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DOI: 10.4025/reveducfis.v24.4.

21351

ARTIGOS ORIGINAIS

A PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES COOPERANTES SOBRE OS


CONHECIMENTOS E AS COMPETÊNCIAS DOS ESTUDANTES

THE COOPERATING TEACHERS PERCEPTION ON STUDENTS’ KNOWLEDGE AND SKILLS

Rui Resende*
Ricardo Jorge Franco Lima**
Alberto Aires da Cruz Albuquerque***
Larissa Cerignoni Benites****

RESUMO
Os professores orientadores, chamados Professores Cooperantes (PC), dentro da realidade portuguesa, são fundamentais para
o desenvolvimento das competências e dos conhecimentos dos futuros professores de Educação Física (EF). Através de uma
entrevista semiestruturada, o objetivo do nosso estudo é compreender as perspetivas e os pontos de vista dos PC, no que diz respeito
à preparação do Estudante Estagiário (EE) no seu primeiro contato com a realidade escolar. Verificamos que os PC sentem que os
EE saem da formação acadêmica com conhecimentos, porém não conseguem colocá-los na prática. Essa dificuldade deve-se ao
fato de o currículo atual ter poucas horas de disciplinas práticas para que o EE desenvolva competências de ensino e aprendizagem.
Contudo, o atual currículo, apesar de não preencher todos os requisitos para a profissionalização, tem Unidades Curriculares (UC)
importantes para o desenvolvimento de valores, ética, deontologia e cidadania do EE.
Palavras-chave: Educação Física. Professor Cooperante. Estudante Estagiário.

INTRODUÇÃO sendo investigada em âmbito acadêmico para


melhor compreender como são automatizadas
A Educação Física (EF) é uma área as rotinas de ensino, bem como entender o
do conhecimento que trabalha com o corpo e planejamento na fase inicial da profissão; a fase
o movimento como parte da cultura humana. em que se concentra o maior desenvolvimento
Nessa perspetiva cultural, se insere a EF das competências específicas que caraterizam
escolar e apresenta um conjunto de elementos a profissão de professor (JANUÁRIO, 2012).
que envolvem a ação de ensinar, aprender, e Na base dessa evolução da profissiona-
as teorias do desenvolvimento profissional do lização do professor de EF, encontramos o PC.
professor. O PC, dentro da realidade de Portugal, é aque-
Nesse cenário, figura uma perspetiva, le professor da escola que recebe e acompa-
que é a do exercício docente, contemplando os nha estagiários na sua integração profissional,
processos de pensamento e de comportamento orientando-o para o exercício de uma prática
de professores. Trata-se de uma vertente que vem pedagógica reflexiva e estruturada, no sentido
*
Doutor do Departamento da Educação Física e Desporto no Instituto Superior da Maia, Avioso São Pedro, Portugal.
**
Mestre. Departamento da Educação Física e Desporto no Instituto Superior da Maia, Avioso São Pedro, Portugal.
***
Doutor do Departamento da Educação Física e Desporto no Instituto Superior da Maia, Avioso São Pedro, Portugal.
****
Doutora. Pós-Doutoranda do Departamento de Educação, na Universidade Estadual Paulista, São Paulo - SP, Brasil.

Rev. Educ. Fis/UEM, v. 24, n. 4, p. 519-533, 4. trim. 2013


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do cumprimento dos programas estabelecidos em trabalhar com a imagem clássica de aprender


por lei e para que os seus educandos atinjam os por meio da imitação, de ensaios, de erros e da
objetivos propostos nesses mesmos programas. camaradagem.
A importância da opinião do PC acerca da for- Essa temática leva-nos a pensar sobre
mação inicial do futuro professor de EF poderá a relação do PC com o estagiário, pensando
nos dar uma ideia mais concreta da adequação no processo de auxílio para que o mesmo se
estrutural dos cursos superiores de EF na pre- torne um professor de EF competente. Será que
paração dos futuros professores. os PC das diferentes Instituições orientam os
Nesse sentido, o presente estudo tem estudantes estagiários de uma forma equitativa
como objetivo refletir sobre as perspetivas e e justa, seguindo as normativas propostas
os pontos de vista dos PC, no que diz respeito pelos Coordenadores do curso e Supervisores
à preparação do EE no seu primeiro contato pedagógicos das Instituições?
com a realidade escolar, visto serem eles os De fato, existem estudos que nos dizem
que mais interagem com o EE nessa fase que o insucesso no ensino do EE se dá devido
final do seu percurso de formação. Dessa aos comportamentos dos alunos na aula, ao
forma, tentaremos perceber como a formação planejamento das aulas e a questões relativas
acadêmica dos estudantes está orientada para à realização da aula (ELLWEIN; GRAUE;
capacitá-los de competências e conhecimentos COMFORT, 1995).
necessários para os desafios atuais na docência Muitos professores iniciam a sua função
em EF. de cooperante com a ideia de que o seu trabalho
é socialmente significativo e gratificante, no
entanto essa perspetiva parece desvanecer-se
FORMAÇÃO INICIAL DE à medida que interagem com outros valores e
PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA princípios, chegando a fazer uma reavaliação
do seu investimento na formação inicial.
Cooperantes e supervisores são dois Ao serem contactados pelas instituições
interlocutores na prática pedagógica, que superiores, os Cooperantes esperam ser
são, conforme as conjunturas, aliados ou capazes de corresponder às expectativas das
adversários. Os orientadores da prática podem mesmas. Contudo, rapidamente percebem que
marcar positiva ou negativamente o futuro o que esperam de si são as diretrizes técnicas
professor, influenciando, muitas vezes, as relacionadas essencialmente ao ato didático
atitudes que estes poderão assumir no futuro (SILVEIRINHA, 2011).
enquanto profissionais (SILVEIRINHA, 2011). Nesse sentindo, considerando o conjunto
Tardif e Lessard (2005) propõem uma de vias profissionais, pode-se dizer que é Estágio
descentralização da gestão das práticas em Pedagógico, no caso atrelado à EF, que assume
que haja uma negociação entre instituição e o caráter profissionalizante mais sofisticado e
escolas para uma compreensão idêntica dos exigente. Tornar-se professor, com autonomia
objetivos e das abordagens de formação, numa e responsabilidade, é particularmente sensível
tentativa de aproximação de pontos de vista. nessa área, tendo em conta as especificidades
Também, aqui se coloca o problema vinculado da EF e à necessidade de conquistar um estatuto
ao recrutamento dos PC e dos Supervisores mais adequado na instituição escolar (BRÁS;
que, muitas vezes, são profissionais que se BOM, 1997).
interessam pela formação inicial, mas insistem

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A percepção dos professores cooperantes sobre os conhecimentos e as competências dos estudantes 521

O PROFESSOR COOPERANTE não só para com o próprio


EE, mas também para com
ambas as instituições de
Não se pode abordar a reflexão na ensino (escola que recebe
formação inicial de professores de EF, sem os estudantes estagiários e
estabelecimento de ensino
falarmos do papel que o PC tem sobre o EE. Este superior). De facto, o PC
promove o desenvolvimento de metodologias assume um papel de parti-
cular relevância na medida
e técnicas de ensino apreendidas durante todo em que é ele o elemento que
o percurso acadêmico, assumindo-se, dessa efetiva o elo de ligação en-
tre o futuro profissional e o
forma, como ator-autor do processo educativo
meio profissional (SILVEI-
em que está inserido. Assume-se em sua prática
RA, 2011, p. 40).
reflexiva, tornando-se também competente para
a necessária autocrítica, visão que lhe permite
Os PC são, por isso, uma referência
aceitar, adaptar e rejeitar sugestões inseridas no
fundamental de todo o processo de estágio
contexto de aula (SILVEIRINHA, 2011).
na perspetiva dos estagiários, pois são vistos
O Estágio Pedagógico corresponde a um
como práticos conhecedores da realidade no
ano de transição entre o mundo da universidade
terreno do ensino em EF, tornando mais fácil e
e o mundo da escola, marcado por um conjunto
gratificante a adaptação à atividade de ensino.
de ambiguidades de papéis e de relações, as
Contudo, os Cooperantes foram
quais conduzem o estagiário a viver todas as
formados em lugares diferentes e possuem
contradições e sentimentos de ambivalência,
experiências que os diferem, apresentando
que resultam da duplicidade de papéis de
então modelos de formação inicial (estrutura e
professor e estudante (ALBUQUERQUE;
conteúdo dos planos de estudo) e de orientações
GRAÇA ; JANUÁRIO, 2005).
conceituais (diversidade de valores, finalidades,
Essa situação origina, no EE, um
conteúdos e procedimentos que integram
conflito de identidade que introduz desconforto
e insegurança na sua vivência do estágio. No os programas de formação de professores)
entanto, os estudantes estagiários valorizam que dão tônicas distintas às suas convicções
muito o papel do PC, pois identificam nele pedagógicas, possibilitando reflexões
a “ponte” de que necessitam para atingir os (ALBUQUERQUE, 2003).
requisitos necessários para se imporem nos Também isso é estendido ao Orientador,
seus locais de trabalho, tanto do ponto de vista pois é o responsável na Instituição pelos
técnico como pedagógico e socioprofissional estudantes estagiários, sendo crucial a ação
(ALBUQUERQUE; GRAÇA; JANUÁRIO, dos orientadores da prática, cooperante e
2005). supervisor. Vários estudos têm incidido sobre
os papéis desses orientadores, sobre as suas
A atividade de ser PC, não características pessoais e profissionais, funções,
é imposta, sendo, uma de-
cisão do próprio professor. estilos de orientação e supervisão.
Não obstante desta decisão Mas quem são esses orientadores? Que
pessoal, esta tende a colocar
um conjunto de questões re- concepções e crenças estão por trás da sua ação?
sultantes do próprio exercí- Que formação possuem para o cargo? Perante
cio da atividade. Em parte,
porque agora é uma função
a ausência de critérios para o desempenho
de grande responsabilidade, dessa função, continua-se a recrutar, para

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