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DOENÇAS OCUPACIONAIS CAUSADAS PELO MANGANÊS E SEUS

COMPOSTOS

Jorge da Rocha Gomes - Faculdade de Saúde


Pública/USP

Sérgio Colacioppo - Faculdade de Saúde Pública/USP

1 - SITUANDO O PROBLEMA

A primeira pergunta que se impõe ao abordar um


assunto referente aos danos à saúde ocasionados por
condições de trabalho de um segmento social é: " por
quê o trabalhador se ocupa com uma tarefa cujas
consequências poderão ser muito sérias para a sua
saúde? "

A resposta não é fácil. A abordagem apenas técnica,


considerando os princípios tradicionais da exposição
de uma doença relacionada com condições de trabalho,
transmite apenas um conhecimento mas não motivará o
leitor para interpretar importantes aspectos do
processo saúde-trabalho.

O desgaste produzido nos trabalhadores que, por


determinação social, necessitam se expor aos efeitos
do manganês, é um exemplo muito expressivo do
caráter multidisciplinar, multinstitucional,
multicausal e, especialmente, do significado social
que perpassa toda a atividade ligada à saúde dos
trabalhadores.

Levando em consideração estes princípios genéricos


das relações entre a saúde e o processo produtivo,
os autores procurarão, sempre que oportuno, acentuar
o significado destes princípios, especialmente no
item relativo à prevenção.

2 - RECUPERANDO UM POUCO A HISTÓRIA

Hunter 14 lembra os principais fatos relacionados


com o manganismo, desde 1817, quando Parkinson
publicou suas pesquisas sobre uma enfermidade que
veio a ser conhecida pelo seu nome com as
características clínicas de distúrbios
extrapiramidais.

Quatro anos mais tarde, Couper observou, na França,


um caso de paciente com paraplegia que não melhorava
com as medidas terapêuticas da época. Afastado do
trabalho, obteve uma ligeira melhora depois de um
ano. Pouco depois, um outro trabalhador desta mesma
empresa ( que usava dióxido de manganês como insumo
de produção de um pó branqueador ) começou a
apresentar os mesmos sintomas. Como não estava
estabelecido o nexo com a exposição, o paciente só
permanecia afastado do trabalho nos curtos períodos
de tratamento. O agravamento progressivo levou a
suspeitar da exposição ao manganês como causa da
enfermidade. Com o afastamento, o paciente deixou de
piorar e até recuperou-se após seis anos.

O autor descreve os sintomas do manganismo com muita


propriedade e, de certa maneira, coincide com os
conhecimentos atuais da intoxicação. Já o mesmo não
acontece com o tratamento, que naquele tempo,
consistia em administração de mercuriais e vesicação
na cabeça e na medula espinal. Couper completa seu
relato com mais três casos publicados em 1837. Esta
informação permaneceu esquecida e somente em 1901
voltou-se ao assunto quando Von Jaksch descreve os
sintomas de três trabalhadores austríacos expostos
ao manganês que lembravam a esclerose em placas.
Posteriormente, outros autores preocuparam-se com
esta intoxicação na Inglaterra e em outros países,
relacionados com as mais variadas exposições.

Na América Latina, desde 1912 alguns autores,


especialmente chilenos e cubanos, como, Cotzias 8 e
Peñalver 19, descrevem casos de intoxicação por
manganês. Rafael Peñalver esteve por algumas vezes
no Brasil, ministrando cursos, e vários brasileiros
visitaram-no em Miami, onde viveu até sua morte,
ocorrida recentemente. Até 1945, já se computavam
353 casos de manganismo relatados, segundo refere
Hunter 14.

Julgou-se oportuno abordar um pouco do


desenvolvimento histórico baseado, principalmente em
Hunter, um minucioso narrador, porque o conhecimento
desta intoxicação é relativamente recente e, também,
para conhecer melhor a evolução das dificuldades
para estabelecer o nexo causal enfermidade/condições
de trabalho.

3 - A ORIGEM DAS INTOXICAÇÕES

O nome manganês vem do latim "magnes" porque


supunha-se que o minério de manganês pela sua
semelhança com o minério do ferro também teria
propriedades magnéticas. Este minério, a pirolusita,
é o mais comumente utilizado como fonte de manganês.
Sua aparência é a de um material terroso de
coloração escura, quase preta, Embora seja bastante
endurecido, desprende poeira com muita facilidade.

Há outros minérios como a braunita, a manganita e a


hausmanita que também são usados, porém em menor
escala. A diferença entre estes minérios está no
tipo de composto de manganês envolvido. O principal
é o dióxido de manganês mas também pode existir sob
a forma de outros óxidos, havendo também formas
alotrópicas do metal.

O manganês é um dos elementos químicos mais comuns


na natureza, estando largamente distribuído na
crosta terrestre seja no solo, como na água e em
materiais biológicos. Está presente também nos
alimentos, sendo esta a maior fonte de manganês para
o homem do ponto de vista do ambiente geral. Em
termos de exposição ocupacional, as principais
fontes são a mineração e a indústria siderúrgica.

MINERAÇÃO - é feita, principalmente, a céu aberto, e


envolve vários tipos e graus de exposições. Uma das
operações de maior potencial de poeiras é a
perfuração, em geral feita por instrumentos
pneumáticos. A quebra e trituração do minério também
implica considerável desprendimento de poeira. Já a
lavagem, separação, calcinação, sinterização e
peletização, embora potencialmente possam envolver
risco de exposição, esta não é tão intensa. Uma
atividade de risco que não deve ser esquecida é o
transporte do minério.
Para o Brasil, a mineração do manganês reveste-se de
um significado especial pela importância de suas
jazidas. Toríbio 24 assinala que a jazida da Serra
do Navio, no Amapá, foi descoberta em 1934, pelo
engenheiro de minas, Josalfredo Barbosa. Foi
explorada pela Indústria e Comércio de Minérios S.
A. - ICOMI, do grupo empresarial Antunes, com a
participação de 49 % da Bethlehem Steel, dos Estados
Unidos. A sua forma de exploração ainda hoje é
discutida uma vez que está terminando o prazo do
arrendamento de cinquenta anos e a mina já se
exauriu quase completamente. Há estudos para que
todo o complexo da mineração passe a constituir um
campus universitário sob a responsabilidade da
Universidade de São Paulo.

Como o transporte do minério é muito oneroso para


ser usado nos centros consumidores brasileiros,
praticamente toda a sua produção foi exportada.
Dados de meados da década de setenta indicam que se
exportou para a América do Norte ( 42,35% ); Europa
( 50.69 % ) e Japão ( 3.36 % ). Os restantes 3,36 %
destinaram-se à Argentina.

Por outro lado, o Brasil importou grande quantidade


de manganês da África. Uma outra empresa de
mineração que teve sua importância, foi a de
Conselheiro Lafaiete, cuja produção também foi quase
toda para o exterior.

Cumpre lembrar estas discussões quando se está


discutindo o Projeto Carajás, que inclui a Jazida do
Azul, reserva que está estimada em 45 milhões de
toneladas de minério com teor médio de 42 % de
manganês.

INDÚSTRIA SIDERÚRGICA - Mais de 90 % do manganês


produzido no mundo destina-se à fabricação de aço.
Como historia Peñalver 19, foi isolado pela primeira
vez em 1774 pelo sueco Scheele, mas foi só em 1856
que Mushet descobriu a propriedade do manganês
relacionada com o aumento de dureza e de
durabilidade do aço ao qual se houvesse agregado uma
certa quantidade de manganês. Esta propriedade deve-
se ao seu poder de controle da desoxidação e do
conteúdo de enxofre na fabricação do aço. Como ainda
não foi encontrado um substituto do manganês para
esta finalidade, pode-se imaginar a importância
estratégica e econômica deste metal.

A proporção de manganês na composição das ligas pode


variar desde 80 % no ferro-manganês e de 65 a 70 %
no aço sílico-manganês até 0,5 a 0,6 % no
duralumínio. É importante lembrar que o manganês
pode integrar várias ligas como cobre, bronze e
manganim. No caso de indústria siderúrgica a
exposição pode ocorrer sob a forma de poeiras ou de
fumos.

OUTRAS FONTES POTENCIAIS DE EXPOSIÇÕES - Além destes


dois usos, o manganês também é utilizado em vários
outros tipos de indústrias como será comentado a
seguir.

Na indústria química, é empregado na fabricação de


permanganato de potássio e de hidroquinona. Alguns
sais de manganês como o sulfato o óxido são usados
como fertilizante e ração para animais,
respectivamente; o dióxido, como integrante da
mistura despolarizante das pilhas secas.

Há ainda outras utilizações do manganês que devem


ser lembradas como: fabricação de pigmentos para
tintas; fabricação de resistências elétricas e de
eletrodos para solda ( em avaliação de fumos
metálicos em ambientes onde se realizavam operações
de solda elétrica, Colacioppo 6 encontrou fumos de
manganês ); fabricação de fogos de artifício;
curtição de couro; fabricação de agentes
branqueadores; industrialização de organocompostos
de manganês ( especialmente o MMT -
Metilciclopentadienila tricarbonila de manganês,
usado como aditivo da gasolina em alguns países para
substituir o chumbo tetraetila ).

Os compostos orgânicos, pela sua rara utilização no


Brasil, não serão abordados nesta revisão, assim
como os efeitos específicos de cada composto de
manganês, uma vez que pouco diferem dos efeitos do
manganês propriamente dito.
4 - COMO O MANGANÊS PENETRA E AGE NO ORGANISMO

Em termos de higiene ocupacional, as operações e


atividades descritas no item anterior, desprendem
manganês sob a forma de poeiras ou de fumos. Há
mecanismos para dificultar, ou impedir, que este
manganês consiga penetrar no organismo.

Se a penetração for por via respiratória, que


ocupacionalmente é a de maior significado, o muco e
os pelos nasais expelirão as partículas de maior
diâmetro; o turbilhonamento respiratório
nasofaríngeo encarregar-se-á de outro segmento de
partículas; a mucosidade e movimento ciliar
traqueobrônquicos também eliminarão parte das
partículas.

Neste trânsito, o manganês poderá exercer efeitos


agudos pulmonares que se verá mais adiante. Ao
chegar aos alvéolos, as partículas com diâmetro
menor do que um micrometro e as de maior
solubilidade passam para a corrente sanguínea onde
se ligam às proteínas plásmaticas e se distribuem
por órgãos de elevada atividade metabólica como o
fígado e o pâncreas bem como intestino e rim, órgãos
emunctórios deste xenobiótico (substância química
que, qualitativa e quantitativamente, é estranha ao
organismo ).

O manganês rejeitado pelos mecanismos de defesa já


descritos, poderá ser deglutido e penetrar no
organismo por via digestiva. A absorção por esta via
é bem menos significativa ( menos do que quatro por
cento da quantidade ingerida é absorvida ) do que a
via respiratória e é influenciada por fatores como,
por exemplo, anemia, conteúdo da dieta e idade.
Certas substâncias, segundo trabalhos experimentais
referidos pela Organização Mundial da Saúde 25, como
o metanol, podem duplicar a absorção, , ou o cálcio
que diminui, ou mesmo pode inibir, a sua absorção.

A via cutânea não tem significado sob o ponto de


vista ocupacional a não ser nos raros casos de
exposição ao manganês orgânico.
Uma vez absorvido, o manganês circulante desaparece
em poucos minutos, concentra-se no fígado, e é
eliminado pelo intestino através da bile ( parte é
reabsorvida ) lembrando, ainda, que uma certa
proporção do manganês absorvido é eliminado pela
urina, cabelos, saliva e leite. A concentração de
manganês no sangue pode ser influenciada por vários
fatores como, por exemplo, estação do ano ( maior no
outono e verão ), nictêmero ( maior de dia do que de
noite ) , certas enfermidades ( é maior na hepatite
ou no infarto ) e não parece ser influenciada pela
idade e gênero. A vida média do manganês no
organismo, como um todo, varia entre 34 a 39 dias.

O manganês excedente distribui-se pelo organismo com


preferência pelos órgãos ricos em mitocôndrias.
Atravessa a barreira placentária e hematoencefálica,
distribuindo-se de forma desigual nos vários setores
anatômicos do cérebro. Pesquisas indicam que os
núcleos da base e, especialmente, a substância negra
são os locais de maior concentração.

Até aqui, foram descritos os aspectos toxicológicos


da ação tóxica do manganês referentes, segundo Della
Rosa e Colacioppo 7, à fase de exposição e de
toxicocinética ( penetração, absorção, transporte,
distribuição, biotransformação e excreção ). Numa
revisão desta natureza não cabe um detalhamento de
todos os mecanismos que envolvem estas duas fases da
toxicologia do manganismo.

Uma vez em contato com os pontos específicos onde o


manganês induz seus efeitos, haverá uma interação
entre o agente tóxico e os receptores do órgão-alvo.
É o que se conhece pelo nome de toxicodinâmica, que
será discutido a seguir.

Ressaltando o pouco conhecimento que se tem sobre os


mecanismos de ação do manganês, Siqueira e Moraes 20
descrevem com detalhes as alterações bioquímicas que
precedem as alterações histológicas do sistema
nervoso central.

A semelhança entre a intoxicação pelo manganês e o


parkinsonismo, já referida anteriormente, pressupõe
mecanismos de ação também semelhantes, como, por
exemplo, as alterações no metabolismo das
catecolaminas do cérebro, especialmente a Dopamina.
Outra alteração importante é a degeneração e redução
da melanina da substância negra, estrutura que,
junto com o corpo estriado e o globo pálido,
participam do sistema extrapiramidal.

Nos estudos referidos pela OMS 25 foram encontrados


níveis reduzidos de Dopamina nesta região cerebral.
Esta redução é um dos motivos que levou à utilização
de um precursor da Dopamina, a L-DOPA, como recurso
terapêutico como se verá mais à frente. Mas pode
ocorrer também um aumento da Dopamina, o que indica
como ainda se conhece muito pouco sobre estes
mecanismos toxicológicos.

Siqueira 21 , que estudou estes aspectos em sua tese


de doutoramento, ressalta a importância das
alterações da atividade das enzimas envolvidas na
síntese e no metabolismo da Dopamina, na produção do
ácido gama-aminobutírico - Gaba, e na oxidação de
enzimas localizadas em mitocôndrias onde, na
intoxicação, há um acúmulo de manganês. Estas
enzimas são necessárias para suprir a energia
necessária para degradação e síntese das
catecolaminas imprescindíveis para a transmissão
sináptica. Alterações neste sistema podem explicar
as modificações comportamentais que serão descritas
mais adiante, assim como alterações na transmissão
neuronal, lembrando que qualquer degeneração de
células neuronais desencadeia efeitos clínicos.

A degeneração neuronal decorrente da ação do


manganês está relacionada com complexos mecanismos
que envolvem, entre outros, a redução da atividade
enzimática, os danos à membrana lisossômica, a
depleção da serotonina, o aumento da adenosina-
diaminase, a inibição da tirosina hidroxilase, e a
oxidação celular mitocondrial.

Tanaka 23 analisa a ação do manganês sobre o


aparelho respiratório, colocando algumas incertezas
sobre o assunto. Enquanto alguns estudos
experimentais comprovam uma ação irritativa do
manganês como origem de uma pneumonite química,
outros referem um aumento da incidência de pneumonia
em pessoas ocupacional ou ambientalmente expostas,
sem identificar nenhum mecanismo mais específico da
ação pneumotóxica do manganês. Alguns até colocam em
dúvida se este aumento de incidência é real ou
apenas uma falta de estudos epidemiológicos mais bem
planejados. Também há referências a uma possível
potencialização ou agravamento de processos
infecciosos já existentes. Pode haver sinergismo
entre a exposição ao manganês e exposição ao óxido
de enxofre e o hábito de fumar.

Estes mecanismos são pouco conhecidos e estão sendo


referidos com o objetivo de aguçar a curiosidade do
leitor, não cabendo, neste trabalho, esmiuçar mais
estes aspectos da toxicologia do manganismo.

5 - COMO A INTOXICAÇÃO SE MANIFESTA

Para entender as manifestações clínicas do


manganismo, é útil uma rápida revisão
anatomofisiológica da região cerebral correspondente
aos núcleos da base. Estes núcleos, explica Machado
15, são o claustro, o corpo amigdalóide e corpo
estriado, este último, integrado pelo núcleo
caudado, putâmen e globo pálido. As conexões do
corpo estriado são complexas e as mais importantes
são as com a córtex, o tálamo e a substância negra.
As fibras nigro-estriadas são dopaminérgicas e, com
quase certeza, utilizam a Dopamina como mediador
químico. Estas fibras fazem sinapse com os neurônios
do núcleo caudado e do putâmen, o que explica a
elevada concentração de Dopamina nesta região.

O corpo estriado é um significante centro do sistema


extrapiramidal. As afecções do corpo estriado, ou
dos núcleos com ele relacionados, estão, em geral,
associados a distúrbios do tônus muscular, que se
manifestam como tremores ou movimentos involuntários
do tipo balismos, coréia e atetose. Enquanto que na
coréia e na atetose as lesões são principalmente do
núcleo caudado e do putâmen, no caso da doença de
Parkinson e da intoxicação pelo manganês, as lesões
anatomopatológicas de uma degeneração neuronal,
concentram-se mais na substância negra e nas fibras
dopaminérgicas nigro-estriadas.

O conjunto de sintomas que caracterizam as lesões do


tipo Parkinson envolvem tremor de extremidades,
rigidez da musculatura e lentidão de movimentos,
entre outras manifestações. Uma das explicações para
esta síndrome é o rompimento do equilíbrio entre a
ação que excita e a que inibe a atividade da
musculatura esquelética. A redução da Dopamina na
região da substância negra e no corpo estriado
interfere no mecanismo da atividade motora,
resultando numa hipertonia e hipercinesia. Este
conhecimento proporcionou algumas técnicas
cirúrgicas para controlar os distúrbios da marcha
parkinsoniana, bem como a terapêutica medicamentosa
com a L-DOPA.

Após esta breve referência aos aspectos anatômicos e


funcionais do sistema nervoso central, poder-se-á
explicitar melhor as principais manifestações
clínicas da intoxicação pelo manganês que são,
predominantemente, de esfera neurológica.

A descrição que se fará a seguir está baseada na


vivência de um dos autores ( JRG ) no atendimento de
mangânicos atendidos no Serviço de Medicina
Industrial do SESI, de 1969 a 1972, episódio este,
relatado em vídeo editado pelo SESI. Uma experiência
de Minas Gerais, transmitida em um vídeo feito do
Departamento de Medicina Social da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais em
conjunto com o Departamento de Medicina Social da
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São
Paulo, também foi importante fonte para redigir este
item de sintomas.

A literatura refere-se a um período pré-mangânico


caracterizado por manifestações comportamentais
atribuídas a uma espécie de excitação química do
sistema nervoso central. Embora consideradas como
uma fase prodrômica da enfermidade, estes sintomas
persistem durante a fase de intoxicação crônica.
Estas alterações envolvem alterações de humor, com
choro e riso desconectados do estado emocional do
paciente e com uma tendência a persistir mesmo
depois de cessado o motivo da manifestação, como
será comentado mais adiante.

Outras alterações da esfera psíquica que estão


relacionadas precocemente com a exposição ao
manganês podem manifestar-se sob a forma de apatia,
sonolência, pesadelos, compulsividade, tendência à
melancolia com crises de choro, inquietação,
euforia, excitação psicomotora, aumento da libido,
bulimia e até mesmo alucinações. No vídeo de Minas
Gerais há referência a um paciente cujo quadro era
tão semelhante a uma psicose que foi tratado como
tal com a terapêutica que alguns serviços
administravam na época: eletrochoque.

Como os distúrbios neurológicos são muito


característicos e muito semelhantes à síndrome de
Parkinson, o reconhecimento de um paciente mangânico
não é difícil desde que se pense nesta
possibilidade. Caso contrário, haverá uma série de
entidades nosoneurológicas para confundir o médico e
dificilmente será feito o diagnóstico.

O diagnóstico mais comum é o de polineurite


periférica de origem etílica, impressão confirmada
pelos distúrbios de equilíbrio. Um dos pacientes de
Minas Gerais refere que ao passar por um bar, de
manhã bem cedo, seus companheiros gritavam: " - Já
bêbedo a esta hora? " .

Na fase crônica da enfermidade, o médico verá um


paciente entrar no consultório com uma marcha muito
característica. É um caminhar com o tronco meio
inclinado para trás e região da articulação
coxofemoral projetada para frente, à semelhança de
uma manequim quando desfila conforme está
esquematizado na figura 1:
Fig 1 - Aspecto esquemático da marcha do paciente:
notar a posição dos pés, o sorriso estereotipado e a
cintura pélvica projetada para frente.

Os passos são curtos e a musculatura mais ou menos


espástica descoordena a marcha, sendo que os pés
quase não se elevam do solo, dando a impressão que
ele está " chutando " alguma coisa. Nos casos mais
adiantados, os pés se arrastam pelo solo e em alguns
pacientes mais graves, o pé descreve um semi-arco ao
ser deslocado para a frente, como se pode ver nas
figuras 2 e 3:
Fig 2 - Esquema da marcha de pacientes mais
gravemente afetados pelo manganismo, notando-se o
arco que os pés descrevem.
Fig 3 - A impressão deixada no solo pela marcha de
um paciente e por uma pessoa não afetada.

Um dos pacientes do SESI, que praticamente não se


locomovia

(usava cadeira de rodas) , ao tentar caminhar,


amparado, arrastava os pés e, além do semi-arco,
raspava as unhas dos pés no solo.

A espasticidade consequente à liberação do sistema


extrapiramidal costuma se manifestar inicialmente
por uma contração da musculatura da região gemelar.
Como conseqüência, a parte posterior do pé se eleva
(o calcanhar não encosta no piso) e o paciente
apóia-se com a parte antero-lateral, conferindo um
aspecto muito peculiar conhecido como o " passo de
bailarina ou passo de galo ". O desenho da figura 4,
procura evidenciar os aspectos da espasticidade
muscular dos pés e mãos:
Fig 4 - Notar a posição de apoio antero-lateral dos
pés e a deformidade espástica das mãos.

Como o equilíbrio é muito instável, com muita


possibilidade de quedas, o paciente aumenta o
polígono de sustentação, abrindo exageradamente os
membros inferiores. Muitas vezes, quando a
enfermidade avança, há necessidade do uso de
bengalas ou mesmo de muletas. Esta instabilidade de
equilíbrio, segundo alguns autores, dificulta
bastante a locomoção com uso de bicicleta.

Ao descer uma escada, o paciente toma um grande


cuidado para não se precipitar para frente e cair
porque há uma tendência a se projetar para diante,
chamada propulsão. Há um película francesa, que
filmou trabalhadores marroquinos com sintomatologia
mangânica. Numa das cenas, colocaram alguns
trabalhadores no alto de uma pequena colina e, a um
sinal, eles começam a correr para baixo e todos vão
caindo. É uma cena muito dramática e expressa com,
muito realismo, o que é a propulsão.
Outra alteração de marcha, característica do
manganismo, é a retropulsão, ou seja a tendência de
cair para trás. Evidencia-se facilmente se o
examinador colocar a mão no tórax do paciente e o
empurrar para trás, esquematizado na figura 5:

Fig 5 - Avaliação da retropulsão

O paciente não só tende a cair, ele pode mesmo


chegar a cair. O autor, apesar de já ter experiência
com este teste quando acompanhou os pacientes do
SESI, recentemente, ao examinar trabalhadores de uma
empresa que preparava manganês para indústria de
pilhas secas, descuidou-se e o paciente quase caiu.
Neste teste, é importante que um auxiliar se coloque
por trás do paciente para ampará-lo, evitando uma
queda.

Um intoxicado pelo manganês, tem grande dificuldade


de executar uma volta sobre si mesmo quando está
caminhando. Assim, se estiver andando e for chamado,
apóia-se em dos pés e com o outro, executará um
complicado e arrastado movimento de pequenos passos
e, e só muito lentamente, conseguirá virar-se e
atender ao chamado. Da mesma forma, se for vestir a
calça, não conseguirá manter-se equilibrado em
apenas uma das pernas, lembrando porém que estas
alterações do equilíbrio não são acompanhadas de
tonturas. Além disto, este paciente, para deitar-se
na mesa de exames, terá muitas dificuldades pela
pequena mobilidade das articulações dos seus
membros.

Os membros superiores também podem estar afetados.


Um dos pacientes mineiros comentava que " seus
braços tendiam a dirigir-se para trás e o corpo
acompanhava esta tendência ". Em casos muito
avançados pode ocorrer uma paralisia espástica com
acentuada deformidade ( figura 4 ) e impotência
funcional das mãos. O teste da pronossupinação (
figura 6 ) , assim como o teste da roda denteada, do
dedo-nariz, e a presença de disdiadococinesia
indicam alterações significativas de comprometimento
neurológico com disfunção da coordenação motora, que
se agravam com o desenvolvimento da enfermidade. Os
reflexos podem estar aumentados como, por exemplo, o
de Romberg ( figura 6 ).
Fig 6 - Pronossupinação " lenta " e hiperreflexia do

mangânico.

A face, seja pela rigidez da musculatura, seja pelas


alterações do humor, é muito inexpressiva, "gelada"
na sugestiva e criativa maneira de dizer de autores
franceses, como refere Hanns 13.

O tremor do paciente mangânico , ao contrário do


parkinsonismo, agrava-se com o movimento. Pode ser
muito intenso, chegando até a transmitir-se ao leito
do paciente, como assinala Peñalver 19 . Apresenta
também distúrbios na fala que é difícil de entender
porque a intensidade da voz começa elevada e vai
diminuindo para quando chega ao final da frase está
praticamente num murmúrio. Além disto, o intervalo
entre as palavras tende a diminuir e a fala torna-
se, não só pouco inteligível, mas também muito
monótona pela tonalidade uniforme. Ao escrever,
estas características também transparecem: a letra é
muito tremida, as palavras iniciam-se com um letra
grande que vai diminuindo e termina quase com um
simples traço. O espaço entre as palavras também
está muito reduzido e, muitas vezes, as palavras
aparecem ligadas, umas às outras.

Além destes aspectos ligados ao sistema nervoso


central, serão comentados alguns outros efeitos do
manganês no organismo dos trabalhadores expostos.

O aparelho respiratório, como já foi referido, pode


reagir à poeira ou aos fumos de manganês com uma
pneumonite química que não costuma causar lesões
permanentes ou fibrose. Como a sintomatologia
neurológica é muito mais significativa, a
constatação deste possível efeito do manganês sobre
os pulmões só foi identificado muito tempo depois de
se ter descoberto os efeitos do manganês sobre o
sistema nervoso central.

Hunter 14 traçou um histórico da evolução deste


efeito, reportando-se a 1921 quando Brezina
descreveu os primeiros casos de pneumonia,
relacionando-os com a exposição ao manganês pois
tratava-se de trabalhadores de uma indústria que
usava pirolusita. Na realidade, a descoberta desta
relação entre manganês e pneumonia foi baseada em
estudos epidemiológicos que constataram uma
incidência maior de pneumonia entre os expostos e os
não expostos.

Referindo-se aos estudos de Lloyd Davies, de 1946,


comenta Hunter 14, que, no grupo de expostos ao
manganês a incidência de pneumonia em um período de
mais de oito anos foi de 26 casos por mil expostos,
enquanto que a incidência no grupo controle foi de
0,73 casos de pneumonia por mil trabalhadores.

A pneumonia causada pelo manganês quase não difere


da pneumonia de outras etiologias e não há exames
específicos para diferenciá-la. O diagnóstico terá
que ser calcado na história ocupacional e em dados
epidemiológicos. Certas diferenças, no entanto,
poderão ajudar no diagnóstico, embora nem sempre
estejam presentes: resposta mais lenta ao
tratamento, letalidade maior e atingir toda a árvore
respiratória, desde a mucosa nasal até os alvéolos.
Em estudos experimentais o raio X poderá revelar
imagens matizadas claras e acentuação dos vasos
sanguíneos pulmonares, refletindo congestão
pulmonar.

Peñalver 19 faz menção a uma maior incidência de


pterígio nos trabalhadores das minas de manganês do
Amapá. Gomes 12, também encontrou esta incidência
maior de pterígio entre soldadores em cujo ambiente
de trabalho havia fumos de manganês originados nos
eletrodos usados na solda.

Vários autores realizaram experimentos com manganês


em animais. Tais estudos, sumarizados pela OMS 25
analisaram efeitos do manganês em vários segmentos
do organismo tais como: fígado (alterações no fluxo
da bile, necrose hepática, congestão hepática,
alterações endoplasmáticas, aumento da síntese do
colesterol, distúrbios no metabolismo dos lipídios e
glicídios e um aumento da coagulação do sangue);
aparelho cardiovascular (redução da pressão
sanguínea e aumento da monoaminoxidase) . Outros
efeitos experimentais também foram estudados como,
por exemplo: a ação carcinogênica ainda não foi
comprovada, mas há pelo menos um estudo demonstrando
aumento significante da incidência de câncer
pulmonar no grupo de animais que receberam manganês
em relação ao grupo controle.

Sobre a ação mutagênica e interferência sobre os


cromossomos pouco se sabe, mas alguns autores
referem incidência anormal de aberrações
cromossômicas, aumento de atividade mitótica e
efeitos mutagênicos; depressão da atividade da
tireóide; aumento de cálcio e redução do magnésio
séricos, alterações na atividade imunológica e
distúrbios no metabolismo do nitrogênio. McDiamird e
col. 16 lembram os efeitos sobre o aparelho
reprodutor: impotência, disfunção sexual e
esterilidade.

É importante lembrar que os efeitos assinalados nos


dois últimos parágrafos são decorrentes de estudos
experimentais realizados em animais, mas ainda não
comprovados no homem.
6 - COMO RECONHECER E COMPROVAR O MANGANISMO

O diagnóstico da intoxicação pelo manganês é baseado


nos dados clínicos e da anamnese ocupacional.
Paciente que trabalha em alguma ocupação como as
referidas no item " A origem das intoxicações ", que
apresentar um quadro nosológico assemelhado ao
descrito no item anterior, será um paciente
mangânico até prova em contrário.

É oportuno lembrar que há casos iniciais onde a


sintomatologia não será tão exuberante mas um exame
clínico-ocupacional cuidadoso, e com ênfase nos
aspectos neurológicos, levará ao diagnóstico.

A interpretação da contribuição do laboratório é


complexa e, na grande maioria das vezes, pouco
esclarecedora. Os exames propostos para diagnóstico
e acompanhamento dos pacientes não são coerentes ao
se cotejar os resultados dos exames com o estado
clínico e a intensidade da exposição. Esta
inconsistência é enfatizada pela OMS 25 quando se
refere à baixa correlação entre os níveis de
manganês no sangue ou na urina com a intensidade da
exposição e com a gravidade da resposta do organismo
ao toxicante. Ressalta também as dificuldades
diagnósticas no estágio inicial da enfermidade. Há
que considerar ainda, que as relações, dose/efeito e
dose/resposta, são muito influenciadas pela
hipersusceptibilidade, cujo mecanismo pouco se
conhece.

Mesmo com toda esta limitação, a manganemia ou a


manganúria ainda são os exames indicados para
avaliação da exposição.

A concentração de manganês no sangue total varia


numa grande amplitude. Em indivíduos não expostos, a
OMS 25 relaciona uma série de pesquisas onde o
resultado desta concentração em microgramas por cem
mililitros de sangue total variou de 0,844 até 7,6.

Contribuem para esta grande variabilidade, problemas


com:
a - colheita do sangue ( obtenção do sangue por
punção venosa é melhor do que a obtida por meio de
picada; certos tipos de agulhas também podem conter
manganês em sua composição, como, por exemplo, o aço
inoxidável; uso de anticoagulantes: a heparina pode
acusar uma concentração significante de manganês);

b - método analítico utilizado (há vários métodos


laboratoriais disponíveis para a dosagem de manganês
no sangue como a espectrofotometria, espectroscopia
por emissão de plasma (ICP), espectrofotometria de
absorção atômica, ativação de neutrons e
fluorescência por raios-X).

Em não expostos, a manganúria varia de 3 a 21


microgramas por litro de urina. Considerando a
eliminação do manganês no organismo, outros
indicadores podem ser usados como, a concentração de
manganês nas fezes, nos cabelos, nas unhas, no suor
e na secreção láctea. Mas sua escassa utilização não
permite ainda conclusões sobre sua real utilidade.

Em termos de efeitos metabólicos precoces, a dosagem


do ácido homovanílico urinário e da adenosina
desaminase plasmática estão sendo estudados como
índices da exposição ocupacional ao manganês, como,
por exemplo, Siqueira 21 .

Em princípio, a posição da OMS 25 sobre indicadores


biológicos de acompanhamento de saúde de
trabalhadores ocupacionalmente expostos continua
atual: ainda não se conhece nenhum parâmetro
biológico específico que possa ser usado como
monitor de trabalhadores expostos ao manganês, tanto
para estudos epidemiológicos como para o
diagnóstico.

7 - EXISTE TRATAMENTO E CURA PARA O MANGANISMO?

Até 1971, praticamente não havia nenhum tratamento


para o manganismo. As experiências com EDTA (
etilenodiamino tetra acetatodicálcico ) e com BAL (
2,3 dimercaptopropanol - British Anti-Lewisite ) não
se revelaram eficientes no tratamento da
intoxicação. O esquema terapêutico resumia-se no
tratamento sintomático. Os pacientes do SESI,
durante algum tempo eram tratados com vitaminas e
algum tranqüilizante numa tentativa de controlar um
pouco os tremores e a insônia, quando presente. Na
verdade, porém, com muito pouco sucesso.

Em 1971, Cotzias 8 publica trabalho revelando a


descoberta da Levodopa ( 3,4 dihidroxifenilalanina )
também chamada de L-DOPA, um precursor da Dopamina.
Stokinger 22 referindo-se a esta descoberta chilena,
entusiasma-se a ponto de considerá-la como um dos
grandes acontecimentos farmacológicos deste século.
Acrescenta, ainda, que este medicamento foi
descoberto a partir de uma hipótese baseada no
conhecimento da fisiopatologia da intoxicação.

Como já foi visto no item " Como o manganês penetra


e age no organismo " , há uma depleção de Dopamina
nos núcleos cerebrais. A L-Dopa, como um precursor
da Dopamina, aumenta a concentração desta
substância, visando corrigir este efeito do
manganês.

Por outro lado, a L-DOPA transforma-se rapidamente


em Dopamina, tanto antes como depois de atravessar a
barreira hematoencefálica, por carboxilação. Sabe-se
que a Dopamina não atravessa esta barreira e,
portanto, esta transformação é um desperdício
medicamentoso. Para inibir esta ação carboxílica,
usa-se a Carbidopa e a Benserazida.

Os receptores dopaminérgicos, por sua vez, podem ser


estimulados por meio da Bromocriptina ou a Pergolida
que é de 10 a 1000 vezes mais potente do que a
Bromocriptina. O predomínio parassimpático
decorrente do desequilíbrio do tônus muscular pode
ser contornado com a administração de
parassimpaticolíticos como o biperideno, enquanto
que a degradação intraneuronal da Dopamina no
sistema nigro-estriado pode ser reduzida pela
selegilina.

O tratamento de um paciente intoxicado pelo manganês


é complexo e pressupõe a assistência de um
neurologista. As dosagens prescritas variam conforme
os sintomas e a tolerância dos pacientes. Sua
administração envolve muitos cuidados em termos de
potencialização dos efeitos e da sintomatologia
ligada a sua supressão brusca que poderá ocasionar
recrudescimento dos sintomas.

Há várias formulações que usualmente são usadas no


tratamento do Parkinsonismo e que podem ser
lembradas para o controle terapêutico dos
mangânicos. Seus nomes comerciais, extraídos do
Dicionário de Especialidades Farmacêuticas 9, podem
ser vistos no Box 1

Box 1 - Alguns medicamentos que podem ser usados no


tratamento do manganismo.

Akineton ( Knoll ) - Biperideno;

Celance ( Eli Lilly ) - Pergolida;

Cronomet ( Merck ) - Carbidopa + Levodopa;

Deprilan ( Biosintética ) - Selegilina;

Jumexil ( Farmalab ) - Selegilina;

Levocarb ( Sanus ) - Carbidopa + Levodopa;

Niar ( Knoll ) - selegilina;

Prolopa ( Roche ) - Levodopa + Benserazida

Sinemet ( Prodome ) - Levodopa + Carbidopa;

Akineton ( Knoll ) - Biperideno.

Recentemente a imprensa leiga noticiou experiências


com uma cirurgia que aplicava células cerebrais de
fetos abortados diretamente na substância negra. Em
princípio, estas células poderiam sobreviver,
crescer e integrar-se no cérebro do receptor com
razoável recuperação da função de produção de
Dopamina. Esta cirurgia, indicada para
parkinsonianos e ainda em fase de aperfeiçoamento da
técnica, possivelmente poderá também ser utilizada
para pacientes mangânicos.

Em 1972, logo após a publicação das experiências de


Cotzias 8 este tratamento com L-DOPA foi aplicado
nos 17 casos de manganismo do SESI,relatados por
Almeida e cols. 1 . Naquela época, o tratamento
resumia-se na L-DOPA sem os demais medicamentos.
Infelizmente, o resultado não foi satisfatório
porque não beneficiou, duradouramente, nenhum dos
pacientes. Talvez porque o tempo de administração
tenha sido muito curto ou pela falta dos outros
medicamentos que, hoje, integram o esquema
terapêutico.

Mais recentemente, pacientes intoxicados por


manganês numa fábrica de pilhas secas foram tratados
com este esquema terapêutico mais abrangente, com
resultados bem mais animadores. Carvalho 5, em Minas
Gerais também refere resultados satisfatórios com
Levodopa.

O prognóstico quanto à vida é muito bom, mas quanto


à capacidade de trabalho é mau. Peñalver 19, citando
Granch, refere-se ao mangânico como um " inválido
sadio ". Nos casos do SESI, todos os intoxicados
evoluíram para uma incapacitação total e permanente
para o trabalho, sendo que o mais severamente
atingido, como já foi referido, locomovia-se em
cadeira de rodas.

Respondendo concretamente à pergunta do título deste


item: há tratamento para o manganismo cujos
resultados ainda são um pouco incertos, quanto à
cura propriamente dita, mas que podem proporcionar
uma grande ajuda ao paciente. Tais resultados
dependem muito do grau de acometimento do paciente.
Há até referências de remissão da sintomatologia em
pacientes afastados da exposição logo no início do
aparecimento dos efeitos tóxicos do manganês.

8 - COMO AVALIAR O RISCO DE INTOXICAÇÃO


Para que ocorra uma doença ocupacional, é necessário
que exista uma exposição, ou seja, a dose que o
trabalhador recebe de manganês. Existem diversos
fatores intervenientes na exposição, que devem ser
conhecidos para que se estime o risco de uma dose
excessiva.

Inicialmente deve-se conhecer a forma como o


manganês se encontra no ambiente e em que é
transformado durante o processo produtivo. Para
isto, precisamos conhecer, em detalhe, o processo,
verificando sobretudo, a possibilidade de liberação
de material particulado.

Processos a frio, como carregamento, moagem etc,


tendem a produzir poeiras, que podem ser
classificadas como inaláveis, com partículas com
diâmetro aerodinâmico próximos a 100 micrometros, ou
de penetração torácica inferiores a 25 micrometros.
Já os processos a quente, como fundição, siderurgia
e soldas, originam fumos de manganês, material
particulado extremamente fino, predominando
partículas da ordem de 1, ou menos, micrometros.

Uma vez verificada a presença e a forma do manganês,


deve-se estimar a possibilidade que existe de um
trabalhador, ao exercer uma dada função, respirar
estas poeiras ou fumos, e por quanto tempo. Para
isto, as atividades ou tarefas de cada função devem
ser, cuidadosamente, observadas.

Para aquelas funções onde se identificou a


possibilidade de exposição é recomendada uma
avaliação preliminar. Esta se fará inicialmente,
juntando a população de trabalhadores em grupos
homogêneos em relação a este risco e selecionando,
aleatoriamente, trabalhadores para representar todo
o grupo, seguindo critérios estatísticos de
amostragem.

A estimativa do nível de concentração na zona


respiratória de cada trabalhador escolhido deve ser
realizada com bombas portáteis fixadas ao próprio
trabalhador e a coleta do material particulado em
filtros membrana de ésteres de celulose. Ressalta-se
que em operações a quente, é comum que os
trabalhadores usem protetores faciais. Neste caso, o
amostrador deve estar atrás do protetor, junto ao
nariz, coletando realmente o ar que o trabalhador
está respirando. Os filtros são posteriormente
submetidos à análise por espectrofotometria de
absorção atômica, ou espectroscopia de emissão de
plasma (ICP).

As coletas devem cobrir pelo menos 80% da jornada de


trabalho para que cada amostra represente a média
ponderada pelo tempo para o trabalhador amostrado. A
média geométrica das médias ponderadas pelo tempo,
de um determinado grupo homogêneo de trabalhadores,
será a média atribuída a todo o grupo e esta será a
estimativa da exposição do grupo num dado período
amostrado.

Estas determinações devem ser repetidas em tantos


outros períodos quanto necessários, para estimar a
influência de fatores intervenientes como turnos,
condições climáticas, variações do processo
produtivo etc.

Todo o conjunto de avaliação deve ser repetido


sistemática e periodicamente dentro de um Programa
de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA como prevê
a NR-9 3.

Uma vez estimado o nível de exposição do grupo em um


dado período, este valor deve ser comparado com um
valor de referência que, neste caso, é o Limite de
Exposição Ocupacional.

A legislação brasileira estabeleceu ( NR 15 3 ) em 5


mg/m3 o, assim chamado, Limite de Tolerância para a
poeira de manganês, considerando jornadas de até
oito horas diárias, para exposições referentes à
extração, tratamento, moagem, transporte do minério
ou outras operações que envolvam poeira de manganês
ou de seus compostos.

No caso de exposição a fumos de manganês, o limite


legalmente estabelecido no Brasil é de 1 mg/m3,
sendo referidas as seguintes operações: metalurgia
de minerais de manganês, fabricação de compostos de
manganês, fabricação de pilhas secas e baterias,
fabricação de vidros especiais e cerâmica,
fabricação e uso de eletrodos de solda, fabricação
de produtos químicos, tintas e fertilizantes ou
outras exposições a fumos de manganês.

Os limites da legislação brasileira coincidem com a


atual recomendação da ACGIH - American Conference of
Governmental Industrial Hygienists - USA. Mas esta
entidade está propondo modificações para 1996,
devendo este limite ser reduzido para 0,2 mg/m3,
especificando-se apenas o elemento manganês ou seus
compostos inorgânicos (dosados como Mn),
independentemente de ser poeira ou fumo.

Se aplicável ao Brasil, como há possibilidade pela


atual redação da NR-9 3, este novo Limite de
Exposição Ocupacional, dificilmente será observado
na maioria dos locais de trabalho, pois trata-se de
uma redução de 25 vezes na concentração ambiental
para o caso das poeiras e de 5 vezes para os fumos.
Ressalta-se que concentrações superiores ao novo
limite proposto pela ACGIH ainda são encontradas,
com relativa facilidade, em avaliações ambientais
realizadas no Brasil.

Sob o ponto de vista legal, os Limites de Exposição


podem ser considerados como um nível de exposição
acima do qual este ou aquele benefício é devido aos
trabalhadores. Porém, do ponto de vista técnico deve
ser considerado como guia de orientação e como um
parâmetro que, se respeitado, a maioria dos
trabalhadores estará protegida e a possibilidade de
aparecimento de desvios da saúde será bastante
reduzida, contudo nunca será zero.

O risco de intoxicação ocupacional para um


trabalhador exposto a manganês só será zero se o
manganês for eliminado do processo produtivo; tendo
em vista os efeitos graves e irreversíveis causados
por esta exposição, este objetivo deveria ser
proposto para ser implantado num cronograma a ser
discutido pelos copartícipes sociais envolvidos no
problema.

Mas, mesmo respeitando-se os Limites de Exposição


Ocupacional, ainda teremos a possibilidade de
aparecimento de algum sinal ou sintoma. Por isto os
Limites de Exposição Ocupacional são dinâmicos em
relação ao tempo, com uma tendência de redução
constante de acordo com o avanço dos conhecimentos,
como relatado na proposta de redução da ACGIH.

Deve ser lembrado ainda que, do ponto de vista


técnico, e coincidindo com o disposto na NR-9 3, um
trabalhador deve ser considerado exposto e ser
submetido à Monitorização Ambiental e Biológica e
Controle Médico, quando os níveis de exposição
medidos como já foi referido, atingirem ou
ultrapassarem o Nível de Ação.

O Nível de Ação é, de uma forma geral, a metade do


Limite de Exposição Ocupacional, o que representa a
maioria das exposições usualmente encontradas. O
Nível de Ação, porém, é função da variabilidade das
exposições encontradas. Quanto maior a
variabilidade, menor será o Nível de Ação. Para
operações de solda, por exemplo, este valor equivale
a 15% do Limite de Exposição Ocupacional.

9 - COMO EVITAR A INTOXICAÇÃO

Tradicionalmente, os aspectos preventivos são


tratados segundo o modelo epidemiológico da história
natural de uma enfermidade em três níveis de
atuação. É neste marco que será feita uma abordagem
inicial para, depois, analisar o assunto por meio de
uma visão epidemiológica, mais holística, dos
determinantes político-sociais da intoxicação.

A prevenção de uma doença profissional causada por


uma carga química poderá ser planejada de acordo com
a seguinte sequência: eliminando o agente; isolando-
o no ponto de origem; impedindo que o trabalhador
tenha contato com o agente; dificultando a
penetração e absorção pelo organismo; avaliando
biologicamente o nível de exposição; detectando a
sintomatologia inicial; tratando precocemente a
intoxicação; reduzindo o dano da doença pela
reabilitação, não só a física mas também a
reabilitação profissional bem como o ressarcimento
previdenciário das conseqüências do dano à saúde.

Medidas preventivas que se referem mais diretamente


à pessoa do trabalhador, visando promover sua saúde
são também consideradas da maior importância para a
prevenção. Nestas medidas promocionais da saúde
podem ser incluídas boas condições de alimentação,
higiene pessoal, salário, habitação, treinamento
sobre uso de medidas protetoras, bom relacionamento
no trabalho, férias, etc.

A substituição do manganês nos processos industriais


nem sempre é, tecnologicamente, possível. Para
alguns de seus usos ainda não se encontrou
substituto o que faz prever que durante muito tempo
será ainda utilizado. Uma outra medida preventiva a
ser pensada é o afastamento do trabalhador da área
de risco. Uma das maneiras de se conseguir este
isolamento é a automatização do processo de maneira
que o operador não necessite entrar diretamente na
área de produção.

A robotização tem trazido soluções muito importantes


no sentido de tornar desnecessária a presença do
trabalhador em locais que envolvem riscos para a
saúde. Outro modo, é o enclausuramento, (não deixa
de ser um tipo de automatização), onde a operação
que desprende a carga química prejudicial é mantida
completamente fechada e o trabalhador a opera do
lado de fora. Pode ser utilizada, por exemplo, no
carregamento da carga de manganês nos fornos de
siderurgia.

Estes métodos preventivos podem ser considerados


como um trabalho sem risco e deveriam ser escolhidos
prioritariamente, porque eles praticamente
independem da vontade do trabalhador ou de sua
chefia para serem usados corretamente.

Os métodos coletivos de proteção vêm a seguir em


termos de ordem de prioridades. Sua utilização já
depende, em grau maior ou menor da vontade do
trabalhador ou das chefias. Entre estes métodos
podem ser citados a umectação (de grande importância
em certas fases da mineração); a segregação, que
consiste em limitar a área de maior risco no tempo,
(trabalhar só a noite - ou em certas horas com menos
movimento ) ou no espaço ( executar a operação num
local mais distante da área habitual de produção ),
de maneira a reduzir o número de expostos;
ventilação local exaustora e ventilação geral
diluidora ( têm como finalidade retirar as cargas
químicas do ambiente ou reduzir a sua concentração )

Outras medidas coletivas de importância são a ordem


e limpeza no local de trabalho, a manutenção correta
dos equipamentos com especial atenção ao sistema de
ventilação ( os filtros devem ser objeto de cuidados
muito especiais )

No caso de não conseguir implantar estas medidas de


manter um trabalho sem risco ou assegurar um
trabalho protegido por medidas de proteção coletiva,
pensar-se-á em dificultar que a carga química atinja
o trabalhador, adotando medidas específicas de
prevenção que são os equipamentos de proteção
individual, tais como, protetores respiratórios,
calçados de segurança, luvas, etc.

Se as medidas preventivas até aqui assinaladas não


forem adotadas, o manganês penetrará no organismo,
conforme já foi analisado. Começará, então, um outro
nível de ação preventiva, que consiste em procurar
detectar como o trabalhador está reagindo a este
toxicante. Isto poderá ser feito numa primeira etapa
por meio dos indicadores biológicos de exposição e,
numa etapa mais avançada, avaliando o grau de
comprometimento orgânico por meio de índices de
intoxicação.

No caso do manganês, estas medidas que, de certa


forma, tentam limitar os efeitos do dano à saúde
ocasionados pela exposição, não controlada, ao
manganês, são muito pouco eficientes. Como índice de
exposição, conforme já foi visto, a dosagem de
manganês no sangue, na urina ou nas fezes, guarda
pouca correlação com a intensidade da exposição e
com o desenvolvimento da enfermidade, se esta já se
tiver instalado.
A legislação brasileira que estabelece as diretrizes
do programa de controle médico de saúde ocupacional,
não incluiu o manganês entre os parâmetros para
controle biológico da exposição ocupacional a alguns
agentes químicos.

Não havendo indicadores conhecidos até o momento que


sejam confiáveis, resta identificar muito
precocemente a sintomatologia para afastar o
paciente da exposição antes que seu estado de saúde
se agrave. Neste sentido, um bom exame clínico, com
ênfase na anamnese ocupacional e na semiótica
neurológica serão imprescindíveis, assim como o
afastamento imediato do trabalho no caso de qualquer
sinal ou sintoma que possa lembrar os efeitos do
manganês. Considerando a gravidade da intoxicação,
não tem muito sentido aguardar esta etapa do
acompanhamento da saúde dos trabalhadores expostos
para agir. Ela identifica graves falhas na
prevenção. Sem a correção destas falhas, o trabalho
não deveria ser permitido e o empregador instado,
educacional ou coercitivamene, a saná-las.

Se apesar de todas estas medidas ocorrer a


intoxicação, poder-se-á reduzir a intensidade dos
seus efeitos com um tratamento bem conduzido. Este
tratamento, além do esquema medicamentoso já
referido, poderá envolver necessidade de tratamento
hospitalar. Nos casos muito adiantados onde o
paciente permanece constantemente no leito, são
requeridos cuidados especiais para a prevenção das
escaras de decúbito.

No caso, infelizmente frequente, de sequelas, a


reabilitação será muito importante não só para a
recuperação física do paciente, como também e
principalmente, na reintegração, de alguma forma,
deste paciente na força de trabalho.

Um aspecto de grande significado para os que


trabalham com manganês, são os seus aspectos legais
que, resumidamente, serão comentados a seguir.

O anexo 12, da NR 15, 3 além de estabelecer o Limite


de Tolerância já referido, considera como insalubre
em grau máximo ( adicional salarial equivalente a
quarenta por cento do salário mínimo da região ) as
atividades e operações realizadas com o manganês,
sempre que estes limites forem ultrapassados.
Enumera, também, uma série de indicações que, pela
sua significância, devem ser conhecidas pelos
trabalhadores e pelos profissionais que intervêm nos
ambientes de trabalho onde haja manganês. (boxes 2 e
3)

Box 2 - Recomendações e medidas de prevenção, e de


controle, legalmente indicadas para as operações com
manganês e seus compostos:

a) substituição de perfuração a seco por


processos úmidos;

b) perfeita ventilação após detonações, antes de


reiniciarem os trabalhos;

c) ventilação adequada, durante os trabalhos em


áreas confinadas;

d) uso de equipamentos de proteção respiratória


com filtros mecânicos para áreas contaminadas;

e) uso de equipamentos de proteção respiratória


com linha de ar mandado, para trabalhos, por
pequenos períodos, em áreas altamente
contaminadas;

f) uso de máscaras autônomas para casos


especiais e treinamentos específicos;

g) rotatividade das atividades e turnos de


trabalho para os perfuradores e outras
atividades penosas;

h) controle da poeira a níveis abaixo dos


permitidos.
Box 3 - Precauções legais, de órdem médica e de
higiene, obrigatórias para todos os trabalhadores
expostos às operações com manganês e seus compostos:

a) exames médicos, admissionais e periódicos;

b) exames adicionais para as causas de


absenteísmo prolongado, doença, acidentes ou
outros casos;

c) não admissão de empregado portador de lesões


respiratórias orgânicas, do sistema nervoso
central e disfunções sanguíneas para trabalhos
em exposição ao manganês;

d) exames periódicos de acordo com os tipos de


atividades de cada trabalhador, variando de
períodos de 3 a 6 meses para trabalhadores de
subsolo e de 6 meses a anualmente para os
trabalhadores de superfície;

e) análises biológicas de sangue; afastamento


imediato de pessoas com sintomas de intoxicação
ou alteração neurológicas ou psicológicas;

f) banho obrigatório após a jornada de trabalho;

g) troca de roupa de passeio/serviço/passeio;

h) proibição de se tomarem refeições nos locais


de trabalho.

Para fins de enquadramento previsto na NR 4 3 que


trata dos Serviços Especializados em Engenharia de
Segurança e Medicina do Trabalho - SESMTs, as
empresas que trabalham com manganês são consideradas
como de risco 4 ( é o de maior nível e implica, em
termos de dimensionamento de SESMT, que, a partir de
50 trabalhadores, deverá contar com os serviços de
um técnico de segurança do trabalho e se o número de
empregados estiver entre 101 e 250, terá que
contratar 2 técnicos de segurança, 1 engenheiro de
segurança e 1 médico do trabalho - os dois últimos
em tempo parcial). Portanto, é um direito do
trabalhador exposto contar com profissionais que
asseguram condições adequadas de trabalho, seja pelo
que prescreve a NR 15 como a NR 4, seja, ainda, pelo
Programa de Prevenção de Riscos Ambientais previsto
na NR 9.

Na NR 7 que trata dos exames periódicos, não há


referência específica a exames para expostos ao
manganês. O médico poderá basear-se em seu tirocínio
clínico e no item 7.4.2.3:

"Outros exames complementares usados normalmente em


patologia clínica para avaliar o funcionamento de
órgãos e sistemas orgânicos podem ser realizados, a
critério do médico coordenador ou encarregado, ou
por notificação do médico agente de inspeção do
trabalho, ou ainda decorrente de negociação coletiva
de trabalho".

Nesta norma, ainda há referências a várias


providências a serem adotadas no caso de constatação
de danos à saúde causados pela exposição a cargas de
trabalho de origem química como: quando emitir a
comunicação de acidente do trabalho - CAT, critérios
de afastamento do trabalho, encaminhamento à
Previdência Social, etc.

Em termos legais, o trabalhador está protegido,


tanto no que se refere ao ambiente de trabalho como
aos danos que o manganês possa ocasionar a sua
saúde.

Os trabalhadores intoxicados, em termos de


legislação previdenciária, têm sua enfermidade
enquadrada como Doença Profissiona,l conforme Anexo
II do Decreto 611/92 sobre os planos de Benefícios
da Previdência Social 2. A forma de inserção do
manganês na Lista de Doenças Profissionais pode ser
visualizada no box 4.
Box 4 - Agente químico patogênico - Manganês e seus
compostos tóxicos. ( Lista das Doenças Profissionais
)

Trabalhos que contêm o risco:

a) extração, tratamento e trituração de


pirolusita (dióxido de manganês);

b) fabricação de ligas e compostos de


manganês;

c) siderurgia;

d) fabricação de pilhas secas e


acumuladores;

e) preparação de permanganato de
potássio e fabricação de corantes;

f) fabricação de vidros especiais e


cerâmicas;

g) soldagem com eletrodos contendo


manganês;

h) fabricação de tintas e
fertilizantes;

i) curtimento de couro.

A legislação previdenciária 2 reconhece, também, que


os trabalhadores expostos podem aposentar-se com 25
anos de serviço permanente e habitual em trabalhos
especificados no box 5.

Box 5 - Especificação legalmente estabelecida para a


aposentadoria especial referente ao manganês.

- extração, tratamento e trituração do minério


por processos manuais ou semi-automáticos;
- fabricação de compostos de manganês;

- fabricação de pilhas secas, contendo compostos de


manganês;

- fabricação de vidros especiais, indústria de


cerâmicas e outras operações com exposição
permanente a poeiras de pirolusita ou de outros
compostos de manganês.

Como se assinalou no início deste item,


tradicionalmente, são estas as medidas que se
costuma elencar como suficientes e necessárias para
assegurar a saúde dos trabalhadores que trabalham
com o manganês. Mas será mesmo que estas medidas
resolvem o problema do manganismo?

10 - QUATRO EXEMPLOS RELEVANTES

Inicialmente, para entender melhor porque as simples


medidas técnicas não bastam para prevenir a
ocorrência do manganismo, serão relatados alguns
episódios vivenciados direta ou indiretamente por um
dos autores ( JRG ) .

O padre epidemiologista

O pároco de pequena cidade dos


arredores da cidade de São Paulo
(descreve Almeida e col. 1 em
1968) , notou que alguns de seus
paroquianos, ao se dirigirem para
a missa dominical, caminhavam de
maneira estranha.

Preocupado, perguntou o que estava


acontecendo.

- Não sabemos, responderam os


fiéis.
O padre fez mais indagações sobre
alguns aspectos comportamentais e
de condições de trabalho.

- Trabalhamos todos na mesma


empresa, uma siderúrgica que
produz ligas de ferro com outras
substâncias entre as quais o
manganês.

Mais preocupado ainda ficou o


padre. Procurou literatura
especializada sobre doenças
profissionais, visitou a empresa e
conversou com os diretores sobre
uma eventual relação entre o
processo produtivo e os sintomas
dos trabalhadores. Os empregadores
informaram que sempre se trabalhou
desta maneira em todo o mundo e
que nunca havia ocorrido nenhuma
queixa de doenças entre os
trabalhadores da empresa,
relacionável com o trabalho.
Havia, isto sim, muitos casos de
alcoolismo o que talvez explicasse
a marcha estranha. Tais
explicações não convenceram o
pároco que resolveu prosseguir em
suas investigações, raciocinando
de maneira epidemiológica:

- Se há alguns casos que vêm da


mesma empresa, esta ocorrência
pode ser um aviso que há mais
casos.

Combinou com os trabalhadores que


procurassem colegas que
apresentassem sintomas parecidos.
Apareceram então mais alguns
casos.

Revoltado com a situação, o padre


escreveu no jornal paroquial um
libelo contra os empregadores que
submetiam os trabalhadores a
condições de tanto risco para a
saúde. Os diretores procuraram o
ambulatório de doenças
profissionais do SESI, buscando
uma comprovação de que os casos
não estavam relacionados com o
trabalho.

Após uma investigação clínica,


laboratorial e ocupacional foram
ao todo identificados dezessete
trabalhadores cuja enfermidade, ao
contrário do que esperava a
empresa, estava diretamente
relacionada com as condições de
trabalho: estes casos de
manganismo profissional foram
descritos por Almeida e cols 1. A
empresa após este episódio,
encerrou sua atividade.

Os doentes sorridentes

Em 1972, quando se organizou o


material instrucional para o
primeiro curso para médicos do
trabalho, o capítulo sobre
manganês foi escrito por Gomes 11
. A aula sobre manganês foi por
ele ministrada e acompanhada pelo
vídeo já referido. Esta aula foi
assistida por médica de Belo
Horizonte que, posteriormente,
estruturou o curso para médicos do
trabalho naquela capital. Na
disciplina de doenças
profissionais, foi também ela quem
apresentou a aula sobre manganês.

Um dos colegas que assistia ao


curso ficou muito interessado
porque, como perito do INSS,
estava com alguns pacientes com
sintomatologia neurológica cuja
origem não se estava conseguindo
caracterizar. Com esta
inquietação, fez uma nova
avaliação clínica, laboratorial e,
especialmente, ocupacional, tendo
sido identificados mais quatro
casos de manganismo profissional,
em 1974.

Este colega referiu que num


domingo à tarde, visitou o
hospital onde estavam internados
os quatro pacientes e os levou a
passear por Belo Horizonte. Na
Ladeira do Amendoim, os pacientes
acharam muita graça do efeito
antigravitacional (parece que o
carro sobe a ladeira com motor
desligado ). Começaram a rir lá
pelas quatro horas da tarde e,
quando terminou o passeio, ainda
davam risadas cerca de três horas
depois. A esta altura, até o
médico também ria muito.

Entre estes dois episódios havia


um elo de ligação: a empresa que
encerrou suas atividades no
interior de São Paulo era a mesma
que reabriu no estado de Minas
Gerais. Recentemente, a imprensa
leiga noticiou que esta empresa
foi obrigada a transferir o
controle acionário para uma
congênere para evitar a falência.

O dilema do empresário

Certa ocasião, em meados da década


dos anos oitenta um empresário
estava conversando com um dos
autores ( JRG ) sobre as
dificuldades de implantar as
medidas de higiene numa
siderúrgica que processava ligas
de ferro com manganês. Dizia ele
que as consequências eram tão
graves para os trabalhadores que
sua primeira propensão era a de
fechar a empresa. O que o impedia
de tomar tal decisão era a grande
lucratividade desta unidade que
dentre todo o conglomerado de
empresas era, de longe, a mais
lucrativa.

O marido da enfermeira

Um médico estava comentando


sintomas de intoxicações
profissionais, como o manganismo,
quando uma enfermeira, sua colega
de trabalho, pediu maiores
detalhes sobre esta doença
ocupacional. Seu interesse estava
relacionado com as atividades que
seu marido desenvolvia em pequena
empresa metalúrgica industrial.

A atividade consistia em uma


espécie de beneficiamento de
minério de manganês para fins de
utilização como mistura
despolarizante de pilhas de
manganês ativado: a do "gato".
Esta empresa foi objeto de ação de
vigilância à saúde, quando foram
identificados mais alguns casos de
manganismo.

Esta ocorrência é do início da


década dos noventa. O dono da
indústria ficou extremamente
apreensivo, não só com os
trabalhadores, mas com ele mesmo
uma vez que também esteve exposto
durante vários anos. Esta
preocupação foi de tal natureza
que o levou a encerrar as
atividades da empresa.

11 - DETERMINANTES SOCIAIS QUE INTERFEREM NA


INTOXICAÇÃO

Estes exemplos foram relatados com o objetivo de


motivar o leitor para certos aspectos sociais da
medicina do trabalho, que serão discutidos a seguir.

Para transformar a natureza, segundo Facchini 10, o


homem desenvolveu um processo que está determinado
pela forma concreta que se dá à produção,
distribuição, intercâmbio e consumo dos meios de
produção. Nos quatro exemplos esta determinação está
muito bem caracterizada. O trabalho com manganês não
deveria causar as intoxicações. O trabalho em si não
é nocivo e perigoso. Na realidade, o manganês é até
um oligoelemento essencial, cuja ausência no
organismo humano é causa de doença carencial. Então
quem causa manganismo não é, em última análise, o
manganês mas sim a forma como está organizado o
trabalho que o utiliza.

As medidas preventivas foram abordadas anteriormente


de forma deliberada e essencialmente técnica como,
em geral, este aspecto é tratado. Agora, algumas
particularidades da promoção, proteção, recuperação
da saúde e do ressarcimento dos danos serão
analisadas sob um ponto de vista mais social e
econômico, bem como das relações de trabalho.

A Organização Mundial de Saúde 18, define a


Epidemiologia como o estudo da distribuição e dos
fatores determinantes e acontecimentos relacionados
com a saúde da população trabalhadora e a aplicação
deste estudo no controle dos problemas de saúde.

É com esta filosofia que este item foi redigido, e


onde serão pinçados certos aspectos que se entendeu
como importantes para discutir um pouco mais
detalhadamente. Não tem nenhuma pretensão de abordar
todos os determinantes sociais da intoxicação.
Talvez não sejam os mais significativos para alguns
dos leitores mas são aqueles que mais têm chamado a
atenção dos autores, pela sua experiência no
acompanhamento de evolução histórica da saúde dos
trabalhadores no Brasil.

Entre as medidas promocionais da saúde recomendadas,


em geral, não estão incluídas, como preconiza a
Organização Internacional do Trabalho 17, a
mobilização dos trabalhadores no sentido de
valorizarem seu potencial de interferência no
planejamento, execução e avaliação dos programas que
são definidos para assegurar sua saúde. Em saúde
pública, qualquer ação de saúde que não contemplar a
participação da população usuária será
inconsequente.

Quando se trata de saúde de população trabalhadora,


no entanto, a participação dos trabalhadores é muito
mais virtual: só são chamados a colaborar quando o
processo já está em fase de execução e, mesmo assim,
a cooperação solicitada é mais no sentido de usar o
EPI, ter cuidado com o agente químico, ser
responsável, lavar as mãos antes de comer, não
fumar, não comer e beber no ambiente de trabalho,
etc. As recomendações legais , como já foi visto,
também insistem nesta linha: tomar banho, trocar a
roupa, não comer no local de trabalho. Este tipo de
" participação do trabalhador ", na realidade é mais
uma atribuição de responsabilidade pelos eventuais
efeitos dos agentes do que uma participação
propriamente dita, inserida, conforme se pode
esperar, nos princípios da relação capital-trabalho
em vigência. Aliás, tais recomendações deveriam ser
acompanhadas de obrigações " homólogas " ( a serem
realmente cumpridas ) pelo empregador: proporcionar
água quente nos banheiros; fornecer e lavar as
roupas de trabalho, manter refeitório, e,
principalmente, assegurar condições corretas de
trabalho.

Estes aspectos são de tal importância, que muitos


movimentos sindicais têm como diretriz que, em
última análise, a responsabilidade pela saúde dos
trabalhadores é dos próprios trabalhadores, conforme
a política do Movimento Operário Italiano.

Para que a sugestão de implantar um trabalho sem


risco ou as medidas coletivas de proteção seja
concretizada, há uma série de aspectos de natureza
não exclusivamente técnica que precisam ser
considerados. Estas medidas são onerosas em termos
econômicos e, interferindo no preço final dos
produtos, serão analisadas, pelos empregadores, sob
este ponto de vista. São decisões que têm
implicações muito mais significantes na atual
política governamental do neoliberalismo, onde a
competitividade é um fator decisivo para as
empresas. Além disto, há um outro problema sério com
a implantação de automatização que é o agravamento
do desemprego, cujo fantasma já vem ameaçando até os
países centrais.

Modificações na organização do trabalho, como, por


exemplo, redução de jornada, instituição de pausas,
áreas de lazer, abolição de horas-extras, adoção de
medidas de ergonomia, etc., que são importantes
medidas de prevenção ( em geral não constam dos
relatórios essencialmente técnicos ) também esbarram
no mesmo problema.

Implantar modificações em ambientes de trabalho,


muitas vezes, envolvem tecnologias nem sempre
disponíveis. A monitorização ambiental, por exemplo,
implica conhecimentos de higiene ocupacional que
muito poucos profissionais e serviços são capazes de
executar. Recentemente, um agente de inspeção médica
do trabalho referia que notificou uma empresa para
que fizesse um monitoramento ambiental para certo
agente químico. Quando terminou o prazo, a empresa
mostrou respostas de cinco serviços, oficiais e
particulares, informando não ter condições de
realizar a monitorização. O agente de inspeção ficou
sem saber como agir.

A segregação no tempo ou no espaço é uma medida que


sempre causa uma grande estranheza: como explicar a
delimitação de determinado local de trabalho em
condições precárias, com o objetivo de " proteger "
os demais trabalhadores. Como assegurar que os
trabalhadores escolhidos para o local precário sejam
devidamente protegidos?

Como estas medidas até aqui referidas são de difícil


implantação, a proteção oferecida resume-se nos
EPIs. (muitas empresas, nem esta proteção
proporcionam a seus trabalhadores expostos ). Por
isto, é oportuno comentar alguns problemas
relacionados com seu uso.

Estes equipamentos são menos confiáveis em termos de


proteção porque dependem diretamente da vontade de
se os usar, ou oferecer, aos usuários. Além disto
são incômodos. Os protetores respiratórios, que são
muito indicados para os expostos ao manganês,
dificultam, e muito, o livre fluxo do ar, aumentando
o cansaço do trabalhador, além de aquecerem e
umidificarem as regiões do rosto cobertos pelo
protetor.

Além disto, nem sempre a indicação é correta, ou a


eficiência do equipamento é aferida, ocasionando uma
falsa segurança. Recentemente, ocorreu uma grande
celeuma sobre a eficiência de máscaras para proteger
trabalhadores de poeira de asbesto. Um equipamento
individual só deverá ser usado quando as medidas de
proteção coletivas forem tecnicamente inviáveis ou
não oferecerem proteção completa; enquanto as
medidas coletivas estiverem sendo implantadas e para
atender situações de emergência.

Os equipamentos individuais ainda apresentam uma


outra inconveniência séria: muitas vezes não se
adaptam às condições de clima e de biótipo do
trabalhador brasileiro. A manutenção dos protetores
respiratórios é outra dificuldade séria e a troca de
seus filtros em períodos adequados é uma providência
básica em termos protetores e que nem sempre é
corretamente adotada.

Os protetores respiratórios autônomos, única


proteção individual respiratória que poderia dar
algum grau de segurança, são muito desconfortáveis
e, certamente, implicam medidas especiais de pausas
no trabalho para que o trabalhador possa suportar
sua utilização.
A implantação do Programa de Controle Médico de
Saúde Ocupacional previsto na NR 7, além dos
problemas de ordem econômica para ser implantado,
apresenta uma dificuldade adicional que são os
laboratórios de toxicologia ocupacional. Em São
Paulo, por exemplo, há uma série de laboratórios
muito bem aparelhados tanto de equipamentos como de
recursos humanos habilitados, como o do SESI, da
FUNDACENTRO, o do Instituto Adolfo Lutz, o do
Instituto Biológico, o da Faculdade de Ciências
Farmacêuticas, o da Faculdade de Saúde Pública (
estes dois últimos da USP ).

No entanto, quando se necessita de um laboratório


para os exames previstos na legislação, até os
Programas de Saúde do Trabalhador da rede pública de
saúde recorrem a laboratórios da iniciativa privada.
Ainda neste importante instrumento de acompanhamento
de saúde que é o laboratório de toxicologia e
higiene ocupacional, cumpre assinalar a
significância do controle de qualidade dos exames
realizados. Há programas multicêntricos de controle
de qualidade, como o realizado por uma rede mundial
de laboratórios coordenados por um Laboratório da
Espanha. Infelizmente, poucos laboratórios
brasileiros se integraram a estes programas de
controle de qualidade.

O afastamento do trabalho não depende simplesmente


da vontade do médico de afastar o paciente. O medo
da demissão, o reconhecimento da enfermidade como
doença profissional pela perícia do INSS, a
desmobilização de certas categorias para estes
aspectos das relações de trabalho, etc. são
elementos que podem ter grande influência no
afastamento, ou não, do trabalho.

A legislação acidentária 4 assegura estabilidade,


pelo prazo mínimo de doze meses após a cessação do
auxílio acidente, ao trabalhador acidentado no
trabalho. Este é um importante direito assegurado ao
trabalhador acometido de doença profissional. Foi
uma conquista dos sindicatos dos metalúrgicos que
incluíram uma cláusula desta natureza em seu
contrato coletivo de trabalho, conquista esta
estendida, por lei, a todos os trabalhadores. A
influência que uma medida desta ocasiona na forma de
conduzir uma doença profissional, é um exemplo muito
claro do que é um determinante social.

A ameaça de desemprego é um outro determinante


social que pode modificar sensivelmente a maneira
como o trabalhador exterioriza sua sintomatologia,
especialmente a de cunho mais subjetivo das fases
iniciais do manganismo. O trabalhador tende a omitir
seus sintomas e mais ainda, recusa aceitar
afastamento do trabalho não porque não está enfermo,
mas por receio de ser demitido.

Os benefícios previstos legalmente para um


trabalhador que trabalha com o manganês ou que foi
acometido pelo manganismo também merecem algumas
considerações.

Para que o trabalhador seja reconhecido pela


Previdência Social como portador de uma doença
profissional, deverá passar pela Perícia Médica do
INSS. Quase sempre, estes pacientes foram atendidos
pelo Sistema Único de Saúde - SUS, ( em algum dos
Programas de Saúde do Trabalhador ou Centro de
Referência de Saúde do Trabalhador ) e encaminhados
à Perícia do INSS após comprovação diagnóstica, não
só clinicolaboratorial mas também ocupacional.

Pode ocorrer, no entanto, que a Perícia


Previdenciária, cujos profissionais podem não ser
médicos do trabalho, desconsidere a enfermidade como
doença profissional. Neste caso, o trabalhador terá
sérios prejuízos previdenciários.

Legalmente, o tratamento de uma enfermidade


profissional deverá ser gratuito para o trabalhador.
No caso do manganismo, este tratamento envolve
medicamentos caros , pode haver necessidade de
acompanhamento fisioterápico, hospitalização, etc.
como já foi considerado anteriormente. Mas,
usualmente o próprio trabalhador está arcando com o
ônus financeiro de seus medicamentos. O próprio SUS
dificilmente dispõe destes fármacos mais
especializados.
O adicional salarial previsto na NR 15 corresponde,
atualmente, a quarenta reais por mês. Assim mesmo,
para que seja concedido ao trabalhador, há
necessidade de todo um procedimento relacionado com
perícia no local de trabalho, cujo detalhamento foge
ao objetivos deste trabalho. O pagamento do
adicional de insalubridade é um perverso e
maquiavélico instrumento.

O empregador alega que não deve pagar este adicional


porque ele é uma desumanidade:

- como pagar alguém para que suporte melhor uma


condição de trabalho que faz mal para a sua saúde?

Mas, por outro lado, não implementa as medidas


preventivas necessárias para que as condições de
trabalho não ocasionem dano à saúde do trabalhador.
Os trabalhadores, por sua vez, raciocinam:

- o empregador não paga o adicional porque entende


que o trabalhador não deve " vender " sua saúde;
como não corrige o ambiente, a exposição persiste e,
portanto, a minha saúde continua sendo prejudicada;
então não estou vendendo a saúde, a estou dando de
graça.

Como os salários da maioria dos trabalhadores são


muito baixos, estes adicionais acabam se
incorporando ao orçamento mensal. Poderá acontecer,
eventualmente, que alguns trabalhadores prefiram o
adicional a um programa de higiene do trabalho,
cujos resultados benéficos são de difícil
constatação. É mais uma distorção perversa que o
sistema de relações de trabalho vigente desencadeia.
Esta mesma distorção também se constata quando o
trabalhador prefere "vender" suas férias ou fazer
"horas-extras".

Há muitos anos, havia, em São Paulo, um adicional de


quarenta por cento, do salário real, para os médicos
e paramédicos do serviço público que trabalhavam em
radiologia. Esta atividade, era extremamente
cobiçada pelo funcionalismo e os profissionais
beneficiados ficavam muito aborrecidos quando eram
transferidos para um local onde não mais havia
exposição. E eram profissionais da área de saúde que
conheciam os efeitos das radiações.

Por isto não deve ser motivo de estranheza constatar


que alguns trabalhadores expostos que recebem
adicional de insalubridade, prefiram continuar
percebendo esta complementação salarial. Mas também
é importante assinalar que esta situação está,
rapidamente, modificando-se como já foi referido.

Os autores entendem que esta questão ainda não está


resolvida. Todos insistem que a luta pelos
adicionais deve ser substituída pela busca da
melhoria das condições de trabalho, mas todos também
entendem que ainda não há um mecanismo adequado para
assegurar que esta substituição seja realmente
implantada e dela resulte real benefício para o
trabalhador.

Ainda neste assunto relacionado aos direitos dos


trabalhadores expostos ao manganês, é oportuno
lembrar a aposentadoria especial aos 25 anos de
serviço 2 . Como o manganismo é incapacitante para o
trabalho, dificilmente um trabalhador têm condições
de completar o tempo necessário para usar este
direito. Além desta incapacidade laborativa, a
intoxicação, como já foi mencionado, pode também
impedir o exercício das atividades de vida diária,
Neste caso, sua aposentadoria 2 pode ser incluída
entre as que implicam majoração de 25% no seu valor.

Para concluir estes comentários sobre alguns dos


determinantes sociais que interferem na gênese e
evolução do manganismo, é importante destacar ainda
a necessidade de uma conscientização, tanto dos
empregadores como dos trabalhadores para estes
aspectos da relação entre o capital e o trabalho.

Um bom instrumento para esta conscientização pode


ser o cumprimento de dois direitos dos trabalhadores
previstos na NR 1 3: recusar-se a trabalhar em
condições inadequadas e o de conhecer o resultados
dos exames ambientais e médicos que lhe dizem
respeito. Outro instrumento importante de
conscientização é a ação, neste campo, do Ministério
Público e da Vigilância à Saúde; o primeiro porque
pode acionar criminalmente os empregadores cujas
empresas ocasionaram intoxicação, e a segunda porque
poderá impedir o trabalho quando as condições
envolverem risco considerável para a saúde.

Há ainda um terceiro instrumento que é a ação


regressiva proposta pela Previdência Social 2 contra
os responsáveis pela negligência quanto às normas-
padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas
para a proteção individual e coletiva.

Apesar dos percalços que o trabalhador necessita


transpor para conseguir seus direitos legalmente
previstos, a atual política neoliberal está
procurando alterar artigos constitucionais
referentes a estes direitos. Recentemente, por
ocasião do reajuste do salário mínimo, foram
incluídas na Lei 9.032/95 4 várias modificações que
limitam direitos do trabalhador acidentado.
Possivelmente, outras investidas nesta área poderão
ser esperadas.

Como foi visto nesta abordagem do manganismo, há uma


conjunção de fatores causais a serem considerados.
Um problema de gênese multicausal implica soluções
interinstitucionais, multi e transdisciplinares. E
mais ainda, tratando-se de uma doença profissional,
onde as relações de trabalho são de fundamental
importância é bom lembrar que estas ações
programáticas para a saúde do trabalhador deverão
envolver diretamente os copartícipes sociais
envolvidos, principalmente, nos princípios da livre-
negociação, os trabalhadores e os empregadores.

Mas no atual estágio de desenvolvimento destas


negociações, a presença do governo ainda pode ser
necessária. Algumas recentes intervenções dos
trabalhadores, e de suas representações, na busca de
melhores condições de saúde têm se mostrado bastante
incisivas e resolutivas.

Por princípios de ética, quando o médico assume a


responsabilidade de conduzir um programa desta
natureza, assume também o compromisso de procurar a
melhor forma de manter a saúde deste segmento social
sob sua supervisão médica. E para cumprir este
compromisso, o determinante mais importante a
observar é a condição inadequada de trabalho.

O profissional de saúde que não abordar uma


intoxicação profissional com esta macrovisão do
processo saúde/trabalho estará muito longe de
exercer todo o seu potencial resolutivo do problema.
Se ele preocupar-se apnas com os aspectos de
diagnóstico e tratamento, sem levar em consideração
os demais envolvimentos ligados à relação
capital/trabalho sua ação será muito restrita:
firmará o diagnóstico de uma enfermidade cujo
tratamento, como se viu, é controvertido e de
eficiência discutível. O problema, no entanto,
continuará e haverá ainda outros casos para
diagnosticar, tratar, reabilitar e ressarcir o dano
ocasionado.

Um último aspecto a considerar refere-se à


importância da produção de conhecimentos nesta área.
Para escrever esta revisão, foi solicitado um
levantamento das pesquisas relacionadas ao manganês
de 1990 a 1995. Neste levantamento feito na base de
dados Medline, foram identificados 62 títulos. ( não
foram incluídas nas referências bibliográficas para
não estendê-las muito ) . Mas, ter uma idéia sobre o
que se está pesquisando atualmente e onde estão
sendo realizadas estas investigações sobre o
manganês, será apresentado um breve resumo, com o
objetivo de, identificar algumas perspectivas
futuras.

As pesquisas estão sendo realizadas, principalmemte,


em serviços situados nos seguintes países: Polônia,
Singapura, Canadá, Estados Unidos, Rússia, Suécia,
India, Japão, Itália. Há apenas uma referência de
autora brasileira, Siqueira, já referenciada neste
trabalho. Abordam aspectos variados da intoxicação,
desde problemas respiratórios e efeitos enzimáticos
até a aplicação de testes neurocomportamentais para
diagnóstico precoce de desvios neuropsiquiátricos
preclínicos e sinergismo de exposição ocupacional e
ambiental. Os efeitos combinados de multiexposições
a baixas concentrações é uma das tendências que se
constata nas linhas de pesquisas assim como a
dosagem do manganês nos cabelos, ainda na tentativa
de encontrar parâmetros biológicos confiáveis de
exposição.

O uso de ressonância magnética para identificar


lesões cerebrais é outra área em investigação, e o
ramo produtivo mais pesquisado é a indústria de
pilhas secas.

Nesta apresentação procurou-se transmitir, não só os


conhecimentos técnicos julgados necessários para o
diagnóstico e tratamento, mas também uma visão
sociopolítica que deve ser lembrada pelos
profissionais, cuja atividade diária implica
compromisso com a melhoria das condições de trabalho
e de vida da população trabalhadora.

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