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O Cânon

Canon e Canonicidade

Um livro só é canônico se for inspirado e não vice-versa. A inspiração não depende da


canonização, mas esta daquela. O que determina se um livro é canônico, ou não, é a
sua autoridade interna, a sua condição de inspirado. Não é a igreja que determina a
inspiração e, por isso mesmo, não é a igreja que determina a extensão do cânon.
Ela apenas reconhece e proclama quais são os livros que devem pertencer ao cânon,
por serem inspirados, mas não os torna canônicos pela sua autoridade eclesiástica.
Este conceito é o que diferencia o ponto de vista ortodoxo e reformado dos pontos de
vista católico e liberal sobre o cânon.
Católico - aceita a inspiração, mas atribui à Igreja a tarefa de determinar quais são os
livros inspirados e que devem pertencer ao cânon.
Liberal - não aceita a ideia intrínseca de inspiração e apenas crê que é a Igreja que
torna um livro “inspirado” e canônico, por considerá-lo como tal.
A relação entre inspiração e cânon é a que existe entre a produção de um livro com
autoridade intrínseca (inspiração) e o reconhecimento externo dessa autoridade
(canonização). Como dizem Geisler e Nix: “A inspiração é o meio pelo qual a Bíblia
recebeu a sua autoridade: a canonização é o processo pelo qual a Bíblia recebeu
aceitação definitiva”.

1. Conceito de Cânon
A palavra kanon é grega e significa etimologicamente “cana”, “junco”; mas passou a
significar “vara de medir”, “régua”, e, daí, “regra”, “padrão”, “medida”.
“Uma definição bem sucinta de cânon pode ser: “a coleção encerrada de
documentos que constituem a Escritura autorizada.”

2. Critérios de descoberta de canonicidade

Antes que houvesse uma lista de livros canônicos já havia o reconhecimento da


autoridade desses livros e, por conseguinte, embora de modo implícito, de sua
canonicidade. Quando a autoridade de um livro era reconhecida, a sua canonicidade
também o era, mesmo que o conceito não fosse conhecido ainda. Com isto queremos
dizer que o reconhecimento da autoridade de um livro foi o que levou a Igreja, mais
tarde, a declará-lo canônico e inclui-lo numa lista que agora chamamos de cânon.
Quando Paulo escreveu aos coríntios: “Se alguém se considera profeta ou espiritual,
reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo” (1Co 14.37), a Igreja assim
o reconheceu.
Mas ela ainda não tinha a ideia de um cânon, de uma lista que mais tarde seria o
“index” dos livros que o Cristianismo consideraria autoritativos. A qualidade de
canônico estava lá, mas a Igreja não precisava se preocupar em declará-los como tal.
Só mais tarde, quando começaram a aparecer os escritos que não tinham essa
autoridade, mas queriam ser reconhecidos como tendo, ou assim o foram,
indevidamente, por alguns segmentos da Igreja, é que se sentiu a necessidade de
uma lista de livros inspirados (kanon) e do estabelecimento de critérios para se
reconhecer quais livros deveriam ou não fazer parte dessa lista. Isto pode ser dito
mais adequadamente dos livros do NT, pois a Igreja já recebeu dos judeus um cânon
estabelecido e fechado do AT. Mas tanto um como outro tiveram que se submeter a
critérios de reconhecimento de canonicidade, que veremos logo adiante.

Os critérios que têm sido apresentados como determinantes do reconhecimento da


canonicidade de um livro pode ser classificados em dois grupos: os inválidos ou
inadequados, e os válidos ou aceitos.

2.1. Critérios inválidos

2.1.1. A antiguidade do livro. Um livro não era considerado canônico apenas por ser
antigo. Embora ele precisasse naturalmente ter sido escrito no per iodo em que o cânon
foi formado (e fechado), que é o período que vai de Moisés até o retorno do cativeiro
babilônico (Esdras e Neemias), para o AT, e o período apostólico (1o século) para o NT,
não foi a sua antiguidade que determinou a aceitação. Muitos livros antigos como o
“Livro das Batalhas do Senhor” e o “Livro do Justo” (ou de Jasher), mencionados em
Nm 21.14 e Js 10.13, nunca foram incluídos no cânon judaico. A regra geral era o
reconhecimento da autoridade do livro logo após a sua escrita. Por isso, eram
guardados junto com os demais já escritos, formando uma coleção de livros sagrados.
Os livros de Moisés foram postos junto da arca ainda enquanto ele vivia (Dt 31.24-26).
Daniel aceitava a profecia de Jeremias, seu contemporâneo, como sendo palavra do
Senhor (Dn 9.2) e Pedro, contemporâneo de Paulo, considerava os escritos deste como
“escritura”, em pé de igualdade com as “escrituras” do AT.

2.1.2. A língua em que foi escrito: Embora os livros do AT tenham sido escritos todos
em hebraico (com exceção de algumas porções de Daniel [2.4b-7.28] e Esdras [4.8-6.18
e 7.12-16], escritas em aramaico) e os do NT, em grego, não é a língua em que foram
escritos que determina a sua canonicidade. Muitos outros livros escritos em hebraico
(como Eclesiástico, Tobias e dos Jubileus) ou em grego (praticamente todos os
apócrifos e pseudepígrafos do NT), nunca foram aceitos.

2.1.3. A concordância com a Torah: Ainda que a concordância com a revelação dada
anteriormente seja um requisito exigido para que um livro seja aceito como inspirado, a
simples concordância com a revelação anterior, em geral, ou com a Torah, em particular,
não era suficiente. Muitos livros rejeitados não estavam em desacordo com a Torah,
necessariamente. Alguns dos livros mencionados na Bíblia, como o de Elias (2Cr 21.12)
e o de Ido (2Cr 12.15), certamente não estariam em conflito com a Lei de Moisés. Mas
nem por isso foram aceitos como parte do cânon.

2.1.4. Seu valor religioso: Claro que qualquer livro para pertencer ao cânon deveria ter
valor religioso. Mas só essa qualidade não era suficiente. Muitos dos livros rejeitados
tinham inquestionavelmente valor religioso, como é o caso de Eclesiástico, no período
do AT e do Pastor de Hermas e do Didaquê, no período do NT. Do mesmo modo, como
no caso anterior, como avaliar o valor religioso de um livro à parte do conceito de
canonicidade, ou de autoridade? Como afirmam Geisler e Nix: “Não é o valor religioso
que determina a canonicidade de um texto; é sua canonicidade que determina o seu
valor religioso. De forma mais precisa, não é o valor de um livro que determina sua
autoridade divina, mas a autoridade divina é que determina o seu valor”.[iv]. Um livro só
é valioso porque é canônico e só é canônico porque é inspirado.

“Todos esses critérios têm em comum o mesmo erro: deixam de reconhecer o


fato que a canonicidade é determinada por Deus, não pelo homem. E Deus quem
dá autoridade intrínseca ao livro canônico. O povo de Deus apenas a reconhece e
a declara.”

2.2. Critérios válidos

2.2.1. Seu caráter autoritativo: Por “caráter autoritativo” queremos dizer aquela
qualidade intrínseca de apresentar-se como “Palavra de Deus”, direta ou indiretamente,
reivindicando autoridade divina. Alguns trazem expressões como “assim diz o Senhor”,
“veio a mim a palavra do Senhor” e suas semelhantes, como no caso dos livros
proféticos. Outros apresentam narrativas históricas, mandamentos, ensinos,
exortações, etc., com a marca intrínseca da autoridade divina. O conteúdo é a narrativa,
o mandamento, o ensino ou a exortação do próprio Deus. E verdade que no caso de
alguns livros, como o de Ester, essa marca não está tão clara. Por isso mesmo, alguns
tiveram certa dificuldade para obter reconhecimento unânime de canonicidade, pelo
menos durante certo tempo.

2.2.2. Sua autoria profética ou apostólica: Em sentido amplo, todos os livros da Bíblia
foram escritos por profetas, pois profeta, segundo o conceito bíblico, é quem fala em
nome de Deus e com a autoridade dele. E o porta-voz ou a boca de Deus, como lemos
em Ex 4.16 e Is 30.2 (no original lê-se “sem perguntarem à minha boca”, numa referência
aos profetas de Deus). Já nos referimos à consciência profética de que eram
possuidores os que escreveram livros inspirados, assim como ao reconhecimento do
povo que aceitava a palavra do profeta como sendo a palavra do Senhor: Ex 19.8;
24.3,7; Nm 32.31; Js 1.16; Jr 42.20. Nesse sentido, os apóstolos também foram
profetas, assim como aqueles que no AT só tiveram o dom e não o oficio profético, como
Josué, Davi, Salomão, etc., e, no NT, só tiveram o dom profético, mas não o oficio de
apóstolo, como Marcos, Lucas, Tiago, Judas e o autor de Hebreus (E f 2.20; 3.5).

Foi esse um dos critérios usados para o reconhecimento de um livro canônico:


deveria ter sido escrito por um profeta, de dom ou de oficio, ou por um apóstolo
ou alguém ligado a um apóstolo, com dom profético, no caso do NT.

Provavelmente é a esses que os textos de Ef 2.20 e 3.5 se referem, quando dizem:


“edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas” e “agora, foi revelado aos
seus santos apóstolos e profetas, no Espírito”, Nos dias apostólicos havia falsos
apóstolos e falsos profetas e a Igreja é advertida contra eles (2Ts 2.2; 2Co 11.13; 1Jo
2.18,19; 4.1-3).

2.2.3. Sua confiabilidade e veracidade: De acordo com esse critério, o conteúdo do


livro
não pode ter erros fatuais; precisa ser digno de confiança e estar de acordo com a
revelação dada anteriormente. As raízes da aplicação desse princípio podem ser
vistas em textos como Gl 1.8-9; Cl 2.8 e ss.; 1Tm 6.3 e ss. e 1 e 2 João. Grande parte
dos apócrifos foi rejeitada devido à sua falta de confiabilidade, enquanto que alguns
canônicos foram, de início, questionados também por supostas contradições
doutrinárias. E o caso do livro de Tiago, que alguns supunham contradizer o ensino de
Paulo sobre a justificação apenas pela fé. Judas também foi questionado por citar
livros não confiáveis (pseudepígrafos) nos vv 9,14. Esses livros só foram aceitos
quando se entendeu devidamente que não havia qualquer razão plausível para se
duvidar de sua confiabilidade.

2.2.4. Sua natureza dinâmica: De acordo com esse critério, um livro inspirado precisa
produzir resultados transformadores. A mensagem de Deus deve revelar o seu poder
em transformar vidas e trazer salvação. A própria Escritura o afirma em 2Tm 3.16,17;
Hb 4.12 e 1Pe 1.23; 2.2. O critério está intimamente relacionado com o da autoridade
divina do livro. Muitas obras de caráter devocional e instrutivo foram rejeitadas no
primeiro século, porque, embora úteis, não produziam os resultados vistos nos livros
que trazem o selo da autoridade divina. Não são a espada do Espírito.

2.2.5. Sua aceitação pela Igreja: Naturalmente que os livros inspirados foram
imediatamente aceitos por aqueles para quem foram originalmente enviados (1Ts
2.13). Mas o princípio exige que eles sejam aceitos universalmente, por todo o povo
de Deus. Dadas as dificuldades de transporte, comunicação e má interpretação,
dentre outras, dúvidas e suspeitas de diversas naturezas foram levantadas, com
respeito a parte do cânon do NT, fazendo com que não houvesse unanimidade entre
os pais, pelo menos até o século IV. Felizmente, a Igreja já recebeu dos judeus um
cânon fechado e reconhecido do AT. Jesus deu legitimidade a esse cânon, aceitando-
o como estava. Claro que não é a aceitação da Igreja que determina a canonicidade,
como já vimos. Ela apenas a reconhece e confirma. Também não estamos dizendo
que tem que haver (ou tem havido) unanimidade absoluta entre todos os membros da
Igreja sobre quais são os livros inspirados ou não.

2.3. Observação sobre a validade desses critérios


Embora esses princípios sejam válidos e tenham sido usados, em conjunto, como
diretrizes para o discernimento da Igreja sobre essa matéria, a verdade é que nenhum
deles, por si só, e nem mesmo o conjunto, determina mecanicamente a canonicidade.
Livros não canônicos quiseram impor sua autoridade, pretenderam ser escritos por
apóstolos ou profetas (caso da pseudonímia - 2Ts 2.2; 3.17), não apresentaram
necessariamente incorreções teológicas ou fatuais, produziram resultados morais na
vida de seus leitores e até foram aceitos, por certo tempo, pela Igreja.

Por isso, acima de todos esses princípios, todavia sem dispensá-los, temos que
acreditar na providência de Deus em preservar a sua Palavra e imprimir no seu povo a
percepção espiritual para aceitá-la. E o que Calvino chama de “o testemunho interno
do Espírito Santo”. Ele diz. “ o testemunho do Espírito é mais excelente do que toda a
razão. Pois do mesmo modo como somente Deus é testemunha adequada de si
mesmo em sua Palavra, também a Palavra não encontrará aceitação no coração dos
homens antes que seja selada pelo testemunho interno do Espírito. Portanto, o mesmo
Espirito que falou através da boca dos profetas deve penetrar em nossos corações
para persuadir- nos de que eles fielmente proclamaram o que foi divinamente
ordenado.
Implicações Práticas

O mesmo Espírito que levou homens santos a escrever a revelação divina, levou a
Igreja a reconhecer essa revelação e a distingui-la da falsa. Sem esse discernimento,
estaríamos à mercê de todo tipo de ensinamento humano que pretextasse ter origem
divina, e teríamos, nós mesmos, de fazer essa distinção, individualmente. Cremos que
o Espírito dirige a Igreja, não para determinar o cânon, como crê o catolicismo, mas
para discerni-lo; não para sobrepor-se a ele, mas para reconhecer a sua autoridade e
a ele submeter-se. Um cânon definido e fechado é segurança contra os impostores e
falsos profetas em todos os tempos.

Notas Bibliográficas:

Norman Gêiser e William Nix, Introdução Bíblica (São Paulo: Vida, 1997), p. 61.
Cf. Introdução ao Novo Testamento, de D.A. Carson, D.J. Moo e L. Morris, p. 541.
Institutas, I, vii.

A Formação do Cânon do Antigo Testamento

Introdução

Já que o reconhecimento da canonicidade de um livro é tarefa da Igreja, é preciso


estudar como se deu esse reconhecimento ao longo da história. Quando dizemos que
o autor tinha consciência de estar escrevendo a revelação de Deus (consciência
profética), não estamos dizendo que tivesse ao mesmo tempo consciência de que
estava produzindo algo que mais tarde faria parte de um todo, que agora chamamos
de Bíblia. O reconhecimento da inspiração era imediato, por parte dos que primeiro
entravam em contato com o texto, mas a reunião desse texto a outros igualmente
reconhecidos e a sua compilação demorou algum tempo. A esse processo podemos
chamar de canonização, desde que pelo termo entendamos não a determinação do
que hoje chamamos de canonicidade, mas o seu reconhecimento e compilação. Como
se deu a formação do cânon do AT? É o que veremos nesta aula.

1. Passos no processo da canonização

Três são os passos geralmente apresentados como as partes desse processo: a


inspiração divina, o reconhecimento dessa inspiração por parte do povo de Deus e a
compilação e preservação por esse povo.

1.1. A inspiração: Estritamente falando, este passo não faz parte do processo de
canonização. É a razão de ser do processo e não parte dele. É porque o livro é
inspirado por Deus que existe o seu reconhecimento e compilação (a canonização). A
inspiração confere ao livro a canonicidade que leva a Igreja a canonizá-lo (declará-lo
canônico). Não é atividade humana e, por conseguinte, não é parte do processo, a
menos que a consideremos como a parte de Deus, como o fazem Geisler e Nix.
1.2. O reconhecimento: O processo da canonização começa com o reconhecimento
da inspiração, ou para dizer de modo mais claro, da autoridade do livro. Esse
reconhecimento ocorria imediatamente, por parte da comunidade que recebia o
documento. As palavras de Moisés foram reconhecidas imediatamente pelos seus
contemporâneos como sendo palavra do Senhor (Êx 24.3,7), assim como as de Josué
(Js 24.24-27) e de Samuel (1Sm 10.25). O mesmo aconteceu quando o livro da lei,
achado por Hilquias, foi lido perante o rei e depois, a todo o povo (2Rs 22-23), quando
Esdras leu o livro da lei diante do povo (Ne 8, 10 e 13).

1.3. A compilação e preservação: Este passo completa o processo da canonização.


À medida que os livros iam sendo escritos e reconhecidos, eram guardados e juntados
aos outros já existentes, formando uma coleção de escritos sagrados. Como este
processo se deu não está muito claro nos registros bíblicos, mas há alguns textos que
sugerem que essa era a prática.

2. O conceito liberal de cânon

Acima, fizemos distinção entre canonicidade e canonização. A canonicidade é intrínseca


ao livro, devido à sua autoridade divina, ao passo que a canonização é o processo de
reconhecimento da canonicidade, feito pelo povo de Deus.
A canonicidade foi imediata e logo reconhecida, tanto pelo autor como pelos que
receberam o livro. A canonização foi gradual e progressiva, pois os livros não foram
todos escritos ao mesmo tempo. Os do AT foram produzidos num espaço de cerca de
mil anos e os do NT, em cerca de meio século. Isto sem falar no tempo que,
especialmente no caso do NT, a Igreja, como um todo, precisou para distinguir entre
aquilo que realmente tinha autoridade divina e aquilo que apenas pretendia ter ou foi
recebido como se tivesse, em alguns dos seus segmentos. O processo da canonização,
portanto, se desenvolveu durante um período razoavelmente longo.
Não é assim, todavia, que os críticos liberais veem o assunto. Eles não fazem distinção
entre canonicidade e canonização. Para eles, a canonicidade é apenas o resultado da
canonização feita pela Igreja, através do reconhecimento do valor espiritual e religioso
do livro. Os críticos liberais não creem na autoridade divina do livro e, por conseguinte,
não creem em inspiração. Portanto, para ele, cânon e canonicidade são a mesma coisa.
A canonicidade, para eles, é atribuída ao livro pela Igreja, através de um longo processo
e a canonização não é a coleção de livros inspirados que cresce, por adição de outros
que vão sendo escritos e reconhecidos imediatamente, como cremos. O próprio
conceito de canonicidade, para eles, é formado ao longo dos anos, pela veneração que
o livro recebe. Consideram a Bíblia como um livro apenas humano, que vem a ser
considerado como divino pela Igreja, ao longo dos anos, devido à sua influência e efeito
sobre os que o leem. Estudar o cânon, segundo esse ponto de vista, é estudar como,
quando e por que esses livros vieram a ser considerados autoritativos pela Igreja.

3. A divisão do Cânon do AT

O AT hebraico, de longa data, é dividido em três partes: A Lei (Torah), Os Profetas


(.Nebhim) e os Escritos (Kethubhim). A Lei compreendia os cinco livros de Moisés (o
Pentateuco). Os Profetas incluíam tanto os quatro que chamamos de históricos: Josué,
Juizes, 1 e 2 Samuel, e 1 e 2 Reis (cada um desses dois grupos é contado como um só
livro), como também mais quatro - três dos que chamamos de Profetas Maiores: Isaías,
Jeremias e Ezequiel e os doze Profetas Menores, que eram contados como um só livro.
Os Escritos, em número de onze, incluíam Salmos, Provérbios e Jó, mais os cinco que
eram chamados de “rolos” (Meghilloth): Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações,
Eclesiastes e Ester, mais Daniel e Esdras-Neemias, estes dois contados como um só
livro, e 1 e 2 Crônicas, também contados como um só livro, totalizando 24 livros.
A Bíblia Hebraica traz essa divisão até hoje, a qual remonta ao quinto século a.D. (vem
da Mishncih - seção Baba Bathra). Outros testemunhos históricos têm sido invocados
em seu benefício. O prólogo do livro apócrifo de Siraque (c. 132 a.C), Filo (época de
Cristo) e Josefo (século I, pouco depois de Cristo) trazem menções que dão a entender
a divisão tríplice. Como vimos acima, os críticos têm usado esse tríplice divisão para
afirmar que os livros do AT foram canonizados em diferentes estágios: primeiro a Lei,
depois os Profetas e, finalmente, os Escritos, já que não aceitam a canonicidade como
uma decorrência da inspiração, com imediato reconhecimento. Segundo eles, essa
divisão tripartida do AT representa seus estágios de canonização.

4. O desenvolvimento do Cânon do AT

O fato de a revelação divina ser registrada servia a diversos propósitos: a) enviá-la a


outros lugares e pessoas (Jr 29.1;36.1-8;51.60-61; 2Cr 21.12;), b) preservar a sua
integridade para os dias futuros (Is 30.8) e c) usá-la como um memorial ou testemunho
contra o povo (Ex 17.14; Dt 31.24-26). Quando o livro da lei foi perdido, durante os
reinados de Manassés e Amom, o povo afastou-se do Senhor. Ao ser descoberto por
Hilquias, sua leitura causou grande impacto, mostrando a necessidade e serventia da
lei escrita. Este fato comprova a necessidade de um cânon.

Mas como foi formado o cânon do AT? Não temos todas as informações para traçar
uma história completa do desenvolvimento do cânon do AT. Não sabemos quanto
tempo o Pentateuco levou para alcançar a sua forma final. Em alguns casos, é possível
que os próprios livros, e não apenas a coleção deles, tenham sido formados por partes,
gradualmente.

4.1. O Reconhecimento da lei

Dissemos que, ainda nos dias de Moisés, a lei foi reconhecida como autoritativa,
qualidade que hoje chamamos de “canônica”. Depois dele, praticamente todos os
demais livros demonstram que a lei não só foi reconhecida como autoritativa, mas
serviu de base para a revelação posterior. O apelo e referência à lei de Moisés estão
presentes em todo o AT.

4.2. O reconhecimento dos profetas

Mais progressiva ainda do que a Lei foi a canonização dos livros proféticos, visto que
foram muitos os seus autores e diferentes as suas épocas. Já mencionamos Josué e
Samuel, que colocaram seus escritos junto ao santuário do Senhor (Js 24.26; ISm
10.25). Com Samuel iniciou-se o período chamado “dos profetas”. Iniciou-se a “escola
de profetas”, com seus alunos conhecidos como “filhos de profetas” (ISm 19.20). O
fato de profetas que vieram mais tarde ter usado os escritos de profetas anteriores,
como já demonstramos nos casos de Ezequiel e Daniel (Ez 13.9; Dn 9.2,6,11),
comprova que esses escritos eram preservados e colecionados como revelação divina
autoritativa.
Implicações Práticas

Um cânon fechado do AT e reconhecido como autoritativo pelos judeus, assim como


pelos autores do NT e, principalmente, pelo próprio Senhor Jesus, é a garantia de que
a revelação progressiva, dada ao longo de muitos séculos, não se perdeu nem foi
corrompida. Assim, pôde constituir-se na base para a revelação posterior, dada por
Cristo através dos apóstolos e dos outros autores do NT. Sua importância e valor não
podem ser subestimados. A revelação escrita era o apelo final de Jesus, mesmo antes
de estar toda ela concluída. Na parábola do rico e Lázaro, ele Se refere a Moisés e aos
Profetas (Escritura do AT) como autoridade final para se conhecer a vontade de Deus:
“Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos... Se não ouvem a Moisés e aos Profetas,
tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos”

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