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I. VERSIFICAÇÃO
No texto poético prevalece a primeira pessoa: há um ‘’eu’’ que revela os seus sentimentos e as
suas emoções. É, por isso, um texto pessoal e objectivo, onde as palavras formam combinações
surpreendentes, não só ao nível dos sons e dos ritmos, é rico em figuras de estilo, que embelezam
o poema.
NOÇOES DE VERSIFICAÇÃO
- Rima interpolada: os versos rimam separados por dois ou mais versos diferentes (ABBA).
Métrica – os versos podem ser medidos quanto ao número de sílabas métricas, que não são
sempre iguais às sílabas gramaticais. Quando medes o verso, estás a medir a sua escansão.
a) a contagem das sílabas métricas é feita até a última sílaba tónica do verso;
b) quando uma palavra termina numa vogal e a palavra seguinte começa por vogal, faz-se uma
elisão, ou seja, as vogais fundem-se numa única sílaba.
Entre as formas poéticas que constituem o género lírico estão aquelas constituídas de forma fixa,
tais como soneto, balada, rondó, entre outras.
Conceitos retornados, características atestadas, como, por exemplo, ritmo, métrica, rima, entre
outros.
As formas poéticas fixas são aquelas cuja estrutura segue um modelo pré-definido, pronto,
determinado. Entre os casos representativos estão:
Soneto
Constituído por duas quadras (estrofes com quatro versos) e dois tercetos (estrofes com três
versos), o soneto expressa em torno de uma ideia do início até o penúltimo verso. Já no último
verso, considerado como chave de ouro, costuma apresentar uma síntese de tudo que foi
abordado.
Balada
Rondó
Caracteriza-se como um poema formado de treze versos distribuídos em três estrofes, sendo duas
quadras seguidas de uma quintilha. Dessa forma, constatamos que os dois primeiros versos da
primeira quadra se repetem no final da segunda, e o primeiro verso da quadra inicial se repete no
fecho da quintilha, materializando-se da seguinte forma: ABabIabABIabbaA. As letras
maiúsculas representam os versos que são repetidos como estribilho.
Outro aspecto que se refere à modalidade em questão diz respeito ao facto de ela não obedecer a
um esquema fixo no que tange à métrica e às rimas, contudo, de forma predominante, faz-se
prevalecer versos de sete ou oito sílabas poéticas.
II. ANÁLISE DE POEMAS
Mulata Margarida
1. Enquadramento espaço-temporal
O sujeito poético faz, no texto, uma referência à situação vivida durante o tempo colonial e pós-
colonial, particularmente, em Moçambique.
2. Temáticas do texto:
O mestiço e a estigmatização;
A prostituição das mulatas, resultante da discriminação racial e a exclusão social.
Neste poema, percebe-se que a ‘’Mulata Margarida’’ é uma prostituta. Na primeira estrofe,
observamos que o eu poético dá um valor em dinheiro para ter quinze minutos com a mulata. Ela
abortou um filho e pegou a parteira com o relógio suíço do marinheiro inglês, obtido como
pagamento pelo acto sexual. Assim, o eu poético inicia o triste relato a respeito das prostitutas
em Moçambique, como todos sabemos, a referência da por eu poético da ‘’Rua Araújo’’,
tradicionalmente, se concentravam os cabarés frequentados por marinheiros e boêmios.
Margarida é descrita com ‘’cabelo desfrisado com ferro e brilhantina’’, mostrando que ela era
vestida às madeixas. Portanto, a partir dessa descrição o sujeito poético apresenta uma serie de
homens que usufruíam do corpo da mulata; ele mesmo, o marinheiro inglês, o senhor da cantina.
A mulata usa vestido pago pelo senhor da cantina e uma ‘’cinta elástica’’ que ‘suspense o ovário
descaído’’ mostrando que se envolvia com muitos homens.
Urge realçar que o ‘’mulato’’ e ‘’mulata’’ são conhecidos pela sua estigmatização no
Moçambique colonial, tanto por brancos como por negros e, por causa dessa exclusão social,
esses mulatos acabavam por ir parar à marginalidade.
Mamano
O poeta demonstra a sua maior preocupação com o sistema colonial que se implantara na altura,
onde ele – através da voz de mufana- que significa rapaz ou jovem em ronga, o qual era
submisso à opressão e/ou dominação colonial.
Pode-se notar algumas marcas contra a exploração do homem pelo homem (escravidão), cidade:
aonde vai o negrinho na noite perdido na escuridão branca e maldita (escuridão branca e
maldita mil vezes maldita) embrulhado no quente casado de lã chamado cacimba o vapor
apitando de obscuros filões vivos? , portanto o poeta mil vezes maldiz o branco, expressando a
sua fúria e revolta contra o mesmo por causa das desumanas condições em que, o seu povo
negro, era por este tratado.
Tal como todos sabemos não era fácil a vida vivida pelos africanos daquela época: eram usados
como mão – de – obra barata nas plantações do colonizador.
O jovem ou mufana era o mais vitimizado de todos, devido à sua força e pujança. Viu-se nos
jovens, pessoas com força suficiente para operar nas suas fábricas e plantações. Eis a razão do
seu grito ‘’Mamanô’’ que significa ‘’mamã’’! como quem invoca a sua mãe pedindo socorro.
Em língua ronga quando alguém grita ‘’ Mamanô’’ isso quer dizer que alguma não está bem.
A questão da exploração do homem é muito enfatizada pelo poeta, ele denuncia esses actos
praticados pelo colonizador.
O poeta ainda diz cidade: aonde está o órfão de mãe ainda viva/quase vestido quase morto
quase nu/ pequeno xipocué chamando na nossa língua/ - Ó…Mamanooo…! Mamanô…!
A partir dos versos acima, pode-se notar o sofrimento pelo qual este ‘’mufana’’ passava; era
forçosamente exportado para o trabalho forçado e daí o grito …Mamanô!
Gado Mamparra – Magaiza
Em ‘’Gado Mamparra – magaíza’’, uma vez mais, o poeta faz uma denúncia social, na medida
em que revela a exploração sofrida pelo trabalhador contratado – o ‘’magaíza’’. O ritmo do
poema é bastante contundente e é realçado a partir de certos recursos estilísticos, tais quais as
exclamações, as interjeições, as repetições, os adjetivos e, até mesmo, as reticências.
No poema, o homem é visto como gado, que é domado e subordinado ao seu criador:
geralmente, o gado é criado para corte ou abate, então isso pode ser com os moçambicanos que
eram explorados para as minas – os magaízas – a mando dos portugueses.
Na última estrofe, ouvimos a voz de resistência quando o poeta diz: nunca mais em Moçambique
gado comprado/nunca mais gado moçambicano marcado e vendido/nunca mais!
Os mineiros explorados trabalham como que enterrados vivos pelo que esta denúncia, juntando-
se à anterior sobre a exploração do mineiro, é marca evidente do sistema colonial que arrasta
moçambicanos para aqueles poços de riqueza para uns e morte para os outros.
Portanto, o poeta está contra essa prática e convida os moçambicanos à uma luta pela liberdade.
Mamana Saquina
Enquanto isso, em Madevo que é o poema que analisámos no início das aulas, tem-se a perfeita
representação dos inúmeros magaízas que, após saírem de Moçambique e chagarem às minas,
encantam-se com aquela nova civilização, esquecendo-se de que a empreitada que escolheram
pode custar-lhes a vida.
Em suma, poetiza-se uma mãe que fica só em casa, grávida, vendo o marido João Tavasse partir
(não sabe se voltará vivo) para as minas de África do Sul. De facto, Tavasse não volta e daí os
versos angustiados de uma mulher – viúva que tem de plantar obrigatoriamente algodão em vez
de alimentos para e sua família: ‘’E noite e dia/ alma de mamana Saquina vestiu capulana de
condolência/ e fundiu-se nos dez hectares em floração.
A ‘capulana’ é aqui traje de condolências (pode-se detalhar que mesmo as mulheres urbanizadas
que usam vestuário ocidental vestem a capulana nas cerimónias fúnebres em casa), pelo que a
simbologia da dor pela exploração colonial é manifestada por esta palavra, implicando denúncia
e luta contra a opressão. Obviamente, no sentido de criação de uma nação independente.
SIA – VUMA
O poema representa o canto, a voz coletiva. Essa expressão da língua ronga é uma espécie de
refrão que corresponde ao ‘’amém’’. Portanto, há participação de um coro que se pronuncia ao
final de cada estrofe. Evidencia-se, assim, a força e a importância da voz coletiva, que, vale
ressaltar, é muito comum nas performances orais.
Craveirinha consegue, pois, nesse poema, arquitetar o futuro desejado para Moçambique, com o
consentimento e a validação do público que ouve e responde aos pronúncios ou afirmações do
poeta – ‘’que assim seja!’’.
O poema em questão atinge uma musicalidade original, que se dá a partir das repetições, das
exclamações e, ainda, dos neologismos, como ‘’moçambicanamente’’.
Este poema se ergue como um canto de louvor ao porvir de Moçambique como nação.
Alembra bacalhau mais grelos, mais aquele azeite d’Oliveira com vinho tinto de garrafão
lacrado.
Mas nós tínhamos isso quando queríamos ou quando restava? Era nossa casa? Qual casa?
Lá naquela casa a gente puxava autoclismo pra nosso cu pró cu dos outros?
Vá! Fala lá! A gente não ficava de cócoras numa sentina? A gente tinha balde mais o quê?
Há firmeza cáustica que sedimenta as sensações e perceções do sujeito em relação ao mundo que
o envolve e que se desagrega notoriamente, corresponde a aguda e narcísica consciência do
poeta.
O poeta proleticamente parte para o apelo de valores como o do nacionalismo, patriotismo: ‘’se
não gostam, então, os que abjuram os sagrados frutos da terra mãe/ que façam lá um pai e uma
mãe’’ e heroísmo: ‘’agora alerta camarada Control. Vem aí camião com tangerinas d’inhambane/
tira dedo do gatilho e faz aceno d’alegria ao estoico motorista.
E é assim que o patriótico citrino avoluma o caudal do visionarismo poético de José Craveirinha,
numa alquímica combinação em que poema, sujeito e objeto (a ‘’tangerina’’ obviamente) se
tornam símbolo do mesmo destino: o futuro.