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Unidade Curricular de Fitness IV

2009

Noções Gerais sobre Sistemas de Alavancas e Participação Muscular nos Exercícios

Por Carlos Tavares

NOÇÕES GERAIS SOBRE SISTEMAS DE ALAVANCAS

O aparelho musculoesquelético do corpo humano é um sistema de alavancas. O modo como


as articulações e os diversos segmentos do corpo se organizam funcionam de igual modo que um
sistema de alavancas.

Em física, uma alavanca é considerada uma “barra rígida” (por vezes virtual, daí as aspas)
com um ponto fixo, em redor do qual esta pode efectuar uma rotação, quando se lhe é aplicada
uma força externa. O ponto fixo é denominado fulcro e é sobre este que a alavanca efectua a
rotação. Chamamos‐lhe ponto fixo, pois é o único ponto que não se movimenta durante uma
rotação. Esta noção é fundamental para determinar qual o fulcro da alavanca, pois estabelece o
critério para fazê‐lo, e em alguns casos, como se passa em muitos livros de fisiologia articular e
anatomia (no que se refere à articulação coxo‐femural) não é tido em consideração.

O fulcro (que pode também ser denominado de eixo) é uma linha imaginária que se localiza
perpendicular ao plano em que o movimento ocorre. O fulcro/eixo do plano sagital é o médio‐
lateral ou transversal. No plano frontal é o antero‐posterior ou sagital. No plano transverso é o
longitudinal. O plano do movimento representa a direcção do movimento, enquanto o sentido do
movimento é dado pela designação que foi estabelecida para cada movimento. Por exemplo, no
plano sagital podemos encontrar, entre outros, dois movimentos em sentidos opostos: a flexão e a
extensão. Se utilizarmos a anologia do relógio, para a análise do cotovelo, e considerarmos que o
plano do movimento é o plano do relógio, a entensão é um movimento no sentido dos ponteiros do
relógio e a flexão, um movimento no sentido contrário (excepção feita às articulações do joelho e
dos dedos dos pés).

No exemplo da figura 1 (membro superior), o fulcro localiza‐se na articulação do cotovelo, e


os ossos do antebraço percorrem um movimento angular em torno do mesmo. Neste sistema de
alavancas, em que o eixo de rotação coincide com o centro da articulação, o movimento angular
(flexão do cotovelo) acontece no plano sagital e o eixo de rotação é o eixo médio‐lateral ou
transversal.

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Figura 1 – Sistema de Alavancas e Movimento
BLOQUE 3: Bases de Biomecánica aplicada Rotacional. P – Potência (força potente); R –
Resistência (força resistente); B Potência (braço
da potência – distância mais curta entre o eixo de
rotação e o ponto de aplicação da força potente);
B Potência B Resistência (braço da resistência – distância
P mais curta entre o eixo de rotação e o ponto de
aplicação da força resistente). Os braços (de
potência ou de resistência) nem sempre são
visíveis, podem ser virtuais. Estes, dependendo da
configuração do corpo, podem não ser
representados pelos segmentos corporais, mas
R sim por uma linha imaginária que une o eixo de
B Resistência rotação e o ponto de aplicação da força.

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Uma força e qualquer tipo de carga aplicada ao corpo humano provoca um MOVIMENTO
ROTACIONAL, e portanto, dado que num sistema de alavancas deveremos utilizar a palavra
“momento de força” ou “torque” em vez de carga, peso, quilogramas,… no aparelho
musculoesquelético também.

O “torque” ou “momento de força” é denominado “par de forças” ou “binário”. É a força


que causa movimento em torno de um eixo de rotação (movimento rotatório ou angular). Portanto
TORQUE e FORÇA são virtualmente o mesmo, é só uma questão do tipo de movimento. O torque,
não obstante, tem uma componente de distância em relação a um eixo (braço de alavanca), a ser
tomada em consideração.

Figura 2 – Braço de Alavanca. Representação da variação do


braço de alavanca durante a flexão do cotovelo resistida com
uma carga inercial (e.g., halter)

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O Braço de Alavanca traduz‐se pela distância definida pela perpendicular à linha de acção
da força, que passa pelo eixo de rotação da alavanca e vai até à linha de acção da força. De uma
forma mais simples é a distância mais curta entre o eixo de rotação e a linha de acção da força.
Neste caso, quando falamos de força, estamos a referir‐nos à força linear. No exemplo da figura 2,

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o caso é uma carga inercial (halter), em que a direcção da força (vertical) dá‐nos a linha de acção da
força (desenhada a tracejado branco).

Estamos no ponto em que somos capazes de entender que quando treinamos com cargas,
um dos factores mais importantes é determinar a resistência total a actuar sobre o nosso sistema
de alavancas. Sabendo esta, somos capazes de determinar qual a potência (no caso do corpo
humano a força muscular) necessária para contrariar o potencial de movimento causado pela
resistência. A Resistência é uma força que se opõe à acção muscular, em redor do eixo e dentro de
um plano do movimento. Significa isto que para uma carga (uma força) ser resistência, esta tem de
ter uma determinada distância ao eixo, isto é, tem de haver uma distância entre o eixo de rotação e
a linha de acção da força. Na prática significa que a resistência ao movimento, não é simplesmente
a carga (a força), mas o momento da força. Por outro lado, temos de considerar que nem toda a
força se opõe ao movimento em redor do eixo. Parte desta (dependendo do ângulo de força), pode
causar translacção da alavanca (o que na prática significa forças de compressão, deslize ou tensão
sobre a articulação) e parte desta pode estar a causar rotação sobre outro eixo.

Em treino, um aspecto crucial para o processo estratégico de decisão é o Perfil da


Resistência. Este trata‐se da resistência rotatória (torque ou momento de força) que nós
encontramos em cada um dos pontos da amplitude articular de um exercício. No exemplo da figura
2, entre os 0° e os 90°, a resistência vai incrementando exponencialmente, sendo mínima aos 0° e
máxima aos 90°. É fundamental considerar este aspecto, pois o cruzamento entre o perfil da
resistência e o perfil da potência (capacidade rotatória que nós temos em cada um dos pontos da
amplitude articular de um exercício), pode dar‐nos indicações muito úteis sobre o potencial de
risco/benefício de um exercício de treino. Por exemplo, se que quisermos aumentar a amplitude de
um movimento sem incrementar o risco de lesão, então o perfil da resistência deve ser tal que a
resistência seja menor nos extremos do movimento, pois sabemos que devido a factores de ordem
fisiológica (excessiva sobreposição dos miofilamentos, com impossibilidade de estabelecer novas
ligações entre as pontes cruzadas dos miofilamentos de miosina e os miofilamentos de actina e
pouca sobreposição dos miofilamentos, diminuindo a capacidade de gerar tensão no músculo)
dificultam a nossa capacidade rotatória.

Ao entendermos o conceito de perfil da resistência, facilmente percebemos porque razão


nem sempre que treinamos com uma resistência elástica (e.g., tubos ou bandas elásticas, molas…) a
máxima resistência ocorre quando este tipo de resistência está mais estendido. Na prática a força é
máxima, neste ponto. Porém, dado que a resistência é resultado do produto entre a força e o braço
de alavanca, nem sempre que se incrementa a carga ao longo do ROM, o mesmo significa que
estamos a incrementar a resistência ou o torque ao longo do ROM. Simplesmente temos de avaliar
o perfil da resistência, ou seja, a quantidade de força pela quantidade de braço de alavanca (quanta
dessa força provoca rotação sobre a alavanca) em cada ponto do ROM. No caso de um movimento
de empurrar da extremidade superior, no plano sagital, com um elástico, em que a carga
(resistência do elástico) está numa direcção antero‐posterior, o braço de alavanca é máximo
quando o ombro se encontra a 0° e mínimo (podendo ser inclusive nulo se o elástico estiver preso à
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altura do ombro) quando o ombro se encontra a 90° de flexão. Neste caso, mesmo que a carga do
elástico seja máxima aos 90° de flexão, a resistência (torque) pode ser mínima, e o que se passa é
que o elástico está a causar forças de translação sobre o ombro. Por outro lado, se analisarmos o
movimento oposto (puxar da extremidade superior no plano sagital) com o mesmo tipo de
resistência, verificamos que aos 90° de flexão a resistência é mínima, incrementando bruscamente
durante o movimento até aos 0°, pois ao mesmo tempo que aumenta a carga no elástico, aumenta
o braço de alavanca.

PARTICIPAÇÃO MUSCULAR NOS EXERCÍCIOS

Determinar a participação muscular nos exercícios somente com base numa análise
cinesiológica, pode ser impreciso. Para uma análise correcta, temos de ter em consideração
factores de ordem mecânica, pois o que determina a participação muscular nos exercícios são as
forças e não os movimentos.

Figura 3 – Participação Muscular no Exercício. Na figura


podemos que a potência e a resistência são forças que têm a
BLOQUE 3: Bases de Biomecánica aplicada mesma direcção, mas actuam em sentidos opostos, isto é,
são forças de oposição. Quando falamos de participação
muscular no exercício, temos de, em primeiro lugar,
determinar em que sentido a resistência roda a articulação.
Apenas com base neste, somos capazes de determinar que
P Sentido da músculos têm de gerar potência para resistir às cargas
Potência externas (ou internas se se tratarem de resistências internas
– viscoelásticas). No exemplo apresentado, a resistência
causa extensão do cotovelo, logo os músculos que
contrariam isto são os flexores do cotovelo.

R
Sentido da
Resistência

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Na figura 3 está ilustrado um caso simples de análise da participação muscular no exercício.


Trata‐se de uma flexão do cotovelo resistida. Esta classificação do exercício, facilita a percepção de
quais os músculos que participam nesta acção, pois sabendo qual o movimento que é resistido,
somos capazes de determinar os músculos que contrariam esse movimento. No caso apresentado,
a resistência causa extensão do cotovelo, logo os músculos que contrariam isto são os flexores do
cotovelo.

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