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DOI: 10.4025/reveducfis.v24.4.

21351

ARTIGOS ORIGINAIS

A PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES COOPERANTES SOBRE OS


CONHECIMENTOS E AS COMPETÊNCIAS DOS ESTUDANTES

THE COOPERATING TEACHERS PERCEPTION ON STUDENTS’ KNOWLEDGE AND SKILLS

Rui Resende*
Ricardo Jorge Franco Lima**
Alberto Aires da Cruz Albuquerque***
Larissa Cerignoni Benites****

RESUMO
Os professores orientadores, chamados Professores Cooperantes (PC), dentro da realidade portuguesa, são fundamentais para
o desenvolvimento das competências e dos conhecimentos dos futuros professores de Educação Física (EF). Através de uma
entrevista semiestruturada, o objetivo do nosso estudo é compreender as perspetivas e os pontos de vista dos PC, no que diz respeito
à preparação do Estudante Estagiário (EE) no seu primeiro contato com a realidade escolar. Verificamos que os PC sentem que os
EE saem da formação acadêmica com conhecimentos, porém não conseguem colocá-los na prática. Essa dificuldade deve-se ao
fato de o currículo atual ter poucas horas de disciplinas práticas para que o EE desenvolva competências de ensino e aprendizagem.
Contudo, o atual currículo, apesar de não preencher todos os requisitos para a profissionalização, tem Unidades Curriculares (UC)
importantes para o desenvolvimento de valores, ética, deontologia e cidadania do EE.
Palavras-chave: Educação Física. Professor Cooperante. Estudante Estagiário.

INTRODUÇÃO sendo investigada em âmbito acadêmico para


melhor compreender como são automatizadas
A Educação Física (EF) é uma área as rotinas de ensino, bem como entender o
do conhecimento que trabalha com o corpo e planejamento na fase inicial da profissão; a fase
o movimento como parte da cultura humana. em que se concentra o maior desenvolvimento
Nessa perspetiva cultural, se insere a EF das competências específicas que caraterizam
escolar e apresenta um conjunto de elementos a profissão de professor (JANUÁRIO, 2012).
que envolvem a ação de ensinar, aprender, e Na base dessa evolução da profissiona-
as teorias do desenvolvimento profissional do lização do professor de EF, encontramos o PC.
professor. O PC, dentro da realidade de Portugal, é aque-
Nesse cenário, figura uma perspetiva, le professor da escola que recebe e acompa-
que é a do exercício docente, contemplando os nha estagiários na sua integração profissional,
processos de pensamento e de comportamento orientando-o para o exercício de uma prática
de professores. Trata-se de uma vertente que vem pedagógica reflexiva e estruturada, no sentido
*
Doutor do Departamento da Educação Física e Desporto no Instituto Superior da Maia, Avioso São Pedro, Portugal.
**
Mestre. Departamento da Educação Física e Desporto no Instituto Superior da Maia, Avioso São Pedro, Portugal.
***
Doutor do Departamento da Educação Física e Desporto no Instituto Superior da Maia, Avioso São Pedro, Portugal.
****
Doutora. Pós-Doutoranda do Departamento de Educação, na Universidade Estadual Paulista, São Paulo - SP, Brasil.

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do cumprimento dos programas estabelecidos em trabalhar com a imagem clássica de aprender


por lei e para que os seus educandos atinjam os por meio da imitação, de ensaios, de erros e da
objetivos propostos nesses mesmos programas. camaradagem.
A importância da opinião do PC acerca da for- Essa temática leva-nos a pensar sobre
mação inicial do futuro professor de EF poderá a relação do PC com o estagiário, pensando
nos dar uma ideia mais concreta da adequação no processo de auxílio para que o mesmo se
estrutural dos cursos superiores de EF na pre- torne um professor de EF competente. Será que
paração dos futuros professores. os PC das diferentes Instituições orientam os
Nesse sentido, o presente estudo tem estudantes estagiários de uma forma equitativa
como objetivo refletir sobre as perspetivas e e justa, seguindo as normativas propostas
os pontos de vista dos PC, no que diz respeito pelos Coordenadores do curso e Supervisores
à preparação do EE no seu primeiro contato pedagógicos das Instituições?
com a realidade escolar, visto serem eles os De fato, existem estudos que nos dizem
que mais interagem com o EE nessa fase que o insucesso no ensino do EE se dá devido
final do seu percurso de formação. Dessa aos comportamentos dos alunos na aula, ao
forma, tentaremos perceber como a formação planejamento das aulas e a questões relativas
acadêmica dos estudantes está orientada para à realização da aula (ELLWEIN; GRAUE;
capacitá-los de competências e conhecimentos COMFORT, 1995).
necessários para os desafios atuais na docência Muitos professores iniciam a sua função
em EF. de cooperante com a ideia de que o seu trabalho
é socialmente significativo e gratificante, no
entanto essa perspetiva parece desvanecer-se
FORMAÇÃO INICIAL DE à medida que interagem com outros valores e
PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA princípios, chegando a fazer uma reavaliação
do seu investimento na formação inicial.
Cooperantes e supervisores são dois Ao serem contactados pelas instituições
interlocutores na prática pedagógica, que superiores, os Cooperantes esperam ser
são, conforme as conjunturas, aliados ou capazes de corresponder às expectativas das
adversários. Os orientadores da prática podem mesmas. Contudo, rapidamente percebem que
marcar positiva ou negativamente o futuro o que esperam de si são as diretrizes técnicas
professor, influenciando, muitas vezes, as relacionadas essencialmente ao ato didático
atitudes que estes poderão assumir no futuro (SILVEIRINHA, 2011).
enquanto profissionais (SILVEIRINHA, 2011). Nesse sentindo, considerando o conjunto
Tardif e Lessard (2005) propõem uma de vias profissionais, pode-se dizer que é Estágio
descentralização da gestão das práticas em Pedagógico, no caso atrelado à EF, que assume
que haja uma negociação entre instituição e o caráter profissionalizante mais sofisticado e
escolas para uma compreensão idêntica dos exigente. Tornar-se professor, com autonomia
objetivos e das abordagens de formação, numa e responsabilidade, é particularmente sensível
tentativa de aproximação de pontos de vista. nessa área, tendo em conta as especificidades
Também, aqui se coloca o problema vinculado da EF e à necessidade de conquistar um estatuto
ao recrutamento dos PC e dos Supervisores mais adequado na instituição escolar (BRÁS;
que, muitas vezes, são profissionais que se BOM, 1997).
interessam pela formação inicial, mas insistem

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O PROFESSOR COOPERANTE não só para com o próprio


EE, mas também para com
ambas as instituições de
Não se pode abordar a reflexão na ensino (escola que recebe
formação inicial de professores de EF, sem os estudantes estagiários e
estabelecimento de ensino
falarmos do papel que o PC tem sobre o EE. Este superior). De facto, o PC
promove o desenvolvimento de metodologias assume um papel de parti-
cular relevância na medida
e técnicas de ensino apreendidas durante todo em que é ele o elemento que
o percurso acadêmico, assumindo-se, dessa efetiva o elo de ligação en-
tre o futuro profissional e o
forma, como ator-autor do processo educativo
meio profissional (SILVEI-
em que está inserido. Assume-se em sua prática
RA, 2011, p. 40).
reflexiva, tornando-se também competente para
a necessária autocrítica, visão que lhe permite
Os PC são, por isso, uma referência
aceitar, adaptar e rejeitar sugestões inseridas no
fundamental de todo o processo de estágio
contexto de aula (SILVEIRINHA, 2011).
na perspetiva dos estagiários, pois são vistos
O Estágio Pedagógico corresponde a um
como práticos conhecedores da realidade no
ano de transição entre o mundo da universidade
terreno do ensino em EF, tornando mais fácil e
e o mundo da escola, marcado por um conjunto
gratificante a adaptação à atividade de ensino.
de ambiguidades de papéis e de relações, as
Contudo, os Cooperantes foram
quais conduzem o estagiário a viver todas as
formados em lugares diferentes e possuem
contradições e sentimentos de ambivalência,
experiências que os diferem, apresentando
que resultam da duplicidade de papéis de
então modelos de formação inicial (estrutura e
professor e estudante (ALBUQUERQUE;
conteúdo dos planos de estudo) e de orientações
GRAÇA ; JANUÁRIO, 2005).
conceituais (diversidade de valores, finalidades,
Essa situação origina, no EE, um
conteúdos e procedimentos que integram
conflito de identidade que introduz desconforto
e insegurança na sua vivência do estágio. No os programas de formação de professores)
entanto, os estudantes estagiários valorizam que dão tônicas distintas às suas convicções
muito o papel do PC, pois identificam nele pedagógicas, possibilitando reflexões
a “ponte” de que necessitam para atingir os (ALBUQUERQUE, 2003).
requisitos necessários para se imporem nos Também isso é estendido ao Orientador,
seus locais de trabalho, tanto do ponto de vista pois é o responsável na Instituição pelos
técnico como pedagógico e socioprofissional estudantes estagiários, sendo crucial a ação
(ALBUQUERQUE; GRAÇA; JANUÁRIO, dos orientadores da prática, cooperante e
2005). supervisor. Vários estudos têm incidido sobre
os papéis desses orientadores, sobre as suas
A atividade de ser PC, não características pessoais e profissionais, funções,
é imposta, sendo, uma de-
cisão do próprio professor. estilos de orientação e supervisão.
Não obstante desta decisão Mas quem são esses orientadores? Que
pessoal, esta tende a colocar
um conjunto de questões re- concepções e crenças estão por trás da sua ação?
sultantes do próprio exercí- Que formação possuem para o cargo? Perante
cio da atividade. Em parte,
porque agora é uma função
a ausência de critérios para o desempenho
de grande responsabilidade, dessa função, continua-se a recrutar, para

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cooperantes, pessoas com experiência no vai sendo feita ao longo da recolha, anotando
terreno e, para supervisor, qualquer docente da nas margens ao lado dos registros as prováveis
instituição de formação. categorias em que tal parte poderá ser inserida,
de modo a facilitar o processo (RIBEIRO,
2008).
METODOLOGIA A categorização é uma operação de
classificação de elementos constitutivos de
O objeto de estudo na investigação um conjunto por diferenciação, com critérios
qualitativa não são os comportamentos, mas previamente definidos. O processo de
as intenções e situações, ou seja, trata-se de categorização no nosso estudo foi fornecido
investigar ideias, de descobrir significados nas pelo guião da entrevista, previamente validado
ações individuais e nas interações sociais a por método de peritagem por meio de dois
partir da perspetiva dos atores intervenientes no experts na investigação da área da Educação.
processo. A investigação de índole qualitativa Desse modo, as categorias estavam previamente
baseia-se no método indutivo, porque o definidas por meio de uma organização dos
investigador pretende desvendar a intenção, fundamentos teóricos recolhidos em uma fase
o propósito da ação, estudando-a na própria inicial da nossa pesquisa.
posição significativa; isto é, o significado tem
um valor quando inserido nesse contexto,
adotando a postura de quem tenta compreender PARTICIPANTES
a situação sem impor expectativas prévias ao
fenômeno estudado (COUTINHO, 2011). Participaram do nosso estudo sete PC
A análise da entrevista tor- de duas Instituições do Ensino Universitário
nou-se nos últimos anos de- em Portugal, todos eles do sexo feminino, com
signação central a um vasto
conjunto de abordagens nas idade entre 41 e 56 anos, com experiência na
ciências sociais. O desen- orientação de estágio que varia entre 2 e 12
volvimento de análises dis-
cursivas não é contudo um anos. No que concerne à atividade profissional
fenómeno isolado, poden- relacionada com a disciplina de EF, o tempo de
do, antes, ser visto como
parte de um movimento
serviço das entrevistadas varia entre 16 e 29
interdisciplinar registado anos. Todas as Professoras Cooperantes foram
na investigação em socio- desportistas, ou tiveram contato com alguma
logia, antropologia e outras
ciências sociais para os fe- modalidade, entre elas, fitness, dança, natação
nômenos comunicacionais e e atletismo.
linguísticos. Por esta razão
é difícil falar em «discurso»
ou «análise do discurso»
como uma entidade simples
ou como uma abordagem RECOLHA DE INFORMAÇÃO
uniforme de procedimentos
de investigação (AZEVE-
DO, 1998, p. 107).
A entrevista é uma técnica de pesquisa
que proporciona ao investigador colher
A análise de conteúdo pressupõe a diretamente informações referentes ao seu
codificação dos dados como uma fase decisiva objetivo de estudo, a fim de solucionar
da investigação qualitativa, isto é, a codificação um problema advindo de alguma situação

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vivenciada pelo mesmo, além de ser a fonte Quadro 1 – Dimensão Formação de professores,
mais comum de colheita de informação em componentes e categorias
pesquisa qualitativa (THOMAS; NELSON, Formação de Professores
2002). Ca1- Diferenças entre os EE
C1
Segundo Gil (2009), a entrevista é pré e pós Bolonha
Currículo da
Ca2 – Características progra-
uma forma de diálogo assimétrico, em que Formação
máticas
uma das partes procura coletar dados e a outra Inicial do EE
Ca3 – UC (UCs)
se apresenta como fonte de informação. Na
generalidade, é definida como uma conversa C2 Ca1 – Domínio do EE
intencional cuidadosamente planejada, que Competências Ca2 – Dificuldade do EE
do EE Ca3 – Soluções para o EE
se desenrola entre duas ou mais pessoas, com
momentos distintos, devendo-se iniciar por
C3 Ca1 – Envolvimento do EE
uma conversa informal. Conhecimentos na escola
Dessa forma, foi estruturada uma do EE Ca2 – Prática Pedagógica
entrevista do tipo aberta, que, de acordo com
Flick (2005), é algo que exige dos investigadores
Currículo da formação Inicial do EE (C1)
e dos entrevistados um envolvimento mais
O primeiro componente diz respeito
estreito. Construiu-se um roteiro com uma
ao currículo da formação inicial do EE (C1).
sequência em que as questões e os temas a
Desse componente emergiram três Categorias
abordar foram previamente determinados. A
(Ca).
estrutura de base do roteiro foi fundamentada no
Os PC têm diferentes opiniões em
quadro conceitual que alimenta a problemática
e os objetivos deste estudo. relação à adequabilidade do currículo atual,
A estratégia da entrevista pretendeu isto é, três dos entrevistados dizem que ainda
combinar um questionamento mais direto e o não conseguem dar uma resposta clara por ser
objetivo com um conjunto de questões relativas um currículo adaptado recentemente.
aos pressupostos do nosso estudo, para que, “Este ano é o 2º ano que eu
dessa forma, a pesquisa realizada fosse ao estou a orientar já com os
estudantes estagiários de
encontro dos objetivos perspetivados. Bolonha. É muito compli-
cado ter já assim uma pers-
petiva clara”. (E1)

APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS “É muito difícil responder


diretamente e dizer que este
currículo está ou não ade-
De forma a obter um quadro geral dos quado”. (E2)
componentes que se relacionam ao objetivo da
investigação, abaixo segue a organização da Apesar de não ter uma opinião formada
informação obtida nas entrevistas com os PC, em relação à adequabilidade do currículo, E2
englobando as suas categorias. comenta que está de acordo com a estruturação
programática do curso, referindo ainda que essa
estrutura está mais bem estruturada e responde
às principais dificuldades do futuro professor
de EF:

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“(…) há toda uma reflexão ca… o que lhes dá divisas


constante, sistemática, aula menores do que as que tí-
a aula e penso que em ter- nhamos no nosso tempo”.
mos de aprendizagem para (E4)
desenvolver competências
no âmbito da organização “Neste momento, há al-
e gestão da prática pedagó- gumas falhas em algumas
gica, sobretudo aí, acho que modalidades em relação aos
as condições são melhores”. diplomados mais antigos”.
(E2) (E6)

Já os restantes dizem que o currículo Por sua vez, E2 afirma que não há
atual não está adequado, fundamentalmente diferenças entre os Estagiários pré e pós
pela diminuição da carga horária das UCs Bolonha, referindo ainda que o modelo
Práticas: “Para mim, a maior lacuna de Bolonha atual favorece a apreensão de competências
é a diminuição da carga horária”. (E4) necessárias para o exercício da docência em
Dentro desse componente que incide no EF: “Acho que globalmente este modelo é
currículo, emergiram novas categorias, sendo melhor para os estudantes estagiários”. (E2)
a primeira sobre as diferenças existentes entre Pela maioria das opiniões dos PC,
os Estudantes Estagiários que frequentaram um podemos mencionar que o conhecimento que
curso antes da entrada do Processo de Bolonha os Estudantes Estagiários têm da realidade
e os que estão no atual regime. A primeira escolar durante a sua formação é escassa e, por
categoria denominou-se diferenças entre os esse motivo, consideram que deveria existir um
Estudantes Estagiários pré e pós Bolonha contato prévio, durante os anos precedentes,
(Ca1). com essa mesma realidade.
Sobre esse item, a maioria dos PC afirma “Se calhar na parte da licen-
que os Estudantes pré-Bolonha chegavam ao ciatura debruçarmo-nos um
pouco mais no antigamente.
seu ano de estágio com uma maior preparação Maior consistência do co-
para abordar as Unidades Didáticas na escola. nhecimento profissional do
professor e da forma como
Dessa forma, seria importante que o atual este vai transmitir os seus
currículo de formação de professores de EF conhecimentos”. (E1)
abordasse as UCs relacionadas com a Atividade “Familiarizarem-se com a
Física, Pedagogia e Didática mais cedo. realidade das escolas faci-
lita um bocadinho o que é
“Parece-me que era neces- ter contato com a realidade,
sário, eventualmente, refor- ter contacto com os alunos”.
(E6)
çar mais as UCs relaciona-
das com a atividade física
e, por outro lado, também Como segunda categoria, nomeamos
deveriam iniciar mais cedo as características programáticas do currículo
a prática pedagógica e a di-
do curso de formação inicial em EF (Ca2).
dática”. (E1)
Existem aspectos positivos referenciados pelos
“Só tem uma lacuna que eu PC em relação ao currículo atual. São abordadas
acho muito grande e penso disciplinas vocacionadas com os valores, a ética,
que com Bolonha as coisas
ficaram mais complicadas, deontologia e cidadania. Segundo eles, esse
que é a carga horária práti- currículo tem disciplinas fundamentais para o

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desenvolvimento, formação e socialização do “Este modelo não é o me-


lhor sob um ponto de vista
futuro professor de EF, mas é preciso que haja monetário e de estatuto”.
um fio condutor entre essas disciplinas para (E2)
fazer entender aos estudantes a importância de Finalmente, como terceira categoria do
todas as disciplinas e a relação existente entre Currículo, surgiram as UCs (Ca3) que estão
elas: presentes na formação acadêmica do futuro
“Penso que todo o currícu-
Professor de EF. No que diz respeito ao programa
lo também tem uma série curricular dos cursos de formação inicial de
de cadeiras que desenvolve professores de EF, existem UCs nos programas
competências de auto dida-
tismo, de uma prática refle- nacionais de EF que não são abordadas nas
xiva que deve acompanhar instituições formadoras. Os próprios PC
toda a sua carreira e um dos
objetivos do estágio pro-
admitem a necessidade de realizarem formação
fissional é que eles tenham contínua, no sentido de aprenderem a abordar
uma iniciação profissional e lecionar os novos conteúdos previstos nos
neste último ano. Esta ini-
ciação profissional far-se-á programas de EF.
na escola com o apoio de
duas pessoas (do professor “É impossível uma escola
orientador da faculdade e do de formação abarcar todas
PC na escola)”. (E2) as modalidades”. (E2)

“Penso que eles têm uma “Houve assim uma certa ex-
formação que lhes permite, plosão de atividades que eu
com investimento, chegar também não abordei na mi-
lá”. (E6). nha formação inicial”. (E6)

“Quase ninguém fez dança,


Por ser necessária uma especialização
quase ninguém fez judô,
para a docência nos ensinos básico e secundário, ninguém teve esgrima, só
esse currículo limita, de certa forma, as opções que depois chegam aqui à
escola e têm que dar”. (E3)
na integração ao mercado de trabalho. As
questões relacionadas com a gestão da aula, Existem UCs que vão sendo inseridas
questões administrativas e sociais ficam um nas instituições formadoras para dar conta das
pouco aquém do que é esperado para ser um
lacunas existentes na formação de professores.
professor na escola:
As metodologias de investigação são umas
“(…) Com Bolonha só é dessas UCs abordadas no atual currículo. Não
professor quem de fato está
interessado em ser profes- existe, no entanto, consenso na opinião dos
sor de EF”. (E1) PC em relação à assimilação dos conteúdos
“Em alguns aspetos penso
dos programas dessas mesmas unidades. Além
que não, uma vez que hou- disso, e apesar de ser abordada na sua formação
ve grandes alterações a ní- acadêmica, existe falta de conhecimento em
vel social e administrativo e
as funções de professor têm relação à legislação vigente por parte do EE.
vindo cada vez a ser mais
abrangentes exigindo um “As metodologias de inves-
perfil de professor que está tigação são importantes e
um pouco distante do que enriquecedoras para o de-
hoje é exigido na Escola senvolvimento profissional
destes profissionais”. (E4) do EE. Sinto que vêm mais

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preparados no domínio da o domínio do EE no seu ingresso no estágio


investigação científica”.
(E1) pedagógico.
Na Categoria Competência do EE,
“Nestes 2 anos de especia-
lização também existem
verificamos consenso na opinião dos PC, no
algumas falhas em relação que diz respeito ao domínio (Ca1) que o EE
a alguns conhecimentos, demonstra no seu contato com a realidade
nomeadamente e inclusi-
vamente na elaboração de escolar. Apesar dessa constatação, os PC
trabalhos científicos e na comentam que, no curso pré Bolonha, os EE
utilização de novas tecnolo-
gias”. (E7) vinham com uma maior solidez em relação às
UCs que constituem o currículo.
“Tudo que é legislação,
acho que os EE têm ali uma “A verdade é que me parece
falha, mas também não sei que no currículo anterior os
como é que a faculdade
estudantes estagiários vi-
pode suprir isso”. (E2)
nham eventualmente com
uma solidez maior no que
As UCs presentes no ano de estágio não diz respeito à parte das dis-
favorecem a aquisição de experiência do EE. ciplinas curriculares”. (E1)
Os PC dizem que, para favorecer a integração “Posso afirmar que com-
e aquisição de competências, o estagiário deve parativamente, os estagi-
se concentrar integralmente no seu estágio ários que tenho este ano e
os estagiários que tinha há
pedagógico. 8 ou 9 anos, são diferentes
e inferiores no domínio dos
“Os EE deviam-se concen-
trar mais na ação do está- requisitos de ordem prática,
gio. O que acontece é que físico e desportiva”. (E2)
muitas vezes nós queremos
avançar, temos coisas para “Para aquilo que se ensi-
tratar, queremos ser mais na na escola, até agora tem
exigentes ao nível do está- sido suficiente, embora noto
gio e confrontamo-nos com que a nível do desempenho
a necessidade dos EE terem motor eles cada vez chegam
disciplinas para fazer, que a dominar menos”. (E3)
têm que estudar, têm testes
para fazer, têm trabalhos
para fazer. Isso muitas ve- Para que esse domínio e essas com-
zes também dificulta um petências sejam desenvolvidos, é necessário
bocadinho para sermos
mais exigentes e eles mais
que o PC transmita todos os seus conhecimen-
empenhados”. (E7) tos aos futuros professores de EF. Se tal não
acontecer e não houver esse domínio por parte
Competências do EE (C2) dos EE, vai haver competências de ensino que
não serão consolidadas nesse período. Porém,
O segundo componente diz respeito às a aquisição dessas competências profissionais
competências do EE. A sua análise é importante vai além dos estágios; trata-se de algo que se
para compreendermos de que forma os PC desenvolve durante toda a vida profissional.
concebem a assimilação das competências
por parte do estudante durante a sua formação “O profissional forma-se ao
longo da vida mas há com-
acadêmica. Dentro da C2 surgiram três petências que é necessário
categorias, estando a primeira relacionada com dominar no final de um cur-

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so superior e, verifico, que o dade, têm algumas dificul-


nível de exigência ao longo dades em transmitir o gesto
destes anos tem diminuído técnico correto”. (E7)
desde a formação pré uni-
versidade”. (E6) “Para ensinar qualquer coi-
“Não vamos querer que eles sa é muitíssimo vantajoso
num ano de estágio saiam ter o domínio desse conte-
daqui a saber tudo, nem údo, se não partirmos desse
pensar!” (E7) princípio, como é evidente,
existem consequências a
“Há conteúdos básico na nível das competências de
prática que caraterizam a ensino”. (E2)
nossa disciplina que tem de
ser dominados, sem dúvida Apesar de os PC perceberem a
e, quando não são domina-
dos, põem em causa as com- importância da aquisição de competências
petências de ensino. Porque durante a formação acadêmica do EE, os mesmos
são as competências de
ensino na nossa área e, de notam que existe pouca aquisição dos conteúdos
fato, há conteúdos especí- práticos das unidades didáticas. Os PC notam
ficos. Por isso é que somos
diferentes do português ou
uma maior diferença nas competências de
da matemática, porque te- ensino nos desportos coletivos em relação aos
mos conteúdos específicos individuais, isto é, estão mais bem preparados
que são de ordem prática,
técnico-táticos, com base para lecionar desportos coletivos.
nas diferentes modalidade
desportivas que caraterizam “Em termos da prática pe-
a nossa cultura desportiva”. dagógica é o que eu mais
(E2) sinto. Há de fato um menor
domínio dos conteúdos prá-
“Essas competências vão-se ticos da nossa área”. (E4)
adquirindo ao longo da vida
profissional”. (E4) “Sou da opinião que é uma
ano de muito trabalho, de
muito estudo, de muito tra-
Perante essa situação, a interação balho individual, também
entre o EE e a prática desportiva também é feito em casa. Acho que
uma componente relevante na opinião dos eles até podem numa ou ou-
tra área saber a teoria mas,
PC. É importante os EE terem contato com depois, não a sabem aplicar
alguma modalidade desportiva para uma na prática, portanto eu acho
que falta-lhes essencial-
melhor integração e domínio dos componentes mente experiência prática”.
pedagógicos. Assim, o EE que passou pela (E5)
experiência de ser treinador ou atleta tem “O atletismo é constituído
competências mais consolidadas na prática por um conjunto de conteú-
pedagógica. dos, nomeadamente os téc-
nicos como o salto em altu-
“Um aluno que passou pela ra e comprimento. É onde
faculdade e ao mesmo tem- noto algumas carências por
po passou por um clube, por parte deles. Depois nos des-
uma situação de treino e de portos coletivos já não noto
atleta, tem algumas boas assim tanto”. (E7)
competências resolvidas”.
(E1) Ainda na categoria da competência
“Quando não têm grande
do EE (Ca2), surgiu a segunda categoria, que
experiência nessa modali- diz respeito às dificuldades que o EE sente

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quando inicia o seu estágio. Os PC dizem que é necessário mais tempo para consolidar
que se o estagiário não conseguir transmitir o a aprendizagem do EE, porque a sua falta de
conhecimento da melhor forma, mas conseguir interação com a realidade escolar durante a
demonstrar esse conhecimento (saber fazer), os sua formação acadêmica é notória. Assim, ele
alunos conseguem mais facilmente apreender deveria ter um maior contato com essa realidade
esses conteúdos. Para os PC, as principais para que a sua integração fosse feita de uma
dificuldades encontradas nos EE em relação às forma mais progressiva e não tão intensiva.
unidades didáticas abordadas na escola é a falta “Se bem que reconheço que
de preparação em relação à dança, ginástica, a prática pedagógica feita
voleibol, jogos de luta e badminton. entre pares, ou seja aluno
para aluno de licenciatura,
“Na ginástica acabo por não é a mesma coisa do que
perceber que eles até fazer a mesma prática com
alunos de uma escola”. (E5)
sabem fazer, mas depois
não sabem como dar o
“Perceber a organização
feedback correto ao aluno,
institucional da escola e as
para que o aluno também
suas diferentes estruturas.
consiga fazer. Isso acontece
Os estagiários percebem
essencialmente, nos jogos
esses aspetos no contato di-
desportivos coletivos. Eles
ário, mas deveriam ter algu-
são capazes de olhar para
ma formação teórica a este
os alunos, veem que eles
nível para poderem entrar
não estão a fazer aquilo
melhor na escola”. (E4)
que lhes é pedido, que não
está correto, mas não sabem
como intervir”. (E2) Os PC afirmam ser necessário mais
tempo para consolidar a aprendizagem do
“Tiveram de fazer uma ação
de formação de badminton e EE, pela pouca prática pedagógica existente
tiveram de contactar pessoas no currículo atual. Assim, as competências
que estivessem dentro da
modalidade. Tiveram que deveriam ser adquiridas ao longo do percurso
pesquisar, tiveram que acadêmico do EE e não apenas no ano de
tentar inteirar-se daquilo
que é a modalidade e da
estágio.
abordagem da modalidade
“O que lhes vamos incutin-
na escola”. (E5)
do é temos que fazer for-
mações por fora, mas isso
“Há um conjunto de
acontece com Bolonha,
modalidades que não são
aconteceu connosco, mas
abordadas no plano de
também não saímos a saber
estudo das instituições fazer tudo, tivemos que nos
formadoras e que o auto formar”. (E7)
professor no seu dia-a-
dia vai-se deparar com “Acho que era importan-
elas. Eventualmente até te haver períodos ao longo
a dança, o badminton, da formação inicial dos es-
lutas, patinagem. Essas tagiários em que eles fos-
modalidades mais sem aprendendo algumas
alternativas”. (E1) competências, não sejam
as competências todas num
Finalmente, como última categoria, ano só, penso que isso tam-
bém não é muito positivo
surgiram soluções para melhorar as porque é demasiada infor-
competências do EE (Ca3). Os PC consideram mação”. (E6)

Rev. Educ. Fis/UEM, v. 24, n. 4, p. 519-533, 4. trim. 2013


A percepção dos professores cooperantes sobre os conhecimentos e as competências dos estudantes 529

Para suprir as dificuldades, como um menor compromisso e, consequentemente,


sugestão, os PC recorrem ao uso de o conhecimento do conteúdo pedagógico seja
alternativas de metodologias de ensino, como menor.
vídeos, trabalhos em casa e experimentar os
“Ou estão em clubes, ou es-
movimentos. tão em empregos alternati-
vos…são operadores de cai-
“Podemos utilizar os vídeos xa, são… e não sei até que
como assessores para que ponto é que estar a roubar
quando não temos um alu- tempo não está a enviesar
no que execute bem, a vi- um bocado este processo”.
sualização nos possa apoiar (E1)
na demonstração da correta
execução”. (E7) “Falta de experiência e falta
de conhecimento. Acho que
“Há os que mesmo tendo fa- as duas coisas. Muita falta
lhas de conhecimento teóri- de experiência. Embora te-
co, ou prático vão à procura nha todos os anos estagiá-
e trabalham muito em casa rios que trabalham nas áreas
para superar essas dificulda- do fitness, também apanho
des. São mais fortes numas aqueles que vêm completa-
áreas ou noutras, mas há mente a zero e essa falta de
também aqueles que tendo experiência em especial no
dificuldades e reconhecen- 1º período é brutal”. (E3)
do que têm dificuldades,
não fazem o trabalho de Finalmente, a última categoria incide
casa. Mesmo assim, conti-
nuo a achar que atualmente no conhecimento do EE na sua prática
também em termos de teo- pedagógica (Ca2). Os PC afirmam que os
ria eles vêm menos prepara-
EE têm os conhecimentos necessários para a
dos”. (E3)
prática pedagógica, porém têm dificuldades em
“Eles também têm que per- colocar esses conhecimentos em prática.
ceber isso, é que estão ali,
são professores e mesmo “Eu acho que eles têm o co-
que a minha formação ini- nhecimento, mas a dificul-
cial não tenha contemplado dade é colocar na prática”.
esses aspetos têm que tentar (E3)
arranjar maneiras para supe-
rar e é isso que lhes transmi- “Eles são todos muito di-
to, fazendo aquilo que eles ferentes. Penso que alguns,
próprios também não sabem não por falta de conheci-
fazer, no fundo”. (E4) mento, mas por falta de sa-
ber executá-la, e como têm
Conhecimentos do EE (C3) alguma dificuldade em exe-
cutar, talvez possam ter al-
guma dificuldade em dizer
O último componente diz respeito aos como se faz”. (E7)
conhecimentos do EE. Dentro deste, surgiram
“Sabem muito da parte te-
duas categorias, estando a primeira relacionada órica, mas depois colocá-la
com a prática pedagógica do EE (Ca1). Segundo na prática e por os alunos
a fazer, que é para isso que
os PC, existe alguma falta de conhecimentos nos estamos aqui já é mais
pelo fato de os EE estarem envolvidos em outras complicado”. (E5)
atividades ou empregos. Isso faz com que haja

Rev. Educ. Fis/UEM, v. 24, n. 4, p. 519-533, 4. trim. 2013


530 Resende et al.

O PC diz que a ligação do Estudante As alterações curriculares dos


a uma modalidade favorece-o, pela sua cursos de 1º e 2º ciclo no Ensino Superior
experiência no contato com terceiros e na provocaram uma redução drástica no tempo
transmissão de conhecimentos, que depois de aprendizagem dos estudantes do ensino
pode fazer o transfer para as salas de aula. superior. Atualmente, o 1º ciclo é constituído por
3 anos curriculares (Licenciatura) e o 2º ciclo
“A experiência de anos tam-
bém é importante para ad- por 2 anos curriculares (Mestrado). Segundo
quirir os seus moldes de le- os entrevistados, a diminuição temporal e este
cionar e superarem algumas aglomerar de conteúdos das UCs fez com que
das dificuldades que possam
ter. Em alguma modalidade, os atuais Estudantes Estagiários não estejam
por exemplo”. (E7) tão bem preparados para enfrentar a realidade
“Ou porque eram jogado-
escolar.
res de handebol, ou porque Silveirinha (2011) afirma que é
eram jogadores de basquete, importante, no currículo da formação inicial
ou porque eram nadadores,
gente que está ligada à prá- de professores, preparar um docente capaz
tica desportiva, gente que de enquadrar e reenquadrar os problemas que
vive a prática desportiva di- enfrenta e de se adaptar a novas situações.
ária e que depois consegue
transportar para a aula o que Tornar possível essa formação implica a
é que é mais importante, criação de estágios de longa duração, uma
mas quando isso não acon- memória profissional, uma alternância
tece, quando são alunos que
têm uma prática desportiva formação/trabalho, uma análise reflexiva, o
não tão regular, não tão de aconselhamento, entre outros.
alto rendimento, a coisa aí
dificulta um bocado”. (E4)
Apesar de os PC perceberem que os EE
pré-Bolonha tinham uma melhor preparação
e estavam mais capazes para enfrentar as
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS dificuldades em uma aula de EF pelo fato de
eles terem tido mais tempo para abordar as
Do nosso estudo, surgiu o Domínio UCs, consideram que o atual currículo aborda
“Formação de Professores de EF”. Esse disciplinas muito importantes e de diferentes
domínio apresenta três componentes, sendo áreas científicas que melhoram a formação do
eles o Currículo, as Competências do EE e os futuro Professor de EF. Essas disciplinas são
seus Conhecimentos. orientadas para a construção de valores, ética,
Os PC demonstram alguma dificuldade deontologia, formação pessoal e profissional,
em falar sobre a adequabilidade do currículo entre outras.
do curso pelo fato de este ser muito recente. Pode-se então sugerir que a estrutura
O Processo de Bolonha surgiu em 1999, e do curso de formação de professores deve
foram necessários praticamente 10 anos para ser multicurricular; isto porque a diversidade
que fosse institucionalizado no ensino superior curricular é, acima de tudo, uma questão
em Portugal. Foi apenas a partir de 2010 que ética, dependente de muitos interesses, que, de
todas as instituições tiveram a obrigatoriedade modo algum, podem servir para estigmatizar
de seguir as premissas de Bolonha para validar e desnivelar pedagogicamente os alunos
seus cursos (AMARAL, 2005). (PACHECO, 2008).

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A percepção dos professores cooperantes sobre os conhecimentos e as competências dos estudantes 531

A formação profissionalizante deverá de estes crescerem profissionalmente. Todos


visar a uma maestria profissional, com a os entrevistados, exceto E2, declaram que os
finalidade prática de construir e desenvolver estagiários chegam à escola com um menor
competências profissionais no exercício da domínio prático e consideram que, quando
docência e que, simultaneamente, propicie a estão ligados a alguma modalidade desportiva,
apropriação de saberes profissionais plurais, a integração sai favorecida e o desenvolvimento
diversos, disciplinares, didáticos e pedagógicos, de competências pedagógicas são melhoradas.
assim como a construção de esquemas de Os EE também são reconhecidos como
percepção, de pensamento e de ação que fonte ou fator de aquisição, aprofundamento ou
permitam a mobilização desses saberes no reformulação de conhecimento por parte dos
exercício da profissão (SILVEIRINHA, 2011). PC. A preocupação em transmitir uma imagem
Os PC falam de UCs que estão em falta favorável de profissional obriga-o a cuidados
na formação acadêmica dos futuros professores redobrados de preparação e realização do
de EF e são fundamentais para abordarem seu ensino. Evidentemente, os problemas do
com competência as matérias existentes nos cotidiano, por vezes inesperados, colocados
programas curriculares dos ensinos básico pelos estagiários, impõem a necessidade
e secundário. Porém, um estudo realizado de reflexão conjunta. Reflexivamente, os
por Alvarez (2008) constata que os EE desafios colocados pelos estagiários e a
consideram que a formação inicial proporciona resposta que se encontra vão fazer com que o
a competência de ensino necessária para cooperante reaprecie o próprio ensino, a partir
lecionar as matérias e sentem-se preparados de novas possibilidades, de novos olhares
para desenvolver os Programas Nacionais de (ALBUQUERQUE; GRAÇA; JANUÁRIO,
EF. Essa diferença leva-nos a refletir sobre as 2005).
diferenças nas opiniões dos PC e dos Estudantes Landt (2002) estudou a influência
Estagiários. do desempenho do cargo do PC no
Após a análise das entrevistas, os PC desenvolvimento profissional do EE e verificou
revelam que a sua função para com o EE é que os cooperantes estavam convencidos
fundamental para o desenvolvimento das suas de que eram melhores professores, devido à
competências. Sem a ajuda do PC, os EE teriam orientação de estágio e que se sentiam mais
muitas dificuldades em evoluir tão rapidamente reflexivos acerca do seu ensino. Consideravam
em um ano letivo, como atualmente evoluem. ainda que a sua interação com os estagiários
Em relação a essa temática, Almeida e contribuía para a construção de conhecimentos
Biajone (2007) consideram que deve haver a e que a observação das aulas dos estagiários
elaboração de um repertório de conhecimentos lhes fornecia informação valiosa sobre a
para o ensino, tendo como referência os aprendizagem dos alunos.
saberes profissionais dos PC, tais como estes Nesse novo modelo curricular, os PC
os mobilizam e utilizam em diversos contextos constatam que os EE deveriam estar mais
do trabalho cotidiano, permitindo a introdução presentes na escola para se envolverem mais
de dispositivos de formação que visem habituar com as atividades escolares e afirmam que o
os futuros educadores à prática profissional. estagiário deve procurar formar-se e pesquisar
A ajuda do PC, apesar de ser fundamental fora do contexto escolar, para melhorar as suas
no crescimento do EE, não é a única forma competências.

Rev. Educ. Fis/UEM, v. 24, n. 4, p. 519-533, 4. trim. 2013


532 Resende et al.

Albuquerque, Graça e Januário (2005) No ensino das modalidades desportivas,


referem que a prática, ao ser problematizada, constatam um melhor domínio pedagógico
desencadeia a ação reflexiva, o que leva à dos desportos coletivos, comparativamente aos
procura por soluções lógicas para os problemas desportos individuais. Apreciam negativamente
que a própria prática levanta. Isso exige do o fato de os EE terem que frequentar UCs na sua
professor muita intuição, mas também muito formação acadêmica durante o ano de estágio,
comprometimento emocional e, de certo modo, pois a exigência dessa frequência condiciona a
assumir-se como responsável pela educação dedicação ao estágio e compromete o seu pleno
de outras pessoas. Depois de descobrir a sua envolvimento na escola.
maneira pessoal de ensinar, o professor assume- Evidenciam, ainda, a dificuldade no
se como facilitador e criador de situações que exercício de competências por parte dos EE
conduzam à aprendizagem. no ensino de UCs, como a dança, patinagem,
jogos de luta e badminton. Para contornar essas
dificuldades, os PC constatam que a ligação do
CONCLUSÃO EE com alguma modalidade desportiva enquanto
antigo praticante ou treinador diminui a falta
Os PC ainda não se sentem capazes dessas competências. Assim, os PC propõem
de fazer uma avaliação qualitativa quanto à uma maior interação e integração progressiva
formação pré e pós Bolonha. Do novo currículo durante a formação acadêmica como forma de
mencionam concordância com a estrutura e a suplantar as dificuldades individuais por meio
adequação do curso, porém consideram que de diferentes metodologias de ensino e de
existe uma lacuna em relação às disciplinas aprendizagem.
práticas das UCs. Assim, podemos sugerir Como corolário desta investigação,
que os PC compreendem que os estudantes sobressaem duas ideias fortes a sugerir
que frequentaram o curso de formação de reflexão por parte dos mentores dos currículos
Professores de EF pré-Bolonha, estavam mais da formação inicial de professores de EF:
bem preparados, do ponto de vista físico e a necessidade de os estudantes entrarem
técnico, em relação aos atuais. Apesar dessas em contato com a realidade escolar mais
diferenças, os PC consideram que os EE chegam precocemente, por meio de visitas e até
com melhores competências pedagógicas pelo acompanhamento, observando um professor, e
fato de começarem mais cedo com a prática o aumento do tempo dedicado às UCs de índole
pedagógica. Salientam igualmente que os EE prática.
estão mais bem preparados para a investigação.

THE COOPERATING TEACHERS PERCEPTION ON STUDENTS’ KNOWLEDGEAND SKILLS

ABSTRACT
The Cooperating Teacher (CT) areessentialfor skills development and knowledge of future physical education teachers. Through
asemi-structured interview, the purpose of our studyis to understand the perspectives and view sof CT with respectto the Teachers
Students (TS) preparationin their first contact with the school reality. We verified that the CT feel that TS start with knowledge, but
they cannot put theminto practice. This difficultyis due to the fact that the current curriculum have few hoursof practical subjects
for the TS developte aching skillsand learning. However, despitethe current curriculum does not meet all the requirements for the
professionalization has Curricular Units(CU) importante for the development of values, ethics, ethics and citizenship TS.
KEY-WORDS - Physical Education, Cooperative Teacher, Initial Teachers Training.

Rev. Educ. Fis/UEM, v. 24, n. 4, p. 519-533, 4. trim. 2013


A percepção dos professores cooperantes sobre os conhecimentos e as competências dos estudantes 533

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Endereço para correspondência: Larissa C. Benites - Avenida 24 A, n.1515 - CEP: 13506-900 - Rio Claro
São Paulo - Departamento de Educação - Universidade Estadual Paulista - UNESP
lari.benites@gmail.com

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