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GOFFMAN E AS RELAÇÕES DE PODER

NA VIDA COTIDIANA*

Édison Gastaldo

Introdução mente conhecidos como “the big three”), existem


em português alguns artigos esparsos, publicados em
A obra de Erving Goffman ainda é muito coletâneas (como Riley e Nelson, 1976; Ribeiro e
pouco explorada nas ciências sociais brasileiras, Garcez, 1998), além de dois livros sobre sua obra
mesmo que reconheçamos a ampla difusão de seus (Winkin, 1998, que inclui uma série de traduções de
três principais livros, A representação do eu na vida artigos inéditos em português, e Gastaldo, 2004).
cotidiana (1975), Estigma (1975) e Manicômios, prisões e Ressalto a relativamente pequena exploração da obra
conventos (1974), entre estudantes e pesquisadores de Goffman na academia brasileira porque mes-
das ciências sociais, psicologia, serviço social, lin- mo que seus trabalhos sejam muito citados, eles o
güística, educação e até mesmo administração de são apenas a partir de poucas temáticas, em geral
empresas. Além desses três livros (internacional- de modo restrito, como a metáfora dramatúrgica,
a noção de “instituição total” ou a situação de “es-
* Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada na tigma” que define os deficientes físicos.
XXXI Reunião da Anpocs, na mesa-redonda “Erving Quando a obra de Goffman se tornou co-
Goffman e as ciências sociais’, organizada pelo prof.
Carlos Benedito Martins (UnB). Agradeço a ele e ao
nhecida no Brasil, entre o final dos anos de 1960 e
prof. Gilberto Velho, pela interlocução, e a Soraia Teo- meados da década seguinte, o país vivia um momen-
doro da Silva, pela transcrição da apresentação, que to de extrema repressão política e radicalização
serviu de base para este texto. teórica nas ciências sociais (Velho, 2004), que aliava
Artigo recebido em maio/2008 ortodoxia marxista à rejeição sistemática da lite-
Aprovado em julho/2008 ratura de origem norte-americana, considerada

RBCS Vol. 23 n.o 68 outubro/2008

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“meramente empiricista” e pouco comprometida de 1923. Trata-se do processo a partir do qual se


com questões políticas, e com o que deveriam ser atribui um sentido ao contexto vivido, da resposta
as “verdadeiras” preocupações da sociologia. As- que cada pessoa dá à seguinte pergunta: o que está
sim, por muito tempo, a obra de Goffman per- acontecendo aqui, agora? Ela é central, portanto,
maneceu à margem das vertentes principais da para se compreender o modo como as pessoas
ciência social brasileira, classificada, não sem des- orientam suas ações na vida cotidiana.
dém, como “microssociologia”. Tenho certa resis- Por exemplo, se uma pessoa entra numa sala,
tência com este termo: “micro” significa “menor”, vê um caixão com um corpo, velas, flores e gente
e as coisas “menores” são normalmente conside- chorando, certamente poderia pensar de que se tra-
radas menos importantes do que as coisas “maio- tava de um velório, e que seria melhor não contar
res”, “macro”, e esta valoração atribuída ao âmbi- alguma piada. Ou seja, as pessoas definem uma si-
to das abordagens sociológicas é, em minha opinião, tuação, e a partir disso orientam-se para agir de
equivocada. Assim, o objetivo deste texto é rever a maneira adequada. Isso não significa necessariamen-
obra de Goffman a partir de uma perspectiva po- te que a definição esteja correta. Poderia, seguin-
lítica, evidenciando o modo pelo qual ele aborda a do o exemplo, não ser uma cena real de velório, e
dinâmica das relações de poder na vida cotidiana. o sujeito dentro do caixão era um ator, não um
Apesar de tratar da obra de Goffman como um defunto. Em outras palavras, uma definição equi-
todo, deter-me-ei em dois de seus livros, escritos vocada da situação poderia causar constrangimen-
em momentos bastante diferentes de sua carreira: to. Definir a situação, pois, é fundamental para a
The presentation of self in everyday life, de 1959, e Gen- vida de qualquer indivíduo que vive em sociedade,
der advertisements, de 1979. no sentido de entender o que está acontecendo e se
alinhar adequadamente às diferentes situações.
Deste ângulo pode parecer que a noção de
A “representação do eu” definição da situação seja uma prerrogativa indivi-
e as políticas do cotidiano dual, um processo mental. Cada um definiria a si-
tuação como melhor lhe aprouvesse. Mas existem
The presentation of self in everyday life foi o pri- diferentes maneiras de definir uma mesma situa-
meiro livro de Goffman, publicado a partir de sua ção, e elas estão permeadas por uma relação de
tese de doutorado defendida na Universidade de poder. Quem tem o poder de definir mais legiti-
Chicago (Communication conducts in an Island commu- mamente o que está acontecendo ou, numa dimen-
nity, de 1953). O livro foi um sucesso de vendas são mais individual ainda, o que alguém “é”? To-
desde sua primeira edição, vendeu mais de dois mi- memos um exemplo trazido por Howard Becker:
lhões de exemplares e foi traduzido em dezessete
idiomas. No Brasil, é reeditado ininterruptamente Consideremos o caso da maconha. As pessoas que a
desde 1975, sendo que em 2005 já alcançava sua 13ª usam têm uma linguagem para se referir a ela. Elas
falam em “viajar”, e têm muitos sinônimos para maco-
edição. Considero o título que o livro ganhou em
nha, referindo-se a ela, por exemplo, como “marofa”.
português – A representação do eu na vida cotidiana – [...] Outras pessoas, cujos mundos também incluem a
uma má tradução: presentation é “apresentação”, e maconha – médicos, advogados, policiais – terão outras
não “representação”; self é um conceito central na palavras para as mesmas coisas, talvez falando de “adi-
teoria sociológica de Chicago, e, além da difícil tra- ção”, “cannabis”, e “traficantes”. [...] O modo pelo qual
dução, é normalmente utilizado no original. Assim, as coisas são chamadas quase sempre reflete relações de
poder. As pessoas no poder chamam as coisas do que
se fizéssemos uma backtranslation do título, como quiserem, e as outras têm que se ajustar a isso, talvez
sugeriu Andrew Carlin (2004), teríamos The repre- usando suas próprias palavras em privado, mas aceitan-
sentation of myself in everyday life, o que não faz sentido. do aquilo de que não podem escapar (2004, p. 102).
Deste livro, gostaria de destacar dois pontos
para discussão. Em primeiro lugar, a noção de A relação de poder existe na medida em que
“definição da situação”. Central no pensamento algumas definições da situação são mais legítimas
goffmaniano e de toda a Escola de Chicago, essa do que outras, e essa legitimidade é a resultante de
expressão é originária da obra de William Thomas, quem tem o poder de propor e sustentar a defini-
tendo aparecido pela primeira vez em um artigo ção. A diferença, por exemplo, entre um “militante

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de esquerda” e um “subversivo” – para pensar em transforma-se em “punição indireta”. Este é o ponto


categorias típicas da ditadura militar – é um ques- que Goffman (um durkheimiano confesso) desen-
tão de definição da situação. volve magistralmente. Na vida cotidiana, não neces-
Equívocos na definição da situação, por ou- sitamos de soldados armados ou fiscais com ta-
tro lado, podem se tornar questões de Estado. lões de multa para irmos a lugares onde não
Goffman chama de “comunicação imprópria” a queremos, conversarmos com pessoas de quem
ação decorrente de uma definição equivocada da não gostamos ou falarmos coisas que não acredi-
situação, quando alguém fala e faz coisas como se tamos. Por que agimos assim? Porque do contrário
estivesse em um lugar apropriado. No início dos poderíamos “pagar um mico”, dar vexame, passar
anos de 1990, por exemplo, o então todo-podero- vergonha, “perder a face” (Goffman, 1967).
so Ministro da Fazenda Rubens Ricupero conver- Goffman chama de “face” algo mais do que o rosto,
sava com um repórter, pouco antes de dar uma toda a fachada que sustenta um indivíduo. O traba-
entrevista para a Rede Globo. Enquanto se ajusta- lho de face é o esforço que cada um de nós faz
vam o foco e o microfone, as imagens iam sendo para manter-se à altura da dignidade que projetamos
transmitidas por microondas para a unidade mó- sobre nós mesmos, à altura do tratamento que acre-
vel, que enviaria o sinal “oficial” com a entrevista ditamos merecer por parte dos outros. E os perigos
para todo o país. O que disse literalmente e entre estão sempre à espreita, a qualquer momento uma
sorrisos o ministro nos “bastidores”? Uma frase casca de banana pode pôr a perder nossa compostu-
goffmaniana até a medula: “Eu não tenho escrú- ra e dignidade com um tombo ridículo. Nesse sen-
pulos: o que é bom, a gente mostra; o que é ruim, tido, Goffman afirma, analisando a introjeção des-
a gente esconde”. Aconteceu que algumas antenas ta forma de controle, que, na “prisão da vida social”,
parabólicas de residências próximas ao local da cada pessoa é seu próprio algoz, “mesmo que al-
entrevista captaram o sinal de microondas da câ- guns possam gostar de suas celas” (Idem, p. 10)
mera; algumas pessoas gravaram as imagens em Essa forma de controle social perpassa todos
videocassetes e as enviaram para emissoras de tele- os meandros de nossa vida cotidiana, apontando
visão. O estrago já estava feito. Não tem problema sobre cada pessoa uma “espada de Dâmocles” in-
nenhum mostrar o que é bom e esconder o que é teracional. E, neste caso, qualquer pessoa indistinta-
ruim, o problema é os outros ficarem sabendo que mente tem a possibilidade de, em algum momen-
fazemos isso. Porque todos agem desta forma, to, passar vergonha, seja por causa de uma gafe,
“manejando a impressão”, para usar uma expres- seja por ser apanhada numa situação indevida. Esse
são de Goffman. Mas se um ministro afirmar na tipo de coerção independe de uma força externa
frente de uma câmera para país inteiro ouvir que que nos obriga a agir de determinada maneira.
ele “não tem escrúpulos”, sua posição torna-se in- Docilmente nos enquadramos, docilmente lemos
sustentável. Ou seja, uma simples questão de con- os livros que todos lêem, docilmente aceitamos um
trole da informação, por conta de uma definição ordenamento social freqüentemente injusto, desi-
equivocada da situação, mudou os rumos da eco- gual. Fazer frente a isso pode “pegar mal”, pode
nomia nacional. “ficar chato”, pode ser embaraçoso.
O que nos leva ao segundo ponto que gosta-
ria de destacar: definindo mal a situação podemos
nos expor a outra forma de poder bastante evocada Gênero e relações de poder
ao longo de todo o livro – o poder do vexame, da
vergonha, do embaraço, que é uma forma funda- Em Gender advertisements, Goffman, a partir
mental de coerção social. Trata-se de um resgate de uma perspectiva etológica, analisa um conjun-
da categoria de “coerção social” discutida por to de 508 anúncios publicitários publicados no iní-
Durkheim em As regras do método sociológico (2002). cio dos anos de 1970, explorando o modo como
Apesar de tradicionalmente se pensar a coerção as imagens representam a relação entre homens e
social como o poder de impor as leis (por multas, mulheres.
prisão ou violência “legítima”), Durkheim mencio- Para entender devidamente o quadro teórico
na nesta categoria a necessidade, por exemplo, de goffmaniano nesta obra, alguns termos devem ser
vestir roupas em público, pois o temor ao ridículo definidos a priori. O autor afirma que os anúncios

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publicitários “hiper-ritualizam” as relações de gê- melhor seja escolhida. Então, como diz Goffman,
nero. A idéia de “ritual” em Goffman refere-se a com sua tradicional ironia, o médico dos anúncios
um comportamento expressivo, a gestos ou ações publicitários tem muito mais “cara de médico” do
significativos. Por exemplo, meninos carregam seus que os médicos de verdade, embora se trate de um
cadernos ou livros debaixo do braço; meninas, em ator fazendo o papel de médico – seu avental é
frente ao peito, com ambos os braços. Nada os mais branco, seu estetoscópio, mais brilhante, seu
impede ou os obriga a agirem assim, mas ter uma diploma é repleto de medalhinhas. A hiper-rituali-
conduta que não se enquadra no que é considerado zação do discurso publicitário apresenta o mundo
adequado a seu gênero pode gerar, por exemplo, cotidiano em estado de graça.
dúvida sobre a masculinidade dos meninos ou a Analisando mais de quinhentas fotografias de
feminilidade das meninas. Trata-se de condutas homens e mulheres em interação nos anúncios publi-
“ritualizadas”, portadoras de um sentido que não citários, Goffman encontra regularidades surpreen-
está, evidentemente, nas condutas em si, mas nos dentes: quando alguém ensina alguma coisa à outra
códigos culturais que nelas imprimem significado. pessoa, é o homem que ensina a mulher, mesmo
Goffman chama estas – e outras – condutas de que seja um garoto de seis anos “ensinando” a pro-
“rituais da interação”, maneiras codificadas de com- fessora a utilizar um novo produto. Quando alguém
portamento expressivo, como saudações, pedidos é mais alto, é o homem que ocupa a posição superior.
de desculpa, ou mesmo ofensas deliberadas. Com A única exceção é quando o viés de classe se interpõe,
relação aos papéis de gênero, Goffman usa uma de modo que a mulher de classe alta aparece num
noção fundamental, denominada gender display, ou plano superior, com seus serviçais – garçons, jardi-
“display de gênero”. O termo display é oriundo da neiros etc., – curvando-se perante a “patroa”, o que
etologia, ramo da biologia que estuda o compor- evidencia hierarquias sociais ritualizadas e, porque não
tamento dos animais. Um display é a maneira pela assumidas nem colocadas em discussão, apresenta-
qual um animal evidencia a outros o seu alinhamento das como parte da “natureza”, como obviedades.
a uma determinada situação. Por exemplo, se uma Uma categoria de ritualização de gênero que
pessoa entrar em um pátio guardado por um cão, permanece intacta até hoje, mesmo passados trinta
é possível que ele se coloque na sua frente, erice os anos de ação intensa do movimento feminista, é o
pêlos, baixe as orelhas, rosne e mostre os dentes, chamado “toque feminino”, manifestado na posi-
mostrando que atacará o intruso caso ele dê mais ção das mãos das mulheres. Nos anúncios, homens
um passo. Se a pessoa for sensata, vai recuar lenta- empunham objetos, utilizando-os em sua função
mente. Assim, o cão evita os riscos de efetivamente prática: pegam a caneta e escrevem, pegam o volante
se envolver em uma luta que poderá causar danos do carro e dirigem, pegam uma maçã e comem.
a ele. Display é, portanto, uma forma de comunica- As mulheres, não. Elas se limitam a “tocar” os ob-
ção animal. Os “displays de gênero”, no caso dos jetos – ou partes de seu corpo – com as pontas
seres humanos, funcionam como marcadores rituais dos dedos, como se os acariciassem, mas não atuam
de pertencimento a grupos de gênero, e em geral sobre o mundo com esses objetos. Tal represen-
são assumidos tacitamente (apesar de serem cultu- tação da feminilidade sustenta uma relação de po-
ralmente codificados e aprendidos quando da so- der naturalizada, em que a mulher ocupa um lugar
cialização das crianças). “naturalmente” subordinado, ela se torna “natural-
As imagens publicitárias são “hiper-ritualiza- mente” um ornamento, trata-se da “essência” da
das” porque, se na vida cotidiana, os comporta- feminilidade. Esse discurso, que supostamente está
mentos expressivos ocorrem espontaneamente, na veiculado para vender produtos, “vende” também
publicidade eles são “ensaiados”, produzidos, re- relações de poder, que se apresentam como obvie-
petidos, até que exprimam com a máxima eficiên- dades, como evidências, mas que fundamentam,
cia comunicacional o sentido desejado. Isso ocorre reiteram e sustentam uma desigualdade fundamen-
pela própria natureza do discurso publicitário, que tal. Assim, além das relações de gênero nos anúncios,
não tem tempo nem dinheiro (e na mídia, tempo é constata-se também outra relação de poder, qual
dinheiro) para perder com ambigüidades – os signi- seja, o poder da publicidade para com a sociedade
ficados precisam ser captados num relance. Assim, à qual ela se destina, o vínculo forte entre os meios
são produzidas centenas de fotografias para que a de comunicação de massa e o campo social.

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Na medida em que tais relações são conside- CARLIN, Andrew. (2004), “‘Enquadrando’ biblio-
radas óbvias – quando na realidade elas absoluta- grafias: reflexividade, relevância e a ‘imaginação
mente não são –, perpetua-se aí uma hegemonia. sociológica’”, in E. Gastaldo (org.), Erving Gof-
Não é à toa que esta suposta naturalidade se torna fman, desbravador do cotidiano, Porto Alegre,
uma fonte de constrangimento social, por exem- Tomo Editorial.
plo para um casal em que o homem é menor que a DURKHEIM, Émile. (2002), As regras do método
mulher, ou ganha menos do que ela etc.. Essa natu- sociológico. São Paulo, Martins Fontes.
ralização é, ela própria, uma relação de poder, que GASTALDO, E. (org.). (2004), Erving Goffman, des-
colaborará para a desmobilização do debate no bravador do cotidiano. Porto Alegre, Tomo Edi-
campo social, deixando de problematizar uma pro- torial.
funda desigualdade de gênero. GOFFMAN, Erving. (1959), The presentation of self
in everyday life. Garden City, NY, Doubleday.
_________. (1967), Interaction ritual. Garden City,
Para concluir
NY, Doubleday.
A perspectiva de Goffman nos permite en- _________. (1974), Manicômios, prisões e conventos. São
tender, em vez da relação entre burguesia e prole- Paulo, Perspectiva.
tariado, as interações entre patrões e empregados _________. (1975), A representação do eu na vida co-
em uma fábrica; em vez de uma luta de classes ex- tidiana. Petrópolis, Vozes.
plícita, a relação entre uma dona de casa e sua em- _________. (1975), Estigma: notas sobre a manipula-
pregada doméstica. Nesses silenciosos campos de ção da identidade deteriorada. Rio de Janeiro,
batalha, onde a luta de classes ocorre na nossa fren- Zahar.
te, nós temos no quadro teórico de Goffman uma _________. (1979), Gender advertisements. Nova
magnífica ferramenta para estudar as relações entre York, Harper and Row.
pessoas, que geralmente são bastante problemáti- RIBEIRO, Branca & GARCEZ, Pedro (org.).
cas, que raramente não envolvem uma relação de (1998), Sociolingüística interacional. Porto Alegre,
ascendência de poder ou de desigualdade. Creio Age.
que Goffman apresenta um sólido quadro de refe- RILEY, Matilda & NELSON, Edward (orgs.).
rência para pensarmos a ordem da interação em (1976), A observação sociológica. Rio de Janeiro,
contextos institucionais, escolares, de trabalho, na Zahar.
mídia, na família e mesmo na política. VELHO, Gilberto. (2004), “Becker, Goffman e a
Nesse sentido, é interessante refletirmos so- antropologia no Brasil”, in E. Gastaldo (org.),
bre a dimensão interacional da política, de que a lei Erving Goffman, desbravador do cotidiano, Porto
e o Estado são talvez a face mais visível. Quem Alegre, Tomo Editorial.
mora em Brasília certamente sabe muito bem o WINKIN, Yves. (1998), Os momentos e seus homens.
quanto as leis são criadas entre cafezinhos, elevado- Lisboa, Relógio D’Água.
res e bilhetinhos... Na Constituição está a letra fria
da lei, mas as palavras que as expressam são defini-
das com acordos fundados na ordem da interação,
entre pares, em conversas que acabarão resultando
na configuração mais explícita do poder. Com a
perspectiva de Goffman, temos uma ferramenta
teórica poderosa e ainda parcialmente inexplorada.

BIBLIOGRAFIA

BECKER, Howard. (2004), “As políticas da apre-


sentação: Goffman e as instituições totais”, in
E. Gastaldo (org.), Erving Goffman, desbravador
do cotidiano, Porto Alegre, Tomo Editorial.

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RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS 199

GOFFMAN E AS GOFFMAN AND THE GOFFMAN ET LES


RELAÇÕES DE PODER RELATIONS OF POWER RELATIONS DE POUVOIR
NA VIDA COTIDIANA IN THE DAILY LIFE DANS LA VIE QUOTIDIENNE

Édison Gastaldo Édison Gastaldo Édison Gastaldo

Palavras-chave: Erving Goffman; Po- Keywords: Erving Goffman; Poder; Mots-clés: Erving Goffman ; Pouvoir ;
der; Cotidiano. Everyday. Quotidien.

Este artigo busca explorar parte da obra This paper aims at exploring part of the Cet article se propose d’explorer l’œuvre
do sociólogo canadense Erving Goffman, work of the Canadian sociologist Erving du sociologue canadien Erving Goffman
a propósito do tratamento dado por este Goffman, especially his dealing with the par rapport à l’abordage qu’il propose
autor acerca das relações de poder na vida relations of power in the daily life. This sur les relations de pouvoir dans la vie
cotidiana. Esse tema encontra-se difuso theme is diffusely found all around his quotidienne. Ce thème se trouve dispersé
ao longo de toda a obra de Goffman, e work, thus highlighting a political pers- tout au long de l’ensemble de l’œuvre de
evidencia uma perspectiva política da pective of the social interaction order. Goffman et met en évidence une pers-
ordem da interação social. Analiso parti- Two books are particularly analyzed: The pective politique de l’ordre de l’interacti-
cularmente os livros The presentation of presentation of self in everyday life (1959) vité sociale. J’analyse, particulièrement,
self in everyday life, de 1959, e Gender adver- and Gender advertisements (1979), where les livres The presentation of self in everyday
tisements, de 1979, abordando temas como themes such as “status definition,” “social life, de 1959, et Gender advertisements, de
“definição de situação”, “coerção social”, coercion,” “gender,” and “media” are 1979, en abordant des thèmes tels la “dé-
“gênero” e “mídia”. therefore approached. finition de situation”, la “contrainte so-
ciale”, le “genre” et les “médias”.

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