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• A estância 145 abre com uma negação reiterada (“Nô mais”), que traduz a intenção do Poeta:

ele não pretende obter mais inspiração, dado que não deseja continuar a cantar.

• No verso 1, encontramos também a invocação (apóstrofe) a Calíope, musa da poesia e da


eloquência, através da qual o Poeta confessa que está cansado e desalentado e que a sua
inspiração diminuiu. A metonímia “a Lira tenho / Destemperada” (Camões refere-se ao
objeto através do qual o seu canto se exprime: a lira é um instrumento musical que acompa-
nhava a poesia; neste caso significa “poesia, arte poética”) traduz a tal falta de inspiração que
sente para compor o seu poema épico.

• Quais são os motivos desse desencanto?


▪ O Poeta não é reconhecido pelos seus contemporâneos (“Cantar a gente surda e endu-
recida”).
▪ A decadência moral da pátria, devido à
i) ignorância e insensibilidade;
ii) cobiça, ganância, vileza e apatia.

• Estado de espírito do Poeta


O Poeta sente-se cansado, desiludido, desanimado, incompreendido e magoado, pelas razões
já aduzidas, daí que o tom seja derrotista.

• Nos quatro versos iniciais da estância 146, o Poeta esclarece que não entende como os Portu-
gueses deixaram de sentir orgulho e ânimo para encarar as dificuldades, tal como no passa-
do.

• Síntese
O Poeta mostra-se cansado, desiludido e incompreendido (“Nô mais, Musa, nô mais, que a Li-
ra tenho / Destemperada e a voz enrouquecida…” – est. 145, vv. 1-2), não pelo canto em si
mesmo, mas por “Cantar a gente surda e endurecida” (v. 4) (isto é, gente indiferente e insen-
sível que não escuta as suas palavras, não valoriza o seu canto, não reconhece o seu talento e
mérito bem valoriza a poesia), visto que está corrompida pela “cobiça” e num estado de tris-
teza, desânimo e apatia (“… a pátria, não, que está metida / No gosto da cobiça e na rudeza /
Duma austera, apagada e vil tristeza.” – vv. 6 a 8), o que origina uma ausência de fervor pa-
triótico e ânimo para continuar a cantar: “Não tem um ledo orgulho e geral gosto, / Que os
ânimos levanta de contino / A ter pera trabalhos ledo o rosto.” (vv. 2 a 4 da estância 146).
Há aqui um nítido contraste entre dois tempos: o presente, de decadência e sem brilho, e o
passado de glória, que o Poeta cantou n’Os Lusíadas.
• A apóstrofe do verso 5 (“ó Rei”) abre a porta a uma exortação da D. Sebastião, que é rei por
vontade divina (“que por divino / Conselho estais no régio sólio posto”) para valorizar os seus
“vassalos excelentes”, por comparação com outros povos. Até à estância 151, o Poeta exorta
o monarca a tomar as rédeas do reino e a dar-lhe um novo rumo. Se ele valorizar os seus
“vassalos excelentes” (isto é, os guerreiros, os conselheiros, etc.) conseguirá dar novo ânimo
ao reino e até expandir o Império.

• A anáfora da forma verbal «Olhai» e, sobretudo, o uso do imperativo traduz o apelo do Poeta:
ele solicita a atenção e o apreço do Rei para as características do herói cantado n’Os Lusíadas.

• A estância 14 constitui o elogio dos e o louvor aos vassalos de D. Sebastião:


- alegres
- valentes
eles expõem-se a todos os perigos, quer na guerra, quer no mar,
- destemidos
dispostos a servir o rei
- corajosos
- orgulhosos
- prestáveis (“Para vos servir, a tudo aparelhados”)
- obedientes
- sempre prontos
- leais
- com espírito de sacrifício e de missão, que os leva a enfrentar os mais diversos perigos e
obstáculos (fomes, vigias, guerras, climas adversos, naufrágios, a própria morte) para
engrandecerem o rei e a pátria: “Que vencedor vos façam, não vencido.” – est. 148.

• Estilisticamente, na estância 147, há a destacar os recursos seguintes:


i) A enumeração e a anáfora, que intensificam as características dos vassalos / heróis da
epopeia.
ii) A comparação dos vassalos a leões e touros bravos, que traduz a bravura e a força do
povo português.

• Perante este retrato, o Poeta exprime o seu orgulho neles: “Demónios infernais, negros e ar-
dentes, / Cometerão convosco, e não duvido / Que vencedor vos façam, não vencido.”

• O Poeta tenta convencer, portanto, o rei da excelência dos “vassalos”. Qual é o seu objetivo?
Enumerar uma série de recomendações ou solicitações.

• Síntese
O Poeta mostra-se orgulhoso dos “vassalos excelentes”, pois representam a glória, a coragem
e o espírito patriótico, dispondo-se a enfrentar os maiores perigos e a desenvolver os maiores
sacrifícios somente para engrandecerem o rei e a pátria. Esta constatação contrasta com a
ausência de orgulho pátrio e de ânimo nos seus contemporâneos, bem como pela cobiça e
corrupção que os dominam: “No gosto da cobiça e na rudeza / Duma austera, apagada e vil
tristeza.”

• Entre as estâncias 149 e 152, o Poeta faz uma série de recomendações ou solicitações ou
conselhos ao rei D. Sebastião:

i) Recompensá-los e alegrá-los, sendo um rei presente e próximo dos seus súbditos, com
um trato humano e humilde: “Favorecei-os logo, e alegrai-os / Com a presença e leda
humanidade”.

ii) Ser justo na aplicação das leis – aliviá-los de leis rigorosas, cruéis e injustas: “De rigoro-
sas leis desaliviai-os”.

iii) Rodear-se e promover os que têm mais experiência de vida para o aconselharem: “Os
mais experimentados levantai-os”. Ou seja, neste ponto, Camões defende a valoriza-
ção do conhecimento obtido pela experiência e pelo mérito, em detrimento do saber
teórico.

iv) Reconhecer as competências de todos: “Todos favorecei em seus ofícios, / Segundo


têm das vidas o talento” – o rei devera apoiar todos, sem distinção, nos seus ofícios (=
profissões), que exercem segundo as suas aptidões, seja qual for a área em que se dis-
tinguem.

v) Exigir que os membros do clero cumpram as suas funções religiosas: “Tenham religio-
sos e exercícios / De rogarem, por vosso regimento, / Com jejuns, disciplina, pelos ví-
cios / Comuns…” (ou seja, deve atuar de acordo com o governo do reino – “vosso re-
gimento” –; rezar com disciplina e dedicação pelos pecados da humanidade; adotar
uma conduta ética de acordo com o seu estatuto social, desprezando a glória e o di-
nheiro.

Crítica ao clero, corrompido pela ambição desmedida de glória e bens materiais:


“toda ambição terão por vento, / Que o bom Religioso verdadeiro / Glória vã não
pretende nem dinheiro.”

vi) Estimar os guerreiros que expandem a fé cristã e o império (apelo ao espírito de cru-
zada), sem temer os inimigos nem regatear esforços: “Os Cavaleiros tende em muita
estima / Pois com seu sangue intrépido e fervente / Estendem não somente a Lei de
cima, / Mas inda vosso Império preminente.”
Motivos para o rei apreciar os Cavaleiros:
. são destemidos e determinados;
. dilatam a fé e o império;
. são obedientes e leais;
. enfrentam os inimigos do reino e perigos desumanos;
. trazem glória à pátria e ao rei.

Os parênteses do verso 8 da estância 151 [“(o que é mais”)] intensificam a dificul-


dade que os Cavaleiros sentem na sua missão de dilatação da fé cristã e de alarga-
mento do império.

vii) Zelar pela autonomia de Portugal face aos outros povos, para que ninguém possa di-
zer que os Portugueses constituem uma nação servil, em vez de senhorial: “Fazei, Se-
nhor, que nunca os admirados / Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses, / Possam dizer que
são pera mandatos, / Mais que pera mandar, os Portugueses.” Ou seja, os povos eu-
ropeus citados devem admirar os Portugueses, considerando-os líderes, no conjunto
das nações.

A anástrofe do verso 4 da estância 152 destaca a expressão “os Portugueses”, o


que constitui uma estratégia para conferir superioridade ao povo português.

viii) Aconselhar-se apenas com os homens mais sábios e experientes: “Tomai conselho só
d’exprimentados…”.

Valorização do conhecimento prático em detrimento do saber livresco – A experi-
ência de vida como fonte do conhecimento: apesar de os letrados possuírem mui-
tos conhecimentos teóricos, os experientes sabem mais do concreto. O rei deve
rodear-se de pessoas que tenham experiência, isto é, que tenham conhecimento
do mundo ditado pelas suas vivências e não apenas pelo saber teórico dos livros.

• Exemplo do Poeta para ilustrar a sua tese: Aníbal (séculos III e II a.C.), general fenício, escar-
necia de Formião, filósofo grego, quando este dissertava sobre a arte da guerra, isto é, ensina
a guerreiros experimentados a teoria da arte da guerra. Formião era um filósofo contempo-
râneo de Aníbal. Este foi um dia ouvi-lo e Formião dissertou sobre a guerra. Perguntaram a
Aníbal a sua opinião sobre o discurso, a que este respondeu que nunca ouvira tantos dispara-
tes. Este episódio demonstra que o saber teórico nada vale perante a experiência de vida.
Aníbal foi um dos maiores táticos militares da história e enfrentou Roma várias vezes, tendo
mantido um exército invasor em Itália, por mais de dez anos.

Aníbal era experiente na guerra

Formião sabia a teoria da guerra
Conclusão: só se aprende, praticando
A referência funciona como exemplo para constatar que a arte da guerra se aprende
na prática, isto é, combatendo (“vendo, tratando e pelejando” – v. 8), e não teorica-
mente, lendo ou fantasiando sobre batalhas (“Sonhando, imaginando ou estudando”
– v. 7).

• Nas três últimas estâncias (154 a 156), o Poeta apresenta-se a D. Sebastião como um poeta
cujo patriotismo o motiva a servir o país através das armas e da escrita.

▪ Que pessoa é esta que se dirige a D. Sebastião?


Autorretrato do Poeta:
. humilde, homem do povo e desconhecido do rei (“humilde, baxo e rudo, / De vós
não conhecido nem sonhado?” – a interrogação mostra que o Poeta se considera
indigno de aconselhar o rei, pois não tem estatuto para tal);
. culto – possuidor de “honesto estudo”;
. muito experiente (“Com longa experiência”;
. talentoso (“Nem me falta […] / […] Nem engenho”);
. fiel à pátria – disposto a servir o rei em combate (“Pera servir-vos, braços às armas
feito”);
. disponível para cantar o rei, Portugal e os seus feitos (“Pera cantar-vos, mente às
Musas dada”).

Camões coloca-se ao serviço do


Império português: guerreiro e poeta

Oferece-se

para assistir o rei para cantar o rei e os seus feitos


através da guerra futuros numa epopeia
↓ ↓
“Pera servir-vos, braços às armas “Pera cantar-vos, mente às Mu-
feitos” sas dada”

se o rei o aceitar: “Só me falece ser a vós aceito”


▪ Que aptidão tem o Poeta para aconselhar o rei?

. O melhor elogio e o conselho desinteressados são os dos homens simples, “pe-
quenos”, como ele (“Da boca dos pequenos sei, contudo, / Que o louvor sai às ve-
zes acabado.”)

. O Poeta como retrato do súbdito perfeito:
- valoriza a arte e a poesia;
- dedica-se à guerra e ao serviço da Pátria;
- concilia o saber, a teoria, com a experiência, a prática.

Este autorretrato corresponde ao do homem ideal do Renascimento:


i) possuidor de um saber feito de estudo e experiência (conciliação do
saber teórico e do saber prático);
ii) detentor de talento e inspiração artísticos;
iii) possuidor da lealdade, da coragem e do desapego do bom soldado,
sempre disponível para servir o seu país.

• Promessa do Poeta a D. Sebastião:


- se Deus lhe conceder a graça de ser reconhecido pelo rei (“Se me isto o Céu concede”);
- se o rei realizar feitos dignos de serem cantados numa epopeia (“e o vosso peito / Dina
empresa tomar de ser cantada”);
- se o rei comprovar o seu poder nas terras de África, enviando o ser exército e conquis-
tando cidade.

A musa que o inspira permitirá a divulgação dos feitos do rei numa epopeia, sendo
mais afortunado que Alexandre Magno, sem invejar a glória de Aquiles.

O Poeta incentiva o rei a prosseguir a guerra de cruzada no Norte de África e oferece-
se para a cantar, assegurando-lhe que será cantado e os seus feitos em todo o mundo
e que será mais temido em Marrocos que tudo; o medo do titã ao ver Medusa será
menor que o medo de ver a figura de D. Sebastião (observar a comparação hiperbóli-
ca dos versos 1 e 2 da estância 156 – Atlante / Atlas teria sido transformado na cordi-
lheira do Atlas, em Marrocos, depois de Perseu lhe ter mostrado a cabeça de Medu-
sa, uma das três Górgonas, que transformava quem a contemplasse em pedra). O
próprio Alexandre Magno rever-se-ia em D. Sebastião sem invejar a glória de Aquiles,
pois a do soberano português seria muito superior.
• Mensagem final do Poeta
- A glória do passado é, no presente, um exemplo para a construção do futuro.
- Os heróis e as façanhas cantados na epopeia são um estímulo, no presente para uma
ação futura.
- O Poeta é uma inspiração para outros poetas e portugueses.
A finalizar a análise destas últimas estâncias do poema, ficam aqui as palavras de António
José Saraiva, no prefácio de uma das edições da obra: “Na Dedicatória, o poeta convida o
moço rei a «ver» os feitos dos seus vassalos, isto é, do Gama e seus companheiros, como se
estivessem a ocorrer diante dos olhos de ambos. Há nela também referências ao tema da
Cruzada. Só depois se segue a ação. E, no final do poema, o autor volta a dirigir-se ao rei nu-
ma longa conclusão de 10 estrofes e meia, em que outra vez o exorta a «olhar» os seus vassa-
los, lhe dá vários conselhos e o incita à guerra de cruzada próxima, que o autor se oferece pa-
ra cantar. Assim, a narração insere-se entre as duas falas ao rei. O poema poderia ser inter-
pretado como um longo discurso feito a D. Sebastião, que é diretamente interpelado no co-
meço e no fim.”
Por outro lado, estas considerações finais de Os Lusíadas retomam a Dedicatória (Canto I),
dado que o Poeta se dirige novamente a D. Sebastião, agora não para lhe dedicar a obra, mas
para lhe lembrar a responsabilidade que tem na condução do povo e na regeneração do rei-
no. Além disso, exorta-o a realizar novos feitos.

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