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ele não pretende obter mais inspiração, dado que não deseja continuar a cantar.
• Nos quatro versos iniciais da estância 146, o Poeta esclarece que não entende como os Portu-
gueses deixaram de sentir orgulho e ânimo para encarar as dificuldades, tal como no passa-
do.
• Síntese
O Poeta mostra-se cansado, desiludido e incompreendido (“Nô mais, Musa, nô mais, que a Li-
ra tenho / Destemperada e a voz enrouquecida…” – est. 145, vv. 1-2), não pelo canto em si
mesmo, mas por “Cantar a gente surda e endurecida” (v. 4) (isto é, gente indiferente e insen-
sível que não escuta as suas palavras, não valoriza o seu canto, não reconhece o seu talento e
mérito bem valoriza a poesia), visto que está corrompida pela “cobiça” e num estado de tris-
teza, desânimo e apatia (“… a pátria, não, que está metida / No gosto da cobiça e na rudeza /
Duma austera, apagada e vil tristeza.” – vv. 6 a 8), o que origina uma ausência de fervor pa-
triótico e ânimo para continuar a cantar: “Não tem um ledo orgulho e geral gosto, / Que os
ânimos levanta de contino / A ter pera trabalhos ledo o rosto.” (vv. 2 a 4 da estância 146).
Há aqui um nítido contraste entre dois tempos: o presente, de decadência e sem brilho, e o
passado de glória, que o Poeta cantou n’Os Lusíadas.
• A apóstrofe do verso 5 (“ó Rei”) abre a porta a uma exortação da D. Sebastião, que é rei por
vontade divina (“que por divino / Conselho estais no régio sólio posto”) para valorizar os seus
“vassalos excelentes”, por comparação com outros povos. Até à estância 151, o Poeta exorta
o monarca a tomar as rédeas do reino e a dar-lhe um novo rumo. Se ele valorizar os seus
“vassalos excelentes” (isto é, os guerreiros, os conselheiros, etc.) conseguirá dar novo ânimo
ao reino e até expandir o Império.
• A anáfora da forma verbal «Olhai» e, sobretudo, o uso do imperativo traduz o apelo do Poeta:
ele solicita a atenção e o apreço do Rei para as características do herói cantado n’Os Lusíadas.
• Perante este retrato, o Poeta exprime o seu orgulho neles: “Demónios infernais, negros e ar-
dentes, / Cometerão convosco, e não duvido / Que vencedor vos façam, não vencido.”
• O Poeta tenta convencer, portanto, o rei da excelência dos “vassalos”. Qual é o seu objetivo?
Enumerar uma série de recomendações ou solicitações.
• Síntese
O Poeta mostra-se orgulhoso dos “vassalos excelentes”, pois representam a glória, a coragem
e o espírito patriótico, dispondo-se a enfrentar os maiores perigos e a desenvolver os maiores
sacrifícios somente para engrandecerem o rei e a pátria. Esta constatação contrasta com a
ausência de orgulho pátrio e de ânimo nos seus contemporâneos, bem como pela cobiça e
corrupção que os dominam: “No gosto da cobiça e na rudeza / Duma austera, apagada e vil
tristeza.”
• Entre as estâncias 149 e 152, o Poeta faz uma série de recomendações ou solicitações ou
conselhos ao rei D. Sebastião:
i) Recompensá-los e alegrá-los, sendo um rei presente e próximo dos seus súbditos, com
um trato humano e humilde: “Favorecei-os logo, e alegrai-os / Com a presença e leda
humanidade”.
ii) Ser justo na aplicação das leis – aliviá-los de leis rigorosas, cruéis e injustas: “De rigoro-
sas leis desaliviai-os”.
iii) Rodear-se e promover os que têm mais experiência de vida para o aconselharem: “Os
mais experimentados levantai-os”. Ou seja, neste ponto, Camões defende a valoriza-
ção do conhecimento obtido pela experiência e pelo mérito, em detrimento do saber
teórico.
v) Exigir que os membros do clero cumpram as suas funções religiosas: “Tenham religio-
sos e exercícios / De rogarem, por vosso regimento, / Com jejuns, disciplina, pelos ví-
cios / Comuns…” (ou seja, deve atuar de acordo com o governo do reino – “vosso re-
gimento” –; rezar com disciplina e dedicação pelos pecados da humanidade; adotar
uma conduta ética de acordo com o seu estatuto social, desprezando a glória e o di-
nheiro.
vi) Estimar os guerreiros que expandem a fé cristã e o império (apelo ao espírito de cru-
zada), sem temer os inimigos nem regatear esforços: “Os Cavaleiros tende em muita
estima / Pois com seu sangue intrépido e fervente / Estendem não somente a Lei de
cima, / Mas inda vosso Império preminente.”
Motivos para o rei apreciar os Cavaleiros:
. são destemidos e determinados;
. dilatam a fé e o império;
. são obedientes e leais;
. enfrentam os inimigos do reino e perigos desumanos;
. trazem glória à pátria e ao rei.
vii) Zelar pela autonomia de Portugal face aos outros povos, para que ninguém possa di-
zer que os Portugueses constituem uma nação servil, em vez de senhorial: “Fazei, Se-
nhor, que nunca os admirados / Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses, / Possam dizer que
são pera mandatos, / Mais que pera mandar, os Portugueses.” Ou seja, os povos eu-
ropeus citados devem admirar os Portugueses, considerando-os líderes, no conjunto
das nações.
viii) Aconselhar-se apenas com os homens mais sábios e experientes: “Tomai conselho só
d’exprimentados…”.
↓
Valorização do conhecimento prático em detrimento do saber livresco – A experi-
ência de vida como fonte do conhecimento: apesar de os letrados possuírem mui-
tos conhecimentos teóricos, os experientes sabem mais do concreto. O rei deve
rodear-se de pessoas que tenham experiência, isto é, que tenham conhecimento
do mundo ditado pelas suas vivências e não apenas pelo saber teórico dos livros.
• Exemplo do Poeta para ilustrar a sua tese: Aníbal (séculos III e II a.C.), general fenício, escar-
necia de Formião, filósofo grego, quando este dissertava sobre a arte da guerra, isto é, ensina
a guerreiros experimentados a teoria da arte da guerra. Formião era um filósofo contempo-
râneo de Aníbal. Este foi um dia ouvi-lo e Formião dissertou sobre a guerra. Perguntaram a
Aníbal a sua opinião sobre o discurso, a que este respondeu que nunca ouvira tantos dispara-
tes. Este episódio demonstra que o saber teórico nada vale perante a experiência de vida.
Aníbal foi um dos maiores táticos militares da história e enfrentou Roma várias vezes, tendo
mantido um exército invasor em Itália, por mais de dez anos.
↓
Aníbal era experiente na guerra
≠
Formião sabia a teoria da guerra
Conclusão: só se aprende, praticando
A referência funciona como exemplo para constatar que a arte da guerra se aprende
na prática, isto é, combatendo (“vendo, tratando e pelejando” – v. 8), e não teorica-
mente, lendo ou fantasiando sobre batalhas (“Sonhando, imaginando ou estudando”
– v. 7).
• Nas três últimas estâncias (154 a 156), o Poeta apresenta-se a D. Sebastião como um poeta
cujo patriotismo o motiva a servir o país através das armas e da escrita.