Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CARLOS JALALI
edição e propriedade
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9
1600-189 Lisboa Portugal — analise.social@ics.ul.pt
Análise Social, 220, li (3.º), 2016, 630-656
CARLOS JALALI
I N T ROD U Ç ÃO
PAT RO C I NATO E G OV E R N O S PA RT I DÁ R I O S
DA D O S E M É TOD O S
Educação e Cultura 4 3 2 —— —— 9
Finanças 4 —— —— —— 4
Negócios estrangeiros 1 1 2 1 —— 5
Economia 1 1 5 1 —— 8
Justiça —— —— —— —— 5 5
Comunicação Social —— 1 1 1 —— 3
Defesa e Segurança 1 4 1 —— —— 6
Saúde 1 2 3 1 —— 7
Total 9 19 14 4 5 51
1 Projeto internacional, coordenado por Petr Kopecký (Universidade de Leiden) e Peter Mair
(Instituto Universitário de Florença).
638 PATRÍCIA SILVA E CARLOS JALALI
R E SU LTA D O S E DI S C U S S ÃO
Para Müller (2000, p. 154) a influência – ainda que informal – dos partidos
políticos na nomeação sugere que é o partido que apoia o governo que é, na
realidade, responsável pelo patrocinato. Tal como pode ser confirmado no
quadro 2, cerca de 78 por cento dos entrevistados assume a existência de uma
influência considerável dos partidos políticos no processo de nomeação dos
dirigentes da administração pública, na larga maioria das áreas setoriais.
Apenas cerca de 22 por cento dos entrevistados considera não existir qual-
quer influência partidária no processo de nomeações. Duas áreas setoriais
parecem estar particularmente insuladas da influência partidária: a área da jus-
tiça e dos negócios estrangeiros. No primeiro caso, os entrevistados entendem
QUADRO 2
Influência partidária, por área setorial
Influência Inexistência de
% %
partidária influências partidárias
Negócios estrangeiros 2 40 3 60
Economia 6 75 2 25
Finanças 4 80 1 20
Defesa e Segurança 4 80 1 20
Saúde 6 100 0 0
Nota: Respostas à questão: Na sua opinião, há pressões por parte dos partidos políticos para se nomearem determi-
nados indivíduos? Número total de respostas: 46.
640 PATRÍCIA SILVA E CARLOS JALALI
principalmente ao nível local, ao nível concelhio e ao nível distrital penso que há uma,
enfim… uma pressão, ou pelo menos uma tentativa de nomeação, de colocação de pessoas
que estejam dentro das estruturas partidárias do partido que está no poder [d22].
FIGURA 1
Critérios de seleção da estrutura dirigente (%)
0 20 40 60 80 100
Nota: Resposta à questão “Quais os critérios mais relevantes na escolha de dirigentes?”. Mais do que uma resposta
possível. São consideradas as respostas dos 44 entrevistados que responderam à questão. Foram considerados
critérios de “competência técnica” as referências às competências de gestão, conhecimento específico da área
setorial em causa e especialização. Foram codificados como “confiança política” todas as referências à neces-
sidade de partilha da mesma visão política entre o dirigente e o político. Nesse sentido, foram considerados,
ainda, as referências aos critérios de lealdade profissional. Note-se que os próprios entrevistados salientaram a
distinção entre a confiança política e a confiança partidária (por exemplo, D17). Como “passado político” foram
consideradas as referências ao passado político do dirigente, incluindo o exercício de cargos políticos, dirigentes
e experiência na atividade parlamentar. Foram consideradas como exemplos da importância da “experiência
partidária” as referências à filiação partidária e ao exercício de cargos de relevo nas estruturas partidárias. Final-
mente, foram considerados como “conhecimento pessoal” todas as referências às relações pessoais do ministro
responsável pela nomeação.
QUADRO 3
Combinação de critérios de seleção (%)
Total 44 100
644 PATRÍCIA SILVA E CARLOS JALALI
escolha tende a recair sobre “pessoas que são cúmplices, que são nossas amigas,
que a gente sabe que dão o peito às balas” (p8). É, assim, uma forma de asse-
gurar a responsividade da estrutura dirigente que se nomeia. Como notámos
anteriormente, este é um critério que nunca é referido isoladamente e, para
29,5 por cento dos entrevistados que destacam este critério, ele surge associado
às competências técnicas, sendo apenas marginalmente associado ao critério
da experiência parlamentar (referido por nove por cento destes entrevistados).
A articulação entre a confiança política e pessoal é considerada uma forma
segura de seleção dos dirigentes, convertendo-se numa combinação de sin-
gular relevo nos casos em que se pretendem efetuar importantes reformas no
setor. Tal como um entrevistado salientou,
[S]e numa dessas áreas há uma tensão porque há uma reforma que é preciso levar a
cabo, ou se a um organismo se atribui uma missão que exige uma liderança política muito
forte, aí provavelmente a tendência será para escolher pessoas que sejam da confiança polí-
tica, e às vezes até pessoal dos ministros [d15].
Admito que a vivência do partido crie solidariedades fortes e que crie essa perceção da
confiança e, portanto, admito que quando se escolham pessoas de confiança e [com] uma
vivência de quem tem uma vivência partidária forte [d19].
os partidos têm uma clientela normalmente para satisfazer. Essa clientela hoje é mais
informada, mais competente tecnicamente e portanto em muitos casos as pessoas nomea-
das terão essa situação de pertencerem ao partido a ou b mas são também competentes
para desenvolver os cargos [a1].
[É] de toda a conveniência que quem, enfim, vá executar a política tenha alguma siner-
gia, tenha alguma empatia ou tenha alguma forma estreita de pensar e planear as coisas que
atinam com aquilo que é a política geral. (…) [d22].
QUADRO 4
Patrocinato de poder vs patrocinato de serviço, % de referências, por área setorial
Poder Serviço
Referências % Referências %
Educação e Cultura 12 60 8 40
Economia 9 45 11 55
Saúde 9 60 6 40
Defesa e Segurança 6 60 4 40
Negócios estrangeiros 2 40 3 60
Justiça 2 100 0 0
Total 56 49
Nota: % calculadas tendo em conta o número total de referências codificadas como patrocinato de serviço ou
de poder (105 referências).
[p]ara garantir a reeleição, o que quer dizer a execução do programa (…) para garantir
que o programa é executado é necessário que os políticos tenham confiança absoluta nos
dirigentes [d15].
a inércia da própria máquina os obriga a ir mais além daquilo que seria racional (…)
O outro problema é que obviamente alguns corpos do Estado têm um sentido de esprit de
648 PATRÍCIA SILVA E CARLOS JALALI
corps tão apurado que têm a capacidade de defender os seus interesses boicotando as medi-
das adotadas pelo poder político [p6].
A mediatização de qualquer coisa é tão forte e tão perigosa que é um obstáculo (…) Isso
para eles [ministros] é terrível porque com esta abertura, com esta multiplicação das fugas
das fontes, qualquer responsável intermédio pode passar um dossier para a imprensa que
vai ser utilizado não se sabe como, que pode causar danos políticos ao responsável (…)
[d2].
[h]á sempre uma dinâmica de lealdades partidárias, até muitas vezes de faturas a pagar
por apoios internos que conduziram à liderança do partido [p6].
há aqueles governos (…) que procuram, para determinadas funções, pessoas (…) que
são apresentadas (e são de facto) como técnicos, como pessoas com conhecimentos na
área, e depois tenta-se ter a segurança de que elas vão ser fiéis ao poder, e (…) através das
estruturas intermédias compor uma relação de predominância do poder, ou dos interesses
do poder, que é mais sub-reptícia [d2].
QUADRO 5
Participação de diferentes partidos no processo de escolha e nomeação de dirigentes
Maioritário Proporcional
Economia 4 5
Educação e cultura 3 5
Saúde 3 7
Defesa e Segurança 2 4
Negócios Estrangeiros 1 0
Finanças 0 4
Justiça 0 3
Comunicação Social 0 3
13 35
[27,1%] [71,9%]
Respostas à questão “Os partidos na oposição também têm influência nas nomeações? E partidos fora do arco gover-
nativo?” Número total de respostas: 48.
Se o partido que ganha as eleições a outro afastar todos os membros que o outro nomeou
vai-lhe acontecer o mesmo quando vier a perder as eleições porque o poder não é eterno.
E, portanto, há como que algum equilíbrio (…) no tratamento destas questões [o5].
Contudo, vale a pena salientar que, de acordo com a perspetiva dos entre-
vistados, o equilíbrio entre os partidos que alternam não é idêntico em todos
os níveis hierárquicos. Com efeito, a substituição da estrutura dirigente deve
ser limitada “aos cargos mais fundamentais onde a confiança política é conside-
rada mais essencial” (d20). Desta forma, o estilo proporcional pode tornar-se
mais saliente “à medida que vamos descendo” na estrutura hierárquica (d30).
A segunda dimensão sugere a importância dos partidos da oposição
enquanto força de bloqueio, que pode ser identificada não apenas ao nível
dos serviços centrais, mas também nas nomeações do governo central para
os serviços periféricos. Este efeito, destacado por cinco entrevistados, é
PATROCINATO E GOVERNOS PARTIDÁRIOS EM PORTUGAL 653
C ON C LU S ÃO
7 A recolha dos dados empíricos utilizados neste artigo foi feita no âmbito do Projeto “Patro-
nagem Política em Portugal” coordenado pelo Prof. Doutor Carlos Jalali e financiado pela Fun-
dação para a Ciência e Tecnologia, com a referência ptdc/cpo/65419/2006 e pelo Fundo
Europeu de Desenvolvimento Regional (feder) através do Eixo i do Programa Operacional
Fatores de Competitividade (pofc-compete) – compete fcomp-01-0124-feder-007115. Esta
investigação foi ainda apoiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, através das bolsas
sfrh/bd/36018/2007 e sfrh/bpd/93149/2013. Os autores gostariam de agradecer aos revisores
anónimos que permitiram melhorar a qualidade deste trabalho.
PATROCINATO E GOVERNOS PARTIDÁRIOS EM PORTUGAL 655
R E F E R Ê N C IAS B I B L IO G R Á F I C AS
aberbach, J. D., putnam, R. D., e rockman, B. A. (1981), Bureaucrats and Politicians in Wes-
terns Democracies, Massachusetts, Harvard University Press.
bearfield, D. A. (2009), “What is patronage? A critical reexamination”. Public Administration
Review, 69 (1), pp. 64-76.
berry, J. M. (2002), “Validity and reliability issues in elite interviewing”. Political Science and
Politics, 35 (4), pp. 679-682.
blondel, J. (2000), “Introduction”. In J. Blondel e M. Cotta (eds.), The nature of party govern-
ment: a comparative European perspective, Wiltshire, Palgrave, pp. 1-21.
blondel, J. (2002), “Party government, patronage and party decline in Western Europe”.
In R. Gunther, J. R. Montero, J. J. Linz (eds.), Political Parties: Old Concepts and New Challen-
ges, Oxford, Oxford University Press, pp. 233-256.
blondel, J., nousiainen, J. (2000), “Governments, supporting parties and policy making”.
In J. Blondel e M. Cotta (eds.), The Nature of Party Government: a Comparative European
Perspective, Londres, Palgrave Macmillan, pp. 161-195.
brans, M., pelgrims, C., hoet, D. (2006), “Comparative observations on tensions between
professional policy advice and political control in the Low Countries”. International Review
of Administrative Sciences, 72 (1), pp. 57-71.
burnham, P. (2001), “New Labour and the politics of depoliticisation”. British Journal of Politics
and International Relations, 3 (2), pp. 127-149.
carmo, H. (1987), “Os dirigentes da Administração Pública em Portugal: contribuição para o
seu estudo”. Separata da Revista Estudos Políticos e Sociais, xv (3-4), pp. 161-368.
flinders, M., denton, M. (2006), “Shrinking reach and delegated governance: political parties
and patronage in Britain”. 3rd ecpr Joint Session, Nicosia, Cyprus.
freddi, G. (1986), “Bureaucratic rationalities and the prospect for party government”. In F. G.
Castles e R. Wildenmann (eds.), The Future of Party Government: Visions and Realities of
Party Government, Berlin, Walter de Gruyter, pp. 143-177.
freire, A. (2004), “Voto por temas: políticas públicas, desempenho do governo e desempenho
eleitoral”. In A. Freire, M. C. Lobo e P. Magalhães (eds.), Portugal a Votos: as Eleições Legis-
lativas de 2002, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, pp. 159-192.
graham, L. S. (1985), “Administração Pública central e local: continuidade e mudança”. Análise
Social, 87-88-89, xxi (3.º e 4.º), pp. 903-924.
hansen, S. B. (1988), “Élite informants and theoretical guidance in policy analysis”. In E. B.
Portis e M. B. Levy (eds.), Handbook of Political Theory and Policy Science, Nova Iorque,
Greenwood Press, pp. 199-215.
hood, C. (1991), “A public management for all seasons?”. Public Administration, 69 (1), pp. 3-19.
huber, J. D. (2000), “Delegation to civil servants in parliamentary democracies”. European Jour-
nal of Political Research, 37 (3), pp. 397-413.
jalali, C. (2007), Partidos e Democracia em Portugal (1974-2005), Lisboa, Instituto de Ciências
Sociais.
katz, R. (1986), “Party government: a rationalistic conception”. In F. G. Castles e R. Wildenmann
(eds.), The Future of Party Government: Visions and Realities of Party Government, Berlim,
Walter de Gruyter, pp. 31-71.
katz, R. (1987), “Party government and its alternatives”. In R. Wildenmann (ed.), The Future
of Party Government. Party Governments: European and American Experiences, Berlim,
Walter de Gruyter, pp. 1-26.
656 PATRÍCIA SILVA E CARLOS JALALI
silva, P., jalali, C. (2016), “Serviço ao poder ou o poder ao serviço? Patrocinato e governos partidários em
Portugal”. Análise Social, 220, li (3.º), pp. 630-656.