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FUNDAÇÃO EDUCACIONAL LUCAS MACHADO

FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DE MINAS GERAIS

"A VELHICE

A REALIDADE INCÔMODA"

Resenha do livro "A velhice", da autora Simone


de Beauvoir, apresentada pela acadêmica Lívia
Paula Freitas de Calado, do 5º ano de Medicina
da Faculdade de Ciências Médicas de Minas
Gerais, para obtenção de créditos parciais na
disciplina de Internato em Saúde do Idoso, cujo
professor coordenador é o doutor José Ivani.

Belo Horizonte - MG

2014
"A VELHICE

A realidade incômoda"

Simone de Beauvoir, 1970.

Escritora, ícone do feminismo e filósofa integrante do movimento existencialista, Simone Lucie-


Ernestine-Marie Bertrand de Beuavoir, nasceu na cidade de Paris, na França. Seu pai era o
advogado Georges Bertrand de Beauvoir, ex-membro da aristocracia francesa. A mãe era Françoise
Brasseur, filha da alta burguesia. Crescendo em um ambiente culto, ela se devota de corpo e alma aos
estudos, impelida também por uma infinita vontade de descerrar os segredos do mundo.

SINOPSE: Pessimista na aparência, este ensaio recoloca em termos sócio-culturais a integração das
pessoas idosas numa sociedade que ainda se vê, unicamente, sob o ângulo da produção e do lucro.
Neste ótica, a velhice seria, apenas, "uma fase da existência, diferente da juventude e da maturidade,
mas dotada de um equilíbrio próprio e deixando aberta ao indivíduo uma ampla gama de
possibilidades". Para tanto não é o bastante recorrer-se a novos e mais generosos paliativos. É
necessário pôr em pauta uma reivindicação radical: "mudar a vida".
RESUMO

A velhice surge aos olhos da sociedade como uma espécie de segredo vergonhoso do qual é
indecente falar. Em todos os campos existe uma vasta literatura versando sobre a mulher, a criança, o
adolescente; são extremamente raras as alusões à velhice fora dos trabalhos especializados.

"Quebrar a conspiração do silêncio"!! (BEAUVOIR, S.) Como observa Marcuse, a sociedade de


consumo substituiu uma consciência infeliz por uma consciência feliz e reprova todo e qualquer
sentimento de culpa. É necessário turvar semelhante tranquilidade que, no respeitante às pessoas
idosas, deixa de ser apenas culpada para se tornar criminosa. Acobertada pelos mitos da expansão e
da abundância, a sociedade trata os velhos como párias (desqualificados).

A fim de conciliar semelhante barbárie com a moral humanista por ela professada, a classe dominante
toma a cômoda decisão de não os considerar homens: sua voz, se fosse ouvida, forçá-la-ia a
reconhecer que se trata de uma voz humana.

Quando se trata de seu estatuto econômico dir-se-ia que os consideramos como pertencentes a uma
espécie estranha: não experimentam nem as mesmas necessidades nem os mesmo sentimentos que
os outros homens já que nos é suficiente conceder-lhes uma mísera esmola para nos considerarmos
desobrigados a seu respeito. Economistas e legisladores endossam tão cômoda ilusão quando
lamentam o peso que, para os ativos, representam os inativos. Os empresários tem todo o interesse
em destruir a solidariedade entre trabalhadores e inativos de modo que estes não sejam defendidos
por ninguém.

"É com adolescentes que duram um número suficiente de anos que a vida fabrica velhos" (Proust). Os
velhos provocam escândalo quando manifestam os mesmos desejos, sentimentos e reivindicações
dos jovens; o amor e o ciúmes, neles, parecem ridículos ou odiosos, a sexualidade é repugnante, a
violência derrisória. Pode-se, portanto, sem o menor escrúpulo, negar-lhes o mínimo considerado
necessário a uma vida de homem.

O adulto se comporta como se não devesse nunca envelhecer. A velhice surge como surge como uma
desgraça: mesmo entre os indivíduos considerados bem conservados, a decadência física por ela
acarretada patenteia-se à vista de todos pois é na especie humana que são mais espetaculares as
alterações provocadas pelos anos.

Permanecemos incrédulos diante da imagem que, para nosso futuro, nos propõem as pessoas idosas;
dentro de nós, uma voz fica a murmurar de maneira absurda que aquilo não acontecerá conosco:
quando acontecer, já não seremos mais nós mesmos. Antes de desabar sobre nós, a velhice é coisa
que só diz respeito aos outros. Pode-se, assim, compreender que a sociedade consiga evitar que
enxerguemos semelhantes nossos nos velhos.
Este desvalimento denuncia o sistema de exploração em que vivemos. O velho incapaz de prover a
suas necessidades representa sempre uma carga. Entretanto, nas coletividades onde predomina uma
certa igualdade, embora a contragosto, o homem maduro se dá conta de que amanhã sua condição
será a mesma que ele hoje atribui ao velho.

O interesse (cuidado) a longo prazo já não funciona no mundo capitalista: os privilegiados, que
decidem o destino das massas, não receiam ter de compartilhá-lo. A economia baseia-se no lucro, é
praticamente a ele que está subordinada toda a civilização: o material humano só desperta interesse
na medida em que pode ser produtivo. É, em seguida, rejeitado.

Afirmam-nos que a aposentadoria constitui a época de liberdade e dos lazeres; poetas tem enaltecido
as "delícias do porto". Mentiras deslavadas. A sociedade impõe à imensa maioria dos velhos um
padrão de vida tão miserável que a expressão "velho e pobre" quase chega a ser pleonasmo; e vice-
versa, a maior parte dos indigentes é constituída de velhos. Os lazeres não oferecem possibilidades
novas ao aposentado: na hora em que se vê liberado de constrangimentos, roubam-se ao indivíduo os
meios de utilizar sua liberdade. Condenam-no a vegetar na solidão e no tédio, como um legítimo
refugo. O fato de ser um homem reduzido à condição de "sobra", de "resto", durante os últimos quinze
ou vinte anos de sua existência, comprova a falência de nossa civilização: semelhante evidência nos
deixaria interditos se considerássemos os velhos como seres humanos, tendo às suas costas uma
existência humana, e não como cadáveres ambulantes. Aqueles que denunciam este nosso sistema
mutilador deveriam chamar a atenção para semelhante escândalo.

Só se consegue abalar uma sociedade através de uma concentração de esforços na questão do


destino dos menos favorecidos. Exigir que os homens permaneçam homens quando avançados
em anos implicaria uma transformação radical. É impossível chegar a este resultado através de
algumas reformas restritas que deixem o sistema intacto: é a exploração dos trabalhadores, a
atomização da sociedade, a miséria de uma cultura apanágio de um mandarinato (a favor dos que
mandam) que levam a essas velhices desumanizadas.

A sociedade determina o lugar e o papel do velho, levando em conta suas idiossincrasias individuais:
sua impotência, sua experiência; reciprocamente, o individuo é condicionado pela atitude prática e
ideológica da sociedade a seu respeito.

Embora seja a velhice, na sua qualidade de destino biológico, uma realidade trans-histórica, ainda
assim subsiste o fato de que este destino é vivido de maneira variável, segundo o contexto social.
Inversamente, o sentido ou o contra-senso que reveste a velhice no seio de uma sociedade, coloca
toda esta sociedade em questão, visto que, através dela, se desvenda o sentido ou o contra-senso de
toda a vida anterior.
Quando consideramos o individuo inteiro, a questão se torna mais complexa. Começa-se a declinar
depois de se haver atingido um apogeu: onde situá-lo? Apesar de sua interdependência, o físico e o
moral não seguem uma evolução rigorosamente paralela. O indivíduo pode sofrer perdas morais
consideráveis antes que tenha início sua degradação física; pode, ao contrário, suceder que no
decurso desta decadência ele consiga importantes ganhos intelectuais. A qual deles atribuiremos mais
valor? Cada qual dará uma resposta diferente, segundo valorize mais as aptidões corporais ou as
faculdades mentais, ou então um feliz equilíbrio entre elas.

Foi no século II que Galeno estabeleceu uma sintese geral da Medicina antiga. Considerou a velhice
como um intermediário entre a doença e a saúde. Ela não constituiria exatamente um estudo
patológico, contudo, todas as funções fisiológicas do velho se veriam reduzidas e enfraquecidas. A
ciência continua imbuída de metafísica. O humanismo tenta lutar contra a tradição mas não consegue
dela se libertar. No século XVI, Paracelso redige suas obras em alemão e não em Latim, por uma
questão de modernismo. Tem algumas intuições novas e extraordinárias porém mergulhadas em
teorias complicadas segundo as quais o homem é um "composto químico" e a velhice, consequência
de uma autointoxicação.

Foi a partir de meados do século XIX que a geriatria - ainda não designada desta maneira - começou a
realmente existir. Viu-se favorecida na França pela criação de vastos asilos onde se achavam
reunidos numerosos velhos. Charcot ali pronunciou célebres conferências sobre a velhice, as quais,
publicadas em 1886, alcançaram enorme repercussão. Surgiram então muitos tratados de higiene,
estereotipados e sem interesse. Mas a Medicina Preventiva, de modo geral, cedeu lugar à terapêutica:
houve, daí por diante, a preocupação de curar os velhos.

Considera-se o americano Nascher como sendo o pai da geriatria.Nascido em Viena veio quando era
criança para Nova Iorque onde estudou Medicina. Visitando um asilo em companhia de um grupo de
estudantes, ouviu uma velha queixar-se ao professor de diversos distúrbios. Explicou-lhe aquele que
sua doença era a idade avançada. Voltando a Viena, visitou uma casa de velhos; impressionou-se
com sua longevidade e com seu excelente estado de saúde. - " É porque tratamos os pacientes idosos
como os pediatras tratam as crianças", explicaram-lhe os colegas. Aquilo levou-o a criar um ramo
especial da medicina a que deu o nome de geriatria.

A senescência, afirma o gerontólogo americano Howell, "não é uma ladeira que todos descem com
igual velocidade. É um lanço de degraus irregulares pelos quais alguns se despencam mais depressa
que outros". Consegue-se habitualmente manter a saúde física do indivíduo enquanto seu espírito
conserva equilíbrio e vigor. A saúde se estraga quando baqueia o moral. O indivíduo de mais de 60
anos reage mal a teste de inteligência em que o tempo é medido: pode equiparar-se e até mesmo
superar o adulto quando não há limitação cronométrica.
Para compreender a realidade e o significado da velhice é, portanto, indispensável examinar qual o
lugar nela atribuído aos velhos, qual a imagem que deles se tem em diferentes épocas e em diferentes
lugares. O que existe de realmente inelutável na condição do velho? Em que medida é a sociedade
responsável por isto?

Nas sociedades humanas, como em muitas outras espécies a experiência e os conhecimentos


acumulados constituem um trunfo para os velhos. Eles são frequentemente expulsos da coletividade
de maneira mais ou menos brutal. Todavia, o drama da idade se dá, não no plano sexual, mas sim no
econômico. O velho não é, como entre os antropóides, um indivíduo que se tornou incapaz de lutar,
mas sim aquele que já não pode trabalhar; uma boca inútil, portanto. Sua condição jamais depende
apenas dos dados biológicos: intervém também fatores culturais.

Ninguém ignora a importância que tem no desenvolvimento ulterior de sua personalidade a maneira
como é tratada uma criança. Carente de alimento, de proteção e de ternura, ela cresce cheia de
rancor, de medo e até de ódio; quando adulta, suas relações com os demais são agressivas e não
cuidará de seus velhos pais quando estes se tornarem incapazes de cuidarem de si mesmos. Ao
contrário, quando os pais alimentam convenientemente e dão carinho a seus filhos, fazem deles
criaturas felizes, expansivas, benevolentes e nas quais se desenvolvem sentimentos altruístas: serão
especialmente apegadas a seus ascendentes, reconhecem e cumprem seus deveres para com eles.

Os velhos poderiam contar com uma sobrevivência se conservassem a capacidade de trabalho. Mas
se tiverem sido mal alimentados, mal cuidados e desgastados pelo trabalho, tornar-se-ão muito cedo
impotentes. Neste caso também se estabelece, muitas vezes, um círculo vicioso e, para eles, nefasto.

Para um homem de idade, é muito diferente ser encarado como um fardo incomodo ou ver-se
integrado numa comunidade cujos membros decidiram sacrificar até certo ponto suas riquezas para
lhes garantir a velhice. A palavra declínio só tem sentido com relação a uma determinada meta de que
nos aproximamos ou nos afastamos. O que define o sentido e o valor da velhice é o sentido atribuído
pelos homens à existência, é o seu sistema global de valores. E vice-versa: segundo a maneira pela
qual se comporta para com seus velhos, a sociedade desvenda, sem equívocos, a verdade- tantas
vezes cuidadosamente mascarada- de seus princípios e de seus fins.

São muito diversas as soluções práticas adotadas pelos primitivos com relação aos problemas
suscitados pelos velhos: matam-nos, deixam-nos morrer, concedem-lhes um mínimo vital,
proporcionam-lhes um fim confortável, ou mesmo cumulam-nos de honrarias e respeito. Veremos que
os chamados povos civilizados lhes aplicam os mesmos tratamentos; só é proibido o assassinato,
quando não disfarçado.

Os velhos não dispõem de nenhuma arma e seu problema consiste estritamente num problema de
adultos ativos. Estes decidem, segundo seu próprio interesse prático e ideológico, qual o papel que
convém atribuir aos anciãos. Os ideólogos criam concepções de velhice conforme aos interesses de
sua classe. O papel desempenhando na família pelos homens de idade é um reflexo do que lhes é
conferido pelo Estado.

O século XVIII francês foi sombrio, atormentado, entregue às desordens e aos conflitos que
culminaram com a Revolução. Nele se desenvolveu uma literatura que retrata o homem com
severidade e até com maldade. A burguesia, no entanto, professa o otimismo. Faz uma apologia cheia
de emoção do Homem, do qual se julga a mais perfeita encarnação: a natureza humana é boa, todos
os homens são irmãos, cada qual deve respeitar a liberdade e as opiniões de seu próximo. Amai
vosso próximo como a vós mesmos, por amor de vós mesmos, torna-se o preceito fundamental da
moral. O século XVIII explora o tempo e o espaço: deixou de ser unicamente o reino do adulto
civilizado. Os "selvagens" despertam interesse. Rousseau lembra aos adultos as crianças que um dia
foram e eles nelas se reconhecem. A criança passou a desempenhar um papel muito mais importante
na família. Os adultos reconhecem no velho sua futura imagem. O homem idoso chega mesmo a
adquirir uma importância especial pelo fato de simbolizar a unidade e a permanência da família: esta,
com a transmissão das riquezas possibilita seu acúmulo; é a base do capitalismo, ao mesmo tempo, o
terreno onde floresce o individualismo burguês.

A ideia da não reciprocidade é insuficiente para definir positivamente o relacionamento do adulto com
as pessoas idosas. Depende do relacionamento dos filhos com os pais e sobretudo- visto vivermos
num universo masculino e ser a velhice antes de tudo um problema masculino- do relacionamento
mantido pelos filhos, através da mãe, com seu pai.

A duplicidade é a principal característica da atitude prática do adulto com relação aos velhos. Inclina-
se ele, até certo ponto, diante da moral oficial imposta, como vimos, nestes últimos séculos, e pela
qual ele se vê forçado a respeitá-los. Convém-lhe, entretanto, tratá-los como seres inferiores e
convencê-los de sua própria decadência. Empenhar-se-á em fazer o pai sentir suas deficiências, sua
falta de habilidade a fim de que o velho lhe ceda a gestão dos negócios, lhe poupe os conselhos e se
conforme com um papel passivo. Quando, pressionado pela opinião pública, ele se vê obrigado a dar
assistência aos velhos pais, pretende governá-los como melhor lhe parece: e quanto mais incapazes
de se dirigirem sozinhos ele os julgar, menos escrúpulos terá.

É sorrateira a maneira pela qual o adulto tiraniza o velho que se acha na sua dependência. Não se
atreve a lhe dar ordens abertamente pois ele não lhe deve obediência: evita atacá-lo de frente,
manobra-o. Alega estar agindo em seu interesse, evidentemente, e conta com a cumplicidade de toda
a família. Desgasta-se a resistência do avô cumulando-o de atenções que o paralisam, tratam-no com
irônica benevolência, dirigem-se a ele como se fosse curto de inteligência, chegando-se ao ponto de
trocar olhadelas cúmplices às escondidas, além das palavras ferinas de vez em quando proferidas.
Quando falham as astúcias e a persuasão, não se hesita em recorrer a mentiras ou a forçá-los a ceder
de maneira drástica. Os interesses em jogo nessa luta não são apenas de ordem prática mas também
de ordem moral: pretende-se obrigar os velhos a se conformarem com a imagem deles formada pela
sociedade. São-lhes imposta restrições em questões de vestuário, decência de maneiras, respeito
pelas aparências.

Há três nações capitalistas que consideram imprescindíveis assegurar a todos os cidadãos um destino
decente: a Suécia, a Dinamarca e a Noruega. Sendo pouco povoados, a vida política aí se desenvolve
sem grandes conflitos e, em pleno regime capitalista liberal, neles se construiu uma espécie de
socialismo. A fim de garantir para todos uma proteção tão completa quanto possível, pesam severos
impostos sobre os rendimentos muito altos e sobre os artigos de luxo. A primeira legislação sobre a
velhice data apenas de 1930, mas o sistema de seguros cobre atualmente toda a população e se acha
em constante aprimoramento.

Nos outros países capitalistas a situação é inteiramente diferente. Neles se leva em conta quase
exclusivamente o interesse da economia, isto é, do capital, e não o dos indivíduos. Eliminados muito
depressa do mercado de trabalho, os aposentados constituem um encargo que as sociedades
baseadas no lucro assumem de maneira mesquinha. A solução mais correta seria permitir aos
trabalhadores que continuassem ativos enquanto pudessem, garantindo-lhes, em seguida, uma
experiência decente. Aposentá-los cedo, assegurando-lhes um nível de vida satisfatório, também seria
uma opção válida. Mas as democracias burguesas, quando tiram ao indivíduo a possibilidade de
trabalhar, condenam a maioria deles a miséria.

Encontram-se velhos ativos entre os agricultores, os chefes de estabelecimentos, os pequenos


empresários, os artesãos e trabalhadores independentes; entre as mulheres, na agricultura, no
pessoal doméstico, nos serviços de saúde, no comércio. Mas, no setor industrial, a idade acarreta uma
desvalorização tanto entre os operários quanto entre os empregados categorizados. A priori, os
empregadores se acautelam contra as pessoas de idade: este fato se torna incontestável quando se
examinam as ofertas de empregos.

Não existe diferença muito acentuada entre as possibilidades de um homem de 60 anos e as de um


de 50. A força muscular chega ao máximo aos 27 anos; aos 60, está 16,5% reduzida, isto é, só perdeu
7% com relação às pessoas de 48 a 52 anos. Quanto à habilidade manual, pouco varia dos 15 aos 50
anos. Entre os 60 e 69 anos, o tempo requerido para a execução aumenta 15%.

Durante o congresso de gerontologia realizado em Londres em 1954, um dos relatores, Patterson,


concluiu, comparando os trabalhadores de 60 anos aos mais jovens: "Seu rendimento quantitativo é
quase o mesmo e seu trabalho e de melhor qualidade... ". Por outro lado, um inquérito efetuado sobre
18 000 empregados revelou que, em vez de aumentar, o número de faltas ao trabalho diminui com a
idade.
As atividades que melhor convém aos idosos são as que requerem conhecimentos, cuidado e que
permitem uma certa amplitude de tempo. A qualidade do trabalho por eles fornecido é geralmente
reconhecida na indústria. Sua consciência profissional é muito mais acentuada. Avalia-se que, com a
idade aumentam: gosto, regularidade do ritmo, método, pontualidade, atenção concentrada e vigilante,
boa vontade, disciplina, prudência, paciência, acabamento do trabalho.

Durante os períodos de aprendizagem, entretanto, as pessoas idosas tem de superar alguns


empecilhos. O nervosismo e a ansiedade provocam perdas de memória e esta situação se agrava
quando tem de competir com jovens. Um homem de 72 anos realizou testes de maneira tão
satisfatória quanto um de 35 enquanto julgou ser o único a enfrentá-los; quando soube que tinha um
rival mais jovem, fracassou por complexo de inferioridade. O receio de cometer erros leva as pessoas
de idade a se cristalizarem numa atitude negativa.

O conjunto dos inquéritos, o exemplo dos países escandinavos provam que a inatividade imposta aos
velhos não é uma fatalidade natural mas a consequência de uma opção social. O progresso técnico
desqualifica o velho operário; sua formação profissional, realizada há quarenta anos, é geralmente
insuficiente; uma reciclagem conveniente poderia melhorá-la. Por outro lado, a doença e o cansaço o
fazem ansiar pelo repouso: não há aí nenhuma consequência direta de senescência. Um homem de
65 anos cujas forças houvessem sido poupadas poderia desempenhar sem dificuldade tarefas
demasiadamente pesadas para um velho operário desgastado. Podemos imaginar uma sociedade que
exigisse deles um esforço menor, menos hora de trabalho durante sua vida adulta de modo que não
estivessem reduzidos a farrapos humanos aos 60 ou 65 anos: é o que se faz parcialmente na Suécia e
na Noruega. Mas em nossa sociedade onde só se leva em conta o lucro, os patrões preferem
evidentemente, uma exploração intensiva dos assalariados: quando os esgotam, rejeitam-nos e
admitem outros, entregando ao Estado o cuidado de lhes outorgar uma esmola.

O Serviço de assistência funciona às avessas. As proteções, as garantias e os auxílios são


concedidos aos fortes e organizados e não aos fracos. Sendo assim, essa burocracia impessoal e
ineficaz os humilha sem lhes prover às necessidades. Os mais necessitados de cuidados médicos são
justamente os que menos recebem. Sua solidão agrava-lhes a situação. Os jovens saem para as ruas
e formam bandos. As pessoas idosas vivem reclusas; e num país em que as distâncias, o ritmo de
vida não lhes permitem encontros, e em que as comunicações se fazem essencialmente por telefone,
cinco milhões deles se acham privados deste aparelho. O Doutor Linden, da Saúde pública de
Filadélfia, escreve: "Entre os fatores mais poderosos para o desenvolvimento de problemas afetivos
entre nossos concidadãos avançados em anos, é preciso apontar o ostracismo social de que são
vítimas, a redução de seu círculo de amizades, a intensa solidão, a diminuição e a perda de respeito
humano e o sentimento de desgosto com relação a si mesmos."
Na opinião de todos os gerontólogos, é psicológica e sociologicamente impossível viver os últimos
vinte anos de vida em boas condições físicas sem desempenhar nenhuma atividade útil. Na medida
em que requerem menos força muscular, os trabalhos são menos penosos nas sociedades modernas;
todavia, a aceleração do ritmo, somada à extrema divisão das operações, aumenta o desgaste. Como
já disse, esta degradação não se acha naturalmente relacionada com a senescência mas sim com o
regime de trabalho. Enquanto esse não for modificado, será preciso reivindicar para os velhos
operários o direito ao repouso.

A sociedade, tal como é, impõe uma escolha monstruosa: devem-se sacrificar milhões de jovens ou
permitir que milhões de velhos vegetem miseravelmente. Todo mundo está de acordo em rejeitar a
primeira solução: resta, portanto, a segunda. Não se trata somente dos hospitais e dos asilos: a
sociedade toda constitui para o velho um imenso "morredor".

A tragédia da velhice representa a condenação radical de um sistema de vida mutilador: um sistema


que não oferece à imensa maioria de seus componentes o menos incentivo para viverem. O trabalho e
o cansaço mascaram esta ausência, mas ela se revela no momento da aposentadoria. É muito mais
grave que o tédio. Ao se tornar velho, o trabalhador já não encontra lugar na Terra porque, a
realidade, nunca lhe foi concedido lugar algum: ele, simplesmente, ainda não havia tido tempo de o
perceber. Ao descobri-lo, mergulha numa espécie de desespero "amalucado".
CONSIDERAÇÕES

Apesar de se chamar "A Velhice", este livro aborda de forma política-histórica-antropológica-


sociológica e filosófica como era e como é o viver nas diversas sociedades que possuem ou
não registros históricos, sejam eles escritos ou perpassados através da cultura popular.

A autora buscou trazer uma consciência política para seus leitores através de alusões aos
estatutos estabelecidos nas várias sociedades existentes: desde as sociedades conhecidas
através dos mitos e lendas (como a mitologia grega e as lendas africanas), passando pelas
primeiras civilizações que possuem registros fósseis e manuscritos (como as da
Mesopotâmia), e, concluindo com a contemporaneidade do século XX. Estes estatutos nada
mais significam do que a forma de organização dessas populações, ou seja, sua forma de
organização familiar (patriarcal ou matriarcal), sua forma de organização política,e,
principalmente, a função social de cada indivíduo dentro das mesmas.

Nessa viagem histórica, temos que nas sociedades da Antiguidade, os indivíduos de idade
avançada eram tidos como seres superiores, seres que estavam no limite entre o humano e o
sobrenatural, aos quais todo o restante da população devia o profundo respeito, e também, os
que eram consultados para a tomada de decisões sobre os posicionamentos políticos. Os
idosos permaneceram nessa posição de detentor da sabedoria e de máxima experiência até o
despontar da era de intenso fervor e desenvolvimento industrial.

Nesses tempos de Revolução Industrial, deixou de ser interessante para os grandes


empresários ter sujeitos que possuíam grande capacidade de qualidade de trabalho, mas
pouca produtividade. Com o incremento das máquinas à vapor e, em seguida, as elétricas,
tornou-se mais econômico empregar sujeitos jovens, sem vasta experiência profissional, mas
com muita energia de trabalho e grande vigor físico. Desde então, o indivíduo com idade
avançada deixou de ocupar espaços nos grandes centros industriais, e foi tomando espaço
nos trabalhos tidos como sub-valorizados e pouco remunerados.

Esses eventos acima citados vieram como forma de legitimização do modelo capitalista de
controle econômico que, refletiu no modelo político neoliberal sob o qual vive-se atualmente.
Este modelo político-econômico, o qual teve o seu pontapé inicial com a formação dos
burgos, na Idade Média, fez concretizar dentro das sociedades a denominada classe média.
Esta classe se torna a protagonista na defesa da obtenção do lucro em detrimento da
exploração das classes menos favorecidas e das riquezas ambientais, como também,
protagoniza o cenário da livre concorrência de mercado, a nível nacional e internacional,
legalizando as diversas formas de se conseguir sempre um nível ascendente de bens e
riquezas, formando assim, o que chamamos de individualismo burguês. Tal individualismo,
atualmente, foi o responsável pela adoção e manutenção do neoliberalismo.

Todo esse cenário refletiu no modo de se ver a velhice à medida que se tornou "proibido" o
envelhecer: desde as civilizações da Mesopotâmia, os indivíduos se deslumbravam na busca
pela fonte da juventude ou pela magia que assegurasse a vida eterna. Daí, no campo da
Medicina, vários cientistas buscaram formas de explicar a senescência, seja por razões
biológicas (diminuição do metabolismo e atrofia dos órgão), seja caracterizando o avançar da
idade como já sendo "a patologia".

Do sinergismo entre o contexto político e o conceito biológico determinado para o idoso, este
foi obrigado a cada vez mais se afastar da vida produtiva. Daí, como estava havendo um
crescimento da parcela da população com idade avançada, houve a necessidade de se
instituir medidas que assegurassem um mínimo de recursos financeiros para garantir a
sobrevivência destas pessoas. Foi quando surgiram os primórdios do que chamamos
atualmente de aposentadoria.

Quando o indivíduo se vê na condição de sexagenário, o Estado deve se responsabilizar pelo


seu provimento financeiro, e isso deve ocorrer mesmo quando já houver uma boa estrutura
familiar. É o Estado que faz o papel do respaldo familiar a nível nacional, ou seja, ele deve
assegurar que as pessoas em geral, independente de terem família ou não, consigam
sobreviver minimamente, tendo plena idoneidade para obter seus Direitos garantidos por lei e
plena capacidade para exercer seus deveres.

Pegando o gancho de toda a explicação sobre o sistema capitalista e o neoliberalismo,


podemos agora formar um conceito a respeito do tipo de Estado da nossa sociedade atual:
vivemos sob o regime de Estado neoliberal que se sustenta sob as pilastras de um sistema
econômico capitalista! E o que isso quer dizer? Quer dizer que deixou de ser interessante
para esta forma de governo prover de forma digna e plena a todos os seus cidadãos com
idade avançada, porque esse tipo de ação iria desestabilizar o individualismo do mercado, e
assim, haveria declínio da imensa linha ascendente do gráfico do acúmulo de riquezas da
classe média.
Diante deste fato, pode-se inferir que o Estado, quando aceitou incorporar o modelo
neoliberal, acabou se tornando um órgão fraco. Este se viu encurralado por todo o
individualismo de mercado, que, pelo que é constatado em todas as sociedades europeias e
estadunidenses expostas no livro, apenas buscou se aproveitar dos insumos do Estado para
garantir o seu próprio crescimento, sem que houvesse a real preocupação com a reposição
destes insumos (e a reposição não foi feita!). Assim, essa retirada de recursos sem reposição
culminou na usurpação e ausência da execução plena dos Direitos dos cidadãos desta
sociedade, já que, cada Estado possui um número finito de riquezas derivadas das suas
reservas naturais e da força de trabalho do seu povo, que também são finitas.

Toda essa situação de desvio dos recursos do Estado, que deveriam ir para a sua população,
com o fim de enriquecer as iniciativas privadas - iniciativas estas formadas pelos poucos que
conseguiram o acesso que os permitiram se sobressair dentro da multidão de cidadãos
comuns, isto devido à algum já conhecido favorecimento familiar, ou, até mesmo, devido a um
sacrifício das famílias comuns a fim de compensar àqueles filhos mais queridos ou aos que
aparentemente parecem apresentam maior capacidade intelectual que os demais - faz com
que o Estado sempre esteja em dívida para com seus os cidadãos.

Voltando à questão da velhice, percebemos o reflexo de todo esse cenário político nos idosos:
estes foram obrigados a deixar seus empregos, pois já não apresentavam o ritmo de trabalho
esperado, e assim, se veem subjugados por essa forma de desobrigação empregatícia, como
também, se veem limitados pela redução do seus antigos rendimentos salariais para um
rendimento único sob a forma de uma aposentadoria que, muitas vezes, não condiz com a
real contribuição para o Estado de seus muitos anos de trabalho.

Essa realidade existe para todos os cidadãos, desde crianças até os idosos, porém, ela não é
vista de forma tão clara devido às rotinas da vida - jornada de trabalho, jornada de estudos, a
pressão exercida pelas muitas provas da vida, a busca incessante pelo lazer que nunca é o
bastante, etc. Porém, quando o idoso consegue seu descanso de toda essa rotina imposta a
ele desde jovem, a partir do advento das indústrias e da incessante necessidade de sempre
se aumentar o ritmo de produção, ele passa a enxergar o vazio de sua representação como
sujeito social dentro da comunidade a qual ele mesmo ajudou a desenvolver. Ou seja, ele
percebe que em todo o seu tempo de vida, houve apenas a exploração de sua força de
trabalho a fim de que possa gerar riquezas para as empresas ou para o Estado, e também,
para que este possa ganhar o seu salário e possa ter o poder de compra.
Para finalizar, de acordo com a autora Simone de Beauvoir, todo o sistema político e
econômico vigentes busca apenas usar os cidadãos para fortalecer a busca pelo lucro, e
assim, fortalecer "o capital": a base de sustentação de todo o sistema capitalista. Daí, após a
usurpação máxima da força de trabalho, seja ela técnica ou intelectual, esse sujeito é tido
como inútil, e, para que ele não reivindique seus Direitos plenos, o Estado lhe concede um
benefício ínfimo, sob a forma de aposentadoria, com o intuito de fazer com que esse cidadão
esqueça de toda a sua dignidade humana.

"Tá vendo aquele edifício moço?


Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Eram quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me chega um cidadão
E me diz desconfiado, tu tá aí admirado
Ou tá querendo roubar?
Meu domingo tá perdido
Vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar o meu tédio
Eu nem posso olhar pro prédio
Que eu ajudei a fazer

Tá vendo aquele colégio moço?


Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Pus a massa fiz cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
Vem pra mim toda contente
Pai vou me matricular
Mas me diz um cidadão
Criança de pé no chão
Aqui não pode estudar
Esta dor doeu mais forte
Por que que eu deixei o norte
Eu me pus a me dizer
Lá a seca castigava mas o pouco que eu plantava
Tinha direito a comer" (Cidadão, Zé Geraldo)

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