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21351
ARTIGOS ORIGINAIS
Rui Resende*
Ricardo Jorge Franco Lima**
Alberto Aires da Cruz Albuquerque***
Larissa Cerignoni Benites****
RESUMO
Os professores orientadores, chamados Professores Cooperantes (PC), dentro da realidade portuguesa, são fundamentais para
o desenvolvimento das competências e dos conhecimentos dos futuros professores de Educação Física (EF). Através de uma
entrevista semiestruturada, o objetivo do nosso estudo é compreender as perspetivas e os pontos de vista dos PC, no que diz respeito
à preparação do Estudante Estagiário (EE) no seu primeiro contato com a realidade escolar. Verificamos que os PC sentem que os
EE saem da formação acadêmica com conhecimentos, porém não conseguem colocá-los na prática. Essa dificuldade deve-se ao
fato de o currículo atual ter poucas horas de disciplinas práticas para que o EE desenvolva competências de ensino e aprendizagem.
Contudo, o atual currículo, apesar de não preencher todos os requisitos para a profissionalização, tem Unidades Curriculares (UC)
importantes para o desenvolvimento de valores, ética, deontologia e cidadania do EE.
Palavras-chave: Educação Física. Professor Cooperante. Estudante Estagiário.
cooperantes, pessoas com experiência no vai sendo feita ao longo da recolha, anotando
terreno e, para supervisor, qualquer docente da nas margens ao lado dos registros as prováveis
instituição de formação. categorias em que tal parte poderá ser inserida,
de modo a facilitar o processo (RIBEIRO,
2008).
METODOLOGIA A categorização é uma operação de
classificação de elementos constitutivos de
O objeto de estudo na investigação um conjunto por diferenciação, com critérios
qualitativa não são os comportamentos, mas previamente definidos. O processo de
as intenções e situações, ou seja, trata-se de categorização no nosso estudo foi fornecido
investigar ideias, de descobrir significados nas pelo guião da entrevista, previamente validado
ações individuais e nas interações sociais a por método de peritagem por meio de dois
partir da perspetiva dos atores intervenientes no experts na investigação da área da Educação.
processo. A investigação de índole qualitativa Desse modo, as categorias estavam previamente
baseia-se no método indutivo, porque o definidas por meio de uma organização dos
investigador pretende desvendar a intenção, fundamentos teóricos recolhidos em uma fase
o propósito da ação, estudando-a na própria inicial da nossa pesquisa.
posição significativa; isto é, o significado tem
um valor quando inserido nesse contexto,
adotando a postura de quem tenta compreender PARTICIPANTES
a situação sem impor expectativas prévias ao
fenômeno estudado (COUTINHO, 2011). Participaram do nosso estudo sete PC
A análise da entrevista tor- de duas Instituições do Ensino Universitário
nou-se nos últimos anos de- em Portugal, todos eles do sexo feminino, com
signação central a um vasto
conjunto de abordagens nas idade entre 41 e 56 anos, com experiência na
ciências sociais. O desen- orientação de estágio que varia entre 2 e 12
volvimento de análises dis-
cursivas não é contudo um anos. No que concerne à atividade profissional
fenómeno isolado, poden- relacionada com a disciplina de EF, o tempo de
do, antes, ser visto como
parte de um movimento
serviço das entrevistadas varia entre 16 e 29
interdisciplinar registado anos. Todas as Professoras Cooperantes foram
na investigação em socio- desportistas, ou tiveram contato com alguma
logia, antropologia e outras
ciências sociais para os fe- modalidade, entre elas, fitness, dança, natação
nômenos comunicacionais e e atletismo.
linguísticos. Por esta razão
é difícil falar em «discurso»
ou «análise do discurso»
como uma entidade simples
ou como uma abordagem RECOLHA DE INFORMAÇÃO
uniforme de procedimentos
de investigação (AZEVE-
DO, 1998, p. 107).
A entrevista é uma técnica de pesquisa
que proporciona ao investigador colher
A análise de conteúdo pressupõe a diretamente informações referentes ao seu
codificação dos dados como uma fase decisiva objetivo de estudo, a fim de solucionar
da investigação qualitativa, isto é, a codificação um problema advindo de alguma situação
vivenciada pelo mesmo, além de ser a fonte Quadro 1 – Dimensão Formação de professores,
mais comum de colheita de informação em componentes e categorias
pesquisa qualitativa (THOMAS; NELSON, Formação de Professores
2002). Ca1- Diferenças entre os EE
C1
Segundo Gil (2009), a entrevista é pré e pós Bolonha
Currículo da
Ca2 – Características progra-
uma forma de diálogo assimétrico, em que Formação
máticas
uma das partes procura coletar dados e a outra Inicial do EE
Ca3 – UC (UCs)
se apresenta como fonte de informação. Na
generalidade, é definida como uma conversa C2 Ca1 – Domínio do EE
intencional cuidadosamente planejada, que Competências Ca2 – Dificuldade do EE
do EE Ca3 – Soluções para o EE
se desenrola entre duas ou mais pessoas, com
momentos distintos, devendo-se iniciar por
C3 Ca1 – Envolvimento do EE
uma conversa informal. Conhecimentos na escola
Dessa forma, foi estruturada uma do EE Ca2 – Prática Pedagógica
entrevista do tipo aberta, que, de acordo com
Flick (2005), é algo que exige dos investigadores
Currículo da formação Inicial do EE (C1)
e dos entrevistados um envolvimento mais
O primeiro componente diz respeito
estreito. Construiu-se um roteiro com uma
ao currículo da formação inicial do EE (C1).
sequência em que as questões e os temas a
Desse componente emergiram três Categorias
abordar foram previamente determinados. A
(Ca).
estrutura de base do roteiro foi fundamentada no
Os PC têm diferentes opiniões em
quadro conceitual que alimenta a problemática
e os objetivos deste estudo. relação à adequabilidade do currículo atual,
A estratégia da entrevista pretendeu isto é, três dos entrevistados dizem que ainda
combinar um questionamento mais direto e o não conseguem dar uma resposta clara por ser
objetivo com um conjunto de questões relativas um currículo adaptado recentemente.
aos pressupostos do nosso estudo, para que, “Este ano é o 2º ano que eu
dessa forma, a pesquisa realizada fosse ao estou a orientar já com os
estudantes estagiários de
encontro dos objetivos perspetivados. Bolonha. É muito compli-
cado ter já assim uma pers-
petiva clara”. (E1)
Já os restantes dizem que o currículo Por sua vez, E2 afirma que não há
atual não está adequado, fundamentalmente diferenças entre os Estagiários pré e pós
pela diminuição da carga horária das UCs Bolonha, referindo ainda que o modelo
Práticas: “Para mim, a maior lacuna de Bolonha atual favorece a apreensão de competências
é a diminuição da carga horária”. (E4) necessárias para o exercício da docência em
Dentro desse componente que incide no EF: “Acho que globalmente este modelo é
currículo, emergiram novas categorias, sendo melhor para os estudantes estagiários”. (E2)
a primeira sobre as diferenças existentes entre Pela maioria das opiniões dos PC,
os Estudantes Estagiários que frequentaram um podemos mencionar que o conhecimento que
curso antes da entrada do Processo de Bolonha os Estudantes Estagiários têm da realidade
e os que estão no atual regime. A primeira escolar durante a sua formação é escassa e, por
categoria denominou-se diferenças entre os esse motivo, consideram que deveria existir um
Estudantes Estagiários pré e pós Bolonha contato prévio, durante os anos precedentes,
(Ca1). com essa mesma realidade.
Sobre esse item, a maioria dos PC afirma “Se calhar na parte da licen-
que os Estudantes pré-Bolonha chegavam ao ciatura debruçarmo-nos um
pouco mais no antigamente.
seu ano de estágio com uma maior preparação Maior consistência do co-
para abordar as Unidades Didáticas na escola. nhecimento profissional do
professor e da forma como
Dessa forma, seria importante que o atual este vai transmitir os seus
currículo de formação de professores de EF conhecimentos”. (E1)
abordasse as UCs relacionadas com a Atividade “Familiarizarem-se com a
Física, Pedagogia e Didática mais cedo. realidade das escolas faci-
lita um bocadinho o que é
“Parece-me que era neces- ter contato com a realidade,
sário, eventualmente, refor- ter contacto com os alunos”.
(E6)
çar mais as UCs relaciona-
das com a atividade física
e, por outro lado, também Como segunda categoria, nomeamos
deveriam iniciar mais cedo as características programáticas do currículo
a prática pedagógica e a di-
do curso de formação inicial em EF (Ca2).
dática”. (E1)
Existem aspectos positivos referenciados pelos
“Só tem uma lacuna que eu PC em relação ao currículo atual. São abordadas
acho muito grande e penso disciplinas vocacionadas com os valores, a ética,
que com Bolonha as coisas
ficaram mais complicadas, deontologia e cidadania. Segundo eles, esse
que é a carga horária práti- currículo tem disciplinas fundamentais para o
“Penso que eles têm uma “Houve assim uma certa ex-
formação que lhes permite, plosão de atividades que eu
com investimento, chegar também não abordei na mi-
lá”. (E6). nha formação inicial”. (E6)
quando inicia o seu estágio. Os PC dizem que é necessário mais tempo para consolidar
que se o estagiário não conseguir transmitir o a aprendizagem do EE, porque a sua falta de
conhecimento da melhor forma, mas conseguir interação com a realidade escolar durante a
demonstrar esse conhecimento (saber fazer), os sua formação acadêmica é notória. Assim, ele
alunos conseguem mais facilmente apreender deveria ter um maior contato com essa realidade
esses conteúdos. Para os PC, as principais para que a sua integração fosse feita de uma
dificuldades encontradas nos EE em relação às forma mais progressiva e não tão intensiva.
unidades didáticas abordadas na escola é a falta “Se bem que reconheço que
de preparação em relação à dança, ginástica, a prática pedagógica feita
voleibol, jogos de luta e badminton. entre pares, ou seja aluno
para aluno de licenciatura,
“Na ginástica acabo por não é a mesma coisa do que
perceber que eles até fazer a mesma prática com
alunos de uma escola”. (E5)
sabem fazer, mas depois
não sabem como dar o
“Perceber a organização
feedback correto ao aluno,
institucional da escola e as
para que o aluno também
suas diferentes estruturas.
consiga fazer. Isso acontece
Os estagiários percebem
essencialmente, nos jogos
esses aspetos no contato di-
desportivos coletivos. Eles
ário, mas deveriam ter algu-
são capazes de olhar para
ma formação teórica a este
os alunos, veem que eles
nível para poderem entrar
não estão a fazer aquilo
melhor na escola”. (E4)
que lhes é pedido, que não
está correto, mas não sabem
como intervir”. (E2) Os PC afirmam ser necessário mais
tempo para consolidar a aprendizagem do
“Tiveram de fazer uma ação
de formação de badminton e EE, pela pouca prática pedagógica existente
tiveram de contactar pessoas no currículo atual. Assim, as competências
que estivessem dentro da
modalidade. Tiveram que deveriam ser adquiridas ao longo do percurso
pesquisar, tiveram que acadêmico do EE e não apenas no ano de
tentar inteirar-se daquilo
que é a modalidade e da
estágio.
abordagem da modalidade
“O que lhes vamos incutin-
na escola”. (E5)
do é temos que fazer for-
mações por fora, mas isso
“Há um conjunto de
acontece com Bolonha,
modalidades que não são
aconteceu connosco, mas
abordadas no plano de
também não saímos a saber
estudo das instituições fazer tudo, tivemos que nos
formadoras e que o auto formar”. (E7)
professor no seu dia-a-
dia vai-se deparar com “Acho que era importan-
elas. Eventualmente até te haver períodos ao longo
a dança, o badminton, da formação inicial dos es-
lutas, patinagem. Essas tagiários em que eles fos-
modalidades mais sem aprendendo algumas
alternativas”. (E1) competências, não sejam
as competências todas num
Finalmente, como última categoria, ano só, penso que isso tam-
bém não é muito positivo
surgiram soluções para melhorar as porque é demasiada infor-
competências do EE (Ca3). Os PC consideram mação”. (E6)
ABSTRACT
The Cooperating Teacher (CT) areessentialfor skills development and knowledge of future physical education teachers. Through
asemi-structured interview, the purpose of our studyis to understand the perspectives and view sof CT with respectto the Teachers
Students (TS) preparationin their first contact with the school reality. We verified that the CT feel that TS start with knowledge, but
they cannot put theminto practice. This difficultyis due to the fact that the current curriculum have few hoursof practical subjects
for the TS developte aching skillsand learning. However, despitethe current curriculum does not meet all the requirements for the
professionalization has Curricular Units(CU) importante for the development of values, ethics, ethics and citizenship TS.
KEY-WORDS - Physical Education, Cooperative Teacher, Initial Teachers Training.
Endereço para correspondência: Larissa C. Benites - Avenida 24 A, n.1515 - CEP: 13506-900 - Rio Claro
São Paulo - Departamento de Educação - Universidade Estadual Paulista - UNESP
lari.benites@gmail.com