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A Velhice Simone de Beauvoir
A Velhice Simone de Beauvoir
"A VELHICE
A REALIDADE INCÔMODA"
Belo Horizonte - MG
2014
"A VELHICE
A realidade incômoda"
SINOPSE: Pessimista na aparência, este ensaio recoloca em termos sócio-culturais a integração das
pessoas idosas numa sociedade que ainda se vê, unicamente, sob o ângulo da produção e do lucro.
Neste ótica, a velhice seria, apenas, "uma fase da existência, diferente da juventude e da maturidade,
mas dotada de um equilíbrio próprio e deixando aberta ao indivíduo uma ampla gama de
possibilidades". Para tanto não é o bastante recorrer-se a novos e mais generosos paliativos. É
necessário pôr em pauta uma reivindicação radical: "mudar a vida".
RESUMO
A velhice surge aos olhos da sociedade como uma espécie de segredo vergonhoso do qual é
indecente falar. Em todos os campos existe uma vasta literatura versando sobre a mulher, a criança, o
adolescente; são extremamente raras as alusões à velhice fora dos trabalhos especializados.
A fim de conciliar semelhante barbárie com a moral humanista por ela professada, a classe dominante
toma a cômoda decisão de não os considerar homens: sua voz, se fosse ouvida, forçá-la-ia a
reconhecer que se trata de uma voz humana.
Quando se trata de seu estatuto econômico dir-se-ia que os consideramos como pertencentes a uma
espécie estranha: não experimentam nem as mesmas necessidades nem os mesmo sentimentos que
os outros homens já que nos é suficiente conceder-lhes uma mísera esmola para nos considerarmos
desobrigados a seu respeito. Economistas e legisladores endossam tão cômoda ilusão quando
lamentam o peso que, para os ativos, representam os inativos. Os empresários tem todo o interesse
em destruir a solidariedade entre trabalhadores e inativos de modo que estes não sejam defendidos
por ninguém.
"É com adolescentes que duram um número suficiente de anos que a vida fabrica velhos" (Proust). Os
velhos provocam escândalo quando manifestam os mesmos desejos, sentimentos e reivindicações
dos jovens; o amor e o ciúmes, neles, parecem ridículos ou odiosos, a sexualidade é repugnante, a
violência derrisória. Pode-se, portanto, sem o menor escrúpulo, negar-lhes o mínimo considerado
necessário a uma vida de homem.
O adulto se comporta como se não devesse nunca envelhecer. A velhice surge como surge como uma
desgraça: mesmo entre os indivíduos considerados bem conservados, a decadência física por ela
acarretada patenteia-se à vista de todos pois é na especie humana que são mais espetaculares as
alterações provocadas pelos anos.
Permanecemos incrédulos diante da imagem que, para nosso futuro, nos propõem as pessoas idosas;
dentro de nós, uma voz fica a murmurar de maneira absurda que aquilo não acontecerá conosco:
quando acontecer, já não seremos mais nós mesmos. Antes de desabar sobre nós, a velhice é coisa
que só diz respeito aos outros. Pode-se, assim, compreender que a sociedade consiga evitar que
enxerguemos semelhantes nossos nos velhos.
Este desvalimento denuncia o sistema de exploração em que vivemos. O velho incapaz de prover a
suas necessidades representa sempre uma carga. Entretanto, nas coletividades onde predomina uma
certa igualdade, embora a contragosto, o homem maduro se dá conta de que amanhã sua condição
será a mesma que ele hoje atribui ao velho.
O interesse (cuidado) a longo prazo já não funciona no mundo capitalista: os privilegiados, que
decidem o destino das massas, não receiam ter de compartilhá-lo. A economia baseia-se no lucro, é
praticamente a ele que está subordinada toda a civilização: o material humano só desperta interesse
na medida em que pode ser produtivo. É, em seguida, rejeitado.
Afirmam-nos que a aposentadoria constitui a época de liberdade e dos lazeres; poetas tem enaltecido
as "delícias do porto". Mentiras deslavadas. A sociedade impõe à imensa maioria dos velhos um
padrão de vida tão miserável que a expressão "velho e pobre" quase chega a ser pleonasmo; e vice-
versa, a maior parte dos indigentes é constituída de velhos. Os lazeres não oferecem possibilidades
novas ao aposentado: na hora em que se vê liberado de constrangimentos, roubam-se ao indivíduo os
meios de utilizar sua liberdade. Condenam-no a vegetar na solidão e no tédio, como um legítimo
refugo. O fato de ser um homem reduzido à condição de "sobra", de "resto", durante os últimos quinze
ou vinte anos de sua existência, comprova a falência de nossa civilização: semelhante evidência nos
deixaria interditos se considerássemos os velhos como seres humanos, tendo às suas costas uma
existência humana, e não como cadáveres ambulantes. Aqueles que denunciam este nosso sistema
mutilador deveriam chamar a atenção para semelhante escândalo.
A sociedade determina o lugar e o papel do velho, levando em conta suas idiossincrasias individuais:
sua impotência, sua experiência; reciprocamente, o individuo é condicionado pela atitude prática e
ideológica da sociedade a seu respeito.
Embora seja a velhice, na sua qualidade de destino biológico, uma realidade trans-histórica, ainda
assim subsiste o fato de que este destino é vivido de maneira variável, segundo o contexto social.
Inversamente, o sentido ou o contra-senso que reveste a velhice no seio de uma sociedade, coloca
toda esta sociedade em questão, visto que, através dela, se desvenda o sentido ou o contra-senso de
toda a vida anterior.
Quando consideramos o individuo inteiro, a questão se torna mais complexa. Começa-se a declinar
depois de se haver atingido um apogeu: onde situá-lo? Apesar de sua interdependência, o físico e o
moral não seguem uma evolução rigorosamente paralela. O indivíduo pode sofrer perdas morais
consideráveis antes que tenha início sua degradação física; pode, ao contrário, suceder que no
decurso desta decadência ele consiga importantes ganhos intelectuais. A qual deles atribuiremos mais
valor? Cada qual dará uma resposta diferente, segundo valorize mais as aptidões corporais ou as
faculdades mentais, ou então um feliz equilíbrio entre elas.
Foi no século II que Galeno estabeleceu uma sintese geral da Medicina antiga. Considerou a velhice
como um intermediário entre a doença e a saúde. Ela não constituiria exatamente um estudo
patológico, contudo, todas as funções fisiológicas do velho se veriam reduzidas e enfraquecidas. A
ciência continua imbuída de metafísica. O humanismo tenta lutar contra a tradição mas não consegue
dela se libertar. No século XVI, Paracelso redige suas obras em alemão e não em Latim, por uma
questão de modernismo. Tem algumas intuições novas e extraordinárias porém mergulhadas em
teorias complicadas segundo as quais o homem é um "composto químico" e a velhice, consequência
de uma autointoxicação.
Foi a partir de meados do século XIX que a geriatria - ainda não designada desta maneira - começou a
realmente existir. Viu-se favorecida na França pela criação de vastos asilos onde se achavam
reunidos numerosos velhos. Charcot ali pronunciou célebres conferências sobre a velhice, as quais,
publicadas em 1886, alcançaram enorme repercussão. Surgiram então muitos tratados de higiene,
estereotipados e sem interesse. Mas a Medicina Preventiva, de modo geral, cedeu lugar à terapêutica:
houve, daí por diante, a preocupação de curar os velhos.
Considera-se o americano Nascher como sendo o pai da geriatria.Nascido em Viena veio quando era
criança para Nova Iorque onde estudou Medicina. Visitando um asilo em companhia de um grupo de
estudantes, ouviu uma velha queixar-se ao professor de diversos distúrbios. Explicou-lhe aquele que
sua doença era a idade avançada. Voltando a Viena, visitou uma casa de velhos; impressionou-se
com sua longevidade e com seu excelente estado de saúde. - " É porque tratamos os pacientes idosos
como os pediatras tratam as crianças", explicaram-lhe os colegas. Aquilo levou-o a criar um ramo
especial da medicina a que deu o nome de geriatria.
A senescência, afirma o gerontólogo americano Howell, "não é uma ladeira que todos descem com
igual velocidade. É um lanço de degraus irregulares pelos quais alguns se despencam mais depressa
que outros". Consegue-se habitualmente manter a saúde física do indivíduo enquanto seu espírito
conserva equilíbrio e vigor. A saúde se estraga quando baqueia o moral. O indivíduo de mais de 60
anos reage mal a teste de inteligência em que o tempo é medido: pode equiparar-se e até mesmo
superar o adulto quando não há limitação cronométrica.
Para compreender a realidade e o significado da velhice é, portanto, indispensável examinar qual o
lugar nela atribuído aos velhos, qual a imagem que deles se tem em diferentes épocas e em diferentes
lugares. O que existe de realmente inelutável na condição do velho? Em que medida é a sociedade
responsável por isto?
Ninguém ignora a importância que tem no desenvolvimento ulterior de sua personalidade a maneira
como é tratada uma criança. Carente de alimento, de proteção e de ternura, ela cresce cheia de
rancor, de medo e até de ódio; quando adulta, suas relações com os demais são agressivas e não
cuidará de seus velhos pais quando estes se tornarem incapazes de cuidarem de si mesmos. Ao
contrário, quando os pais alimentam convenientemente e dão carinho a seus filhos, fazem deles
criaturas felizes, expansivas, benevolentes e nas quais se desenvolvem sentimentos altruístas: serão
especialmente apegadas a seus ascendentes, reconhecem e cumprem seus deveres para com eles.
Os velhos poderiam contar com uma sobrevivência se conservassem a capacidade de trabalho. Mas
se tiverem sido mal alimentados, mal cuidados e desgastados pelo trabalho, tornar-se-ão muito cedo
impotentes. Neste caso também se estabelece, muitas vezes, um círculo vicioso e, para eles, nefasto.
Para um homem de idade, é muito diferente ser encarado como um fardo incomodo ou ver-se
integrado numa comunidade cujos membros decidiram sacrificar até certo ponto suas riquezas para
lhes garantir a velhice. A palavra declínio só tem sentido com relação a uma determinada meta de que
nos aproximamos ou nos afastamos. O que define o sentido e o valor da velhice é o sentido atribuído
pelos homens à existência, é o seu sistema global de valores. E vice-versa: segundo a maneira pela
qual se comporta para com seus velhos, a sociedade desvenda, sem equívocos, a verdade- tantas
vezes cuidadosamente mascarada- de seus princípios e de seus fins.
São muito diversas as soluções práticas adotadas pelos primitivos com relação aos problemas
suscitados pelos velhos: matam-nos, deixam-nos morrer, concedem-lhes um mínimo vital,
proporcionam-lhes um fim confortável, ou mesmo cumulam-nos de honrarias e respeito. Veremos que
os chamados povos civilizados lhes aplicam os mesmos tratamentos; só é proibido o assassinato,
quando não disfarçado.
Os velhos não dispõem de nenhuma arma e seu problema consiste estritamente num problema de
adultos ativos. Estes decidem, segundo seu próprio interesse prático e ideológico, qual o papel que
convém atribuir aos anciãos. Os ideólogos criam concepções de velhice conforme aos interesses de
sua classe. O papel desempenhando na família pelos homens de idade é um reflexo do que lhes é
conferido pelo Estado.
O século XVIII francês foi sombrio, atormentado, entregue às desordens e aos conflitos que
culminaram com a Revolução. Nele se desenvolveu uma literatura que retrata o homem com
severidade e até com maldade. A burguesia, no entanto, professa o otimismo. Faz uma apologia cheia
de emoção do Homem, do qual se julga a mais perfeita encarnação: a natureza humana é boa, todos
os homens são irmãos, cada qual deve respeitar a liberdade e as opiniões de seu próximo. Amai
vosso próximo como a vós mesmos, por amor de vós mesmos, torna-se o preceito fundamental da
moral. O século XVIII explora o tempo e o espaço: deixou de ser unicamente o reino do adulto
civilizado. Os "selvagens" despertam interesse. Rousseau lembra aos adultos as crianças que um dia
foram e eles nelas se reconhecem. A criança passou a desempenhar um papel muito mais importante
na família. Os adultos reconhecem no velho sua futura imagem. O homem idoso chega mesmo a
adquirir uma importância especial pelo fato de simbolizar a unidade e a permanência da família: esta,
com a transmissão das riquezas possibilita seu acúmulo; é a base do capitalismo, ao mesmo tempo, o
terreno onde floresce o individualismo burguês.
A ideia da não reciprocidade é insuficiente para definir positivamente o relacionamento do adulto com
as pessoas idosas. Depende do relacionamento dos filhos com os pais e sobretudo- visto vivermos
num universo masculino e ser a velhice antes de tudo um problema masculino- do relacionamento
mantido pelos filhos, através da mãe, com seu pai.
A duplicidade é a principal característica da atitude prática do adulto com relação aos velhos. Inclina-
se ele, até certo ponto, diante da moral oficial imposta, como vimos, nestes últimos séculos, e pela
qual ele se vê forçado a respeitá-los. Convém-lhe, entretanto, tratá-los como seres inferiores e
convencê-los de sua própria decadência. Empenhar-se-á em fazer o pai sentir suas deficiências, sua
falta de habilidade a fim de que o velho lhe ceda a gestão dos negócios, lhe poupe os conselhos e se
conforme com um papel passivo. Quando, pressionado pela opinião pública, ele se vê obrigado a dar
assistência aos velhos pais, pretende governá-los como melhor lhe parece: e quanto mais incapazes
de se dirigirem sozinhos ele os julgar, menos escrúpulos terá.
É sorrateira a maneira pela qual o adulto tiraniza o velho que se acha na sua dependência. Não se
atreve a lhe dar ordens abertamente pois ele não lhe deve obediência: evita atacá-lo de frente,
manobra-o. Alega estar agindo em seu interesse, evidentemente, e conta com a cumplicidade de toda
a família. Desgasta-se a resistência do avô cumulando-o de atenções que o paralisam, tratam-no com
irônica benevolência, dirigem-se a ele como se fosse curto de inteligência, chegando-se ao ponto de
trocar olhadelas cúmplices às escondidas, além das palavras ferinas de vez em quando proferidas.
Quando falham as astúcias e a persuasão, não se hesita em recorrer a mentiras ou a forçá-los a ceder
de maneira drástica. Os interesses em jogo nessa luta não são apenas de ordem prática mas também
de ordem moral: pretende-se obrigar os velhos a se conformarem com a imagem deles formada pela
sociedade. São-lhes imposta restrições em questões de vestuário, decência de maneiras, respeito
pelas aparências.
Há três nações capitalistas que consideram imprescindíveis assegurar a todos os cidadãos um destino
decente: a Suécia, a Dinamarca e a Noruega. Sendo pouco povoados, a vida política aí se desenvolve
sem grandes conflitos e, em pleno regime capitalista liberal, neles se construiu uma espécie de
socialismo. A fim de garantir para todos uma proteção tão completa quanto possível, pesam severos
impostos sobre os rendimentos muito altos e sobre os artigos de luxo. A primeira legislação sobre a
velhice data apenas de 1930, mas o sistema de seguros cobre atualmente toda a população e se acha
em constante aprimoramento.
Nos outros países capitalistas a situação é inteiramente diferente. Neles se leva em conta quase
exclusivamente o interesse da economia, isto é, do capital, e não o dos indivíduos. Eliminados muito
depressa do mercado de trabalho, os aposentados constituem um encargo que as sociedades
baseadas no lucro assumem de maneira mesquinha. A solução mais correta seria permitir aos
trabalhadores que continuassem ativos enquanto pudessem, garantindo-lhes, em seguida, uma
experiência decente. Aposentá-los cedo, assegurando-lhes um nível de vida satisfatório, também seria
uma opção válida. Mas as democracias burguesas, quando tiram ao indivíduo a possibilidade de
trabalhar, condenam a maioria deles a miséria.
O conjunto dos inquéritos, o exemplo dos países escandinavos provam que a inatividade imposta aos
velhos não é uma fatalidade natural mas a consequência de uma opção social. O progresso técnico
desqualifica o velho operário; sua formação profissional, realizada há quarenta anos, é geralmente
insuficiente; uma reciclagem conveniente poderia melhorá-la. Por outro lado, a doença e o cansaço o
fazem ansiar pelo repouso: não há aí nenhuma consequência direta de senescência. Um homem de
65 anos cujas forças houvessem sido poupadas poderia desempenhar sem dificuldade tarefas
demasiadamente pesadas para um velho operário desgastado. Podemos imaginar uma sociedade que
exigisse deles um esforço menor, menos hora de trabalho durante sua vida adulta de modo que não
estivessem reduzidos a farrapos humanos aos 60 ou 65 anos: é o que se faz parcialmente na Suécia e
na Noruega. Mas em nossa sociedade onde só se leva em conta o lucro, os patrões preferem
evidentemente, uma exploração intensiva dos assalariados: quando os esgotam, rejeitam-nos e
admitem outros, entregando ao Estado o cuidado de lhes outorgar uma esmola.
A sociedade, tal como é, impõe uma escolha monstruosa: devem-se sacrificar milhões de jovens ou
permitir que milhões de velhos vegetem miseravelmente. Todo mundo está de acordo em rejeitar a
primeira solução: resta, portanto, a segunda. Não se trata somente dos hospitais e dos asilos: a
sociedade toda constitui para o velho um imenso "morredor".
A autora buscou trazer uma consciência política para seus leitores através de alusões aos
estatutos estabelecidos nas várias sociedades existentes: desde as sociedades conhecidas
através dos mitos e lendas (como a mitologia grega e as lendas africanas), passando pelas
primeiras civilizações que possuem registros fósseis e manuscritos (como as da
Mesopotâmia), e, concluindo com a contemporaneidade do século XX. Estes estatutos nada
mais significam do que a forma de organização dessas populações, ou seja, sua forma de
organização familiar (patriarcal ou matriarcal), sua forma de organização política,e,
principalmente, a função social de cada indivíduo dentro das mesmas.
Nessa viagem histórica, temos que nas sociedades da Antiguidade, os indivíduos de idade
avançada eram tidos como seres superiores, seres que estavam no limite entre o humano e o
sobrenatural, aos quais todo o restante da população devia o profundo respeito, e também, os
que eram consultados para a tomada de decisões sobre os posicionamentos políticos. Os
idosos permaneceram nessa posição de detentor da sabedoria e de máxima experiência até o
despontar da era de intenso fervor e desenvolvimento industrial.
Esses eventos acima citados vieram como forma de legitimização do modelo capitalista de
controle econômico que, refletiu no modelo político neoliberal sob o qual vive-se atualmente.
Este modelo político-econômico, o qual teve o seu pontapé inicial com a formação dos
burgos, na Idade Média, fez concretizar dentro das sociedades a denominada classe média.
Esta classe se torna a protagonista na defesa da obtenção do lucro em detrimento da
exploração das classes menos favorecidas e das riquezas ambientais, como também,
protagoniza o cenário da livre concorrência de mercado, a nível nacional e internacional,
legalizando as diversas formas de se conseguir sempre um nível ascendente de bens e
riquezas, formando assim, o que chamamos de individualismo burguês. Tal individualismo,
atualmente, foi o responsável pela adoção e manutenção do neoliberalismo.
Todo esse cenário refletiu no modo de se ver a velhice à medida que se tornou "proibido" o
envelhecer: desde as civilizações da Mesopotâmia, os indivíduos se deslumbravam na busca
pela fonte da juventude ou pela magia que assegurasse a vida eterna. Daí, no campo da
Medicina, vários cientistas buscaram formas de explicar a senescência, seja por razões
biológicas (diminuição do metabolismo e atrofia dos órgão), seja caracterizando o avançar da
idade como já sendo "a patologia".
Do sinergismo entre o contexto político e o conceito biológico determinado para o idoso, este
foi obrigado a cada vez mais se afastar da vida produtiva. Daí, como estava havendo um
crescimento da parcela da população com idade avançada, houve a necessidade de se
instituir medidas que assegurassem um mínimo de recursos financeiros para garantir a
sobrevivência destas pessoas. Foi quando surgiram os primórdios do que chamamos
atualmente de aposentadoria.
Toda essa situação de desvio dos recursos do Estado, que deveriam ir para a sua população,
com o fim de enriquecer as iniciativas privadas - iniciativas estas formadas pelos poucos que
conseguiram o acesso que os permitiram se sobressair dentro da multidão de cidadãos
comuns, isto devido à algum já conhecido favorecimento familiar, ou, até mesmo, devido a um
sacrifício das famílias comuns a fim de compensar àqueles filhos mais queridos ou aos que
aparentemente parecem apresentam maior capacidade intelectual que os demais - faz com
que o Estado sempre esteja em dívida para com seus os cidadãos.
Voltando à questão da velhice, percebemos o reflexo de todo esse cenário político nos idosos:
estes foram obrigados a deixar seus empregos, pois já não apresentavam o ritmo de trabalho
esperado, e assim, se veem subjugados por essa forma de desobrigação empregatícia, como
também, se veem limitados pela redução do seus antigos rendimentos salariais para um
rendimento único sob a forma de uma aposentadoria que, muitas vezes, não condiz com a
real contribuição para o Estado de seus muitos anos de trabalho.
Essa realidade existe para todos os cidadãos, desde crianças até os idosos, porém, ela não é
vista de forma tão clara devido às rotinas da vida - jornada de trabalho, jornada de estudos, a
pressão exercida pelas muitas provas da vida, a busca incessante pelo lazer que nunca é o
bastante, etc. Porém, quando o idoso consegue seu descanso de toda essa rotina imposta a
ele desde jovem, a partir do advento das indústrias e da incessante necessidade de sempre
se aumentar o ritmo de produção, ele passa a enxergar o vazio de sua representação como
sujeito social dentro da comunidade a qual ele mesmo ajudou a desenvolver. Ou seja, ele
percebe que em todo o seu tempo de vida, houve apenas a exploração de sua força de
trabalho a fim de que possa gerar riquezas para as empresas ou para o Estado, e também,
para que este possa ganhar o seu salário e possa ter o poder de compra.
Para finalizar, de acordo com a autora Simone de Beauvoir, todo o sistema político e
econômico vigentes busca apenas usar os cidadãos para fortalecer a busca pelo lucro, e
assim, fortalecer "o capital": a base de sustentação de todo o sistema capitalista. Daí, após a
usurpação máxima da força de trabalho, seja ela técnica ou intelectual, esse sujeito é tido
como inútil, e, para que ele não reivindique seus Direitos plenos, o Estado lhe concede um
benefício ínfimo, sob a forma de aposentadoria, com o intuito de fazer com que esse cidadão
esqueça de toda a sua dignidade humana.