, e botas de couro, além do chapéu.
Zoe só tirava o chapéu para tomar banho e dormir.
— Tá linda, meu amor. — disse com um orgulho
danado da sua menina, que nascera naquela mesma casa,
pelas mãos da sua avó.
Zoe se voltou para a mãe enquanto pendurava um
dos brincos e disse:
— Sou sua versão mais alta, mãe.
Pink sorriu timidamente e comentou, sentando-se à
beira da cama:
— Que nada, vocês são todinhas “Bernard”. —
falou com orgulho e completando a seguir: — Tive muita
sorte, quero dizer, vocês tiveram.
Zoe não entendia por que sua mãe às vezes dava a
entender que não era bom ser parecida com ela ou ter
herdado características da sua família. Sua vó dizia-lhe
que a filha ainda temia desenvolver a mesma doença que
ela tratava com remédios. Mas Zoe e Lolla (que lia muito
a respeito do assunto) sabiam que a esquizofrenia não era
uma doença tão comum quanto se falavam e também não
era uma marca ou sinal que todos da mesma família
carregavam na testa... ou no destino.
Contudo, as irmãs sabiam também que o pai fazia de
tudo pra filtrar os problemas antes de chegarem até a
esposa a fim de evitar que se estressasse ao extremo e, a
bem da verdade, raramente eles chegavam, porque ele
resolvia tudo. Sua mãe era poupada e cuidada como se
fosse de cristal, o que Zoe considerava muito romântico e
bonito, mas que desagradava a sua avó Virgínia, que
entendia de outra forma toda aquela proteção.
— É uma clara relação de dominação e submissão.
Era isso que a avó dizia a respeito.
Mas seus pais eram felizes e se amavam. Então que
se fodessem os nomes para o tipo de relação que eles
tinham, pensava Zoe, com o apoio de Lolla e Lana.
— O Gilley’s estava muito cheio ontem, mãe? —
perguntou Zoe, aceitando os retoques de sua mãe na sua
suave maquiagem.
— Não achei. — disse, dando de ombros e
completou, com um sorriso: — Mas o Max e o Vince se
comportaram como dois velhos, sentados ao redor da
mesa, bebendo cerveja e bocejando. O seu pai ainda
dançou uma ou duas músicas comigo, mas depois grudou a
bunda na cadeira e ali ficou.
Ao que Lana disse:
— É que já deu pra eles, acabou. O Gilley’s agora é
só pra molecada, não viu o que o tio Fred falou? Que eles
tinham repaginado o salão country? Não vejo a hora de ter
18 e poder entrar, ninguém irá me tirar de lá.
Ela era festeira, a pé de valsa, a que ouvia um
assobio na rua e corria pra janela. Era bonita, baixinha, de
olhos azuis enormes e cabelos escuros. Se toda família
tinha uma ovelha negra, ali estava a dos Bernard. Ela era
a versão feminina do comportamento rebelde de Dinho: ia
mal na escola, era chamada na direção (e os seus pais
também), arrumava briga por onde andava e só queria
saber de pintar nas suas telas cada canto da fazenda que a
inspirasse.
— Sossega, que falta muito.
E foi o pai quem disse ao chegar à porta e parar
junto à soleira.
— Que horas o Dinho vai lhe trazer pra casa?
Assim começava o interrogatório todas as vezes que
Zoe saía, e quando Lolla ia com ela nos lugares onde
menores de idade podiam entrar, as duas prestavam contas
do seu roteiro e da companhia.
— A hora de sempre, pai, quando cansarmos as
pernas. — respondeu sem fitá-lo.
— Hum... — ele resmungou, olhando ao redor até
bater os olhos na esposa: — Que tal um jantar romântico
no japonês?
— Quer comer “xixixi”, pai? — debochou Lana.
As irmãs riram.
Todo mundo sabia da sua experiência com a
culinária japonesa anos atrás. Valentina fizera questão de
narrar a sua inabilidade em falar o nome dos pratos e isso
se tornara uma piada que era contada e recontada em
todas as reuniões de família. E eles se reuniam toda hora,
para desespero do caubói.
— Muito engraçado. — olhou para a filha tentando
parecer zangado, mas ele nunca conseguia. — Vão jantar,
que eu e a sua mãe vamos namorar antes de sair.
— Uhhhuuu!
Todas exclamaram, rindo e se entreolhando.
Pink ficou vermelha e atirou um travesseiro em
Max.
— Não sabe o que é discrição, cabrito?
Max pegou o travesseiro antes que caísse no chão e
endereçou-lhe um sorriso charmoso:
— Ainda fica corada, minha cabritinha. Comprei um
vestido sexy pra você, vem comigo. — estendeu a mão a
ela.
Quando o casal saiu, Zoe disse às irmãs:
— Quero um amor assim, bem desse jeito.
Ao que Lolla, a culta da casa, rebateu:
— Então larga o Dinho de mão.
— Nada a ver, Lolita. — disse Lana, limpando
agora o rosto maquiado.
— O Dinho é egoísta e individualista, nunca na vida
vai querer se doar como o pai faz. Olha qual é o seu
plano, largar tudo aqui, pessoas que ele conhece a vida
inteira, para se aventurar “sozinho” pelo mundo. Não
adianta alimentar romance com homem assim, sinto muito,
as estatísticas estão aí pra provar que estou certa. —
afirmou com ar sabidão.
— Que estatísticas? ​ ​— indagou Zoe, curiosa.
— As estatísticas das pesquisas.
— E que pesquisas?
— Sobre comportamento humano, ora. Você só sabe
ler sobre bicho, mana, que eu posso fazer se me interesso
por gente.
— O Dinho é quase bicho. — salientou Lana.
— É verdade, às vezes, só falta relinchar. —
completou Zoe.
— Vocês duas são engraçadas, — começou Lolla,
sentando-se na cama e observando as irmãs: — nunca
falam de outros caras, só do Dinho e do Lorenzo, mas,
cacete, a gente vive em Santa Fé... Sabe quantos caubóis
de vinte e poucos anos têm nessa cidade? Acho que uma
tonelada, sisters.
— E daí? ​— perguntou Lana.
Lolla olhou para uma e depois para outra, ambas a
fitavam com atenção à espera da resposta.
Ao que ela disse:
— Não sei, ora.
Zoe e Lana entreolharam-se, e a última arrancou o
livro que a irmã lia e saiu correndo pela casa. Lolla então
disse como se fosse uma idosa rabugenta:
— Odeio ser humano com 13 anos de idade.
— Você já teve 13 anos, não seja chata.
— Mas eu não era retardada assim. — defendeu-se.
Zoe alisou o vestido e deu uma última olhada no
espelho dizendo:
— Tem razão, a Lana é de outro planeta, mas você
nunca foi normal também. Com esse mundaréu de verde te
cercando, só sabe ler e ler e ler.
A outra deu de ombros e rebateu com um sorrisinho
esperto:
— Tenho certeza absoluta de que o meu mundo é
muito maior que o seu.
A irmã sorriu e, ajeitando a bolsa ao ombro, falou:
— Mas você não participa desse seu mundo, só
assisti de fora o que os outros criaram. Não sei por que se
esconde atrás dos livros.
Lolla suspirou.
— E quem diz que eu me escondo? É como num
videogame, estou ganhando vidas e mais vidas, estou
vivendo mais do que vocês, uma encarnação em cima da
outra. Ontem mesmo eu fui a Diana e me apaixonei e
transei horrores com o Holt, conheço o mundo inteiro
daqui da fazenda, da poltrona do meu quarto com os pés
na janela. Entende o que quero dizer? A vida real não
basta, talvez eu seja igual ao Dinho, mas a minha aventura
é dentro da minha cabeça, — ela bateu com a mão na
têmpora e disse: — é aqui a plataforma de embarque e
desembarque.
— Quando você fala assim, me sinto uma burra
inútil, só leio os livros da faculdade. — disse Zoe, se
sentindo realmente uma toupeira letrada.
A irmã mais nova deu uma risadinha.
— Tenho uns eróticos que vai te ensinar muitas
coisinhas. — lançou-lhe um olhar significativo.
— Me empresta, por favor!
— Vai cuidar direitinho do meu e-reader?
— Ah, tá, claro que vou.
— Jura?
— Ai, peste.
Lolla entortou o lábio meio que contrariada.
— Quando voltar da sacanagem country, vai lá no
meu quarto e pega o meu Kindle. Os melhores estão na
pasta “putaria”.
Zoe segurou-se para não rir. Lolla tinha o gênio do
capeta.
— Ok, obrigada.
Antes que conseguisse enfim sair, ouviu da irmã:
— Você é uma fraca.
— Hã?
— Isso mesmo, não faça essa cara de quem não
entendeu. Posa de fodona montada no seu pangaré, mas é
uma fraca.
— Quer apanhar?
Chamar Zoe Bernard de fraca ou de “mulherzinha”,
por exemplo, era pedir para cair no chão e rolar na
porrada com ela.
— Vou fingir que não ouvi.
— Mas ouviu, sim.
— Qual é a tua?
— Quero uma foto sua beijando o Dinho na boca,
mas não pode ser selinho, tem que ter língua enfiada, beijo
sacana. Me poupa, ô “fodona”, mas há quatro anos é
amarradona no cara e nem beijo conseguiu... Putz, que
fraca, só digo isso. — falou com um menosprezo
sarcástico.
— Isso é uma aposta? — perguntou com desafio.
— Pode apostar que é.
— Se eu beijar um Romano, Lolla, você terá de
beijar o outro.
Por um momento, a irmã mais nova ficou pensando.
— É o Lorenzo, pô. O único primo do Dinho é o
Lorenzo. O outro tio dele, o Fred, só tem meninas.
Esqueceu?
— Beijar o Lorenzo-bunda-mole?
— Aham.
— Tudo bem, você não vai conseguir mesmo.
Zoe saiu do quarto determinada a fazer sua irmã
sabidona beijar um Romano.
Queria muito que Lorenzo caísse de quatro por
Lolla.
Capítulo 5

— O que tem que fazer?


Max estava parado diante da porta aberta,
esperando ouvir da filha as palavrinhas mágicas.
— Tenho que prometer que vou beber pouquinho,
não fazer besteira e ligar para o tio Vince caso o Dinho
apronte. Certo? Agora posso ir?
Max a olhou detidamente e falou:
— Sabe que não durmo até você chegar, então se
precisar de mim, telefona.
— Sim, pai. — falou com carinho, ficando na ponta
dos pés e o beijando na bochecha.
Em seguida, ele acenou para o afilhado detrás do
volante e foi retribuído com uma leve batida de dois
dedos na aba do chapéu.
Zoe desceu a escadaria até o gramado onde a picape
estava estacionada com o motor ligado e os faróis acesos.
Entrou e olhou para o motorista, que vestia uma camisa
preta combinando com o chapéu da mesma cor e o jeans
escuro.
Eles podiam ser amigos há quase vinte anos, ainda
assim, ela precisava de alguns minutos para se refazer das
sensações que ele lhe provocava. Às vezes o via sem
camisa, só no jeans, os músculos pressionando a pele
tostada do sol, trabalhando na fazenda, arrumando cercas
com os vaqueiros, quebrando pedras, pedaços de madeira,
arrumando as telhas e calhas do casarão, fazendo serviços
pesados, suando, exigindo força do corpo alto,
salientando cada quadradinho do seu abdômen. E ele
então prendia o cabelo num rabo-de-cavalo baixo,
algumas mechas se rompiam do elástico e caíam no rosto,
grudavam nas têmporas. Quando se abaixava, ela não
deixava de examinar o traseiro pequeno estufado contra a
calça, as coxas musculosas e esguias. Dinho fora feito
para o sexo, ela pensava, fechando as mãos até sentir as
unhas machucar as palmas, não podia haver outra
explicação para a resposta que o seu próprio corpo dava
ao tê-lo por perto.
Respirou fundo, a última coisa que queria era lhe
dar munição para aquele ego do tamanho da Austrália.
— E aí?
Foi assim que o cumprimentou, forçando-se um
sorriso até conseguir voltar a respirar.
Ele sorriu e assentiu com a cabeça levemente,
pondo seus olhos em cada palmo de pele dela, em cada
fresta que a roupa deixava à mostra, e isso significava que
os ombros, os braços, o início dos seios e as pernas
receberam o seu escrutínio.
— A senhorita caprichou hoje, hein. — a voz era
baixa e quente, as palavras se arrastavam para fora da
boca depois de roçarem na língua.
Tudo ali combinava para deixá-la entorpecida. O
cheiro do couro cru dos bancos da camionete, a colônia
masculina amadeirada, os olhos quentes que lhe
percorriam o corpo e a luz de uma imensa lua se
misturando aos spots do jardim. Só faltava uma música,
talvez uma guitarra eroticamente distorcida. Mas o som da
bicharada da fazenda, para aqueles dois, era a trilha
sonora perfeita.
— Comprei um vestido para provar que tenho
pernas. — balbuciou, sem conseguir deixar de olhar para
a boca que resistia ao sorriso, então apenas um canto se
repuxou para o lado, o resto do semblante permaneceu
sério e perscrutador.
Por que ele a olhava assim?
Será que não sabia que lhe fazia mal? E bem?
Sem deixar de encará-la e, principalmente, olhar
para a sua boca pintada com gloss incolor, ele disse:
— Vou cuidar direitinho de você hoje.
Como? Cuidar como homem?
— Ou talvez eu cuide de você. — rebateu, antes que
ele a chamasse de “maninha”.
Ele sorriu amplamente.
— Ah, eu sei, é coisa de combinação da tia Pink
com a dona Valentina, não?
Não, seu caubói cego, é coisa minha mesmo.
— Espero que não arranje briga por lá, só isso. Não
quero parar na delegacia de novo.
— Ah, maninha, você não foi acusada de nada, eu é
quem tive que dormir numa cama de cimento.
Ela o olhou ferozmente, mas preferiu não começar
uma discussão (que ele adorava!) sobre chamá-la como
havia chamado.
— Vamos logo pro Gilley’s.
Endireitando-se no banco, pôs a picape para rodar,
saindo dos limites do amplo gramado diante do casarão
dos Bernard.
— Ganhei uma casa, sabia? — comentou
casualmente enquanto dirigia na estrada estreita, de
pedras, que levava até a porteira onde havia uma guarita
com um vaqueiro que fazia a segurança em turnos
alternados.
— Aqui em Santa Fé? — a voz saiu ansiosa demais.
Ele se voltou para olhá-la, franzindo o cenho.
— Claro, ora. Onde mais seria?
— Sei lá, não disse que quer sair pelo mundo... Não
tem uns parentes distantes nos Estados Unidos.
— Não são parentes. E por que eu iria morar nos
Estados Unidos?
— Porque é um idiota que quer morar em qualquer
lugar menos aqui.
Dinho soltou a mão do volante e a escorregou para
o joelho dela.
Zoe parou de respirar e endureceu o corpo.
Em seguida, ele apertou com força a parte da perna
logo acima do joelho e disse em tom de brincadeira:
— Macia como a de um bebê.
Idiota! Agora você vai levar nas guampas!
— Meu corpo inteiro é assim, macio como o de um
bebê.
Ele riu com vontade.
— Porque é um bebê, maninha.
— Minha perereca é lisinha e macia como a de um
bebê... maninho.
Um solavanco forte os balançou dentro da cabine. O
motorista errou o pedal e pisou na embreagem, jogando o
veículo para o lado. No minuto seguinte, ele consertou a
mancada, embora apresentasse sinais visíveis de alguém
que ouvira o que não esperava.
Depois de retomar o controle da direção, sem se
voltar para a sua passageira, Dinho Romano falou:
— Acho que um pouco de pudor não mata ninguém,
Zoe. — disse, zangado.
— Que pudor? Igual ao seu, quando fica pelado pra
tomar banho no rio? Se pela na minha frente, me mostra o
pau na maior cara dura, como se eu fosse igual ao
Lorenzo, que, por sinal, nunca ficou nu em público...
— O Lorenzo é o contrário de você, cheio de
pudores.
O silêncio recaiu sobre os dois. Era sempre assim,
ela avançava no terreno sexual, e ele recuava. Havia pelo
menos quatro anos que Zoe insistia em investir em algum
tipo de relacionamento com Dinho Romano e ela já estava
preparada para cair fora, aceitar a aproximação de outras
pessoas, namorar pelo menos, poxa, já tinha quase vinte e
nada.
— Você é um atraso na minha vida. — acusou-o
com mau humor.
— A recíproca é verdadeira. — retrucou, fechando
a cara.
E o tempo entre eles fechou. Isso durava meia hora,
a não ser que Zoe resolvesse puni-lo. Aquela noite ela
queria muito puni-lo.
Quando chegaram ao salão country de Natan e Fred,
irmãos de Vince, eles tinham voltado a conversar,
amenidades, era verdade, visto que Dinho não aguentava
receber indiretas por muito tempo.
Viu-o abrir a porta para descer e disse:
— Nossos pais abrem a porta do carro para suas
mulheres.
Ele nem se virou para dizer por cima do ombro:
— Sou diferente deles.
Bem, ele podia ter dito que ela não era sua mulher.
Teve que dar uma corridinha para acompanhá-lo.
Assim que chegaram à entrada, ladeada por dois
seguranças vestidos nos ternos escuros e caros, tiveram a
passagem liberada. Nada como ser o sobrinho dos donos.
O lugar estava atulhado de gente que se aglomerava
ao redor das mesas que contornavam a pista de dança. Ao
fundo, o touro mecânico se contorcia expulsando do
lombo quem se atrevia a montá-lo. E, pouco antes, o longo
balcão de madeira do bar, uma carreira de banquetas com
clientes concentrados em seus copos de uísque e tequila; a
maioria erguia e abaixava sua Budweiser estupidamente
gelada. Era possível conversar naquela parte do Gilley’s,
no entanto, à medida que se alcançava ainda mais o
centro, onde estava a pista com o pessoal dançando, mais
barulhento ficava. O som, igual ao touro, era mecânico.
Eles sentavam sempre na mesma mesa, que recebia
a plaquinha de reservada para o caso de um forasteiro se
atrever a ocupá-la. Quem frequentava o lugar sabia que ali
era o canto dos Romano.
E foi para lá que eles foram. No meio do caminho,
Dinho parou e se voltou. Ele sempre fazia isso, porque às
vezes perdia Zoe no meio da multidão. Viu-a distraída e
acompanhou o seu olhar, esbarrando os olhos em um
caubói alto, moreno e com olhar de quem estava louco pra
rolar no feno.
Retesou os maxilares e a puxou pela mão, não a
encarou, sabia que encontraria um olhar de reprovação.
Se Zoe soubesse que ele lutava contra demônios (e até
anjos) para se controlar e não fazer besteira, facilitaria
mais as coisas para os dois. Porra, ela era filha de Max
Bernard! Jamais poderia pisar na bola com ele nem deixá-
la ao partir. Era uma encruzilhada desgraçada!
Mas também não precisava entregá-la de bandeja a
qualquer um.
Sentou-se à mesa com o humor azedo e para piorar
deu de cara com Alessandra, ao lado de Lorenzo. Lançou-
lhe um olhar como se dissesse “o que isso significa?”.
— A Zoe a convidou para ficar na nossa mesa. —
respondeu com um sorriso forçado.
Alessandra cravou seus olhos verdes toldados por
cílios grossos com meio quilo de rímel em Dinho.
— Algum problema? A putinha pode ficar com
vocês? — perguntou com um sorriso debochado.
Infelizmente, para ele, ela não ficara zangada com o
xingamento.
Viu quando Zoe parou ao seu lado e era claro e
visível que esperava um espaço no amplo sofá diante da
mesa. Afastou-se o máximo que pôde da beirada do
móvel, quase encostando a cara no vidro da parede onde
havia adesivos com silhuetas de vaqueiros e vaqueiras
laçando um ao outro.
Hum, que sugestível, pensou contrariado. Ia passar
o resto da noite respirando o perfume de Zoe, e ele não
sabia se a fragrância que o deixava tonto e lesado da
cabeça era a que se desprendia dos cabelos dela ou da
pele.
— Pensei que eu ia ter que sentar no chão. —
reclamou, arrastando o traseiro no sofá até colar coxa com
coxa.
A danada não prestava, pensou ele, puxando a aba
do chapéu para baixo, irritado, e entredentes disse:
— Não sabia que tinha convidado a Alessandra.
Zoe imediatamente endereçou um olhar à colega, já
que o amigo não havia falado baixo. Bem, Dinho não era
conhecido por ser educado e discreto.
— Qual é o problema?
Os dois rapazes a encararam como se
respondessem: “você é o problema”. E ela apenas sorriu
com ar misterioso.
— Prometo me comportar, caubóis. — disse Ale,
com ar sedutor.
Lorenzo se controlou para não rir. Zoe se controlou
para não dar uma bofetada na cara da “inimiga”. Dinho se
controlou para não pôr a mão no joelho de Zoe outra vez.
Quando Entre “Tapas e Beijos” começou a tocar,
Zoe se voltou empolgada para o lado e disse:
— Me leva pra dançar?
Lorenzo quis lhe dar força e acresceu:
— Tá devendo uma dança pra ela.
Mas Dinho a ignorando, fez sinal para o garçom e
pediu uma cerveja. Quando o funcionário se afastou, ele
afirmou com ar de tédio:
— Trabalhei muito hoje.
Era sempre a mesma desculpa.
— Todos os dias você trabalha. — ela rebateu
louca pra quebrar uma cadeira na cabeça dele.
— Seu pai me explora, estou até emagrecendo. —
disse com ar de preguiça.
Zoe estava ficando muito puta da vida.
— Sabe de uma coisa?
O plano era se virar e convidar Lorenzo para
dançar, contudo, antes de fazer o convite ou separar os
lábios para falar, viu-o sendo arrastado por Alessandra
até a pista de dança.
Voltou-se para o outro, que observava as pessoas
conversando enquanto não lhe traziam a sua bebida.
— Não vou ficar sentada aqui.
— Pode ir pra lá. — falou, apontando com o
indicador o lugar onde Lorenzo estava sentado até então.
— Idiota.
— Maninha, estou cansado, moído, esgotado,
estraçalhado.
— Cala boca, Dinho.
Ela se emburrou.
Até ver novamente o morenão, de pé, encostado em
uma das colunas de madeira, bebendo cerveja e olhando a
mulherada passar. Ele usava um chapéu imenso e o jeans
apertado revelava um bom armamento entre as coxas
grossas. Zoe ficou vermelha ao imaginá-lo sem a calça.
Voltou-se para Dinho e avisou-o:
— Fica descansando então.
Ele a viu se levantar e instintivamente olhou para a
sua bunda. A fisgada que sentiu no pau era perturbadora,
mas não podia evitar, Zoe tinha uma boa bunda, ora.
Acompanhou-a com o olhar e um leve sorriso sacana. Se
ela não fosse uma Bernard...
Nem terminou o pensamento e já se viu zonzo,
atordoado, com a cabeça cheia de sangue quente
borbulhando.
— Filha da puta... — murmurou incrédulo ao vê-la
se aproximar de um gigante e possivelmente convidá-lo
para dançar.
Uma cobra parecia ter-lhe picado o traseiro, pois se
colocou de pé em meio segundo, quase derrubando o
garçom com a bandeja e as bebidas.
Desde sempre ele cuidou de Zoe, essa era a sua
função na vida, cuidar e proteger a filha mais velha do
homem que idolatrava tanto quanto ao seu pai. E Max
dizia-lhe: cuida das minhas filhas, hein, você é o filho
homem que não tive.
Caralho!, pensou Dinho, irritado. Ela não era a sua
irmã nem prima nem...
Apertou a boca com raiva quando a viu dançando
colada com o camarada que devia ser de outra cidade. Os
braços dele a rodeavam nas costas, trazendo-a bem perto
do tronco encorpado. Era certo que esfregava o pau nela,
ele não ia admitir essa falta de respeito...
Até que viu a tinhosa rindo e fazendo charme pro
vagabundo.
Tudo que Dinho Romano precisava era respirar
fundo, controlar os cinquenta cavalos que pisoteavam no
seu cérebro e olhar ao redor, só isso. Muito fácil. E no
minuto seguinte, ele viu uma loira linda se aproximar com
um sorriso que falava tudo que a minissaia dava a
entender.
— Vamos dançar, Romano? — ela perguntou junto à
orelha dele.
E, olhando para Zoe Bernard que, coincidentemente
ou não, olhava para ele e acabava de se atrapalhar com as
pernas e pisar nas botas do seu par, ele sorriu o seu
sorriso maldosamente sedutor e respondeu com a mão
descendo para o traseiro da loira:
— Com todo prazer.
Mastigou, amassou bem cada palavra pra sair
natural e leve.
Zoe não sabia com quem estava lidando.
Capítulo 6

Zoe virou o pescoço de tal forma em oposição ao


resto do corpo que quase ficou igualzinha à personagem
do filme “O Exorcista”. Porém, enquanto não exorcizasse
Dinho da sua vida, continuaria a prestar atenção na vida
dele. Simples assim. E, naquele momento, por mais que
estivesse dançando com um desconhecido — bonito, por
sinal, seus olhos procuravam e encontravam o outro casal.
E o loiro agarrado na loira fazia o mesmo que ela.
Descaradamente Dinho baixou as mãos e pegou na
bunda da garota, trazendo a cintura dela ao encontro de
sua virilha. Flexionou os joelhos e encaixou suas pernas
entre as da moça, que aproveitou para se esfregar contra o
tórax masculino. E assim que foi agarrado, ele endereçou
um olhar de desafio malicioso a Zoe, exibindo um
sorrisinho superior.
Ela não sentiu raiva. E sim ÓDIO. Era a primeira
vez que ele se atracava com alguém na frente dela. Sabia
sobre suas namoradinhas, pois todo mundo falava de
Dinho em Santa Fé, parecia até que era uma celebridade
local, e tudo por que era filho de Vince Romano, afilhado
de Max Bernard, além de bonito pra cacete, sexy até a lua
e com o gênio do cão. Ainda assim, não costumava
desfilar pela cidade com companhias femininas... que não
fosse ela própria, Zoe, ou uma de suas irmãs. Às vezes
sua mãe lhe pedia para largar as garotas na escola, até
mesmo Ava, de três anos, ia à escolinha à tarde. E Zoe
achava completamente lindo ver Dinho de mãos dadas
com a sua irmãzinha ou com ela no seu colo, algumas
vezes sobre os seus ombros. Ele tinha muito jeito com
crianças.
Talvez porque fosse imaturo. Como agora. Isso que
ele fazia na pista de dança, se exibindo pra ela,
provocando-a, mostrando que sabia dançar, e muito bem,
eroticamente inclusive, mas não com ela, só com a vadia
de cabelo amarelo, era a prova de que ele se divertia com
a sua cara.
Então ela pegou as mãos do caubói, que parecia
extremamente educado e jamais apalparia a sua bunda, e a
pôs lá. Sim, na cara dura. Sem fitá-lo, pegou-o nos pulsos
e pôs as mãos grandes bem no seu traseiro e até mesmo o
sacudiu devagar, sensualmente.
O moreno a fitou e sorriu. Zoe baixou os olhos,
morta de vergonha. Contudo, precisava mostrar a Dinho
que também sabia sensualizar, ora. Mas quando se voltou
novamente para constatar a sua reação, viu quando a loira
virou o rosto dele para frente, confiscando sua atenção
por completo, embora quisesse mais do que isso. Zoe
continuou se deixando levar pelos passos do seu par,
vendo o outro casal ensaiar um beijo. Por Deus, se a loira
o beijasse, ela beijaria o moreno. Isso era certo.
Mas no último segundo, Dinho virou o rosto e
encarou Zoe.
Ela perdeu o compasso, atrapalhando-se com as
próprias pernas e teve de se equilibrar no seu par.
Quando “Sou Eu” começou a tocar, Dinho baixou a
cabeça e falou algo junto à orelha da moça, que, em
seguida, endereçou um rápido olhar a Zoe, deu de ombros
e desapareceu por entre os casais que ainda dançavam ao
som de Chrystian & Ralf.
Dinho Romano ficava com a cabeça bagunçada
quando estava perto de Zoe, nada fazia sentido. Por isso,
muitas vezes, para ter paz se distanciava dela. Arranjava
um mundaréu de trabalho pela fazenda, evitava encontrá-
la, não atendia suas ligações nem respondia SMS.
Arrumava uma pilantrinha qualquer para dormir, aquele
tipo de garota comprometida com um cara legal, as que
não exigiam nada haja vista que já tinham tudo, só eram
um pouco cegas para perceber. Mas a cegueira fazia parte
do pacote “sexo sem complicação”.
O povo da cidade creditava em sua conta conquistas
que não lhe diziam respeito, e era mais como aquelas
histórias de pescador, um exagero sem proporções e que
não partiam dele próprio. Jamais saberia de onde as
fofocas vinham e muito menos a razão delas.
Cansava o corpo com sexo. Era isso que fazia a si
mesmo, esgotava-se para não atacar a mulher pela qual
era apaixonado.
E agora Zoe dançava, se assanhava e se agarrava
com outro. Podia ouvir claramente a voz do seu padrinho
dizendo para cuidar da filha, confiando no lobo faminto
que salivava por ela.
Ficou parado olhando-a dançar. Alguns casais
batiam contra o seu ombro e, ainda assim, ele não se
movia. Encarava a garota sem piscar, sorrir ou expressar
emoção. Apenas parado com os braços soltos ao longo do
corpo, a aba do chapéu abaixada escondia parte dos seus
olhos que a viam sacudir o cabelo, mexer o corpo dentro
do vestido, hipnotizá-lo, acertando-o com seu olhar tão
doce como uma bala saindo do tambor de um .38.
Queria dizer que já estava na hora de acabar com o
“maninha”. Queria ser livre o suficiente para amá-la como
mulher e não se importar com o fato de a família inteira
considerá-los como primos quase irmãos. E isso também
o pressionava, o punha pra baixo, oprimia. Ele a ensinara
a andar de bicicleta e a nadar no açude, tantas outras
coisas também.
E agora queria ensiná-la a fazer sexo.
Esperava apenas que não fosse tarde demais, já que
o caubói acabava de abraçá-la com força, e ele se
controlava para não começar uma briga, meter a mão na
cara do desgraçado era uma boa opção para a noite.
Foi até o casal, que, em seguida, parou de dançar e
se voltou para ele.
***
Quando Zoe viu a loira se afastando, entendeu que
mais uma vez a personalidade do seu amigo o deixara na
mão. Às vezes ele era um legítimo ogro, seco, direto e
grosso. Era sincero demais e descuidado ao escolher as
palavras. Falava o que lhe dava na telha. Mas não se
esquivava das consequências, matava no peito os
xingamentos e os problemas que vinham com isso. Na
fazenda, por exemplo, trabalhava como qualquer
vaqueiro, mas quando os proprietários viajavam a
negócios, era ele quem assumia a administração da Rainha
do Cerrado, com a autoconfiança de quem sabia o que
tinha de fazer.
O que ela não conseguia entender era ele ter se
transformado em estátua no meio da pista de dança. Não
parava de encará-la. Por um momento considerou aceitar
aquele olhar, aproveitar o momento e depois acrescentá-lo
aos seus devaneios antes de dormir, já tinha um punhado
deles guardado na memória, momentos assim, em que ele
a olhava como se quisesse dizer alguma coisa ou apenas
ficar olhando pra ela. Normalmente ela desviava o olhar e
lhe dava as costas. Era difícil compreender o
comportamento dele. Se a queria como irmãzinha não
precisava perder seus olhos nela.
E foi o que fez mais uma vez. Então ela voltou a
abraçar o morenão e fingir que ria de alguma besteira que
ele dissera (o cara nem tinha aberto a boca ainda). Agora
não precisava elaborar grandes esquemas de ciúme,
Dinho perdera por si só a sua companhia para a noite.
Ao se voltar para o desconhecido, procurou afastar-
se um pouco, aquele agarramento todo se fazia
desnecessário. A bem da verdade, o cara nem era tão
bonito e cheiroso como... Merda! As comparações de
sempre! Nem o conhecia há anos, tampouco compartilhara
com ele seus pensamentos e medos, as suas maiores
alegrias e as piadas, como fazia com Dinho. E como riam,
os dois riam muito. Eram os palhaços e a plateia e às
vezes nem a pipoca faltava. Os códigos através de
olhares, eles também tinham isso, alguém falava uma
asneira e a troca de olhares imediata, a risada presa e
depois compartilhada. A risada rouca de Dinho, longa,
aos solavancos, olhos cheios de lágrimas de tanto rir, caía
para trás, a boca bem aberta, ele rindo era lindo, ele
cavalgando pela fazenda era o melhor de todos.
Tentou se soltar do seu par, não era certo nem justo
para consigo mesma. O fato de gostar de um homem e se
atracar com outro traía apenas uma pessoa: ela própria.
Mas o engraçadinho não estava a fim de facilitar as
coisas e a segurou pela cintura com mais força.
Zoe ergueu a cabeça e falou com firmeza:
— Me solta agora.
O rapaz baixou os olhos para ela e sorriu, soltando-
a a seguir.
Hum, esse aí é um cara esperto, ela pensou e, ao se
virar, deu de cara com Dinho encarando o moreno. Oh,
sim, era esperto por que recebeu um olhar assassino que o
influenciou a não seguir em frente com a brincadeirinha.
Ela voltou à mesa, passando por Dinho e o
ignorando mais uma vez. Sentou-se com tudo no sofá e
quase caiu deitada. Fez sinal para o garçom e, quando ele
se aproximou para anotar o pedido, escolheu algo forte.
Quando seu copo de vodca chegou, Dinho se sentou
diante dela e a observou ingerir a bebida precisando de
três longos, amargos e ardidos goles.
Tirou o chapéu e o pôs sobre a mesa, a expressão
era séria e concentrada, sem qualquer vestígio de censura
por vê-la beber. Ele não se metia nisso. Se ela quisesse
beber ou fumar, dançar com estranhos, ele não se meteria
nisso. Agora, se a visse perto de alguém que usava
drogas, aí sim, puxava-a pelo braço com a cara amarrada.
Ela relançou um olhar para Lorenzo, que se
agarrava com Alessandra contra uma parede, e resmungou
um “foda-se”. Era só o que faltava a amiga da onça se
infiltrar entre eles.
Inclinou-se para frente, na mesa, e falou:
— Gostaria de ver a Lolla sendo obrigada a beijar
o Lorenzo?
Dinho notou o sorrisinho no canto daqueles lábios
que ele estava louco para beijar, morder, lamber, roçar e
respondeu:
— Não, prefiro que seja o contrário.
— Ah, imagina, ele sofre da mesma doença que
você: a SRB.
— Que merda é essa, Zoe? — perguntou
contrariado. Boa coisa não era, já que ela fizera sinal ao
garçom para pedir mais bebida.
Zoe se voltou e retrucou com um sorriso encantador:
— É a “Síndrome de Repulsão às Bernard”.
Conhece, né?
Ele espichou um lado da boca como se fosse um
sorriso condescendente:
— Nunca ouvi falar.
— Bem, vou retocar a maquiagem e cair na pista.
Boa noite, me pega na saída, ok? E se arranjar uma transa,
me avisa que chamo o meu pai pra me buscar. — falou
com desenvoltura, já que o segundo copo de vodca fez
efeito bem rápido no seu organismo.
Puxando-a pelo pulso a fez se sentar novamente:
— A gente mal chegou, a sua maquiagem tá perfeita.
Fica aqui comigo.
— Sentada com o velhinho? Não, obrigada.
— Dá pra sossegar o rabo um pouco, Zoe?
— Vim pra dançar, curtir, estudo a semana inteira,
treino todos os dias, acho que tenho direito de arejar a
minha cabecinha, não?
— Claro, por isso trago você aqui.
— Vai tomar no cu, Dinho, que não é você quem me
traz aqui. Nós viemos juntos por que o meu pai não quer
que eu dirija sozinha à noite. Você é a minha babá, só isso.
Zoe sentia que as palavras não saíam direito da sua
boca, precisava se esforçar para expulsá-las da ponta da
língua. Ok, estava ligeiramente bêbada.
— Não sou sua babá. — ele disse sério, retesando
os maxilares.
O garçom deixou o terceiro copo, e Dinho
observou-a beber todo o conteúdo e depois fazer uma
careta de quem estava prestes a vomitar.
— Agora, sim, pode ir ao banheiro.
Ela o fitou com os olhos brilhantes de embriagada e
sentenciou meio rindo:
— Cacete, mal cheguei e já estou fora de órbita.
— Porque não sabe beber.
— Sei, sim, olha. — e ela fez sinal novamente ao
garçom, pedindo outro copo.
Dinho sorriu consigo mesmo, sabendo que aquela
bebedeira toda a colocaria no banco detrás da sua picape,
dormindo o sono dos anjos bêbados, e então ele a levaria
para casa, bem longe dos gaviões, como dizia o seu pai
sobre o assédio em torno da esposa.
De repente Zoe se ergueu e disse bem alto:
— Hoje eu vou dar a minha perereca!
Ele quase cuspiu a cerveja que recém pusera na
boca. Ficou de pé num salto e a pegou pelo braço.
— Chega de bebidas, você é minha
responsabilidade e tenho que devolvê-la inteira aos seus
pais.
— Grande coisa perder minha virgindade, eles nem
vão notar...
Dinho franziu o cenho ao ouvir tamanha besteira.
— A gente veio se divertir, ok? Então vamos lavar
esse rosto lindo e curar o seu porre...
— Vim arranjar um pau pra me aquecer nas noites
de inverno.
— Não tem inverno em Santa Fé. — afirmou,
zangado.
— Me dá o seu pau, Dinho.
Ele riu, e ela o esbofeteou.
Ficaram se olhando por um tempo, testando a
atmosfera, não era a primeira vez que ela metia a mão na
cara dele e às vezes Zoe achava até que Dinho gostava.
— Fica excitada quando bate na minha cara?
Mas quem pôs em xeque os gostos dela foi ele.
Sério, encarando-a determinado a vencer uma barreira
invisível entre ambos. Não aguentava mais. E pelo visto
Zoe também não.
Ela umedeceu os lábios com a língua, o coração
galopava enlouquecido pressionando o seu peito, muita
música e bebida, e o clima entre eles inesperadamente
havia mudado.
Só podia ser coisa daquela lua imensa que os
espiara na picape.
— Me excito até com o seu bom-dia. — falou,
respirando aos solavancos.
— Se não estivesse tão bêbada, a gente podia
resolver isso.
Zoe piscou várias vezes, confusa. Não era possível
que ele tivesse dito o que ela ouvira. Só podia ser
sacanagem daquela vodca cretina. Mas o modo como ele a
olhava era tão explicitamente... sexual?
— O que você disse mesmo? — precisava
confirmar.
Ele continuou sério e agora já estava de posse do
seu cotovelo, conduzindo-a até o banheiro feminino.
— A noite mal começou, e você já foi para a
Rússia. — reclamou baixinho.
— Não, não foi isso... O que você realmente falou?
— insistiu, deixando-se levar por entre as pessoas.
— Não importa mais.
Puxou-a para si antes que se machucasse ao entrar
no corredor apinhado de mulheres. Uma fila imensa para
entrar no banheiro. Bufou e resolveu levá-la para o
banheiro no escritório dos tios, no segundo andar.
Ele a pegou debaixo dos braços e a pôs sobre o
balcão da pia, abrindo a torneira a seguir. Molhou a mão e
a passou sobre o rosto da garota, que o olhava com um
sorriso do capeta.
— Posso confessar uma coisinha pra você?
— Não, chega de confissões.
Ele falou, contido, mas ela sabia que estava
brincando.
— Tudo bem então.
— Fala, sua chata.
— Quando bebo, as palavras fogem da minha
boca... — e começou a rir.
— Sei muito bem, por isso nunca permito que beba
nas reuniões de família, nos meteria numa encrenca
daquelas.
Ela aceitou a toalha que ele lhe oferecia e secou a
face, indagando com curiosidade:
— Como assim?
Dinho pôs as mãos nos quadris e disse com um
olhar divertido:
— O pessoal da fazenda considera você uma
garotinha, a garotinha do tio Max, a primogênita que
nasceu em casa.
— E daí?
Ela estava enquadrando-o, e ele tinha suas costas
pressionadas contra uma parede gelada, embora fosse
tudo metáfora para como se sentia.
— Pensa bem, Zoe, crescemos juntos, todos nós,
não passa pela cabeça dos nossos pais que podemos nos
envolver como homem e mulher.
— Minhas irmãs acham tudo muito normal.
Ele riu.
— Suas irmãs não são parâmetro de normalidade,
não.
— A Ava, sim.
A alusão à irmã de três anos de Zoe o fez rir.
— Pois é, estou me guardando pra ela, Zoe.
Era para criar um clima de camaradagem, uma
técnica que Dinho era mestre, e isso esfriava um pouco a
tensão sexual entre ambos. Mas não funcionou.
— Existe uma coisinha chamada amor clandestino.
Ele olhou para ela e viu um par de olhos
maliciosos. O leão que urrava forte no seu peito e o
mandava pegar a estrada e ser livre lançou o seu rugido
alto e grave por que queria fugir, sim, mas para dentro de
Zoe, encaixado entre suas coxas, até o fundo.
Então Dinho Romano encarou firmemente Zoe
Bernard e declarou com uma seriedade que não
combinava com ele:
— A gente tá falando em fazer sexo, mas nunca nos
beijamos.
Por um momento ela pensou em se beliscar, talvez
estivesse tendo aqueles sonhos tão realistas que se
acreditava estar acordado. O seu amigo de infância, o
cara que ela mais conhecia na vida jamais diria o que ele
disse.
Recuperou-se a tempo de rebater, olhando
diretamente para os lábios dele:
— Nossas bocas estão no mesmo ambiente que
nós...
Mas não conseguiu terminar.
Ele a pegou pela nuca, a mão enganchou por trás da
sua cabeça e a trouxe ao encontro da sua, seus lábios se
abriram e se encaixaram com os dela. Os dedos se
emaranharam por baixo dos cabelos enquanto a outra mão
a segurava no queixo, firmado pelo polegar e o indicador.
Quando se afastou, examinou a expressão da garota.
Buscou vestígios de que se excedera e tudo que encontrou
foi um olhar pasmo, os lábios ainda entreabertos. Era
possível inclusive que Zoe estivesse tremendo e era o que
parecia a ele. Puxou-a para um abraço e a beijou na curva
do pescoço, fechando os olhos e aspirando o cheiro de
sua pele. Sim, podia sentir agora, ela tremia. Apertou-a
ainda mais.
O hálito morno soprou-lhe junto à sua orelha quando
ela perguntou num murmúrio:
— Me beijou por que decidiu cair na estrada?
Ele riu baixinho, enterrando o nariz entre os cabelos
dela sobre o ombro.
— Já disse, ganhei uma casa, vou ficar.
— Ah, então você pode me ajudar com isso?
Sorrindo e se preparando para ouvir algo bizarro, já
que ela não se curara do porre recente, ele respondeu:
— Posso, sim.
Ela baixou a cabeça, ruborizada, e depois o
encarou.
— Me beija de novo?
— Não precisava pedir, moleca, era o que ia fazer
agorinha mesmo.
E foi o que ele fez. Beijou-a longamente, as mãos
segurando-a em cada lado do rosto, os polegares
acariciando-lhe as bochechas.
Ela envolveu-lhe o pescoço com os braços e afastou
as pernas para que ele se encaixasse entre elas e se
aproximasse mais. Os seios roçavam na camisa dele,
esfregou-se languidamente no tronco masculino e deslizou
duas mãos para debaixo da roupa dele até encontrar os
quadradinhos do abdômen definido. Acariciou-lhe a pele
com as pontas dos dedos, pra cima e pra baixo, depois
enrodilhou seus braços na cintura dele.
Uma batida à porta os assustou.
— Tudo bem, crianças?
Dinho olhou para Zoe e torceu o canto da boca pra
baixo, num ricto de contrariedade, ao mesmo tempo em
que arqueava as sobrancelhas como se dissesse:
“crianças... não falei?”.
— Tudo certo, tio, a Zoe só tá pondo a vodca pra
fora. — forçou-se um tom natural para a mentira colar.
— Coitadinha, tenho Plasil na gaveta, qualquer
coisa me chama, hein! — disse Natan.
Os dois se entreolharam e não estavam com vontade
de rir.
— É isso que falo, Zoe.
— Eles terão que se acostumar.
— O tio Max vai comer o meu fígado.
Zoe sorriu.
— Sim, vai passar o seu fígado numa torradinha e
comer.
— Não ria da minha situação, por favor.
E ela riu mais ainda.
— Você me deixa doido da cabeça, Zoe Bernard. —
disse em tom de reprimenda, emendando, a seguir: — Mas
preciso beijar você mais uma vez.
Capítulo 7

Dançaram a noite inteira, colados, como se todas as


músicas fossem românticas e tocassem exclusivamente
para os dois, menos as de dor de corno, essas tocavam
para os outros.
Mas não podiam se beijar ou dar bandeira sobre a
mudança no relacionamento entre eles. Era cedo demais
para alarmar as famílias, afinal, praticamente moravam
juntos, pelo menos na mesma fazenda, embora fosse em
casas diferentes. De fato, se os pegassem se beijando, por
exemplo, o circo podia pegar fogo, ainda mais se o
flagrante se desse através de Vince ou Max. Talvez até
chocasse mais a avó que insistia em chamá-los, a todos,
de netos, inclusive os filhos de Max. Um estigma de
incesto que não combinava com a realidade, e era isso
que incomodava Dinho.
Enquanto dançava com Zoe, pensava num modo de
acertar o romance deles de forma a não causar uma
revolução na Rainha do Cerrado, sentia-se um pouco
canalha por abusar da confiança do tio e, com isso, ferir
os sentimentos do seu próprio pai.
Ele fingiu que lhe contava algo junto à orelha e
perguntou numa voz rouca:
— Quer ser minha namorada?
Zoe se afastou e o encarou com um sorriso
encantador.
— Escondido do povo?
Ele não gostou do que ouviu, muito menos de se
sentir obrigado a esconder um relacionamento importante
como aquele dos seus pais. Mas precisava fazer tudo com
bastante calma e cautela. Zoe não era qualquer uma,
qualquer menina, e aceitá-la publicamente na sua vida
significava que também fincava os pés em Santa Fé, visto
que jamais a deixaria para trás a fim de ganhar o mundo.
— Só no início, depois a gente faz uma reunião de
família e conta tudo, ok?
Ela sorriu e assentiu com um meneio de cabeça.
— E o Lorenzo?
— Se ele descobrir, teremos que matá-lo.
Ambos riram e se abraçaram, continuando a dançar.
Ao voltarem à mesa, ele se sentou de frente para a
amiga. No entanto, era difícil deixar de paquerá-la.
Depois de provar a boca de Zoe, queria mais, muito mais,
tudo.
Lorenzo se sentou e bebeu o chope que o garçom
acabara de deixar e, sem olhar para nenhum dos dois,
comentou num tom de reclamação:
— Por Deus, que garota chata!
— Mas estava de agarramento com ela. —
constatou Zoe, terminando de escrever no guardanapo de
papel um bilhetinho para o rapaz à sua frente.
— Sou homem, né?
— Nossa, que argumento idiota! Você nasceu em
que década, hein? — perguntou com ar de deboche
enquanto deslizava o papel por cima da mesa.
Ok, ela devia ter dado o bilhete por baixo da mesa,
mas a vodca ainda comandava o espetáculo e não era
lavando o rosto que o show acabaria.
Lorenzo pegou o bilhete e leu alto:
— Quando vamos rolar no feno?
Dinho a fuzilou com os olhos, arqueando inclusive
as sobrancelhas como se dissesse “puta merda, era isso
que eu queria evitar!”
Zoe, de sua parte, limitou-se à área das risadas
incontroláveis e, ainda rindo, sinalizou ao garçom.
Lorenzo olhava de um para o outro, interessado na
mudança dos ventos e, de certa forma, desconfiado de que
fosse mera brincadeira entre os dois.
— Como assim, gente, vocês estão ficando?
— Estamos namorando, sim. — disse Dinho, com
uma assertividade que dava a entender que não aceitaria
ser contestado ou criticado pelo primo.
— Caralho, que demora! — disse Lorenzo sem
expressar nada mais do que um “como pode ser tão lento”.
Mas em seguida ele caiu em cima: — Vocês estão fodidos
com a família.
Família: sinônimo de máfia amorosa, pensou Dinho,
crispando os lábios.
— Vamos contar sobre nós, mas não agora.
— Claro, pode até não durar.
— Vai durar, sim, Lollo. — disse Zoe, ingerindo
mais um copo de vodca.
Agora Dinho já não estava mais propenso a permitir
que ela ficasse bêbada, a responsabilidade dobrara, Zoe
era a sua amiga de infância, protegida e namorada.
— Me dá essa porra. ​— levantou e tomou o copo
da mão dela.
— Eta, seu caubói tosco, quem manda no meu
fígado sou eu! — rebateu ela. — Coisa que não suporto é
machismo.
— Isso não é machismo; é proteção. — afirmou ele,
de posse do copo de vodca dela. — E quanto a você,
Lorenzo, guarde seus comentários inúteis pra si mesmo, eu
e a Zoe não somos nem parentes e se a família Soprano
quer inventar um laço sanguíneo qualquer o problema é
dela.
— Uau! Quero ver repetir esse discurso machão na
cara do tio Max.
Dinho retesou os maxilares.
— Mas a gente vai rolar no feno ou não? —
perguntou Zoe, encarando-o.
Lorenzo caiu na gargalhada.
— Bêbada desse jeito, Zoe? Não posso nem
acender um cigarro, que é capaz de você pegar fogo. —
disse Dinho, contrafeito.
— Não quero perder minha virgindade sóbria,
dizem que dói pra caramba.
— É verdade. — comentou Lorenzo.
O primo se voltou para e ele e indagou com
deboche:
— Por quê? Doeu a sua bunda, por acaso?
— Engraçadinho. — fez uma careta e se voltou para
a garota, dizendo: — Tive uma amiga que me contou que a
sua primeira vez foi terrível, manchou o sofá de sangue,
muito sangue.
Zoe mordeu o lábio inferior, e Dinho sabia que esse
gesto demonstrava que estava com medo.
— É só fazer a coisa com o cara certo. — afirmou
ele.
— A “coisa”? Por acaso se refere a “fazer amor”?
Acho que comigo você vai fazer é porra de coisa
nenhuma.
— Não me expressei bem, Zoe...
— Cadê a merda do romantismo?
— Nunca fui romântico, não tá no DNA dos
Romano, minha filha. — disse irritado.
— Mas vai aprender a ser, não quero caubói
fedendo a cerveja e cigarro que não saiba me conquistar
com romantismo e doçura. — declarou com rispidez.
Dinho ergueu o queixo com arrogância.
— Se quer doçura, é só foder com um algodão
doce!
— Sua sensibilidade é abaixo de zero, homem gelo!
— Oh, que interessante! Pelo menos não confundo
sensibilidade com calor no rabo.
— Dinho, você é um porco. — ela disse, pondo-se
de pé. — O nosso namoro acaba por aqui.
Ele a imitou no gesto e apontou o dedo indicador
pra ela.
— Se é o que quer, vou levá-la pra casa agora.
Lorenzo, que ainda estava sentado bebendo, disse
calmamente:
— Vão lá pra rua, procurem um canto escuro e se
agarrem. Sei muito bem o que a vontade de trepar faz com
uma pessoa.
Zoe não queria dar o braço a torcer, contudo, tinha
de concordar com o amigo. Entretanto, Dinho era um cara
orgulhoso demais. Ainda assim, ficou pasma ao ouvi-lo
falar.
— Quer saber? Estou cansado de esperar, faz anos
que espero me livrar do que sinto por você. Estou cansado
de foder com mulheres que não significam nada pra mim,
por que não paro de pensar na minha prima quase irmã
que nem o sangue da minha família tem. Estou cansado de
tentar encontrá-la, Zoe, em outras garotas, nenhuma delas
é ingênua e sacana ao mesmo tempo, só você é assim,
você é única. Não quero que os nossos gênios nos fodam e
quero, sim, foder esta noite com você. E se o Lorenzo
falar alguma gracinha, vai levar um soco na cara. —
declarou, olhando exclusivamente para ela.
O primo apertou forte a boca e ficou com os olhos
grudados no seu copo.
— Na minha opinião, isso é romantismo. — ela
disse com um sorriso gigante.
Lorenzo teve de apertar mais ainda a boca. Pois, na
sua opinião, era a declaração de um cara com vontade de
trepar.
Mas Dinho não dava ponto sem nó e disse:
— Continuarei sendo o seu melhor amigo, mesmo
que a minha intenção seja a de ser o seu maior e único
amor.
— Não devia ter dito isso, cara, é certo que vocês
não vão durar. — sentenciou o primo.
Dinho respirou profundamente e estendeu a mão à
amiga.
— Sou uma peste.
— Eu sei.
— Quer arriscar?
— Não sabe o quanto.
Lorenzo ergueu sua caneca de chope e, como se
lesse uma matéria de jornal, declarou:
— E foi assim que o casal se conheceu e, anos
depois, se matou a facadas.
No minuto seguinte, Dinho virou o resto do chope na
cabeça do primo.
— Ai, seu veado! — reclamou às gargalhas, já que
havia bebido todas.
Capítulo 8

Ele queria sair do salão country com o braço ao


redor dos ombros de Zoe, era assim que ele saía dos
lugares com uma garota. No entanto, não podia dar
bandeira, o lugar era dos seus tios e, além do mais, o
pessoal que o frequentava não bebia o suficiente para
esquecer as coisas que via por lá. Não queria também dar
munição aos fofoqueiros de plantão. Por isso os dois
saíram sem se tocar, nada de dar as mãos como um casal,
apenas lado a lado, olhando-se com sorrisos secretos.
Lorenzo preferiu ficar por mais uma hora e voltar
para casa com o pai.
Dinho viu que um idiota havia estacionado o
automóvel atrás da sua picape, entortou o lábio pra baixo,
contrariado, sabendo que teria de encontrar o motorista se
quisesse retirar-se do local.
Parou no meio do estacionamento e olhou ao redor,
o lugar estava cheio de veículos, mas não se via ninguém
na rua. Havia algum tempo que a orientação da casa era
manter os jovens no interior do estabelecimento, já que os
seguranças não tinham controle sobre o que eles faziam na
calçada e no estacionamento e, ainda assim, seus atos
continuavam ser de responsabilidade dos donos do lugar.
Algumas vezes havia brigas, consumo excessivo de álcool
e maconha, gritaria e desordem. Por isso, para não se
encrencarem com os fiscais da prefeitura, a saída fora pôr
todo mundo para dentro e fechar a porta, quem saísse teria
de pagar a comanda. Assim, ninguém saía e o
estacionamento se mantinha vazio de gente, sem as
rodinhas de jovens ouvindo músicas dos poderosos alto-
falantes de suas picapes.
— Era para ter mais seguranças de olho nos
automóveis. — disse ele, ajeitando o chapéu num trejeito
que demonstrava o quanto estava contrariado.
— Acho que eles estão fazendo a ronda no
quarteirão, o terreno do Gilley’s é muito grande para dois
homens darem conta.
— Já falei isso pro tio, mas ele não quer encher o
lugar de seguranças armados, tem medo de afastar a
clientela basicamente jovem e maconheira.
Ela se virou para ele rindo e perguntou:
— Que maconheira? O tio detesta essa gente.
Dinho a encarou fazendo uma careta de
contrariedade.
— Ele não é o seu tio. Tá vendo? É isso que fode a
nossa relação. Põe na cabeça de uma vez por todas: os
Bernard não têm qualquer vínculo com os Romano.
Entendeu? Cada vez que alguém vier com o papo de que
somos uma família é só usar o argumento de que não
temos o mesmo sangue.
— O tio Vince não tem o sangue dos Romano e é o
mais Romano de todos. — retrucou com ares de
sabichona.
Ele se virou para ela e disse com toda a paciência
do mundo:
— Olha, Zoe, estou tentando encontrar um jeito de
podermos seguir em frente com isso, ok? Precisei vencer
algumas merdas na minha cabeça para conseguir aceitar
que quero ter como minha namorada a garotinha que um
dia troquei as fraldas...
— Não trocou fralda nenhuma, seu doido.
— Troquei, sim...
— Não mesmo, você trocou as fraldas da Lana.
Dinho sorriu sem jeito.
— Ah, é verdade. De qualquer forma, a mãe sempre
me disse para cuidar e proteger as meninas da Pink, ouço
isso desde os meus dez anos de idade, então... Cacete,
vamos para aquele cantinho ali. — disse, apontando o
dedo para um corredor estreito entre a parte lateral do
salão country e um muro alto que separava o terreno da
larga avenida a seguir.
— Quer fazer xixi?
Ele se voltou e a olhou com um sorriso malicioso.
— Santa inocência.
Quando a ficha caiu, Zoe sentiu o rosto pegar fogo.
— Ah, não pensei que era pra... é tão estranho que
você...Ah, deixa pra lá.
Pegando-a pela mão, já que estavam sozinhos, ele
falou enquanto atravessavam o estacionamento.
— Se para nós é estranho, imagina para o resto do
pessoal lá da fazenda. Temos de ir com calma, ok?
— Meus pais te adoram, e os seus me adoram, então
acho que tá fazendo muito drama.
— Aquela família é doida, Zoe, não cai nessa.
— Para com isso, eles são perfeitos. — reclamou.
— Não são; olha a corda que me colocam nos
tornozelos. Eles mandam e desmandam em nós, temos que
prestar contas de tudo, nos controlam e ainda por cima, o
que é pior, vivo do dinheiro que me pagam na fazenda, ou
seja, os Romano são a minha família e o meu patrão.
— Como disse há pouco: draaaama!
— Me diz uma coisa, lá na sua casa, você se sente
como se fosse uma adulta de quase vinte anos ou tem que
obedecer a uma série de regrinhas impostas pelo papai e a
mamãe? — perguntou com um rastro de escárnio.
— Tem a parte chata, sim, mas é tudo para o nosso
bem.
Eles chegaram até a ruela estreita e mal iluminada.
De um lado a alvenaria da construção e do outro, algumas
latas de lixo, o muro alto e, para depois dele, a rua e o
tráfico normal da madrugada.
— A gente cresce ouvindo que obedecer, se adaptar
e aceitar é para o nosso bem. Sabe o que é para o nosso
bem, de verdade?
Ela olhou para os olhos questionadores e, em
seguida, para a boca que se aproximava da sua, indagando
num fiapo de voz:
— O que?
— Ter as suas próprias perguntas e as suas próprias
respostas. — declarou sério, fitando-a.
— Burlar as regras?
— Talvez. Mas, antes disso, questioná-las.
— Não quero bater de frente com os meus pais.
— Se eles estiverem certo, não tem motivo pra isso.
Vivemos numa cidade pequena, mas a nossa mentalidade
não precisa ser do mesmo tamanho.
Ele estava de frente para ela e os seus braços
formavam um arco de proteção ao seu redor, as mãos
espalmadas contra a parede. Baixou a cabeça e a beijou
levemente, capturando seu lábio superior, mantendo-o
entre os seus; em seguida, a língua avançou, só a ponta,
em direção à polpa do lábio inferior, lambendo-o devagar.
O corpo se colou ao outro, flexionando os joelhos e
esfregando a virilha nela. As duas mãos desceram e a
pegaram no traseiro, apertando-o e o pressionando contra
si, trazendo a cintura feminina ao seu encontro.
Ela sentiu a ereção grande e dura e instintivamente
se roçou nele, gemendo e deixando escapar o ar por entre
os lábios, suas mãos tateavam à procura do que ela sabia
que iria encontrar. Desceu até o jeans e mergulhou a mão
até romper a fronteira do cós da boxer e tocar a ponta do
pau já úmida e inchada de tesão.
Ouviu-o gemer baixinho, o ar morno do seu hálito
escapando por entre os lábios, o cheiro e o gosto da
cerveja misturado ao do cigarro era tão incrivelmente
másculo que Zoe ergueu uma perna, flexionando o joelho,
subindo a barra do vestido, se oferecendo para ser
explorada.
Ele deslizou os dedos por sua coxa, bem devagar,
tocando com gentileza a tépida e macia pele até alcançar a
barra da calcinha. Parou a incursão. Tinha certeza
absoluta de que se mergulhasse seus dedos no sexo de
Zoe, perderia completamente a razão. Tocou-a novamente
no rosto e aprofundou o beijo, penetrando a língua como
se enfiasse o pau no fundo dela.
No minuto seguinte, Zoe pegou-o na mão e a levou
para a sua calcinha novamente e disse por entre os lábios
de ambos:
— Faça. Imaginei tantas vezes. Dinho, faça.
Ele se afastou e a encarou. Viu um rosto devastado
pelo desejo, as pálpebras semicerradas e as abas das
narinas se abrindo para receber a densidade do ar e
expulsar a agonia carregada de desejo.
— Você me deixa doido. — gemeu por entre a
respiração.
Em seguida, virou-a de frente para a parede,
forçando-a encostar a bochecha na alvenaria. Levantou um
punhado de cabelo sobre a nuca e a beijou detrás do
pescoço, a boca deslizou com languidez, os dentes
frontais roçando e arranhando-a levemente. Sem lhe
erguer o vestido, ele puxou as laterais da calcinha um
pouco para baixo e uma das mãos deslizou para o ventre
feminino, descendo para os pelos pubianos, o dedo médio
escorregou para entre os lábios vaginais pressionando
com delicadeza a carne sedosa e molhada. Encurvou-se
contra o corpo dela, esfregando o pau nas nádegas que
Zoe empinava em reflexo ao prazer que sentia ao ser
masturbada.
Ele não enterrou seu dedo nela, como fazia com as
outras, pressionou-lhe no clitóris, estimulando-o agora
com dois dedos, e o friccionando. O nariz enfiado entre os
cabelos dela. A bunda batendo contra o seu pau, os
gemidos escapando da boca que servia também para
respirar, já que Dinho não conseguia reter todo o oxigênio
de que precisava para usar o cérebro, raciocinar e parar
de masturbar a garota no corredor de um beco, debaixo da
lâmpada de um poste público a céu aberto.
— Zoe... me manda parar... — arfou, as palavras
eram raspadas do fundo da sua garganta seca e cheia de
desejo.
— Não para. — ela gemeu, empurrando a bunda
para trás e deitando a testa contra a parede. — Me fode.
Me fode.
Ele afastou com violência a calcinha e, agachando-
se diante da garota, enterrou a cabeça entre as suas coxas,
a língua sugava desesperadamente o botão que se inchava
e sensibilizava ao toque. E quando ela abriu ainda mais as
pernas, gemendo e implorando para ser comida, ele a
chupou até levá-la ao orgasmo. Teve de segurá-la quando
suas pernas falharam. Erguendo-se, ele baixou a parte
frontal do vestido e, mesmo estando detrás dela, pegou os
seios com as duas mãos, enchendo-as com as pequenas
peras com bicos duros, apertou-os, ao mesmo tempo em
que a chupava no lóbulo da orelha.
— Sua primeira vez não será uma rapinha, Zoe.
— Ah, não me importa. — arfou, tremia.
Ele a trouxe para si, abraçando-a e deitando a
cabeça dela no seu tórax. Esperou que ambos se
recompusessem, aproveitando para cheirar e lamber o
dedo que usara para masturbá-la. Era louco pelo cheiro
dela.
— Para onde vamos?
Dinho fitou o horizonte analisando as
possibilidades, ainda não tinha ido ao chalé, não sabia se
estava pronto para receber alguém. Bem, podia estar
limpo, mas era difícil imaginá-lo com uma cama coberta
por lençóis novos e cheirosos, o lugar estava largado há
algum tempo. Além disso, para chegar até lá precisava
entrar pela guarita da fazenda, o que chamava a atenção
do segurança. A única alternativa era passarem a noite em
um hotel de beira de estrada.
Ele a olhou com tamanha intensidade, que Zoe
acabou mergulhando no azul daqueles olhos.
— Vamos para um lugar onde possamos matar toda
essa saudade.
O sentimento de pertinência era tão devastador que
bastou acenar que sim com a cabeça para aceitar Dinho
Romano como seu primeiro homem.
— E muita vontade também. — ela completou bem
séria.
Sorrindo, o caubói fez graça.
— Sou um bruto criado numa fazenda, moça.
Homens como eu não se cansam com facilidade, talvez eu
não consiga lhe dar o melhor sexo...hoje, mas amanhã e
depois e depois e depois tenho certeza de que conseguirá
me aproveitar muito bem.
— Você me dará o melhor sexo, sim.
— A primeira vez dói mesmo, Zoe.
— Gosto de sentir dor. — disse ela, com uma
seriedade que o deixou pensativo.
Dinho tentou não demonstrar que sua afirmação o
havia incomodado. Na verdade, não o que ela dissera em
si, mas a ênfase que o seu olhar revelara, e era como se
ela estivesse lhe mandando a seguinte mensagem: dor me
dá prazer sexual. Ele não fazia o tipo conservador, mas
também era bem menos liberal que os demais homens da
família. Sabia sobre as preferências do seu pai, antes de
se entregar a sua mãe, o título o qual fora dono no puteiro
da cidade, o cara que só levava duas, três mulheres pra
cama, assim como o tio Max. Ele não era desse jeito.
Fodia como um animal, era verdade, mas apenas com uma
mulher por vez. E até aquela noite, todas elas, na sua
imaginação, eram Zoe Bernard.
— Vou tentar encontrar o maldito que deixou o carro
trancando a minha saída. — disse, puxando-a pela mão.
— Me espera aqui na frente, que volto logo.
Deu-lhe um beijo na boca e piscou o olho,
afastando-se para a entrada onde um dos seguranças se
mantinha parado feito um dois de paus. Cumprimentou-o
com um meneio de cabeça e entrou, buscando com o olhar
o gerente. Precisava que ele usasse o microfone para
chamar e identificar o dono do veículo.
Assim que o encontrou, disse-lhe o número da placa
e o modelo do carro e ficou no bar, o cotovelo escorado
no balcão, esperando o desfecho do caso.
O gerente parou a música e deu o aviso. Dez
minutos depois um apressadinho ergueu a mão e foi
conduzido à entrada do lugar. Ele pediu desculpas, era
possível que já tivesse chegado bêbado e estacionado de
qualquer jeito.
Dinho não se prestou a ficar escutando merda
nenhuma, ergueu o queixo e tomou a dianteira a fim de
apressar ainda mais o cara.
Enquanto andavam em direção à saída do salão
country, o rapaz desfiava uma série de informações a
respeito de si mesmo, como se alguém estivesse disposto
a ouvir. O caubói só pensava na sua namorada e na
mudança radical que, a partir daquela noite, aconteceria
em sua vida.
Ele não poderia mais partir.
Ele acabava de enrolar vários metros de corda nos
tornozelos.
Ele iria foder com a sua amiga de infância.
Diabos, ele queria muito fazer isso.
Assim que chegou à calçada diante do Gilley’s, o
seu coração parou de bater. Era impossível isso
acontecer, mas ele deu um grande solavanco no peito ao
não encontrar Zoe no lugar onde a deixara minutos atrás.
Depois de meia hora de buscas ao redor do salão
country e nas ruas adjacentes, ele mandou um SMS para
Lorenzo.

A Zoe desapareceu.
Capítulo 9

Santa Fé não era uma cidade violenta, mas era um


lugar traiçoeiro. Dinho Romano pisou fundo no
acelerador, relançou um olhar para o retrovisor e viu que
Lorenzo o seguia bem de perto.
Ninguém desaparecia assim, do nada!, ele pensava,
a boca apertada, a cabeça explodindo de dor. Agora era o
desespero que o impelia a correr e buscar a ajuda dos
homens mais experientes que conhecia. Mas, antes disso,
tentara manter a calma e encontrar respostas coerentes
para o sumiço de Zoe.
Ele a deixara na calçada do estacionamento do
Gilley’s e, do outro lado da rua, havia uma fileira de lojas
comerciais fechadas. O movimento na rua era tranquilo, e
se ela tivesse resolvido dar uma volta para, sei lá,
comprar alguma coisa, por exemplo, não teria aonde ir, e
já estaria de volta.
Lorenzo não dissera nada ao seu pai e pedira aos
seguranças para darem uma busca no interior do lugar a
fim de encontrarem a sua amiga. Omitira que ela estava na
rua com o primo, porque acreditava que pudesse ter
entrado atrás dele ou, talvez, ter ido ao bar ou banheiro...
Dinho não sabia mais o que pensar e o medo de que
algo ruim lhe tivesse acontecido atrapalhava o seu
raciocínio. O fato do celular de Zoe emitir a mensagem de
fora da área de cobertura o deixou maluco.
Precisavam procurar a polícia. E esse seria o
último recurso, usado apenas com a aprovação do pai e
do tio. A polícia local antipatizava com os dois e parecia
que era coisa antiga.
Telefonou para o tio, tentando não dar pistas de que
havia perdido a filha dele.
— Vamos a Belo Quinto, na casa de uns amigos, a
Zoe tá liberada pra ir comigo?
— Desde quando você me pede autorização pra
isso, ô cabra? ​— o tom era o de gozação, isso significava
que ele não estava preocupado.
Por que não sabia de nada ainda.
Droga!
Quase todas as merdas que fazia ele matava no
peito. Entretanto, alguém sempre o dedurava ao pai e,
então, Vince Romano assumia o comando da coisa. Era
difícil, para Dinho, resolver os seus problemas sem a
interferência da família, por mais que fosse bonita a união
deles, isso cada dia mais o incomodava.
Mas precisava assumir que perdera Zoe.
— Tio, fui um cretino irresponsável e perdi a Zoe
de vista.
Silêncio.
Lorenzo acelerou até emparelhar sua picape com a
dele.
A voz de Max Bernard pôde ser ouvida com
bastante clareza:
— A partir do momento que eu entrego a minha filha
em suas mãos, você é responsável pela sua proteção e
isso significa muito pra mim, não tem noção do quanto,
rapaz.
— Eu sei, vou trazê-la de volta, acho que ela
encontrou umas amigas...
— Falhou com a segurança da Zoe então? —
estranhamente o tom não era de rispidez.
Dinho sentia uma prensa apertando o seu coração.
— Sim, falhei. Mas, por Deus, vou encontrá-la...
— Faz quanto tempo que ela tá perdida? —
perguntou com brusquidão.
— Acho que pouco menos de uma hora, tio.
— E só agora me avisa?
Não havia qualquer sinal de raiva na pergunta e isso
também o deixou intrigado. Até que Max disse:
— Ô seu cagão, a Zoe tá no quarto, disse que veio
com a Alessandra, parece que teve um probleminha de
mulher e ficou com vergonha de contar pra você. Agora vê
se volta a respirar, Romano.
— Tá, me perdoa a mancada.
Max encerrou a ligação, e Dinho ficou com o
celular na mão, parado no ar, absorvendo a nova
informação.
Voltou-se para o amigo, que mantinha a mesma
velocidade com as picapes lado a lado, e falou:
— Ela tá em casa e mentiu que a Alessandra lhe deu
carona.
— Eta, e a gente se matando a procurar! Por que ela
não nos avisou? — indagou a dita cuja irritada.
Lorenzo e Dinho entreolharam-se.
— Leva a Alessandra pra casa, e depois a gente
conversa.
O primo assentiu, acelerando e o ultrapassando.
Várias perguntas estouravam na sua cabeça como
milhos de pipoca no óleo fervente. Para nenhuma delas
ele tinha uma resposta. Precisava então falar diretamente
com a garota.
Ninguém sumia assim, sem que nada tivesse
acontecido. Mesmo que fosse verdade o lance da carona
até a fazenda, se levava no máximo trinta minutos entre a
Rainha do Cerrado e o Gilley’s, localizado no centro de
Santa Fé. Não mais do que isso. Portanto, por que ela
fugiu dele? Por que desligou o celular? Por que mentiu
para o próprio pai sobre a carona? Aliás, como havia
chegado à fazenda?
Nada fazia sentido.
***

Tocou na aba do chapéu ao cumprimentar o


segurança na guarita externa e avançou mais alguns
quilômetros para o interior da fazenda. Estacionou, a
seguir, diante da escadaria que antecedia a porta de
madeira maciça. Ele tinha a chave e a destrancou. Em
seguida, chegou ao quintal com o chafariz.
Abriu a porta de vidro que o levava até a sala e foi
para o segundo andar, onde se localizavam os quartos.
Procurou não fazer barulho no piso de madeira e acabar
acordando a família inteira. Afinal, o que lhes diria? Que
entrara sorrateiramente na casa para enquadrar uma
fugitiva?
O silêncio só não era completo, porque em uma
fazenda daquele tamanho isso era realmente impossível e,
de certa forma, eram os sons de bicho, mato sendo pisado,
zumbidos de insetos e latidos de cães que camuflavam a
sua presença agora diante da porta fechada do quarto de
Zoe.
Olhou ao redor se sentindo um invasor, embora ao
longo da sua vida não fazia ideia de quantas vezes cruzara
aquele mesmo corredor, entrara no quarto da amiga e se
jogara com tudo, às vezes até sujo, na sua cama.
Mas agora se sentia diferente. A situação havia
mudado, e ela, ainda por cima, fugira dele. Precisava
resolver essa questão. Levara anos para aceitar se atirar
do penhasco com ela e agora não dava mais para dizer
que não queria voar. Ou voavam ou se estatelavam no
chão. Eram intensos, e para pessoas assim, não havia
meio termo; era tudo ou nada, ficar ou partir.
Girou a maçaneta e entrou, sendo envolvido pela
claridade de uma lâmpada de 40 watts do pequeno abajur
no criado-mudo. E nem chegou a dar mais que cinco
passos para ver a silhueta feminina deitada na cama, de
costas para ele, a curva do quadril protegida pelo lençol.
Ela dormia calmamente depois de tê-lo deixado
louco de várias maneiras. Controlou-se para não bufar
alto, avançando para o meio do quarto sem deixar de fitá-
la.
Pisou em algo macio e abaixou-se para ver o que
era. Com aquela iluminação tão fraca parte da sua visão
ficava por conta da imaginação, o que era tremendamente
perigoso. Mas era apenas o vestido que Zoe usara para
sair e que jogara no chão ao trocar de roupa.
Instintivamente o levou ao nariz, aspirando-o.
Sacudiu-a no ombro com força. Seus bons modos
eram restritos apenas às mulheres que possuíssem idade
necessária para tê-lo parido; o contrário, nem se dava o
trabalho de ser refinado.
Zoe se virou, irritada, o cabelo na cara, a alça da
camisola deslizando no ombro.
Olhou-a duramente antes de declarar com secura:
—Acho que me deve uma explicação.
Ela se escorou nos cotovelos e o encarou
impassível.
— Você demorou, e resolvi voltar pra casa.
Era possível que ele tivesse feito uma cara de idiota
ao ouvir tamanha asneira, mas ele não era um idiota para
acreditar nela.
—O que realmente aconteceu, Zoe?
— Pensei melhor, só isso.
— Pensou em quê?
— Sei lá, em tudo, ora. — ela se sentou e começou
a estalar os dedos num tique nervoso: — Me assustei um
pouco, acho. Aconteceu tão rápido, digo, a gente se
conhece há 500 anos e, de repente, você me beija e me
agarra como se fosse meu amante.
Dinho estava pasmo. Durante anos conseguira se
desviar das flechadas da amiga, cada indireta cabeluda,
maliciosa, que o assustara algumas vezes. Na maior parte
do tempo eram brincadeiras. Sabia, no entanto, que
dependia apenas dele o empurrão inicial em direção a um
relacionamento sexual com ela. Mas parecia que Zoe,
agora, em menos de duas horas de namoro, havia decido
chutá-lo pra fora de campo.
— Mas não era o que você queria? Namorar
comigo?
— Por acaso acha que tá me fazendo um favor?
— Não quis dizer isso. — respondeu contrafeito. —
A questão é que me declarei, e você resolveu me esnobar.
— falou com rispidez.
Zoe baixou a cabeça, concentrando-se em fitar as
próprias mãos.
— Estou com medo.
Dinho retesou os maxilares diante da sua hesitação.
Cacete, ele não tinha paciência pra isso, não. Ou se queria
alguém, ou não se queira. E ela havia admitido que o
queria!
Era melhor ficar quieto. Temia abrir a boca e soltar
uma bala de canhão.
Zoe o fitou e tudo no seu olhar mostrava certa
tristeza.
— Sempre quis você, ficar com você, beijar e fazer
coisas...
— Não enrola por que tá vindo um “mas” aí, não é?
— O “mas” em questão tem a ver com o fato de que
pensei melhor. Quando voltou ao salão, sentei no meio-fio
da calçada e vi duas formigas...
— Caralho, o que as formigas têm a ver comigo? —
perguntou irritado.
— Me deixa terminar o raciocínio, por favor? —
falou com rispidez. Depois que ele assentiu de cara
amarrada, ela continuou: — Fiquei olhando para as
formigas, como disse, eram duas, talvez um casal... E elas
estavam juntas, fazendo suas coisas de formiga e, de
repente, uma foi se distanciando da outra, parecia que
tinha escolhido outro caminho. — ela parou e ficou
encarando-o.
Era essa a porra da história?, Dinho se perguntou.
— E daí?
— Não viu a metáfora?
— Hã?
— A metáfora, porra.
— Que diabo é isso?
— É o que se põe entre o cavalo e a sela! —
exclamou irritada. — Ai, que saco! Vou te explicar bem
devagar: as formigas estavam juntas, coladinhas,
dividindo suas tarefas de formiga, mas alguma coisa
aconteceu e elas se separaram e nunca mais voltaram a se
ver e, mesmo que tornem a se relacionar, nunca será igual
a antes.
Dinho fez cara de raiva com nojo e isso acontecia
quando se sentia péssimo e irritado com alguém que
lançava uma ideia repulsiva, e não era sobre as formigas e
sim sobre a mudança no comportamento daquela safada.
— Como sabe? Fez uma visita a uma delas? A
formiga lhe ofereceu chá ou café e falou que se sentia
sozinha depois do divórcio? — perguntou com ironia.
— Imaturo!
— Covarde!
— Sai do meu quarto!
— Só sairei depois de me responder duas coisinhas.
Automaticamente ela puxou o lençol para cobrir a
parte da frente de sua camisola, e Dinho notou que isso
tinha um significado nada positivo, pois era um gesto de
pudor que a vodca jamais a deixaria ter. Ele concluiu
então que beijara, abraçara, dançara a noite inteira e
chupara e quase fodera com uma garota chamada vodca
pura.
— Fala... — disse, desconfiada.
— Quer seguir em frente com o nosso namoro?
— Escondido?
— Sim, Zoe.
— Pode ser.
— Pode ser? Nossa, que vontade, estou realmente
emocionado.
— Não quero mentir para os meus pais.
— Já expliquei a situação pra você. — rebateu com
ar de cansaço.
— Não parece certo. Se eu fosse outra garota, você
iria se exibir comigo por Santa Fé inteira.
Dinho respirou fundo e arou o cabelo com os dedos.
— Se você fosse outra garota, eu já estava com um
cigarro na boca e relaxando depois de foder. — rebateu
com secura.
— Grosso!
— Como sabe? Por acaso consegui abaixar minha
calça? Não, claro que não, porque você é a legítima
empata foda.
— Você só quer me levar pra cama. — acusou-o.
—É sim, toda essa elaboração dos infernos é só pra
comer uma virgem que provavelmente não vai nem se
mexer debaixo de mim!
Ela meteu a mão na cara dele.
Dinho a fitou com orgulho, os olhos injetados, parte
do cabelo na cara.
— É a segunda hoje.
— Pra ver como você tá me irritando.
Ele a derrubou contra o travesseiro e a beijou na
boca com força.
Zoe ergueu as pernas, dobrando os joelhos,
encaixando-o entre as suas coxas. Sentiu imediatamente a
ereção forte contra a sua barriga e lançou um gemido de
satisfação por entre os lábios dele.
As mãos masculinas buscaram e afastaram o lençol
que a protegia, e a camisola foi puxada para baixo, os
pequenos seios ficaram à mostra e era a primeira vez que
ele os via. Não pôde deixar de admirá-los, tão delicados,
os bicos duros, a aréola rosada e arrepiada de tesão.
Baixou a cabeça e enfiou um deles na boca, sugando-o
enquanto a outra mão apalpava o outro seio, que cabia
inteiro na sua palma.
Ela começou a se contorcer, arqueando o quadril,
sinalizando que o queria entre as pernas, um botão
inchado clamava pela sua língua.
Dinho seguiu o comando e desceu os lábios
entreabertos pelo abdômen da garota até alcançar o cós da
calcinha, puxou o fundilho para o lado grosseiramente e a
lambeu como se estivesse se alimentando de uma fruta
tenra e fresca, cortada ao meio, rachada, aberta, molhada
de sumo.
Zoe enterrou seus dedos nos cabelos loiros do
homem, bagunçando-os ainda mais, puxando as mechas,
arranhando o couro cabeludo. Sentia que perdia o
controle, o corpo inteiro queimava, exigia, clamava pela
satisfação imediata.
— Me come... Enterra esse pau gostoso em mim!
Desgraceira, ele conseguiu pensar, embora o sangue
todo estivesse concentrado no pau duro pressionado pelo
jeans. Ela não o queria, mas queria foder. Ela era uma
safada confusa. Ela era a sua garotinha. Puta merda, só a
explosão de uma bomba nuclear para tirá-lo de cima dela.
Ou uma batida na porta.
Imediatamente Zoe o empurrou de cima de si, e ele
quase caiu da cama, ainda zonzo de tesão.
— Pula a janela e te enfia num buraco. — sussurrou
ela, apavorada.
— Eles jamais vão pensar que estávamos de
sacanagem, deixa disso.
— Três horas da manhã, Dinho! Tá vendo alguma
peça de dominó aqui na minha cama?
Ele a olhou debilmente.
— Por Deus, Zoe, minhas bolas estão doendo
demais.
— Não põe “Deus” e “bolas” na mesma frase! —
ralhou com ele.
— E por que não?
Nunca vira um Bernard na igreja, que, por sinal, o
seu próprio pai também não frequentava.
— Cai fora daqui, por favor! — suplicou.
Ele saiu da cama e se ajeitou no jeans, dizendo com
um sorrisinho:
— Será que é a Pink?
— Cadê o respeito? É tia Pink. — disse ela,
— Não temos laços sanguíneos, você não é a minha
prima, nem tenho primas. Sabe muito bem que venho de
uma família de garanhões, moleca.
Ela já estava no chão ajeitando o cabelo e, em
seguida, começou a empurrá-lo em direção à janela,
perguntando por cima do ombro:
— Quem é?
— Ainda tá acordada?
Era o seu pai.
Dinho sorriu seu melhor sorriso sacana.
Zoe sentiu os joelhos falharem.
— O senhor me acordou.
— Tá tudo bem? O Dinho ligou atrás de você.
Eles se entreolharam.
— Ah, ele é um neurótico.
Dinho estreitou os olhos como se quisesse estreitar
o pescoço dela com as mãos.
— Nada disso, siga as determinações dele. Quando
não estou com você, é ele quem a protege, ouviu?
Zoe lançou um sorriso fraco, do tipo “estou fodida”.
— Viu o que disse? — o caubói comentou com
amargura. — Não vai ser fácil.
Ela assentiu, concordando.
— Por isso temos que pensar mais. Não posso negar
o que sinto por você, mas não quero estragar tudo.
— Entendo. — ele falou emburrado. — Mas não
aceito.
— Foda-se. Agora vai pra casa dormir.
— Foda-se o cacete, a gente vai resolver isso e é
hoje.
— O que?
— Como veio pra fazenda? Digo, depois que viu as
formiguinhas e imaginou a vida das diabas, como voltou
pra cá?
Zoe ficou vermelha, e ele se preocupou com isso.
Ali tinha coisa!
— Bernard, responda a pergunta. — ordenou
secamente.
Ela o encarou e disse com toda a dignidade do
mundo:
— Peguei carona com um motoqueiro selvagem.
Quase foi traída pela própria fala, pois se lembrou
do filme “Motoqueiros Selvagens” e teve que se segurar
para não rir.
— Hã?
— Aqueles de gangue, sabe, os fodões.
Dinho precisou de vários minutos para assimilar o
que havia escutado. Então falou com bastante calma, um
tipo de calmaria que antecedia a um tornado, por exemplo.
— E depois da carona resolveu puxar o freio de
mão comigo.
Ele estava mordido de ciúme.
— Nada a ver.
— Coincidência? — debochou.
Ela suspirou cansada e declarou:
— Pega a sua imaturidade e ego e pula para o
jardim.
O outro endureceu os maxilares ao ponto de
marcarem a pele do seu rosto.
— Não. Você vai perder a virgindade é comigo. E
agora.
Capítulo 10

Zoe foi até a porta e disse ao seu pai:


— Tá tudo bem, vou dormir.
Mas ele já não estava mais no corredor, então ela só
teve que girar a chave na fechadura e se trancar no quarto.
E depois se voltou para o homem sem chapéu,
descabelado, a camisa com as fraldas por cima do jeans,
amassada, a gola virada ao contrário, e falou de um jeito
que algumas mulheres em fase de evolução falavam:
— Escuta o que tenho pra dizer, porque não
pretendo repetir. — ela mirou seus olhos nos dele, que a
observavam atentos, e completou: — Sei que nenhuma
garota aguenta a sua personalidade por muito tempo, na
verdade, elas não te aguentam mesmo. Toda essa beleza e
safadeza não segura o seu gênio do capeta, e isso, segundo
a vó Margarida, vem de berço. Mas eu não sou a tia
Valentina, loucamente apaixonada pelo seu pai ao ponto
de aturar um brucutu, nem a minha mãe, que até hoje faz as
vontades do meu pai como se ele fosse um deus. Os
homens da Rainha do Cerrado, pelo menos, os que
comandam o negócio, são alfas, todos, machos alfas,
inclusive você. Protegem as mulheres, são leais e fodões
na cama, mas em troca querem a submissão. Minha mãe e
a tia Valentina aceitam muito bem essa troca e são felizes,
cada um sabe do próprio rabo. Mas comigo é diferente.
Gosto de você desde os meus, sei lá, 15 anos, e isso não
significa que deixei ou deixarei de ser quem sou. Por isso
acho que devemos protelar o sexo até termos certeza de
que o nosso relacionamento não vai afetar a paz da nossa
família, pois somos uma só família, Dinho, essa é a
verdade, Romano e Bernard vivem juntos porque
escolheram viver assim, e a gente não vai foder com tudo.
Ele deu dois passos para trás como se, com esse
afastamento, se protegesse dela.
— Esse foi o conselho do motoqueiro de gangue?
Zoe sorriu de leve.
— Não conversamos sobre isso.
— Ah, é? Falaram sobre o quê?
— Não interessa, seu nome não foi mencionado.
— Claro que não. Afinal, você é solteira e livre,
não é mesmo?
— Sim, senhor.
Ele assentiu com a cabeça fazendo uma careta como
alguém que aceitava uma situação com amargura.
— É incrível o que uma jaqueta de couro faz com
uma mulher.
— Não seja idiota, ainda prefiro chapéu e bota.
— Desculpa, mas você não é mais a minha
garotinha.
— Nunca fui, sou a garotinha do MEU PAI.
— Tá me chutando, Zoe?
— Não, estou pedindo para irmos devagar.
— Entendo, só que eu a pedi em namoro e você
tinha aceitado. — acusou-a, ressentido. — Ou foi a vodca
que quis namorar comigo?
— Aceitei, sim, o seu pedido. Mas depois pensei
melhor. Acho que podemos avançar sem que se estabeleça
um compromisso sério nisso, ok?
Dinho balançou a cabeça em afirmativo, mas a
expressão de seu rosto era a de alguém que mastigava
quiabo ou moela de frango.
— Somos exclusivos pelo menos ou vai rolar
putaria?
— Vamos deixar as coisas acontecerem.
— Caralho, você tá a fim de montar fundo naquela
moto, não é?
— Prefiro cavalos, Dinho. Só quero que tudo dê
certo entre nós.
— Abri meu coração, Zoe.
— É mesmo? Em que momento disse que me
amava?
— Caramba, a gente se adora, se ama, isso tá
subentendido.
Ela o afagou na face e disse com ternura:
— Amor entre um homem e uma mulher é diferente
de amor entre amigos de infância, é um amor mais
imperfeito, cheio de arestas para se aparar, complicado.
Esse tipo de sentimento a gente ainda não construiu.
Ele a fuzilou com os olhos e declarou rispidamente:
— É por isso que ainda é virgem, você pensa
demais.
Zoe Bernard sorriu calmamente e respondeu:
— E é por isso que ainda não me ganhou, você
pensa de menos.
Ele sorriu de leve e era um sorriso triste. Foi até
onde deixara o chapéu e o pôs na cabeça, puxando a aba
para baixo. Voltou-se para a garota vestida na sua
camisola de algodão, até os joelhos, com um personagem
de desenho infantil estampado no tecido, e declarou:
— Ele é só uma novidade, você vai ver.
— Não estou interessada no cara.
— Um forasteiro de passagem, bem, isso atrai
algumas mulheres.
— Merda, você é surdo?
Olhou-a de um jeito melancólico.
— Zoe, se eu fosse uma daquelas formigas, para não
me perder de você, eu a carregaria nas costas.
Endereçou-lhe um longo olhar e saiu.
***

Já no seu próprio quarto, Dinho Romano ruminava a


conversa que tivera com Zoe, se sentia um idiota
completo. Esperara tanto tempo para num piscar de olhos
perdê-la para um forasteiro, um hippie, um drogado —
como o tio Max falava de todos os forasteiros, tudo hippie
drogado. Santa Fé não era uma cidade hospitaleira.
Foi para o banheiro e se despiu. Girou o registro do
chuveiro, se largando debaixo da torrente de água fria, o
cabelo encharcou-se rapidamente. Escorou-se contra a
parede de azulejos e esperou a massagem da água nos
músculos tensos o relaxar.
Zoe era tão sensata sóbria, que ele tinha vontade
que ela se tornasse uma alcoólatra. A danada era gostosa
demais. Ele só podia ser um pervertido em querer comer a
garota com a qual crescera. Sim, ele era um pervertido.
Pouco se importava. Agora mesmo estava debaixo da água
fria para acalmar a sua perversão.
Pegou o pau e o deslizou pra cima e pra baixo,
afastando as pernas, e espalmando a outra mão contra a
parede.
Suspirou profundamente esgotado, não era cansaço
físico. Era desejo reprimido.
Não precisava de uma punheta. Precisava de Zoe.
Deitou a cabeça contra a parede deixando a torrente
bater contra o lombo, a frustração o aniquilava. Além de
tudo, sentia que era manipulado por ela, o seu fantoche, a
sua distração.
E ainda tinha a cara de pau de dizer que as mulheres
mais poderosas da Rainha do Cerrado eram submissas.
Puta merda, esse era o discurso de uma legítima
dominadora.
Ele não era mais o seu amigo, o seu protetor, o seu
aliado. Não mais, não depois do que havia acontecido.
Amanhã mesmo, antes de ela subir na maldita moto
e ser fodida no meio do mato, talvez até agredida, Zoe
Bernard iria com ele a um lugar nem um pouco inofensivo.
Dinho já tinha as cordas.
E também o celeiro dos Romano.
Capítulo 11

Aquilo não era uma casa.


Dinho virou-se para o pai, que fumava calmamente
enquanto dava uma boa olhada na fachada do chalé, e
falou:
— Nossa, que bagunça! Olha essa poeira! Pai, aqui
não era o chalé do amor? Por que tá tão detonado?
Vince estava bem satisfeito recostado contra a
amurada que contornava o pequeno alpendre, nem se deu
ao trabalho de se incomodar com o tom irritado da voz do
filho.
— Vim apenas uma vez com sua mãe, nosso canto
sempre foi no segundo andar da livraria. Acabamos
deixando assim, como um velho chalé de pescadores.
Agora você arregaça as mangas e dá um jeito nos
problemas.
— Pensei que fosse me entregar limpo... —
comentou incomodado, zanzando pela sala enquanto
observava o piso de madeira com uma boa crosta de terra
e as paredes, do mesmo material, com teias de aranha.
Parecia uma habitação abandonada.
O caubói mais velho ergueu uma sobrancelha ao
ouvir a reclamação do outro.
— Então você ganha uma propriedade de mão
beijada e acha que tem direito a fazer exigências?
Ele se voltou para o pai e notou seu sorrisinho
divertido, embora não fosse ingênuo ao acreditar que
aquela observação não fosse uma reprimenda. Sorriu sem
jeito, coçando a nuca enquanto imaginava a trabalheira
que ia dar pôr tudo em ordem. Ô saco!
Era um ambiente único com cozinha americana. Um
pequeno guarda-roupa embutido tinha como uma das
portas a entrada para o banheiro. A mobília era escassa,
apenas um sofá velho e sujo e uma cama de casal sem
colchão. Mas ele podia contar com um fogão de quatro
bocas, uma geladeira de segunda mão e armários aéreos
vazios. Nem louça havia, e Dinho se perguntava se ele não
teria de gastar uma pequena fortuna para poder morar com
dignidade naquela porra. Sim, ele estava irritado e
frustrado. Imaginara encontrar tudo pronto, limpo,
encerado, brilhando, como era no casarão. Nunca se
mexera para limpar nada, nem o seu prato ele levava à pia
para ser lavado. Jamais cozinhara ou, Credo!, lavara uma
peça de roupa, até mesmo as suas cuecas passavam pelas
empregadas.
— Podia me ceder uma das funcionárias para me
ajudar na limpeza?
— Não, elas não trabalham pra você.
—Entendi o recado, quer que eu me vire sozinho
pra provar que não consigo viver sem a ajuda de vocês.
— reclamou.
— Sei que vive muito bem longe da fazenda.
— Então?
— Se quer se tornar o melhor domador de cavalos,
nada melhor que domar essa bagunça toda. — debochou.
— É para o seu crescimento pessoal, meu filho.
Diacho, ele tinha o pai mais irreverente e
debochado do planeta!
Tentou sorrir em meio a vontade de dar o fora dali e
voltar para o casarão, que, agora, parecia-lhe com a sua
ideia de paraíso. No entanto, provaria ao senhor Romano
que dava conta da sua própria vida e de um chalé que até
cheiro de xixi tinha.
— Os pescadores mijavam muito aqui, é?
— Quando estavam bêbados, mijavam por tudo.
Dinho entortou o canto da boca para baixo num ricto
de reprovação.
Vince Romano olhou ao redor, o mato alto e denso,
as árvores que circundavam a construção toda de madeira
diante das águas do Rio Verde. Pescara durante anos por
ali, ele, Max e alguns vaqueiros. Passavam a noite no
chalé jogando pôquer, fumando e bebendo até desmaiarem
no chão e no sofá. Se não fossem Valentina e Pink, os
amigos estariam até hoje nesse tipo de vida cuja diversão
era sustentada pela camaradagem masculina.
Mas agora o assunto com o seu filho não se resumia
à decoração do lugar, era muito mais sério.
Ele entrou na casa e puxou uma banqueta, sentando-
se nela e escorando os cotovelos no balcão da cozinha.
Começou a falar o que precisava de uma solução:
— O Werner, da fazenda Arizona, me procurou para
conversar sobre o que às vezes fazemos em Santa Fé. — o
olhar que lançou ao filho era bastante significativo.
Dinho tinha acabado de abrir a geladeira, mas ao
ouvir a sentença dita num tom grave e de cumplicidade,
voltou sua atenção ao pai.
— Domamos cavalos. O senhor não lhe disse isso?
Vince deixou um meio sorriso dançar nos seus
lábios.
— Ele é uma das pessoas que sabe sobre nós.
— E pode nos dar problema?
— Se pediu a minha ajuda, é porque defende a
mesma causa.
— O tio Max sabe sobre esse tal Werner?
— Ele estava comigo quando recebemos a visita do
Werner, por isso mesmo temos que nos reunir os três e
decidir o que faremos a respeito.
Dinho tornou olhar para dentro da geladeira e se
horrorizou.
— Pelo amor de Deus, essa porra tá toda mofada!
— Compra outra, o assunto não é esse.
— Não ganho muito, pai.
— Ganha o suficiente para um garoto de 22 anos
que, até há pouco tempo, era sustentado pelos pais.
O pai viu-o bufar e era a segunda vez naquela
manhã.
— Bufa mais uma vez, e eu tiro a picape de você.
— afirmou sério.
A segunda lição que aprendera na vida: não desafiar
o seu pai. E a primeira: jamais desafiar o seu pai. Baixou
a cabeça controlando a vontade de deixar o ar escapar
com força pela boca.
— Desculpa.
Era melhor enfiar o rabo entre as pernas do que
perder uma Silverado.
Vince se ergueu da cadeira dando a entender que o
assunto estava encerrado.
— Hoje à noite vamos até a casa do Max discutir o
problema do Werner.
O outro o fitou com atenção e perguntou:
— Não somos nós o problema do Werner?
— Não. — respondeu, retesando os maxilares com
força. — O problema dele é agora o nosso problema.
— Pode adiantar alguma coisa?
Vince olhou ao redor procurando ganhar tempo para
organizar melhor seus pensamentos, não precisava se
preocupar em poupar o seu filho da realidade, visto que
ele e Max já haviam passado poucas e boas juntos. Santa
Fé era uma cidade largada na mão dos políticos,
empreiteiros e fazendeiros. Os últimos haviam-se unido
numa espécie de associação chamada Força da Terra, que
representava os seus interesses e, nesse mesmo grupo,
havia gente racista, homofóbica e todo o tipo de
preconceituoso endinheirado. Os Romano e Bernard
haviam-se isolado em seu feudo e não faziam conchavos
com ninguém, tampouco pertenciam à FT. Werner era um
dos membros. Contudo, não confiava à Força da Terra a
tarefa que destinava aos caubóis da Rainha do Cerrado.
Era um caso de polícia, mas quem a dominava construía
prédios, pontes e estabelecimentos comerciais, os
empreiteiros mandavam na polícia local, que, por sua vez,
atendia às determinações da Força da Terra. De forma
alguma, Werner queria a interferência da polícia em um
assunto com tamanha gravidade e tal atitude levantava a
suspeita de que ele próprio tencionava pular fora da FT.
Havia alguns anos, desde quando os traficantes da
Bolívia começaram a se espalhar pela cidade, que Vince e
Max agiam por conta própria na defesa dos cidadãos. Não
o faziam por dinheiro, não recebiam nada por isso e muito
menos escolhiam defender os endinheirados. A questão
estava acima do poder de compra, era muito mais um
problema de “fazer a coisa certa sem esperar pelo
governo”. Eles precisavam fazer as coisas certas.
Um agiota, certa vez, espancara Valentina. Vince o
matara e depois sumira com o seu corpo. Pouco tempo
depois, traficantes em conchavo com o irmão bastardo de
Max sujaram a cidade deixando um rastro de sangue. Nas
duas circunstâncias Vince precisara sacar a sua
automática e deixar corpos espalhados no chão. O que não
era difícil para ele. Era um fazendeiro que deixara de ser
policial na ativa, mas ainda assim continuava a ser um
policial. Não era uma questão de distintivo ou manual da
polícia; era o seu coração e a sua alma que clamavam por
justiça.
Ele ajeitou o chapéu e mirou seus olhos sérios no
filho ao falar:
— A filha de 14 anos do Werner, a caçula, foi
espancada e depois largada no acostamento da BR-163.
Dinho sentiu os pelos da nuca se eriçarem, mal
conseguiu separar os lábios ao perguntar:
— Sobreviveu?
A garota não fazia parte do seu círculo de amigos,
era jovem demais, e os Romano quase não se
relacionavam com as outras famílias. Eram reservados e
guardavam alguns segredos que não era bom ter gente
estranha por perto para xeretar.
— Sim, mas seu estado é grave. Assim que os
médicos conseguirem estabilizá-la, seguirá para a capital
no jatinho do Werner.
— Meu Deus.
Era um absurdo, simplesmente um absurdo uma
menina, um ser humano, ser alvo de tamanha violência e
sadismo.
— Ela tá em coma, então não temos muitos
elementos para começar...
Dinho completou baixinho o que o seu pai nem
precisou falar:
— A caçar o desgraçado.
***

No final da manhã, Dinho estava agachado


consertando uma parte da cerca de arame farpado. Dois
vaqueiros o acompanhavam e eram homens rudes, das
antigas. Toni e Francisco não eram do centro-oeste, mas
haviam assimilado muito bem a cultura local,
principalmente àquela que regia o trio de cidades que
dominava o norte do Mato Grosso: Matarana, Santa Fé e
Belo Quinto.
Os caubóis mais velhos estavam sentados na
caçamba da picape de Dinho, enquanto ele próprio se
matava a cortar e amarrar o arame com as mãos sem a
proteção de luvas. Já acumulava alguns cortes na palma e
dorso, era muito fácil se machucar na lida diária no
campo. Isso não lhe tirava o sono. Contudo, se por acaso
ouvisse o guizo de uma cascavel, Dinho Romano, com
certeza, enfartaria.
O seu celular vibrou e ele olhou para o céu, afinal,
o sinal no meio do mato não era nada bom, aquela ligação
só podia ser obra do divino espírito santo.
Mas era Zoe.
Sentiu o suco gástrico queimar o estômago, ainda
estava puto com ela, com a sua esnobada. Por outro lado,
só de ler o seu nome no visor do celular, sentia que
coração e pau se contraiam e se estiravam na mesma
sintonia.
— O que quer?
Mas tinha de ser duro com ela.
— Meu carro pifou, levei pra oficina e o cara
prometeu trazer pra cá perto do meio-dia. Mas depois ele
ligou e disse que só ficará pronto à tardinha, não tenho
como voltar pra fazenda...
Havia decidido na noite anterior que não seria mais
o seu protetor, amigo, o diabo assexuado que fosse.
— Pega carona com a Alessandra.
— Ela não veio à aula.
— E o Lorenzo? Ele deve estar por aí.
Ela soltou o ar com força, e ele pensou em debochar
do seu bufido.
— Quero te ver, seu besta.
Aquela frase percorreu sua corrente sanguínea como
rastilho de pólvora perto de mandar para os ares a sua
sanidade.
Sorriu, idiotamente sorriu. Mas antes que pudesse
responder qualquer coisa, viu um dos vaqueiros balançar
os braços para o alto, chamando-o com urgência.
— Espera só um pouquinho, Zoe. — disse a ela,
enquanto dava uma corridinha até o homem. — O que foi,
cabra? — perguntou ao alcançá-lo.
O velho tinha corrido o suficiente para pôr os bofes
pra fora. Puxou todo ar que podia e disse aos tropeços:
— O Sonhador mordeu o Pedro e disparou sem
rumo, pulou o cercado como se tivesse pegando fogo nos
cascos. Aquele cavalo é louco, é do demônio.
Dinho apertou a boca com raiva.
— Não posso virar as costas um minuto que aquele
jeca faz merda. — deu às costas ao vaqueiro e encerrou a
conversa com a amiga: — Um dos potros que nos
deixaram para a doma acabou de fugir, terei que reunir uns
homens para dar uma varredura pela região, é um quarto
de milha de vinte mil reais.
— Putz, tudo bem, vai atrás dele.
— Mas como você vai voltar? — perguntou
preocupado.
— Peço para o seu patrão vir me pegar. — brincou.
O caubói viu ao longe Max se aproximando com a
cara amarrada e o chapéu enterrado fundo na cabeça. Ele
estava uma arara.
— Ele vai comer o meu fígado é agora.
— O que foi?
— Acabou de saber sobre o Sonhador. Vou mandar
um vaqueiro te buscar aí, ok?
— Tá, boa sorte com o cavalo. — disse ela, com
carinho na voz.
Ele tentou brincar para não demonstrar que gostava
do seu jeito meigo.
— Qual cavalo? O Sonhador ou o Bernard?
Zoe riu alto.
— O xucro do meu pai.
Desligou o celular antes mesmo do pai da garota
chegar até ele.
Meia hora de buscas ao redor da área de fuga do
potro e nem sinal dele. Dinho ouviu a decisão dita pelo
homem que liderava o grupo de vaqueiros:
— Vamos nos reunir à tardinha para ampliar o
perímetro das buscas, ele não foi longe, tá assustado e
perdido no meio do mato, mas ainda aqui na fazenda.
Então todos se dispersaram, porque já era a hora
do almoço, e eles tinham direito a duas horas de descanso,
inclusive Dinho, que era tratado como qualquer vaqueiro,
sem regalias por ser o filho de um dos patrões.
Ele e Max voltavam com os cavalos emparelhados
lado a lado, num trote manso. O mais velho tragou fundo o
cigarro e, enquanto exalava a fumaça pelo nariz,
perguntou:
— O Vince já te passou as coordenadas sobre o
caso do Werner?
— Falou que vamos tratar disso hoje à noite.
— Sim, você janta lá em casa e já fica pra reunião.
— determinou.
Dinho concordou com um meneio de cabeça,
sentindo péssimas vibrações no ar, era bem assim que o
seu tio Natan falava, já que ele era chique e jamais diria
que a sua intuição o avisava sobre uma possível tomada
no rabo.
— Tudo bem, Max.
— Hã? — indagou o outro com desconfiança. — O
que deu em você, acha que sou um dos seus amigos
peões?
O rapaz entortou a boca e era pra ser um sorriso.
— Não, claro que não. Desculpa aí, tio Max. —
disse todo humilde.
Lasqueira total, pensou Dinho, puxando as rédeas
do cavalo para conduzi-lo um pouco à frente do outro.
Uma hora teria de enfrentar a fera e contar o que se
passava entre ele e Zoe. A questão era que nem Dinho
sabia mais em que pé estavam, o que realmente não o
importava, uma vez que havia decidido torná-la a sua
mulher.
Max adiantou-se para alcançá-lo e disse:
— Você anda meio estranho, moleque.
Bem, tio, estou tramando para foder a sua filha.
Isso parece estranho para o senhor? Não, parece
obsceno, não é mesmo?
— O pai me deu uma casa caindo aos pedaços e
ainda terei que gastar meu suado salário para tornar o
barraco digno de moradia. — reclamou.
O outro caiu na gargalhada, ele era conhecido por
se divertir com as desgraças alheias, lembrou Dinho,
forçando-se um sorriso.
— Se precisar de dinheiro, é só me pedir.
Os dois pararam diante do vasto gramado que
antecedia a entrada da casa dos Bernard.
— O pai vira bicho se sabe que pedi dinheiro
emprestado.
Max assentiu levemente com a cabeça.
— Bem, ele quer lhe passar um ensinamento de pai
pra filho, não vou me meter nisso.
De repente o ronco alto de um motor os chamou a
atenção e, em seguida, a poeira se dissipou, e eles
puderam ver a moto se aproximando.
— Que diabos é isso? — Dinho deixou escapar,
baixinho, controlando-se para não pular do cavalo e tirar
o motoqueiro dos infernos da garupa para enchê-lo de
porrada.
Max acompanhou o olhar do caubói e franziu o
cenho, perguntando ao outro:
— É a Zoe que tá com aquele cara?
Não, mas é uma porra que não! Ela tá comigo!
Respirou fundo antes de responder com frieza:
— É, sim, tio. Parece que ela conseguiu carona.
E tudo por que o idiota do Toni se enrolou para sair
da fazenda e buscá-la!
A sua aparente frieza começou a queimar de raiva.
Contudo, ao seu lado estava um cara que não sabia o que
significavam as palavras ponderação, polidez e simpatia.
O bruto fechou a cara numa expressão que
denunciava os seus sentimentos e todos eles apontavam
para uma direção: quebrar a cara do filho da puta que
estava com a sua princesa.
Dinho viu-o descer do cavalo e fez o mesmo sem,
no entanto, deixar de aproveitar para pôr lenha na
fogueira, embora as chamas estivessem altas consumindo
aquele homem inteiro.
— É forasteiro. — comentou como quem não queria
nada, mas alto o suficiente para alcançar os ouvidos do
tio.
O termo forasteiro, em Santa Fé, equivalia às
seguintes palavras: bandido, vagabundo, ganancioso,
psicopata, nada que acrescentasse algo de bom ao
currículo do camarada.
— Conhece o sujeito? — perguntou Max,
entredentes.
A moto estacionou, e Zoe desceu dela, retirando o
capacete e entregando ao motoqueiro, que tinha o cabelo
loiro e comprido todo bagunçado por causa do vento.
Ele me imita no visual, Dinho constatou com
menosprezo. Sabia, entretanto, que eram as suas guampas
quem estavam pensando essa baboseira, o cabra da moto
não estava imitando ninguém de Santa Fé e sim algum
gringo que também tivesse uma Harley Davidson. Por
aquelas bandas não se via moto grande daquele jeito.
— Vi ontem no Gilley’s, é um hippie drogado, só
pode.
Max assentiu, apertando os maxilares e o passo até
ficar bem perto da filha.
— É seu amigo, Zoe? — perguntou a ela numa voz
suave, como os matadores usavam para conseguir entrar
numa casa e cometer uma chacina.
Zoe conhecia o seu pai o suficiente para entender
que ela não devia ter aceitado a carona de Enzo. Mas não
tivera alternativa, ele estava lá e a convidara para dar
uma volta, e ela aproveitara para que essa “volta” a
trouxesse para casa.
— Sim, pai. — ela se virou para o motoqueiro e o
apresentou: — Esse é o Enzo, ele trabalha na oficina do
Ângelo...
Max a interrompeu, olhando para o rapaz e
perguntando de chofre:
— Desde quando trabalha lá?
— Faz dois meses. — respondeu com um sorriso
simpático.
— Sei, qual é o seu sobrenome?
— Pai!
— Quero ver se ele é fichado, Zoe, só isso. — disse
Max, na maior cara de pau diante do suspeito.
Zoe ficou vermelha e lançou um olhar por cima do
ombro do pai, vendo Dinho, com a aba do chapéu baixa,
apertando tanto a boca que ela se tornara um risco
amargo.
Ok, não devia mesmo ter chegado com o
motoqueiro.
Como explicar que praticamente usara o
desconhecido por que queria voltar o mais rápido
possível para casa e tentar levar o amigo (ou namorado)
para um canto e enchê-lo de beijos?
Queria muito ficar com Dinho, ir ao cinema e
depois levá-lo para o seu quarto para dormir e acordar
com ele.
— Não sou fichado, senhor... — deixou a frase
incompleta no ar, esboçando um sorrisinho irônico.
— Vou falar com o teu patrão, já que não quer me
dizer o teu sobrenome. Enquanto isso, fica longe da minha
filha.
Grosso e direto, essa era a marca registrada de Max
Bernard, e Dinho vibrava por dentro.
— Sinceramente, só quis ser gentil e educado.
— Não seja, não com a minha família. — e,
voltando-se para a filha, falou: — Da próxima vez chama
a mim ou a sua mãe para buscá-la, até a Lolla pode pegar
a picape e resolver esse pepino, só não quero ver você
andando por aí com estranhos, principalmente cabeludo
com cara de maconheiro.
Dinho sorriu de orelha a orelha.
E depois parou de sorrir, por que a sua hora também
chegaria.
Voltou a montar no manga-larga, pegou as rédeas e
acompanhou com o olhar o motoqueiro ligar o motor e se
pôr na estrada novamente.
Evitou o olhar de Zoe ao cavalgar exigindo tudo da
sua montaria, inclinou o corpo para frente e, na corrida
ensandecida, perdeu o chapéu que voou para trás, ficando
na estrada de chão batido que ele escolhera usar.
Ele não era só o cavaleiro, era também a força
motriz impulsionando a energia do animal que o
acompanhava como se ambos fizessem parte de um único
organismo e estivessem fugindo de demônios em direção
ao abismo.
Cruzou o terreno de mato alto, a boca aberta comia
o vento, o cabelo era tragado para trás enquanto girava
moinhos para ultrapassar a distância que o separava do
alvo. E, ao alcançar a estrada de onde era possível ver a
Harley Davidson trafegar numa velocidade moderada em
direção à saída da fazenda, Dinho Romano tocou
sutilmente com os calcanhares nos flancos de Marlboro e
o manga-larga entendeu que eles haviam sido desafiados.
O forasteiro ainda não sabia, não tinha como saber,
mas acabara de pisar nas botas de um caubói apaixonado.
E isso não se fazia de jeito nenhum em Santa Fé,
principalmente com um Romano.
O manga-larga disparou em direção à moto num
galope puxado que lhe arreganhou as narinas. Era certo
que o animal queria provar ao seu dono e melhor amigo
que um cavalo de metal não lhe era páreo. Voou sobre a
estradinha levantando uma cortina de poeira e expulsando
a respiração com bufidos de raiva. E era assim que
também estava o homem na montaria, pronto para dar uma
lição àquele que se metia no meio de uma história de amor
em andamento.
De onde estava o motoqueiro podia ver o cavalo
furioso galopando em sua direção, na linha reta que o
acertaria em cheio, caso fosse montado por um psicopata.
Manteve a frieza e não alterou a sua rota. Com certeza, o
caipira desistiria no último instante da sua exibição de
macheza. Eram todos iguais aqueles caubóis, grossos e
arrogantes na mesma medida, pensou Enzo, com um
sorrisinho superior.
Quando já era possível olhar nos olhos do caubói, o
motoqueiro conseguiu decifrar o que via refletido neles:
era sangue, sangue nos olhos, raiva pura. Nunca na puta
vida que o cara iria desviar da moto. Era um louco
varrido que partia para cima dele de corpo aberto, pronto
para ser estraçalhado pelas rodas do seu veículo.
Mas o que aconteceu foi o contrário.
Dinho puxou o cavalo para o lado pouco antes de se
aproximar perigosamente da moto e, com essa manobra, o
motoqueiro perdeu o equilíbrio, girando o guidão para o
mato alto no acostamento que era seguido por um valão.
O caubói cavalgou até o lugar para onde jogara o
forasteiro e o seu transporte. Sorrindo com a simpatia do
diabo, falou:
— Dinho Romano, não esqueça.
Enzo caiu de forma bizarra. As costas deitaram no
mato misturado à terra vermelha e suas pernas viraram
para cima, como os bebês caíam antes de aprenderem a
sentar sem encosto nas costas. Mas, por entre as suas
pernas, ele pôde ouvir o nome do cretino que o derrubou e
também ver o sorrisinho filho da puta que lhe endereçou.
O vaqueiro puxou as rédeas do seu cavalo, tirou um
cigarro da carteira e o acendeu com o isqueiro, tragando
fundo a seguir. Mirou o horizonte satisfeito consigo
mesmo e por ter nascido exatamente naquela terra
abençoada por Deus e por cabras que lutavam por suas
mulheres.
Não aceitaria mais o comportamento de Zoe
Bernard. Isso era certo. Ela era a sua namorada, a sua
mulher. Se não honrava a própria palavra, o problema era
dela, mas ele honrava a sua.
Chega de esperar e de grandes esquemas, pensou
ele.
Tudo que tinha a fazer era entrar no quarto dela,
levá-la pra cama e pôr a sua marca.
Capítulo 12

Ao entrar pela porta lateral do casarão, que dava


acesso direto à cozinha onde encontrou a cozinheira e a tia
Pink, Dinho se viu envolvido pela atmosfera aconchegante
e familiar que o acompanhava desde quando era um
moleque que mal sabia caminhar. Ali, na casa dos
Bernard, estava a extensão de sua própria casa, não havia
muita diferença, somente em relação ao número de
mulheres. Por Deus, como tinha mulher naquela casa!,
pensou, controlando um sorriso.
Beijou a tia na testa. Era uma mulher baixinha,
magra e muito bonita. Mas possivelmente o tio não fosse
louco por ela em razão apenas da sua aparência, ela era
uma das poucas que o aceitava do jeito que era: honesto e
grosseirão. Como os caubóis das antigas, ele tinha as
mãos calejadas, a alma sensível e profunda e uma boca
suja que lhe servia como arma. Sem mencionar sua
personalidade arredia e, muitas vezes, agressiva. O tio
conseguia ser o mais bruto de todos os brutos, não era à
toa que tivesse como único amigo Vince Romano.
— Como vai, lindão?
Ele sorriu sem jeito.
— Me expulsaram de casa, tia. — reclamou,
fazendo beiço.
Dinho sabia que a melhor amiga de sua mãe, que
não tivera filhos homens, tinha uma forte inclinação para
apoiá-lo, sempre se colocava ao seu lado pronta para lhe
fazer as vontades.
— Soube que ganhou o chalezinho. Mas pelo visto
não quer mais sair do seu quarto no casarão, não é? Não
deve ser fácil morar com o Vince e trabalhar com o Max.
— sorriu com cumplicidade.
Ele puxou uma cadeira e se sentou, respondendo
com a sua melhor carinha de maior abandonado:
— É complicado viver à sombra desses dois.
Pink caiu na gargalhada.
— Você é a versão 2.2. de Max e Vince. E olha essa
cara de coitadinho que você faz! Meu Deus, deve
conseguir tudo com esse ar de desamparo. — comentou
sorrindo e acresceu num tom de voz confidente: — Você é
melhor que o seu tio e o seu pai, eles sempre usaram a
grossura e os maus modos pra conseguir as coisas, mas
você tem esse charme a la Brad Pitt em Lendas da Paixão,
ou seja, cara de doidinho cheio de amor pra dar.
Era oficial: Rochelle Bernard estava zoando com a
sua cara.
— Tia, a senhora tá zoando comigo? — perguntou,
fingindo-se de sério.
Ela abriu a geladeira e pegou uma lata de cerveja
gelada, entregando-lhe com um sorriso charmoso:
— De jeito nenhum, só acho que não deve se
comparar aos machões da Rainha do Cerrado e o melhor a
fazer é ter o seu cantinho.
— Se visse o lixo que tá esse meu cantinho.
— É só limpar, ora. — comentou com displicência
enquanto se sentava na cadeira diante dele e o olhava com
atenção: — Chama as namoradinhas para te ajudar. —
aconselhou com um sorrisinho.
— A Zoe tá?
Ok, vamos começar a desafiar a sorte.
Por um momento, Pink pareceu perdida com o
desvio do assunto.
— Minhas filhas não vão limpar a sua casa, são
todas feministas radicais, tão feministas que não levantam
o rabo pra nada aqui, é uma briga, bando de preguiçosas.
Ela falava de um jeito como se realmente
reclamasse das garotas, mas Dinho tinha certeza de que
era mais uma constatação divertida do que qualquer outra
coisa, mesmo por que no casarão trabalhavam duas ou três
mulheres dos vaqueiros da fazenda. Tio Max era
conhecido por monopolizar a atenção da esposa e jamais
a dividiria com o fogão ou as lidas domésticas, tarefas
que sua mãe, Valentina, adorava executar tendo como
companhia um bom copo de cerveja.
— Vou ter que me virar então.
— Você tem copos, pratos e toalhas, essas coisinhas
básicas que precisamos ter numa casa?
— Porra nenhuma.
— Essa parte deixa comigo, amanhã quando eu for
para a livraria, compro tudo e levo até o chalé. Ninguém
precisa saber.
Dinho pegou as mãos da tia e as beijou.
— Se um dia se cansar do tio Max, sabe onde me
encontrar. — brincou, piscando o olho para ela.
Pink o beijou na testa.
— Meu lindão, é mais fácil ele se cansar de mim.
— Nunca na vida, aquele cabra é apaixonado pela
senhora igual a um moleque pelo primeiro amor.
— Como sabe? Já se apaixonou assim?
Hum, as mulheres da Rainha do Cerrado... Era
preciso ser cauteloso ao conversar com elas, podiam
arrancar segredos e confissões sem dificuldade alguma.
— Acho que sou aquele tipo de cara que se
apaixona uma vez na vida, quero dizer, tipo eternamente,
entende?
— Entendo, sim, só conheço esse tipo de amor, o
eterno. Mas antes de entregar o seu coração, traga a garota
aqui para eu conhecer, quero ver se ela realmente
merecerá essa honra. Não quero nenhuma bandida fazendo
o diabo com os seus sentimentos.
Pink se levantou e o abraçou, e nesse abraço tinha
todo o seu carinho de mãe por ele.
— Sabe que sou louca de amor pela Valentina, né?
Ele riu enquanto a abraçava.
— E ela pela senhora.
Riu, embora se sentisse péssimo. Será que Zoe não
se sentia assim como ele? Talvez fosse por isso que ela
tivesse recuado. Precisava se pôr no lugar dela. Bem,
acabava de se pôr no lugar dela. E agora voltava ao seu;
com ou sem culpa, o desejo e a paixão falavam mais alto.
Afastou-se e encarou quem ele queria como sogra:
— A senhora será a primeira a conhecer minha
futura mulher, antes mesmo da minha mãe. — assegurou
com leve sorriso nos lábios.
— Vixe, Dinho, a chefinha corta relações comigo,
ela morre de ciúme de você. — disse num tom divertido.
— Será o nosso segredo, tia.
Mais um segredo, cacete.
Ela então olhou para as meninas que preparavam a
comida e disse baixinho, em tom de brincadeira:
— Tudo bem, mas teremos que mandar as
cozinheiras para a Bolívia.
Ele caiu na gargalhada, a tia era espirituosa e sagaz,
muito parecida com a sua mãe e com Lolla; a diferença
era que a última era mais mordaz pendendo inclusive para
a crueldade.
Antes que saísse da cozinha, ouviu-a dizer:
— O Max ainda não chegou, então vamos jantar um
pouquinho mais tarde. Sei que vocês vão se reunir no
escritório, não é?
— Sim, o pai vem pra cá.
— Pode me fazer um favor?
— Todos, dona Pink.
— Vai até o quarto da minha filha e vê o que ela
tem, tá área demais a bichinha, já quebrou uns dois copos
e mal almoçou. Tentei conversar, mas o que ouvi foi um
“tá tudo bem, mãe”. Não acredito nisso. Ela sempre se
abre com você, talvez consiga me dizer o que tem.
Ela lhe pediu com um olhar doce que amolecia o
seu coração. Mas não resistiu ao comentário sarcástico:
— Se não me disser qual a filha em questão, terei
que invadir quatro dormitórios.
Pink riu sem graça.
— Claro que é a Zoe, sempre a Zoe e os seus
problemas emocionais. Essa minha filha é um poço de
hormônios em ebulição. — brincou.
Um poço maravilhoso no qual vou me jogar e
torcer para não quebrar o pescoço.
— Ela é a melhor de todas. — deixou escapar
baixinho.
Não tão baixo quanto deveria.
Pink lançou-lhe um olhar curioso.
— Hum, Romano, tá arrastando a asinha pra minha
Zoe? — o tom era de divertimento.
Acontecia apenas que ele conhecia a sua tia, era
uma mulher esperta e desconfiada que mantinha contato
direto, quase uma relação de simbiose, com dona
Valentina Bertholo Romano.
— O que ando arrastando ultimamente são as
minhas botas, de tão cansado, acho que trabalho por três
vaqueiros e ganho por um. — fez graça.
Então a flecha foi puxada para trás do arco e
lançada bem no seu peito.
— Me diz uma coisa, você, o Lorenzo e a Zoe estão
sempre juntos...Nunca rolou nada, não?
Descobriu então que acabava de entrar na fase
seguinte do seu namoro: a fase das mentiras.
— Faz pouco tempo que comecei a ver a Zoe como
uma menina.
Bem, isso ele realmente não mentia.
— Ela não é masculinizada pra você ver como
menino. — declarou Pink, rindo-se.
Ele teve de rir também.
— É que eu sou um idiota.
— E o Lorenzo? Já deu em cima da Zoe?
Não, tia, em hipótese alguma. Ele sempre soube
que eu e a Zoe éramos um do outro, e caso se fizesse de
sonso, uma boa surra o lembraria novamente sobre esse
fato.
— Ele jamais se complicaria com a família.
Aham, vamos testar a temperatura do conflito.
Pink parou de sorrir e assentiu levemente com a
cabeça.
— Não vejo problema algum, gosto e confio no
Lorenzo, e ficaria muito feliz se ele namorasse a Zoe ou a
Lolla...
Dinho sorriu amplamente.
— Verdade? E esse negócio de sermos quase
primos?
— Que besteira! Não existe isso de “quase primos”,
só conheci os seus pais por que fui trabalhar na livraria da
sua mãe, não temos vínculo de sangue e faz tempo que nem
o vínculo empregatício também temos, somos sócias, ora.
Nunca pensei que as famílias Romano e Bernard
pudessem se unir mais ainda através de um casamento e
netos... Nossa, que coisa mais fantástica! — ela estava
visivelmente emocionada, com água nos olhos.
— Penso exatamente como a senhora.
Era estranho, mas ele estava com vontade de correr
pelo prado e gritar o nome da mulher pelo qual era
apaixonado.
Zoe! Zoe! Zoe!
Deus, ele estava virando um retardado!
Até que tia Pink fodeu com tudo.
— Deixa comigo, vou dar um jeito de fazer a Zoe
namorar o Lorenzo.
Capítulo 13

Ele não bateu antes de entrar e trancar a porta atrás


de si. Olhou ao redor, para a decoração do quarto de Zoe,
e era como se reparasse nisso pela primeira vez. Dois ou
três ursos de pelúcia sobre a cama, um deles tinha
inclusive na cabeça uma faixa estreita de tecido, uma tira
de seda que aparentemente fora jogada na cama.
Aproximou-se e a pegou, identificando com um sorriso
travesso a calcinha fio-dental da amiga. Era uma lingerie
sacana pra diabo.
Era um tanto fascinado por calcinhas, acreditava até
que fosse um tipo de fetiche. Aliás, dois fetiches, também
era doido por pés. Ainda mais os pés de Zoe, as unhas
curtinhas, os dedos delicados, a maciez da pele, a curva
da planta e a fragilidade do calcanhar. Ô delicia de pé,
cada dedinho mais lindo que o outro. Deus do céu,
precisava chupar aqueles dedos, pensou, excitado.
Ouviu o barulho do chuveiro e abandonou a
inspeção pelo quarto de garotinha que colecionava
revistas sobre cavalos e rodeio, assim como um mundaréu
de esmaltes.
A porta do banheiro estava semiaberta, e ele só
tinha de empurrá-la devagar para entrar e ver Zoe nua
debaixo do chuveiro. Não houve qualquer movimento de
hesitação de sua parte, era possível até que estivesse
salivando. Por isso, controlando o animal que rugia por
tanto tempo de prisão, ele se deu ao torturante prazer de
protelar o que mais desejava. Zanzou pelo lugar à procura
dos vestígios dela, alimentando os pulmões com o seu
cheiro.
Entrou no closet e abriu uma das gavetas. Era ali
que Zoe guardava suas roupas íntimas. Sorriu devagar,
imaginando algo maluco como ter o tamanho do seu corpo
reduzido ao ponto de poder se atirar naquele mar de seda,
lycra e algodão, se agarrar nos fundilhos, se esfregar no
elástico do cós, e depois ser usado por ela, viver e
respirar entre a lingerie e a vagina, fodê-la então com o
seu corpo inteiro.
Pegou um punhado delas nas mãos e as jogou para
cima, deixando-as cair sobre o seu rosto. Quando todas
caíram no chão, ele pensou em flores, flores espalhadas
pelo gramado que era o carpete de seis milímetros.
Ao voltar para o quarto, deu de cara com o
notebook ligado, na tela o canal de músicas. Digitou
“Santana – Samba pa ti, 1971” e, depois de aumentar o
volume do computador, começou a se despir.
Puxou o cinto de couro e a grossa fivela tilintou ao
cair no piso de madeira. Soltou os botões da camisa
xadrez e a retirou. Em seguida, encaminhou-se até o
banheiro e parou à porta, baixando o jeans e a boxer. Por
último, as meias. E já estava a meio caminho do boxe
quando parou e, através do acrílico do reservado, viu a
imagem da nudez de Zoe, o cabelo molhado e longo
caindo-lhe nas costas, o desenho de suas nádegas, as
ancas um tanto mais largas que a cintura, as coxas
torneadas...
Deslizou a porta de correr, e imediatamente Zoe se
voltou, assustada, as mãos escondendo o sexo, os olhos
arregalados.
— Não ouviu a música? — ele perguntou, sem
conseguir parar de olhar para os bicos duros pingando
água.
Ela precisou de alguns segundos para entender o
que estava acontecendo. Dinho invadira o seu quarto e o
banheiro, nu, tocava uma música cheia de más intenções, e
os seus olhos estavam hipnotizados pela ereção que lhe
exigia total atenção. Ele tinha um pau considerável, mas
nunca o havia visto em ação. Era um órgão sexual, assim
como podia ser uma espada, um troféu, apontado pra
cima, rente ao abdômen enxuto e musculoso, pesado e
inchado, os pelos castanhos o tornavam ainda mais
agressivo.
— Na... não ouvi. — balbuciou, obrigando-se a
encará-lo e sentindo a água dos seus cabelos lhe escorrer
no rosto.
Ele estendeu a mão e lhe fez um carinho na
bochecha. Mas para deixar claro que não era uma carícia
inocente de um amigo com benefícios, por exemplo,
declarou numa voz rouca:
— Vim aqui para chupar essa boceta gostosa e
depois foder com você na sua cama de princesinha.
Ela deu um passo para trás, fulminada pelas
palavras cruas e diretas dele, e acabou novamente
debaixo da ducha.
Dinho entrou no reservado e cuidou para não molhar
o cabelo. Era só o que faltava descer para o jantar em
família com cabelo de “motel da tarde”. Mas alguém ali
pensava em tudo.
— Vem pra debaixo do chuveiro, vem, tenho
secador.
Ele riu baixinho, puxando-a para um longo abraço.
— Mal consigo raciocinar quanto estou perto de
você, moleca.
Uma boca cheia de fome procurou a da garota,
penetrando a língua para encontrar e se enroscar em outra,
sugando-a, enquanto a mão a firmava na nuca para um
beijo profundo, erótico, avassalador.
Zoe envolveu-lhe o pescoço com os braços e os
bicos dos seios roçaram-lhe no tórax, uma sensação
gostosa, a carne delicada sentindo a pele morna e
molhada, de poucos pelos, do homem que acabava de
erguê-la por baixo da bunda, levando-a a se encostar
contra a parede de azulejos.
— Faz quanto tempo que me quer, Zoe? — ele
gemeu a pergunta junto à orelha dela.
Deixou escapar um jato de respiração pesada, visto
que um dedo longo e masculino cutucou com delicadeza e
precisão a entrada de sua vagina.
— Acho... uns qua... quatro... meu Deus, meu Deus...
anos...
Era delicioso o que o polegar dele fazia ao redor do
seu clitóris enquanto o dedo indicador se aprofundava
entrando no seu corpo. Não havia dor; era somente um
delicioso e agudo prazer que a fazia mexer o quadril, o
instinto a empurrando para fazer a sua parte.
Ele a deixou novamente no piso molhado e, com um
sorriso de canto, agachou-se, se encaixando entre as
pernas dela. Pegou-a gentilmente por debaixo do joelho e
pôs sua perna sobre o ombro. O rosto se ergueu em
direção ao sexo. Sempre delicado, seus dedos separaram
os lábios vaginais expondo a carne úmida e rosada onde
sua língua lambeu com movimentos lentos, pacientes, até
chegar ao botão duro, rodeá-lo fazendo pressão, e depois
o sugou com a boca e a língua, friccionando-o com a
determinação de mostrar à mulher como o orgasmo era
antes de explodir nas veias e musculatura.
Zoe puxou os cabelos de Dinho. Com as costas
contra o azulejo, era gostosamente judiada por uma boca
experiente. O jato de água morna, que batia contra as
costas dele, respingava com força em seus seios, atiçando
os bicos duros e sensíveis.
— Como pode ser tão gostoso? — ela mal
conseguiu falar, açoitada pelas chicotadas de fogo que lhe
explodiam no sexo e se alastravam para o resto do corpo.
Baixou o olhar para o cabelo loiro e molhado que
cobria a cabeça entre as suas coxas. Que loucura! Dinho
não só a vira nua como a chupava. Havia pouco tempo que
isso era mera fantasia antes de dormir, devaneios que se
permitia por não tê-lo na realidade, e agora...
Sentiu uma fisgada fina e se contraiu.
— Dois dedos, Zoe, só isso. — falou com carinho,
olhando-a de baixo para cima. Os cílios longos e grossos
pesados de água.
Ela assentiu e relaxou. Mais uma arremetida segura
e suave e a dor não foi intensa, misturou-se ao prazer da
língua sugando o seu clitóris, masturbando-a.
Suas pernas falharam e os joelhos quase dobraram.
Gemeu alto e o som reverberou pela acústica do banheiro.
Ele se pôs de pé e a segurou pela cintura, já que,
tomada por um sem-número de sensações, ela perdeu o
equilíbrio. E olhando-a fixamente, o semblante sério e
carregado de desejo, determinou:
— Vamos pra cama.
Era só uma frase, simples inclusive. Mas que tinha
um significado que beirava às raias de uma revolução.
Não apenas na vida de ambos, mas também dentro deles.
Ali, naquele móvel com a colcha de crochê feita por dona
Margarida, eles não fariam simplesmente sexo. Ela sabia
disso e desejava que acontecesse. Ele sabia disso e faria
acontecer.
Dinho saiu primeiro do boxe e se secou
rapidamente, por cima. Em seguida, pegou a mão de Zoe e
a levou até o meio do banheiro, começando a secá-la, dos
ombros aos pés, devagar, extremamente carinhoso, um
leve sorriso combinava com o intenso brilho dos seus
olhos azuis.
— Me sinto à vontade com você, não sinto vergonha
alguma por estar pelada. — ela comentou sorrindo,
abrindo os braços para ele enxugá-la nos seios e nas
axilas.
Ganhou um beijo na boca e depois ele rebateu com
convicção:
— É que somos íntimos, minha moleca, antes
mesmo de nos tornarmos amantes.
— Amantes... — ela murmurou, experimentando a
palavra.
Com um gesto ágil que lhe arrancou um gritinho
esganiçado, ele a pegou no colo e a levou para cama.
— Não temos muito tempo. — disse contrariado.
Ela sorriu e perguntou:
— Tá ouvindo as vozes das minhas irmãs no
corredor? É um entra e sai dos quartos atrás de roupa, a
Lana ou a Lolla daqui a pouco baterão aqui.
O olhar masculino percorreu o corpo nu estendido
na cama, as pernas ligeiramente afastadas, os seios
pequenos e arfantes. Por Deus, podia ouvir até a voz do
tio Max que não deixaria de fazer sexo com Zoe, não
mesmo.
— É agora ou nunca.
Zoe arregalou os olhos.
— Tem que ser agora.
Ele sorriu e deitou sobre ela, os braços sustentando
o próprio corpo no colchão, a boca buscando e sorvendo
os lábios femininos, os joelhos separando outros joelhos
para o encaixe da virilha.
Queria fazer tudo bem devagar, aproveitar cada
palmo de pele que era explorada e beijada, extasiar-se
com a reação de Zoe, pois era visível a sua transformação
debaixo dele.
Abocanhou um mamilo e o sugou, acariciando o
outro seio com a ponta dos dedos. Sentiu contra o quadril
o roçar da vagina quando a cintura arqueou-se para tocá-
lo.
— É tão bom... — ela deixou escapar no meio de
um suspiro profundo de satisfação.
Ele desceu os lábios entreabertos até o umbigo dela
e mordiscou-lhe o ventre, as mãos postadas debaixo das
nádegas que foram erguidas para o momento em que a
tomou no sexo, beijando o monte de vênus, escorrendo a
boca e a ponta da língua para a fenda encharcada de
fluídos.
Chupou-a forte, aumentando a lubrificação da
vagina. Dificilmente se aguentaria por muito tempo. Aliás,
eles não tinham muito tempo. Um restinho de
racionalidade insistia em não ser jogado pra fora de sua
mente tomada pela visão, cheiro e gosto de Zoe Bernard.
Ergueu a cabeça e a encarou como se lhe fosse
contar um segredo, mas tudo que disse foi:
— Vou entrar com cuidado, bem devagar. Quando
doer, minha Zoe, eu paro. Entendeu? Na cama, é você
quem manda. — completou com um sorrisinho do capeta.
Ela concordou ansiosa e excitada. Não havia rastro
algum de medo ou nervosismo, era a realização de um
sonho, o drama não existia. Dobrou os joelhos para trás,
afastando bem as pernas e as segurando com suas mãos.
Tal gesto pôs fogo nos olhos do seu jovem amante, a
expressão de seu rosto se modificou, as pálpebras
semicerraram-se, as veias das têmporas se encheram de
sangue, dilatando-se e pulsando ensandecidas, a boca
endureceu como se ele aguentasse no osso uma dor atroz
ou um prazer que ameaçava arrebentá-lo se não fosse
controlado a duras penas.
— Quer me matar se arreganhando desse jeito? —
perguntou numa voz tomada pela agonia.
E antes que ela respondesse que sim, que queria
matá-lo de prazer, Dinho tomou o pau na mão, apertou-o
no aro de sua palma e o conduziu à entrada de Zoe.
Manteve-se de joelhos, no controle da penetração que se
deu aos poucos, a glande grossa brilhando a gota perolada
forçou o apertado buraco, cutucou-o devagar. Deslocando
os quadris para deslizar o mastro grande e duro sem
machucá-la, penetrou-a, reconhecendo o terreno de sua
posse.
Zoe sentiu a pressão da investida e exalou a
respiração com força. Ergueu a cabeça e viu o pau
tomando-a com sua dura maciez. Deixou-se cair para trás,
lançando os braços para acima da cabeça, aceitando os
açoites de dor e prazer enquanto ele enfiava mais um
pouco, mais um pouco, sempre a segurando na cintura,
firmando-a contra a cama.
— Posso parar. É só pedir.
Podia parar o cacete. Ele estava mais duro e a ponto
de bala do que jamais estivera em toda sua porra de vida.
Ela era tão apertada que lhe doía, sentia que a cabeça do
pau era triturada por uma centrífuga. E isso, além da dor,
lhe proporcionava o maior dos prazeres.
— Nem tente parar... — ela conseguiu retrucar,
absorvendo o calor que emanava da própria pele, a
camada fina de suor que a cobria, a queimação na sua
entrada castigada pela penetração de um pênis avantajado.
Doía o suficiente para ela gemer e tentar puxar o
corpo para cima, se afastar. Contudo, junto com a dor
física, a vontade de tê-lo enfiado até o fundo, o tesão de
saber que era fodida, comida por Dinho Romano, o amor
da sua vida, a sensação de perda de controle, fogo nas
entranhas, a bomba latejando entre as coxas, a loucura
quente e gostosa a empurrava à beira de um penhasco de
prazer profundamente doloroso, mas ainda e muito prazer.
Dinho apertou a boca com força e arremeteu metade
do pau para dentro, parou e o acomodou no lugar mais
quente que qualquer pecado.
— Você é danada de gostosa. — gemeu por entre a
respiração carregada.
Admirou o rosto feminino inchado, nódoas
vermelhas tingiam-lhe as bochechas, pescoço e colo. Ela
suportava com bravura o pênis grande desvirginando-a. E
ele não poderia amá-la mais do que a amava naquele
momento.
Meteu-se todo até o talo, marcando-a como sua.
Zoe gemeu alto, cruzou as pernas ao redor da
cintura dele e sentiu a maciez das bolas contra suas
nádegas.
Dinho manteve-se imóvel dentro dela, preenchendo-
a toda, constrito, apertado na entrada estreita que o
enlouquecia mais um pouco.
Desceu a boca até a orelha da garota e mordiscou-
lhe o lóbulo, depois soprou para dentro do coração dela:
— Eu te amo.
Imediatamente a vagina se contraiu em torno do pau,
apertando-o ainda mais, e o coração de Zoe, ao contrário,
se expandiu. Seus olhos se encheram de água, a voz sumiu,
a garganta secou de emoção.
Ele não esperou ouvir o que fosse dela, visto que
não se declarara para receber algo e sim por que
precisava compartilhar sua alma, um pouco dela, pelo
menos, com aquela que acabava de lhe dar tudo.
Deslocou os quadris com languidez, incitando os
movimentos de vaivém sem deixar de manter o pênis rente
ao clitóris para tê-lo friccionado no processo,
masturbando-a enquanto a penetrava com estocadas fundas
e lascivas, cadenciadas no ritmo que o permitia examinar
o rosto bonito se contraindo a cada avanço dele dentro e
fora do seu corpo. Trazia o pênis até à beirada, parava e a
beijava na boca. Uma parada rápida e mergulhava tudo até
o talo.
Suas mãos entrelaçaram os dedos nos dela e foi
assim, de mãos dadas, no alto da cabeça de Zoe, que
Dinho aumentou as estocadas, raspando o pênis no botão
duro, deslizando com facilidade pela vagina molhada de
sumo, forçando e forçando, os músculos do traseiro
marcando a sua pele, estirando-se, as coxas explodindo
em força e agilidade, os pés escalando os lençóis dando-
lhe impulso para penetrar cada vez mais fundo nela,
fundir-se a ela, morar dentro dela.
Segurou-se para oferecer-lhe um orgasmo decente,
até o final, e já ia retirar-se para masturbá-la, sabendo que
seria impossível que perdesse a virgindade e gozasse ao
mesmo tempo... Mas não conseguiu se afastar depois do
que Zoe lhe disse numa voz baixa e arrastada, uma voz de
bêbada:
— Mete forte, me arrebenta.
— De jeito nenhum. — garantiu, chocado.
Sabia que ela raramente se incomodava quando se
machucava e às vezes até ria, dizendo que gostava de
sentir dor. Brincadeira, claro, ele considerava.
Ela o abraçou no pescoço e falou:
— Uma hora te explico, mas agora tudo que você
tem a fazer é meter esse caralho grosso na minha boceta e
me foder forte.
Meio minuto de hesitação.
— Acha que vai gozar com dor? — havia incerteza
em seu olhar.
Mas ela limpou qualquer dúvida de sua mente.
— Eu estava começando a chegar lá quando você
parou. — declarou com um sorrisinho malicioso.
Ninguém o pararia. Nem um terremoto, morreria
soterrado em cima de Zoe.
Penetrou-a com uma estocada dura e, sem dar pausa,
socou e socou fundo, o atrito dos sexos molhados se
misturava aos gemidos altos dos dois. Ele a pegou nos
ombros e a cobriu como um cavalo, empurrando o corpo
delicado e feminino pra cima, contra a guarda da cama.
— Me machuca! Me bate! Me come! — ela gritava.
Ele teve de tapar a sua boca com a mão.
— Moleca, não podemos ser descobertos. —
murmurou ofegante e tentando não rir.
Virou-a de bruços, afastou-lhe as pernas e,
erguendo-lhe uma coxa, a penetrou novamente na boceta,
por trás.
— Vou te dar o que quer, minha doidinha.
Então ele a fodeu com violência, chocando suas
bolas contra o traseiro dela enquanto a mordia nas costas,
arranhando cada vértebra com seus dentes frontais até
alcançar o pescoço e chupá-lo como se fosse um vampiro
faminto.
Sentiu os espasmos no interior do ventre feminino
como delicadas ondas de tsunami que se erguiam à beira
do extravasamento.
— É grande. Enfia tudo, Dinho. Não pensa, não
pensa.
Não, ele não pensou. Estalou um tapa forte nas
nádegas de Zoe e a puxou pelo cabelo, para trás,
arqueando seu corpo. Um segundo depois, firmou a mão
na cintura dela e a golpeou sucessivas vezes com o pau. O
suor escorria-lhe do couro cabeludo em fios grossos, o ar
não entrava, ele perdia e ganhava força.
Ela dobrou os dedinhos dos pés para trás ao ser
arrebatada pela energia quente, molhada e aguda, uma
lança entrando por sua vagina e emitindo raios e
eletricidade que eriçaram até o seu couro cabeludo.
Liberou o grito do gozo contra a fronha do travesseiro e,
em seguida, foi tomada pelo choque de um corpo forte
contra o seu. O sangue lhe escorreu pelas coxas e
manchou a colcha também.
Dinho se arremeteu fundo para dentro dela e,
pegando-a pelos ombros, deixou-se levar pelos espasmos
que latejavam por sua musculatura. Quase meio minuto
depois, o orgasmo o sacudiu com golpes violentos.
Abraçou-a e a beijou no ombro úmido de suor.
Deitou o nariz contra a dobra do pescoço e ficou ali,
imóvel, esperando recuperar o fôlego e também sua
atividade cerebral.
— Não queria que a sua primeira vez fosse uma
rapidinha, nem tão violenta assim, sou um animal
desgraçado — arou o cabelo, crispando os lábios com
raiva de si mesmo.
Ela riu e depois falou baixinho numa voz arrastada
de pós-foda:
— Não banque o florzinha agora. Gosto de
violência, tudo, nos filmes, na realidade, gosto de saber
sobre tragédias, principalmente quando muita gente morre.
Sim, não bato bem da cabeça, mas você tem que saber
tudo. Gosto de beijo violento e de bater nos caras, isso
você já sabia. Não me atrai sexo sem porrada, namorinho
no sofá diante da tevê, tudo bem-comportado, eca, por
isso também mantive minha virgindade. Você, Dinho, é o
meu animal, o meu cavalão que vai me foder com seu pau
grande e marcar o meu corpo como um legítimo bruto.
Dinho estava sem palavras.
— Ah, e eu não era completamente virgem. —
completou com naturalidade como se tivesse se lembrado
de um detalhe insignificante.
— Era sim. — afirmou atordoado, confuso, lesado
da cabeça.
Ela ainda sentia como se luzinhas se acendessem,
uma a uma, debaixo da pele. Se realmente fosse virgem,
teria gozado?
— Preciso contar uma coisinha.
Ele gemeu por dentro, toda vez que ela fazia uma
breve introdução a um doloroso ou bizarro assunto, usava
a sua vozinha mais doce. Saiu de dentro dela, sentindo o
pau um tanto dolorido. Era a primeira vez que transava
com uma garota virgem e ainda estava em dúvida se era
bom ou ruim, embora com Zoe tivesse sido fantástico.
Mas ela não se comportava como se fosse virgem... E
como se comportavam, afinal?
Sem saber, Zoe respondeu sua pergunta de um jeito
que mais o confundiu do que esclareceu.
— É verdade que foi a minha primeira vez. — ela
virou a cabeça para o lado, assim conseguia encará-lo.
— Mas não quero que pense que terá a honra de dizer por
aí que foi o meu primeiro homem.
Ele caiu para o lado e a sua respiração voltou a
acelerar.
— Como assim?
Zoe se virou e deitou de costas. Olhava para o teto,
procurando as melhores palavras para tentar ser clara com
ele:
— Ontem, foi ontem.
Quando ela parou de falar, Dinho se voltou e,
escorado num dos cotovelos, fulminou-a com o olhar:
— Meu Deus do céu, trepou com aquele hippie
drogado?
— Já disse que agora, com você, foi a minha
primeira vez.
— Então fez o quê com ele? Um oralzinho? — ele
estava realmente irritado e, de certa forma, magoado,
puto, muito puto da sua vida.
— Deixa de ser porco. — ela falou com rispidez.
— Que tal parar de enrolar e ir direto ao ponto,
hein? Porque se tem outro cara no pedaço, não tem
problema nenhum, guardo um .38 lá na picape e as terras
da fazenda são bem boas pra se enterrar um corpo. —
cuspiu as palavras com os maxilares retesados.
Era melhor abrir logo o jogo antes que ele saísse
pelado atrás do pobre Enzo.
— Ontem eu estava brincando com o Ewan e me
empolguei. Perdi o controle, preciso sentir dor ou alguma
coisa forte pra gozar... como, claro, dor. — enfatizou com
um sorrisinho de sacana envergonhada.
Ele franziu o cenho e perguntou:
— Quem diabos é esse “Ivan”?
— É Ewan, Ewan McGregor, enfiei com tudo, não
posso dizer que enterrei até as bolas, porque esse modelo
veio sem. Comprei pela internet, tem até um botãozinho
que faz o menino vibrar. — explicou quase didaticamente
e acrescentou com bastante naturalidade: — É gostoso
quando vibra.
Ela se inclinou por sobre ele e abriu a gaveta do
criado-mudo. Retirou um lenço enorme de seda, todo
dobrado e pôs sobre o abdômen de Dinho.
— Foi ele que tirou o meu selinho do Inmetro. —
falou com doçura.
Com a ponta dos dedos, Dinho soltou as dobras do
tecido e, em seguida, o vibrador de silicone escorregou
para a cama.
— Não acredito. — ele olhou pasmo para o
aparelho. — O que você fez?
— Fiquei louca de tesão e fui fundo na coisa.
Ele a olhou ainda aturdido.
— Tirou a sua própria virgindade?
— As mulheres podem resolver seus problemas sem
a participação masculina. — fez piada.
Mas Dinho não estava com humor para isso.
— O sangue nesse lençol prova que você ainda era
virgem.
— Não acredito que em pleno século XXI estamos
falando sobre virgindade. — bufou.
— Foi você quem começou...
Ela olhou para a nódoa vermelha no lençol e disse a
ele:
— Esse sangue aí é do meu ciclo menstrual, você
me pegou no banho, nem deu tempo de avisá-lo.
Um, dois, três. Ele precisava de um tempo para
assimilar tudo aquilo que era Zoe Bernard.
Ela pulou da cama, nua e linda, e disse calmamente.
— Vou me lavar, você gozou em mim...
— Não me importo, quero ser o pai dos seus filhos.
— Não vou engravidar menstruada. Viu o que dá
não ter concluído nem o Ensino Médio? — debochou.
— Zoe, você me deixa maluco. — afirmou ainda
atordoado e ofegante.
— Eu também tomo pílula. Desde os meus 15 anos
espero que você me faça mulher... — disse com um
sorriso encantador e, em seguida, acrescentou: — Mas
quem fez isso foi o Ewan McGregor. Agora cai fora da
minha cama e desce pra sala de jantar antes de mim.
Ele não conseguia se mover do lugar.
—Estou digerindo tudo isso.
Viu-a entrar no banheiro e foi até ela.
— Sei como é isso, durante quatro anos eu também
ficava digerindo tudo que você falava, o que dava a
entender, o subentendido e o modo como me olhava e
porque me olhava daquele jeito se não me considerava à
sua altura. Pois é, amigo, chegou a sua vez. Agora sai do
quarto.
— Tá se vingando?
— Não.
— Parece que você guarda um pouco de
ressentimento em relação a mim.
Ela girou o registro do chuveiro e falou:
— É, acho que sim, talvez seja o famoso orgulho
dos Bernard.
Dinho assentiu levemente e demonstrou tristeza.
— Os Romano são mais teimosos do que
orgulhosos, acho eu. Sei lá o que acho, estou perdido
nessa porra toda, minha única certeza é a de que te amo
pra caralho.
Zoe sorriu.
— É bom ouvir isso.
— É ruim falar isso.
— Experimenta o contrário...
— Nada ao contrário, só quero você.
Ela revirou os olhos e disse num tom de
brincadeira.
— Ai, cacete, bruto ignorante. Experimenta ouvir,
ora.
Ele continuou olhando-a sem entender, e a garota o
tirou do vácuo de uma declaração sem retorno.
— Também te amo, Romano. Foi isso que quis
dizer. — falou com meiguice.
Mas ele não tinha problema de memória.
— E o lance das formigas? — indagou desconfiado.
— Bem, você disse que me carregaria nas costas
para não me perder, acredito então que posso confiar no
nosso futuro.
Dinho sorriu sem notar que sorria.
Puta merda, como amava aquela criatura!
Capítulo 14

A sala de jantar dos Bernard não era separada da


sala principal, a divisão era feita apenas por um arco alto
e duas colunas de pedra. As principais refeições do dia
eram feitas à mesa, um móvel de madeira de demolição
para quinze lugares, que combinava com as cadeiras de
encosto alto e vime no assento.
A família era grande, bem diferente de como era no
casarão dos Romano. Lá, eles se reuniam ao redor da
mesa para dez lugares e ainda sobravam seis deles; uma
das cadeiras sempre recebia o chapéu do seu avô,
Armando Romano, uma forma que o seu pai encontrara
para manter viva a lembrança do seu velho, amado na sua
eternidade.
Dinho cortou o seu pedaço de lombo de porco e o
levou à boca. Antes que a carne chegasse ao seu destino,
ele bateu os olhos em Zoe, sentada à sua frente, olhando-o
fixamente sem sorrir. Parecia que ela o avaliava,
ponderava sobre o que tinham feito antes. Contudo, um
minuto depois sentiu a ponta de um pé o cutucando entre
as pernas. Segurou-se para não rir. Ok, ela o fazia se
sentir inseguro, confiante, garanhão, idiota. Aquela
moleca sabia como laçar um cabra.
À cabeceira da mesa, depois de se servir de purê de
batatas, Max comentou:
— Os rapazes não encontraram o potro.
Começaremos novas buscas amanhã cedo. Quero você e o
Ramon liderando o grupo.
— Sim, senhor.
— Quem estava no redondel com o Sonhador?
A pergunta não era de cunho informativo, Max não
queria realmente saber quem estava no cercado com o
cavalo de um cliente que havia anos deixava seu plantel
para a doma com ele e Dinho. O domador mais jovem
sabia que a intenção da indagação era a de enquadrar o
infeliz incompetente. Talvez recebesse uma advertência,
que era um papel escrito com os garranchos de Max:
“Mais uma cagada, seu filho da puta, e você tá no olho da
rua”. Ou uma advertência verbal diante da tropaiada,
como já fizera várias vezes, e ele dizia bem assim, com as
mãos nos quadris: “ Mais uma cagada, seu filho da puta, e
você tá no olho da rua”. Ai de quem risse ou dissesse
gracinha. Max não era amigo de vaqueiro, de funcionário,
de esposa ou filho de empregado. Ele era o patrão e não
deixava ninguém esquecer isso. Nem mesmo Dinho
Romano.
Mas o jovem caubói não apontava dedo para
companheiro de labuta.
— Temos que encontrar o diacho do cavalo e não
punir vaqueiro. O bicho tá traumatizado, se assusta com
qualquer coisa, por isso tá ali comigo, ora, pra ser
domado.
O sorriso que Max lhe endereçou era bem parecido
com o da sua filha, Zoe. E não era nada bom. Um sorriso
de gângster carregando sua pistola automática.
— Aprovo a sua lealdade, filho.
E ele também era tão imprevisível quanto ela.
Dinho nem tentou sorrir, continuou encarando o
outro sem desviar. Ele não se importava de ficar na mira
de projéteis.
— O bicho é doido, só isso.
— E quem então é o responsável pelos cavalos dos
clientes, hein? Pode me dizer?
Ai, caralho.
— Mais um pio sobre trabalho, pego o meu prato e
vou comer vendo a novela.
A voz suave e feminina partiu da outra extremidade
da mesa, da matriarca que sorria desafiando o marido com
o olhar.
Dona Virgínia apoiou a filha, embora o tom fosse o
de sarcástica reclamação:
— E tá nos últimos capítulos, agora é que vão
resolver tudo, um morre, outro casa, a mocinha engravida,
o corno conhece outra mulher... Ah, e a moda do momento,
um beijo gay... Ô bosta essa televisão, viu.
As meninas olhavam da mãe para o pai e vice-versa
como se estivessem num jogo de tênis.
Max desmanchou a carranca e abriu um amplo
sorriso.
— Me perdoa, Rochelle, isso jamais se repetirá.
Cruz credo, o touro bravio acabava de se tornar um
dócil bezerrinho, pensou Dinho. Esse era o perigo do
amor, foder a vida de uns caras, ou melhor, tirar as suas
bolas.
— Eu sei que não, cabrito.
O marido de Pink semicerrou as pálpebras e pediu
numa voz ronronante:
— Então por que não vem comer aqui no meu colo,
hein?
Lolla, que trucidava a sua carne com raiva, já que
ninguém levava a sério o fato de ela tentar (tentar, pelo
menos) se tornar vegetariana, disse:
— Oh, por favor, procurem um motel.
Lana a cutucou nas costelas.
— Não se mete, sapatão!
— Sapatão? — Lolla se voltou para a irmã com um
sorriso sacana. — Vou dizer quem é sapatão nessa casa...
— Eu. — disse Zoe, erguendo a mão e sorrindo. Em
seguida, olhando descaradamente para Dinho, completou:
— Adoro um sapato grande, de preferência tamanho 41.
Dinho engoliu em seco. Zoe era doida, faltava um
pino naquela cachola! Bem devagar, quase
imperceptivelmente, virou a cabeça em direção ao patrão
e viu-o concentrado em fincar um pedacinho de carne no
garfo e levar à boca da esposa, sentada no seu colo e
abraçada ao seu pescoço como uma garotinha.
Deixou a respiração escapar pelos lábios e
agradeceu a Deus por suas bolas voltarem ao tamanho
normal. Não tinha medo de Max Bernard, nem de Vince
Romano. Suas bolas se encolhiam ao imaginar Max e
Vince pondo-o contra a parede. Os dois juntos eram como
um exército armado. Ele bem o sabia, já que havia algum
tempo que os acompanhava nas caçadas aos criminosos de
Santa Fé.
Digitou rapidamente uma mensagem a Zoe:

Amanhã no celeiro, perto das nove da noite. Te


amo, maluca.

No minuto seguinte, o celular de Zoe vibrou e ela o


pegou de cima da mesa e leu a sua mensagem. Sorrindo,
comentou com as irmãs:
— Enfim o meu grupo de Antropologia vai se reunir
para fazermos um trabalho sobre sexo com violência.
Pink logo se interessou pelo assunto:
— Isso é assunto de faculdade?
Ao que Max cochichou-lhe ao ouvido:
— Não, isso é coisa que fazemos na nossa cama.
Ela riu baixinho.
Lolla falou então com a boca cheia de carne, e a
ideia de ser leal aos animais foi para a cucuia:
— Eu falo que putaria é cultura e ninguém acredita
em mim.
— Lolla, olha o palavrão! ​— repreendeu a avó.
— Putaria não é palavrão, tá no dicionário, ora. —
franziu o cenho considerando a questão muito séria e
completou: — Sei até de cor, caso alguém me desafiasse a
respeito. Presta atenção, vó... — ela se virou para dona
Virgínia e sacou da memória o que havia decorado de um
dicionário on-line: — “Putaria: comportamento
considerado indecente, libertino; safadeza, sacanagem”.
Ah, e pode ser também o nome que se dá a uma reunião de
putas, ou seja, uma putada.
— Deu, Lolla, encerra a palestra, ok. — disse o pai.
— E, como sempre, quando se fala em putaria vem
com ela a censura. — ela resmungou, terminando de
comer o porco.
Às dez horas, Vince chegou e os homens foram para
o escritório.
***

A empregada deixou a bandeja com o bule de café


quente e três xícaras. Em seguida, retirou-se.
Vince estava sentado na ponta da escrivaninha que
Max raramente ocupava, pois ele nunca fora homem de
ficar preso detrás de uma mesa. Aquele móvel era então
mais uma mobília de decoração, assim como as estantes
apinhadas de livros, que ele não lia, mas que eram
devorados por Pink e Lolla.
— O que temos aqui em Santa Fé é um espancador
de mulheres. A filha do Werner foi agredida e jogada num
acostamento de estrada. Não vamos nos deter em elaborar
um perfil psicológico, porque aqui não é a porra do FBI, o
buraco é mais embaixo. — ele abriu a pasta de cartolina
que trouxera consigo e retirou uma folha de papel com
informações escritas à mão: — Consegui com a Julieta,
mãe da garota, que, por sinal, se chama Mariane, o seu
roteiro naquele dia. — ele entregou o papel a Max, que o
observava com o semblante sério: — Temos então a
cronologia do dia da agressão e podemos começar a
conversar com as pessoas envolvidas.
— Isso é com você, Vince, não sei falar com gente.
— disse Max, depois de acender um cigarro.
Ele havia se largado no sofá, cansado fisicamente, o
trabalho na fazenda o consumia, e já não era mais um
garotão. Não sentia o peso da idade, aos quarenta e
poucos, um homem do campo como Max, ainda era forte
como um touro, mas a verdade era que aquela fazenda era
imensa e, muitas vezes, nem notava o quanto cavalgava e
caminhava ao longo do dia.
— E a minha parte é descer o sarrafo. — completou
Dinho, terminando de beber a sua cerveja.
Vince olhou para o filho e disse:
— Essa parte todo mundo gosta. Portanto, o senhor
vai nos ajudar a encontrar esse espancador dos infernos.
Dinho sorriu.
— Talvez até o Werner queira meter a mão no cara,
dizem que ele tá um trapo.
— Se tocassem um dedo sequer nas minhas filhas,
por Deus, eu tirava a pele do camarada com o meu
canivete. — disse Max com o semblante fechado como se
isso, esse pesadelo, fosse possível de acontecer.
— Só se me matassem antes, tio. Sou responsável
pelas meninas e nunca deixaria um desgraçado desses
chegar perto de nenhuma delas.
O outro assentiu, olhando-o longamente e
demostrando, com esse olhar, toda a sua admiração,
respeito e confiança pelo afilhado.
— Temos que preparar esse moleque pra assumir a
Rainha do Cerrado. — disse ele a Vince.
Sem qualquer hesitação, o pai de Dinho endereçou-
lhe um olhar de cima a baixo, avaliativo, e declarou com
ar superior:
— Nós ainda somos jovens, Max, e o Dinho tá
verde pro negócio. Talvez daqui a alguns anos.
— E se eu pegar esse espancador? Vai levar em
consideração que já sou um homem feito? — desafiou o
pai.
— O que tem a ver uma coisa com a outra? Falo do
seu trabalho na fazenda.
— Ele é o melhor. — atalhou Max.
— Não, meu amigo, o Dinho trabalha feito uma
mula como qualquer vaqueiro, mas isso não significa que
ele saiba pensar como um fazendeiro.
Max voltou-se para o afilhado e o viu contrair os
maxilares.
— Sei pensar, sim.
— Você é um bruto selvagem que não entende nada
de liderança nem empreendedorismo, é talhado para
cumprir ordens, não se impõe aos peões; pelo contrário, tá
sempre jogando futebol com eles, bebendo e brigando
como se fosse um deles. Por isso não acredito que tenha
condições sequer de assumir a gerência de uma
propriedade do porte da Rainha do Cerrado.
Vince era mais duro com o próprio filho do que em
relação aos demais vaqueiros. E Max pensava se ele não
estava compensando os mimos de Valentina ou se o rigor
se justificava pelo fato de ter tido um pai biológico
cretino. Bom, se fosse por questões de paternidade, ele
próprio seria uma merda de pai, já que o seu fora um
maldito espancador de mulher. A sua sorte era que sempre
se arranjava uma vaguinha no inferno para um tipo desses.
Dinho ergueu o nariz, havia nesse gesto uma
necessidade vital de se impor a um homem forte.
— A conversa não é sobre o futuro da fazenda e sim
o caso da filha do Werner. Gostaria de ler o que o senhor
tem nessa folha.
O pai entregou-lhe o papel e deu-lhe as costas.
Detestava bater de frente com Dinho, mas nunca na vida
iria criar um cabra fraco.
O caubói leu o pouco do que já se sabia sobre o que
acontecera no dia em que Mariane fora espancada.
— Ela saiu da escola, à tarde, um pouco antes do
horário..
Vince assentiu com a cabeça e disse mais:
— O que sabemos em seguida é que a menina foi
encontrada inconsciente, à beira da estrada, pouco depois
das oito da noite.
— Ou seja, não temos nada de concreto.
— É assim que sempre começamos, não é, Max? O
Werner me disse que a Mariane entregou um bilhete com a
assinatura da mãe para conseguir sair da escola mais
cedo, mas a Julieta garantiu que não havia assinado
bilhete algum pedindo para que a liberasse. A menina ou
alguém imitou a assinatura da mãe.
— Como a encontraram na estrada? — perguntou
Dinho.
— Um dos vaqueiros da Glória no Deserto, que é
uma fazenda vizinha a do Werner, passou por esse trecho
da 163 e viu a garota estirada no acostamento, desmaiada.
Assim que se aproximou já sabia de quem se tratava e a
levou para casa.
— Ou foi ele quem a espancou e depois quis se
passar por herói. — afirmou Dinho, sagazmente.
Ao que Max, balançando a cabeça em negativo,
rebateu:
— Foi o Herodes, é um velho de 78 anos que mal se
aguenta, acho que não teria condições de dominar uma
garota de 14 anos, mesmo pequena e magra como a
Mariane, o cara praticamente se arrasta e disse a todo
mundo que só não se aposenta, porque não quer
enlouquecer em casa ajudando sua mulher na cozinha.
Além disso, — ele parou e tragou mais uma vez o cigarro,
pois lhe doía pensar no que iria falar a seguir: — o velho
tem reumatismo nas mãos, não teria conseguido quebrar o
nariz, o maxilar e todos os dentes da frente da menina.
Eles ficaram um minuto em silêncio.
Max pensou em suas filhas e no quanto
enlouqueceria se acontecesse o mesmo a uma delas. Vince
imaginou a dor de Mariane e a da sua mãe, jamais
deixaria que outra menina passasse por isso. Tinha de
encontrar o desgraçado e mandá-lo para a Bolívia. Dinho
teve um terrível pressentimento que resolveu guardar para
si.
Talvez Mariane não fosse um caso isolado.
Era possível que ela tenha sido a primeira de uma
série de ataques contra garotas e mulheres de Santa Fé.
Capítulo 15

Durante o café da manhã, Vince perguntou ao filho


enquanto esperava sua torrada tostar na sanduicheira:
— Quando pretende ir para a sua casa?
Valentina nem tirou os olhos da xícara de café com
leite e interveio:
— Não tem pressa, filho, o casarão também é seu,
assim como a fazenda inteira.
O marido sorriu consigo mesmo, pois sabia que
acabava de levar uma indireta certeira nos cornos.
— Sim, depois que eu, você, o Max e a Pink
morrerem, ele e as quatro Bernard herdarão essas terras.
— declarou com um sorrisinho.
Mas a esposa não estava a fim de ironias para o seu
lado.
— Ainda assim, ele também é dono de tudo.
Vince suspirou profundamente e pegou sua torrada.
Era melhor encher a boca com pão do que a cozinha com
palavras que os levassem a uma briga. Contudo, não
deixou de perceber a manobra diplomática do filho:
— Vou sair agora com os vaqueiros atrás do
Sonhador e depois tentarei dar um pulo na cidade, preciso
de uma geladeira e, sei lá, outras coisas.
— Mamãe compra a geladeira e tudo que precisar.
Não foi tão simples o modo como aquela sentença
foi dita. Ela olhou diretamente para Vince, sorrindo em
desafio, mostrando que, sim, ajudaria o seu filho único a
começar sua vida de adulto e que ele não metesse o
bedelho nisso.
Mas a última coisa que Dinho queria era ver os pais
brigarem por causa de besteira. Ok, eles brigavam pra
caramba e depois sumiam por dias, enfiados no segundo
andar da livraria... Ele preferia não pensar no que faziam,
mas sabia que não ficavam lendo. A verdade era que
sempre tinha metros e metros de corda no banco traseiro
da picape do pai e, com certeza, não era para laçar os
bezerros.
— A senhora não se importa se eu levar a Zoe pra
me ajudar?
Queria que a moleca fizesse parte disso. Talvez
fosse para lá que a levasse daqui a alguns meses depois
que fossem morar junto. Talvez também fosse melhor que
ela soubesse dessa sua ideia.
— Claro que não, mas ela detesta fazer compras,
acho até que nem é mulher. — brincou.
Dinho sorriu, concordando. Aquela menina linda só
sabia estudar e treinar, e era a tia quem comprava suas
roupas de acordo com os gostos da filha. Zoe não era
dondoca de fazenda, como Alessandra, por exemplo, ela
era realmente uma garota do campo. Ah, cacete, que
saudade.
Despediu-se dos pais e ganhou o pátio frontal da
casa, sacando em seguida o celular.
No quarto ou quinto toque, Zoe atendeu a ligação
com uma voz sonolenta:
— Bom dia, minha moleca. — disse ele, todo cheio
de amor.
Do outro lado da linha, ela tentava abrir os olhos,
seus cílios estavam grudados por que o rímel à prova d
´água não saía de jeito nenhum.
— Estou presa dentro dos meus olhos! — quase
gritou.
— O que foi?
Em seguida, o tom de sua voz mudou, e a resposta
saiu com um risinho:
— Nada sério. Bom dia, safadinho. Dormiu bem?
— Péssimo. Quero passar uma noite inteira com
você.
— É só ajeitar o chalé, levo minha escova de dente
e o Ewan.
Ele fechou a cara.
— Nada de vibrador, dou conta do serviço sem
porqueira artificial.
Ouviu a risada rouca e os pelos de sua nuca se
eriçaram.
— Vamos comprar uns trecos no centro hoje?
— Não posso, vai com o Lorenzo.
Frustração tinha um nome: Dinho. E sobrenome:
Romano.
— Por que não pode ir?
— Tenho meus próprios compromissos, ora.
— Que são...
— Que são coisas minhas.
— Por que não posso saber, sou o seu namorado. —
sentiu-se um idiota depois de falar.
— Deixa de ser idiota. — o tom era o de
divertimento. Mas depois ela completou de um jeito mais
sério e assertivo: — Você ajeita a “sua” casa e, quando
estiver tudo bonitinho, eu levo a minha pessoa para
conhecê-la. Quero um jantar romântico, luz de velas,
música calminha... não, música triste, muito triste, de
arrancar o siso com a mão, e flores pelo chão, pétalas, de
preferência...
Cara de pau essa Zoe, ele pensou.
— Não tem jeito mesmo, sempre se achando a
última bolacha do pacote. — resmungou.
— Sou o pacote inteiro e, se quer comer, siga as
instruções.
Ela fez de tudo para não rir, sentia verdadeiro
prazer em mandar num cara que odiava ser mandado por
mulheres, justamente por que todas elas faziam a sua
vontade. No fundo, queria pular de felicidade. E matar
aula e o treino para passar o dia com ele, comprar suas
coisinhas para o chalé, escolher a decoração e deixar a
sua marca no lugar onde o seu caubói moraria.
Mas uma mulher precisava, antes de tudo, educar o
homem que amava. Domá-lo, por assim dizer.
— Por que às vezes é tão cruel comigo?
Zoe sentiu o coração se apertar.
— Perdoa a bruta, ok? — pediu com ternura,
sentada na cama, se sentindo um patacão de bosta de vaca.
— A gente se encontra para um jantar romântico no
celeiro, pode ser? — tentou levar numa boa.
— Claro que sim.
— Põe um vestido bonito, de festa, o mais caro que
tiver.
Pra comer num celeiro?, ela franziu o cenho. Que
jeca! Acontecia apenas que já lhe tinha acertado na telha,
não daria outro golpe, então, concordou.
Ao desligar, Dinho Romano ajeitou o chapéu pra
trás e pra frente, pensando com os botões de sua camisa
xadrez: “Vai ver o que te espera, ô Trakinas metida à
besta”.
***

Era uma loja que vendia de tudo um pouco, isso em


se tratando de móveis, eletrodomésticos e eletrônicos. O
lugar era imenso, dois andares de pura tolice, pensou
Dinho, tendo ao seu lado Lorenzo Romano como ajudante
e conselheiro no ramo das geladeiras.
Antes de se aventurar a ser um “dono de casa” de
verdade, ele tivera de se embrenhar no meio do mato atrás
do potro doido. Durante duas horas, liderara um grupo
com oito vaqueiros. Uma empreitada que lhe rendera
alguns arranhões na cara ao não conseguir se desviar dos
galhos mais baixos das árvores, mas que, por outro lado,
fora um sucesso justamente por que ele sabia o que fazer e
onde procurar.
Mas até encontrar Sonhador, tivera no processo sua
camisa rasgada e o jeans sujo de terra, além de um
pássaro exótico, desses que só se via dentro do matão, ter
cagado na sua cabeça. Ele lavou os cabelos de qualquer
jeito à beira do rio, mas não o encharcou, então a coisa
toda secou meio à louca, e agora os fios loiros, grudados
em mechas largas, se pareciam com uma peruca de
espantalho assustado ou que fora ligeiramente
eletrocutado.
Assim, sujo, machucado e com cabelo de doido
varrido, ele entrou na loja tendo ao seu lado o
representante fiel de um caubói de Dallas montado na
grana, filho de exploradores do petróleo. Lorenzo Romano
não podia estar mais limpo, perfumado, penteado e bem
vestido do que naquela manhã de verão. E Dinho se
perguntava se ele era realmente da mesma família.
Contudo, em seguida, se lembrou de que o primo fora
adotado.
O gerente chamou a atenção de uma vendedora
peituda, a funcionária do mês, que sempre se dava bem
com a clientela masculina, e esse “se dar bem” era
convencer um trouxa a levar um produto ruim como bom.
Uma morena bonita que tinha um fraco por caubói, o que
significava que ela tinha um fraco por, pelo menos, 80%
dos homens de Santa Fé.
Assim que notou o meneio discreto de cabeça do
seu chefe, ela olhou em direção aos dois vaqueiros que
acabavam de entrar e olhavam ao redor como se
estivessem tomando contato pela primeira vez com a
atmosfera de um planeta desconhecido. E, ignorando o
pobre diabo ao lado do figurão, ela se encaminhou
sorridente até o moreno de Stetson branco e sorriso fácil.
Dinho pousou seus olhos na fileira de geladeiras,
parecia que estavam lado a lado para serem fuziladas por
um pelotão de elite. Bufou irritado, aquele lugar não era o
seu ambiente de jeito nenhum. Comprar uma geladeira,
por Deus, feria os brios de um caubói!
E, obviamente, um camarada contrariado não era
nem um pouco charmoso.
— Vim pegar um desses. — disse secamente,
apontando para um modelo simples de refrigerador, que
exibia o preço em promoção no cartaz escandaloso.
A vendedora sorriu com polidez e, dirigindo-se
para o rapaz que visivelmente tinha poder de compra,
perguntou:
— Em que posso lhe ser útil, senhor?
Lorenzo e Dinho se entreolharam, e o primeiro
alçou uma sobrancelha como se dissesse: what that fuck?
Mas foi o loiro quem respondeu:
— Preciso de uma geladeira, pode ser esta aí
mesmo. Onde pago? — simples e direto. Era só comprar e
cair fora.
Ledo engano.
Ela tentou disfarçar a repulsa e desconfiança pelo
estado lamentável de um homem tão lindo e sexy, que,
possivelmente, fosse um caubói alcoólatra ou drogado.
Como era mocinha educada da cidade, apenas sorriu
como quem sorri para um cliente pé de chinelo, voltando-
se novamente para o caubói bem de vida:
— Temos um modelo fantástico que combina com
homens modernos, 380 litros de capacidade e o melhor,
não precisa descongelar. — e ela os deixou diante de uma
geladeira duplex de aço inox e, como se estivesse
mostrando uma obra de arte, continuou a explanação
decorada no treinamento da empresa: — É como se o
futuro chegasse primeiro na sua casa, pois, para se ter
água gelada, o caubói aí não precisará nem abrir a porta,
basta usar o dispenser de água giratório.
Ela expirou o ar como se sentisse verdadeira
admiração pelo tal dispenser, e Dinho se pegou pensando
em como era a vida daquela mulher tão jovem, bonita,
maquiada e apaixonada por um emprego à base de
comissões.
Por isso sentiu certa simpatia por ela.
— Mas eu gosto da água da torneira com aquele
gostinho nojento de terra.
Ela fez um careta de “aham, sei” e o ignorou.
— A água do dispenser pode ser a mineral, que faz
bem à saúde. — seu olhar procurou novamente o de
Lorenzo. — Sei que quer o melhor.
Mas ele apenas sorriu, divertia-se com a situação,
ainda mais por que a garota menosprezava quem
realmente era o ricaço entre os dois. Era engraçado, e
Lorenzo tinha o mesmo senso de humor cruel e sagaz do
seu pai, Natan Romano. Deixou o barco navegar
docemente em direção ao abismo.
— Claro que sabe. — sorriu, molhando os lábios
com a ponta da língua, como se falasse sobre sexo.
Dinho queria dar o fora e encerrou a brincadeira.
— Ô moça, quero a geladeira mais simples que
tiver, sou macho e não preciso de frescura, ok? Bebo água
do rio, do açude e até do bebedouro das baias, esse treco
na porta não me importa. Vou pagar à vista no cartão de
débito e levar na caçamba da minha picape. Onde, diabos,
pago essa porqueira?
Então a funcionária ergueu uma sobrancelha a
Lorenzo como se dissesse: é ele o cliente?
E o moreno tornou a sorrir em resposta,
completando com simplicidade:
— É isso aí, Dinho Romano, herdeiro da maior
fazenda de Santa Fé.
A vendedora ponderou se o cliente ainda compraria
o produto de sua loja depois de ter sido menosprezado.
No entanto, ela não sabia que Dinho, mesmo sendo rico,
tinha a alma simples de um homem rústico. Afinal, seus
pais o criavam para ser uma pessoa do bem.
***

Eram quatro da tarde, enfim, quando Dinho


encontrou Herodes num boteco de quinta com a cara
enfiada no copo de cachaça. De longe percebeu que
aquele ser humano estava em petição de miséria, mas se
tinha espancado alguém, era a si mesmo, ou a vida o
espancara duramente como fazia à maioria das pessoas.
Sentou-se na cadeira diante dele e esperou que
erguesse a cabeça e o notasse. Assim que o fez, disse:
— A corda vai estourar pro seu lado, cara, quando a
polícia não encontrar o cretino que espancou a filha do
Werner. Então me conta tudo em detalhes, desde a hora em
que acordou e abriu a porra dos olhos.
E ele contou tudo.
Era igualzinho ao que Max já sabia.
Herodes acabava de ser descartado como suspeito
no caso de espancamento da filha de Werner. Logo, ele
não iria para a Bolívia.
Às sete da noite, Dinho olhou para o seu relógio de
pulso e sorriu consigo mesmo, estava na hora de fazer
compras no mercado para o jantar romântico com Zoe no
celeiro.
Quando se amava uma mulher, de verdade, era
preciso mostrar a ela o quanto se era homem, homem o
suficiente para merecê-la.
E domá-la.
Capítulo 16

Se fosse um casal normal, que não tivesse de viver


um romance às escondidas, ele teria buscado Zoe em casa,
ou melhor, caminhado alguns passos no tempo de cinco ou
seis minutos, atravessado um portão enorme e batido à
porta, talvez nem isso. Acontecia, no entanto, que eles não
eram um casal normal. E o amor que viviam naquele
momento pedia discrição e bom senso, por isso Dinho
esperava Zoe chegar ao celeiro.
Havia um inconveniente em se usar aquele lugar: a
proximidade em relação à sua própria casa, uma vez que o
antigo celeiro, abandonado havia anos antes mesmo de ele
nascer, não existia mais.
Horas atrás, ele entrara e trocara as lâmpadas a fim
de atenuar a claridade excessiva das de 100 watts. Não
poderia se utilizar de velas em meio a um mundaréu de
feno seco, o fogo que queria atiçar era dentro de Zoe e
não pela fazenda inteira.
Era um lugar grande aquele, todo de madeira, as
portas pesadas se fechavam com correntes grossas que
passavam por dois buracos nas tábuas. Não era um
ambiente que sugerisse romantismo e por isso mesmo fora
escolhido por ele. Entretanto, ao longo do dia, a vontade
de dar uma lição na metida havia sucumbido à saudade e
ao desejo. E, assim, a ideia inicial de comprar salame,
queijo e levar duas canecas de vinho para destoar do
vestido chique o qual pedira que ela usasse se dissipou.
Menosprezar o encontro dos dois para que Zoe entendesse
que ela não era a rainha do Egito ou o diabo que fosse
sucumbiu à medida que as horas foram passando. E ela,
Zoe Bernard, começou a crescer dentro dele como um
segundo corpo, tomando-o por inteiro.
Então agora Dinho empilhava dois fardos de feno a
fim de servirem como mesa e estendeu a toalha branca que
pegou da gaveta do armário do casarão. Ele não tinha
toalha alguma em casa. Na verdade, o chalé continuava
sujo e com teias de aranha, além de ter uma geladeira
desligada no meio da sala.
Sentou-se sobre um dos fardos, que serviria de
cadeira, e começou a preparar o jantar.
Lorenzo sugerira que oferecesse algo leve e chique
como uma tábua de frios, dissera inclusive quais deles
escolher, como arranjá-los e servi-los. Ele sabia quase
tudo sobre gente sofisticada, pensou Dinho, distribuindo
vários tipos de presunto, lombo canadense cortado e
salame italiano em rodelas, além de fatias de queijos
prato, provolone e mussarela, azeitonas, palmito, pepino
em conserva e dois potes de cerâmica com patê de ricota
com ervas e de tomate seco. Como acompanhamento,
seguira também a sugestão do primo, que sabia como
ninguém se portar como um cara civilizado, e decorara a
tábua de frios com palitos de parmesão e torradas de
canapé.
Escolhera um vinho tinto bem caro, não o comprara
no supermercado, preferira visitar uma casa de vinhos
cujo dono era amigo do tio Natan, que o auxiliara na
escolha da bebida perfeita em relação à refeição.
Particularmente Dinho detestava vinho, bebia
cerveja e chope. Mas em Santa Fé também existiam
caubóis que não eram brucutus como ele. Lorenzo, por
exemplo, conhecera os Estados Unidos e a Europa nas
viagens com o pai e o padrasto da ocasião. Ao passo que
Dinho se negava a sair da cidade onde nascera e, assim
como Vince, odiava gente americana. Não era
preconceito; era raiva do avô paterno por tudo que sabia a
respeito de John Hartmann, que descansava na suíte
presidencial do inferno.
O cheiro do perfume de Zoe alcançou-o antes dela.
Ergueu a cabeça e depois o corpo para encontrá-la à
entrada do celeiro. Ela vestia uma roupa simples, um
vestido branco, sem alças, comprido até os joelhos, botas
de couro, e o cabelo estava displicentemente solto.
A primeira coisa que lhe falou foi:
— Não pus uma roupa de festa, porque achei que
estava zoando com a minha cara. — disse com um
sorrisinho, mas ao ver a preparação romântica do
ambiente, o sorriso se transformou num ricto de pesar,
algo como “ops, pisei na bola!” — Mas pelo visto você
estava falando sério.
Admirou os cálices sobre a mesa improvisada com
a tábua de frios ladeada por um vasinho com flores
brancas, além das mantas cobrindo os fardos de feno
como se fossem sofazinhos.
E como se não bastasse o celeiro ter-se tornado o
cenário, rústico e aconchegante, para um encontro
romântico, ele próprio, Dinho, estava lindo na sua típica
roupa escura, barbeado, cheiroso e com o cabelo preso
num rabo-de-cavalo baixo.
Ele não conseguia falar. Buscava as palavras,
respirava-as e quase as sentia debaixo da língua, mas tudo
era Zoe, era possível que estivesse de boca aberta. No
minuto seguinte viu-a correr em sua direção e se jogar nos
seus braços. Abraçou-a, dando dois ou três passos para
trás. Enfiou o nariz na dobra do pescoço dela e a girou no
seu colo.
— Tá linda! Parece uma camponesa inocente. —
brincou, apertando-a contra si.
— Mas eu sou uma camponesa inocente, — ela
afastou a cabeça e o fitou com olhos de luxúria, dizendo
numa voz arrastada: — que será molestada no celeiro do
malvado patrão.
Dinho arqueou uma sobrancelha com ar malicioso.
— É essa a sua fantasia?
— Hoje, sim. Tenho um arsenal delas, se quer saber.
Ele baixou a cabeça e, antes de beijá-la, assentiu
com a cabeça dizendo quase num sussurro:
— Vou mostrar a você que a realidade pode superar,
e muito, a imaginação.
Separou-lhe os lábios com os seus, como quando
afastara suas coxas com seus joelhos e, mais uma vez, a
penetrou fundo. A língua prendeu e sugou outra língua, e a
mão segurou-a na nuca para que a boca, de carne firme e
macia, aprofundasse o beijo.
Ela subiu os braços para os ombros dele e o
envolveu no pescoço, não conseguia pensar, organizar os
pensamentos para tentar entender tudo o que sentia sendo
beijada de modo apaixonado e altamente sexual.
O beijo terminou, e Zoe suspirou profundamente,
olhando ainda para a boca do caubói, viu inclusive
quando se formou um sorriso preguiçoso.
— Muita fome?
— Não faz ideia do quanto. — a garota respondeu.
Ele a pôs no chão e ajeitou o cabelo dela, uma
mecha se rebelava grudando no restinho de batom que
resistiu ao beijo.
— Amanhã vou ajeitar o chalé, e você passará
noites inteiras comigo. Quero acordar e vê-la ao meu
lado.
Ela sorriu encantada.
— Talvez acorde comigo em cima de você, o que
acha?
Sorrindo amplamente, puxou-a para um abraço
forte.
— Por Deus, preciso de motivo pra me gabar de ter
levado você pra “minha” cama. — riu-se e teve a mão
pega pela dela e conduzida pra debaixo do vestido. Ele a
encarou, surpreso e satisfeito, perguntando enquanto dois
dedos a tocavam intimamente: — Hum, se esqueceu de
vestir a calcinha?
Deixando escapar as palavras com a respiração
pesada, Zoe assentiu e falou aos tropeços:
— Toda vez que estivermos juntos saiba que estarei
sem calcinha... — parou para puxar o ar e gemeu: —
Ahhhh... delícia... enterra fundo, os dois, os dois dedos...
Vaiiiii...
Obedeceu-lhe e rebateu numa voz grossa de desejo:
— Nada de calcinha, mas também nada de botas.
Quero ver os seus pés, Zoe.
Ela sorriu e se afastou, encurvando o corpo para
puxá-las, cada uma, do pé. Depois ergueu um pouco a
barra do vestido e levantou a perna, exibindo o pezinho
com suas cerejas nas pontas dos dedos. O esmalte
vermelho brilhava e o hipnotizava.
Dinho se abaixou e pegou seu pé, roçou o maxilar
na parte de cima dele, deslizou-o até o queixo, e seus
lábios entreabertos beijaram-lhe a curva seguindo pelo
contorno. Depois acariciou os vãos entre os dedos, uma
carícia de seda, úmida e lânguida.
Ao ter cada dedo sugado com delicadeza, ela
precisou se escorar na coluna de madeira mais próxima
que encontrou.
Deitou a cabeça para trás e deixou o ar escapar
pelos lábios entreabertos, ressecados, gotículas de suor se
formavam pouco abaixo do nariz, e ela se continha para
não tocar em si mesma. À medida que ele lhe chupava os
dedos e pressionava com uma mão cada ponto debaixo do
pé enquanto a outra subia pela sua panturrilha, arrastando
apenas as pontas dos dedos sobre a pele macia, sentia
uma contração aguda no clitóris. Queria tocá-lo para
minimizar o flagelo de prazer.
— Meu coração tá pegando fogo. — gemeu alto, a
respiração ofegante.
Dinho estava tão concentrado em saborear aquela
parte do corpo dela, a qual lhe era verdadeira tara, que
não a ouviu.
— Quando estiver comigo não use botas, Zoe, por
favor. — pediu-lhe, agora, encarando-a debaixo para
cima.
— Como faz isso? Eu não sabia que os meus pés
eram uma zona erógena... — balbuciou, aturdida.
Mas ele também se concentrava em outra parte do
corpo feminino. Como havia erguido a perna e estava sem
roupa íntima, os olhos do homem se fixaram no sexo nu, e
as mãos abandonaram o pezinho no chão e se
embarafustaram pra debaixo do vestido.
Afastou-lhe os lábios vaginais e encontrou a carne
rosada, molhada, o botão inchado se projetava para
receber a sua boca.
Ela se escorou completamente para trás, batendo as
costas contra as portas fechadas. Com o baque seco, a
carícia acabou.
Dinho se ergueu e a tomou nos ombros, abraçando-
a.
— Vamos devagar, ok? A gente mal se vê e já
começa a sacanagem, assim não dá, um pouco de sensatez
não mata ninguém.
— Engraçado você dizer isso, — disse ela numa
voz abafada contra a camisa dele. — tá de pau duro, e eu
louca pra dar, aí vem com essa conversa de sermos
sensatos. Nunca seremos sensatos, Dinho Romano. Somos
bichos que nascemos pra montar um no outro, por isso
amamos tanto cavalos.
Ele riu com a boca contra o topo da cabeça dela.
— É verdade, moleca, somos iguais. — e,
afastando-se para encará-la, completou brincando: — O
que nos torna dois narcisistas.
Sorrindo, Zoe rebateu:
— Sou louca por você.
— Eu também sou muito doido de amor, dona
moleca, e agora vou alimentá-la e pôr um pouco de álcool
nas suas veias para depois atear fogo em você. —
declarou com um sorrisinho malicioso.
Ela o tocou na bochecha com o dorso da mão, um
carinho terno sem conotação sexual.
— Quero muito provar esse seu jantar tão chique e
moderno.
Viu-o baixar a cabeça, sem jeito, era incrível que
tivesse deixado as bochechas daquele bruto vermelhas,
mas depois que ele se fingiu de indiferente, dando de
ombros, olhando assim meio de lado, envergonhado, ela
teve certeza de que o elogio o desconcertara, isso porque
normalmente era elogiado por ser um excelente domador
de cavalos, um bom filho e um caubói lindo e gostoso.
Quem diria que também sabia caprichar num jantarzinho
romântico?
— Sabe o que dizem dos caubóis de Santa Fé?
Ele fez uma careta engraçada e resmungou:
— Boa coisa não é.
— Claro que não, bando de jecas! — ela riu do
franzir de cenho dele: — Ok, no fundo, você estava
esperando um elogio, eu sei. Mas a verdade é que os
homens daqui se acham demais, quase se lambem na frente
do espelho, então fica difícil elogiar, sabe? Mas você,
apesar de também se sentir “o fodão gostoso”, é o meu
docinho mais imprevisível do mundo.
E, mais uma vez, ele franziu o cenho.
— Obrigado pelo suposto elogio, mas não entendi
essa voz de retardada.
Ela lhe deu um tapa no ombro e riu:
— Mulher apaixonada usa as palavras no
diminutivo, seu bobo, e o pior, não presta atenção na aula
e quase cai do cavalo no treino.
— Mas não pode, Zoe. — o tom de voz agora era
severo. — Vem, vamos comer e conversar sobre sua falta
de atenção.
Ele a pegou na mão, conduzindo-a até a mesa e
cadeira improvisadas.
— Me preocupa muito saber que pode sofrer uma
queda grave, sabe o quanto é perigoso cair do cavalo.
— Dinho, representante legal de Max Bernard,
acaba de baixar no terreiro. — debochou, sentando-se
diante dele.
Do outro lado da mesa, ele falou enquanto servia os
cálices de vinho.
— Não é isso, sempre me preocupei com você e as
meninas, isso não vai mudar só por que... — parou de
falar, procurando escolher a palavra certa para se deixar
claro.
— Por que agora tá me comendo?
Ele a encarou, e ela enrolava um presunto defumado
para, em seguida, enfiá-lo na boca.
— Não, não é isso. Quis dizer, agora que somos
namorados. Sou assim, Zoe, acha que gosto de me
preocupar com umas fedelhas?
— Que você come?
— Que é isso? — ele a olhou, chocado. — Não
“como” fedelhas, você tem a mente muito podre, ô
Bernard.
Zoe riu com vontade.
— Nunca pensou em fazer sexo com a Lolla?
— Chega, ok? — arqueou as sobrancelhas como
sempre fazia quando lhe dava uma bronquinha de leve. —
Finge que estamos nos conhecendo agora e tenha um
pouquinho de pudor e educação, se não for pedir muito.
Não sabe o quanto gastei com essas merdas todas aí.
— Uau! Seja bem-vindo de volta ao corpo, Dinho
Grosso-Romano! — espezinhou.
— Se quer saber, foi o Lorenzo quem escreveu num
papel o que eu tinha que comprar. Aliás, nunca pensou em
fazer sexo com ele?
Encarou o semblante sério e arrogante e, antes de
mandar uma resposta certeira bem no meio da cara dele,
molhou os lábios com a ponta da língua.
— Delicioso.
Dinho fechou ainda mais a cara.
— Quem?
Ela estreitou os olhos perigosamente e respondeu:
— Essa porra toda que o Lorenzo fez pra mim.
— Ele não fez. Aqui nessa mesa só tem bicho morto
nos servindo.
— Oh, então, terei mais prazer em comer.
— Ótimo, porque a palavra de hoje é “prazer”. E só
começou. — falou com raiva, trincando os maxilares.
— Espero que sim, porque vim com tudo pra gozar,
uivar pra lua e ganir toda molhada, não quero menos que
isso, porque sou uma Bernard, meu anjo, e tenho fogo para
a corporação dos bombeiros de três estados, não tenha
dúvida disso.
Ele se pôs de pé muito puto da cara e falou grosso:
— Mas então eu vou te foder é agora! Larga esse
queijo e levanta a bunda daí. Não me desafia, nem ponha
em dúvida a minha macheza, Zoe Bernard, você não sabe
o que um Romano é capaz de fazer dentro de um celeiro
com cordas à vontade.
Ela se ergueu e o seu corpo parecia pronto para
atacar.
— O machão que beijou meus pés. — debochou.
— E beijo de novo, lambo, chupo, gozo nos seus
pés e depois farei o mesmo com a sua boceta, com sua
bunda e esses peitos cretinos que estão sempre me
encarando e pedindo pra entrar na minha boca. —
despejou as palavras com muita raiva, a cara amarrada, os
punhos cerrados.
E, no mesmo tom de voz, ela rebateu:
— Vê se dessa vez me deixa te chupar, seu idiota!
Ele contornou a mesa de feno e a puxou pelo
antebraço, dizendo entredentes:
— Tira o vestido antes que eu rasgue todo!
Ela o esbofeteou forte na cara, a cabeça dele virou
para o lado com a intensidade do tabefe, depois disse:
— Da próxima vez, rasga o vestido em vez de falar
feito um bundinha!
Dinho Romano a puxou pelo cabelo, beijando-a com
selvageria, paixão, loucura enquanto suas mãos subiam,
pegavam e apertavam-lhe as nádegas, sem deixar de
pensar com certo prazer maldoso nas coisas boas e ruins
que faria a seguir com a safada.
Capítulo 17
— Confia em mim, Zoe?
A voz grave e masculina, muito rouca e baixa,
raspava com o hálito morno de vinho a parte detrás da sua
orelha.
E isso também a excitava. Não apenas ter os pulsos
juntos e amarrados por uma corda grossa de vaqueiro,
presa à outra que se enroscava ao redor da viga de
madeira no teto, mas ainda por que Dinho juntava seus
tornozelos e os atava para que suas pernas ficassem bem
juntas, coxa com coxa, coladas.
Ela respirava pesado e devagar, observando cada
movimento do homem que fazia o que tinha que fazer com
a seriedade de alguém que cumpria um plano
meticulosamente traçado.
O modo como ele agia começou a deixá-la nervosa,
um nervosismo que tinha muito de excitação e um pouco
de receio; afinal, sua posição vulnerável não a permitia se
proteger do que pudesse vir a lhe acontecer. E ela fazia
questão de estar no controle da situação.
— Por que essa pergunta?
Dinho se pôs novamente de pé e, ficando atrás dela
para soltar o seu vestido, respondeu com naturalidade:
— Não quero que fique tensa, só isso.
A roupa escorregou para o chão.
— Mas quem tá presa sou eu, logo é você quem não
confia em mim. — falou secamente.
Ao que ele se voltou e a encarou com um leve
sorriso.
— Acontece que você é uma potranca arisca que
quer dominar o seu domador, por isso mesmo precisamos
trabalhar essa parte da “confiança” entre nós.
— Não sou um animal.
— Pra mim, é uma égua gostosa.
— Me respeita ou meto a mão na tua cara. — disse
entredentes.
Dinho sorriu amplamente e, por Deus!, seu pau ficou
mais duro ainda.
— Depois eu deixo você bater em mim à vontade,
mas antes vou sugar toda a sua energia de selvagem
fogosa.
— Traga os bombeiros, porque talvez só você não
seja capaz.
Ele a olhou de cima a baixo. Os cabelos
desgrenhados, o olhar petulante e desafiador, os lábios
úmidos, os seios pequenos e empinados, os bicos duros, o
ventre magro e liso, o sexo entre as coxas magras, as
pernas torneadas de pele suave que terminavam nos mais
perfeitos pés. Mas não se abaixaria novamente para beijá-
los. Ela havia sacaneado com a sua devoção ou tara ou
fetiche ou...Cacete!, amor pelos seus pés!
Deu um passo para trás, avaliando o próprio
trabalho e disse solenemente:
— Tá preparada, meu bichinho do mato? —
ironizou com um sorrisinho.
Zoe sentia o sangue correr forte nas veias, conhecia
aquele homem e sabia o quanto ele detestava ser
contrariado, tinha o gênio ruim, era um macho alfa como
os donos da fazenda, e ela sempre o desafiava até o
limite. Agora, pelo jeito, ultrapassara-o.
Mas ela também era do mesmo calibre, uma fêmea
alfa em seu apogeu, antes da vida sequer tentar neutralizá-
la com a maternidade, por exemplo, transformando-a em
leoa, claro, ainda selvagem, porém vivendo através da
cria e não mais do seu próprio e orgulhoso ser.
Estreitou os olhos perigosamente e, mal separando
os lábios, falou:
— Sabe o que vai te acontecer quando me soltar
daqui, não é?
Ele a olhou demorado mantendo um sorrisinho
arrogante no rosto. Em seguida, deu-lhe as costas e, por
cima do ombro, falou com displicência:
— Tenho um plano para essa parte também.
Viu-o abrir uma caixa de madeira e retirar um par
de luvas, daquelas que os vaqueiros usavam para arrumar
as cercas e lidar com tarefas pesadas. E, quando ele
voltou para perto dela, o sorriso havia desaparecido.
— Quero que entenda que violento não é o sexo em
si, violento ou selvagem, tanto faz os nomes; violento
mesmo é o amor que sinto por você, é ele que me deixa
louco e com ideias loucas... como agora. — ele se pôs
atrás dela e, sem pressa, de acordo com o suspense que
queria lhe causar, levou suas mãos enluvadas até o tórax
feminino, sem tocá-lo, baixando-as sutilmente para
roçarem na ponta dos bicos dos seios. A boca perto da sua
nuca lançou as palavras sussurrantes: — Quando
consertava a cerca hoje, minha cabeça estava longe, me
arranhei, me machuquei, porque via você deitada na
grama, nua e se oferecendo pra mim, e eu largava tudo, me
enfiava fundo em você enquanto levava seus tapas na cara,
o que me deixava mais doido, a cabeça quente de tesão
como um bicho no cio.
Ela puxou todo o ar e depois o deixou escapar pela
boca num gemido alto e longo, quando sentia a aspereza
da luva agora se esfregando nos seus mamilos.
— Pode fazer o que quiser comigo, sem limites... —
disse junto com a respiração pesada.
— Por isso, por você ser assim, estou
enlouquecendo. — ele falou numa voz infeliz, de lamento.
Ele desceu suas mãos enluvadas pelo contorno do
corpo dela, não queria pressionar a pele e machucá-la, era
uma luva de trabalho, podia arranhar feio, mas também
precisava deixar suas marcas em Zoe. E foi o que fez.
Ela pôs a cabeça para trás, o corpo suspenso pela
corta atada no teto, e apertou a boca para não gritar ao
sentir as ancas raspadas pelas luvas, com a pressão de
quem queria ver o efeito delas. Mas, no minuto seguinte, a
gratificação e o delírio. Suas pernas fraquejaram e se não
fossem as cordas a segurá-la, ela teria caído no chão
quando um dedo se enfiou dentro dela até o fundo, o
tecido friccionando a entrada de sua vagina, cutucando e
socando até parar antes do punho fechado.
Parou de respirar para senti-lo preenchendo-a, um
elemento estranho dentro dela, que incitava os
movimentos de vaivém enquanto a outra mão segurava-a
por trás, no traseiro, para firmar a penetração.
Seu corpo balançou no gancho, os pés quase saíram
do piso rústico de tábuas e, quando Dinho abocanhou o
bico do seu seio, já sensibilizado, e o sugou e o lambeu ao
mesmo tempo em que enfiava dois dedos encobertos pela
luva, Zoe ardeu em chamas, puxou forte os pulsos para
baixo, machucando a pele e a cortando. A dor a alcançou
como o orgasmo o fazia, deixando-a fora de si.
— Mais! Quero mais! — implorou numa voz
rascante.
— Aperte as coxas... Vamos, bem juntinhas... — ele
ordenou junto ao seu ouvido. — Fecha as pernas ao redor
da minha mão, vamos! — o tom era de rispidez.
Tentou obedecer-lhe, tentou mais de uma vez, mas
instintivamente afastava as pernas e puxava os braços
para baixo.
— É uma pena, terei de usar da técnica da doma
tradicional. — e, assim que falou baixinho, com os lábios
praticamente beijando-a no lóbulo da orelha, ele retirou
os dedos e os enterrou novamente nela. — Uma égua
dominante não pode ser domada apenas à base de
carinhos.
Ele enrolou uma mecha grossa dos cabelos de Zoe,
torceu-a ao ponto de repuxar o couro cabeludo, e a trouxe
para trás num movimento que a fez virar a cabeça e ter os
lábios novamente cobertos pelos dele.
Beijou-a apaixonadamente, sorvendo cada canto de
sua boca, capturando e mantendo enroscada em sua língua
a dela. Sem deixar de retirar os dedos de sua boceta,
agora tão fundos, movendo-se pra frente e pra trás,
descansou o punho rente ao clitóris que recebeu a fricção
do tecido rude da luva.
Vê-la arfar e gemer implorando para ser possuída o
deixava ainda mais faminto por ela. Teve de se obrigar a
se afastar para que impedisse de meter e gozar antes da
hora, antes de sorvê-la aos poucos, torturantemente, do
jeito que gostava, um pouco de Zoe nas veias, um tipo de
homeopatia para viciados.
Ao notar que ela atingia o clímax, separou-se do
corpo quente, ouvindo um gemido de frustração.
— Quero que sinta na pele todo o amor que tenho
por você.
Era uma frase bonita, ela pensou, mas dita de modo
suspeito.
Tentou acompanhá-lo com o olhar, embora estivesse
atordoada, tomada por uma chuva elétrica de sensações e
isso a confundia, todo o seu raciocínio parecia em pane.
Contudo, ele desapareceu do seu perímetro de visão.
Quando voltou, não estava só.
Parou diante dela, trazia um dos braços para trás
nas costas.
— O quanto sentir de dor é o quanto eu amo você.
— falou bem devagar, fitando-a intensamente. — No
entanto, assim que atingir o seu limite, basta dizer o meu
nome que eu paro.
Ela sorriu, pendurada na corda, os joelhos moles
como gelatina.
— Daqui a pouco não sentirei mais os meus braços,
e para alguém que goza ao sentir dor é muito ruim.
Ele devolveu-lhe o sorriso, acrescentando um toque
de sarcástica crueldade:
— Daqui a pouco você sentirá tudo... até vontade de
não sentir dor.
E, antes que ela chegasse a uma conclusão sobre o
comentário, ele se pôs atrás dela, ergueu-lhe o cabelo e a
beijou na nuca.
Ficou arrepiada.
Ouviu o barulho do fecho baixando, mas não o da
fivela caindo no chão, concluiu então que ele não estava
se despindo totalmente. Um ou dois segundos depois, teve
a resposta à sua dúvida. Um braço enrodilhou-lhe a
cintura, firmando-a para trás enquanto o pau a penetrou
deslizando com suavidade e força à medida que ele
deslocava o quadril para ajeitá-lo dentro dela sem feri-la,
embora não deixasse de socar até o fundo com pressão.
— Um pouco de amor... — ele gemeu numa voz
carregada de desejo.
Fodeu-a um pouco. Em seguida, afastou-se dela.
Pouca coisa, era verdade. Mas a distância suficiente para
que ela notasse a movimentação atrás de si. A dor fina e
rascante a fez se curvar para frente, mas não podia, não
conseguia se mover, presa nas cordas, então engoliu o
grito de pavor, susto e extremo prazer ao receber a
chicotada na bunda.
— E um pouco de dor. — ele concluiu, erguendo o
chicote e o estalando mais uma vez nela. — Essa é a doma
tradicional.
Zoe apertou os olhos, as lágrimas escorriam, e o
sumo na vagina a encharcava, não queria pensar que era
louca, desequilibrada mentalmente, só queria que ele
deitasse aquele pedaço de couro na sua pele e tirasse
sangue.
— Estou longe de gozar... — provocou-o com uma
voz cheia de luxúria.
Ele sabia que ela mentia.
Lançou a tira de couro para trás e a arremessou
novamente contra as nádegas que se retesavam a cada
estalada.
— Diga o meu nome que eu paro, Zoe. — avisou
mais uma vez.
Não agora. Não agora que cada músculo se estirava
e se encolhia, pulsava, latejava, vibrava. Não quando sua
carne clamava pela queimação e os seus ossos se batiam,
joelho contra joelho, tremiam, tudo nela se separava e se
juntava, a liga era a dor com prazer, a comunhão de todas
as sensações, todas, ardendo em brasa.
— Mais! — ordenou, deitando a cabeça para trás,
empinando os seios e entregando-se ao amante. — Você
pode mais, Armando.
Era o seu nome, mas não parecia. Ele o estranhou.
Ela chamava um estranho que lhe era íntimo e familiar;
chamava o seu homem.
O couro marcou-lhe outro risco fino e vermelho.
Gritou e se mexeu com violência nas cordas.
— Pede que eu paro, Zoe!
Ela tinha que lhe obedecer, porra. O traseiro
judiado e também a parte detrás das coxas.
Quem sabe com a doma racional?
— Meu amor... — começou, abraçando-a por trás e
a beijando na nuca, por cima do cabelo: — apenas diga o
meu nome.
Ela riu alto, gargalhou.
— O domador tá sendo domado pela égua
selvagem.
Ele tirou o canivete da bota e se pôs diante dela.
— Domou o meu coração, você venceu.
— Você tá jogando, Dinho.
— Essa é a merda de crescer com a mulher da sua
vida. — disse sorrindo e, em seguida, ergueu-se o
suficiente para romper a corda acima da cabeça dela.
Zoe caiu de joelhos no chão, as mãos a protegeram
da queda e a firmaram, deixando-a numa posição
vulnerável, de quatro.
— Antes que se recupere plenamente...
Ele disse ao se deixar cair de joelhos e puxar o pau
do jeans. A mão espalmada sobre as costas de Zoe desceu
para o contorno da cintura e ficou ali, dando firmeza para
a forte arremetida para dentro dela.
Zoe recebeu a investida abrupta com surpresa, não
se preparou para a estocada dura, o corpo foi para frente
como se tivesse levado um empurrão daqueles, as pernas
ainda estavam atadas nas cordas, prensadas uma na outra,
então ele entrou com o mastro grosso e grande por um
buraco comprimido que se contraiu ao ser violentamente
invadido. Mas logo depois o aro ao redor do pau se
contraiu e a boceta deslizou ao redor dele pra frente e pra
trás. Segurando-a agora com as duas mãos nos ombros
dela, puxava-a para si enquanto metia até o talo, as bolas
se acomodando contra as nádegas quentes e ardidas.
Ele a fodia como um animal, gemendo baixo,
ganindo com os maxilares duros, o couro cabeludo se
enchendo de suor, descendo pelas têmporas, metia, metia,
socava forte, o barulho da penetração ecoava no celeiro,
as coxas se batendo, os ossos se chocando durante a
cópula agressiva.
— Essa bocetinha me deixa maluco... — apertou o
lábio inferior com os dentes frontais até sentir o gosto do
sangue
Zoe deitou a cabeça no chão erguendo totalmente a
bunda para ele, mal conseguia respirar, faltava ar e água,
transpirava muito por todos os poros tornando a pele
escorregadia.
— Come o meu cu... come com força!
Ela só podia ser louca, ele pensou, fodendo-a na
boceta.
Bateu, bateu e bateu o pau até senti-lo pressionado
pelas contrações vaginais, o ventre de Zoe estremeceu e
ela liberou um grito gutural. Seguiu com as estocadas até
ele próprio gozar, retirando o pênis e ejaculando nas
costas e cabelo dela.
A garota deixou-se escorregar para o piso seco com
farpas de feno e grãos de terra, deitou com a cabeça de
lado e esperou o temporal no seu corpo abrandar.
Dinho se esticou ao seu lado, já vestido na calça,
escabelado, a camisa por cima do jeans, amassada.
Respirava ofegante e seus olhos estavam vermelhos,
congestionados.
— Você é foda, Zoe. — disse sério, fitando o teto.
Ela fechou os olhos, queria terminar de sentir a
despedida do gozo, o cheiro de Dinho havia-se grudado
na pele.
— E você me fode bem demais.
Por um momento ficaram sem se falar, ele temeu que
acabassem se transformando naqueles casais sem assunto,
que só se encontravam realmente para trepar, íntimos
desconhecidos. Mas era só mais uma de suas paranoias.
— Arruma o chalé logo que quero dormir
abraçadinha em você. — falou com meiguice, olhando
para ele.
Escorando-se em um cotovelo, encarou-a fixamente
e declarou:
— Vou conversar com os seus pais e contar que
estamos juntos.
— Tem certeza?
— Você não quer?
— Quero que me assuma pra Santa Fé inteira! —
exclamou sorridente.
— É o que farei, mas começaremos pelo pessoal de
casa, aqui é que mora o perigo.
— Eles vão aceitar numa boa, você vai ver.
Dinho tinha as suas dúvidas.
— Isso não importa.
— É mesmo?
— O que podem fazer? Me expulsar da fazenda?
Não corrompi ninguém.
— Tirou minha virgindade, ora. Meu pai confia
em você, e olha o que fez: comeu a filha dele.
— Tá de brincadeira, né? Só pode.
Ela riu com vontade e se arrastou até ele, beijando-
o no pescoço.
— Vamos voltar a comer?
Recebeu um olhar desconfiado, mas antes que
pudesse lhe dizer que a fome vinha realmente do seu
estômago, o som de uma sirene acompanhada pela
oscilação em vermelho de um giroflex, chamou a atenção
de ambos.
— Fica aqui, amor, que já venho. — falou Dinho.
Saiu do celeiro, enquanto ela se soltava das cordas
e procurava o vestido e as botas. De repente sentiu uma
dor intensa no estômago e, mesmo que sua pele ainda
ardesse por causa do chicote, a contração estomacal era
mais forte. Uma dor que se assemelhava a uma sensação
ruim, um pressentimento. O fato era que não sentia
realmente dor, era um incômodo cheio de angústia que a
devastou por alguns minutos.
Ao voltar, ele declarou sério e assustado:
— É a porra de uma ambulância.
O coração de Zoe tropeçou e voltou a se endireitar.
— Na minha casa ou na sua?
Os joelhos tremeram. Qualquer uma das casas seria
o terror. Pensou na vó Virgínia e na vó Margarida, as
mulheres mais velhas. Mas podia ter acontecido algo com
a pequena Ava, um bebê agitado que aprontava das suas
pelo casarão.
Oh, não, meu Deus! Um susto, apenas um susto,
um mal-entendido...
— Na sua casa, Zoe. Vamos pra lá!
Ele a abraçou com força e a beijou na testa.
Voltaram correndo, de mãos dadas, deixando para
trás o que haviam vivido no celeiro.
Ao chegar, pouco antes de alcançarem o chafariz,
Zoe já sabia que uma tragédia havia deitado suas asas
nojentas sobre os Bernard.
Capítulo 18

À medida que eles se aproximavam da ambulância,


estacionada em oblíquo ao pé da escadaria do casarão,
Dinho sentia a musculatura do seu abdômen se contrair,
disfarçava a tensão, embora apertasse a mão de Zoe com
força. E somente soube disso quando ela se voltou para
ele e disse:
— Você sabe que algo terrível aconteceu, não é?
Ele mal mexeu a cabeça para os lados, em negativo,
a garganta seca.
— Eu sei que sabe, a sua mão agarrada na minha é
sinal de que teremos que
ser fortes, foi assim quando o Sam morreu.
Sam foi o único cão que os Bernard tiveram, nunca
o substituíram, a família não conseguiria se habituar a
outro animal doméstico. O vira-lata fugira durante uma
tempestade de raios, atravessara a fazenda desesperado
debaixo de uma chuva torrencial, atravessara cegamente a
BR-163 e se fora. À época, Dinho pegara a sua mão, forte
assim, e contara que o haviam encontrado adormecido,
descansando do medo atroz dos trovões.
Agora não chovia, mas as luzes da ambulância cada
vez mais perto, indicou-lhes que precisariam ser fortes.
Uma voz ressoou zangada atrás de ambos:
— Onde vocês dois estavam, hein?
Era Valentina de braços dados com a sogra.
— No celeiro, mãe. — respondeu Dinho
automaticamente.
Ela se voltou para Zoe, respirou fundo e abrandou o
tom de voz ao lhe falar:
— Vinte minutos atrás, a vó Virgínia sofreu um
infarto. — vendo a expressão de terror da neta mais velha,
ela se adiantou a acalmá-la: — Zoe, minha lindinha, ela tá
viva. Isso é o que importa. Agora a ambulância vai levá-
la para o hospital e terá todo o suporte para se safar
dessa, ok? — tentou sorrir, não conseguiu.
Dona Margarida, de noventa e poucos anos, tirou os
óculos de grau e limpou as lágrimas que lhe toldavam os
olhos.
— Foi inesperado. — balbuciou. — Sou bem mais
velha que ela... Como isso é possível? A Virgínia nunca
fumou...
Valentina apertou seus ombros, trazendo-a para si a
fim de confortá-la.
— Acontece, merdas acontecem. — em seguida,
voltou-se para o casal e determinou: — Filho, fica com a
Lana, aquela menina ainda vai ter um troço, sabe o quanto
ela é agarrada à avó. — viu-o assentir, sério, e se virou
para a afilhada: — Amoreco, vamos tentar dar suporte
para a sua mãe. É provável que o cão de guarda dela não
nos deixe chegar perto.
Valentina era amiga de Max desde antes de Pink
começar a trabalhar na livraria, assim, as brigas com
quem ela considerava uma “peste” vinham de anos atrás, e
a amizade profunda entre os dois também.
— O que foi, tia?
— Desde que a Pink encontrou a mãe gemendo no
quarto, como se estivesse tendo um pesadelo, o Max meio
que fez um cerco ao redor dela.
— Como “um cerco”?
O modo como tia Valentina falava, cuidando as
palavras que usava, e, mais do que isso, sabendo o quanto
o seu pai era neurótico quanto à saúde mental da esposa,
uma preocupação — aos olhos da família, exagerada, a
deixou apreensiva à espera do que ouviria a respeito.
— Ele chamou a ambulância e não deixou a Pink
chegar perto da mãe. Mentiu pra ela, inclusive, que a
sogra acordou e foi caminhando para o banheiro vomitar.
Ou seja, Zoe, ele minimizou o que realmente tá
acontecendo.
Dinho se voltou para olhar a movimentação diante
do casarão e viu quando a ambulância acelerou, pegando
a estradinha em direção à porteira principal, seguida pela
picape do tio.
— Mas a tia Pink tá com ele agora, não? —
perguntou, tentando ver se alguém estava sentado no banco
do passageiro.
Vince achegou-se e tinha Ava no colo. A pequena
grudou-se no pescoço do tio, a testa na sua bochecha, os
olhos arregalados.
— Uma parte da família fica aqui, com as meninas
mais novas, e a outra segue para o hospital com a Pink e o
Max.
— Fico com as garotas. — ofereceu-se Dinho. —
Me dá a Ava aqui.
O pai estendeu-lhe o bebê, que, imediatamente,
aconchegou-se ao seu pescoço, deitando a cabecinha e
bocejando.
— Vou para o hospital com vocês. — disse Zoe,
recebendo em seguida o olhar tenso do namorado.
— Tem certeza? Fica comigo...quero dizer, conosco.
— atrapalhou-se.
Mas ela estava irredutível.
— A Lolla tem problemas com hospital, ela pira, se
sente mal, e a Lana é uma criança ainda. Preciso ficar com
a minha mãe e apoiá-la. Além do mais, — a voz falseou,
mas ela conseguiu se recuperar: — ela é a minha vozinha,
minha segunda mãe, o meu amorzinho.
Parou de falar, os olhos transbordaram de lágrimas,
a dor era diferente, a dor da alma não lhe dava prazer,
matava o tempo de sua vida.
Antes que ele pudesse puxá-la para um abraço,
Valentina o fez, trazendo-a para o seu corpo forte, de mãe
de todos, abraçando-a inteira e a confortando com
palavras carinhosas.
Quando Zoe abraçava Valentina, diferente da
fragilidade do corpo de sua mãe, ela tinha a impressão de
que abraçava uma espartana, a comandante de um exército
de mulheres guerreiras e, ao mesmo tempo, dramáticas.
Vince era seco em se tratando de sentimentos. Não
queria sucumbir à melancolia, já que a possibilidade de
outra morte na família o lembrava do buraco em seu peito,
ainda aberto, que era a ausência do pai adotivo.
— Vamos então. — disse abruptamente,
incentivando-as a encerrar o abraço e se pôr na estrada.
— O Lorenzo tá vindo para o casarão, e o Natan seguirá
para o hospital. — avisou o filho.
Ele assentiu concordando e perguntou solícito:
— Telefono para o tio Fred?
Vince ajeitou o chapéu, os anos passavam e ele e
Fred ainda tinham as suas diferenças, desde a época em
que o mais velho quisera vender a Rainha do Cerrado e
internar o próprio pai numa clínica geriátrica. Ele não
conseguia enterrar o passado, derrubar pás de terra sobre
o ocorrido, o tempo não curava feridas profundas, apenas
abrandava o latejamento.
— Ele tá viajando. — respondeu apenas, satisfeito
por não ter que mentir.
Dinho endereçou um longo olhar para Zoe, estendeu
o braço e lhe fez um carinho no rosto. O fato de serem tão
próximos havia anos os protegia de seus gestos de
intimidade. Podiam ser melhores amigos ou amantes,
andavam de mãos dadas e frequentavam um o quarto do
outro, ninguém da família acharia estranho. Porque, na
verdade, o amor deles era assim mesmo: entre amantes
que também eram melhores amigos.
Atreveu-se a puxá-la para um abraço, encaixando-a
debaixo do seu braço, visto que com o outro segurava o
bebê.
Zoe chorou agarrada nele.
***

Lorenzo conseguia espantar nuvens escuras e


tubarões do mar. Mesmo sério, sua personalidade serena
parecia afetar as pessoas ao seu redor, ele passava
tranquilidade.
Conversou amenidades com Lana e depois pediu
para ver seus novos quadros. Ela o levou até o estúdio
que dividia com a avó pintora e, ao entrar, caiu no choro,
sendo, em seguida, abraçada pelo amigo.
Os homens da família Romano eram totalmente
dependentes dos caprichos e vontades das mulheres, mas
também lhes eram o suporte nas horas difíceis e o porto
seguro para se acalmarem após as batalhas da vida.
Sabiam que viviam num mundo masculino e, reduzindo-se
esse mundo a Santa Fé, viviam numa cidade
conservadora, machista e atrasada. Porém, a Rainha do
Cerrado era um feudo isolado desse mundo hostil e
injusto.
Agora ele via o seu primo se desdobrar para
levantar o ânimo de uma garota de 13 anos cuja melhor
amiga e mentora artística (quem sabe, até espiritual) era a
sua vó, a mesma que domara a própria esquizofrenia havia
anos.
— A gente morre traída ou pela cabeça ou pelo
coração. — filosofou Lolla, sorvendo a latinha de
cerveja.
Dinho a olhou demoradamente, considerando se a
enquadrava pelo delito de ser menor e ingerir bebida
alcoólica ou se ignorava a atitude que o pai da garota
certamente desaprovava. Apenas Zoe tinha permissão
para beber e, ainda assim, com moderação. O que ela nem
sempre fazia.
— Larga essa cerveja e para com essa conversa de
maconheira.
Lolla o fuzilou com o olhar.
— Deus, como você é jeca! A gente não consegue
nem conversar direito. — reclamou.
— É só parar de beber que converso com você. —
determinou; depois, ajeitou Ava no colo, deitada sobre o
seu braço e disse: — Vou por essa gordinha no sofá, não
quero que fique sozinha no berço.
— Espera! Estamos com problemas, a Ava anda
mijando na cama. — disse, pulando da banqueta e se
dirigindo à escadaria. — Vou buscar um colchonete para
forrar o sofá.
— Ok.
Lorenzo descia os degraus com Lana abraçada a ele.
— Vamos ficar todos juntos na sala, a qualquer
momento podemos receber uma ligação do hospital. —
disse à Lolla.
— Preciso ver uma coisa. — respondeu, por cima
do ombro, subindo correndo o resto dos degraus.
— Vamos, Lolla, sai do personagem e para de
bancar a rebelde!
Dinho apareceu à base da escada ao ouvir o tom
ríspido do primo.
— O que foi, cara?
Mas Lolla antecipou-se a ele e respondeu com
sarcasmo:
— Outro jacu besta dando o seu pitaco. Olha só, ô
“Romanada”, tenho 17 e posso tomar conta das minhas
irmãs. Peguem seus cavalos ou jegues e se mandem para o
hospital.
— Estou aqui por causa da Ava. — defendeu-se
Dinho.
Rapidamente, Lorenzo se justificou:
— E eu da Laninha.
— Bom, como ninguém tá aqui por minha causa e
também não sou médica espiritual, vou para o quarto ler.
Adeus, vagabundos!
Deu-lhes as costas e, ao chegar no topo da escada,
virou-se e falou para o Romano mais velho:
— O colchonete tá no guarda-roupa da Ava.
Entrou no seu quarto, fechou a porta e ficou
escorada contra ela. Ninguém a compreendia e, de certa
forma, isso era muito bom, uma proteção, um muro
erguido.
Mas a casa estava vazia e o seu coração também.
Não era um vazio por falta de sentimento; era um vazio
por falta de sentido. A ficção lhe dava um mundo maior,
rico e mais colorido, mas não a protegia das pancadas da
vida real.
Atirou-se na cama e rezou baixinho. E como não
acreditava nas religiões dos homens, conversou com
alguém que devia existir em algum lugar e cuidar de
todos. Só conversou. Precisava desabafar.
Temia perder a mãe e a avó.
Meia hora depois, ouviu uma batida à porta.
— Estou me espiritualizando através de Anaïs Nin.
Favor procurar uma corda e se enforcar, boa noite.
— A gente precisa conversar, Lolla.
Era Dinho.
— Não vou abrir. — balbuciou.
O medo era um monstro que vivia no fundo da
mente.
— Maninha...
— Cala boca, jacu. — falou baixinho, as lágrimas
rolando na face.
O medo era um monstro que roubava a sua vida.
— Ela descansou. — disse ele, por fim. — Abre a
porta.
— Não descansou. Morreu! Vai apodrecer e ser
comida por vermes. E a minha mãe vai ficar louca e o meu
pai vai se matar.
O medo era um monstro que distorcia a realidade.
Um baque alto e a porta se abriu, o corpo forte se
chocou contra a madeira, soltando-a do batente.
Lorenzo não acreditava que palavras resolvessem
uma situação de extrema urgência e caos emocional. Por
isso pediu ao primo para se afastar, ele tinha que agir.
Sentou-se à beira da cama e olhou para a menina em
posição fetal. Respirou fundo e declarou, sem tocá-la:
— O medo é um monstro que nos protege da morte.
Lolla se voltou para ele e assentiu com a cabeça,
concordando. Ainda não estava preparada para falar,
ainda não. Deixou-se levar pelo choro sentindo a própria
mortalidade esmagá-la contra o chão. Por isso também
aceitou que Lorenzo lhe beijasse a testa e, junto ao gesto
de extrema delicadeza, roçasse as pontas dos dedos
seguindo a linha das lágrimas que lhe escorriam pela face.
E quando uma delas chegou ao queixo da garota, ele a
secou com sua boca.
Não a beijou nos lábios, simplesmente a tocou como
alguém que conseguia entender e mergulhar em mentes
profundas e confusas.
Capítulo 19

Zoe acabava de chegar da máquina do café, quando


encontrou os pais abraçados. Parou, absorvendo a
densidade do momento. Assoprou a bebida e tomou um
gole. Precisava dar um tempo a mais aos dois, se alguém
tinha o poder de diminuir a carga de sofrimento da sua
mãe era o pai.
Ao se aproximar, notou um ligeiro afastamento entre
ambos, a mãe tentava se recompor limpando as lágrimas
com o dorso da mão.
— Filha, não tivemos sorte.
Zoe derrubou parte da bebida quente na própria
mão, mas nada sentiu. Percebeu sem muita clareza quando
o pai tomou-lhe o copo descartável e a puxou para um
abraço e agora ele tinha cada mulher, cada protegida sua,
debaixo dos dois braços. E, através dele, as duas também
se abraçaram machucadas por dentro.
— Eu devia estar em casa, me perdoa, mãe.
Pink não chorava mais, era constituída por uma
natureza que clamava ser mãe antes de ser filha. Além
disso, sabia que Max sofria tanto quanto ela, e não apenas
por ter perdido a sogra e grande amiga, mas também por
que ele temia pela sua sanidade. Agora, acima de tudo, ela
tinha de tomar para si a responsabilidade de ser a
matriarca dos Bernard e, por Deus, iria empunhar a
bandeira com dignidade e todo o seu amor pelo marido e
por suas filhas.
— Não podíamos fazer nada, Zoe. Não se sinta
culpada, por favor. Foi um ataque fulminante. — ela parou
de falar, olhou para o marido e depois novamente para a
filha e disse: — Na verdade, ela morreu dormindo, não
foi aqui no hospital. Fizemos um teatrinho para não
assustar as meninas, o quarto da sua avó ia ficar marcado
de forma negativa e, agora, elas terão somente lembranças
boas de lá. Você e a Lolla são grandinhas, mas a Lana é
uma pré-adolescente, tá em formação ainda e era muito
agarrada à avó. — pegou as mãos da filha e a encarou
com obstinação: — Eu, você e o seu pai somos os
alicerces dos Bernard. Tá preparada para essa função ou
terei que exigir da Lolla o que ela ainda não tem
condições de me dar?
De jeito nenhum, pensou Zoe Bernard, secando as
lágrimas e estufando o peito. Esbarrou seus olhos nos
olhos azuis do pai e viu a si mesma neles, não era só o
reflexo, era como se suas almas se tocassem num gesto de
reconhecimento. Amava a sua mãe, mas identificava-se
com o bruto de olhar duro e muitas vezes sarcástico, do
homem que liderava a família mesmo sendo liderado
carinhosamente pela sua mulher.
— Pode contar comigo. — ela disse com
determinação.
Max ouviu o que esperava ouvir da filha mais velha
sem surpresa alguma. Zoe jamais o decepcionara, embora
não fosse perfeita, ninguém era perfeito. Ele não era
ingênuo em acreditar que pais e filhos faziam parte do
mundo da perfeição, uma vez que tal mundo pertencia
somente aos doidos varridos, gente real era imperfeita, o
que não impedia de ser maravilhosa e com qualidades
superiores aos defeitos. Não era apenas na aparência
física que eram parecidos, pai e filha, a personalidade
agressiva e seca, o humor ácido e a falta de tato com as
palavras, todas essas porcarias que os fodiam com os
outros, com a sociedade, afastando-os das pessoas mais
sensíveis, bem, Zoe herdara a parte boa da mãe e toda a
ruim dele. Pobre garota, pensou Max, puxando-a
novamente para um longo abraço.
— Sinto um orgulho danado de você, cabritinha! —
disse a ela, controlando a emoção, era só o que faltava se
desmanchar em lágrimas.
Então, abraçada ao pai, ela deixou de pensar na avó
que acabava de morrer e sua mente rumou direto para a
vida, o tráfego violento da existência e a sua confusão ao
longo da rodovia, e o que viu pela frente foram cenas de
confronto e decepção. Talvez o pai não aceitasse tão bem
assim o seu namoro com Dinho. E não por ser o seu
afilhado, mas por que tudo começara a partir da mentira.
Até mesmo na noite em que a sogra morrera e a filha se
esbaldava no celeiro trepando com o filho de Vince.
Zoe amava Dinho, amava demais. Mas esperava
desesperadamente que o destino não a fizesse escolher
entre ele e o pai.
Porque ela era a extensão de Max Bernard, não
menos que isso. E, como acontecida à sua mãe, nascera
para venerá-lo.
Sim, algumas mulheres eram bem desse jeito. Não
escolhiam o fácil e óbvio, iam além, aprofundavam,
mergulhavam até a raiz da questão. Homens iam e vinham,
amor de homem sucumbia e, algumas vezes, era volátil,
impreciso. Despida de ideias românticas vendidas nas
livrarias e cinemas, cantadas em melodias bonitas ou em
outras nem tanto, o amor real de um homem real não
vencia todos os dragões, os do cotidiano. Quem apostava
todas as suas fichas nos relacionamentos afetivos
simplesmente se fodia, uma hora outra. No entanto, o amor
de um pai, o amor verdadeiro de um pai de verdade,
presente na vida do filho, movia estruturas de aço, se
interpunha a projéteis, vencia o tempo, a falta de dinheiro,
a baixa autoestima, qualquer dificuldade com a suavidade
de um titã. E Zoe jamais abriria mão de ser amada dessa
forma, porque amava o seu pai na mesma medida. Dinho a
ensinara a andar de bicicleta. Max a ensinara a se olhar no
espelho e sorrir satisfeita com quem via, com orgulho e
autoconfiança.
Dois homens fortes. Dois amores brutos.
Para ser feliz, Zoe só via uma solução: a
conciliação. Assim, um dos alfas da Rainha do Cerrado
teria de baixar a crista para o outro.
E ela sabia que não seria um Bernard.

***

Durante a semana que se seguiu, a tônica na fazenda


foi o silêncio circunspecto intercalado por conversas na
cozinha trazendo recordações de um tempo em que a
família estava completa.
O centro das atenções era Pink. E, de repente, ela
deixou de ser vista como uma pessoa, tornando-se uma
espécie de granada sem pino prestes a explodir a qualquer
momento. Valentina insistia para que não fosse trabalhar e
ficasse com Ava em casa. Tentara romper o cerco criado
por Max, quase acampara na sala dos Bernard fazendo
vigília a fim de estar a postos quando a amiga precisasse
dela. A mulher de Vince não acreditava que alguém
pudesse se virar sozinho na vida, sem o amparo de outras
pessoas as quais não tivessem necessariamente o mesmo
sangue, porque ali, naquele pedaço de terra, a herança
genética era o que menos importava. Mas no caso de uma
doença mental parecia que ela era levada em
consideração de modo exagerado.
Lana, por sua vez, também era cuidada com
desdobrado zelo. Paparicada, feitas as vontades e, no dia
seguinte ao enterro da avó, ela se mudou para o seu
quarto. Havia pouca censura no casarão, mesmo que Max
fosse conservador como pai e Pink um tanto autoritária.
Entretanto, o fato da filha ocupar o cômodo usado por
alguém que morrera recentemente não os incomodava.
O que a incomodou foi o comportamento do marido
e o de Lolla. Tirou-a do sério durante um dos almoços de
domingo. Como sempre, ninguém poupava ninguém,
falavam abertamente suas aporrinhações, o lance da
diplomacia ficava de escanteio levando junto qualquer
comportamento de falsa amabilidade. Por isso Romano e
Bernard funcionavam.
Então ela parou de comer, deitou os talheres ao lado
do prato e, de uma das extremidades da grande mesa posta
no jardim dos Bernard, falou solenemente:
— Sei que esperam que eu desaba ou comece a
ouvir vozes ou dizer que estou sendo perseguida por
alienígenas ou, quem sabe, o espírito da minha mãe,
qualquer uma dessas loucuras. Esta semana foi difícil pra
mim não só por que perdi a minha mãe, o que é
devastador para quem realmente ama a sua, mas essa
perda foi pior ainda, não me deixaram viver em paz o meu
luto. Eu não podia chorar por muito tempo, nem me atirar
na cama sem comer ou me isolar por meia hora que fosse.
Não me deram privacidade para viver a minha despedida
em paz, porque acreditavam que se eu sentisse emoções
fortes imediatamente iria disparar o gatilho do estresse,
logo, a doida aqui, de uma hora para outra, começaria a
delirar. Sei que durante anos eu mesma acreditei que fosse
portadora de algum tipo de gene ruim e que guardasse a
mesma doença mental da minha mãe. — ela se voltou para
o marido e continuou séria: — Mas eu já passei por tantas
provações, já mostrei tantas vezes que sou uma mulher
forte, que, às vezes, me pergunto o quanto lhe é
conveniente pensar que sou frágil. É, Max, fui sequestrada
por um agiota, quase morri nas mãos do seu irmão
bastardo, cuidei e sustentei sozinha uma mulher doente
durante anos, tive quatro filhas e, como se isso tudo não
bastasse, sou a mulher de um camarada tão bruto e
antissocial que metade da cidade tira o chapéu pra mim, e
sabe por que, né? Em reverência por eu suportá-lo.
Max sorriu levemente, e Vince sabia que aquela
parte do discurso de Pink fizera um bem danado para o
ego dele. Era um ogro em toda sua forma e apogeu,
orgulhoso de ser mal-educado, estúpido e rabugento. Pink
não mencionara que a outra metade de Santa Fé o amava e
idolatrava.
E foi ele mesmo quem fez a pergunta a ela,
recolhendo rapidamente o sorriso:
— Aonde quer chegar com isso?
— Aqui mesmo. Quero que pare de me tratar como
se eu fosse uma boneca de vidro ligeiramente retardada.
Estou farta do seu excesso de proteção, ele me sufoca e
me irrita. Preciso de um tempo pra mim, não sou só mãe e
esposa; sou uma pessoa que tem as suas necessidades
individuais e uma delas é a solidão. Não consigo nem
mais pensar que você pergunta “o que foi?”, “por que tá
com esse olhar parado?”, “se abre comigo”. Não, não
quero me abrir, desabafar ou o diabo. Só quero ficar
quieta num canto até a poeira assentar. E isso é pra você
também, Valentina. — ela se voltou para a amiga que a
encarava seriamente, ouvindo o seu desabafo: — A nossa
amizade é foda, mas você sempre se colocou no lugar de
minha protetora e nunca percebeu que não pedi a sua
proteção, sempre quis e tenho é a sua amizade. Só que
você e o Max estão me deixando louca, o problema não é
a minha genética, é o ambiente, vocês brigando entre si
por minha causa. E, no entanto, por mim, eu fugiria é dos
dois!
Vince continuou comendo serenamente, seguido por
Lorenzo que, em momento algum, levantou a cabeça do
seu prato. Na verdade, o patriarca dos Romano acreditava
que sua esposa, para variar, exagerava em relação à
proteção de sua sócia e amiga de longa data. E era como
se ela visse Pink não como uma mulher adulta e sim como
aquela garota de 17 anos que um dia lhe fora pedir
emprego. Humm, isso já se configurava como um padrão
de comportamento, pois era esse o maior problema entre
ela e Dinho: Valentina não aceitava as mudanças que o
tempo fazia com as pessoas.
— Acho que eu devia ter tido mais filhos como
você, assim me manteria mais ocupada e não ficaria me
metendo na sua vida. — disse Valentina com um sorriso
sem graça.
Mas Pink estava determinada a pôr fim numa
questão, então não podia ouvir o coração dizer para
deixar pra lá.
— Talvez tenha razão.
Instalou-se então uma atmosfera de tensão e
constrangimento.
Zoe olhou para Dinho, que havia sentado na cadeira
à sua frente, e esboçou um sorriso fraco como se dissesse
“puta merda, que droga”. Ao que ele piscou o olho para
ela, sério.
— Ou talvez a gente esteja se desgastando à toa,
Tina. — afirmou Max, encarando a amiga. — Parece que
não temos vida própria, cercando a madame Bernard e
nos preocupando com besteira. Talvez seja melhor ela
cuidar de si mesma.
Pink se voltou para ele e disse:
— É isso mesmo que quero.
— O que tá esperando? — indagou ele com ironia:
— Corra para o quarto, se tranca e chora o seu luto. Não
vou bater à porta e perguntar se precisa de mim, nem
preparar uma bandeja com suco de maracujá ou te puxar
para deitar na rede comigo. A Tina também vai cuidar da
vida dela, aquela livraria tá uma bagunça e precisa de
uma boa reforma. — ele inclinou o corpo para frente,
como se fosse contar um segredo para ela, que estava do
outro lado da mesa: — Eu e a Tina somos dois idiotas
bem-intencionados, isso sim. Mas agora a senhorita pode
“curtir” o seu luto sozinha, realmente não vejo motivo pra
me preocupar com a sua saúde mental, expos muito bem
os seus argumentos.
Lolla notou claramente a nuvem escura se aproximar
por sobre o casarão, voltou-se para a irmã e declarou:
— Vamos arejar o almoço de domingo, ouve essa,
Lana. A menina chega e diz pra mãe: “cansei de brincar
com o vovô. Aí a mulher fala pra filha com todo aquele
seu carinho maternal: “Tá bem, querida! Guarde os ossos
no caixão, escove os dentes e vá dormir!”
Assim que contou a piada, ela caiu na gargalhada. E
durante alguns segundos tudo o que se ouvia era isso,
apenas isso, Lolla rindo muito.
Max saiu da mesa, contrariado, pensando no quanto
se dava, se entregava e ainda assim não era o suficiente.
Estava irritado com a esposa, irritado ao ponto de pegar
uma muda de lençol e dormir na sala.
Vince se voltou para Valentina e a pegou mexendo
na comida, demonstrando com o gesto que havia perdido o
apetite. Apertou-a no joelho e a beijou na orelha. Ela
retribuiu com um sorriso fraco.
Zoe tentava entender o comportamento da irmã,
sempre excêntrico e desproporcional, o seu humor
raramente cabia ao momento. E, além da falta de noção,
era ela, Lolla, quem mais se divertia com o que falava.
Como agora enquanto ainda ria, vertendo lágrimas dos
olhos.
Ao olhar para Lorenzo o viu sério, concentrado nos
seus próprios pensamentos. Ninguém havia gostado do
desfecho da piada.
Em especial, a mãe de Lolla.
O luto de Pink se encerrou naquele momento. Foi
ali, durante aquele almoço, que ela realmente velou e
enterrou a mulher que havia tornado a sua infância e boa
parte da adolescência um verdadeiro inferno. E as marcas
que deixaram nela nem a morte as apagavam.
— Vá para o seu quarto, Lolla, pensar na merda que
acabou de dizer. — disse ela calmamente.
Acompanhou com o olhar a filha se levantar,
contornar a mesa e, de cabeça baixa, entrar no casarão
rumo ao segundo andar.
Ao voltar a atenção à mesa, bateu seus olhos no
olhar preocupado de Valentina. Realmente estavam se
preocupando com a pessoa errada, ambas o sabiam.
Capítulo 20

— Tá vendo essas calhas? — perguntou o loiro,


apontando para os cochos no final do telhado. — Estão
cheias de folhas, entupidas, vou ter que limpar tudo. E
sabe aqui em cima? — o outro fez que não com a cabeça,
e ele continuou: — Tem cada buraco que mais parece uma
peneira! É só cair uma chuvinha pra encharcar os meus
móveis, não sou rico, não tenho como comprar tudo de
novo.
Lorenzo ajeitou o seu chapéu, que deslizava para
trás por causa do suor na testa, e falou:
— Você é rico, sim, e mão de vaca também.
— Meus pais é que são ricos, eu mesmo só tenho
agora essa casinha e um pedaço de terra, nem a picape é
minha... O meu salário é igual ao dos peões. O tio Max
queria me promover a domador, minha grana ia dobrar,
mas o seu tio Vince não aprovou.
Lorenzo riu e comentou:
— Aquele lá é osso duro de roer.
Dinho se sentou sobre as telhas e sorveu um bom
gole da bebida antes de dizer:
— Acho que ele é durão comigo por que não quer
ter um filho boiola como o tio Natan tem.
— Vá se foder, palhaço! — exclamou Lorenzo,
bem-humorado, aproveitando para jogar a lata de cerveja
vazia no primo.
Dinho riu e ergueu um pouco o pescoço para ver, ao
longe, Zoe e Lolla se aproximarem a cavalo, cada uma na
sua montaria. A mais nova vestia uma blusinha regata
branca, short jeans e botas.
— As garotas chegaram.
Lorenzo voltou-se para trás e, em seguida, pulou
dos últimos degraus da escada para o chão.
E só então Dinho se permitiu pousar os olhos na sua
namorada.
Ficou de pé sobre uma das vigas do telhado e
ergueu a aba do chapéu para ter uma boa visão da cena
que se desenrolava diante dos seus olhos. Zoe também
usava o seu chapéu escuro e velho, um pouco puxado para
trás, boa parte do cabelo castanho se atirava por cima dos
seus ombros. O vestido era leve e curtinho e, como estava
sentada sobre a sela, a barra erguida revelava boa parte
das coxas, e o resto ele nem precisava imaginar, era só
buscar na memória. E podia apostar seus tostões furados
que ela também pensara nele ao se vestir, ao trocar as
botas pela sandália de salto baixo, que expunha totalmente
os seus pés.
Gemeu baixinho ao vê-la inclinar o corpo e retirar
uma das sandálias, guardando, em seguida, o par na bolsa
que usava atravessada na frente do corpo. Zoe era danada
de atrevida, atiçava-o sem medir as consequências, sabia
que ele era um camarada de sangue quente, fogo dentro
das veias, não se brincava com gente assim quase bicho.
Agora, por exemplo, só de vê-la mexendo o quadril
montada no cavalo, ele já se imaginava sendo a sua
montaria e tê-la se sacudindo sentada, bem enterrada, no
seu pau. Não tinha problema algum em tê-la na cama numa
posição de domínio. Inclusive, se ela sentisse prazer em
machucar, além de sentir dor, cederia com prazer o
chicote para ser usado contra o seu lombo. Queria fazer
de tudo com ela, em todos os lugares, amá-la de todas as
formas e trepar à exaustão.
Limpou com o dorso da mão as gotas de suor na
testa, tirou o chapéu e deixou o vento morno jogar seu
cabelo para trás, refrescando-lhe a face. Por dentro,
queimava e ardia.
***

Zoe convidou Lolla para ajudar com a arrumação do


chalé. O clima no casarão não estava o dos melhores.
Assim que o pai e a irmã saíram da mesa, cada um
arranjou uma desculpa e o que fazer para se mandar. Aos
poucos a mesa foi ficando vazia, e ela não sabia para
onde ir. Até que Dinho a convidou para conhecer o seu
novo lar e Lorenzo resolveu que o acompanharia. Nada
mais justo então que levar Lolla, na maior deprê do
mundo, para arejar a cabeça cavalgando um pouco e rindo
das reclamações de Dinho quanto à sua habitação à beira
do rio que, à tardinha, atraía um exército de pernilongos.
Cavalgaram em silêncio, Lolla havia-se fechado em
concha, remoendo coisas que se remoíam quando se era
magoado. Ela nutria franca preferência pela mãe, embora
fosse mais paparicada pelo pai. Contudo, eram visíveis
certos traços de personalidade em comum entre as duas:
eram sagazes, de humores ácidos e instáveis
emocionalmente. Além de dividirem a paixão pelos
livros.
— Ei, irmãzinha, não liga pra bronca da mãe, ela
estava de cabeça quente por que teve que bater de frente
com o pai e a tia. Sabe o quanto ela detesta brigas, acho
que o estresse pela morte da vó a deixou mais sensível,
sei lá. Não sei muito bem fazer análises de
comportamento. — completou, rindo sem jeito.
Lolla puxou as rédeas de Camaleoa, sua égua
manga-larga de quatro anos, a fim de emparelhar com o
cavalo da irmã e, voltando-se para ela, disse com
naturalidade:
— Projeção, Zoe. Aquilo que aconteceu no almoço.
— Como assim?
— Era só uma piada idiota, mas, pra mãe, foi como
se eu tivesse lido a mente dela, entende? Ela sofreu muito
com a perda da vovó, mas também se libertou totalmente
da sombra da sua doença, quero dizer, no fundo, ela tá
feliz.
Foi a vez de Zoe parar o seu animal e encarar Lolla,
incrédula com o que acabava de ouvir:
— Tá brincando, né? A mãe não tá feliz por que a
vó morreu, pelo amor de Deus, não viaja!
— Não sou eu quem tá “viajando”, culpe a
Psicologia e a Psicanálise. Isso é fato, e se chama
projeção. Quando eu contei a piada sobre os ossos do
vovô, simplesmente verbalizei os sentimentos da nossa
mãe, que, na verdade, não tá irritada com o pai ou com a
tia; ela tá irritada consigo mesma, por que tá vivendo um
conflito, um puta conflito que não entende. Como aceitar
que se livrou de um abacaxi? Não faz essa cara, não.
Pensa bem, durante todos esses anos o pai ao seu redor
com medo de ela se abalar e sair da casinha, justamente
por que tínhamos uma esquizofrênica estabilizada debaixo
do nosso teto. Agora, ela tá morta, enterrada e longe de
nós. Acabou então. Acabou a esquizofrenia, o espelho na
cara da mãe mostrando o seu possível futuro, a nuvem
escura sobre ela e o pai. Aí eu tiro sarro da morte, e ela
fica puta. Sabe por quê? Culpa. Culpa de estar feliz
depois de ter se livrado de um peso. Você vai ver o quanto
a nossa mãe vai mudar daqui pra frente, escuta o que estou
falando.
— Não sei de onde tira essas ideias, nem quero
saber. A nossa mãe perdeu a pessoa a qual cuidou e amou
a vida inteira. Não tem nada de inconsciente e o
escambau. Eu vi ela sofrer e chorar no hospital, sei que
continua sofrendo e jamais ia querer perder a própria
mãe. — ela parou de falar, estava chocada com o que
acabava de ouvir da irmã, era pesado demais pra suportar.
— Acho que você precisa de terapia, Lolla.
Excentricidade tem limite, e acho que a sua já alcançou o
nível de algum desvio de conduta ou síndrome, não sei o
nome dessas porras, mas você sabe.
Lolla sorriu um sorriso amável, generoso e quase
alegre antes de falar:
— Isso que eu tenho se chama “sinceridade nua e
crua”, é raro hoje em dia, minha irmã, por isso que
incomoda tanto.
— Pode ser sincera à vontade, mas não faça
julgamentos apressados. Nada é tão simples como parece,
principalmente no que se refere aos sentimentos e à perda
de pessoas próximas. Em outras palavras, Lolita, não
julgue para não ser julgada.
Assim que alcançaram o caminho que dava acesso
ao chalé, Lolla disse:
— Mera constatação não é julgamento.
— Guarde a constatação ou o que for pra si mesma.
— Por quê? Por que tem medo de que a realidade
não seja tão bonitinha quanto espera? — ironizou.
Zoe bufou alto antes de declarar com rispidez:
— Não, tenho medo de que pensem que você herdou
a maluquice da nossa vó, só isso.
Então ela percebeu que foi longe demais. Mas já era
tarde para se arrepender. Era impossível apagar o que
havia dito e buscar as palavras no ar para pô-las
novamente dentro da boca, engoli-las. Suspirou
profundamente ao ver o olhar assustado e entristecido da
sua irmã mais nova.
Que merda!
— Tem razão. — ela disse, impassível. — É uma
doença que tá relacionada ao fator hereditário e pode
começar a indicar os seus primeiros sintomas agora na
adolescência. Sim, também posso ter a “marca” da
loucura. Não é interessante? O cérebro mais privilegiado
da família é o mais maluco.
Mas assim que falou, caiu na gargalhada.
E Zoe ficou olhando para ela longamente. Não era
nada interessante e sim terrível. Imaginar que a tal
sombra, dita por Lolla, voltasse a sua casa, a conviver
com sua família, parecia-lhe como um pesadelo que nunca
acabava.
Pararam os cavalos debaixo de uma sombra,
apearam e foram recebidas por Lorenzo.
— E aí? Tudo bem com os Bernard?
Ela pegou uma vasilha grande com água, que Dinho
deixava por lá, levou até os animais, pois era justamente
para isso que servia, e respondeu:
— Tá tudo estranho, isso sim. Antes de sairmos, o
pai inventou de consertar tudo que estava pendente em
casa, a mãe estava dormindo com a Ava e o que me deixou
de queixo caído: a Lana se trancou no quarto para estudar.
— Hum, realmente, acho que é o caso de vocês se
preocuparem, a Lana pegando nos cadernos, bem, não é
normal. — ele brincou, com um sorrisinho, enquanto
acariciava o lombo do manga-larga. — Já tá na hora de
voltar aos treinos dos três tambores, não, mocinha?
Ele não era o seu treinador nem nada, mas a
acompanhava em quase todos os treinos.
— Não estou com cabeça pra isso, preciso de um
tempo.
— Se não parou de ir à faculdade, pode continuar
treinando.
Lolla se aproximou e parou ao lado dos dois,
dizendo:
— Acho estranho alguém treinar para não competir.
Lorenzo deu-lhe um beijo na bochecha em
cumprimento e falou:
— Sua irmã precisa ter fé em si mesma.
— Caramba, gente! Semana que vem volto aos
treinos e, em seguida, me inscrevo no próximo torneio
regional.
— Acho que ouvi essa frase ano passado.
— É, eu também. — disse a irmã em desafio.
Tinha que concordar com os dois, estava realmente
empurrando com a barriga a sua estreia nas provas. A
questão era que se sentia insegura para encarar as
veteranas nesse esporte. Contudo, sabia que para se
adquirir experiência tinha que se praticar, e não apenas na
fazenda, sua zona de conforto, e sim em uma competição
profissional.
— A gente começa a engatinhar e depois a caminhar
quando se sente preparado, — começou Dinho, vindo em
direção a eles. — e com todo o resto também é assim.
Quando a Zoe sentir que chegou o seu momento, ela pega
o cavalo e vai pras provas. Nada de pressão, ok?
Ele caminhava devagar gingando a cintura. O jeans
apertado e sujo, a camisa ao redor da cabeça e um
mundaréu de músculos empurrando pra cima a pele
tostada pelo sol.
Precisava disfarçar o rebuliço de emoções e
sensações que a deixavam atordoada. Eles estavam
namorando escondido. Mas a saudade era tanta que temia
se entregar, fazer algo que levantasse suspeitas dos outros.
Ele parou e pôs as mãos nos quadris, olhando-a de
cima a baixo.
Dinho era sexy?, ela se perguntou, sorrindo feito
uma tonta.
Sim, muito. Principalmente, quando lhe dava uma
encarada daquelas, aquecendo seu corpo com o olhar e
deixando os lábios desenhados num esboço de sorriso
sacana.
Gemeu por dentro, as mãos pegaram discretamente
o tecido do próprio vestido e o amassaram na vã tentativa
de se conter.
— O jacu aí tá fedendo que é o diabo!
— Não gosta de cheiro de macho, não, Lolla? —
ele debochou.
— Se fedor é virilidade, o gambá é macho alfa, meu
querido.
Dinho se aproximou ainda mais, e Zoe começou a
declamar mentalmente a tabuada do 6, pois se fosse a do
5, não haveria desafio algum e ela já estaria agarrada
nele.
— O chalé tá quase... — Lorenzo não conseguiu
terminar de falar, até tentou, mexeu a boca... mas nenhum
som saiu. Na verdade, saiu sim, um “puta que pariu” bem
baixinho.
Sem qualquer aviso, Dinho cobriu a distância que o
separava de Zoe, estendeu o braço e, enganchando a mão
na sua nuca, puxou seu rosto em direção ao dele, seus
lábios se encontraram num beijo profundo. O outro braço
rodeou-lhe a cintura e a trouxe para junto do seu quadril.
E, depois que a mão detrás do pescoço dela desceu para
as costas femininas, ele a apertou forte dando-lhe um
abraço altamente erótico.
Lolla imediatamente se voltou para Lorenzo e
perguntou:
— Você sabia que eles estavam juntos?
Ao que o outro respondeu sem deixar de assistir à
cena:
— Mais ou menos.
— Acho melhor a gente se mandar pro chalé, tenho
uma leve impressão de que eles vão se pelar e fazer
coisas aqui no meio do mato.
Lorenzo a seguiu e, antes de entrar, deu uma olhada
no casal e comentou:
— Ainda não me acostumei a ver esses dois de
agarramento.
Lolla já estava no meio da sala devidamente
mobiliada, que precisava de uma boa varrida, quando
disse por cima do ombro:
— Calma que um dia você também terá um caubói
pra chamar de seu.
Era a segunda vez que não botavam fé na sua
masculinidade, pensou ele.
— Ou o dia em que eu te pegar de jeito, ô leitora de
livro pornô.
A leitora em questão nem se deu ao trabalho de
responder, olhou ao redor e, com as mãos nos quadris,
declarou com ar sombrio:
— Uma casa sem livros é como um jardim sem
flores.
Postado à janela, Lorenzo rebateu:
— Ou um corpo sem alma.
— Um coração sem batimentos.
— Nossa, essa foi foda.
— Pois é, dá pra perceber que estamos no lar, doce
lar, de um jeca de Santa Fé.
— Assim falou a esnobe. — concluiu Lorenzo,
acendendo um cigarro sem deixar de encarar o sorrisinho
de Lolla.
Capítulo 21

— Que saudade, moleca! — exclamou Dinho,


tornando a abraçá-la.
As mãos escorreram para debaixo dos seus cabelos,
firmando-se na nuca, enquanto a boca voltava a beijá-la
apaixonadamente. Mas a saudade descambou para a fome
sexual e o restinho de sensatez que, às vezes, o mantinha
nos trilhos não foi capaz de segurá-lo.
Pegou-a pela cintura e a pôs contra o tronco grosso
e nodoso de uma árvore antiga de copa larga. Suspendeu a
garota no seu colo e lhe ergueu o vestido com a mão que,
em seguida, se abriu pra pegar a vagina molhada, pegá-la
toda, e apertá-la.
— Minha gostosa cheia de fogo. — gemeu as
palavras junto à orelha dela.
Afastou-se o suficiente para baixar o fecho do jeans
e pegar o pau. Teve a ajuda da garota, que lhe desceu a
calça e a boxer, cedendo espaço para a movimentação da
mão que segurava o mastro rígido, a ponta úmida, as veias
grossas pulsando, o sangue quente inchando-o e o
deixando pesado.
Zoe soltou um gemido que veio da garganta e saiu
junto com a respiração ao ser penetrada fundo, a dura
maciez preenchendo-a toda, a pressão explodindo dentro
dela e socando, se enfiando e voltando, enquanto ele a
fodia flexionando ligeiramente os joelhos, um braço
sustentando-a debaixo da bunda e o outro ajustado à
cintura feminina para firmá-la na montaria.
Agarrou-se a ele, cruzando as pernas ao redor da
sua cintura. Enroscou as mãos nos cabelos emaranhados,
os fios loiros e lisos aninharam-se em torno dos seus
dedos. A sensação aguda e longa de uma tora em brasa se
enterrando fundo no seu ventre riscou-lhe a pele de
vermelho, a adrenalina jorrava forte nas veias, o prazer
era como um ácido que a corroía por dentro, sem dor, só
poder e poder. Baixou a cabeça e o mordeu no ombro,
abraçando-se a ele, sentindo o gosto do sangue, ouvindo-o
abafar um grito de dor ao apertar a boca pra controlar o
volume da voz.
— Gosta de me machucar, Zoe? — perguntou
ofegante, cutucando-a fundo com o pau.
O corpo dela era sacudido pra cima, os seios
balançavam dentro do vestido fino, o suor escorria-lhe do
couro cabeludo, deslizava pelas têmporas, encharcava as
mechas do cabelo que emoldurava seu rosto.
— Muito.
E não apenas respondeu como se afastou o
suficiente para erguer a mão e esbofeteá-lo.
Dinho a olhou entre espantado e outra emoção que
ela não conseguiu identificar. Parou de fodê-la e retesou
os maxilares.
— Não gozei. — disse Zoe num tom de acusação.
— Pede desculpa pela bofetada. — ordenou,
entredentes.
E ela desferiu-lhe um segundo tapa, agora, na outra
bochecha.
— Empatou. — constatou, arqueando a sobrancelha
em desafio.
— Sabe o que vai empatar agora? — ele indagou
com ameaçadora arrogância.
Dinho a deitou no mato, virando-a de bruços e
puxando grosseiramente o fecho do vestido para baixo.
— Não me deixa pelada, eles podem nos ver lá do
chalé. — Zoe disse, o rosto virado contra a terra
vermelha.
A verdade era que estavam próximos demais da sua
casa e era possível, sim, que Lorenzo e Lolla os vissem
rolando no chão. Mas se eles quisessem presenciar uma
cena de sexo explícito, que ficassem à vontade, tudo o que
Dinho queria naquele momento era tentar mais uma vez
domar aquela potranca safada.
Desceu o vestido até a cintura dela e a ergueu pelos
ombros.
— Qual o problema do meu primo e a sua irmã me
ver te comendo? Pudor, Zoe? — debochou.
— Seu porco nojento, ela só tem 17 anos!
— Ela sabe muito bem como se faz bebês.
— A gente não tá fazendo bebê; a gente tá fodendo!
— Mas vamos fazer muitos bebês, meu animalzinho
selvagem.
A mão grande se apossou de um seio e o apertou,
esfregando o polegar no mamilo até deixá-lo duro.
Ela gemeu forte.
— Sinto sua bocetinha quente latejando no meu
joelho. — falou, raspando as palavras com rouquidão
enquanto roçava o joelho no sexo dela. — O que você
quer, minha xucrinha? Quer que eu acabe com essa tortura
entre as suas pernas, é isso?
Ele enfiou a glande grossa e molhada na entrada
dela, apenas uma ou duas polegadas e parou.
— Quero engolir o teu pau. — ela gemeu,
implorando.
Zoe abriu as mãos e agarrou um punhado de folhas
secas, amassando-as nas palmas, as finas texturas se
quebraram quando ela as esmagou.
— Não antes disso. — foi o que ele disse antes de
acertar-lhe um tapa forte, de mão espalmada, numa das
nádegas dela.
— Oh, Deus!!!! — gemeu baixinho, arqueando a
coluna para trás.
Em seguida, ele enterrou metade do pau e parou.
Não se moveu. Apenas enrolou uma mecha grossa e longa
do cabelo dela, torceu-a e a puxou para trás com força
enquanto a penetrava até o talo, chocando as bolas contra
seu corpo, arremetendo pra frente e pra trás, sem parar,
com força e rapidez, sem deixar de lhe puxar o cabelo,
trazendo a cabeça da garota junto e, com isso, meio corpo
se erguia expondo os seios sujos de terra.
— Sente, Zoe? Sente?
Ele a fodia com violência, puxando-a pelos cabelos
enquanto o resto do seu corpo roçava contra as folhas,
gravetos, pedrinhas e o mato seco, esfolando a sua pele,
queimando-a de dor. E, sorrindo atordoada, chapada de
exaustão sexual, ela tinha que admitir: dor e prazer.
— Sinto um pau enorme arrebentando o meu útero
de égua!
Dinho sorriu um sorriso perverso e meteu mais
fundo, seu quadril batia forte contra o dela, os ossos se
chocavam e o barulho deles podia ser ouvido pela
clareira aberta. Assustavam os pássaros os gritos roucos
que ambos liberaram a cada investida, a cada movimento
de vaivém que se assemelhava a uma luta corporal entre
gladiadores.
— Ainda vai sentir um pau enorme arrebentando o
seu cuzinho de égua. — ele afirmou numa respiração
entrecortada.
Imediatamente, ela contraiu os músculos da vagina,
estrangulando o membro grande, apertando-o em garra.
Dinho a segurou pela cintura e deitou a cabeça para
trás, incapaz de resistir à sensação de morte, boa morte
que o empurrava para o abismo, o orgasmo se
aproximando, toda a sua pele se arrepiava, os músculos se
contraíam, a carne ardia em flagelo.
— Ahh, porra, sou louco por você... Sua danada
filha de uma puta!!!
Ela empurrou a bunda para trás, socando o pau todo
dentro da vagina e balançou a cintura. No minuto seguinte,
uma onda espessa e quente envolveu seu corpo inteiro, da
cabeça aos pés, e ela espichou os braços pra cima
batendo os dedos na raiz da árvore, os bicos dos seios
roçaram na terra, deixou escapar um grito de gozo, de
plenitude, de quem se jogava de um avião e se deixava
cair sem paraquedas. E ela gritou e gritou e gritou,
expulsando do corpo os demônios de fogo que a
perfuravam com seus tridentes.
Antes de deixá-la gozar até o fim, ele a puxou pelo
cabelo e deitou sua boca por sobre o lóbulo da orelha
dela e perguntou com a voz rouca e arrastada:
— Quem é o seu dono?
Zoe respirava alto e forte.
— Não.
Ele estava praticamente montado nas costas dela,
então foi fácil descer a mão e bater na sua bunda, o
barulho seco da palmada se misturou ao das respirações
pesadas.
— Não pode haver dois domadores! Aceita o
cabresto, potranca! Aceita!
— Um domador não implora. — ironizou, voltando
a cabeça para ele e dizendo: — Faça por merecer.
Diabos!, ele a fitou por entre as pálpebras
semicerradas, a sensação de gozo iminente tirava-lhe toda
energia até para abrir totalmente os olhos e pensou:
diabos, diabos, essa mulher foi feita sob medida pra me
foder!
Enterrou fundo o pau e a pegou com força pelo
quadril, comendo-a de quatro, sentindo as contrações dela
ao redor do pênis. Ela liberou o gozo, contraindo-se ao
ponto de quase enlouquecê-lo. No minuto seguinte, Dinho
ejaculou forte e grosso, apertando a boca, as veias
marcando as têmporas, a face inteira desfigurada pelo
prazer.
Retirou-se de dentro dela e admirou com satisfação
o esperma escorrendo pelas dobras da vagina.
Sentou-se no chão e depois se deixou cair para trás,
observando a intrincada teia de galhos das árvores que
cobriam sua visão do céu. Aspirou o cheiro refrescante do
mato e um pouco de terra, delicados grãos entraram nas
suas narinas. As mãos pegaram as folhas do chão e as
largaram a seguir. Nunca usara droga na vida, mas
imaginava que se usasse um troço desses não agiria no seu
corpo nem na sua cabeça como a sensação de fazer sexo
com Zoe. Havia viajado para o mundo dela, onde ele era
tratado como um rei e também era maltratado, e voltava
inteiro, indestrutível e completamente dependente das
vontades daquela mulher.
Ele não era mais Dinho Romano.
Deus do céu! Fora isso que acontecera ao seu pai e
ao tio!
Não, ele não era mais como antes.
Ele era o homem de Zoe Bernard.
Capítulo 22

Lorenzo não deixou Lolla se aproximar da janela,


levou-a para a cozinha e terminou de guardar as compras
que Dinho fizera no supermercado. O que não faltavam
eram latas de comida e de cerveja. Tirou tudo das sacolas
e lhe entregou para que guardasse na geladeira e no
pequeno armário de madeira com duas portas.
No minuto seguinte, o casal entrou de mãos dadas.
Ele olhou para o primo e não sabia o que dizer, coube a
Lolla verbalizar os seus pensamentos:
— Vocês estavam fazendo sexo selvagem no meio
do mato ou lutando contra dragões com duas cabeças?
Dinho tentou sorrir, ainda estava zonzo, voltando
para o mundo real. Tinha na cara a impressão dos cinco
dedos de Zoe, a camisa perdida em algum lugar, marcas
de mordidas nos ombros e, inclusive, unhadas. Além dos
lábios estarem inchados dos beijos brutos e o cabelo
simplesmente um ninho de rato.
E Zoe também parecia vir de um campo de guerra.
O vestido sujo, os joelhos com terra seca grudada, a boca
inchada e com um corte no lábio inferior e o chapéu
escondendo o emaranhado de folhas e pequenos gravetos
misturados às mechas.
— Então você já sabe, Lolla. — ela constatou,
sorrindo levemente.
— O que posso fazer? O troglodita do cerrado se
atracou com você na minha frente, ora. Vocês dois
parecem bichos.
Foi a vez de Dinho sorrir enquanto puxava Zoe para
um abraço e a beijava na testa.
— A sua irmã é irresistível.
— Ah, tá, conta outra, o senhor resistiu por anos,
nem vem.
— Porque eu era um idiota.
Lorenzo jogou uma lata de cerveja para o primo.
— Ué, você continua um idiota. O que mudou então?
O outro fez uma careta e se voltou para a namorada.
— Bebe, minha moleca, não quero que desidrate de
tanto foder.
Ela pegou a latinha da sua mão e, antes de beber,
disse com rispidez:
— Respeita a porra da minha irmã, não fala
sacanagem na frente dela.
Ele se virou para Lolla e perguntou com bastante
seriedade:
— O que você sabe sobre sexo?
E levou um tapa no ombro, daqueles fortes, que
somente Zoe sabia dar. Não adiantou reclamar nem gemer,
o olhar que recebeu também era feroz e o mandava calar a
boca.
— Bom, gente, sinto muito, mas não comento sobre
minhas partes privadas. — disse Lolla solenemente.
Ao que Lorenzo cuspiu a cerveja pelo nariz e,
recuperando-se, perguntou:
— Partes o quê?
A garota se virou para ele e respondeu com bastante
calma:
— Vagina e bunda, lugares onde tudo acontece.
Zoe ficou olhando para a sua irmã, pensando no que
dizer, em sua rasa sabedoria de primogênita. Cacete, ela
era mais velha, mais experiente, tinha que pôr juízo na
cabeça da mais nova!
— Enquanto você espreme o seu cérebro de
universitária, eu vou pagar a merda da aposta. O Dinho te
beijou na minha frente só pra implicar comigo... jacu no
cio! — reclamou com mau humor.
Deu dois passos e alcançou Lorenzo, postando-se à
sua frente, vinte centímetros abaixo do topo da cabeça
dele.
— Que aposta? — ele perguntou curioso, olhando
para ela.
— Vou te dizer no ouvido, é só se abaixar, né, ô
poste sem luz!
— Não era pra dizer que era uma aposta. — Zoe
balbuciou enquanto tentava se recuperar do que era a sua
irmã: um foguete, uma explosão, um ser de outro planeta.
O moreno era curioso pra diabo, bastava começar
uma frase e parar no meio do caminho que ele já se
coçava todo pra saber o resto. E quando não entendia algo
que lhe era pedido, como acontecia naquele momento,
obedecia a quem quer que fosse para ter sua curiosidade
saciada. Então simplesmente abaixou a cabeça e
resmungou baixinho a pergunta:
— Que aposta é?
Lolla se ergueu e o envolveu no pescoço com os
braços, respondendo:
— Essa aqui ó.
Grudou seus lábios nos dele, firmando-o na nuca
com o antebraço, enquanto tentava roubar um beijo de
língua.
Ele não a abraçou, mas também não tentou afastá-la.
Entendeu que o gesto significava o pagamento da tal
aposta e se dispôs a ajudá-la. Nada mais. No entanto,
quando notou que ela roçava o seu corpo pequeno no dele,
subindo nas suas botas e forçando a abertura de seus
lábios para a penetração da língua, sentiu-se obrigado a
pôr um fim naquilo. Acontecia apenas que a garota sabia
que ele agiria assim, conhecia-o havia 17 anos e isso não
era pouca coisa, não. E como a boca de Lorenzo era
gostosa, além de ele ser cheiroso, bonito e um tanto
esnobe, ela quis continuar, provocá-lo, brincar um pouco
mais, por assim dizer. E então gemeu baixinho, o que o fez
instintivamente abrir a boca para censurá-la... Bom, ela só
aproveitou a oportunidade oferecida. Assim que afastou
seus lábios, Lolla mergulhou a língua para tocar e chupar
outra língua e, aí sim, beijou-o do jeito que só ela sabia
beijar. Nada era puro e inocente dentro daquela
cabecinha.
Apertou-o com tanta força ao redor do pescoço que,
por um minuto ou menos, pensou que poderia quebrar uma
vértebra qualquer. Mas, ainda assim, não o permitiu que
se afastasse, não enquanto não terminasse o que tinha que
fazer. E no meio de uma aposta besta o alarme de sua
feminilidade ressoou, todas as suas mocinhas de livros
eróticos a empurraram para os braços de quem ela sempre
se considerou superior.
Ouviu um “o que ela tá fazendo?” e era a voz da sua
irmã, seguida por uma risadinha que só podia ser de
Dinho. Lolla se desligou de tudo no momento em que
Lorenzo a tomou nos braços e a apertou contra si,
trazendo-a para a estrutura forte e viril do seu corpo, e ela
só pensava no quanto era terrivelmente gostoso beijar e
ser abraçada por aquele jeca.
As mãos do caubói se firmaram nas laterais do rosto
da garota, os polegares acariciavam as suas bochechas,
enquanto ele se apossava de sua língua e a sugava e
depois se retirava para lhe mordiscar o lábio inferior. No
momento em que deslizou as mãos para a cintura de Lolla
a fim de pegá-la no colo e levá-la para fora dali, escapar
dos olhares dos outros dois, ouviu a voz zangada e
mandona de Dinho:
— Chega disso!
Imediatamente ele se afastou, sem deixar de olhar
para a garota que ainda estava de olhos fechados e lábios
entreabertos.
— É só uma aposta idiota, Lorenzo, não precisa
ficar agarrando a Lolita assim. — completou com censura.
Zoe o cutucou nas costelas.
— Não te mete, o assunto é com eles. Não vê que tá
rolando um clima?
Dinho retesou os maxilares, contrariado.
— Não arrumem mais confusão. Um Romano com
uma Bernard já é o diabo, então não quero que comecem
com coisa, ouviram?
Lolla não ouvia nada.
Lorenzo a beijou na testa e disse ao primo,
encarando-o sério:
— Se me der vontade de ficar com a Lolla, eu fico
com ela. Não sou Romano, só ganhei esse sobrenome.
— Você é um Romano. — Dinho enfatizou e,
pegando Lolla pelo antebraço para afastá-la do moreno,
completou: — Já disse, é só o pagamento de uma aposta.
— Não sabia que beijava assim. — Lolla
balbuciou, fitando Lorenzo.
— É, você também é boa. — rebateu ele, tirando um
cigarro da carteira e o acendendo com o isqueiro. — E o
melhor, não vejo você como minha “maninha”. — tudo no
seu olhar revelava luxúria e malícia.
— Ela é menor de idade, cara.
— O que tá acontecendo, Dinho? — perguntou-lhe
Zoe, interessada. — A irmã é minha, quem tem que se
preocupar com isso sou eu. Vai cuidar dos seus cavalos e
éguas!
— Vocês duas e, inclusive a Lana e a Ava, são
minhas responsabilidades. E o Lorenzo não serve pra
Lolla. — declarou irritado.
O outro saiu detrás do balcão da cozinha estilo
americano e desferiu amargamente:
— Claro que não; afinal, não tenho o sangue da
“família”. — ironizou.
— Meu pai também foi adotado, não me vem com
essa agora, não é nada disso.
— Talvez, não. Quem sabe o fato da minha
mãezinha ter desaparecido em São Paulo e o pai dela ter
espalhado por Santa Fé inteira que ela possivelmente
tenha sido perseguida e morta pelo meu pai biológico,
essa coisa nojenta de gente baixa, talvez me torne
desqualificado para uma Bernard.
— Que merda é essa, Lorenzo? — perguntou Lolla,
com as mãos nos quadris. — Primeiro, foi só um beijo,
não vamos casar e procriar. Segundo, você não tem nada a
ver com o que os seus pais fizeram e, por último, o nome
“Bernard” não significa tradição, fama e poder.
Zoe não estava reconhecendo o seu amigo de anos.
— O que tá acontecendo com você?
Ele ajeitou o chapéu dando sinal de que estava a fim
de cair fora dali.
— Nada.
— Nada o cacete. — disse Dinho, puto da cara. —
Essa coisa toda que você falou... Porra, o que é isso?
Você não é assim.
— Tenho os meus problemas, gente, só isso.
— O tio Natan é louco por você. — disse o primo.
— Não vejo motivo pra essa amargura, não vejo mesmo.
Lorenzo o encarou, os olhos frios como uma lâmina
de faca.
— Amor não é remédio, não cura tudo. Além do
mais, o sangue que corre nas minhas veias é um mistério.
Já se perguntaram quem é o meu pai biológico, o cara do
qual herdei quem eu sou? Vocês não me conhecem, não
mesmo.
— Você é o jacu que beija bem. — disse Lolla,
sorrindo, tentando voltar a como eram antes de tudo, antes
do beijo e da explosão de Lorenzo.
Zoe atravessou a sala e o abraçou.
— E é também o meu melhor amigo.
Recebeu o abraço dele, meio sem jeito, era
verdade.
— Desculpa se assustei vocês.
— Acho que esse recorde ainda é meu. — brincou a
mais nova do grupo.
Dinho estreitou os olhos e, para esclarecer a
situação de uma vez, declarou:
— Falei que não serve pra Lolla em função de
brincar com as garotas, fazer as coitadas de idiotas, você
não leva ninguém a sério. Mas com as minhas meninas não
vai brincar nem fazer de idiota.
Lolla se voltou para o filho de Vince Romano,
protetor até o último fio de cabelo, e sorriu.
— Deixa de besteira, o seu primo gosta das
raparigas fáceis, e eu não dou mole, não. ​— e, voltando-
se para Lorenzo, completou: — Foi só um beijo, não se
apaixone por mim nem crie expectativas, ok? Crie gado
vesgo ou pulgas com anorexia, conselho de amiga.
Deu-lhes as costas se encaminhando para a saída.
— Vai voltar pra casa?
— Sim, dona irmã. — respondeu Lolla e depois se
virou para Dinho, dizendo: — Seu chalé é bem legal, mas
não vi máquina de lavar roupa. Como vai fazer pra ter
roupa limpa?
— Puta merda, nem pensei nisso.
— Claro que não. Bem, sugiro então que o Rei dos
Patos aí leve suas roupinhas escondidas lá pra casa, tenho
certeza de que a Zoe lavará com muita, mas muita paixão,
as suas cuecas. — piscou o olho para ele e se mandou
antes de ouvir uma resposta daquelas da irmã.
Capítulo 23

Zoe precisou tomar banho, já que tinha terra por


todo o corpo. A ducha do chalé não era elétrica, não como
nas casas do pai e do tio, onde se podia tomar um bom
banho morno. Por mais que aquela terra fosse um inferno
de quente, ela detestava banhos frios, a não ser que
fossem os de rio, que, na verdade, nem eram tão frios
assim, o sol intenso também aquecia suas águas.
Saiu enrolada numa toalha novinha enquanto secava
o cabelo com outra e, descalça, encaminhou-se à cozinha
onde Dinho preparava o jantar.
Encontrou-o de costas mexendo numa panela sobre
o fogão, ainda estava sujo de terem rolado na terra horas
atrás.
Ela passaria a noite com ele, dormiriam a noite
inteira juntos, e só conseguiu o feito por que inventara
uma mentira. Sentia-se péssima por ter que mentir para
seus pais, não era da sua natureza omitir a verdade,
tentava ao máximo ser autêntica ainda que arranjasse
encrenca, inimizades e fofocas sobre sua personalidade
supostamente arrogante ou antipática. Pois era assim
mesmo que as pessoas que não usavam máscaras eram
vistas, como se fossem piores que as mascaradas.
Abraçou-o por trás e o beijou no ombro, sobre o
tecido da camisa xadrez, e disse:
— Não me sinto bem mentindo para os nossos pais,
nem forçando o Lorenzo a mentir também. Imagina se o tio
Vince telefona para o tio Natan e descobre que nós dois
não fomos dormir lá.
Dinho retesou os maxilares e, sem se voltar para
ela, falou:
— Imagina se o “tio Vince” e o “tio Natan” fossem
mesmo seus tios.
Ela bufou atrás dele.
— Para com isso, é só modo de falar, já estou
acostumada. Vou me referir a eles como? Vince? Natan? É
estranho.
— Não me sinto bem.
— Você é cheio de manias, sempre foi. — brincou,
tornando a abraçá-lo e beijá-lo na nuca. — Que cheirinho
bom!
Ele teve que rir.
— Se eu estava fedido antes de trepar, agora então...
— virou-se para ela e a pegou pela cintura, soltando a
toalha do seu corpo: — Cheirosa tá é a madame, cheirosa,
linda e gostosa pra diabo.
Notou os olhos dele se turvarem, mas não era
qualquer sentimento ruim e sim o véu das sensações
carnais que lhe desciam toldando a sua visão, o azul
escurecia como se nuvens de desejo se aglutinassem no
alto do céu do inferno. Sim, tudo que era intenso, quente,
ácido e angustiantemente poderoso e agudo subia da terra,
do fundo dela, e se jogava para dentro dos meros mortais
como um potente raio.
Ela o beijou com força e paixão, agarrando-o pelos
cabelos, enfiando uma coxa entre as coxas vestidas no
jeans gasto, duro, seco. Esfregou seu sexo nu contra o
tecido, mexendo o quadril pra cima e pra baixo devagar,
bem devagar, porque naquele momento só queria
entorpecer o seu namorado de desejo, ainda não havia
chegado a hora de escravizá-lo para todo o sempre.
Dinho a virou bruscamente de costas e espalmou a
mão pegando-a no seio, roçando a ponta dos dedos no que
fora negligenciado, o joelho afastou-lhe as coxas
femininas para o encaixe da sua perna.
Fogos de artifício explodiam dentro dele, uma
confusão de desejo sexual e profundo amor o entorpecia,
tirava-o de si e o levava a curvar Zoe sobre a mesa
enquanto baixava o jeans e empurrava o pau para dentro
dela e a fodia até ouvi-la gritar, raspando as unhas contra
a madeira da mesa, as costas molhadas de suor, o cabelo
escondendo o seu rosto de veias inchadas, o lábio
inferior mordido pelos dentes frontais.
Puxou-a para a beira da mesa, ajudando-a a ficar de
frente para ele e, afastando-lhe as pernas, a penetrou
novamente, beijando-a na boca feito um desesperado, um
condenado à forca.
Zoe agarrou-se em Dinho sentindo-se ser
preenchida e tomada, possuída, posta do avesso, comida,
mastigada. Ele metia forte, enterrava tudo, a grossura do
membro tirava-lhe o ar, a pressão dentro dela a estocava
como desentupisse um cano, sugando-a e, ao mesmo
tempo, levando-a a algum lugar para cima, para o topo,
para o fogo.
Ele estava de pé, mas, no minuto seguinte, a deitou
totalmente na mesa e suas mãos se espalmaram no móvel
para lhe dar sustentação enquanto arremetia e expirava o
ar em jatos fortes.
— Não posso ficar longe de você... — o rosto muito
perto do rosto dela, o hálito morno roçando-lhe na pele,
eletrizando-a. — É como um imã, uma droga, um lugar me
chamando para onde devo ir, entrar e ficar, eu te amo, eu
te amo, eternamente, sou teu, Zoe, me usa, faz o diabo, me
come, me leva pra onde quiser, estou aqui, domado, seu
escravo, seu deus, a porra que quiser...
Ela gozou e lançou um grito de libertação,
prisioneira do prazer que crescia e crescia como uma
bolha de gás prestes a explodir e destroçá-la. Fechou as
pernas ao redor da cintura dele e admirou a beleza de um
rosto jovem, de olhos azuis, cabelos loiros, mudar quando
ele gozou.
O barulho da água transbordando da panela e
chiando ao cair sobre o fogo, chamou a atenção do caubói
que se recuperava do rastro de destruição e poder do
orgasmo.
Beijou a namorada e afastou as mechas úmidas do
cabelo que lhe caía sobre a testa e as têmporas.
Eles arfavam e sorriam.
Zoe contornou os lábios do namorado com a ponta
do indicador e disse com um sorriso de mulher
apaixonada:
— Eu também te amo mais que tudo.
Em seguida, o estômago dela roncou, e eles caíram
na risada. E novamente se abraçaram.
***

Sentados à mesa, jantavam macarrão instantâneo e


salsichas em lata. Bebiam cerveja e a sobremesa era uma
barra de chocolate branco, que Dinho havia comprado
caso Zoe passasse por lá, sabia que ela era doida por
doce, principalmente chocolate e branco.
Uma simplicidade típica de jovens apaixonados, o
que lhes bastavam eram eles próprios. O fato de estarem
juntos e sozinhos e terem uma noite inteira pela frente era
realmente como se tivessem construindo com as próprias
mãos um mundo à parte.
Ela nunca havia comido um macarrão daqueles, tão
delicioso.
— O dia em que resolver deixar de ser domador,
pode abrir um restaurante, chef.
Dinho sorriu amplamente, limpou a boca com o
dorso da mão e falou com naturalidade:
— Sou é macho, Zoe.
Sim, ela havia esquecido que, além de encantador,
ele era tosco.
— Amo a sua jequice, sabia?
Ele devolveu-lhe o mesmo sorriso.
— E eu amo toda você.
— E sua salsicha, então, é uma delícia. — falou
com uma voz sexy.
— Minha moleca, não se confunda, o que eu tenho
aqui é um salsichão. Você bem sabe. — piscou o olho
para ela, com um sorriso charmoso.
Espichou a mão para pegar a dela, do outro lado da
pequena mesa, e disse solenemente:
— Vou conversar com o seu pai, sei que se sente
mal por mentir pra sua família e isso realmente é errado.
— Obrigada.
— Aproveito também pra pedir você em casamento
pra ele. — parou e franziu o cenho, pensativo: — Não sei
se tenho que falar com a tia Pink...
— Tá doido? Não vou casar!
— É claro que tudo ia bem até dar merda, não é? —
olhou-a sério. — Tenho uma casa, um pedaço de terra e
um emprego. Que mais precisa? Ah, esqueci, sou bom de
cama e te amo. Tá bom pra você, minha filha? Falta o
quê?
Ela suspirou profundamente. A noite seria longa.
— Falta eu me formar, por exemplo.
— Mas você tá toda formada, menina, tem dedo,
osso, cabelo, cartilagem, não falta nadinha.
— Para, Dinho! — exclamou, rindo e jogando o
guardanapo no peito dele. — Os homens dessa família
maluca mal fazem sexo com a mulher e já saem casando.
Olha o seu pai com a tia Valentina, acho que namoraram
alguns dias e pimba! O meu pai pediu a minha mãe em
casamento no primeiro fim de semana que passaram
juntos, ô gente apressada!
O caubói pôs os cotovelos sobre a mesa e se
inclinou para avaliar melhor à pessoa diante dele.
— É muito simples, quando um caubói encontra sua
parceira de vida, ele não perde tempo com burocracia,
entendeu? Eu conheço a senhorita a minha vida inteira, sei
sobre suas alergias e também suas manias. Moleca, os
seus defeitos, santo Deus, conheço todos eles, um pior que
o outro, por sinal, e mesmo assim não vejo minha vida
sem você.
— A gente pode namorar durante um tempo, depois
morar junto e, mais pra frente, casarmos no papel.
Ele fechou acara.
— É uma porra que aceito isso.
— Não complica, Romano.
— Ah, que se dane, tudo sai como você quer, sua
sensatez me irrita. — levantou-se da mesa e foi para a
sala. — Quero ver futebol pra poder te ignorar, mas nem
televisão eu tenho! Ô merda de vida!
Ela se acomodou ao lado dele no sofá e o abraçou.
— Quero continuar vivendo com você, como desde
que nasci. Só que você me assusta com seu pé no
acelerador e isso não tem nada a ver com o amor doido
que sinto pelo caubói mais lindo do mundo depois do
Clint Eastwood.
Ele a olhou com ar de desconfiança.
— Ele é velho, né?
— Não, ele é eterno.
— É velho pra cacete, nem vem. — resmungou. Em
seguida, suspirou resignado, sabendo que lhe cabia aceitar
o ritmo dela e falou: — Vou ser franco, tenho medo de te
perder, você é linda, e eu não sou nenhuma novidade.
Você vê a minha cara há quase vinte anos, todo santo dia,
sabe que não sou chique nem me visto bem, não sei falar
direito e trabalho feito uma mula, acho que nem sei me
divertir, só beber e jogar futebol com os peões... — ele a
olhou com os olhos marejados de água: — E você é tão
perfeita.
Ela pulou para o colo dele e o beijou com força na
boca.
Ao se afastar disse numa voz emocionada:
— Caso amanhã. — encarou-o seriamente e
completou: — Deus só criou um homem assim como você,
e eu vou laçar, agarrar e guardar comigo, trancado à
chave, pra sempre. Ajeita a papelada que eu assino.
Assim que ela deitou a cabeça no seu ombro, ele a
abraçou, beijando-a no cabelo.
Não existia Romano ingênuo, eles não nasciam com
esse defeito, pensou Dinho, e ele não seria o primeiro a
dar ponto sem nó. Zoe era a filhinha do papai e idolatrava
Max. Era provável que perdesse numa queda de braço
com ele, e perder Zoe estava fora de cogitação.
Mas acabava de descobrir o seu trunfo e ia tirar
proveito disso.
Zoe pertencia à família Bernard.
Mas Zoe Bernard Romano pertenceria a ele.
Capítulo 24

Pink sabia que nem se usasse uma camisola mágica


ou aparecesse nua diante de Max mudaria o seu humor.
Podia até colocar um CD do Sidney Magal e dançar
Amante Latino derramando cerveja no próprio corpo que
nada disso o tiraria de sua concha de marido ressentido.
Ela havia ignorado seu silêncio o resto do domingo,
pegara Ava e a levara para sua imensa cama de casal com
a intenção explícita de que ocupasse o lugar dele como
uma forma de provocá-lo indiretamente, sem ter que falar
com ele. Contudo, o tiro saíra pela culatra, pois em
momento algum o marido se importou em entrar no quarto,
nem que fosse para trocar de roupa ou fingir que buscava
algo para lhe dar uma “olhadinha”. Era assim que Max
agia, inventando desculpas para se manter ocupado de
olho nela. Atitude que jamais a incomodara até à última
semana após a morte de sua mãe.
Agora ela se pegava no corredor em direção ao
antigo quarto de Lana, para onde ele se mudara sem mala
nem cuia, apenas o seu beiço enorme e a cara amarrada de
quem passara o resto do dia consertando pequenos
problemas pendentes, como o cano da pia da cozinha que
pingava, a mangueirinha do chuveiro que às vezes soltava
e rejuntara alguns azulejos do lavabo no térreo. Depois
resolvera limpar a churrasqueira e organizar os espetos,
além de ajeitar algumas tomadas pela casa e, como era um
casarão, ocupou-se então até o entardecer quando Ava
acordou e quis brincar com ele no balanço do pátio.
A porta estava aberta, e não demorou em vê-lo
sentado de costas diante da escrivaninha em frente à
janela aberta. Estava só no jeans, sem camisa e descalço,
o cabelo escuro, sem nenhum fio branco, úmido do banho
recente. Sabia, antes mesmo de se aproximar, que o cheiro
dele era delicioso. Não apenas por causa do sabonete ou
do xampu, mas por que da sua pele se desprendia um odor
típico de macho gostoso.
Parou ao seu lado e perguntou:
— O que tá fazendo?
Sem se dar ao trabalho de tirar os olhos da
papelada sobre a mesa e a qual ele remexia como se
procurasse organizá-las na ordem de importância,
respondeu:
— O Dinho queria fazer um curso de doma nos
Estados Unidos, estou inscrevendo ele e vendo as
passagens e hospedagem no Arizona.
Pink mordeu o lábio inferior.
— E ele sabe, por acaso?
— Foi ele quem me pediu para fazer o curso.
— Quando?
Max ajeitou os papéis numa pilha e se voltou para
ela, dizendo com seriedade:
— Há alguns meses, por quê?
Ela sorriu sem graça.
— A Valentina não vai gostar de vê-lo sair do país.
— Ele já é adulto.
— Pois é, tanto quanto a Zoe. — arriscou,
encarando-o.
O marido franziu o cenho, desconfiado, e perguntou:
— O que quer aqui?
Os olhos não se voltaram para a camisola branca,
de renda, comprida e romântica cujo bojo lhe apertava os
pequenos seios deixando-os sensuais e a delicadeza do
tecido permitia uma sutil transparência. Não, ele não quis
olhar para nada disso.
— Buscá-lo para dormir comigo. — disse, fitando-
o intensamente.
Mas ele desviou o olhar e tornou a se concentrar na
papelada.
— Hoje não.
— Não acredito que vai me deixar sozinha na cama.
— Leva a Ava pra dormir com você. — rebateu
com ironia.
— Não se divide a cama com os filhos à noite, pelo
menos, os casais bem casados. — desferiu sagazmente.
— Então durma sozinha.
Ele limpou a mesa e guardou os papéis em uma
pasta de cartolina, levantando-se, em seguida, passando
por ela e se dirigindo para o próprio quarto. Coube a Pink
segui-lo.
— Fica comigo. — pediu, pegando-o no antebraço.
Viu o azul dos seus olhos se escurecer e os
maxilares marcarem a pele com barba por fazer. Não era
um bom sinal.
— Hoje não, Rochelle. — repetiu incisivo.
— Só por que foi contrariado?
Ele a olhou demoradamente e respondeu mal
separando os lábios para falar:
— Quase vinte anos de casamento e não me
conhece.
Deu-lhe as costas, a seguir, entrando no closet.
— Foi magoado. É isso, né?
Como ele não respondeu, foi atrás e o encontrou
tirando o short do pijama de uma das gavetas. Por um
momento, ela parou e se escorou na parede admirando o
belo corpo do seu homem. Não havia vestígio algum de
gordura no abdômen, o tórax largo assim como os ombros,
as coxas fortes e as costas retas, altivas, como ele mesmo
era, superior aos outros, o queixo erguido, mas ao
contrário da maioria, Max Bernard tinha motivos para se
considerar fodão. Ele era realmente fodão.
Ela se desencostou e o abraçou por trás, envolvendo
seus braços ao redor da cintura dele.
— Não tive intenção de magoar você, talvez eu
tenha me expressado secamente, acho que os anos de
convivência com um bruto me tornaram menos
“florzinha”, me desculpa se feri os seus sentimentos. —
ela se postou ao lado dele e o fez se voltar para fitá-la: —
Mas é aquilo mesmo e não retiro uma palavra sequer.
— Me pareceu mais com ingratidão, se quer saber.
— Então você é mais burro do que eu pensava. —
disse, dando-lhe as costas e saindo do quarto.
Max engoliu tudo, a raiva, a mágoa e a vontade de
beijá-la. Só podia ser doido, não conseguia ficar muito
tempo brigado com ela, porque a verdade era que essa era
a segunda briga em vinte anos. Eles não eram como Vince
e Valentina, que quebravam o pau todos os dias, e o amigo
acampava no sofá da sala sem direito a voltar ao seu
quarto até a patroa permitir. Rochelle era suave, calma e
firme, tudo num só corpo lindo e numa alma que o atraía
como a luz atraía a mariposa, e ele ia para ela, para os
seus braços e lá tinha o seu descanso, a sua paixão, tinha
tudo com aquela mulher.
Saiu do closet disposto a abraçá-la e pedir perdão
por ser um ogro idiota que fodera com o domingo deles.
Ao entrar no quarto, parou e engoliu em seco.
Precisou de um segundo ou dois para se recuperar do leve
aturdimento que, embora tenha lhe tirado boa parte do
sangue do cérebro, pôs um sorriso de pura adoração nos
lábios.
Deitada na cama, ela o esperava.
Usava uma coleira no pescoço e nada mais.
***
Na segunda-feira, Pink e Valentina tomavam café no
escritório da livraria. A mais nova, desde o início da
manhã, rondava a sua “chefinha” como uma forma de
pedir desculpa sem baixar a cortina do drama sobre as
duas. Até que Valentina, gozadora como sempre, a encarou
e disse:
— Para de espichar os olhos pro meu lado, tá tudo
bem entre nós e vou continuar a protegê-la e cuidar de
você como se fosse minha irmã mais nova, já que a
Giovana, aquela vaca velha, se mandou para o sudeste e
se esqueceu da sua irmãzinha aqui.
Pink sorriu e suspirou profundamente.
— É incrível como a gente se entende.
— Garota, mil anos de amizade deve contar alguma
coisa, não? — indagou com ar divertido.
— Você é uma deusa, chefinha!
A mulher de Vince deitou a cabeça pra trás de tanto
rir. E Pink acabou rindo também, ninguém se aguentava
com a risada daquela mulher, era daquelas longas,
gostosas, parecia ondas de riso frouxo. Depois de parar
de rir, ela disse à sócia:
— Vou preparar um café pra nós.
Antes de entrar na cozinha, passou pela área
reservada às mesas ladeadas por estantes de livros e, ao
fundo, os computadores e máquinas de café. O lugar
estava cheio e as duas vendedoras davam conta de atender
os clientes, além da garota que ficava detrás da caixa
registradora.
Quando ela voltou com duas canecas com café
passado, já que as duas não gostavam de café de máquina,
sentou na beirada da mesa e comentou com a amiga:
— O Max é um despeitado, a livraria não tá uma
bagunça coisa nenhuma.
Valentina tirava a sobrancelha com uma pinça e
ficava fazendo caretas diante do espelhinho com suporte.
— Sabe o que ele quer, né? A cabrita na fazenda o
dia inteiro, aquele parece que vive no século passado, é
um filho da mãe machista.
— Ah, chefinha, não fala assim do meu dominador
latino.
As duas riram, e foi aí que Valentina viu a coleira
ao redor do pescoço da outra.
— Voltou a usar, é? — perguntou, apontando para a
tira de couro.
Pink deu de ombros, indiferente, e respondeu:
— Ontem resolvi tirá-la da caixa e voltar a ser a
escrava safada do Max. — riu-se e completou, agora,
séria: — Essa coleira no meu pescoço incomodava a
minha mãe, por isso acabei tirando. Mas me sinto tão...
não sei como dizer... — ela olhou para o ar buscando as
palavras exatas.
No entanto, a mulher diante dela soube como
traduzir o que ela sentia.
— Poderosa, sexy, mulher gostosa, boa de cama,
égua no cio, vaca louca pra dar, resumindo: mulher bem
comida por caubói. — falou ela, apertando a sua própria
coleira, que, após vinte e poucos anos de casamento tivera
de ser trocada algumas vezes, mas nunca o seu pescoço
ficara sem a marca explícita e concreta de Vince Romano.
Pink abriu um sorrisão.
— Você é boa com as palavras, hein, amiga!
— Ah, tá, certo... Sou boa em quase tudo, minha
nêga, acha que mantenho o Vince na rédea curta por quê?
Ela não estava se gabando à toa. Ao contrário do
que acontecia na sua casa, o marido de Valentina tinha
uma personalidade bruta, mas mais flexível e, mesmo
assim, os dois viviam brigando.
— E por que então brigam tanto?
A outra terminou de beber o seu café e respondeu
com displicência:
— A foda depois da briga é mais gostosa.
— Isso não é motivo pra brigarem! — censurou-a.
— É verdade! Invento que o pego paquerando e
armo o barraco, coloco o cabra pra dormir no sofá uns
dois ou três dias. E você sabe que se esses alfas não
fodem todo dia ficam doidos... bem, não casamos com
intelectuais, ok? Então eu o levo ao limite da secura e
depois ele vem com tudo pra cima de mim, é o diabo, o
estrado range, perco litros de água, transpiro até entre os
dedos dos pés, é uma loucura! — debochou.
— Pobre Vince! Totalmente manipulado. — Pink ria
muito.
— O pior não é manipulação, me dá uma raiva que
quanto mais trepo, mais tenho vontade de assaltar a
geladeira, eu devia era emagrecer, cacete! Aí o filho da
puta fica me dizendo: come, potranca, amo de paixão o teu
rabão! Isso me deixa mais empolgada ainda pra comer
toneladas de comida!
As amigas se divertiam enquanto trabalhavam e isso
acontecia havia anos. Mas, em seguida, Pink parou de rir
e disse:
— Acho que o Max sabe sobre a Zoe e o Dinho.
Valentina mordeu o lábio inferior.
— Merda, mal eles começaram...
— É por que não sabem fazer nada escondido, os
trouxas. — disse, Pink exasperada.
— E como você sabe? Ele falou alguma coisa?
— Hum...
— Hum, o quê? Preciso proteger o meu filho, Pink!
— Olha, talvez eu esteja errada, ele não abriu o
jogo comigo.
— E precisa? Vou te dizer, viu, a Zoe e o Dinho
estão tentando esconder uma coisa óbvia demais, só dois
cegos como os nossos maridos para não perceberem! —
afirmou irritada.
— Ou eles sabem e estão de bico calado.
— Por quê?
— O Max vai mandar o Dinho fazer um curso no
Arizona.
Valentina ficou de pé tão rápido que a cadeira
balançou e por pouco não caiu para trás.
— A puta que o pariu que ele vai me separar do
meu filho! Dobro um bruto, dobro dois! — exclamou alto,
batendo a mão no peito.
— Calma, chefinha, vamos usar o cérebro e não a
cambada de hormônios, ok? Eles podem mandar na
Rainha do Cerrado, mas a gente manda neles.
Bem baixinho, entredentes, Valentina Romano
balbuciou:
— O Max que não se meta com o meu menino.
Pink sabia que Valentina desafiaria Max, se
colocaria entre ele e Dinho, e, com isso, traria para o seu
lado Vince.
— O Dinho só sairá do país, se quiser. E do jeito
que olha pra minha filha, posso dizer que aquele lá tá de
quatro, só falta a Zoe pôr a sela. Desculpa me gabar, mas
ela é o Max com peitos.
A outra a olhou longamente, matutando o que
acabava de ouvir e rebateu:
— Meu filho tá fodido.
Pink caiu na gargalhada e completou ainda rindo:
— A bruta já marcou seu território e nunca que o
Dinho vai mijar fora do penico. Ele não sairá do Brasil,
tampouco de Santa Fé. Consegue perceber a maravilha
desse namoro, chefinha? — os olhos da mulher brilhavam.
Valentina captou a ideia no ar.
— O meu bebê jamais sairá da fazenda! Sim,
percebi nitidamente o quanto amo os Bernard! — ela foi
até a amiga e abraçou-a, sussurrando ao seu ouvido: — O
Max terá que aceitar os fatos.
Uma batidinha à porta as fez se separar e, ainda
sorrindo, Valentina cumprimentou Vivian, dona de uma
loja de bijuterias finas na esquina do quarteirão da Mon
Refuge.
Pink se controlou para não suspirar resignada e
revirar os olhos. Não ia com a cara daquela loira que
mais parecia a mistura de “Miss Simpatia” (forçada) com
a personagem de Glen Close, em “Atração Fatal”. Aliás,
ela era tão loira e com o cabelo tão selvagem quanto à
atriz ao fazer o filme sobre uma psicopata. Como dizia o
marido, ela também tinha os seus “sentidos”. A mulher
vivia acampada na livraria, deixava suas funcionárias
cuidando da loja chique e entrava no escritório para bater
papo durante horas. Como a chefinha era um amor de
pessoa (quando queria), lhe dava toda atenção e ainda
recomendava livros para outra. Ok, ela conseguia arrancar
uma boa venda enquanto conversavam sobre a política
local ou o quanto a polícia era morosa e desatenta quando
a convinha.
Era verdade também que a mulher de Max sentia um
pouco de ciúme por ter que dividir sua amiga de longa
data com uma forasteira que chegara de Goiás havia
alguns anos. Ela se gabava de ter sido diretora de um
banco em Goiânia, e Pink pensava: Uau! Uma executiva
de verdade! Grande bosta, pega o teu rabo loiro e te
manda do meu negócio!
Mas não adiantava fazer caretas e lançar indiretas
venenosas sobre a mulher à Valentina, para tudo que ela
dizia a outra tinha uma única explicação: “você é muito
possessiva, cabrita”. Cabia a Pink bufar e não dividir o
mesmo ambiente com a loira aguada.
E foi o que ela novamente fez, resmungou qualquer
coisa e deixou as duas conversando como grandes amigas
que não eram. Sabia que no fundo Valentina tirava
proveito da amizade, pessoas fúteis serviam como uma
espécie de descanso para o cérebro, e sua amiga lia e
pensava muito, era uma estrategista até mesmo em relação
ao marido e à sua família. Então, às vezes, precisava fazer
ioga com a mente e nada melhor que deixá-la numa
posição confortável, ou seja, conversando com uma
samambaia humana.
— Ei!
Nem precisou se virar para saber que o negócio era
com ela. Podia se fingir de surda, atropelar a sua
vendedora e atender pessoalmente o casal de idosos que
entrara atrás de um Fernando Sabino.
— Ei, Pink, vem aqui engordar conosco! — insistiu
a outra.
Droga de mulher chata!, resmungou baixinho. Em
seguida, endereçou um sorriso à velhinha que acabava de
abrir a boca para dizer o nome do livro o qual buscava e
indicou sua atendente para a tarefa de procurá-lo. A Mon
Refuge tinha todo o acervo do mestre de Minas.
Voltou ao escritório por que não queria bater de
frente com Valentina mais uma vez.
— Você nem viu a torta de sorvete que a Vivian
trouxe. Deliciosa! — exclamou Valentina se
encaminhando à cozinha para pegar os pratinhos de
sobremesa: — É o diabo, estou cinco quilos acima do
peso de quando estou gordinha. Aí penso em correr na
esteira, mas quando chego à academia todas as esteiras
correm de mim! — disse, às gargalhadas.
Enquanto a amiga falava, Pink não tirava os olhos
de Vivian. A mulher tinha olhos de cobra, puta merda!
Embora tivesse caído na gargalhada como uma forma de
cumplicidade por que ela também era grande, ainda assim
não a convencia.
— Se emagrecer, o Vince a deixa.
Pink atalhou com secura:
— O Vince não deixa a mulher dele nem se ela virar
uma caveira, é capaz de nem enterrá-la e viver com o
esqueleto até morrer dois depois.
As duas olharam para a Bernard com ares de
espanto.
Talvez ela tenha exagerado um pouco, pensou,
vermelha feito um pimentão.
— Por causa de uma observação como essa, a
senhora pôs a Lolla de castigo ontem, não pode culpar sua
filha por ser parecia com você. — brincou Valentina.
— E também muito bonita como você, Pink. —
salientou Vivian.
Vaca idiota, pensou a mulher que recebeu o elogio.
— Por que não teve filhos? — perguntou
abruptamente, e para quem a conhecia, como Valentina,
por exemplo, isso não era mera pergunta e sim um ataque
verbal.
Vivian sorriu sem jeito, mas manteve a classe.
— Sempre fui uma workaholic.
— Os executivos têm família.
— Mas para os homens, Pink, as coisas são
diferentes.
Valentina ponderou se deveria ir até a cozinha ou
pedir esse favorzinho à amiga, era nítido pela sua postura
corporal que estava preparada para um embate. Pink era
uma daquelas baixinhas que estufavam os peitos e
separavam as pernas ao decidirem partir pra uma briga.
Achou por bem refrescar o ambiente:
— O Vince queria outro filho, e eu mandei ele
engravidar um peão, ora, vá se foder, não tenho mais
idade pra carregar barrigão e dar de mamar, que, por
sinal, é um saco.
Incrivelmente ninguém a contestou. Ela acabava de
foder com alguns conceitos belos a respeito da
maternidade e as outras duas mulheres se encaravam como
se medissem força.
— Acho bonita uma família como a sua, Pink,
quatro filhas e um marido sexy e dedicado. Normalmente
os homens com muitos filhos são relaxados...
A outra atalhou rapidinho:
— Relaxados como o Brad Pitt? Ele tem um
mundaréu de filhos.
— Não, claro, relaxado como o resto dessa
cauboizada pé de chinelo. — falou com menosprezo e
depois ergueu o nariz com altivez: — Vocês nunca se
relacionaram com um CEO, não é mesmo? Um homem de
terno, sofisticado, que fala vários idiomas, cheira a
perfume caro e dirige um automóvel importado, um cara
realmente com poder, no topo de uma empresa
determinando ações importantes. Penso que às vezes nós,
mulheres, aceitamos os tipos mais rasos, simplórios, os da
terra, por assim dizer, por que não há desafio algum, é
fácil lidar com um bronco iletrado, um animal que usa
partes do cérebro.
Pink abriu a boca para falar tudo que estava
entalado e, como Valentina sabia que a nanica ia explodir,
resolveu assumir a defesa da brutaiada ela mesma:
— Foi longe demais, Vivian. Somos casadas com
caubóis, e os dois têm pós-graduação. Talvez você prefira
os executivos por que faz parte do seu estilo de vida, aqui
é uma terra de gente simples e os nossos valores não se
relacionam a carros importados, perfumes, preço de roupa
ou manipulação de pessoas. Os caipiras aqui valorizam a
lealdade, que é a base do meu casamento e do casamento
da Pink. Nossos homens não só nos comem bem, como nos
amam e são leais a nós. E mesmo usando partes do
cérebro, como você disse, um país não se faz sem o
homem do campo, se é que você vê os homens como seres
humanos além de objetos.
Vivian não exibiu emoção alguma ao rebater:
— Não quis ofender os maridos de vocês, acho que
ainda não me adaptei a Santa Fé, me perdoem, sim?
Não havia qualquer sinal de que realmente estivesse
se sentindo mal, pensou Pink, analisando a outra.
Aquela mulher não prestava, e ela não estava mais a
fim de ser educada. Deu-lhe as costas e saiu do escritório.
Mas imediatamente foi agarrada no cotovelo.
Era Vivian.
— Por favor, não me leva a mal, vocês duas são
minhas únicas amigas. Há pouco tempo entrei nos
Alcoólicos Anônimos, sinto vontade de beber todos os
dias, minha vida é uma solidão atroz e minha
personalidade não me ajuda muito. Consigo espantar um
homem a metros de distância de mim. — seus olhos
pareciam sinceros ao completar: — Fiz um aborto anos
atrás, tive que fazer por que o meu amante também era
meu chefe. Ele não queria que um filho atrapalhasse o meu
trabalho no banco e, claro, o casamento dele. Talvez
tivesse sido uma menina como a Lana. Ela tem 13 anos,
não é?
Pink sentiu a garganta seca.
— Sim.
— Alguma vez abortou?
— Não, tive todos os filhos que queria.
Pink não podia evitar ser cruel, fazia parte da sua
personalidade espezinhar até o último suspiro quem ela
não gostava.
Mas Valentina tinha um coração enorme e puxou
Vivian para um abraço de mãe ursa, dizendo numa voz
emocionada:
— Somos a sua família agora, minha linda.
Capítulo 25

Vince saiu da delegacia se sentindo desgostoso do


que ouvira. Era uma bosta não ter mais nenhum colega de
confiança na DP onde trabalhara pouco mais de dez anos
na porra da sua vida. A única informação decente que
conseguiu havia partido do escrivão que ia com a sua
cara, e ele dissera que nos últimos meses eles haviam
recebido uma denúncia de agressão física causada por um
cidadão chamado Paulo Virgílio Adão, o camarada havia
enchido a sua mulher de porrada. Assim que voltou a si,
ela chamou a polícia, que levou o seu marido para detrás
das grades. No dia seguinte, a madame retirou a queixa.
Ele acendeu um cigarro para ganhar tempo e perfilar
as ideias. A mulher do tal Adão fizera as malas e partira
uma semana depois, sem deixar rastro. Como a sua família
era apenas o marido, ninguém se importou para onde ela
havia ido e, inclusive, se podia considerá-la como uma
pessoa desaparecida.
Telefonou para Max e contou o pouco que sabia a
ele, ao que ouviu como resposta:
— Um cara que espanca a própria mulher é capaz
de espancar qualquer mulher.
— Tenho certeza disso. Vou visitar o bastardo.
— Ele ainda tá vivo?
— Aham, é o caso do vaso ruim.
Max riu um riso áspero e rápido, e a seguir, sugeriu:
— Então quebra.
Vince abriu um sorriso de sexta-feira e rumou em
direção à casa do espancador.
Ao estacionar, inclinou o corpo em direção ao
banco do passageiro e deu uma boa olhada na moradia do
infeliz. Era um lugar caindo aos pedaços. A alvenaria com
buracos no reboco e os vidros das janelas estavam sujos e
trincados. Antes de se chegar à porta, no pequeno
alpendre, dois pneus velhos e uma bicicleta enferrujada
trancavam a passagem.
Ele bateu na madeira podre com os nós dos dedos,
ajeitou o chapéu e olhou para os lados. Era o típico
ambiente imundo propício a ter um cão feroz ao redor.
Mas ao longo dos minutos em que ficou à espera nenhum
bicho apareceu.
A casa ficava no final de uma rua cercada por
terrenos vazios. Aquela região de Santa Fé era conhecida
por ser o refúgio dos pequenos traficantes, aqueles que
tinham dois ou três funcionários, normalmente amigos de
infância, que faziam uma venda boa e se contentavam com
isso. Ninguém de lá queria se tornar um Pablo Escobar.
Quando ele era policial, costumava não atender os
chamados daquele bairro. Nem que fosse um velho
enfartando ou uma mulher parindo. O pessoal não
telefonava para os militares, e a polícia civil não tinha de
fazer o serviço dos outros. Na maior parte das vezes eram
trotes ou emboscadas.
Agora ele estava de volta ao seu passado atrás de
um espancador dos infernos que voltaria direto para o seu
lugar de origem. Tudo que pensava no momento se
resumia à dor que vira nos olhos da mãe de Mariane.
Porque nem isso pudera ver nos olhos da menina. Ela não
os abria desde o dia do ataque. Julieta lhe dissera que a
filha se encontrava em estado de coma, sedada e
respirando com auxílio de ventilador mecânico.
Uma mulher baixa e esquálida, visivelmente viciada
em drogas, abriu a porta e o encarou com seu olhar
esgazeado.
— Vim da parte do padre Alceu.
Por cima do ombro dela, Vince viu a televisão
ligada exibindo um filme da década de 90.
— Que padre?
Não adiantaria falar com a chapada.
— O Paulo tá em casa?
— Só o Adão.
Diacho de maconheira idiota, pensou, irritado.
— A conversa é com ele mesmo.
— Que conversa?
Vince pegou a mulher pelos ombros e a pôs no
alpendre. Ela levou alguns minutos para assimilar que
fora considerada como um obstáculo para o caubói entrar
na casa. Assim que um neurônio se ligou ao outro,
esboçou uma reclamação qualquer e deu alguns passos
para frente. Contudo, parou ao ver que o desconhecido
que entrara na sua casa tinha uma pistola automática no
cós traseiro do jeans.
Ela sabia como era uma Glock. Adão tinha duas
delas também. Era melhor então não ficar no mesmo
ambiente que aqueles dois, precisou de dez minutos para
concluir o seu pensamento.
***

Max afrouxou as rédeas de sua montaria,


emparelhou o cavalo à picape estacionada debaixo de
uma árvore e apeou em seguida.
No vidro da Chevrolet clássica, um modelo de
1954, como ele pôde notar, na cor laranja, o adesivo com
o nome da fazenda do então latifundiário que trazia um
passado pesado nas costas, a cobra criada de Santa Fé,
Alec Adams.
Se existia alguém que conhecia os meandros do
submundo do cerrado, era o homem que matara e enterrara
um passado para construir o seu presente e futuro sobre
ele. Alec também fora um vaqueiro sem eira nem beira,
depois se tornara chefe de segurança de propriedades
rurais de grande porte. E, ao se apaixonar pela filha de um
antigo patrão, casou-se com ela e começou seu negócio
com vacas leiteiras, bem do jeito que Armando Romano
começara o seu. Porém, no caso de Adams, a fazenda
crescera rapidamente em função da injeção de dinheiro
cuja origem se dera através de uma herança. Hoje ele
vivia da renda dos diversos imóveis que comprara na
cidade e, junto com a esposa, mantinha um abrigo para
cães e gatos abandonados.
Os amigos se cumprimentaram com um forte abraço
e tapas barulhentos nas costas.
— E aí, seu bosta! Só quer saber de ficar na
piscininha da fazenda com a patroa, hein! — exclamou
Max totalmente à vontade.
Ele trabalhara com Adams durante alguns meses,
antes de ele aceitar o emprego com os Brienne, a família
de Gabrielle, sua esposa. E, naquela época, apesar da
pouca diferença de idade entre ambos, que não chegava
nem a quatro ou cinco anos, era Alec o seu chefe. Um
camarada honesto, altivo e durão. Um legítimo caubói de
Santa Fé.
Alec sorriu, puxando a aba do Stetson para baixo,
num cacoete típico de vaqueiro, e respondeu:
— Depois de anos de lida puxada, prometi a minha
mulher que lhe daria mais atenção. É uma santa a minha
fadinha.
— Imagino que pra te aguentar tenha que ser mesmo.
— debochou Max.
— Que nada, eu sou um amor de pessoa. — brincou
ele; em seguida, lançou um de seus olhares avaliativos e
completou: — Mas você não me telefonou para me ver e
me abraçar, não é mesmo?
Max sabia que Alec havia sido pressionado pelo
alto escalão da Força da Terra a participar da associação
e, assim como os Romano e Bernard, mantivera-se à
margem do movimento ou fosse lá o que eles
representavam.
— Vamos até minha picape conversar.
Eles seguiram juntos, e Max notou os fios de cabelo
branco que sombreavam as têmporas do amigo,
destacando-se do resto dos cabelos pretos.
— A Gabi é responsável por essas mechas de
vovô?
Alec riu.
— Não, acho que o fato de eu ser de fato vovô me
deixou de cabelo branco. — disse, com aquele ar de
apaixonamento típico de avô de primeira viagem.
— Nem acreditei quando me disse que a Diana tinha
casado.
— A merda do tempo é que ele passa.
— Mas vou te dizer uma coisa, lá na fazenda
ninguém casa antes de se formar na faculdade. Eduquei
aquelas meninas para mandarem nas próprias vidas,
homem é mero acessório, como as bolsinhas que elas
usam.
Alec agora riu com vontade.
— Acha mesmo que consegue planejar a vida das
suas filhas? Além disso, a Di casou com seu professor de
faculdade. Mas já coloquei o nerd nos trilhos e o fiz
decorar a cartilha do pai caubói.
Max abriu a porta da picape e parou, voltando-se
para ele:
— Pra mim, não tem cartilha, bastam duas frases:
fez minha filha infeliz, atiro nas bolas; não obedeceu à
minha filha, atiro no cacete.
— Interessante... Se fosse verdade. — provocou-o.
— Mas assusta, não assusta? — perguntou, aos
risos.
Alec entrou na picape e se voltou para o motorista.
— A sua própria fama, Max Bernard, já espanta
qualquer candidato a genro.
Era o que Max adorava ouvir.
— Uma fama que você deveria ter se não desse uma
de bom-moço.
O outro arqueou as sobrancelhas e suspirou:
— Não sabe o quanto isso me custa. — e,
encarando-o, tornou a perguntar: — O que foi, Max?
O caubói tragou fundo o cigarro e contou sobre a
garota Mariane. Ao longo do relato, a fisionomia de Alec
modificou-se ao ponto de endurecer. Ele criara sua filha
sozinho até Diana alcançar os seus 14 anos, exatamente a
idade da filha de Werner e Julieta.
— Ninguém ataca uma menina à toa. — disse ele,
por fim, os maxilares marcando forte a pele. — Ou é um
recado para o Werner, ou é coisa de psicopata.
Max concordou com a cabeça.
— Pensei nos caras da Força da Terra.
Alec se voltou para ele e perguntou curioso:
— Por quê?
— O Werner não quer a polícia no caso nem a FT.
Acho que tá querendo pular fora da associação. Acontece
que eles estão se fortalecendo, conseguiram colocar um
deputado em Brasília para representar os direitos dos
proprietários rurais contra as invasões de terras por parte
dos índios, do MST e dos grileiros. É estranho que se
unam contra os grileiros, já que boa parte deles adquiriu
terra por meio da grilagem.
— Já viu aquele filme que os ladrões de banco se
matam entre si? É mais ou menos isso o que acontece na
FT. Essa história de defesa dos direitos à terra é fachada
para o que eles realmente fazem. — ele balançou a cabeça
como se com o gesto espantasse maus pensamentos e
disse: — Meses atrás um camarada andou falando por aí
que a Força da Terra era um dos tentáculos do
narcotráfico boliviano. Coincidência ou não, o cabra
desapareceu do planeta. Logo, meu amigo, se o Werner
quis pular fora do esquema, é possível sim que esses
safados tenham lhe mandado uma mensagem direto nos
cornos.
Max ainda não tinha percebido a extensão do
problema.
— E quem tá na liderança?
Alec olhou para ele e sorriu com amargura:
— O segundo maior fazendeiro de Santa Fé, que,
por sinal, pôs o próprio irmão na prefeitura e tem como
melhor amigo o delegado de polícia.
— Mas o judiciário ainda tá limpo. — constatou.
— Depende.
— Dependo do quê?
— Se o Artur Klein ainda tá comendo a promotora
Bárbara.
Os dois se voltaram para frente, olhando para o
vazio, imersos na densidade da atmosfera.
A Rainha do Cerrado, uma hora ou outra, se tornaria
um empecilho para os negócios ilícitos da Força da Terra.
A fazenda bem no meio do interiorzão de Santa Fé. Bem,
ela não poderia ser removida de lá. Era certo que
tentariam comprá-la. E mais certo ainda que ele e Vince
não a venderiam.
Quando Vince aportou e se achegou à picape,
cumprimentou Alec com uma batida de dois dedos na aba
do chapéu e disse aos dois:
— Acabo de voltar da casa do espancador.
— O Adão? — Alec perguntou e, em seguida,
sorriu: — O cara bateu na mulher quando ela foi visitar os
pais em Matarana.
Vince assentiu com a cabeça.
— Ele não atacou a garota.
Max juntou dois mais dois e concluiu:
— Tá todo fodido?
— Thales Dolejal mandou os seus pistoleiros lhe
darem uma lição. — respondeu Alec. — A esposa
continua desaparecida, e ele tá paralítico da cintura pra
baixo.
— É, voltamos à estaca zero.
Ao que Max falou:
— Precisamos conversar seriamente com o Werner.
Se a Força da Terra mandou esse tipo de recado a ele,
teremos que juntar um bom número de homens pra
começar os despachos para a Bolívia.
— Hum, mandar os supostos traficantes brasileiros
para o país vizinho?
Vince e Max se entreolharam. E foi o primeiro quem
esclareceu a coisa para Alec.
— A nossa Bolívia fica bem mais perto.
E Max fechou com chave de ouro a explicação:
— O felizardo ainda ganha um colar de pedra e uma
visita ao fundo do rio.
Alec meneou a cabeça num gesto que indicava sua
aprovação, mas depois coçou a parte de detrás da orelha e
disse:
— A FT não é o nosso único problema.
— Sem pausa dramática, por favor. — pediu Vince,
enterrando o Stetson ainda mais na cabeça.
— Por acaso ouviram falar do camarada que
invadiu o apartamento de um casal de idosos e os matou?
— ao ver que eles sabiam sobre o caso que se tornara
notícia na região inteira havia pouco mais de dois ou três
meses, continuou: — Os velhinhos acordaram assustados
com o barulho na sala e se levantaram para ver o que era,
surpreendendo o ladrão. Levaram dois tiros cada um.
Bem, semana passada encontraram o assassino do casal
pendurado de cabeça pra baixo numa árvore, bem no meio
do mato, com um tiro certeiro na testa. Todo aspecto de
uma execução. Sei através de fontes seguras de que se
trata de um pistoleiro de Matarana contratado pela família
dos idosos. Então, meus amigos, Santa Fé também tá na
mira do Dolejal, e como ele não manda pistoleiro seu
fazer o serviço, o que me parece é que ele treinou alguém
de Santa Fé para fazer isso. — concluiu, piscando o olho,
cúmplice.
Max e Vince, como se fossem irmãos gêmeos,
obedeceram à perfeita sincronia de se forçarem um
sorriso amarelo para o amigo que sabia demais.
Capítulo 26

Zoe contornava os tambores lentamente, galopando


no manga-larga de nome Caviezel a fim de descansá-lo
após o treino do dia.
A arena de chão batido tinha a terra vermelha e
seca contornada pela amurada de madeira, que trazia
sobre ela o seu treinador, um vaqueiro de sessenta e
poucos anos que treinava as garotas do norte do Mato
Grosso. Era um cara durão, de feição cerrada, meio
parecido com Tommy Lee Jones, semelhança que
despertara simpatia imediata de Zoe quando o encontrara
pela primeira vez meses atrás.
Ele era rigoroso e, ultimamente, preocupava-se com
sua constante falta de atenção. Na semana anterior, Greg,
esse era o seu nome ou apelido (talvez fosse Gregório, ela
nunca o perguntara), havia-lhe dito que estava na hora de
ela entrar para o circuito de provas. .
— Temos que pegar o trailer e começar a viajar
pelo país, participando das competições, Zoe. Você monta
desde os oito anos de idade, o que lhe falta é
autoconfiança.
— Podemos começar nas férias da faculdade.
O homem pôs as mãos nos quadris e, assentindo
com a cabeça, deliberou:
— Dá uma última volta ao redor dos tambores e
paramos por aqui hoje. — assim que a viu puxar as rédeas
e estimular os flancos do animal com os tornozelos,
avisou num berro: — Tá fazendo a curva do primeiro
tambor muito aberta, fecha mais, menina!
Dinho apeou e levou sua montaria para uma boa
sombra. Em seguida, tirou o chapéu, passou os dedos pelo
cabelo úmido de suor e tornou a enterrar o Stetson na
cabeça. Alcançou o cercado da arena e subiu até a tábua
mais alta, pondo a perna por cima e se sentando,
admirando a amazona percorrer o seu percurso exigindo
toda velocidade do manga-larga. Sorriu satisfeito com o
que via, além de linda, sua Zoe dominava totalmente o
animal.
Humm, mas não era assim, bem desse jeito, que
fazia com ele?, pensou, disfarçando o sorrisinho sacana.
— Excelente! — exclamou e, em seguida, juntou
dois dedos sobre os lábios e assobiou alto.
Greg se voltou para ele e disse:
— Não tá excelente, a Zoe anda muito avoada.
Dito isso, a amazona confirmou a opinião do seu
treinador. Ao passar pelo segundo tambor, tentou segurá-
lo a fim de não derrubar e, esquecendo-se do próprio
cavalo, perdeu o equilíbrio e caiu de costas no chão.
— Ahhhh, porra!!! — praguejou Greg.
Dinho pulou da cerca e correu até a garota no chão.
Agachou-se ao lado dela, vendo-a se sentar, a cara de
poucos amigos.
— Sou um cocô de vaca!
— Tá machucada, moleca? — perguntou todo
preocupado, olhando-a e apalpando-a nos braços e coxas.
Ela se voltou para ele e tentou sorrir:
—Sei cair do cavalo, amor, essa foi a primeira
lição que o meu pai me ensinou quando começamos a
cavalgar juntos.
— Mesmo assim...
Ele não se acostumava a ter uma namorada tão
durona como Zoe.
— Estou bem. — ela o fitou gravemente e disse: —
Não consigo me concentrar em nada, me ferrei nas últimas
provas e reprovei em duas cadeiras, parece que meu
cérebro tá vazio. Na verdade, parece mesmo é que ele tá
cheio, só tem Dinho Romano dentro dele.
O caubói sorriu satisfeito.
— Estamos loucos de amor, minha Zoe.
— Minha vontade é ir para o seu chalé e não sair
mais de lá.
— “Nosso” chalé. — enfatizou ele. — Depois do
almoço, vou à sua casa para ter uma boa conversa com o
senhor Bernard. Aí, você já aproveita para pegar suas
coisas e voltar comigo.
Ele parecia tão determinado, que ela não ousou
questioná-lo.
— Morar com você.
Expressou verbalmente o que se tornaria realidade.
No fundo, havia dito em voz alta a vontade do seu
coração. Esperava apenas que para ser feliz não tivesse
que deixar o seu pai infeliz.
Agora, vendo Dinho se inclinar para roçar
levemente seus lábios nos dela enquanto fechava os olhos
e se entregava ao terno beijo, refletia sobre a sua lealdade
ao pai e, mais do que isso, se realmente era capaz de ficar
sem o amor da sua vida.
Porque o amor da sua vida era um Romano, com
toda a certeza do mundo. Era Dinho Romano.
***

Era meio-dia quando Pink voltou da confeitaria com


uma torta de sorvete. Entrou no escritório e a pôs sobre a
sua mesa, dizendo:
— Nada como uma boa sobremesa com cinco
milhões de calorias.
Valentina, que terminava de fazer o registro da
aquisição de um lote de livros, rebateu sem levantar a
cabeça do notebook:
— Ô beleza, comer sem ficar com a consciência
pesada! Até parece que você engorda, sua vaca.
Pink riu enquanto guardava suas coisas da mesa
para a primeira gaveta. À medida que o tempo passava,
ela se tornava cada vez mais organizada e cheia de
manias, como a de deixar a mesa limpa antes de sair.
— Bem, vou pra casa almoçar. Provavelmente
voltarei perto das três. — comentou com um sorrisinho.
— Olha, minha lindinha, só espero que não
engravide do quinto filho.
Pink sorriu ainda mais.
— Nem me fala, queria dar um menininho para o
Max. Ele é tão apegado ao Dinho e ao Lorenzo, acho tão
bonito essa camaradagem entre homens de gerações
diferentes que me sinto em falta com o meu vaqueiro.
Valentina parou de digitar e a encarou, dizendo,
mordaz:
— Não seja louca, você tá com 41 anos, qualquer
gravidez nessa idade é de risco.
— Tem mulher que engravida aos 47, 48 anos, ora.
Não sou uma velha, não me faça me sentir uma “coroa”.
— falou, ligeiramente irritada.
— Mas você é uma coroa! Boazuda, com tudo em
cima, bonita pra diabo, mas uma mulher de meia-idade, ô
cabeça dura! Não deixo de forma alguma você engravidar,
e aquele bruto safado já devia ter dado um nó no saco. Por
que ele ainda não fez vasectomia?
Pink suspirou alto, pegou a sua bolsa e a torta e se
encaminhou para sair. As duas tinham uma necessidade
tremenda de discutir todo santo dia, adoravam um drama,
eram como personagens de novelas mexicanas.
— Até onde sei a senhora não manda na minha vida
sexual...ainda.
— Manda a porra daquele garanhão fazedor de
perereca fazer vasectomia, se você não falar, eu falo. —
ela insistiu, já de pé.
— Acho que quero mais dois, seis filhos é um bom
número! — provocou-a com um sorrisão.
Valentina bufou alto e berrou:
— Eu mesma vou cortar o saco do Max!
Ouviu as gargalhadas da amiga pouco antes de ela
sair porta afora.
Pink deu uma olhada no seu relógio de pulso e viu
que se atrasaria para pegar Lana na escola. Resolveu ligar
para a filha e avisá-la, mas o celular da menina estava
estranhamente fora de área.
Mordeu o lábio inferior, intrigada. Sentou-se detrás
do volante da Ranger e pisou fundo no acelerador. A
escola das filhas ficava a duas ou três quadras dali,
chegaria em poucos minutos e daria uma bronca em Lana
por ter deixado o celular descarregar.
Desceu da picape, olhando ao redor, a calçada com
poucos alunos conversando entre si antecedendo a
escadaria antes das quatro portas de entrada. Era um
prédio alto e moderno como aquelas redes de escola de
cidade grande. Ali, estudavam somente filhos de
fazendeiros, empresários e políticos.
Como não viu a garota sentada nos degraus da
escada, onde ela sempre ficava para esperar a sua carona,
Pink foi até a guarita onde ficava um segurança com o
mesmo uniforme da escola que os professores usavam.
Perguntou a ele sobre Lana, nem precisava descrevê-la,
todos conheciam as Bernard, já que estudavam naquela
escola desde o jardim de infância.
Mas a resposta que o rapaz lhe deu a fez trincar os
molares:
— A Lana estava sentada aqui nos degraus até que a
sua amiga lhe deu carona.
Hã?
— Amiga da Lana ou minha?
Aquele “sua amiga” gerou uma ambiguidade do
cacete, pensou Pink, fechando a cara para o homem.
— Sua amiga... quero dizer, amiga da senhora, dona
Pink.
Hã?
— Minha amiga? Como assim? Minha única amiga
estava conversando comigo faz dez minutos e ela não
estava com a Lana. — irritou-se.
O camarada não sabia o que dizer, acabava de
descobrir que cometera um grande erro.
Ela sentiu suas garras de leoa furar a pele nas
pontas dos seus dedos.
— Para quem você entregou a minha filha? —
perguntou, quase sem conseguir mexer a boca.
O segurança começou a suar na testa.
— Bem, sinto muito, sei que é a senhora ou seu Max
quem busca a Lana e a Lolla, e até achei estranho que a
pessoa parou e chamou sua filha do carro mesmo, nem
desceu. Insisti para Lana ficar e esperá-la, mas ela
raramente me obedece...
Pink estava lívida.
— Quem veio buscar a minha filha? — indagou
incisiva.
O outro balançou a cabeça, desolado e confuso,
respondendo:
— A sua amiga da loja de bijuteria, a dona Vivian.
Era a primeira vez que Vivian inventava de dar
carona a uma de suas filhas. Elas não tinham tanta
intimidade assim, não era como a sua amizade com
Valentina, por exemplo. Além disso, a vaca deveria tê-la
avisado que ao chegar à escola, Pink não encontraria a
filha.
Odiava aquela mulher.
Respirou fundo, tentando se tranquilizar; afinal,
Lana não estava no carro com um psicopata que espancara
a filha de Werner. Ainda assim, despediu-se secamente do
segurança e sacou o celular.
Quando o marido atendeu, ela foi direta e seca:
— Aquela mulherzinha veio buscar a Lana e nem me
avisou. Telefonei para a nossa filha e ela não atende a
ligação, agora não sei se o celular descarregou, se tá fora
de área ou... — ela parou de falar subitamente, com o
medo dos seus próprios pensamentos.
— Elas já devem estar na estrada, vou pegar a
picape para encontrá-las.
Ele sabia a quem a esposa se referia.
— Max, por Deus, essa mulher não tem o direito de
vir na escola e fazer uma porra dessas! — exclamou,
possessa, as palavras saíam esmagadas entre os
maxilares.
— Deixa comigo, Rochelle, você não vai mais se
incomodar com essa pessoa. — afirmou taxativo.
Agora, sim, tudo estava bem encaminhado, pensou
Pink, sentando-se detrás do volante e rumando em direção
à fazenda.
Tinha certeza absoluta de que Vivian não lhe fizera
favor algum. Se o fosse, teria telefonado para a livraria a
fim de avisá-la que estava com Lana. Não, era uma
afronta, uma provocação, uma maldita queda de braço. A
fingida a estava desafiando por que ela, Pink, não cedia à
sua falsa amabilidade, ao seu charme comprado num bazar
de penhores, à sua conversa de alcoólatra solitária.
Vivian precisava entender de uma vez por todas que
ninguém se metia com uma das rainhas do cerrado.
Principalmente com aquela que todos acreditavam ser a
mais frágil, pois a mais frágil era dona do bruto mais
forte.
Capítulo 27

Max ajeitou os óculos escuros e, depois de baixar o


vidro da picape, jogou fora a bagana de cigarro no asfalto,
tornando a erguer o vidro a fim de manter a temperatura
de outono na cabine refrigerada.
Uma coisa que o tirava dos eixos ao ponto de fazê-
lo fumar um cigarro atrás do outro era saber que sua
cabrita estava se estressando. Ele fazia das tripas coração
para lhe dar uma vida serena, o que não era difícil
levando-se em consideração que eles viviam no campo.
Mas, por isso mesmo, sempre tinha uma vaca pra foder
com a paz de alguém. Puta merda!
Ela já havia reclamado sobre a tal Vivian com ele,
contado sobre sua péssima sensação em relação à fulana.
E tudo que ele fizera a respeito fora lhe dar um estúpido
conselho:
— Dá umas patadas nela, meu anjo, tenho certeza de
que a mulher se afastará de você. Sempre funciona
comigo, uma beleza. — ao vê-la com sua carinha de
dúvida (e aí ela parecia uma menininha católica), ele
completou solícito: — Se quiser, faço isso por você com
o maior prazer.
Mas ela não quis, e agora ele via o Camaro da
inconveniente vindo na direção oposta à sua. A parte
positiva era que Vivian estava realmente trazendo Lana
para a fazenda e a parte negativa era que a velocidade do
automóvel parecia indicar que, se ela não o tivesse visto,
teria entrado à esquerda, ou seja, em uma das vicinais de
chão batido. Talvez fosse implicância sua ou os seus
“sentidos” estavam bem afiados. De qualquer forma,
atravessou a picape na pista forçando o Camaro parar.
Uma porra que ele não faria um escândalo.
Desceu da camionete deixando a porta aberta,
ajeitando o chapéu do jeito que os caubóis faziam pouco
antes de um enfrentamento. Pisava firme no asfalto e, se
no lugar das botas usasse a sua raiva para calçar os pés,
bem, ele teria deixado buracos na estrada. Aquela
madame ia se ver com ele.
Antes que chegasse até o automóvel, Vivian abriu a
porta e se pôs na estrada. Tinha na face um sorriso cor-de-
rosa, cintilante, e nas pálpebras sob os olhos claros,
sombra azul. Vestia uma calça bege, larga, e uma regata de
seda. Nos pés sapatos baixos e confortáveis. Uma mulher
alta e forte como aquela era capaz de derrubar um homem
pequeno.
Mas Max tinha 1.90.
Não deu mais atenção à mulher e se juntou à filha
quando ela fez o mesmo que a motorista. A diferença foi
que Lana ajeitou a mochila nas costas e se encaminhou em
direção ao pai, sorrindo. Ou a sua filha era inocente, ou
era uma idiota, pensou aborrecido.
— Vai pra picape. — mandou secamente.
O sorriso da garota murchou, pois sabia que o
tempo em Santa Fé acabava de fechar, e esse era o estado
de espírito atual do seu pai.
— Tentei avisar a mãe... — lançou um olhar para
Vivian como se pedisse a sua confirmação. Como foi
ignorada, já que a outra só tinha olhos para Max, insistiu:
— Tentei várias vezes, mas não consegui.
Ele se virou para a filha e perguntou bruscamente:
— Por que não esperou por ela na escola, hein?
Antes que Lana respondesse que estava louca de
fome e que não via nada demais aceitar a carona da amiga
da sua tia, a mais velha se meteu, respondendo por ela:
— Eu estava passando por lá e vi a coitadinha na
escada, achei que não tinha problema levá-la pra casa.
Ele se voltou novamente para a filha e repetiu:
— Pra picape agora.
Fim da linha, pensou Lana, não adiantava mais
argumentar. Baixou a cabeça e lhe obedeceu.
Max voltou-se para a mulher que o olhava com
aquele arzinho superior que lhe dava vontade de rir. Mas
não estava nem um pouco a fim de mostrar os dentes.
Aproximou-se dela devagar, bem do jeito que faria se
fosse tentar pegar uma cobra antes de lhe arrancar a
cabeça, e ele já fizera muito isso, inclusive com
cascavéis. Então estava no seu habitat encarando uma
peçonhenta com o nariz sardento empinado, se achando
sexy e predadora, a selvagem da cidade grande.
— Sabe quantas pessoas têm autorização pra andar
com a minha filha por aí? — ele perguntou sem querer
saber a resposta e completou: — Duas; os Romano e os
Bernard. Fora esse povo, o resto tem que ser da nossa
confiança, ter o meu aval, o do Vince ou o do Dinho...
Antes que ele continuasse, ela o interrompeu com
um amplo sorriso.
— Vocês são como o povo Amish, acho bonito isso,
apesar de muito esquisito.
Max estreitou os olhos.
— Pode dar o nome que quiser. O que me interessa
saber é por que veio para Santa Fé? Hein, moça, me diz?
Tem uma loja bacana e um carro importado, vive
pendurada na Valentina e tá sempre sem homem. A dona
tem algum problema, é? — havia um rastro de maldade no
tom daquela pergunta que combinava com o divertimento
cruel no olhar.
Vivian tentou manter o sorriso superior ao rebater:
— Posso contar a minha vida pra você. Tenho uma
garrafa fechada de Johnnie Walker em casa. O que acha?
Max sorriu.
— Ah, é mesmo, você é alcoólatra. — ele chegou
tão perto que podia sentir o cheiro do perfume caro da
outra e completou: — Você tem jeito de quem sempre teve
dinheiro, pelo menos, agora depois de adulta. Então
realmente não sei o que faz numa terra basicamente
agrícola. Nós não temos nada a ver com você. Abre o
jogo comigo, dona, não tente me seduzir, é cansativo pra
mim e inútil pra você, sabe muito bem a mulher que eu
tenho em casa. — soltou um risinho do tipo “tá brincando,
né, se olha no espelho, filha”.
Mas ela não tinha jeito de quem perdia uma disputa.
— Uma foda quente e gostosa só faz bem à saúde.
Ele fez uma cara de nojo e falou baixinho e
incisivo:
— Uma bicuda no rabo deixa uma cicatriz pra
sempre. Quer a minha marca?
A loira deu um passo para trás, sem recolher o
sorriso que, agora, tremia nos lábios.
Max ainda não tinha acabado:
— Quero você longe da minha família, da minha
mulher especificamente. Quando entrar na livraria, veja
antes se a senhora Bernard está e, se for o caso, pega essa
sua incrível e estonteante personalidade de merda e volta
para o seu covil.
— Meu Deus, você é realmente o que dizem... um
ogro, um mal-educado, um retrocesso da raça humana.
— Não vou falar de novo. — meteu seus olhos nos
dela e não viu qualquer modificação nas pupilas, era um
olhar vazado, frio, e ele ficou sem saber o que pensar;
então disse: — Nunca mais tente ser “boazinha”, ok?
Deu-lhe as costas e ouviu-a falar:
— Não, com sua família jamais voltarei a ser
boazinha.
Resolveu ignorá-la, Vivian era o tipo de mulher que
fazia o possível para chamar a atenção de um homem,
embora fosse ela própria o centro de sua vida. Narcisista
maluca, pensou, sentando-se ao volante e puxando o cinto.
— Essa mulher aí se atirou pra cima de mim, e é
isso que ela quer, provocar a sua mãe, é uma invejosa.
Lana olhou com atenção para o automóvel caro que
dava ré antes de contornar a pista e voltar para o centro
da cidade.
— Nossa, que vadia! — murmurou incrédula.
— A felicidade dos outros incomoda muita gente,
filha, não esqueça isso. — filosofou o caubói.
***

Zoe se espichou na cama, estendendo o corpo até


sentir aquela sensação de plenitude gostosa depois de um
sexo bem feito. A mão de Dinho deslizou pelo seu ventre
delicadamente e parou sobre o monte de vênus,
acariciando-lhe os pelos.
Ele estava escorado sobre um dos cotovelos, virado
de lado pra ela, escabelado, suado, restabelecendo o
ritmo normal da respiração e sorrindo como um tolo
apaixonado.
Era uma da tarde e o arvoredo ao redor do chalé o
protegia da fúria do sol fustigante. Era verdade que o Rio
Verde, margeando a construção rústica de madeira,
ajudava a refrescar a atmosfera. Assim, eles tinham um
pedaço do paraíso para viverem como Adão e Eva, e era
isso mesmo que Zoe começou a dizer ao namorado.
— Penso em trancar a faculdade este semestre, não
consigo me concentrar em nada, então não adianta ficar
numa missa de corpo presente com a alma em outro lugar.
— brincou, traçando com a ponta dos dedos o jogo da
velha nos quadradinhos do abdômen masculino.
Dinho continuava fazendo cafuné entre as coxas
dela, quando falou:
— Papai e mamãe não vão gostar.
Havia um rastro de sorriso sedutor que a fez trancar
a respiração.
— Preciso descansar e preciso ficar mais tempo
com você.
— Tá obcecada por mim, Zoe?
— Completamente.
Ele a beijou na boca e, afastando-se pouca coisa,
disse entre os lábios dela:
— Estou de quatro por você, dona moleca.
— Isso não te assusta? Eu querer parar tudo para
ficar ao seu redor?
— Sim, estou louco de medo, vou pôr as calças e
fugir.
Eles riram, e Dinho deitou para trás, a cabeça no
travesseiro e um braço esticado para Zoe deitar sobre ele.
— Nunca tirei férias na vida, podia até pôr meus
patrões na justiça. — comentou, rindo-se. — Se eles me
dessem sociedade na fazenda, não falaria nada, deixava
como tá, mas já que sou mero funcionário, vou exigir os
meus direitos. — e, virando a cabeça para ela, completou
sorrindo: — Vou pedir minhas férias atrasadas, uma em
cima da outra, acho que consigo um ano inteiro coçando o
saco.
— Será que funciona assim?
— E eu sei dessas merdas de direito trabalhista?
Vou me informar no RH da fazenda.
Zoe riu.
— Por acaso, o RH não é o tio Vince?
Dinho coçou a cabeça, refletindo por um momento.
— Bem, que eu saiba, ele manda na parte da
papelada, mas é o Fininho quem faz os pagamentos.
Fininho era o apelido de um rapaz de 1,80 e 110 kg,
graduado em Administração. Seu nome, na verdade, era
Jorge, morava com a mãe e o padrasto numa das casas do
condomínio que Vince mandara construir, que ficava nos
limites da fazenda.
Zoe lembrou então de um assunto que há algum
tempo a incomodava.
— Peguei o tio Natan falando com a mãe outro dia
sobre os sumiços do Lorenzo. Nós acobertamos alguns
deles, é verdade, mas nunca o enquadramos para saber
para onde ele ia, digo, por que simplesmente não dizia ao
pai o lugar e pronto, ele já tem 20 anos, pô.
Dinho considerou o que ela disse e rebateu:
— Não sei o que ele faz, se soubesse, lhe diria,
Zoe. Às vezes nós dois nos mandávamos para o meio do
mato acampar. Mas o Lorenzo tem os esquemas dele que
não abre o bico a respeito com ninguém.
— Acho que é coisa com mulher.
— Será?
— Um caso secreto, sei lá.
— Não, nada disso, ele me contaria.
— Talvez ela seja mais velha ou casada. —
conjecturou.
— A gente fala sobre mulher, ele me diria. —
insistiu.
— Ah, é? Contou pra ele como foi a nossa foda no
celeiro? — indagou com rispidez.
— Claro que não, isso é coisa íntima, nossa, de
casal, ora.
— Ah, certo, então vocês se gabavam das putarias
que faziam pela cidade, não é?
Como se foder em apenas três frases, refletiu Dinho,
pensando rapidamente num assunto que o desviasse do
míssil que era a fúria assassina de uma Zoe com ciúme.
— Vamos nos focar no assunto que interessa,
Bernard, sua falta de atenção tá realmente me
preocupando.
Ela se ergueu e deu-lhe um tapão no peito.
— Pensa que não te conheço, seu sem-vergonha!
— Zoe, pelo amor de Deus!
— Não chame Deus pra nossa cama cheia de
pecado! — ralhou.
— Oh, certo, agora é religiosa também!
— Também? Também?
Ele a encarou com os maxilares retesados e
respondeu:
— Além de louca ciumenta.
No minuto seguinte, levou um tapa na cara.
— Não me chama de louca, ouviu? Aliás, nunca
mais chama uma Bernard de louca!
Esfregando a bochecha com a mão, fazendo uma
careta de dor, ele assentiu arrependido:
— Desculpa, amor.
A carinha que ele lhe fez, coitado, parecia um
cachorrinho com o rabo entre as pernas, amoleceu seu
coração.
— Me perdoa pelo tapa, tá?
Ele sorriu sem jeito e disse:
— Pior que eu gosto de apanhar.
Zoe franziu o cenho, intrigada.
— Fica excitado?
— Quando você bate em mim, só você.
— E de quem mais você apanha, Romano? —
indagou, debochando.
Ele tornou a sorrir.
— Nunca apanhei de ninguém, não, dona. Nem do
meu pai, minha mãe nunca deixou. Ela disse pra ele bem
assim: se não sabe educar sem bater, então vai morar no
estábulo com os cavalos, porque é lá que rola o coice. —
declarou bem feliz da vida.
— Cacete, vou bater muito em você! E quanto mais
reclamar, mais vai apanhar! Vai sair na rua tatuado com
meus dedos na fuça, amorzinho!
Ele a olhou detidamente e pediu numa voz baixa e
ronronante:
— Me bate, Zoe, vem... Pode bater, estou pronto pra
você, pra esse tornado misturado com maçã caramelada
que é você, minha paixão.
Os olhos azuis estavam claros quase brancos, um
falso estado de paz escondia o fogo, a parede de fogo que
não era refletida neles.
Ela deixou escapar um gemido rouco com a
respiração pesada. Mas não teve condições psicológicas
para bater nele, nem cogitou fazê-lo. Tudo que queria era
amá-lo.
Desceu os lábios entreabertos até o tufo de pelos
onde repousava o guerreiro e o abocanhou até a metade,
acariciando-lhe as bolas. Amava o cheiro morno da
virilha dele. Amava a densidade macia do saco e o gosto
do seu pau, tão grande, tão duro, tão quente, tão pronto,
sempre.
Quando Zoe ajoelhada entre suas pernas empinou a
bunda o máximo que pôde, ele já sabia que ia gozar
poucos minutos depois. Podia aguentar prolongar bem
uma trepada, levando na rédea curta o autocontrole e
jamais se permitindo gozar antes da sua menina, mas vê-la
semicerrar as pálpebras, abrir bem a boca para engolir o
seu pênis, o semblante de safada gulosa, bem, ele não era
um homem de ferro.
Sentiu-a pôr as mãos debaixo da sua bunda para
firmar-lhe o tronco contra a cama, ela queria investir
fundo no boquete e, puta merda!, sabia muito como fazer,
a filha da mãe devia ter treinado numa banana ou
naqueles pepinos grandes que se fazia salada, diabos, ele
nem sabia mais o que estava pensando, a boca aveludada
e morna se aprofundou até a base, sugando com força as
paredes delicadas do mastro rijo. Ele tinha certeza de que
a qualquer momento ela ia se engasgar, ela sempre se
engasgava quando a glande lhe cutucava a garganta.
— Zoe, minha linda, não precisa ir tão fundo... ai,
delícia, vai até o fundo.... — gemeu, tropeçando nas
palavras.
Um celular vibrou sobre o criado-mudo.
Dinho fechou os olhos, embaralhando seus dedos no
cabelo longo de Zoe e pediu num fiapo de voz:
— Me deixa te chupar... moleca... Vem... Vira e me
dá a minha bocetinha gostosa, vamos!
Puxou todo o ar e ainda assim se sentia sufocado.
Então o outro celular também começou a vibrar.
— Se parar de me chupar...
Ela se afastou e o olhou com olhos de chapada,
ainda que estivessem perigosamente ameaçadores.
— Por favor, complete a frase, estou muito curiosa.
Sua fisionomia era de uma rainha poderosa
desafiando o cara que limpava o chão do palácio. E ele
nem tentou seguir em frente.
Preferia pôr o rabo entre as pernas a perder uma
chupada.
— Terei de comer o teu rabinho, moleca, era isso
que eu ia dizer. — sorriu sem graça.
— Sei, fica prometendo e nunca cumpre.
Ah, Zoe, baixa a cabeça e chupa, nada de DR!
— Vamos com calma... — e chupa o meu pau,
porra.
— Por quê?
Ah, Deus, por que eu sofro tanto?
— Amor, cu dói.
— Como sabe?
Ele suspirou forte e disse:
— Põe a boca no meu pau que eu vou te explicando,
ok?
Zoe sorriu e ensaiou voltar ao sexo oral. No entanto,
os dois celulares tornaram a vibrar. O que lhe pareceu que
algo urgente acontecera.
Imediatamente Dinho falou:
— Calma, chupa aí, que não ouvi sirene de
ambulância.
Mas Zoe pulou da cama e viu no visor do seu
aparelho que o número era o do seu pai. Em seguida,
pegou o celular de Dinho e falou:
— Max e Vince estão atrás de nós.
Dinho engoliu em seco, mas manteve a pose.
Por fim, apenas balbuciou:
— Ainda é possível que você termine essa chupada
antes da minha castração?
Capítulo 28

Quando Zoe chegou, o pai estava no alpendre ao


telefone. Fez um sinal para ela com o dedo em gancho
chamando-a para perto de si, afastou o celular e pediu
com o semblante preocupado:
— Tem como você tentar acalmar a sua mãe? Já fiz
de tudo, e a baixinha tá soltando fogo pelas ventas.
Zoe suspirou fundo e relaxou a musculatura. Ainda
não havia chegado a Hora da Verdade. Entretanto, não era
normal o pai precisar de ajuda extra para resolver os seus
problemas conjugais.
— Mas o que aconteceu? — indagou curiosa.
Ele lhe fez um sinal com a mão, a fim de pedir que
aguardasse a sua resposta. Depois, deu-lhe as costas e
falou com a pessoa do outro lado da linha:
— Vince, sei que tenho implicância com algumas
pessoas, sei disso, é uma das minhas qualidades, aceito
numa boa, mas acredito na intuição da cabrita, ela não
erra uma.
A garota tentava ligar um ponto ao outro da
conversa, aliviada em saber que ela e Dinho ainda não
eram a bola da vez. Foi até a porta e deu uma espiada
para dentro de casa e não viu ninguém na sala. Voltou-se
ao ouvir o pai finalizar a conversa:
— E o que me diz da dita cuja pegar a Lana na
escola e não se dar ao trabalho de avisar? Não quero
saber, ela tem olhar de vaca louca, quero saber tudo sobre
essa pessoa. — afirmou, com os maxilares tensos, e
desligou.
Dava para perceber nitidamente que a cobra ia
fumar para os lados de quem quer que fosse, pensou Zoe,
mordendo o lábio inferior.
Max voltou-se para a filha e disse com bastante
naturalidade:
— A amiga da sua tia buscou a Lana na escola e não
avisou ninguém, quando as encontrei na estrada, tenho
certeza absoluta de que ela não estava vindo pra fazenda...
— Mariane? Digo, o senhor tá pensando o mesmo
que eu?
O pai franziu o cenho e essa era a resposta: nem
cogitara a respeito.
— Não pensei nisso. A filha do Werner
provavelmente foi machucada por um homem, quero dizer,
um monstro.
— Então... — olhou-o, esperando que lhe desse uma
resposta mais exata. Conhecia Vivian, já havia
conversado com ela e nada no seu comportamento lhe
chamara atenção.
Ele trincou os molares e falou com cara de nojo:
— Ela me chamou pra fazer coisas.
— Que coisas?
— Por favor, Zoe! — exclamou impaciente.
— Não me diga que contou isso pra mãe!
Ele a encarou com seriedade.
— Conto tudo para sua mãe, sou um livro aberto.
— Mas pode pular algumas páginas, né? Puta
merda, ela deve estar arrasada, chorando e toda fodida.
— refletiu com pesar e raiva.
A mãe não merecia se incomodar depois de ter
perdido uma pessoa tão importante na sua vida, e o pai,
porra, tinha que guardar algumas coisas pra si mesmo,
ora! Ele não era um marido infiel, todo mundo sabia
disso, o que atraía ainda mais a mulherada quenga, mas
tinha que ter tato e poupar os sentimentos da esposa.
— Ela não tá fazendo nada disso.
Xiiii, a cara dele era a mesma de quem havia se
arrependido de abrir a boca.
— O que foi? — perguntou desconfiada.
— Tá ouvindo essa barulhada dentro de casa?
Sim, pai, parece que alguém tá quebrando um
monte de pratos.
— É ela?
—É, sim, a tua mãe tá revirando a casa atrás de uma
espingarda. — afirmou, contraindo os maxilares.
— Meu Deus, pai!!! A gente precisa chamar a tia
Valentina!
— É mesmo? Tem certeza disso? — perguntou com
ironia. — Aí teremos mais uma procurando uma arma na
casa do Vince. — ele respirou fundo, tentando se
controlar e falou: — Sou honesto com vocês, me sinto
desleal e cretino se não falo essas coisas de mulher me
atacando, mas acontece, Zoe, que ela não estava a fim de
mim, meus sentidos gritaram que a vaca é doida!
— A Vivian? Doida? — ponderou por alguns
segundos e concluiu: — Tem um jeito de a gente descobrir
mais sobre ela. — pôs as mãos nos quadris e completou
bem séria: — O senhor pode falar com a minha professora
de Sociologia, ela era vizinha da Vivian quando
adolescente...
— Ah, sim, Goiânia é um tiquinho de cidade. —
debochou com amargura.
— Mas ela não é da capital, não. As duas são do
interior, de uma cidade minúscula que até apareceu na
tevê por ter o menor número de eleitores no país, só não
lembro o nome, a zoeira é enorme na aula da professora
Antônia, ela fala baixo e ninguém escuta direito.
— Interessante.
Ela viu o pai entrar em casa e o seguiu. Ele subiu
rapidamente os degraus e alcançou o corredor,
encontrando Lana com a Ava no colo, as duas estavam
exageradamente maquiadas, o que o assustou.
— Pelo amor de Deus, o que é isso?
Lana sorriu, o batom borrando os cantos da boca e
parte dos dentes da frente, e falou:
— A Ava queria entrar no quarto, mas a mãe tá
pondo o closet abaixo e não para de resmungar que vai
matar uma sem-vergonha descarada, a Vivian, claro.
Ele entortou o lábio com amargor.
— Tudo bem, vão comer a sobremesa que resolvo
as coisas por aqui.
Assim que elas desceram, Max entrou no quarto e
pegou sua esposa ao celular, dizendo:
— A gente tem que atrair a vagabunda para uma
emboscada daquelas e sentar o sarrafo! Uma “foda quente
e gostosa”? O que? O cara é casado, cacete! Onde tá a
porra dos valores? Quatro filhas!! Família!!! Vou ensinar
que não se mexe com homem de mulher nenhuma nessa
porra de cidade! Você ainda tem aquele taco de beisebol,
Valentina? Ótimo! Telefona pra ela que vou trocar de
roupa, e a gente logo se encontra.
Assim que encerrou a ligação, ela olhou para a
porta e esbarrou seus olhos nervosos na serenidade azul
do olhar do marido. E ele foi bem firme ao dizer:
— Quando despachei a sirigaita, falei que tinha uma
mulher de verdade em casa. Mas se toda vez que eu contar
que me paqueraram ou o diabo e você ficar maluca desse
jeito, não falo mais é merda nenhuma.
Ela se ergueu da cama e o desafiou.
— Depois que eu der uma lição na vadia a gente
conversa.
Ao tentar passar por ele, foi pega pelo antebraço.
— Você vai ficar em casa com as suas filhas.
Fazia tempo que Max não falava grosso com ela.
— Já marquei com a Valentina.
— Telefona e desmarca. A tal da Vivian mentiu
sobre a sua cidade de origem, e era isso que eu fazia
quando queria esconder o meu passado. Vou revirar e
descobrir os podres dessa mulher. — e, encarando-a
fixamente, determinou: — E você vai se acalmar e agir
como uma pessoa adulta e madura. Vai acabar assustando
as nossas filhas.
— Mas Max... — falou desanimada.
— Não quero mais me incomodar com suas crises
de ciúme.
Ele saiu batendo as botas no piso, e coube a ela se
sentar na cama fitando as próprias mãos. Era verdade que
havia perdido a cabeça... Contudo, talvez, com muita
sorte, Valentina escapasse de Vince e conseguisse vingá-
la, pensou, sorrindo.
***

Lorenzo mal pôs as botas na fazenda e já foi puxado


pelo braço, seu tio Max decidiu que queria companhia
para ir à cidade investigar sobre Vivian e coisa que ele
detestava era voltar ao ambiente universitário, que, por
acaso ou não, era o ambiente daquele jovem caubói.
— Sabe onde fica o departamento de Sociologia?
— perguntou, ainda ao volante da picape.
— Se o senhor tá falando da universidade que eu e a
Zoe estudamos...
Max o interrompeu com um sorrisinho debochado.
— Que, por sinal, é a única de Santa Fé, sim, é ela
mesma.
O rapaz sorriu sem jeito. Às vezes ele se esquecia
de que estava lidando com uma raposa. Era estranho,
entretanto, que não soubesse das peripécias sexuais da
filha com o seu afilhado.
— É verdade. Sei, sim, tio. — respondeu, sem
deixar de se interessar: — Mas por quê?
O outro exalou a respiração num jato e o gesto
demonstrava o quanto ele estava de saco cheio de ter que
explicar a porra toda de novo.
— Soube que a Vivian pegou a Lana na escola?
Lorenzo assentiu, crispando os lábios e falou:
— A tia Pink contou para o meu pai, e ele me falou.
O que o senhor pretende fazer?
— Por enquanto apenas levantar dados. — disse,
simplesmente.
— O pai a conhece, ela andava pelo Gilley’s
enchendo a cara e implicando com a cauboizada, parece
que é bem chegada a um jeans apertado. — ironizou.
— É, eu sei. Um tipinho bastante comum, despreza o
que quer comer. — rebateu com menosprezo.
— Parece também que é rica, era diretora de um
banco antes de vir pra cá.
Max o encarou.
— “Parece” que você sabe bastante coisa, né?
Lorenzo sorriu levemente.
— Meu pai me ensinou a escutar os mais velhos,
então quando ele fala presto atenção. — respondeu com ar
irônico, depois completou: — E o fato de ele ser gay se
torna uma espécie de confessionário para as mulheres,
acho que elas se sentem seguras desabafando com um
macho inofensivo.
Max riu com vontade.
— De inofensivo o Natan não tem é nada. —
afirmou num tom divertido, mas, em seguida, emendou o
que considerava como verdade: — Principalmente quando
se une ao Fred.
O filho de Natan obrigou-se a concordar. Havia um
racha na família Romano devido à atitude dos filhos
biológicos do vô Armando em relação ao que o caçula
pensava como certo à época em que a fazenda passara por
dificuldades financeiras. Parte da família quisera vendê-
la; Vince e dona Margarida não aceitaram a venda de jeito
nenhum.
— O tio Vince não consegue pôr uma pedra nisso,
não é?
— O Fred também não faz questão. — rebateu Max,
que sempre se prontificava a ficar do lado de Vince,
enquanto Natan e Fred se uniam na parte supostamente
oposta.
— E aí vai pôr água abaixo a união dos Romano. —
concluiu. — Realmente é tudo uma piada mesmo.
Max se voltou para ele e falou:
— Não existe união sem atritos, os Romano têm
personalidade forte e sabem o que é melhor para a
família. Ninguém é fingido, por isso o conflito.
— É, pode ser. — deu de ombros, mostrando-se
indiferente àquele assunto. Em seguida, puxou a aba do
Stetson pra baixo e declarou à queima-roupa: — E por
falar em família, estou pensando em namorar uma
Bernard. O senhor me dá a sua permissão?
O motorista trocou os pedais e acabou pisando no
freio. Ambos tiveram o corpo projetado para frente e
salvos pelos cintos de segurança.
Aproveitando que sem querer havia parado a picape
no meio da avenida, voltou-se para o jovem caubói e
perguntou:
— Desde quando tá de olho nas minhas filhas?
Lorenzo observou a cara amarrada do tio e sorriu
com autoconfiança.
— Penso que sou um bom partido, o senhor me
conhece desde que nasci e também a minha família, fui
criado por um pai solteiro que me deu estabilidade
emocional e financeira e, além disso, faço faculdade e vou
tocar os negócios da família. Obviamente não me refiro à
fazenda, e sim ao salão country e o restaurante vegetariano
que o pai vai montar até o fim do ano. Dito isso, prometo
que não irei tirar sua filha de perto de vocês e gostaria
muito de ter a sua autorização para começar a cortejá-la
adequadamente. — concluiu com uma firme polidez.
Max o olhava por entre as pálpebras semicerradas,
avaliando, analisando, unindo e separando cada frase para
descobrir onde estava a parte ruim da sentença.
Lorenzo era um Romano.
Por que se importar que quisesse namorar sua filha?
— Por acaso já tá de agarramento com ela, seu sem-
vergonha?
O caubói nem piscou.
— Ainda não.
Max ergueu uma sobrancelha.
— Mas você é danado de atrevido, não? Tá dizendo
na minha cara que vai pegar minha filha mesmo que eu não
permita? — perguntou secamente.
— De forma alguma. Estou pedindo a sua permissão
para me aproximar da sua filha, talvez ela nem me queira.
Max então relaxou e girou a chave na ignição,
pondo a picape a rodar novamente em direção a tal
faculdade.
Declarou sem tirar os olhos do trânsito meia boca
naquele horário da tarde:
— Aprovo a sua atitude.
— Obrigado, senhor.
— Se fizer minha filha sofrer ou se desrespeitá-la,
vou socar tanto a tua cara que ficará cego, surdo e
começará a respirar pelo cu. Entendeu?
— Sim, senhor.
— Não me importarei com o seu pai, se você não se
importar com a minha filha.
O outro sorriu e respondeu:
— O senhor sempre foi muito coerente.
Max ligou o pisca e estacionou diante do prédio da
universidade particular de Santa Fé, virou-se para
Lorenzo e falou:
— Não me venha com deboche, cabra. Se pisar na
bola com a minha filha, não terá uma segunda chance, e
homens como eu não fazem ameaças vazias.
Com extrema frieza, o filho de Natan rebateu:
— Cumpro minha palavra. E, com todo respeito,
não tenho medo de cara feia nem de fazendeiro rico. —
até tentou sorrir para a coisa não parecer pesada, mas não
conseguiu.
Max o olhou de cima a baixo, avaliativamente.
— Acho melhor baixar a crista.
— Se eu fizer tudo que o senhor mandar, não terei
mais o seu respeito. — rebateu, fechando a cara.
— Tá me desafiando, moleque?
— Não, senhor. — disse com firmeza, sem desviar
seus olhos dos de Max.
Por fim, o outro sorriu com ar superior e disse:
— Você tem a minha permissão, resta saber se a Zoe
vai querer se envolver afetivamente com alguém, já que a
vida dela é estudar e treinar.
Lorenzo continuava com o semblante sombrio.
— Não quero a Zoe.
Max o fitou seriamente.
— A Lana não tem nem 14 anos, terá que esperar
mais quatro.
— Não é a Laninha.
Então o outro absorveu a informação subentendida e
tudo que pensou foi: “Até que ponto faria bem a Lolla ter
um namorado, pelo menos, de verdade, e não aquele tanto
de nomes que ela saía se gabando pela casa como sendo
seus maridos?” Ele sabia que todos eles eram
personagens de livros. Os melhores genros que um pai
podia pedir a Deus.
Mas, no fundo, sabia que a filha precisava interagir
mais com seres humanos e, principalmente, com rapazes.
Não a estava criando para ser freira.
Suspirou profundamente.
— Olha, Lorenzo, a Lolla tá passando por uma fase
difícil, ela não sabe lidar muito bem com seus
sentimentos, que, por sinal, são intensos e dramáticos
como os da minha cabrita... Talvez seja melhor que espere
para começar a zanzar ao redor dela ano que vem.
— Não posso esperar tanto.
— Por quê? Foi convocado pra guerra do
Afeganistão? — debochou.
— Tio Max, o senhor deve ser cego ou se finge de
cego, será que não vê que as meninas mais bonitas da
cidade moram debaixo do seu teto?
Max queria ficar sério, mas não conseguiu evitar a
onda de orgulho que encheu sua boca de dentes.
— É a mais pura verdade.
— Por isso quero a minha Bernard antes que outro
venha e pegue... — ele usou um pouco de psicologia ao
seu favor: — Como um forasteiro, por exemplo.
— De jeito nenhum. — Max fechou a cara. — Pois
bem, você tem a minha permissão. Contudo, terá uma
espécie de “liberdade vigiada”, não tirarei os olhos de
cima do teu lombo e ande em linha reta com a minha
cabritinha avoada.
— Pode confiar em mim, tio.
Lorenzo fez questão de estender a mão para apertar
a do seu provável futuro sogro.
Max, entretanto, ponderava se não havia facilitado
as coisas para o rapaz. Quando as meninas eram
pequenas, pelo menos, as duas mais velhas, ele se
imaginava amarrando seus pretendentes de cabeça para
baixo numa árvore grande detrás do casarão. Ele era uma
autoridade, a autoridade paterna, e cabra nenhum estava à
altura de suas crias. Sabia, no entanto, que elas
precisavam tê-lo como aliado para continuar a lhes dar
proteção, amor e confiança, a última coisa que queria era
vê-las fugindo para casar ou simplesmente fugindo em
busca da própria liberdade de escolha.
Ao entrar no escritório do chefe do departamento de
Sociologia, ele procurou varrer da mente a conversa com
Lorenzo, precisava se concentrar no alvo da vez, e o filho
de Natan ainda não estava na sua mira.
Encontrou o professor e uma senhora roliça, de
estatura mediana, vestida num conjunto de saia e
casaquinho estilo anos 60. Era uma ruiva na faixa dos
quarenta, meio deslocada do ambiente rústico da cidade.
Havia naquele rosto arredondado uma aura de suave
superioridade. Talvez fosse por que os homens que
acabavam de entrar na sala usassem chapéus.
— Preciso falar com a professora Antônia.
Max foi direto ao assunto, embora já soubesse que a
mulher diante de si era a dita cuja, visto que ela o olhou
de cima a baixo ao ouvir o nome mencionado.
— Sobre o que seria, senhor...?
Mas foi o homenzinho de camisa social azul e calça
de tergal com vincos nas pernas que o interpelou.
Ignorando a deixa para que se apresentasse, Max foi
logo dizendo:
— Não te interessa.
Lorenzo sabia que teria de contornar a situação.
— Como vai, professor Alfredo? Sou Lorenzo
Romano, do curso de Administração. Eu e o meu tio
precisamos conversar com a professora Antônia sobre
uma conterrânea dela, a senhora Vivian.
Antes que Alfredo abrisse a boca para indicar a
presença da colega no recinto, ela própria se fez ouvir.
— Sou eu. — em seguida, voltou-se para o colega,
e disse: — Pode nos dar licença, por favor?
O outro franziu o cenho mostrando com isso que não
se sentia confortável em deixá-la com dois estranhos.
— Tem certeza?
Mas a professora o liberou da forçada gentileza
com um sorriso assertivo.
— Claro que sim, conheço os Romano e Bernard,
Zoe é minha aluna, senhor Max... Max não é mesmo?
O pai de Zoe sorriu com um canto da boca e
concordou com ela, assentindo levemente com a cabeça.
Assim que ficaram os três a sós, aproveitou para ir
direto ao assunto.
— Minha filha disse que a senhora é da mesma
cidadezinha que essa Vivian... Preciso de algumas
informações a respeito dela.
A outra o encarou avaliando-o.
— Pode me dizer por qual motivo?
— Claro que sim. O motivo é: não vou com os
cornos dela. — respondeu com seriedade.
Ao vê-la esboçar um sorriso sem graça,
acrescentou:
— Na verdade, procuro saber sobre as pessoas que
se aproximam das nossas famílias.
Antônia baixou a cabeça e depois suspirou
profundamente dirigindo-se à porta para fechá-la. Voltou-
se e disse:
— Quando cheguei a Santa Fé, anos atrás, encontrei
a Vivian, por acaso, ao entrar na loja dela. De imediato a
reconheci, mas achei estranho que não usasse o seu nome
verdadeiro. Ela se chama Vilma. — ela se sentou numa
poltrona que dividia um canto da sala com outras duas e
fez sinal para os homens a imitarem no gesto. Assim que
eles se sentaram, continuou: — Foi pura coincidência que
duas pessoas de Anhanguera, cuja população hoje chega
perto a de 1100 habitantes, tenham se esbarrado em Santa
Fé.
— Por que a senhora veio morar aqui? — Max
perguntou secamente.
Ela o olhou com tristeza no olhar.
— Meu noivo se matou, e eu quis fugir de tudo.
A resposta o pegou de surpresa, e ele recuou,
recostando-se inclusive na poltrona. Coube a Lorenzo
continuar com as perguntas, a fisionomia do mais novo
permanecia inabalável.
— E por que essa Vivian ou Vilma se arriscou se
mudar para uma terra praticamente ainda no feudalismo?
Ela era diretora de banco, tinha grana... Bem, de quem ela
fugia?
— Acho que dos seus demônios.
— Cobradores?
Lorenzo olhou para o tio, franzindo o cenho, e
recebeu um dar de ombros tipo “cobradores são os
enviados do inferno, porra, quer que eu pense o quê?”
Contudo, a mulher facilitou as coisas para eles,
elucidando a história de uma vez.
— Vivian viveu um verdadeiro inferno quando era
criança e adolescente. A sua mãe foi abandonada pelo
marido e ela teve que criar os três filhos sozinha. Vivian
era a do meio, o mais velho era um garoto que não batia
bem da cabeça. Eu e minha mãe morávamos na mesma rua
que a família dela. A mulher dava pequenos golpes para
conseguir se sustentar e aos filhos, mas quando bebia se
transformava em um monstro. Os vizinhos chamavam a
polícia ao ouvirem os gritos da mais nova, e quando isso
acontecia era por que ela estava sendo espancada pela
mãe. A menina tinha uns dois ou três anos de idade e ainda
não caminhava, fazia xixi na calça, mal falava. Naquela
época, as crianças não tinham tanta assistência assim,
como se tem agora com os conselhos tutelares, ainda que
nem todos façam um bom trabalho. Mas a questão era que
essa criança apanhava da mãe e do irmão maluco. Um dia
a coitadinha não resistiu e morreu.
Max sentiu uma puta contração na boca do estômago
e o seus pensamentos se voltaram para a pequena Ava, a
sua loirinha que o acordava enchendo-o de beijos como
um cachorrinho feliz.
— Meu Deus... E o que fizeram com a desgraçada?
— Ela foi presa, senhor Max.
— E quanto a Vivian? — perguntou Lorenzo,
interessado.
— Ela tinha uns 9 ou 10 anos, parece que foi morar
com uma tia, não sei ao certo. — ela parou de falar,
respirou fundo e continuou: — O que disseram a minha
mãe mais tarde foi que o bebê ficou dentro de um baú
durante uma semana, morto. A mãe e o irmão estavam
abrindo um buraco debaixo da cama e já tinham comprado
um saco de cimento. Eles iam dar queixa de
desaparecimento da criança, naquela época era comum
culpar os ciganos, acusá-los de sequestrarem bebês, não
sei se de fato eles o faziam. E durante o tempo em que o
corpo da pequena estava escondido, a mãe e o irmão se
revezaram nas agressões contra a filha do meio a fim de
que ela não abrisse a boca sobre o espancamento e,
posterior, assassinato.
— Jesus, quando a gente pensa que vai piorar...
realmente piora. — disse Max.
— Ela era tão bonita, a mãe da Vivian, sabe? Tinha
o cabelo longo e escuro, bem cuidado, ninguém imaginaria
o que ela fazia dentro de casa com as filhas...
Lorenzo retesou os maxilares e se obrigou, em
seguida, a perguntar:
— A Vivian continuou morando em Anhanguera e se
dando bem. Por que então se mudou para cá tanto tempo
depois do ocorrido à sua família?
— Pois é, a mãe e o irmão foram presos. Mas sabe
como é a justiça no país... Cumpriram parte da pena e
depois ganharam a liberdade. Não voltaram para
Anhanguera, não sei o que aconteceu com eles. — ela
respirou fundo e seu olhar se enterneceu ao falar: — Não
sei por que ela veio pra cá, mas sei que ela não se chama
Vivian. O nome dela é Vilma. Vivian era a sua irmãzinha
morta.
Capítulo 29

Vince era um homem com uma missão: levantar


informações com seus contatos na polícia de Goiás.
E, assim que conseguiu conversar com um
investigador da polícia civil de Anhanguera que estava a
um passo da sua aposentadoria, telefonou em seguida para
o amigo, dizendo:
— A coisa fedeu, Max.
Do outro lado da ligação, o amigo acabava de
estacionar a picape na garagem e desligar o motor.
— Que ótimo. — disse com desânimo.
— Ok, então é o seguinte. — ele estacionou a sua
camionete junto ao meio-fio da delegacia onde trabalhara,
puxou a carteira de cigarro do bolso e se apoderou de um
para, em seguida, acendê-lo com o isqueiro. Só então
continuou: — Passei o nome de Vivian Frederica Gomes
para o Antunes, e o que eles têm por lá é um atestado de
óbito de uma criança de dois anos, morta com golpes
sucessivos no crânio provocados por instrumento
contundente. O que bate com a informação da professora
Antônia.
Max abriu a porta e desceu, o celular colado à
orelha.
— A pobrezinha. Que história nojenta, isso me
embrulhou o estômago e me levou a lembrar do
desgraçado do meu pai.
— Os monstros podem se passar por pai, mãe, filho,
amante ou quem for. A questão é que o nome da Vivian é
de fato Vilma, Vilma Frederica Gomes, e essa aí tá limpa
na polícia.
— Isso é muito bom pra quem quer se sentir mal
como eu, a mulher teve uma vida infernal e veio refazer
sua vida aqui. — arou o cabelo com os dedos, irritado, e
continuou: — Que bosta! Às vezes esqueço de que
existem pessoas boas... Acho, no fim, que ela só quis fazer
uma boa ação e pegou a Lana na escola. Agora, de cabeça
fria, lembro que a Lana falou que tentou ligar e isso
significa que a Vivian não a impediu de se comunicar.
Sabe qual é a merda, Vince? — não esperou o amigo
responder para continuar: — Sou muito influenciado pela
cabrita, se ela fala que fulano não presta, eu acredito
imediatamente que o cidadão é um malfeitor. A única
coisa que não posso negar é que a forasteira me convidou
pra foder, isso foi claro e límpido, o que também me
irritou.
Vince soltou uma risada.
— O ogro tá arrependido, é? Mas vou lhe dizer uma
coisinha que vai bater em cheio com os seus “sentidos”.
Max parou e ficou a meio caminho entre a picape e
a entrada do casarão.
— Pode mandar o rojão.
— A delegacia de Anhanguera tá com três casos de
homicídio em aberto, assassinatos ocorridos há cinco
anos. Veja bem, é uma cidade de quase mil habitantes.
Isso é demais pra eles.
— É verdade. E como é que os incompetentes ainda
não solucionaram os casos?
— Falta de provas. Os investigadores insistem em
não relacionar os assassinatos, mas me parece que temos
aí um padrão. Escuta só, Max, três meninas
desapareceram e depois foram encontradas mortas. Todas
adolescentes, entre 14 e 19 anos, que foram pegas em
algum lugar e largadas no meio do mato às margens de
uma rodovia.
— A ligação é o fato de terem sido sequestradas,
assassinadas e depois abandonadas na estrada? —
perguntou descrente de que houvesse alguma ligação
nisso, podia muito bem ser um simples caso de
coincidência.
— Não é só isso, não, ô policial de araque... —
Vince fez troça da atitude do outro e emendou: — As três
foram duramente espancadas até a morte. Sei que não foi o
mesmo que aconteceu a Mariane, talvez a pessoa que
agrediu a menina tenha perdido a forma, sei lá, ou se
assustou com o barulho de um automóvel na estrada...
Alguma coisa fez o espancador recuar e, por isso, a garota
sobreviveu.
— Você quer dizer que, além dessas três meninas de
Goiás terem sido mortas por um psicopata, ele veio pra
Santa Fé e fez o mesmo com uma das nossas?
— Há uma boa diferença de tempo entre os casos,
como falei, se for o mesmo cara, ele ficou cinco anos sem
agir. — ponderou.
— Então enquanto você investigava a Vivian acabou
descobrindo sobre esse psicopata dos infernos. —
concluiu Max, astutamente, já entrando na sala e vendo a
esposa pôr a mesa do jantar.
— Não, Max, não mirei num alvo e acertei outro.
Quando miro, acerto e abato. — afirmou com rispidez.
O outro beijou a esposa na testa e fez um sinal com
a cabeça de que se refugiaria no escritório para continuar
a conversa ao celular. Chegando lá, fechou a porta e se
sentou na beirada da escrivaninha.
— O que ainda não me disse, cabra safado?
— O que o Antunes acreditou ser uma espécie de
excentricidade sua, já que ele não estava na cidade cinco
anos atrás e tudo que soube sobre o ocorrido se deu
através dos inquéritos. — ele fez uma pausa, tragou fundo
o cigarro e revelou junto com a fumaça expelida pela
boca: — Ele viu as fotografias das vítimas. As três tinham
longos cabelos escuros. Marianne tem um longo cabelo
escuro.
— Que diacho botar cabelo no meio da história. —
falou Max, baixinho, como um pensamento que lhe
escapara da cabeça.
— Psicopatas seguem padrões. Normalmente,
relacionados a traumas da infância.
— É um homem o espancador.
— Ou uma mulher forte. Veja bem, as vítimas são
pequenas e frágeis. Olha o tamanho daquela mulher! Ela
pode dar uma surra até na minha Valentina, que é um puta
mulherão!
— Ela é bem menor que eu.
— Isso não conta, você é um cavalão. Max, aceita
abrir a mente, cacete! Não fica preso à ideia de que
somente homens espancam e matam. As mulheres também
podem fazer esse tipo de monstruosidade, é verdade que
uma minoria em relação aos psicopatas do sexo
masculino, mas quando isso acontece elas usam da mesma
crueldade e frieza.
— Não foi a Vivian.
— Escuta isso então. — Vince respirou fundo,
controlando a vontade de mandar o seu amigo à merda por
ser tão cabeça dura, agora tudo lhe parecia muito claro:
— Vilma assiste, sem nada poder fazer, ao espancamento,
assassinato e ocultação do cadáver da irmãzinha. Vilma
convive com o corpo da irmã debaixo da sua cama,
apodrecendo, antes de ser enterrado. Vilma é espancada
seguidamente pela mãe e o irmão para que não revele o
que sabe. Acredito inclusive que ela sempre tenha sido
espancada. Vilma cresce e repete o comportamento da
mãe, mas agora é ela quem tem o poder, é ela quem
controla a situação. Escolhe então meninas frágeis, mas
não crianças nem adultas, isso deve simbolizar alguma
porra. Vilma vive numa cidade pequena e logo pode ser
desmascarada, mesmo que use como camuflagem o seu
sucesso profissional. Vilma se transforma em Vivian, e
como boa psicopata que é, se aguenta sem atacar até
chegar a Santa Fé. Passa um tempo em jejum até que
alguma coisa reacende nela e acaba atacando a Mariane.
— parou para tomar fôlego. Caralho, parecia que havia
voltado a ser policial. Ele sempre seria um policial. —
Max, você sabe alguma coisa sobre a aparência da mãe da
Vivian?
— Cabelos longos e escuros.
— Característica das quatro garotas, ou seja, mais
um dado em comum.
— Não podemos agir baseado em especulações. —
disse ele, sério.
— Sim, são apenas evidências. Com isso, não
podemos mandar a Vivian para a Bolívia. Na verdade,
nem entregá-la à polícia. Precisamos de provas.
Pink entrou no escritório assim que ele desligou o
celular.
— Ouvi tudo.
— Nem sei por que fecho a porta. — disse Max,
dando de ombros.
— Vocês acham que a Vivian é perigosa?
— Não sei, tenho as minhas dúvidas, mas o Vince
dificilmente erra.
Ela umedeceu os lábios, nervosa.
— Então você precisa dizer ao Vince que a
Valentina tá na casa da psicopata.
Max a olhou entre assustado e intrigado.
— Diabos, fazendo o quê?
— Ela foi enquadrar a vaca. A gente não sabia que
era uma vaca louca.
***

A mulher de Vince toldou os olhos com a mão e


encostou a testa contra o vidro da porta, vendo que o
primeiro ambiente, uma sala austera, estava vazia.
Havia prometido a Pink dar uma enquadrada em
Vivian e, além disso, espantá-la de vez da sua vida, cortar
relações, por assim dizer. Em Santa Fé também se usava
muito a expressão: “chutar o rabo da vadia”.
A livreira era conhecida por fazer amizades com
facilidade e isso acabava atraindo todo tipo de mulher.
Pink até que estava reagindo muito bem a uma série de
provocações por parte de Vivian, mas a última realmente
fora a gota d’água. Cabia a ela, Valentina, que havia posto
a piranha dentro da livraria entre elas, a tarefa de resolver
o problema. Não queria mais saber de ouvir Pink falar em
pegar uma arma pra estourar a cabeça da vagabunda.
Embora se o alvo da cantada da outra tivesse sido Vince,
a cabeça da loira já estaria em pedaços. Ninguém tocava
nos homens comprometidos da Rainha do Cerrado sem
sair impune.
Bateu à porta sentindo uma comichão nas palmas
das mãos. Talvez fosse apenas suor ou alergia. Contudo,
podia ser também vontade de usá-las fechadas no nariz da
empresária.
No minuto seguinte, Vivian apareceu com o seu
melhor sorriso e o corpo vestido no seu melhor vestido de
verão, longo, estampado. Nada nos pés e um colar de ouro
que refletia uma luz poderosa no olho direito de Valentina.
— Hum, até sei por que veio aqui. — ela continuou
sorrindo enquanto escancarava a porta: — Acho que me
dará uma reprimenda, não é? Às vezes eu sou uma menina
muito levada, Valentina.
A outra entrou, olhando-a desconfiada, tentando
captar os vários tons de deboche na voz da ex-amiga.
Vivian fechou a porta atrás de si e, tocando-a
levemente no cotovelo, conduziu-a até a sala.
— A Pink correu para o seu colo, não é mesmo?
Penso que um animal grande e gostoso como o Max devia
ter se casado com alguém assim como você, amiga,
poderosa e sedutora até o último fio de cabelo.
Valentina notou o olhar de luxúria que lhe percorreu
o corpo e, de repente, o seu vestido de algodão e cotton,
colado como uma segunda pele, pareceu-lhe transparente.
Ergueu o nariz e disse a outra:
— O meu amigo ama e é taradão pela mulher dele.
Não sei se notou, mas ela usa uma coleira de submissa e
isso significa que ele não gosta de predadoras... como
você.
Vivian sorriu com autoconfiança e, indicando-lhe
um enorme sofá, rebateu:
— Não quero estragar o casamento de ninguém,
aquilo foi apenas uma paquerada ao ar livre, um esporte,
se o peixe fisgasse a isca, tudo bem, mas não me
incomodou ser espezinhada pelo último marido fiel do
planeta.
— Ainda tem o Vince.
— Não duvido. Ninguém ousaria traí-la.
— Nem você?
— Brinquei com o Max, não com o Vince. — foi
assertiva, sem deixar de fitar os lábios da outra. — Mas
aceitaria você na minha cama.
Valentina não ficou chocada nem atrapalhada ou
ofendida.
— Gosto de pau.
— Eu também.
— Não colo velcro, amiga.
— Claro que não. — sorriu com ar superior. —
Mas pode descobrir por si mesma. Imagina se gostar! O
caubói acaba se matando se virar corno por causa de uma
mulher.
— O caubói nunca será corno.
— Já se permitiu pensar numa alternativa mais
original para sua vida sexual?
— Sim, cordas. Amarrada na cama ou no celeiro,
levando chicotada e cacete durante horas. — afirmou
séria, sem pestanejar.
A outra começou a se abanar.
— Que tal um ménage?
— Que tal a mão na sua cara?
— É só uma pergunta, ora.
— É só uma mão na sua cara, ora.
Vivian riu com vontade, lágrimas deslizavam-lhe
dos olhos maquiados.
— Bom, que tal um chá gelado?
— Prefiro uísque. — desafiou-a.
— Que maldade, só por que sou uma alcoólatra.
— Fica longe da minha família.
— Minha relação é apenas com você, querida. —
fez cara de inocente.
— Falo em nome da minha família como um todo,
Romano e Bernard.
— Hum, tá me ameaçando?
— Cadê o uísque?
Vivian umedeceu os lábios com a língua e disse,
sempre sorrindo:
— Vou buscar, minha querida.
Assim que ela saiu, Valentina pôde pegar o celular
que vibrava na sua bolsinha. Viu então que acabava de
receber um SMS de Vince:
Te manda daí! Vc tá na casa de uma psicopata!

O seu primeiro pensamento foi: “Vince bebeu xixi


de camelo”. Acontecia apenas que ela jamais confiava nos
primeiros pensamentos que a sua mente criava, ainda mais
a sua que era uma caixinha com coisas bonitas, coloridas
e quebradas.
Então digitou rapidamente:

Que merda é essa?

Sabia que Vince não a deixaria na mão, e se fosse o


caso de realmente acreditar naquela mensagem, em
seguida, teria a sua picape enfiada na sala de Vivian.

É sobre Mariane. Estou chegando aí, mas cai fora


agora!

Era certo que, como ex-policial, Vince tivesse feito


uma excelente investigação, ainda que superficial, era
verdade; afinal, em menos de 24 horas ele a tachava de
psicopata. No entanto, não podia negar que o marido
estava nervoso o suficiente para mandá-la fugir da casa da
outra. Ela botava fé em Vince como investigador e, mais
do que isso, como um homem desconfiado, inteligente e
experiente. Não sabia o que o levava a pensar que Vivian
fosse uma doida de carteirinha, nem perderia tempo
especulando os motivos de acreditar que ela realmente o
fosse. A verdade era que havia lido muito sobre
assassinos em série, embora nem todo psicopata matasse,
entretanto, se o seu marido estava interessado em Vivian
ao ponto de considerá-la perigosa, provavelmente, tivesse
a ver com o ataque à Mariane. E não com a cantada em
Max.
O que ela sabia sobre esse tipo de doente
psiquiátrico era raso, uma coisinha ou outra que qualquer
leitor de livro policial ou nem tanto soubesse.
Recentemente, havia adquirido um livro de Michael
Newton, “A Enciclopédia de Serial Killers”, e o lido em
uma madrugada. Acordara quase estropiada e vesga, mas
valera a pena. Agora sabia que precisava vasculhar
aquela casa para encontrar os possíveis troféus ou
souvenirs que Vivian colecionava caso fosse uma
assassina fora da casinha.
Mas se ela fosse apenas uma bissexual esquisita e
solitária, teria de se ver com Vince.
Aproveitou que a fulana foi preparar os drinques e,
possivelmente, beber alguns copos de uísque antes de
trazer o seu, e olhou ao redor. Precisava pensar. Precisava
se pôr no lugar de uma maluca que gostava de dar carona
para adolescentes à espera dos pais na escola. O que ela
gostaria de ter dessas meninas para, sei lá, reviver o
ataque?
Mariane era bonita, feminina, se vestia como uma
garota com dinheiro e na moda.
Ficou de pé e respirou fundo, tentando ganhar
coragem para revirar rapidamente gavetas e tudo que
pudesse pôr pra fora. Ela estava no lugar certo e tinha que
agir. Suas mãos suavam tanto que teve de limpar a água
morna das palmas no vestido.
Mas não teve tempo nem para sair do lugar.
Vivian voltou à sala segurando dois copos.
— Ah, não, nem pense em ir embora agora.
Ela não sorria mais.
Capítulo 30

Vivian tecia seus comentários sobre sua viagem à


Espanha, quando as duas ouviram uma batida à porta.
Valentina segurou o ar nos pulmões e,
disfarçadamente, lançou um olhar para o enfeite na
parede: um arpão de pesca. Era certo que não o usaria,
mas também não deixaria de cogitar tal ideia caso as
coisas ficassem feias para o lado do seu marido.
Oh, Deus, o que Vince alegaria a Vivian por bater
feito um louco na porta dela?
Recebeu um olhar mortal, com o acréscimo de um
sorriso, e foi como se o arpão tivesse sido enterrado na
sua barriga.
— Será que o Vince veio atrás de você, querida?
Ela não sabia o que dizer e, isso vindo de Valentina,
era de fato assustador.
A mulher foi atender a quem quer que fosse como se
flutuasse alguns centímetros do chão, sem deixar de
encará-la em momento algum, o sorriso não murchava, o
olhar de rapina também não. Ela se sentia como se
estivesse num filme de terror dos anos 70, os que davam
mais medo ainda por causa do penteado dos homens e da
falta de sobrancelhas das mulheres.
Antes de abrir a porta, ouviu-a dizer:
— Se o seu marido veio buscá-la, é porque vocês
me consideram uma pessoa perigosa.
Caramba, ela não parava de sorrir!
Quando se sentia as paredes do estômago tremerem
era por que a situação não estava sob controle. E era bem
assim que Valentina se sentia ao ver a loira abrir a porta
com olhos de cobra, cobra alegre.
Zoe Bernard sorriu como uma adolescente com
pacotes de cookies para vender.
Sua tia emprestada, ainda colada no sofá, perdeu o
ar e arregalou os olhos.
Então Vivian disse toda faceira:
— Entra, Zoe, linda. Agora tenho comigo uma
Bernard e uma Romano! Não sou uma mulher de sorte?
— Não.
Valentina não entendeu por que Zoe respondeu antes
dela. Tudo aconteceu depressa demais para que
conseguisse apreender a cena toda.
Assim que Vivian terminou de se gabar, ainda
sorrindo, recebeu um socão de punho fechado bem no
nariz e caiu de costas no tapete caríssimo. O corpo
tombou como uma jaca madura, o barulho que fez foi
abafado e seco, e ela não se mexeu mais.
Zoe se voltou para a tia e falou:
— Vou deixar um bilhete pra moça aí saber que não
se mexe com ninguém da nossa família.
— Não sei se ela conseguirá ler depois dessa
porrada.
— Desculpa, tia, mas quando meu pai falou que ela
o chamou pra “fazer coisas”, fiquei com a cabeça cheia de
sangue!
Valentina se forçou um sorriso.
— Não é à toa que atraímos homens brutos, não é
mesmo?
— Vamos levá-la para a praça da cidade e pendurá-
la, ficará como aviso às vadias que se metem com os
homens das outras!
— Nada disso, Zoe.
— Ah, mas temos que mostrar à cidade...
— Que somos loucas de pedra? Melhor, não. — ela
conseguiu ficar de pé e se aproximou da mulher
desmaiada: — Precisamos vasculhar a casa atrás de
alguma prova de que ela atacou a pobrezinha da Mariane.
Zoe a olhou intrigada.
— Puta merda! Não acredito.
— Aham, essa sister não vale nada.
— Bem que a mãe estava certa.
Valentina assentiu e, antes de alcançar o corredor
que levava aos dois quartos, disse:
— A Pink tem intuição forte, sempre foi assim.
Elas deixaram a casa do avesso. Depois, puseram a
mulher deitada na própria cama, os braços cruzados sobre
o peito como se estivesse no caixão. E foi num lugar
óbvio, como a gaveta do criado-mudo, que Valentina
encontrou o diário de Vivian. Antes que pudesse começar
a lê-lo, ouviu Zoe chamá-la.
A garota estava pálida.
— Meu Deus, encontrou algum corpo escondido?
— Não, mas acho bom chamarmos a polícia. —
respondeu, estendendo-lhe o celular de Vivian.
Valentina engoliu em seco ao ver a sequência de
fotografias no aparelho, eram muitas, quase uma centena
delas. Psicopata ou não, aquela mulher se corroía de
inveja e obsessão. Se nada a incriminasse naquele diário,
Vince teria que mandá-la para a Bolívia.
Todas as fotografias registravam vários momentos
de Lana Bernard.
Ao chegar, Vince abraçou a esposa e a beijou.
— Sua filha da puta, quase me mata de susto. — e
era como se lhe dissesse: “precisa se cuidar, porque te
amo”. Depois se voltou para a sobrinha e completou: —
Fez um bom trabalho, minha nora.
Valentina conseguiu sorrir abraçada ao marido, e
Zoe correu para o arco que formava o abraço do seu
padrinho e sogro. Não se permitiu pensar muito que ele já
sabia sobre seu romance com Dinho.
Por fim, Vince se soltou das mulheres e, ao
vasculhar o diário da outra, disse:
— Vou entregar essa porra ao Werner. — suspirou,
se sentindo cansado e enojado. — Aqui tem a descrição
minuciosa do que ela fez às suas vítimas. Como Mariane
saiu do coma, cabe ao pai dela seguir com a sua vingança.
E isso significava que ele e Max não tinham mais
nada a ver com o caso.
***

Vince estava com a mão descansando sobre o joelho da


esposa enquanto dirigia. Ao volante da camionete de
Valentina, um vaqueiro ladeado por seu companheiro de
trabalho, os seguia. À sua frente, Zoe na sua Ranger. O
comboio voltava à Rainha do Cerrado. Contudo, antes de
alcançar a saída da cidade em direção às fazendas, o
casal viu as luzes do freio da picape da garota se
acenderem, reduzindo a velocidade até estacionar junto ao
meio-fio da calçada.

— O que tem lá?— Vince se perguntou, intrigado.

Valentina havia algum tempo relutava em usar óculos, por


isso precisava apertar os olhos, quase fechá-los, para
enxergar qualquer coisa para além dos 35 centímetros de
distância. Mas conseguiu reconhecer muito bem a figura
alta, loira e atlética do próprio filho.

— Ah, acho que foi se encontrar com o Dinho.

— Diante do cartório?
Ela refutou um pensamento maluco. Ok, mais um deles.
Olhou ao redor e viu, do outro lado da rua, uma
sorveteria. Sorriu ao dizer:

— Eles vão namorar, Vince.

— A Pink sabe?

Virou-se para o marido e falou:

— Sobre o namoro? Claro que sabe. E o Max?

— O Dinho precisa falar com ele.

— Vai dar merda! Esses dois estão fazendo tudo às


escondidas, e o Max odeia mentira.

Vince começou a rir.

O começo da história de amor entre Valentina e o seu


marido era muito parecida com a de Zoe e Dinho. Ambos
haviam crescido juntos e se apaixonado na adolescência,
mas a vida os havia separado e, anos depois, unido
novamente. Ela não queria que o mesmo acontecesse ao
seu filho e a sua afilhada. Havia batizado a primeira
Bernard e a amava como se lhe fosse a própria filha. Na
sua visão, Zoe era a filha da sua irmãzinha Pink.

Voltou-se para o marido por que conhecia muito bem o


tom daquela risada.

— O que andou aprontando, seu capeta? — perguntou com


ar desconfiado.

— Não fiz nada. — ele ergueu as mãos do volante, na


defensiva, e completou com bom humor: — Se existe
algum capeta nessa história, ele se chama “Margarida”.

Valentina franziu o cenho sem entender.

— O que sua mãe tem a ver com isso?

— Ela age nos bastidores, potranca, é uma estrategista.


Sabe aquele cabra que fica perto dos governantes lhes
cochichando coisas, pelo menos, as mais importantes?

— Ai.

— Pois é, assim age a senhora minha mãe.

— Ok, agora que já fez a introdução ao assunto,


desembucha.

Ele arqueou uma sobrancelha e a olhou com ar superior.

— Conto tudo. Tudinho.

Ela bufou impaciente.


— Então fala, ora!

Vince parou diante do semáforo e voltou-se para esposa,


olhando-a detidamente antes de falar:

— Conto tudo...lá no celeiro.

— Ai.

E esse “ai” foi diferente do anterior, esse saiu junto com a


respiração, meio trêmulo, como se ela já estivesse
amarrada, açoitada e comida debaixo do teto rebaixado, o
ambiente rústico tomado pelo odor do feno morno.

— Minhas funções mentais não funcionam no celeiro.

Vince lançou um sorrisinho mau e falou com um rastro de


luxúria no olhar:

— Lá não é lugar pra pensar; só pra gozar.

Em seguida, inclinou-se para trás e para baixo, pegando


uma sacola de pano do assoalho diante do banco do
passageiro. Ao se voltar, a pôs sobre as coxas e retirou o
que havia guardado ali antes de sair. Não sabia que o dia
seria pesado. Bem, pesado ou leve, ele era um homem
sempre pronto para longas cavalgadas com a mulher da
sua vida.
— Incline-se para frente...

— Por que?

Vince a fitou com seriedade.

— Não faça perguntas... cadela.

Ahhhh...

Valentina sorriu. Se ela não lhe obedecesse, seria punida.

— Não.

— Tá enfrentando o seu dono?

Havia um vestígio de sorriso zombeteiro na expressão


carrancuda do homem.

— Ficou verde. O semáforo, Vince.

— Então faça o que mandei.

— O pessoal vai começar a buzinar.

— Incline-se antes que eu tenha que dar uns tiros pra


cima.

Obedeceu-lhe e teve os dois pulsos juntos e amarrados


por uma corda.

— O que acha que lhe acontecerá, Valentina? — indagou


numa voz baixa e arrastada.

Antes que ela respondesse, Vince abriu o porta-luvas e


retirou a guia de couro que se prendia à coleira da esposa.

— Vou foder a minha cadelinha. — disse ele, sorrindo


perversamente.

A aba do chapéu estava baixa, quase rente aos olhos,


ainda era possível ver o brilho do azul, escuro e
ameaçador, se destacar da face com barba por fazer. Ela
não cansava de desejar o seu homem, mesmo satisfeita e
saciada por ele todos os dias, sempre queria mais, viciada
e dependente do seu amor, dedicação, pau, língua, todo
ele, a sua cadela que gania baixinho ao vê-lo se inclinar
para simplesmente beijá-la na boca.

— Me fode todinha, Vince. — deixou escapar por entre os


lábios, no meio do beijo que se tornou sexual e exigente.

Ele desceu a boca pelo pescoço macio e, com o rosto,


afastou o decote e continuou a descer, a descer, a parar e
ir para a direita até encontrar o tecido do sutiã. Com os
dentes frontais, puxou a lingerie para o lado e, sem perder
tempo, abocanhou o bico grande e intumescido. Quase o
engoliu, sugando-o com força, puxando-o, tragando-o
enquanto a mão se postava entre as coxas da esposa e
subia para a sua boceta.

Uma batida no vidro da picape não os separou.

A buzinada enlouquecida não os separou.

O grupo de pessoas, que ria e apontava para o casal, não


os separou.

Quando a polícia militar chegou e os separou, ambos


foram presos por ato obsceno em via pública.

Valentina sorria toda amassada, avermelhada, parte da


calcinha enterrada na bunda. E Vince conseguiu livrá-los
das algemas, falando ao policial que conhecia o delegado
e era inclusive seu amigo. Mentira.

O casal ficou na mesma cela.

Sentados na cama de cimento, Vince disse à esposa:

— Daqui a pouco, nosso advogado estará aqui para nos


livrar desse probleminha.

O homem, na faixa dos sessenta, cuidava da parte jurídica


da fazenda e também era o responsável por tirar Dinho da
cadeia.
— Por que ainda estou com meus braços presos nessas
cordas?

Ele olhou para os pulsos dela; depois a encarou com ar


divertido:

— Não deixei o policial soltá-la, ainda tenho um pouco


de poder sobre esses cabras.

Valentina sorriu.

— Até que não é tão ruim ser presa.

— Uma prisão arbitrária, por sinal, a gente só estava se


beijando...

— A sua cabeça estava entre as minhas pernas, e os meus


peitos estavam olhando para as pessoas.

— Peitos gostosos, suculentos e safados! — declarou com


as pálpebras semicerradas. — Estou cheio de fogo de
novo, potranca.

— Estamos numa delegacia, homem, acalme-se!

Ele roçou os lábios na orelha dela e sussurrou-lhe:

— Levanta só um pouco, de ladinho, sabe? Consigo foder


discretamente, ninguém vai notar... só nós dois, claro.
Ela bateu no ombro dele.

— Não, porra! Olha a situação em que estamos! Presos,


Vince! Que cara teremos pra falar com nosso filho?

— Que deve estar casando...

— O que?

Vince suspirou resignado. Era certo que não conseguiria


convencê-la a montar na sua sela, pelo menos, até
voltarem à fazenda.

— Acha mesmo que aqueles dois foram comer sorvetinho,


potranca? Olha pra mim! Consegue me ver comendo
sorvetinho de mãos dadas com a namoradinha? Sou pai
daquele cavalão, minha filha! E aposto que o Dinho foi
apurar a papelada pra casar e poder “brincar” de casinha
com a Zoe. Ele acha que com isso acalmará a fera que é o
pai da moça. — completou, balançando a cabeça e rindo-
se. — Meu filho é uma toupeira, puta que pariu.

O alarme de Valentina atingiu vários decibéis, vibrando


trompas, útero e ovários.

O que? O que?

O seu tesouro mais perfeito do universo sendo chamado


de “toupeira”?

— Sabe quando verá um celeiro, novamente, Vince-


Babaca-Romano? No dia 30 de fevereiro! O meu filho é
um gênio, tem QI altíssimo, você mesmo viu o resultado
do teste! Você viu e não acreditou! E sabe por quê? Ele é
um bruto como você, mas tem a minha capacidade
intelectual! Por isso ele é perfeito!

Ele a abraçou com força.

— Eu não me importo que seja injusta com um ex-policial


treinado para “investigar”. — enfatizou, dando a entender
que ele também usava bem seus neurônios. — Mas para
de gritar, amor. Não quero que a coloquem na cela com
aquela mulher que não para de coçar a cabeça, só falta a
minha Valentina pegar piolho de delegacia. — segurou-se
para não rir.

— Ah, seu desgraçado, não fala mal do meu filho. —


disse entredentes.

Ele se voltou e a encarou.

— Ô, Valentina, você não fez o Dinho com o dedo, não,


ele é MEU também. A questão é que a tou... o Einstein
caiu numa cilada daquelas. Tudo bem que ele e a Zoe
estão apaixonados, mas isso tudo foi planejado anos atrás,
e os dois só seguiram o esperado.

— Como assim? — ela o olhou com desconfiança.

— O celeiro ainda tá de pé?

— Não.

— Valentina! — exclamou como um garoto contrariado.

— Continua, Romano!

Ele bufou, se sentia um idiota por ser um dominador na


coleira, uma coleira invisível, era verdade, mas aquela
mulher fazia o diabo com ele!

— Dona Margarida.

— Vince, Vince, pelo amor que você tem às suas bolas,


não fala aos pedaços, não!

Ele soltou uma risadinha, foi até as grades da cela e tentou


espiar pra fora. Voltou até a esposa, dizendo com ar de
deboche enquanto a desamarrava nos pulsos:

— Esse delegado deve estar nas nuvens, filho de uma


chocadeira. É isso que dá você me agarrar em público,
mulher.
Ela apertou a boca e balançando a cabeça, apontou o
indicador pra ele, um gesto bem claro que significava: ah,
seu bosta, fala o que tem que falar AGORA!

Ao se sentar ao lado da mulher, ele parou de sorrir e


começou o seu relato:

— Anos atrás, antes da Laninha nascer, a dona Margarida


chamou a mim e ao Max num canto e disse: “Santa Fé é o
cu do diabo, e os filhos de vocês vão fazer o que os outros
filhos de fazendeiros fazem, ou seja, se mandar para a
cidade grande, e voltarão nas férias da faculdade. Depois
vão casar com gente besta que nos olhará de cima a baixo,
os caipiras, enquanto somam mentalmente quanto dinheiro
temos. — ele riu consigo mesmo e continuou: — Então
minha mãe olhou para mim e disse: você tem um menino, e
depois olhou para o Max e completou: e você tem duas
meninas. Um pipi e duas pepecas. Então sabem o que
fazer, Adão e Eva ou coisa parecida. Precisamos manter a
geração mais nova na Rainha do Cerrado, o nosso clã, a
porra do feudo que o Natan tanto despreza, não importa...
Aliás, ele também tem um pipi em casa, e vocês precisam
garantir que o besta do meu filho não dê esse pipi para
uma aloprada de cidade grande!” E foi o que ela disse,
Valentina.

A esposa olhou bem para ele e perguntou com ar crítico:


— Com essa voz?

— Hã?

— Você estava imitando a voz da sua mãe ou a de um


travesti engasgado?

— Ah, porra, mulher. Só estava te contando que o Dinho


caiu numa armação.

— O Max aceitou o que a tia inventou?

— Não só aceitou como disse que era pra eu reservar o


Dinho pra Zoe, assim ó, como se ele fosse um pedaço de
picanha no açougue.

— Ah, que lindo! Que belo modelo de paternidade! —


ironizou.

— Potranca, casamento arranjado é mais velho que mijar


pra frente.

— Não estou criticando, faria qualquer coisa pra manter


meu filho comigo. E perto das coisas que cogitei para
chantageá-lo, juntá-lo com uma Bernard é quase como um
conto de fadas da Disney.

— Pois é, o Max sabe de tudo por que ele foi um dos


arquitetos do romance sem que ninguém soubesse. Por que
acha que designou o nosso filho como o guardião das suas
filhas, hein? — disse Vince, piscando o olho pra esposa.

— Certo, então por que você deu o chalé de mão beijada


para o Dinho?

— Essa é fácil responder: ele precisava de um canto pra


namorar a Zoe ou a Lolla.

— Duvido que o Max tenha aceitado essa parte.

— Não, essa parte é só minha, afinal, o guri é meu, né?

— Ai, meu Deus, Vince, não sabe quantas noites fiquei


sem dormir...

Ele a puxou para um abraço e disse, consolando-a:

— Amor, tá tudo sob controle. Eu e o Max não perdemos


nada de vista e queremos, sim, nossos fedelhos ao nosso
redor também.

Abraçando com força o marido, ela declarou:

— São quatro Bernard, uma hora o Max terá de aceitar


que um estranho roube a sua filha...

Vince sorriu.
— A Lolla é do Lorenzo.

— Deixa de ser besta!

— Ele pediu permissão para... “cortejá-la”, acredita


nisso? Acho que aquele caubói é do século XIX.

— Não sabia das intenções do Lo.

— Lo? É assim que vocês começam a tirar o poder das


nossas bolas! — exclamou, fingindo-se de ofendido.

— E o que a Lolla falou?

Vince riu.

—Ah, sei lá, um dia ela ficará sabendo.

— Pestes! — ela bateu no peito dele, depois, voltou a se


aconchegar entre os seus braços e comentou: — E ainda
tem a Laninha e a Ava...

— A gente vai arranjar uns caubóis da fazenda pra elas e,


se não der, mandamos trazer uns gringos. Mas é certo que
a família Romano Bernard jamais se separará, somos mais
fortes e felizes juntos, e caso queiram se meter conosco...

Valentina ergueu a cabeça e, tapando a boca do marido


com sua mão, completou por ele:
— Irão para a Bolívia.

Os dois sorriram com cumplicidade.

O advogado chegou uma hora depois e os libertou do


xilindró.
Capítulo 31

Dinho puxou um cigarro da carteira, enquanto


balançava a cabeça para se livrar das mechas loiras e
revoltas do seu cabelo no rosto, e disse a Zoe:
— Se você não me contasse o que estava no diário
da maluca, por Deus, eu não acreditaria que o espancador
era uma mulher. — e, endereçando um olhar de
provocação a ela, completou: — Sempre considerei as
mulheres como frágeis e bondosas, incapazes de qualquer
mal... a não ser, claro, as Bernard.
Zoe sorria enquanto mexia no seu anel de noivado.
— Meu pai vai arrancar esse seu sorrisinho idiota
da cara daqui a cinco minutos.
— Vou embora. — disse ele, erguendo-se do sofá
da sala da família de sua noiva.
— Namoramos e depois ficamos noivos escondido,
além disso, encaminhamos a papelada do casamento no
civil sem falar pra ninguém, o que acha então que o meu
pai irá fazer? Abrir os braços e te abraçar? Abençoar a
nossa união? — ela realmente se divertia pondo medo em
Dinho, tudo por que ele sempre se metia a valentão.
Puxou o noivo pelo braço, fazendo-o sentar-se ao
seu lado.
— É oficial: minhas bolas sumiram.
— Vixe, é só o meu pai! Você o conhece desde que
nasceu, para de drama.
— E é por conhecer o senhor Bernard que penso em
desmanchar esse noivado.
— Não pode, estou grávida! — declarou e, em
seguida, caiu na gargalhada.
Dinho empalideceu.
— Jesus!
Então ela viu o suor porejar na testa dele e, ao
limpá-lo, notou que era um suor frio, a pressão arterial do
homem estava despencando. Ele estava prestes a
desmaiar.
— Tudo isso é emoção por ser pai?
—Não consigo pensar. — balbuciou, fitando-a
longamente.
Até que Zoe o beijou e disse:
— Só estava brincando, amor. Mas agora você pode
se sentir mais aliviado, não terá que dizer ao patrão que
engravidou a filha dele.
— Você é realmente encantadora, Zoe, lembra muito
o charme do... como era mesmo o nome dele? ah, sim...
Hitler. — ironizou.
Antes que ela pudesse responder, Max apareceu na
sala e olhou diretamente para Dinho, a cara amarrada.
— Quer falar comigo?
O loiro imediatamente se pôs de pé como se o
comandante da tropa tivesse lhe dirigido a palavra.
— Sim, tio.
— Fala, cabra!
— É particular.
Ele lançou um olhar para Zoe e franziu ao cenho ao
ver o tamanho do anel de brilhantes enfiado no seu dedo.
— Que porra é essa? — perguntou, apontando para
a joia.
Zoe sorriu.
— Um anel caríssimo.
— Ah, cuida pra não perder. — rebateu o pai,
indiferente. Em seguida, voltou-se para o afilhado e falou:
— Vamos para o meu escritório e vê se não enche a minha
cabeça com problema, acordei com os cornos virados.
O gogó do rapaz subiu e desceu. Entretanto, só lhe
restava seguir o sogro e enfrentá-lo depois que a porta do
escritório se fechou atrás deles.
Max foi até a janela e deu uma espiada pra fora.
Precisava fazer isso, já que estava louco pra rir da cara
assustada do moleque. Ao se voltar, apresentava
novamente o semblante carregado e, indicando-lhe a
cadeira à sua frente, perguntou secamente:
— O que foi?
Dinho se sentou, abriu as pernas e ficou batendo
com as mãos sobre as coxas, nervosamente.
— O que o senhor acha de mim?
Max o olhou de cima a baixo e rebateu:
— Parece um doido se debatendo.
O outro sorriu sem graça e parou de se mexer,
fitando-o diretamente:
— Vou ser o pai dos seus netos, quero dizer, o seu
genro, marido da sua filha, bem, namorado, mas acho que
agora estou noivo dela. Amo a Zoe com todo o meu
coração e minha alma, ela é tudo pra mim e serei um
marido muito melhor que o senhor e o pai... Merda,
desculpa, vocês dois são ótimos maridos, minha mãe é
muito feliz e a tia Pink, uau, mais ainda. Sei que pareço
destrambelhado, mas os Romano precisam ter um ou outro
defeito só pra fazer charme, sabe? Bem, a questão é que
vou lutar pela Zoe, pode até tentar me separar dela ou
mandar me castrar, nada muda a minha cabeça, trabalho de
graça se o senhor quiser, não sei mais o que dizer, me
enrolei todo, me fodi legal. — assim que parou de falar,
baixou a cabeça e o cabelo escondeu o seu rosto.
Caralho, ele estava apavorado.
— Terminou?
Erguendo a cabeça novamente e encarando o outro
caubói, disse:
— Só mais uma coisinha... Posso?
— Seja breve, outra explosão hormonal eu não
aguento.
— Ok. Então... — ele respirou fundo e mandou com
toda coragem de um Romano: — vou fazer a sua filha feliz
e, se der merda, me afogo no rio.
— E eu vou pegar um papel pra você escrever isso
e assinar. — disse Max, bem sério.
— Ah, e outra coisinha...
— Dinho, ainda pretendo almoçar hoje. — bufou,
impaciente.
— É importante, tio. Olha só, — bateu no peito e
declarou: — vou encher essa fazenda de caubói macho e
caubói fêmea.
Max fez um esforço enorme para não rir.
— Quer dizer, vaqueira, não é?
— Ai, Jesus, estou apavorado.
Foi então que o pai de Zoe se aproximou do jovem e
disse:
— Vem aqui me dar um abraço, filho.
Dinho não conseguia se mexer.
Max teve que puxá-lo pelos ombros e apertá-lo,
dando-lhe aqueles abraços de macho, doloridos pra
cacete.
— Nunca pensei que um dia conseguiríamos unir
ainda mais nossas famílias, jamais me passou pela cabeça
ter você como meu genro.
Pink via a cena encostada na soleira da porta e,
como Valentina já lhe havia contado sobre a tramoia entre
dona Margarida, Vince e Max, falou baixinho com um
sorriso nos lábios:
— Seu sacana ardiloso.
Zoe, que se aproximou por trás da mãe, abraçou-a e
disse:
— Ainda bem que a senhora me avisou sobre as
intenções do pai. — beijou-a na bochecha e completou:
— Tirou um peso dos meus ombros.
— Eu sei, filhota, mas foi engraçado ver o Romano
suar frio. — disse, sorrindo. — Vocês podem morar aqui,
se quiserem, a casa é enorme.
— Ah, sei lá, prefiro ficar no chalé, brincar de
casinha, sabe?
A mãe olhou detidamente para a filha.
— Saiba que casamento é coisa séria.
— Eu sei, aprendi com dois casais que sabem levar
a sério os seus casamentos. — piscou o olho para ela.
— Mas espera um pouquinho para ter bebês,
namora bastante o seu caubói, cuida dele, porque ele
cuidará muito bem de você.
— Deixa comigo, mãe.
— Não será nada fácil, olha só quem é a sua sogra!
— exclamou, rindo muito.
O que chamou a atenção dos homens.
— Vem cá, moleca! — chamou-a o pai.
Zoe correu e se jogou nos braços dele.
— Te amo, pai!
Max sentiu seus olhos se encherem de água. Um
sentimento doce e morno o invadiu e era o mesmo que
sentira ao vê-la nascer na imensa cama do quarto que
dividia com a sua mulher.
— Eu amo muito você, cabritinha. Podia ter
demorado mais um pouco pra crescer, não é?
— Eu tentei, pai, tentei, mas minhas pernas
começaram a espichar muito rápido. — rebateu, rindo-se.
Ele riu com ela e, depois, se voltou para o loiro que
os fitava com um sorriso terno nos lábios. Estendeu o
braço e falou com seu jeitão cascudo:
— Me abraça aqui, seu bosta. — e, por cima da
cabeça da filha, gritou pra mulher chorando de emoção:
— Minha cabrita, vem berrar na minha camisa.
Ela correu para eles, e todos se abraçaram.
Dona Margarida, que acabava de chegar ao casarão
com um pote de ambrosia, passou por Lolla, que lia
deitada na rede perto de um chafariz no jardim, e disse
com ar travesso:
— Hum, não sabe o que te espera.
A garota sorriu ao erguer os olhos da sua leitura e
perguntar curiosa:
— O que falou, vó?
— Nada, só vou lhe dar uma dica. — ela baixou os
óculos e a olhou de um jeito que as avós sabidonas
olhavam, e falou: — Sabe o lance aí do “cérebro mais
privilegiado da família”? Sinto muito lhe dizer, minha
querida neta, mas não é o seu. A propósito, a velhinha
aqui tá cuidando do seu destino também.
Lolla franziu o cenho tentando juntar uma palavra
com a outra até formar uma ideia coerente. Por alguns
minutos, ficou olhando para o livro sem vê-lo, perdida em
seus próprios pensamentos. Acabou sorrindo consigo
mesma, não havia um parente seu que batesse bem da
cabeça.
Se os loucos eram mais felizes, ela não sabia, mas
nada era normal e sensato entre os Romano e Bernard.
Nem mesmo o fato de Lorenzo aparecer depois de
abrir a porta e cruzar o jardim, alcançando-a facilmente.
O chapéu preto caindo-lhe pra frente na testa, a roupa
escura, impecável, o cheiro cítrico da colônia pós-barba,
os olhos azuis brilhando e sorrindo, irradiando
autoconfiança.
— Já tá arrumado para o casamento da Zoe e do
Dinho? — debochou, mas no fundo, ou nem tão fundo
assim, o achou realmente lindo.
Ao que Lorenzo, sem sorrir, respondeu:
— Posso me aproximar de você?
Ela franziu o cenho e, ainda sorrindo, sentou-se na
rede, cedendo-lhe espaço para se achegar.
Contudo, o caubói continuou de pé, olhando-a
fixamente. Até que, enfim, separou os lábios e disse numa
voz baixa e rouca.
— Não me referi a essa aproximação, Lolla.
Ela fechou o livro.
Capítulo 32

Artur Klein abriu a caixa de charutos e se deixou


envolver pelo aroma intenso e aprazível de madeira e
fumo. Retirou um habano caríssimo para degustar durante
a reunião que se daria na sala envidraçada do último
andar do AK Country Center, um prédio de escritórios no
centro de Santa Fé.
Voltou-se para o grupo de sete homens sentados ao
redor da ampla mesa de cedro. Todos usavam chapéu de
caubói e roupas caras. Eles enganariam quem não fosse da
cidade, pois em nada se pareciam a fazendeiros locais e
sim a texanos cheios da nota. Era o alto escalão da Força
da Terra reunido às três da tarde de uma sexta-feira.
Era loiro, o cabelo de Artur era quase branco
cortado rente à cabeça, e os olhos eram de um azul que
podia alcançar com facilidade a brancura do céu do
centro-oeste à época das queimadas, e quando se irritava
e suas pupilas se dilatavam, seus olhos se transformavam
na paisagem de prenúncio de uma tempestade, o que
também acontecia por aquelas bandas quando a estação do
estio era vencida pelo inverno com suas densas chuvas.
Ele não nascera naquele lugar de caubói. Aos 43
anos, vivera vinte deles correndo mundo atrás de riqueza
que somente encontrara ao se juntar com um bando de
desbravadores e arrebentar a terra dos outros. O discurso
de progresso e acúmulo de riqueza soou aos ouvidos
ingênuos de um grupo de pequenos agricultores recém-
chegado do sul e sudeste como uma espécie de Porta da
Esperança. Mas tudo que Artur fez foi usá-los como
degraus, pisando com suas botas a subida em direção ao
topo da escada.
Agora era um homem rico e os tentáculos do seu
poder alcançavam a prefeitura local. Ele apenas
preparava o terreno para avançar em direção a Belo
Quinto, fortalecendo-se ao ponto de, após dominar duas
das três mais produtivas cidades, arrancar do poder de
Matarana Thales Dolejal.
Olhou para cada homem que o fitava. Latifundiários
nas horas vagas e traficantes como profissão. Mas, com
certeza, ninguém os deixaria de fora de uma festa e fariam
de tudo para tê-los como padrinhos de casamento ou de
batismo dos filhos. Porque eram respeitavelmente ricos e
declaradamente brancos.
Artur posicionou o Cohiba, que trouxera de Cuba,
sobre a mesa e encaixou a sua ponta no cortador que a
agarrou. Ergueu então a cabeça e encarou o seu grupo e,
exibindo um leve sorriso, disse com suavidade:
— Vocês sabem que não se fuma um charuto; ele é
degustado. Existe todo um ritual para se prologar esse
prazer, e um deles é se fazer um corte perfeito. — assim
que falou, a guilhotina cerrou a cabeça do charuto, que se
separou do rolo. — Esse é o tempo certo para avançarmos
com os nossos objetivos.
— Ainda não.
O proprietário da Pérola do Cerrado, uma fazenda
de gado de corte, falou secamente. Os demais se
obrigaram a lhe dar atenção, a maioria fumava cigarro,
uma cortina de fumaça escondia-os numa tênue névoa de
veneno.
Artur dava curtas baforadas no charuto enquanto o
girava ao redor da chama do isqueiro. Ganhava tempo
para assimilar o que a pisada no freio significava para o
seu discurso a favor da velocidade máxima na estrada.
Voltou-se para o fazendeiro em questão e disse:
— Preciso informá-lo sobre nossa atual situação?
Não, por favor, não se sinta compelido a responder, é
apenas uma pergunta retórica. — deitou o charuto no
cinzeiro e espalmou as mãos sobre a mesa, começando a
explanar com calma e sutileza, o semblante sério de um
executivo deliberando sobre o próprio negócio: — Às
vezes um pouco de teoria pode ilustrar muito bem a
realidade. Acredito que os senhores ainda saibam qual a
função de cada um na nossa organização. Não quero
desgastá-los nem a mim mesmo, portanto, o Andrei irá
relembrá-los antigos e básicos conceitos organizacionais.
— virando-se para o moreno pálido de 20 anos, filho do
seu primeiro casamento, determinou: — Venha aqui
explicar aos nossos gerentes como as coisas funcionam,
ok?
Andrei Klein fez que sim com a cabeça, retesando
os maxilares, contrariado. Ele era um cara de ação, de
sacar a arma e atirar, de afugentar os bugres e espancar os
negros. Às vezes levava um forasteiro nordestino para o
meio do mato e lhe dava uma coça. Era um aluno e
discípulo aplicado da Força da Terra, embora seu
interesse fosse particularmente relacionado a um dos
braços da organização: o neonazismo.
Ele não suportava a ideia da mistura de raças e
muito menos conseguia tolerar o homossexualismo. Ainda
assim, naquele momento, não suportava também ter que
falar para os gerentes da FT, que só pensavam em faturar
alto transportando e distribuindo cocaína.
Controlou um suspiro de puro tédio e, cruzando os
braços diante do corpo, começou a falar numa voz
incrivelmente monótona, assim o seu pai o despacharia
logo para fora da reunião:
— Como vocês sabem, minha missão aqui é apenas
lembrá-los de que todo cartel é formado por uma
associação de células, que são compartimentos que
agregam os produtores, investidores, transportadores, os
peritos em lavagem de dinheiro e os distribuidores. O
dinheiro e a droga nunca se encontram; caso um seja pego
pela polícia, o outro se salva. Todas as células estão
subordinadas a uma família, que, no nosso caso, são os
Santana. E, de lá da Bolívia, os membros dessa poderosa
família controla cada etapa do tráfico de coca entre os
países. Nossa parte é a de transportar a droga, usando as
pistas clandestinas entranhadas nas matas que pertencem
às nossas propriedades, e, chegando a coca no país,
distribuí-la pelo centro-oeste, começando por Belo Quinto
e Santa Fé. — parou a exposição e se voltou para o pai,
perguntando: — Era isso ou precisa de mais alguma
informação?
Artur percebeu a delicada poeira de ironia
encobrindo a pergunta seca e direta do seu único filho e,
possivelmente, herdeiro, visto que ainda não cogitara tirá-
lo do seu testamento.
— Não, meu querido, pode voltar a se sentar.
Obrigado.
Observou a postura altiva e elegante, no jeans
escuro e na camisa social azul turquesa, voltar a ocupar o
seu lugar.
— A nossa atual situação é a que iremos morder na
jugular. Vamos negociar uma tonelada de coca e trazê-la,
toda, armazenada na fuselagem do avião. Nosso amigo aí
acredita que não seja a hora de seguirmos com o plano e
isso se refere ao fato de que Thales Dolejal voltou a
mostrar as garras.
Um dos homens assentiu com a cabeça e disse:
— Não sei se é boato natural ou plantado, mas o
que se fala é que ele pôs o filho a treinar um bando de
pistoleiro para ocupar uma de suas fazendas em Santa Fé
como uma espécie de quartel-general. A intenção é a
invasão armada do mesmo modo como ele acabou com o
coronel Marau.
Artur sorriu amplamente.
— Faz uns bons dez ou doze anos que sei da
ambição do dono de Matarana, espichando os olhos para
o cerrado inteiro, inclusive boa parte dos imóveis no
centro de Santa Fé já é dele. Mas isso não significa que
irá atrapalhar os nossos negócios com os bolivianos.
— Ele é radicalmente contra drogas. Acabou com o
tráfico e as bocas de fumo na Vila Zumbi anos atrás
juntamente com o delegado da época, o Rodrigo
Malverde, não se lembra dele? O último delegado honesto
por essas bandas...
— Honesto em relação ao Dolejal. — completou
um terceiro homem, amassando o cigarro no cinzeiro. —
Ouvi falar dessa milícia do Dolejal e também de que um
cabra daqui de Santa Fé foi treinado especialmente para
liderar os demais pistoleiros, um cabra com tutano, frio e
calculista, dizem até que tem perfil de sociopata.
O presidente da FT esboçou o primeiro ar de tédio
do dia.
— Estou chocado com essa revelação.
Ele estava cagando para essa suposta revelação.
— Ele vai escarafunchar por tudo até nos ferrar.
Não tem mais apoio da polícia, mas aquele homem não
segue as vias normais para resolver as coisas do seu
interesse.
Outro se aventurou a dar o seu palpite:
— O Dolejal tá com fome, faz tempo que ronda
Santa Fé de olho nos grandes latifúndios...
Então Artur olhou para o filho e disse:
— Eu não disse que não iríamos precisar dizimar os
Romano e Bernard? Thales Dolejal tomará a Rainha do
Cerrado para nós e, depois, receberemos à bala os
pistoleiros de Matarana no nosso reduto. E, como
garantia, quero que descubram quem é o braço direito
dele aqui em Santa Fé.
— O que pretende fazer com ele, pai? — os olhos
refletiam ânsia e sadismo.
— Vou entregar aos seus amiguinhos neonazistas,
provavelmente seja um mestiço. — respondeu com
menosprezo.
Capítulo 33

Dinho não conseguia parar de sorrir enquanto


carregava no colo sua jovem esposa, depois de ajudá-la a
descer da picape com seu longo vestido branco, véu e o
par de botas de vaqueira em couro cru.
Conteve-se para não elogiá-la uma terceira, quarta
ou décima quinta vez, mas francamente nunca vira Zoe tão
mais linda do que já era. O cabelo preso no alto, num
coque de onde saía o longo véu de renda. A maquiagem
suave, os brincos de pérola que vó Margarida usara ao se
casar com vô Armando e a sedução do decote que
insinuava as belezuras escondidas por baixo do bojo
encoberto pelo tecido caro.
Agora se sentia meio idiota ao trazê-la para viver
com ele no chalé. Ela merecia um palácio ou um castelo,
não sabia se era a mesma porra, só queria lhe dar um
lugar maravilhoso que fosse do seu nível.
Parou no meio da sala e disse:
— Vamos morar com a Romanada, Zoe. Aqui é tudo
de madeira, pequeno, apertado e, pra falar a verdade, nem
quarto direito tem. A gente vai dormir ali ó, naquela cama
virada pra janela do alpendre, chique que só.
Ela enfiou o nariz na dobra do pescoço dele,
daquele caubói loiro e lindo todo vestido de preto,
aspirou o cheiro amadeirado da colônia pós-barba e
rebateu toda feliz da vida:
— Pouco me importa a casa e nem pretendo dormir
naquela cama, se quer saber.
— Ah, é? — ele arqueou uma sobrancelha,
intrigado e sorrindo.
— Aham, penso em dormir em cima de você, minha
caminha gostosa.
— Safada linda! — exclamou, beijando-a na boca.
Deitou-a na cama e começou a puxar uma das botas
dela, um sorriso secreto dançava em seus lábios.
— Estou nervosa. É a nossa noite de núpcias e
parece que vou perder a virgindade. — antes que ele
esboçasse uma reação, ela o pegou na mão e disse com
uma cara de esposa sem-vergonha: — Me fode vestida de
noiva?
— Isso vai acalmar o seu nervosismo?
— Não, amor, mas vai aumentar a perversão. Eu sou
uma menina virgem e ingênua sequestrada por um caubói
bandidão e aqui é o meu cativeiro, nesse chalé lindo que
decorei como uma boa dona de casa que não sou.
Ele olhou para as paredes do lugar, que antes não
tinham quadros nem cortinas de patchwork, tampouco
almofadas gigantescas, tapetes de crochê barbante nem
aparador de madeira com vinte miniaturas de cavalos de
tudo que era tipo de material e, bem, antes o chalé era
mais masculino e agora era mais Zoe, ou seja, mais
bonito.
Voltou-se para ela e disse:
— Minha garotinha inocente, vou comer sua
bocetinha quente e molhada e depois cantarei pra você
dormir.
Ela deitou a cabeça para trás, arfando. Sentiu
quando o vestido foi erguido até a sua cintura, expondo a
meia-calça 7/8 e a minúscula calcinha de renda. Havia-se
rendido ao visual “lisinha” e depilado totalmente a
virilha. Agora conferia a expressão de desejo e
atordoamento do seu jovem e gostoso marido.
— Seus olhos estão mais azuis do que nunca. —
disse, encantada por vê-lo extasiado.
— Que boceta linda. — balbuciou enquanto baixava
o fecho do jeans escuro e puxava o pau grande e duro da
boxer. — Preciso provar antes de comer, Zoe. — a voz
denunciava o rastro de súplica em meio à luxúria.
— É sua, todinha sua.
O ar saía em jatos por entre seus lábios. Ela deitou
para trás, sentindo-o baixar a lingerie até os pés; em
seguida, retirou-a e a jogou para o chão de qualquer jeito.
A cabeça encaixou entre as pernas dela e, com as mãos,
afastou delicadamente as coxas, escorrendo uma língua
morna e molhada na fenda rosada que separava os lábios
vaginais.
Ele lambeu as dobras macias e o entorno da virilha,
detendo-se um pouco na parte interna das coxas, na pele
delicada para, a seguir, deslizar a língua para baixo,
pincelando o períneo e detendo-se no ânus rosado e macio
como uma seda.
Ela agarrou a ponta da colcha de patchwork e a
puxou com força, tentando se manter na cama com medo
de levitar ao ser empurrada para cima pôr ondas de fogo.
Queria fechar as pernas para prendê-lo para sempre.
Queria fechar as pernas para ser comida como um
alimento devorado por uma canibal. Queria abrir as
pernas para que ele a fodesse como um bruto fodia sua
amante, mulher, fêmea.
Separou-lhe as nádegas e masturbou-a no
buraquinho que se contraía à pressão da língua. Apertava
a bunda da garota com força, ouvindo-a expelir o ar em
respirações entrecortadas e grossas. Excitado, voltou a se
concentrar no sexo sem pelos cujo clitóris se assemelhava
a uma pequena língua inchada olhando para fora entre os
grandes lábios carnudos.
Ele a sugou no botão dilatado enquanto enfiava dois
dedos fundo na vagina, enterrando a mão até o punho e
parando. A boca cobrindo o clitóris e os pequenos lábios,
molhando-os, encharcando-os com sua saliva.
Ela gritava e se contorcia com o vestido
arreganhado até o meio de sua barriga.
Subitamente, Dinho parou de chupá-la.
Zoe ainda estava na estratosfera do prazer. E, antes
que se recuperasse, ele a penetrou com tudo, com força,
até o fundo, sacudindo-a ao ponto de perder o véu que se
soltou do cabelo já todo bagunçado.
— Me fode como se comesse uma puta!!! — gritou
enquanto era cavalgada por ele, pelo seu macho louco de
tesão.
— Minha puta, eu te amo! — deixou escapar entre
os lábios apertados, toda a musculatura do seu corpo
parecia tensionada, preparada para um combate corpo a
corpo. Porque assim era foder com aquela mulher: uma
luta prazerosamente corporal.
— As bolas, enfia as bolas, seu fodido.
Ele se inclinou para frente, os braços sustentando o
corpo por sobre ela, a cintura empurrando o pênis para
dentro, bombeando, bombeando sem parar, cutucando-a no
fundo e retornando à beirada para friccionar o clitóris
inchado, vermelho e úmido.
— Boceta gostosa, puta merda, quero viver montado
em você, meu bicho louco...
Ele não terminou a frase, pois levou uma bofetada
na cara ao mesmo tempo em que ela contraía os músculos
da vagina e quase estrangulava o seu pau.
— Não me chama de louca! — esbravejou e, no
minuto, seguinte foi arrastada por uma correnteza de
sensações que explodiram em uma só, o gozo molhado e
quente, o gozo agudo que ela gritou com desespero.
Segurou-a pela cintura e, deslocando os quadris,
fodeu com pressão, o barulho molhado das carnes se
chocando, o cheiro do sexo impregnando o ambiente.
— Quero ver me bater agora, égua furiosa! —
debochou.
Virou-a de bruços e retirou-se. Juntou bem as pernas
dela até as nádegas se encontrarem formando um risco no
meio. Enfiou o pau no meio do risco, alcançando o buraco
da boceta e a fodendo de novo.
Ejaculou o caldo denso e quente que se esparramou
do buraco da bocetinha que ele tanto amava, escorrendo
pelas coxas, até alcançar o vestido de noiva. A porra
grudou no tecido.
Ele se pôs de joelhos, inclinado sobre ela, e pegou
o pau, apertando-o e o puxando pra baixo e pra cima a fim
de expelir os últimos de jatos de esperma, que foram
despejados nas nádegas e costas da esposa. Em seguida,
desferiu-lhe um tapa violento na bunda e disse taxativo:
— Se me bater mais uma vez, Zoe, me divorcio de
você.
Ela ergueu a cabeça e disse meio que o olhando de
esguelha:
— Isso não se diz na noite de núpcias. É melhor
acabarmos tudo agora.
Dinho caiu em si e se arrependeu de ter sido um
macho orgulhoso na hora errada. Deitou ao lado da garota
e a puxou para um abraço.
— Desculpa, amor.
Ela se voltou para frente e depois o olhou com
carinho;
— Porrada agora só na cama. Me perdoa, tá?
— Você não tem que me pedir perdão, é perfeita
demais para errar.
— Não, amor, eu sou foda.
— Pura verdade, você é foda, Zoe. O nosso amor é
foda.
— Acho que somos um casal doido demais.
Ela concluiu, e ele a beijou depois de rir muito.
Capítulo 34

Anos atrás ele derrotara o último coronel da região,


esmagara-o, invadira a sua propriedade com seu exército
de pistoleiros tendo-a cercado, durante a madrugada, por
um grupo de índios ao comando de Mengrire, o chefe de
uma tribo que lhe era sua protegida. Antes disso,
eliminara o coronel Marau de Matarana e toda a família
fugira, levando consigo anos de tradição relacionada à
colonização da cidade e também à mão de obra escrava.
Havia doze anos que Thales Dolejal tranquilamente
adubava o terreno, semeava os grãos e esperava o tempo
certo da colheita. Boa parte dos imóveis, no centro da
cidade, era dele, bem como uma extensa área de terras ao
longo do Rio Verde, na divisa com a propriedade rural de
Vince Romano e Max Bernard.
Para ter Santa Fé na palma da sua mão, o dono de
Matarana precisaria derrotar o seu último inimigo: a
Força da Terra. E, para isso, a luta armada continuava a
ser a única saída que ele conhecia mais do que ninguém.
Da cobertura do Dolejal Center, observava o céu
quase azul de Matarana, uma faixa branca aos poucos se
dissipava varrendo os últimos vestígios da tarde. Então o
que lhe restava agora era beber o seu uísque e dispensar a
reunião com o comitê de campanha que trabalhava para a
reeleição do prefeito local. Não podia mais protelar uma
decisão que precisava ser posta em prática. E enquanto
não tomasse Santa Fé, a maior cidade do norte do Mato
Grosso, não poderia se considerar como um vencedor.
Alcançaria o poder em Brasília, enviando o
representante dos seus interesses ao Congresso Nacional,
e esse mesmo homem, num futuro próximo, receberia o
dinheiro da família Dolejal para a campanha à
presidência da República. Porém, bem antes disso, tinha
como objetivo minar o corpo homogêneo e corrupto que
se transformara Santa Fé nas mãos dos criminosos da FT.
E para derrubar traficantes de drogas disfarçados de
fazendeiros, precisaria usar as mesmas armas que eles, ou
seja, arregimentar um novo exército de pistoleiros
armados, de homens corajosos e leais, de justiceiros
destinados a limpar de vez a sujeira das ruas, destruindo
os narcotraficantes da Força da Terra, um por um, até
alcançar o líder: Artur Klein.
Para pôr fogo no cerrado e incendiar o pasto seco
dos grandes latifúndios minados de esconderijos com
tijolos de cocaína, precisou novamente treinar um
guerreiro, o líder de todos os pistoleiros, o homem de
frente, o articulador, o comandante frio e calculista, o
camaleão capaz de ser quem ele quisesse fingir que fosse.
Esse homem estava em Santa Fé, e, nos últimos dois
anos, visitara seguidamente a Arco Verde, convivera com
os pistoleiros mais perigosos do cerrado e o seu batismo
de fogo acontecera quando um casal de idosos fora
assassinado. O seu braço armado de Santa Fé matara o
assassino e o pendurara em praça pública à moda
Matarana. Apenas um ensaio do que ele teria que enfrentar
no futuro.
O rapaz passou no teste com louvor.
E, agora, ao se virar para encontrá-lo, Thales
Dolejal sorveu o último gole da bebida amarga e, sem
tirar os olhos da figura alta e vestida de preto, como
estava aquele caubói, considerou mais uma vez que
acertara ao contratá-lo. E, mais do que isso, fora
realmente brilhante a ideia do seu filho, Franco Dolejal,
de chamar para o seu lado um dos membros da família
Romano, a mais rica de Santa Fé.
O plano era perfeito.
Os Dolejal queriam Santa Fé, expulsar os
traficantes e transformar a cidade em um lugar sem
bandidos e drogas, um lugar pacífico como se tornara
Matarana. Todos se curvariam a Thales, principalmente,
os empresários e latifundiários, aceitariam o cabresto e a
mão de ferro de quem de fato administrava a favor dos
menos favorecidos, mas de olho no capital e patrimônio
de quem chegara ao centro-oeste disposto a enriquecer
roubando terras e enterrando nelas ossadas de antigos
colonizadores.
Ele era um justiceiro e sempre o seria. E para
representá-lo e assumir o comando dos pistoleiros de
Santa Fé, escolhera o jovem que iria viver em uma das
fazendas da família Dolejal, a estrategicamente comprada
ao lado da Rainha do Cerrado. E também lá viveriam os
demais pistoleiros, e as ações contra os homens da FT se
originariam do mesmo lugar.
Sorriu ao ver o futuro de Stetson preto e olhar
impassível.
— Você passou no treinamento e no teste. Meu filho
disse que tá preparado para abrir caminho para mim em
Santa Fé. Seja discreto no início, Romano, nada de
chamar atenção sobre si mesmo. A partir de hoje, você me
representa e não mais a sua família. Entregou a sua alma a
mim e irei devolvê-la quando o último criminoso da
cidade for enterrado sete palmos abaixo da terra. Tá
preparado para vencer comigo e se tornar o meu braço
direito? Não me responda ainda, quero que absorva o
poder dessas palavras.
O caubói de preto absorveu o poder daquelas
palavras. Baixou a aba do chapéu e manteve o olhar altivo
e sério para o fazendeiro que, em breve, começaria uma
nova guerra.
Era, sim, um Romano até o último fio de cabelo.
Porque não dispensava uma boa briga.
E porque não aceitava injustiça, tampouco perder a
fazenda para traficantes.
Talvez ele fosse o mais Romano de todos, e a fúria
calada que escondia no peito, a violência controlada que
vinha de fonte desconhecida e o impelia para a luta
armada nada mais fosse que um efeito colateral por não
saber realmente que tipo de veneno compunha o seu DNA.
Estendeu a mão e cumprimentou o seu patrão.
— Obrigado pela confiança, senhor Dolejal. Estou
pronto e à espera de suas ordens. — declarou sem sorrir,
mas com extrema suavidade.
Thales manteve a mão do outro na sua e o encarou
friamente.
— Muito bem, subcomandante... — disse o
fazendeiro e empresário do agronegócio, completando, a
seguir, com um sorriso de satisfação: — Lorenzo Romano.
Seja bem-vindo ao clã Dolejal.
Epílogo

O caubói tremia feito vara verde, mas não deixaria


que ninguém percebesse. No entanto, assim que entrou no
avião, Dinho, que era muito alto, loiro, o cabelo longo e
claro protegido pelo Stetson preto, chamou a atenção dos
poucos passageiros da primeira classe da Air France.
Duas crianças, inclusive, apontaram para ele e riram,
nunca haviam visto Woody de carne e osso.
Ele e Zoe estavam no Rio de Janeiro, na aeronave
que os levaria a Paris para a lua de mel de duas semanas,
paga por vó Margarida. Era tradição, ela havia bancado a
mesma viagem aos pais do casal. Antes do embarque, eles
ficaram três dias no Rio e, mesmo na praia, o bruto de
Santa Fé não se livrou do jeans, botas e chapéu. O mar,
para ele, era como um monstro traiçoeiro, confiava apenas
nas águas plácidas dos rios, principalmente, nas do Rio
Verde, que corria diante do seu chalé. Assim, coube a Zoe
curtir o seu biquíni tendo a vigilância nem um pouco
discreta do marido.
— Você quer ir até o bar? — ela perguntou, ainda
admirada pelo espaço amplo e luxuoso daquela parte do
avião.
— Não, prefiro desmaiar.
— Amor, viajar é seguro.
— Claro que é, viajar de jegue, por exemplo. Já viu
alguém morrer num acidente de jegue? Olha, Zoe, só
quero fechar os olhos no Brasil e abrir depois na porra da
tal França.
— Onze horas de voo. Consegue dormir tudo isso?
— Diabos, por que não me mata logo?
Zoe explodiu numa gargalhada, chamando a atenção
de uma mulher de terninho, provavelmente, uma executiva
cheia da nota.
Voltou-se para o marido e falou como mera
constatação:
— Nossa, você é muito “Valentina”!
— Já ouvi isso. Agora só quero sobreviver e criar
os nossos filhos.
— Isso vai demorar. Não pretendo engravidar antes
dos trinta, então temos um longo caminho de namoro pela
frente.
— Aham, sei, faça seus planos, ainda nem
decolamos.
Ele realmente estava tenso, e ela imaginava o
quanto era difícil para um peixe ficar fora d’ água, e era
isso que acontecia diante dos seus olhos. O vaqueiro
rústico e selvagem, um camarada acostumado a comer
poeira, estava fora do seu ambiente e parecia aos poucos
se asfixiar nele.
— Aguenta firme. Olha só, — ela o fez encará-la e,
em seguida, disse-lhe com doçura: — Paris é a capital da
sacanagem, amor, estaremos no nosso ambiente natural.
O olhar de aflição que lhe endereçou doeu nela.
— Mas ainda tem a viagem de volta, Zoe.
Era um menino, a esposa constatou. Era mais velho
que ela, mas, ainda assim, além de caipira tosco, Dinho só
tinha 22 anos. Balançou a cabeça, resignada, sabendo que
se ele tinha a missão de protegê-la, como sempre o fizera,
ela teria a de cuidar dele.
— Conheço você muito bem, maridão. — disse,
sorrindo com carinho e retirando da bolsa um remédio
para dormir. — Que tal nanar até chegarmos em terra
firme?
— Não, preciso ficar acordado para salvar você
caso o avião caia.
— Ele não vai cair.
— Mas se cair, quero salvar você, Zoe, não me
ponha pra dormir.
— Se o avião cair, a gente vai morrer e pronto,
ninguém salva ninguém, cacete. ​ — irritou-se.
Dinho era uma mula teimosa!
— Marido, não me faça ficar histérica no meio
desse negócio chique, ok? — ameaçou-o, baixinho. — Só
tem que tomar essa merda e fechar os olhos. Quero ver um
filminho e beber champanhe, comer uns trocinhos
diferentes, parece que é verruga, berruga, beluga, ah, sei
lá, o Lorenzo disse que é um tipo de ovinho do peixe....
Bom, só dorme e me deixa em paz, tá, amor da minha
vida?
— Entendi, você quer curtir, e eu estou
incomodando.
— Não é isso, mas imaginei que me levaria para o
banheiro e me comeria. A Lolla falou que tem um monte
de livro de putaria que o povo transa no banheiro dos
aviões... — afirmou um tanto chateada.
Poxa, havia casado com um bruto cagão? Mas isso
não existia!
— Desculpa, amor, vou buscar minha macheza do
âmago do meu saco e irei me agarrar a ela para não te
envergonhar. Sou muito macho pra viajar de avião sem
fazer fiasco de mulherzinha. Agora me dá um beijo e
vamos ver um filme com champanhe por que não tenho
condições nenhuma de bancar o garanhão de Santa Fé no
banheiro, sinto muito, mas sou humano. — disse, de modo
suave e ligeiramente afetado.
Eles se deram as mãos. Não era apenas um gesto
comum do cotidiano, representava que se o avião caísse,
eles continuariam juntos.
Eternamente juntos.

FIM

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