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Canon e Canonicidade
1. Conceito de Cânon
A palavra kanon é grega e significa etimologicamente “cana”, “junco”; mas passou a
significar “vara de medir”, “régua”, e, daí, “regra”, “padrão”, “medida”.
“Uma definição bem sucinta de cânon pode ser: “a coleção encerrada de
documentos que constituem a Escritura autorizada.”
2.1.1. A antiguidade do livro. Um livro não era considerado canônico apenas por ser
antigo. Embora ele precisasse naturalmente ter sido escrito no per iodo em que o cânon
foi formado (e fechado), que é o período que vai de Moisés até o retorno do cativeiro
babilônico (Esdras e Neemias), para o AT, e o período apostólico (1o século) para o NT,
não foi a sua antiguidade que determinou a aceitação. Muitos livros antigos como o
“Livro das Batalhas do Senhor” e o “Livro do Justo” (ou de Jasher), mencionados em
Nm 21.14 e Js 10.13, nunca foram incluídos no cânon judaico. A regra geral era o
reconhecimento da autoridade do livro logo após a sua escrita. Por isso, eram
guardados junto com os demais já escritos, formando uma coleção de livros sagrados.
Os livros de Moisés foram postos junto da arca ainda enquanto ele vivia (Dt 31.24-26).
Daniel aceitava a profecia de Jeremias, seu contemporâneo, como sendo palavra do
Senhor (Dn 9.2) e Pedro, contemporâneo de Paulo, considerava os escritos deste como
“escritura”, em pé de igualdade com as “escrituras” do AT.
2.1.2. A língua em que foi escrito: Embora os livros do AT tenham sido escritos todos
em hebraico (com exceção de algumas porções de Daniel [2.4b-7.28] e Esdras [4.8-6.18
e 7.12-16], escritas em aramaico) e os do NT, em grego, não é a língua em que foram
escritos que determina a sua canonicidade. Muitos outros livros escritos em hebraico
(como Eclesiástico, Tobias e dos Jubileus) ou em grego (praticamente todos os
apócrifos e pseudepígrafos do NT), nunca foram aceitos.
2.1.3. A concordância com a Torah: Ainda que a concordância com a revelação dada
anteriormente seja um requisito exigido para que um livro seja aceito como inspirado, a
simples concordância com a revelação anterior, em geral, ou com a Torah, em particular,
não era suficiente. Muitos livros rejeitados não estavam em desacordo com a Torah,
necessariamente. Alguns dos livros mencionados na Bíblia, como o de Elias (2Cr 21.12)
e o de Ido (2Cr 12.15), certamente não estariam em conflito com a Lei de Moisés. Mas
nem por isso foram aceitos como parte do cânon.
2.1.4. Seu valor religioso: Claro que qualquer livro para pertencer ao cânon deveria ter
valor religioso. Mas só essa qualidade não era suficiente. Muitos dos livros rejeitados
tinham inquestionavelmente valor religioso, como é o caso de Eclesiástico, no período
do AT e do Pastor de Hermas e do Didaquê, no período do NT. Do mesmo modo, como
no caso anterior, como avaliar o valor religioso de um livro à parte do conceito de
canonicidade, ou de autoridade? Como afirmam Geisler e Nix: “Não é o valor religioso
que determina a canonicidade de um texto; é sua canonicidade que determina o seu
valor religioso. De forma mais precisa, não é o valor de um livro que determina sua
autoridade divina, mas a autoridade divina é que determina o seu valor”.[iv]. Um livro só
é valioso porque é canônico e só é canônico porque é inspirado.
2.2.1. Seu caráter autoritativo: Por “caráter autoritativo” queremos dizer aquela
qualidade intrínseca de apresentar-se como “Palavra de Deus”, direta ou indiretamente,
reivindicando autoridade divina. Alguns trazem expressões como “assim diz o Senhor”,
“veio a mim a palavra do Senhor” e suas semelhantes, como no caso dos livros
proféticos. Outros apresentam narrativas históricas, mandamentos, ensinos,
exortações, etc., com a marca intrínseca da autoridade divina. O conteúdo é a narrativa,
o mandamento, o ensino ou a exortação do próprio Deus. E verdade que no caso de
alguns livros, como o de Ester, essa marca não está tão clara. Por isso mesmo, alguns
tiveram certa dificuldade para obter reconhecimento unânime de canonicidade, pelo
menos durante certo tempo.
2.2.2. Sua autoria profética ou apostólica: Em sentido amplo, todos os livros da Bíblia
foram escritos por profetas, pois profeta, segundo o conceito bíblico, é quem fala em
nome de Deus e com a autoridade dele. E o porta-voz ou a boca de Deus, como lemos
em Ex 4.16 e Is 30.2 (no original lê-se “sem perguntarem à minha boca”, numa referência
aos profetas de Deus). Já nos referimos à consciência profética de que eram
possuidores os que escreveram livros inspirados, assim como ao reconhecimento do
povo que aceitava a palavra do profeta como sendo a palavra do Senhor: Ex 19.8;
24.3,7; Nm 32.31; Js 1.16; Jr 42.20. Nesse sentido, os apóstolos também foram
profetas, assim como aqueles que no AT só tiveram o dom e não o oficio profético, como
Josué, Davi, Salomão, etc., e, no NT, só tiveram o dom profético, mas não o oficio de
apóstolo, como Marcos, Lucas, Tiago, Judas e o autor de Hebreus (E f 2.20; 3.5).
2.2.4. Sua natureza dinâmica: De acordo com esse critério, um livro inspirado precisa
produzir resultados transformadores. A mensagem de Deus deve revelar o seu poder
em transformar vidas e trazer salvação. A própria Escritura o afirma em 2Tm 3.16,17;
Hb 4.12 e 1Pe 1.23; 2.2. O critério está intimamente relacionado com o da autoridade
divina do livro. Muitas obras de caráter devocional e instrutivo foram rejeitadas no
primeiro século, porque, embora úteis, não produziam os resultados vistos nos livros
que trazem o selo da autoridade divina. Não são a espada do Espírito.
2.2.5. Sua aceitação pela Igreja: Naturalmente que os livros inspirados foram
imediatamente aceitos por aqueles para quem foram originalmente enviados (1Ts
2.13). Mas o princípio exige que eles sejam aceitos universalmente, por todo o povo
de Deus. Dadas as dificuldades de transporte, comunicação e má interpretação,
dentre outras, dúvidas e suspeitas de diversas naturezas foram levantadas, com
respeito a parte do cânon do NT, fazendo com que não houvesse unanimidade entre
os pais, pelo menos até o século IV. Felizmente, a Igreja já recebeu dos judeus um
cânon fechado e reconhecido do AT. Jesus deu legitimidade a esse cânon, aceitando-
o como estava. Claro que não é a aceitação da Igreja que determina a canonicidade,
como já vimos. Ela apenas a reconhece e confirma. Também não estamos dizendo
que tem que haver (ou tem havido) unanimidade absoluta entre todos os membros da
Igreja sobre quais são os livros inspirados ou não.
Por isso, acima de todos esses princípios, todavia sem dispensá-los, temos que
acreditar na providência de Deus em preservar a sua Palavra e imprimir no seu povo a
percepção espiritual para aceitá-la. E o que Calvino chama de “o testemunho interno
do Espírito Santo”. Ele diz. “ o testemunho do Espírito é mais excelente do que toda a
razão. Pois do mesmo modo como somente Deus é testemunha adequada de si
mesmo em sua Palavra, também a Palavra não encontrará aceitação no coração dos
homens antes que seja selada pelo testemunho interno do Espírito. Portanto, o mesmo
Espirito que falou através da boca dos profetas deve penetrar em nossos corações
para persuadir- nos de que eles fielmente proclamaram o que foi divinamente
ordenado.
Implicações Práticas
O mesmo Espírito que levou homens santos a escrever a revelação divina, levou a
Igreja a reconhecer essa revelação e a distingui-la da falsa. Sem esse discernimento,
estaríamos à mercê de todo tipo de ensinamento humano que pretextasse ter origem
divina, e teríamos, nós mesmos, de fazer essa distinção, individualmente. Cremos que
o Espírito dirige a Igreja, não para determinar o cânon, como crê o catolicismo, mas
para discerni-lo; não para sobrepor-se a ele, mas para reconhecer a sua autoridade e
a ele submeter-se. Um cânon definido e fechado é segurança contra os impostores e
falsos profetas em todos os tempos.
Notas Bibliográficas:
Norman Gêiser e William Nix, Introdução Bíblica (São Paulo: Vida, 1997), p. 61.
Cf. Introdução ao Novo Testamento, de D.A. Carson, D.J. Moo e L. Morris, p. 541.
Institutas, I, vii.
Introdução
1.1. A inspiração: Estritamente falando, este passo não faz parte do processo de
canonização. É a razão de ser do processo e não parte dele. É porque o livro é
inspirado por Deus que existe o seu reconhecimento e compilação (a canonização). A
inspiração confere ao livro a canonicidade que leva a Igreja a canonizá-lo (declará-lo
canônico). Não é atividade humana e, por conseguinte, não é parte do processo, a
menos que a consideremos como a parte de Deus, como o fazem Geisler e Nix.
1.2. O reconhecimento: O processo da canonização começa com o reconhecimento
da inspiração, ou para dizer de modo mais claro, da autoridade do livro. Esse
reconhecimento ocorria imediatamente, por parte da comunidade que recebia o
documento. As palavras de Moisés foram reconhecidas imediatamente pelos seus
contemporâneos como sendo palavra do Senhor (Êx 24.3,7), assim como as de Josué
(Js 24.24-27) e de Samuel (1Sm 10.25). O mesmo aconteceu quando o livro da lei,
achado por Hilquias, foi lido perante o rei e depois, a todo o povo (2Rs 22-23), quando
Esdras leu o livro da lei diante do povo (Ne 8, 10 e 13).
3. A divisão do Cânon do AT
4. O desenvolvimento do Cânon do AT
Mas como foi formado o cânon do AT? Não temos todas as informações para traçar
uma história completa do desenvolvimento do cânon do AT. Não sabemos quanto
tempo o Pentateuco levou para alcançar a sua forma final. Em alguns casos, é possível
que os próprios livros, e não apenas a coleção deles, tenham sido formados por partes,
gradualmente.
Dissemos que, ainda nos dias de Moisés, a lei foi reconhecida como autoritativa,
qualidade que hoje chamamos de “canônica”. Depois dele, praticamente todos os
demais livros demonstram que a lei não só foi reconhecida como autoritativa, mas
serviu de base para a revelação posterior. O apelo e referência à lei de Moisés estão
presentes em todo o AT.
Mais progressiva ainda do que a Lei foi a canonização dos livros proféticos, visto que
foram muitos os seus autores e diferentes as suas épocas. Já mencionamos Josué e
Samuel, que colocaram seus escritos junto ao santuário do Senhor (Js 24.26; ISm
10.25). Com Samuel iniciou-se o período chamado “dos profetas”. Iniciou-se a “escola
de profetas”, com seus alunos conhecidos como “filhos de profetas” (ISm 19.20). O
fato de profetas que vieram mais tarde ter usado os escritos de profetas anteriores,
como já demonstramos nos casos de Ezequiel e Daniel (Ez 13.9; Dn 9.2,6,11),
comprova que esses escritos eram preservados e colecionados como revelação divina
autoritativa.
Implicações Práticas