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Unidade III Demonstração em Matemática

1. Situando a Temática

“Cassandra, você vai ter de provar por a mais b o que acabou de afirmar”. Você arriscaria
afirmar que a frase que acabou de ler, dita em tom tão imperativo assim, só poderia ter como
contexto uma sala de aula de Matemática? Nós, mesmo sem poder ouvir o que você tem a falar
diante desta pergunta, arriscaríamos dizer que a sua resposta, nem que tenha sido de si para si, foi
um sonoro “Não”. É que as nossas (minhas e suas) interconexões culturais garantem que a frase
em questão cabe em qualquer ambiente social. Ela habita o imaginário popular, e apenas toma de
empréstimo o rigor com que, ainda segundo este mesmo imaginário, a Matemática trata as suas
verdades.

Falando de modo bastante simplificado, diríamos que a verdade em Matemática materializa-


se através de uma complexa teia de objetos e relações entre eles, que são estabelecidas através
de afirmações “indefectíveis”: axiomas e teoremas. Os axiomas são, para uma dada teoria
(geometria, álgebra etc.), sentenças geradoras, sobre as quais se assenta todo e qualquer processo
de dedução ou resultado. Os teoremas constituem as afirmações que são geradas pelos axiomas.
Cada teorema segue uma estrutura padronizada, em que sobressaem dois blocos: o das hipóteses
e o da conclusão (ou tese). As primeiras reúnem as condições sob as quais “algo” acontece; a
conclusão é exatamente o “algo”.

Parece que é a engenharia dessa articulação, apresentada de modo supersimplificado


acima, que provoca uma impressão no senso comum sempre que estão em jogo rigor ou harmonia
para uma tomada de decisão. Tudo se passa como se o senso comum se apropriasse
profundamente de um uma espécie de modo matemático de ser. Exemplos disto não faltam:
expressões tais como “provar por a mais b”, “chegar a um denominador comum”, “como dois e dois
são quatro”, juntamente com outras tantas, caíram no domínio público.

Vale salientar que o estabelecimento de um teorema requer um processo de elaboração que


inclui etapas importantes. Por vezes, acontece um lampejo e o matemático parece apossar-se de
um palpite segundo o qual o que ele tem diante de si é um fato matemático; em outros casos, é
levado a uma suspeita destas pelo reconhecimento de padrões que surgem de um apurado senso
de observação de interligações de objetos matemáticos e/ou de relações entre estes.

Enquanto um lampejo e uma suspeita, da maneira como foram descritos acima, não são
provados ou refutados estes assumem a condição de uma conjectura. Aquilo que serve para refutar
uma conjectura é denominado contraexemplo, isto é, um exemplo que contradiz a conjectura.

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2. Problematizando a Temática

A história da Matemática registra o aparecimento de conjecturas que se tornaram


mundialmente famosas, quer pela temática envolvida ou pela simplicidade dos seus enunciados.
Entre estas, destaca-se a conjectura que por mais de 350 anos ficou conhecida como “O Último
Teorema de Fermat”, hoje reverenciada como Teorema de Fermat-Wiles, em homenagem ao
matemático britânico Andrew Wiles (1953 - ), que, em 1995, apresentou uma prova deste teorema.
Segundo a literatura sobre o tema, por volta do ano 1637, o matemático francês Pierre de Fermat
(1601–1665) afirmou ter elaborado uma prova cabal e simples (mas que não cabia naquele espaço
onde escreveu tal declaração) para o seguinte: “Se n  2 é um inteiro, então não existem inteiros,

não simultaneamente nulos, x , y , e z , que satisfaçam à relação x n  y n  z n ”.

O termo “último” foi atrelado àquela conjectura porque era a última que, dentre várias
conjecturas de Fermat, ficou durante muito tempo sem solução. Todas as outras foram provadas
verdadeiras ou foram refutadas. No meio das que foram refutadas, está a seguinte: “Se p é um
𝑝
número natural, então o número 22 + 1 é primo”. A refutação foi apresentada pelo matemático suíço
Leonhard Euler (1707–1783), mostrando que, para p  5 , a afirmação é falsa, pois

22  1  4.294.967.297  6700417  641 . Com isto, Euler apresentou um contraexemplo para essa
5

conjectura de Fermat.

A situação descrita acima deve servir de inspiração para a postura que devemos adotar
diante de uma frase declarativa em Matemática. No caso em questão, foram necessários apenas
seis passos para Euler contestar a declaração de Fermat. Portanto, muita prudência e busca por
argumentos bem fundados são procedimentos recomendáveis para o trabalho de elaboração de
discursos em Matemática.

Ampliando o seu conhecimento...


Ampliando o seu conhecimento. Procure saber mais sobre as vidas e as obras de
Fermat e Wiles, particularmente sobre O Último Teorema de Fermat. Para começo desta
viagem, sugerimos visitar a enciclopédia virtual Wikipedia, no endereço www.wikipedia.org.
Além disso, vale a pena ler o livro “O Último Teorema de Fermat” de autoria de Simon
Singh, publicado no Brasil em 1998 pela Editora Record.

3. Conhecendo a Temática

3.1 Demonstrações envolvendo conectivos lógicos

Para falar sobre demonstração no contexto em questão convém uma palavrinha acerca de
um tipo de raciocínio que é vital para a construção de significados em Matemática: o raciocínio
dedutivo.

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Sem entrar em detalhes, dizemos que o raciocínio dedutivo é caracterizado por possibilitar
que se obtenham informações acerca de eventos (situações) específicos a partir de eventos
(situações) gerais. Essa versão traz desconforto aos lógicos, pois há raciocínios dedutivos válidos
que partem do particular para o geral: “Água potável é insípida. Portanto, existe algo insípido”.

De um modo menos informal do que isto, diríamos que o raciocínio dedutivo é empregado
na construção de um argumento em que a conclusão é implicação direta de premissas conhecidas.
Desse modo, se as premissas são verdadeiras então a conclusão é verdadeira.

Esse é o tipo de raciocínio que dá sustentação final a boa parte do trabalho desenvolvido
por matemáticos. Estes, para se convencerem e se fazerem convencidos por seus pares, recorrem
a vários procedimentos: realizam simulações com casos particulares, fazem tentativas para ver até
que ponto são confiáveis as conexões entre suas hipóteses e suas conclusões, isto é, até que ponto
aquelas podem conduzir a erros; além disso, matemáticos, como já foi dito anteriormente, recorrem
costumeiramente à intuição.

Mas, a convicção de um matemático sobre algo que se lhe é apresentado como fato
matemático só se realiza depois que o tal fato passa nos testes dos princípios do raciocínio lógico.
Isto se dá através de um procedimento a que os matemáticos denominam prova ou demonstração.
Ousamos afirmar que você já viu uma prova matemática. Mais do que isto, achamos que já
realizou a demonstração de algum fato matemático. Vamos dedicar um olhar mais atento a este
tema por tratar-se de algo que é inerente ao cotidiano do trabalho matemático.

A construção de uma prova matemática tem, como diz Daniel Velleman (Velleman, p. 82) no
seu livro “How to Prove It”, forte analogia com a montagem de um quebra-cabeça, pois, por exemplo,
não há uma receita universal para se obter êxito em uma tarefa destas, mas certos procedimentos
parecem levar a bons resultados:
 Não parece sensato sair colocando as peças no modo “uma sim, outra não”,
e depois voltar preenchendo as lacunas que ficaram.
 Tampouco é produtivo começar pelo topo e ir assim até a base, ou vice-versa;
da esquerda para a direita, ou vice-versa.
 A prática nos diz que vale a pena começar pelas bordas e tentar montar
porções a partir delas, avaliando se estamos no caminho certo.
 Tentativas às vezes podem conduzir a uma colocação que descobrimos não
ser legal; neste caso, tratamos de fazer as correções que consideramos convenientes.
 É sempre bom parar e dar uma olhada panorâmica, a fim de ver se o que
temos feito até ali apresenta fortes indícios daquilo que queremos alcançar. Somos tomados
por uma sensação prazerosa ao perceber que aquilo que já conseguimos indica, por
exemplo, a formação de partes de corpos, porções de um jardim, picos de montanhas por

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detrás e por cima das quais já vislumbramos o sol a espraiar seus raios em um céu azulado
etc.
 Aí, mais uma daquelas paradinhas, e mãos à obra, para, minutos, horas,
quem sabe, dias depois, termos as peças enlaçadas de modo harmônico, enchendo de
brilho de satisfação o nosso olhar diante de uma obra construída com doses equilibradas de
racionalidade e intuição.

Uma vez composto o quebra-cabeça, será que nos desfazemos dele imediatamente? É
quase certo que não, o deixamos ali e a ele voltamos para, admirando-o, reviver o ato da construção:
Qual porção nos deu mais trabalho? Qual surgiu com mais facilidade? Qual porção foi geradora
imediata de várias outras?

Informalmente falando, é desse modo que se dá a construção de uma demonstração em


Matemática. Esperamos, com a presente abordagem, contribuir para que você compreenda
estruturas e funcionamento de demonstrações, mas, mais que isso, torne-se capaz de construí-las
com autonomia.
Pois bem, agora, apropriemo-nos mais formalmente de alguns conceitos e nomes.

Teorema é o nome que os matemáticos dão a um texto que serve de resposta definitiva a
alguma indagação que é feita no universo matemático. Nesta resposta, há condições que conduzem
a um resultado bem definido. Essas condições recebem a denominação de hipóteses do teorema e
o resultado bem definido é a tese (ou conclusão) do teorema.

Normalmente, nas hipóteses e na tese são encontradas variáveis livres que ali representam,
genericamente, objetos do universo de discurso do teorema. Quando substituímos tais variáveis por
valores particulares obtemos o que se chama uma instância do teorema.

Uma afirmação com “jeito” de teorema é de fato um teorema quando se mostra válida para
toda e qualquer instância sua. Quando, para alguma instância, a validade é quebrada, estamos
diante de algo que tem apenas jeito de teorema, mas não é um teorema. Neste caso, aquela
instância é chamada um contraexemplo para aquela afirmação.

3.1.1 Teoremas cujos enunciados são do tipo P  Q

O método de demonstração direta


Consideremos o seguinte teorema: “Se x e y são números reais quaisquer satisfazendo

x  5 e y  2 , então x 2  3 y  19 ”.

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No teorema acima, o universo de discurso é o conjunto dos números reais. Como hipótese,
temos “ x e y são números reais tais que x  5 e y  2 ”. A tese do teorema é “ x 2  3 y  19 ".

A título de ilustração, vamos substituir x por 7 e y por  4 . Vemos que

72  3(4)  49  12  61  19 . O que temos aqui é uma instância do teorema: “Como 7  5 e

 4  2 , então 72  3(4)  19 ”.

Atenção! Não confunda uma instância de um teorema com a prova deste. A prova só
estará realizada quando mostrarmos que a afirmação aplica-se a toda e qualquer instância dele.
Aqui vai um desafio para você: construa uma prova para o teorema acima. Compare o que
você fez aqui com aquilo fará, nesta mesma tarefa, depois de ter estudado demonstrações em que
o enunciado é do tipo P  Q .

Mais uma tarefa. Mostre, por meio de um contraexemplo, que não é um teorema a seguinte
sentença: “Se x e y são números reais tais que x  5 e 𝑦 < 8, então x 2  3 y  19 ”.

Agora, vejamos como devemos proceder para demonstrar, pelo método direto, um teorema
em que o enunciado é do tipo P  Q .

Uma primeira providência é admitir que P seja verdadeira, o que equivale a acrescentar P
ao nosso conjunto de hipóteses. Feito isto, partimos para provar que Q é verdadeira. Observe que,
com isto, alteramos o conjunto inicial de hipóteses mas não modificamos a lógica dos nossos
objetivos. Explicitamente, inicialmente tínhamos de provar P  Q , ao passo que agora a conclusão
a que queremos chegar é Q .

Vale salientar que este procedimento tem como finalidade principal enriquecer o nosso
conjunto de hipóteses que, esperamos, faça com que a demonstração flua mais naturalmente. Mas,
observemos que isto não encerra a demonstração; gera, na verdade, um novo problema que,
provavelmente, seja menos complexo do que o original.

É também oportuno ressaltar que não é comum que uma demonstração seja feita de um só
fôlego, nem que uma técnica sozinha dê conta do recado. Normalmente, começamos com um
esboço que inclui o recurso a fatos matemáticos que não constam do rol de hipóteses do teorema,
além de, às vezes, ser necessário trazer à cena outras técnicas.

O conjunto resultante da agregação de novas hipóteses ao conjunto de hipóteses iniciais


recebe a denominação de dados, enquanto a conclusão, que nesse processo resta ser provada, é
chamada meta.

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Façamos uma aplicação disto que acabamos de teorizar.

Teorema 3.1.1-1
Considere que x e y sejam números reais positivos. Se x  y , então x 2  y 2 .

Esboço de demonstração
Comecemos por fazer uma radiografia do teorema em questão. Aqui, temos como hipótese
que x e y são números reais. A nossa conclusão é do tipo P  Q em que P : x  y  0 e

Q : x2  y 2 .

A fim de organizar o pensamento, recorramos à seguinte tabela, que chamaremos quadro


organizador do pensamento, e refletirá a situação inicial do processo de demonstração:

Dados Meta

x e y são números reais positivos ( x  y)  ( x 2  y 2 )

De acordo com o que discutimos anteriormente, deveremos considerar x  y como um fato

(acrescentando-o à nossa lista de hipóteses) e, partir daí, tentar provar que x 2  y 2 . Isto implica
que o nosso quadro inicial agora se altera para o seguinte:

Dados Meta

x2  y 2
x e y são números reais positivos

x y

É chegada a hora de pôr a mão na massa, ou melhor, nos dados. Partamos, pois, para
articular os dados a fim de chegarmos à meta:

Iniciamos por identificar algum “parentesco” entre os dados. Pois bem, ao comparar as
desigualdades x  y e x 2  y 2 , somos levados a imaginar que a multiplicação da primeira delas
por x ou por y parece nos aproximar da meta. De fato, teremos x  x  x  y ou x  y  y  y , isto é,

x 2  x  y ou x  y  y 2 . (Por que o sentido destas desigualdades não se altera?) Agora, basta

observar que y 2  x  y  x 2 para concluir que, em qualquer um dos dois casos acima, teremos:

x 2  y 2 , que é a nossa meta.

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O que fizemos acima foi um esboço descritivo (explicitação das entrelinhas) da
demonstração do teorema. A demonstração propriamente dita, segundo os padrões dos
matemáticos profissionais, é normalmente composta por um texto “enxuto”, ou seja, que deixa
implícitas as entrelinhas.

Como ilustração, apresentamos a seguir o que vem a ser uma demonstração do teorema
3.1.1-1.
Demonstração
Suponhamos que x e y sejam números reais positivos quaisquer satisfazendo x  y . Ao

multiplicar a desigualdade x  y pelo número positivo x , obteremos x 2  x  y ; fazendo o mesmo,

agora com y , chegaremos a x  y  y 2 . Ou seja, y 2  x  y  x 2 , o que nos dá y 2  x 2 , que é o

mesmo que x 2  y 2 , a nossa meta.

De uma maneira geral, a estratégia adotada acima pode ser estruturada da seguinte
maneira.

Para provar uma meta do tipo P  Q , admita que P seja verdadeira e então prove que Q
é verdadeira.
Um esboço da demonstração assume, inicialmente (antes de usar a estratégia), a seguinte
forma:

Dados Meta
Hipóteses P Q

Depois da estratégia, o quadro organizador torna-se:

Dados Meta
Hipóteses
P Q
Nesta altura dos acontecimentos, mobilizamos o nosso repertório de fatos matemáticos para
tirar o melhor proveito das interconexões dos dados (hipóteses + P ), a fim de alcançar a meta, Q .

Em suma, tendo admitido que P é verdadeira e provado que a sentença Q também o é

equivale a ter provado que P  Q é verdadeira, a conclusão do teorema.

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Nota digna de destaque. Procure identificar quais diferenças há entre o esboço da
demonstração do teorema 3.1.1-1 e a demonstração do mesmo. Achamos oportuno
chamar a sua atenção para uma diferença fundamental entre um e a outra, a saber: o
esboço é caracterizado por explicações de como o raciocínio da demonstração é
desenvolvido, ou seja, trata-se de um conjunto de ações essencialmente psicológicas;
enquanto isto, a demonstração propriamente dita é marcada pela reunião de justificativas
técnicas para as conclusões (inferências), isto é, trata-se da realização de atos
essencialmente matemáticos.
Estas observações extrapolam o caso particular aqui estudado, são características válidas
em geral.

Uma abordagem alternativa


Às vezes, torna-se difícil ou trabalhoso demonstrar diretamente um teorema cuja conclusão
é do tipo P  Q segundo a estratégia que acabamos de ver. Quando isto ocorre, mantemos a
estratégia, mas optamos por uma demonstração indireta. Mais explicitamente, uma iniciativa que
se mostra bastante conveniente é recorrer ao fato de que a sentença P  Q é equivalente à sua

contrapositiva, Q  P .

Em tais situações, admitimos que a sentença Q seja falsa, isto é, que a sentença Q seja
verdadeira, procedemos à incorporação dela às hipóteses iniciais, e isto faz com que a nossa meta
passe a ser provar que a sentença P é falsa, ou seja, que a sentença P é verdadeira. Os dois
primeiros quadros organizadores do pensamento assumem a seguinte configuração:
Antes da estratégia

Dados Meta

Hipóteses P Q

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Depois da estratégia

Dados Meta

Hipóteses P
Q

Façamos agora uma aplicação desta abordagem alternativa.


Teorema 3.1.1-2
Suponha que x , y e z sejam números reais satisfazendo à relação x  y . Prove que se

xz  yz , então z  0 .

Esboço de demonstração
Aqui, consideremos 𝑃: (𝑥𝑧 ≤ 𝑦𝑧) e Q : ( z  0) . Deste modo, chegamos ao seguinte quadro:
Quadro 1, antes da estratégia

Dados Meta

x , y e z são números reais ( xz  yz )  ( z  0)

x y

Observemos que a contrapositiva da meta é ( z  0)  ( xz  yz ) , ou seja,


( z  0)  ( xz  yz ) , que é equivalente a ( xz  yz )  ( z  0) .

Assim, obtemos o seguinte quadro:

Quadro 2, antes da estratégia

Dados Meta

x , y e z são números reais ( z  0)  ( xz  yz )

x y

A meta que temos agora é ( z  0)  ( xz  yz ) , ou seja, Q  P . Assim, para aplicar a


estratégia que escolhemos para estes casos, admitamos que a sentença Q seja verdadeira, isto

é, que a sentença z  0 seja verdadeira. Incorporando-a ao conjunto de hipóteses, a meta torna-se


( xz  yz ) e o próximo quadro organizador do pensamento assume a seguinte configuração:

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Quadro 3, depois da estratégia

Dados Meta

x , y e z são números reais xz  yz


x y

z0

Demonstração
A demonstração pode, então, ser redigida da seguinte forma:
Por conveniência, adotaremos a estratégia que apela para a contrapositiva da conclusão do
teorema. Assim, suponhamos, por hipótese, que z  0 . Multiplicando ambos os membros da
desigualdade x  y pelo número positivo z , vamos obter xz  yz . Portanto, concluímos que se

xz  yz então z  0 .

A seguir, convidamos você a fazer uma crítica utilizando o que acaba de ver sobre
demonstrações que envolvem conclusões do tipo P  Q .
Considere o seguinte teorema:

Teorema 3.1.1-3
7x  3
Suponha que x seja um número real diferente de 5 . Se  6 , então x  33 .
x5
Você concorda que o que apresentamos a seguir seja uma demonstração deste teorema?
Justifique a sua resposta.

“Tome x  33 . Então, teremos:

7 x  3 7(33)  3  228 7x  3
   6 . Logo, se  6 , então x  33 ”.
x5  33  5  38 x5

Caso tenha discordado, apresente uma demonstração do teorema 3.1-3.

Exercícios 3.1.1-1
1. Em cada situação seguinte, identifique a hipótese e a conclusão.
n(n  1)(2n  1)
a) A soma dos quadrados dos n primeiros números naturais é .
6
b) Considere que C seja um círculo, P1 e P2 sejam os pontos extremos de um diâmetro

qualquer de C . Se r1 e r2 são retas tangentes a C nos pontos P1 e P2 , então r1 e r2


são paralelas.

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c) Considere que a , b e c sejam números reais. Se a  0 , b  0 e b 2  4ac  0 , então
a única solução da equação ax 2  bx  c  0 é negativa.
d) Se a e b são números reais não-negativos, então a média aritmética deles não é menor
do que a sua média geométrica.
e) Se f : A  B e g : B  C são funções bijetivas, então a função g  f : A  C é
bijetiva.
1
f) Se f : A  B é uma função bijetiva, então ( f  f )( x)  x , para todo x  A e

( f  f 1 )( y)  y , para todo y  B .
2. Demonstre as proposições b), c), d), e) e f) da questão anterior.

3.1.2 Teoremas cujos enunciados são do tipo P  Q

Como já vimos, o conectivo “se, e somente se” é caracterizado por uma sentença
bicondicional, ou seja, do tipo P  Q . Esta, por sua vez, é equivalente a ( P  Q)  (Q  P) .
Logo, para realizar a demonstração de um teorema cuja conclusão seja do tipo em questão, basta
que apliquemos, separadamente, a estratégia adotada na seção 3.1-1 às sentenças P  Q e

Q  P.

Vejamos um caso ilustrativo.


Teorema 3.1.2-1
Considere que A e B sejam conjuntos. Nestas condições, A  B  A se, e somente se,
B  A.

Esboço de demonstração
Primeiramente, mostraremos que “se B  A , então A  B  A ”. Feito isto, provaremos que
“se A  B  A , então B  A ”.

Observemos que a prova de “se B  A , então A  B  A ” requer que mostremos serem


verdadeiras as afirmações: “se B  A , então A  B  A ” e “se B  A , então A  A  B ”.
Para provar a sentença “se B  A , então A  B  A ”, suponhamos que B  A e tomemos
x  A  B . Sendo assim, x  A ou x  B . Se x  A , a prova está realizada. Se x  B , temos que
x  A pois, por hipótese, B  A .
Agora, provemos que “se B  A , então A  A  B ”. Para tanto, suponhamos que B  A
e tomemos x  A . Ora, mas isto significa que x  A  B . Ou seja, A  A  B .
Nos dois parágrafos acima está a prova de que “se B  A , então A  B  A ”.

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Resta mostrar que “se A  B  A , então B  A ”. Para isto, suponhamos que A  B  A ,
para chegar a B  A . Tomando x  B , obtemos x  A  B . Ora, mas, por hipótese, A  B  A ,
o que implica x  A , que é aonde queríamos chegar.

3.1.3 Demonstração por contradição (ou redução a um absurdo)

Esta situação, corriqueira no cotidiano de quem faz Matemática, consiste em manter todas
as hipóteses do teorema e acrescentar a elas uma suposição “estranha” mas providencial, qual
seja: admitir que diante das condições dadas pelo teorema, a conclusão por ele anunciada é falsa.
Se tal suposição nos conduz a uma contradição (absurdo), esta foi gerada pela negação da
conclusão que foi acrescentada ao conjunto de hipóteses do teorema. Portanto, o que é falso é a
nossa “estranha” suposição, implicando a veracidade da conclusão do teorema.

O teorema seguinte constitui um caso clássico entre aqueles cuja demonstração pode ser
feita por redução a um absurdo.

Teorema 3.1.3-1

O número 2 não é racional.

Demonstração
A demonstração será feita por redução a um absurdo. Comecemos, pois, negando a

conclusão do teorema, ou seja, vamos supor que 2 seja um número racional. Nossa expectativa
é que esta suposição leve-nos a uma contradição. Vamos lá!

p
Admitindo que 2 é um racional, existem números inteiros, p e q , tais que 2 . Por
q
p
razões de simplificação, suponhamos que a fração já esteja no modo irredutível ( p e q são
q
p
primos entre si). Da igualdade 2 , vem: 2q  p , ou seja, 2q 2  p 2 . Isto significa que o
q

número p 2 é par. Sendo assim, p é também um número par. Logo, existe algum inteiro n de modo

que p  2n , implicando p 2  4n 2 . Assim, obtemos: 2q 2  4n2 , ou seja, q 2  2n 2 , evidenciando que

o número q 2 é par. Sendo q 2 um número par, o mesmo acontece o número q . Daí e do que
obtivemos logo acima, vemos que os números p e q são pares e, portanto, admitem (pelo menos)
um divisor comum: o número 2 . Mas, entra em choque com o fato de termos admitido que p e q
são primos entre si. Esta contradição nasceu da negação da conclusão do teorema. Portanto, o

número 2 não pode ser um racional, e a demonstração está concluída.

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Mais uma aplicação
Agora, considere o teorema abaixo e um esboço da demonstração dele, apresentada logo
em seguida.
Teorema 3.1.3-2
Suponha que A  C  B e a  C . Prove que a  ( A  B) .

Esboço de demonstração

Dados Meta

AC  B a  ( A  B)

a C

Observemos que a meta é uma sentença constituída de uma negatividade, isto é, refere-se a algo
que deixa de acontecer ( a não está em ( A  B) ). Vamos substituí-la por uma sentença marcada por uma

positividade, ou seja, que expresse algo que acontece. Indo ao nosso repertório de sentenças equivalentes,
vamos encontrar:
a  ( A  B)  (a  A  a  B)  (a  A)  (a  B)
Assim, podemos substituir a meta a  ( A  B) pela sentença (a  A)  (a  B) , e o próximo
quadro assume o aspecto seguinte:

Dados Meta

AC  B aB

a C

a A

No passo seguinte, o quadro torna-se:

Dados Meta

AC  B Contradição

a C

a A

aB

Trabalhando com os dados do quadro acima, vemos que eles são incompatíveis e, portanto,
levam a uma contradição, que é a nossa meta. Isto significa que não pode ocorrer (a  A  a  B) ,

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que equivale à sentença a  ( A  B) . Portanto, o que de fato ocorre é a  ( A  B) , que é aonde
queríamos chegar.

Fica para você a tarefa de redigir uma demonstração para o teorema 3.1.3-2.

Para consolidar o que foi estudado até aqui, resolva as seguintes questões.

Exercícios 3.1.3-1
1. Ao aplicar a técnica de demonstração por contradição às seguintes proposições,
como você redigiria o começo da demonstração? Mais explicitamente, começaria
negando o quê?
a) Se A é uma matriz não-invertível, então as colunas de A não são linearmente
independentes.
b) Suponha que certos conjuntos C1 , C 2 e C 3 satisfaçam às relações C1  C3 ,

C1  C2   . Nestas condições, se a  C1 , então a  C 2 .


c) Considere que f : A  B seja uma função injetiva. Nestas condições, para quaisquer

que sejam a1 , a 2  A , tais que f (a1 )  f (a2 ) , então a1  a2 .


2. Finalizando, pela técnica de demonstração por contradição, uma prova para a
sentença P  Q , Augusto escreveu: “... e, assim, a demonstração está concluída,
pois mostramos que P é falsa”. Você concorda com Augusto? Justifique sua
resposta.
3. Por redução a um absurdo, prove que se m é um inteiro e m 2 é par, então m é
par.
4. Por contradição, prove que se n é um inteiro e n 2 é ímpar, então m é ímpar.

Uma pequena observação relacionada com o mundo dos signos e códigos, que, em suma,
são objetos destes nossos estudos. É comum encontrarmos ao final da demonstração de um
teorema as seguintes inscrições: ‘(qed)’ ou ‘(cqd)’. A primeira representa o conjunto das letras
iniciais da expressão, em Latim, “quod erat demonstrandum”; a segunda representa, em
Português, a expressão “como queríamos demonstrar”. São uma espécie de declaração de regozijo
diante de um desafio que acaba de ser vencido.

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