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A dimensão formadora do componente

curricular Estágio Supervisionado,


nos cursos de formação de professores

Arlete Vieira da Silva


Mestre em Ciências da Educação – UFPel;
Professora de estágio supervisionado no curso de
Letras - Departamento de Letras e Artes;
Coordenadora do Colegiado do Curso de Letras –
Universidade Estadual de Santa Cruz.
Ilhéus – BA [Brasil]
arlete@uesc.br

Trata-se de uma reflexão sobre como atualmente se tem constitu-


ído a disciplina Estágio Supervisionado nos cursos de licenciatura
e os encaminhamentos construídos de leituras (PICONEZ, 1998),
de contatos etnográficos com a realidade da escola pública de
educação básica e ainda de reflexões feitas com colegas do Fórum
de Metodologia e Prática de Ensino dos cursos de licenciatura da
Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Para situar a dis-
ciplina Estágio Supervisionado foi preciso inicialmente constatar
qual o papel da universidade como um dos centros de formação
de educadores em nível superior e, logo refletir sobre os cursos de
licenciatura e, como neles vêm se construindo a superação da
dicotomia entre a teoria e a prática na formação de educadores.

Palavras-chave: Curso de licenciatura. Estágio supervisionado.


Formação de educadores.

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1 Primeiras palavras especificamente dessa modalidade – curso de for-
mação de professores – o que mais adiante deverá
Considerando, inicialmente, que a univer- definir os papéis do componente curricular estágio
sidade tem-se constituído como um dos principais supervisionado nestes cursos.
centros de formação de professores em nível supe-
rior por meio de seus cursos de licenciatura convém
rever qual o seu papel como instituição de ensino e, 2 Cursos de formação de professores
principalmente como formadora de educadores para
a educação básica. É necessário, inicialmente, que os cursos de
Sendo a universidade um dos centros de formação de professores priorizem preparar edu-
produção do conhecimento, que se configura na cadores-pesquisadores para atuar na escola e nos
ciência, na tecnologia e na cultura, seu papel é de espaços alternativos educacionais. Pressupõe-se que
promover o avanço do saber e do saber fazer. No esses cursos proporcionem uma sólida formação
caso da formação de professores propriamente dito, teórica em todas as atividades curriculares – nos
além da construção do conhecimento, orienta sobre conhecimentos específicos a serem ensinados pela
como se dará essa construção. Nesses cursos é pos- escola básica e nos pedagógicos – tendo a pesqui-
sível afirmar que os componentes curriculares de sa educacional como princípio embasador; Assim
formação pedagógica, as metodologias de ensino, sendo, o profissional da educação deve ser capaz de
as atividades de prática de ensino e os estágios su- apropriar, construir e reconstruir o conhecimento
pervisionados têm assumido este objetivo. Esta cons- de forma que possa intervir na realidade, por meio
tatação procede quando verificamos que o embate de espaços educacionais, sempre em busca da con-
com a realidade da escola de educação básica se dá solidação da cidadania.
apenas nessas disciplinas. Pimenta e Lima (2004, p. 47) advertem para
Entretanto, outro papel que a universida- o papel da universidade “[…] como espaço for-
de deve assumir, segundo Alves (1995), é o de ser mativo da docência, uma vez que não é simples
um espaço de invenção, de descoberta, de busca formar para o exercício da cidadania de qualidade
de novos conhecimentos, que se caracterizam na e que a pesquisa é o caminho metodológico para
pesquisa, na socialização do saber. A dissemina- essa formação.”
ção desses novos conhecimentos se dá na forma de A formação do educador deve ser de caráter
ensino, de pesquisa e de extensão, haja vista que amplo, garantindo ao “formado” o domínio e
por meio da suposta indissociabilidade desse tripé compreensão da realidade de seu tempo, demons-
as ações da universidade corroboram as exigências trando uma consciência crítica e capacidade de
de transformação da sociedade. atuação como agente transformador do contexto
Diante desse papel desempenhado pela uni- em que se insere.
versidade e perseguindo a lógica de que os cursos de A superação da possível dicotomia entre a
formação de professores são ofertados nas universi- teoria e prática deve constituir-se como concepção
dades, e ou em centros de educação, devemos, neste de que o cotidiano da realidade escolar paralela-
momento, dar “um salto” nesta reflexão e tratar mente aos conhecimentos específicos caracteriza a

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formação nesses cursos. Para tanto, sua formação propõem como objetivos a instrumentalização, o
pedagógica deve ser iniciada nos primeiros períodos, domínio de técnicas como possibilidade do exercí-
corroborando com certeza de que o saber docente cio da docência com qualidade na educação básica.
não se constrói por complementação (PICONÊZ, Não é possível pressupor que o aumento de carga
1998), mas é um processo construtivo que ocorre horária do componente curricular e o treinamento
pela incorporação de conhecimentos e habilidades de métodos e técnicas a serem aplicadas assegurem
pedagógicas; nesse contexto, a pesquisa pedagógica a qualidade do ensino na educação básica.
(ANDRÉ, 1999) deve ser instituída como componen- A concepção acerca do papel do estágio su-
te transversal curricular ao longo do curso, o que pervisionado se coaduna com a conotação de uma
contribuirá para a formação do professor crítico- prática de ensino e estágios supervisionados articula-
reflexivo, estimulando a atitude investigativa como dos à pesquisa do cotidiano da escola e todas as suas
condição inerente ao exercício do magistério. nuances e idiossincrasias, para que o aluno/estagiá-
Entretanto, é preciso ressaltar que na forma rio vivencie a realidade educacional como um todo.
rígida como tem se caracterizado atualmente o Esses componentes curriculares deverão se pautar nas
currículo dos cursos de formação de professores, vivências reflexivas críticas da gestão e da organiza-
percebe-se que o componente curricular estágio ção escolar, na dinâmica da sala de aula, na análise
supervisionado tem sido um dos únicos, senão o curricular e nos processos avaliativos com base nos
único, responsável em provocar um embate com a saberes necessários à prática educativa (FREIRE,
realidade da escola de educação básica (PICONÊZ, 1989), ao educador como um intelectual reflexivo
1998), por meio do exercício da docência e ou outras (ZEICHNER, 2001, ALARCÃO, 2002, NÓVOA, 1997) e
atividades que caracterizam sua atuação. militante crítico diante das presenças e ou ausências
de políticas públicas para a educação.
Aquilo que a legislação vai chamar de com-
3 O componente curricular estágio petências e, diga-se, caracterizado num teor “utili-
supervisionado nos cursos de tário-pedagógico”, se concebe como competências
formação de professores profissionais que serão construídas processualmen-
te com práticas de ação e de reflexão na e sobre a
A prática de ensino e o estágio supervisionado, prática – aqui concebida na vivência na escola,
previstos pelos órgãos superiores oficiais por meio da por exemplo, Assim, é necessário que as bases cur-
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB riculares dos cursos de formação de professores se
EN) e Resoluções1 como componentes curriculares, articulem na perspectiva metodológica de ação-re-
merecem um destaque especial, pois não poderão flexão-ação e/ou reflexão-ação-reflexão (FREIRE,
se constituir numa prática burocrática e alienada 1989). Inevitavelmente, em primeira perspectiva,
e cumpridora apenas das normas legais quanto essas categorias freirianas são inerentes à educação
aos seus objetivos e a sua carga horária. Há de se e representam uma das possibilidades de mudança
constatar que a legislação atual corrobora com o e transformação da realidade educacional pela pre-
que algumas autoras (PIMENTA, LIMA, 2004), têm sença desses profissionais na educação básica e,
denominado de neotecnicismo educacional quando numa outra perspectiva mais ampla, a dimensão do

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ensino, da pesquisa e da extensão, um dos papéis da • Supera a indissociabilidade entre ensino,
universidade mencionado no início deste texto. pesquisa e extensão, quando sua proposta
Ratificando e encaminhando propostas é metodológica se caracteriza em atividades de
possível afirmar que por meio de atividades como investigação, de elaboração e re-elaboração
observação, entrevistas, diários de aulas, participa- de novos saberes, e de intervenções na comu-
ção em projetos, atividades complementares, inser- nidade escolar;
ções na comunidade com o objetivo de conhecer, • Prepara o profissional para o exercício da
identificando, e ou investigar a realidade da escola prática do trabalho, da cidadania e da vida
pública ou especificamente de um dos aspectos do cultural;
processo de ensino e aprendizagem, o aluno de um • Proporciona a atualização sobre procedi-
curso de formação de professores assume a postura mentos e de aspectos diversos do processo de
de pesquisador, pois se torna um investigador de de- ensino e aprendizagem e o conhecimento de
terminada realidade e/ou um ou mais aspectos do novas linguagens educacionais;
cotidiano da escola. • Estabelece o diálogo entre a área educacional
Com esses dados observados e coletados as e as demais áreas do conhecimento;
aulas na universidade e os encontros coletivos com • Identifica novas tecnologias de informação e
os colegas, futuros professores serão os momentos comunicação, adequando-as à realidade edu-
apropriados de reflexão, de análise da realidade ob- cacional de sua inserção.
servada e, consequentemente de organização e ou
de re-organização de sua prática atual como aluno- Muitos outros fatores ainda podem ser elenca-
professor ou como aluno apenas. Nesta perspectiva, dos, entretanto, há também a necessidade de tecer
certamente sua ação considerará a ação primeira e considerações a serem alteradas nas propostas cur-
a reflexão feita. riculares de muitos cursos de formação de professo-
Pode-se concluir, portanto, que o Estágio res. Tem sido conferido ao componente curricular
Supervisionado é um componente curricular muito estágio supervisionado um caráter complementar
importante em uma proposta curricular de um ou mesmo suplementar ou ainda nas palavras de
curso de formação de professores em razão dos se- Azevedo (1980) uma teoria posta no início do curso
guintes fatores: e uma prática no final, caracteriza um granfinale
ou evidencia mais claramente a dicotomia existente
• Constitui-se de uma possibilidade de superar entre a teoria e a prática num curso que é de forma-
a dicotomia entre a teoria e a prática quando ção de educadores. A questão que precisa ser posta
seus pressupostos são um embate com a rea- é que não é o caso de aumentar a prática em detri-
lidade do ensino da escola pública de educa- mento da teoria ou vice-versa, mas adotarmos uma
ção básica; nova forma de produzir conhecimento no interior
• É possibilidade de acesso à cultura escolar, dos cursos de licenciatura. A pesquisa educacional
aos saberes docentes e aos conhecimentos es- pode e deve ser uma resposta (FÁVERO, 1995).
pecíficos sobre o fazer pedagógico, a identida- Outra consideração está na organização do
de docente e a formação profissional. programa da disciplina ou na proposta para o semes-

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tre. Note-se que a falta de investigação da realidade suposto a “preocupação” em definir claramente a
em todas as suas nuances (pedagógicas, culturais concepção de educador e de educação em suas re-
etc.) resultam em propostas isoladas, fragmentadas e lações político, sociais, culturais e artísticas, tendo
que não vislumbram as exigências próprias da comu- presente a conjuntura da época e as condições pro-
nidade escolar. Há casos em que as orientações desse fissionais da categoria docente. O educador de um
componente têm sido dirigidas em razão de atividades curso de formação desse componente será o orienta-
programadas a priori sem que tenham surgido das dor que faz a ponte entre a os saberes docentes e os
discussões entre educadores e educandos no cotidia- culturais, entre os conteúdos específicos e os temas
no da sala de aula, da escola e da comunidade. O co- transversais, entre a metodologia e a sua aplicabili-
nhecimento da realidade escolar, assim, tende a não dade, entre a teoria e a prática, entre as possibilida-
refletir uma prática criativa e transformadora e não des e as mudanças concretas, numa concepção de
possibilita a reconstrução ou a definição de teorias que o ato educativo é político, e pode ser transforma-
que sustentem o trabalho do futuro professor. dor de uma realidade social (FREIRE, 1989) – em
Há um ínterim neste aspecto que é necessário última instância, um dos papéis da universidade.
destacar, pois tem se constituído um equívoco nas
discussões acerca do trabalho do professor da escola
pública, ou seja, “usamos” o conhecimento da rea- The fomative dimension of
lidade escolar como denúncia de supostos “erros” da curricular component Supervised
escola e da prática de professores colaboradores dos(as) Practical Training in courses of
estagiários(as) sem buscar alternativas metodológicas
educators training
realmente transformadoras para a superação desses
This paper is a reflection about how the subject
supostos “erros”. Às vezes, fatores externos e internos,
Supervised Practical Training is constituted nowa-
como a formação do educador, a infra-estrutura da
days, in the courses of teachers’ formation as well
escola etc. poderiam ser considerados (e não determi- as proceeding constructed from reading (Piconez
nados) como variáveis para aquela realidade. 1998), from ethnographic contacts with the reality
Na literatura atual (PICONÊZ, 1998), o com- of public school of basic education and also related
ponente curricular estágio supervisionado aparece, to reflections on the Methodology and Teaching
não raro, mais com recomendações do que com re- Practice Forum of the courses of Universidade
flexões sobre a formação de professores. E paralelo às Estadual de Santa Cruz (UESC). In order to situ-
ate the discipline Supervised Practical Training,
recomendações, muitas críticas sobre sua inadequa-
previously, was necessary verifying the university’s
ção e pouca contribuição no preparo de professores role as one of the centers of educators formation
para a educação básica. in the higher education, and soon reflecting the
courses of teachers’ training about how they have
been overcoming the dichotomy between theory
4 Concluindo and practice taking into account the formation of
educators.
No nosso entendimento o componente cur- Key words: Educators’ formation. Supervised
ricular estágio supervisionado deve ter como pres- practical training. Teacher’s training course

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NÓVOA, A. Vida de professores. Portugal: Ediporto,
Nota
1997.

1 LDB EN nº 9394/96 e Resolução nº 01 e nº 02 de 18 e PICONEZ, S. A prática de ensino e o estágio


19 de fevereiro de 2001, respectivamente. Tratam das supervisionado. 3. ed. Campinas: Papirus, 1998.
diretrizes curriculares para os cursos de formação de
educadores e da carga horária mínima obrigatória. PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. São
Paulo: Cortez, 2004.

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curricular: subsídios para discussão. In: ALVES, N.
ZEICHNER, K. M. Para além da divisão de professor-
Formação de professores: pensar e fazer. 3. ed. São
pesquisador e professor-acadêmico. In GERALGI,
Paulo: Cortez, 1995. (Questões da nossa época).
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recebido em jul. 2009 / aprovado em ago. 2009

Para referenciar este texto:


SILVA, A. V. da. A dimensão formadora do componente
curricular Estágio Supervisionado, nos cursos de
formação de professores. Dialogia, São Paulo, v. 8,
n. 1, p. 103-108, 2009.

Dialogia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 103-108, 2009.

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