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Capítulo III - O sertão do Pajeú

Introdução

O termo sertão de acordo com a etimologia seria oriundo de desertão, segundo os


dicionários da língua portuguesa dos séc. XVIII e XIX, existiam duas idéias neste termo: a
espacial de interior e a social de deserto, região pouco povoada(cf.Mader, 1995).A
historiadora Maria Elisa Mader assinala que o sertão mais do que simples oposição ao
litoral é em contraste a ideia de região colonizada que o imaginário do sertão vai se
constituindo, a colônia “ Constitui-se no mundo da ordem, estabelecida por duas
instâncias de poder: a Igreja e o Estado”(Mader,1995).O sertão por sua vez é “ ….o
território do vazio, o domínio do desconhecido, o espaço ainda não preenchido pela
colonização, É, por isso, o mundo da desordem, domínio da barbárie, da selvageria, do
diabo. Ao mesmo tempo, se conhecido, pode ser ordenado através da ocupação e da
colonização, deixando de ser sertão para constituir-se em região colonial “(Mader, 1995).
Com o passar do tempo o termo foi sendo naturalizado e passou a designar uma região
específica do semi-árido nordestino.

Pajeú é um topônimo Tupi que significa “rio do pajé”, é usado também para designar
uma árvore a Triplaris Gardneriana conhecida como Pau-formiga, muito comum ao longo
do Rio São Francisco(Navarro,2013).

Geografia

O Estado de Pernambuco divide-se, de acordo com o IBGE(Instituto Brasileiro de


Geografia e Estatística), em cinco Mesorregiões: Metropolitana do Recife, Mata
Pernambucana, Agreste Pernambucano, Sertão pernambucano e São Francisco de
Pernambuco.
Estas cinco mesorregiões foram subdivididas em dezenove microrregiões para fins de
planejamento de desenvolvimento regional.A microrregião do sertão do Pajeú localiza-se
no planalto da Borborema, do tupi “por-por-eyma, procedente de pora-pora-eyma que
significa privado de moradores, sem habitantes (pora); o deserto, a solidão, o
sertão”(Sampaio, 1987).O planalto com área aproximada de 400 Km² distribui-se ao
longo dos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Nesse
planalto nascem vários rios, os rios Jaguaribe e Piranhas que correm para o norte, o
Paraíba e o Capibaribe que vão desaguar no Atlântico e o Moxotó e o Pajeú, que se
dirigem para o sul desaguando no rio São Francisco(Campos,2022).O rio Pajeú nasce na
serra do Balanço, no município de Brejinho, a uma altitude aproximada de 800m próximo
a Paraíba, deságua no lago de Itaparica, formado pela barragem do rio São Francisco
depois de percorrer 353 km(Campos, 2022).
A microrregião do sertão do Pajeú tem área de 13.350,30 km², população de 332.581
habitantes com densidade de 37,9 hab/km²(IBGE. Censo Demográfico 2010. Rio de
Janeiro, 2010) e altitude média de 605 m e é formado por 17 municípios que fazem parte
da bacia hidrográfica do rio Pajeú, divididos em alto, médio e baixo Pajeú.

O relevo do Pajeú é suavemente ondulado, com elevações residuais e afloramentos


rochosos, paisagem típica do semiárido nordestino, ao oeste localiza-se a serra da Baixa
Verde, onde está a cidade de Triunfo, ponto mais alto de pernambuco com mil e
duzentos e sessenta metros de altitude(CPRM,2005;Silva et.al., 1993;Condepe/Fidem,
2006) .A temperatura média anual é de 26 graus, apresentando um clima quente do tipo
Tropical semiárido, com precipitação média anual de 591,9 mm, o período chuvoso
concentra-se entre janeiro e maio(Araújo Filho,2000)

A caatinga, cujo nome tem origem Tupi-Guarani e significa “mata branca” devido ao seu
aspecto geral de árvores com caule fino e poucas folhas é o bioma dominante na região,
existindo também o brejo de altitude nas serras que guardam resquícios de mata atlântica
com umidade mais elevada.O professor Dardane Andrade Lima destaca as seguintes
espécies vegetais do sertão central de pernambuco(onde se localiza o Pajeú) no livro “
Estudos Fitogeográficos de Pernambuco” :

Bromeliaceae

Bromelia laciniosa Mart. – “macambira”.

Neoglaziovia variegata Mez. – “caroá”

Velloziaceae

Vellozia sp. – “canela de ema”.

Polygonaceae

Triplaris pachau Mart. – “pajeú”.


Capparidaceae

Capparis jacobinae Moric. – “icó preto”.

Capparis yco Mart. – “icó branco”.

Leguminosae

Calliandra depauperata Benth. – “carqueja”.

Mimosa hostilis Benth. – “jurema preta”.

Anadenanthera macrocarpa (Benth.) Brenan. – “anjico”.

Cassia excelsa Schrad. – “canafistula”.

Caesalpinia pyramidalis Tul. – “catingueira”.

Torresea cearensis Fr. Ali. – “imburana de cheiro”.

Geoffraea spinosa Jacq. – “marizeiro”.

Burseraceae

Bursera leptophloeos Mart. – “imburana de cambão”.

Euphorbiaceae

Cnidoscolus phyllacanthus (Muell. Arg.) Pax. & K. Hoffm. – “favela”.

Ancardiaceae

Schnopsis brasiliensis Engl. – “braúna”.

Astronium urundeuva Engl. – “aroeira”.

Spondias tuberosa Arruda. – “imbuzeiro”.

Celastraceae
Maytenus rigida Mart. – “bom nome”.

Rhamnaceae

Ziziphus joazeiro Mart. – “juazeiro”.

Cactaceae

Cereus jamacaru DC. – “mandacaru”.

Pilocereus gounellei Weber. – “xique–xique”.

Sapotaceae

Bumelia sartorum Mart. – “quixabeira”.

Apocynaceae

Aspidosperma pyrifolium Mart. – “pereiro”,

Verbenaceae

Vitex gardneriana Schau. – “salgueiro”.

Algumas dessas espécies junto com outras já extintas (ou quase) forneceram a madeira
para a confecção de móveis e construção civil.Vasconcelos Sobrinho (1971) relata a
existência de extensas florestas dominadas por cedro (Cedrela fissilis Vell., Meliaceae)
que sucumbiram devido à exploração madeireira na década de sessenta. Na verdade, a
grande maioria das principais cidades situadas na região do semiárido nordestino está
situada nas áreas de brejo de altitude, as áreas mais ricas de espécies que podem chegar
a vinte ou vinte cinco metros de altura(Lins 1989).

a
A ocupação do sertão do Pajeú, história.

A ocupação portuguesa iniciou-se no Brasil com a divisão do território em faixas de


terra que partiam do litoral para o interior, essas faixas foram chamadas de “capitanias
hereditárias” e o responsável por elas eram os "donatários", a opção de Portugal por
esse sistema deveu-se a falta de recursos da Coroa portuguesa que assim delegou à
iniciativa privada a ocupação e exploração do território, protegendo-o de invasões
estrangeiras.(Abreu,1930)

O sistema foi favorável à Coroa, mas não para os donatários que enfrentaram grandes
dificuldades desde o início pela distância de Portugal e pelos frequentes enfrentamentos
com os indígenas.Apenas duas das quinze capitanias conseguiram êxito nesse sistema,
foram elas Pernambuco e São Vicente. Em 1548 a Coroa portuguesa decide nomear um
governador geral, Tomé de Sousa, com o objetivo de centralizar o poder, as capitanias no
entanto existiram até 1821 convivendo com o novo sistema de governo local.

Duarte Coelho, donatário da Capitania de Pernambuco fundou duas vilas, Olinda e


Igarassu e cinco engenhos de açúcar na região litorânea, só depois da sua morte seus
filhos Jorge e Duarte de Albuquerque Coelho estenderam a ocupação portuguesa para o
interior do território, as “entradas” em direção ao sertão resultaram, no entanto, em
completos fracassos a primeira empreendida pelo provedor Francisco de Caldas e por
Gaspar Dias de Taíde acabaram com a morte dos entradistas pelo indígenas que os
devoraram(Andrade,1982). A segunda realizada em 1578 pelo Capitão Francisco Barbosa
da Silva também fracassou com o retorno do Capitão a Olinda cansado e ferido(Salvador,
1627). A ocupação rumo ao interior dos pernambucanos ia até onde hoje se localiza o
município de Bezerros.(Andrade,1982).

Garcia d`Avila chegou ao Brasil junto com Tomé de Sousa em 1549, apesar de sua
origem ser desconhecida especula-se que tivesse algum parentesco com o primeiro
governador geral, sua família ao longo de dez gerações a partir do morgado da Casa da
Torre no antigo município de Tatuapara, atual Praia do Forte, onde até hoje existem as
ruínas da monumental Casa da Torre, irá constituir um latifúndio com imensas áreas de
terras através do sistema de sesmarias(Calmon,1939).

fig.02.Ruínas da Casa da Torre.Praia do forte.foto autor desconhecido.

Garcia d'Ávila obteve o posto de Almoxarife da Coroa Portuguesa, a partir deste posto
provavelmente desenvolveu um conhecimento da região e suas necessidades, adquiriu
suas primeiras cabeças de gado e obteve junto ao governador geral as primeiras
sesmarias onde hoje fica itapuã, desligando-se do cargo e dedicando-se a estender suas
propriedades em direção ao norte chegando até o rio São Francisco.Ainda na década de
1550 iniciou a construção da Casa da Torre (só concluída pelo seu neto décadas depois),
ao morrer em 1609 era um dos homens mais ricos do Brasil colônia(Calmon, 1939).As
entradas exploratórias seguiam na maioria das vezes os leitos dos rios,depois de chegar
a São Francisco o Morgado da Casa da Torre através de seus prepostos em 1644
subiram o rio Pajeú em direção à Paraíba(Seixas, 1985). Foram assim os baianos os
responsáveis por essa primeira ocupação do sertão do Pajeú.

A identidade sertaneja

Como falou Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa em “Grandes sertões: veredas”,


“...o sertão está em toda parte…” chamando atenção sobre a onipresença de um território
desconhecido, inexplorado e misterioso, este afastamento criou nas palavras de Nísia
Lima um pensamento dual litoral/sertão, dualidade que perdurou ao longo da história do
Brasil, com inúmeras tentativas de explicá-la.

Os sertões nordestino foram ocupados como vimos a partir de duas cidades,


Salvador e Olinda.Essas cidades pólos de desenvolvimento inicial da colônia foram a
partir das quais partiram as entradas que exploraram e deram início a ocupação do
interior nordestino (Andrade, 1986).A ocupação se deu através das "sesmarias", que foi
um sistema de distribuição de terras que era adotado pela Coroa Portuguesa desde 1375
quando a expulsão dos árabes em Portugal e trazido para o Brasil como forma de
promover a ocupação e exploração das terras, quem recebia a posse de uma sesmaria
não teria, no entanto, o domínio administrativo total que permanecia na mão da Coroa
Portuguesa. Dentro do sistema os donatários das Capitanias Hereditárias tinham vinte por
cento do território para seu uso, sendo obrigados a cederem o restante em sesmaria,
esse sistema perdurou no Brasil de 1530 até 1822.

Como defende Sérgio Buarque de Holanda no clássico “As Raízes do Brasil” a herança
da mentalidade ibérica na sua originalidade em relação a Europa do norte com a
valorização da pessoa humana e da sua autonomia em relação aos seus semelhantes,
essa concepção espelha-se na palavra “sobranceira” , onde está incutida a ideia de
superação pessoal. A frouxa organização social, ausência de hierarquia e mesmo a
baixa coesão social são na visão de Holanda elementos constitutivos da primórdios da
formação brasileira. Citando Gil Vicente ele chama atenção para a mentalidade “moderna”
que existia em Portugal de uma permeabilidade natural de classes sociais.

…..em Frandes e Alemanha,

em toda França e Veneza,


que vivem per siso e manha,

não he como nesta terra ;

porque o filho do lavrador

casá la com lavradora,

e nunca sobem mais nada;

e o filho do Broslador

casa com brosladora;

isso per lei ordenada.

Os portugueses e espanhóis acreditavam que a verdadeira nobreza vinha dos feitos e


realizações dos indivíduos e não de uma fidalguia herdada, foi justamente essa
mentalidade a maior dificuldade para o desenvolvimento da organização espontânea da
sociedade tão características das sociedades protestantes, especialmente das calvinistas.

8.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Introdução
Lima, Nisia Trindade de.Um sertão chamado Brasil.1999.Rio de
Janeiro.Ed.Revan
Navarro, Eduardo.Tupi Antigo.2013.São Paulo.Ed. Global.

O sertão do Pajeú, Geografia

Sampaio, Teodoro.O tupi na geografia nacional.1987.São


Paulo.Ed.Nacional.
Casal, Manuel Aires de.Corografia brasílica ou Relação histórico
geografica do reino do Brazil.1976.Belo Horizonte.ED. Ministério da Educação.

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